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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU” PROJETO A VEZ DO MESTRE A Violência Sexual Incestuosa e o Complexo de Édipo Por: Ângela Borsaro Lodi Ribeiro Orientador Prof. Ms. Celso Sanchez Rio de Janeiro 2005

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”

PROJETO A VEZ DO MESTRE

A Violência Sexual Incestuosa e o Complexo de Édipo

Por: Ângela Borsaro Lodi Ribeiro

Orientador

Prof. Ms. Celso Sanchez

Rio de Janeiro

2005

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”

PROJETO A VEZ DO MESTRE

A Violência Sexual Incestuosa e o Complexo de Édipo

Apresentação de monografia à Universidade

Candido Mendes como condição prévia para a

conclusão do Curso de Pós-Graduação “Lato Sensu”

em Psicologia jurídica

Por: Ângela Borsaro Lodi Ribeiro

3

DEDICATÓRIA

Aos meus filhos, Rodrigo e Bruno

4

RESUMO

Essa monografia pretende mostrar que a violência Sexual intrafamiliar é

a forma mais cruel de violência doméstica, pois rompe com os limites

necessários para a constituição do sujeito. A violência sexual contra a criança

no ambiente familiar denuncia uma possível falha na organização das funções

da família. Há uma total trocas de papéis onde a permissividade e a violência

estão em estreita relação com o silêncio. Um silêncio que vem em forma de

“pacto”. A criança tem medo, a mãe tem medo, amigos e vizinhos têm medo

também. É um silêncio que tem que deixar de ser sufocado, pois o abuso

acarreta problemas tanto no plano do desenvolvimento físico quanto mental

das pessoas envolvidas.

5

METODOLOGIA

O trabalho realizado utiliza referencial bibliográfico a fim de se ter uma

compreensão teórica sobre o tema abordado.

6

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 07

CAPÍTULO I - Abuso Sexual Infantil - uma definição 08

CAPÍTULO II - O Incesto - Um tabu 13

CAPÍTULO III – Abuso Sexual e a Teoria Psicanalítica 18

CONCLUSÃO 35

BIBLIOGRAFIA CONSULTADA 36

ANEXOS 39

ÍNDICE 44

FOLHA DE AVALIAÇÃO 45

7

INTRODUÇÃO

Este trabalho visa examinar aspectos importantes sobre o abuso sexual

intrafamiliar contra a criança. É intrafamiliar porque ocorre dentro da própria

casa da criança e normalmente tem o pai como autor desta forma mais cruel de

violência.

Inicialmente, definirei o termo abuso sexual segundo o Manual de

Notificação de Maus - Tratos Contra Criança e Adolescente Pelos Profissionais

de Saúde. Mostrarei o “pacto de silêncio” que se forma na família incestuosa e

os fatores a ele implicados.

Em seguida, analisarei a partir da hipótese estudada por Freud em

“Totem e Tabu” como se deu a origem do “tabu do incesto” e como a legislação

brasileira trata o tema no que se refere a Justiça da Infância e Juventude.

Por último, a partir da teoria psicanalítica mostrarei a relação entre este

tipo de violência doméstica - incesto, e o Complexo de Édipo, termo utilizado

por Freud que demonstra que nos primeiros anos de nossas vidas, possuímos

uma atração pelo genitor do sexo oposto. Nesta fase a mãe tem um papel

fundamental para a criança, mas durante o Édipo é o pai que se torna a figura

central, sendo esperado que ele faça a interdição nesta relação fusional em

que a criança se encontra com a mãe.

CAPÍTULO I

ABUSO SEXUAL INFANTIL

8

UM CONCEITO

Os textos lidos em sala de aula nos trouxeram a reflexão a respeito de

crianças vítimas de abuso. Muitas vezes ouvimos falar neste termo, mas

pouco sabemos sobre a sua amplitude. Podemos dizer que há várias maneiras

de se abusar de alguém. E podemos classificar algumas categorias como:

abuso físico, abuso verbal, abuso sexual, abuso psíquico e outros. Entendemos

como abuso psíquico várias possibilidades como por exemplo ameaça, castigo,

coação, insulto, humilhação, abandono, negligência.

O abuso sexual infantil é uma forma de violência sexual contra a criança

ou o adolescente. A etiologia e os fatores determinantes do abuso sexual têm

implicações diversas. Envolvem questões culturais (como é o caso do

incesto) e de relacionamento (dependência social e afetiva entre os

membros da família), o que dificulta a notificação e acaba por perpetuar o

“silêncio”. Dizem respeito também às questões da sexualidade, seja da

criança, do adolescente ou dos pais, enfim de toda a família.

O Manual de Notificação de Maus - Tratos Contra Crianças e

Adolescentes Pelos Profissionais de Saúde editado pelo Ministério da Saúde,

2002, define abuso sexual:

“consiste em todo ato ou jogo sexual, relação

heterossexual cujo agressor está em estágio de

desenvolvimento psicossexual mais adiantado que a

criança ou o adolescente. Tem por intenção estimulá-la

sexualmente ou utilizá-la para obter satisfação sexual.

Apresenta-se sobre a forma de práticas eróticas e

sexuais impostas à criança ou ao adolescente pela

violência física, ameaças ou indução de sua vontade.

Esse fenômeno violento pode variar desde atos em que

9

não se produz contato sexual (voyerismo, exibicionismo,

produção de fotos), até diferentes tipos de ações que

incluem contato sexual sem ou com penetração. Engloba

ainda a situação de exploração sexual visando lucros

como é o caso da prostituição e da pornografia”.

O abuso sexual às crianças pode ocorrer na família, através do

pai, do padrasto, do irmão ou outro parente - abuso sexual intrafamiliar. Outras

vezes pode ocorrer fora de casa, como por exemplo, na casa de um amigo da

família, do vizinho, de um professor - abuso sexual extrafamiliar.

Para fins deste trabalho abordarei a questão do abuso sexual

intrafamiliar ou incestuoso como também é chamado. O incesto, entendido

como relacionamento sexual entre parentes (exceto cônjuges), proibido social e

culturalmente. Ele só se configura a partir da existência de normas que o

definem e o proscrevem. Assim, a ocorrência do incesto é a manifestação de

uma falha no que diz respeito à eficácia dessas normas.

O abusador quase sempre possui uma relação de parentesco com a

vítima (pai, padrasto, irmão) e tem certo poder sobre ela, tanto do ponto de

vista hierárquico e econômico como do ponto de vista afetivo. Os fatores

mais importantes que estão presentes nesta questão referem-se ao abuso do

poder do adulto contra a criança. Por isso, os homens preferem meninas entre

sete e oito anos. O domínio exercido sobre uma menina dessa idade é muito

maior do que sobre uma adolescente que, além do mais, pode engravidar.

Algumas vezes, esses adultos agressores e inadequados estão

produzindo a violência experimentada enquanto crianças vítimas de maus -

tratos; e por esta via, se tornaram adultos abusadores. Contudo, este

argumento não pode nos levar a pensar que o abusado inevitavelmente repete

o ato de violência que sofreu, o que tiraria o sentido das ações de prevenção.

10

Uma coisa é certa: a autoridade do adulto sobre a criança. E em algumas

situações, essa atitude de obediência pode explicar a dificuldade das

crianças em se afastarem de seus agressores. Elas deixam que seus corpos

sejam utilizados como objeto de prazer por um adulto incestuoso. A criança

abusada sexualmente deixa de ser sujeito e passa a ser submetida, é uma

submissão ao mais forte.

Não há um lugar próprio para a ocorrência do abuso sexual, ela pode se

dar em qualquer país ou em qualquer classe social. É importante frisarmos que

o abuso sexual não está restrito a uma determinada classe social, como já se

quis acreditar, ao contrário, está presente em todas as esferas do social.

Quando ocorre no interior da família, o abuso sexual tende a ser

repetitivo, mais de uma criança é molestada, o que Azevedo, 2004 chamou de

“Incesto em Série” e tende também a permanecer envolto em silêncio. Não só

porque a criança silencia acerca da experiência vivida, como também porque

estão envolvidos outros membros da família.

A criança acaba ficando muito fragilizada já que na maioria das vezes é

chantageada, intimidada para não revelar, ou por medo de perder os pais, de

ser expulsa de casa, de ser responsável pela briga entre os pais. Por outro

lado, muitas das vezes as mães desconfiam mais acabam fazendo um “pacto”

por medo de perder o provedor da família ou por vergonha de tornar pública a

própria situação. Ignorando até mesmo reações físicas que aparecem

na criança como inflamações, infecções e corrimentos.

A mãe torna-se cúmplice do abuso, torna-se uma “abusadora passiva”.

A negação aparece como um mecanismo de defesa mais utilizado pela família

incestogênica. O papel passivo da mãe revela em alguns casos a dificuldade

em lidar com a situação por ter sido ela própria vítima de algum tipo de abuso

sexual, físico ou emocional.

11

Diante destes medos a criança se sente impossibilitada de buscar ajuda

e muitas vezes deixa escapulir algum indício de abuso nas brincadeiras com

amigos, num desenho, num ato falho, num sonho ou mesmos em conversas,

que só serão ouvidas se a família permitir. Para citar um exemplo uma criança

fez uma redação na escola sob o título de “A mão invisível” e ganhou o primeiro

lugar; uma mãe ao ler a redação e assustada com o desenho que a ilustrava

denunciou e percebeu-se que esta criança vinha sendo molestada por seu

padrasto a 4 anos. ( O Globo - 2/05/2004,p.2).

Este pacto, “pacto de silêncio” se forma a partir do sentimento de

vergonha e medo de desestruturar a família, e aponta para a contradição

existente entre o papel de proteção que a família teria que desenvolver e a

violência que se estabelece quando é violado o mais sagrado dos tabus, que é

a interdição do incesto.

É preciso dar mais crédito às histórias contadas pelas crianças do que

aos exames físicos, que elas possam realizar. Citarei um outro exemplo no

caso uma mãe que desconfiava que seu marido estava abusando da filha do

casal de 3 anos de idade. O pai estava desempregado e passou a cuidar da

filha como dar banhos, trocar de roupas, dar comidas. Hábito que continuava

mesmo quando a mãe estava em casa. Durante a ausência desta, a

empregada percebeu que ele trancava a porta, fechava a cortina e as janelas.

A menina começou a pedir a empregada que lambesse suas partes genitais e

confirmou que o pai fazia com freqüência. (Graça Pizá, 2004)

O abuso sexual pode trazer para a criança ou o adolescente

conseqüências orgânicas e psicológicas. Dentre as primeiras, as mais

encontradas são as lesões diversas de genitália ou ânus, gestação e doenças

sexualmente transmissíveis (como gonorréia, sífilis, hepatite B, condiloma e

AIDS) e ainda outras seqüelas. Contudo, nem sempre o abuso pode ser

detectado pelo exame físico. Com exceção de ataques sexuais com violência,

12

praticados por desconhecidos.

A maioria dos casos de abuso sexual ocorre de forma repetida, dentro

de casa, sem violência e em evidências físicas. Como conseqüência

psicológica, podemos dizer que ela existe quando os adultos usam ameaças

para exigir que a criança obedeça, quando fazem comparações que as

depreciem ou quando negam afeto. Esse tipo de violência atinge a criança

profundamente no seu psiquismo, na auto - estima e subjetividade. Traz um

sentimento de desamparo e desamor. Diminui a auto - confiança e a confiança

em outros. Com isto, muitas crianças crescem frustradas, inseguras, com baixa

- estima e com grande dificuldade de relacionamento, tornando-se adultos

isolados e com uma forte carga agressiva acumulada.

CAPÍTULO II

INCESTO

UM TABU

13

O incesto é uma manifestação de uma falha no que diz respeito às

normas. Freud constrói em 1913 em Totem e Tabu um “mito científico” o da

“horda primitiva”. Neste texto Freud se propôs a estudar as origens das

organizações sociais, com suas regras de convívio e crenças religiosas. Para

ele tabu é uma palavra de origem polinésia e que possui duas significações

opostas: a primeira delas refere-se à sua conotação de sagrado ou consagrado

e a segunda diz respeito ao seu aspecto inquietante, perigoso, proibido ou

impuro.

Ele propõe a hipótese de que numa pequena comunidade em

tempos passados teria acontecido uma experiência muito elucidativa da

dinâmica parental. Esta comunidade era chefiada por um pai todo - poderoso,

senhor de todas as mulheres, que proibia aos filhos se aproximarem delas,

mantinha todas as mulheres guardadas para ele e expulsava da horda os

filhos adolescentes. Assim, estes filhos expulsos, que não estavam de acordo,

mataram e comeram o pai. Ao devorarem o pai, cada um dos irmãos realizou

seu desejo de identificação com ele. Mesmo tendo comido o pai, os filhos

perceberam que também o amavam e admiravam. Fazendo com que entrasse

em contato com o remorso e a culpa.

Com a morte do pai cada irmão tornou-se rival dos demais pela posse

das mulheres. Uma luta entre irmãos teria destruído sua nova organização e

para se preservarem, instituíram a proibição do incesto, abrindo mão das

mulheres que desejavam. O pai morto tornou-se mais forte do que era quando

vivo. O que era proibido pela existência real do pai, passou a ser proibido

pelos próprios filhos. Anularam o próprio ato proibindo a morte do totem,

o substituto do pai, e renunciaram aos seus frutos abrindo mão das mulheres

que tornaram livres. Criam com isso, dois tabus fundamental no totemismo, os

quais correspondem aos dois desejos recalcados do Complexo de Édipo: o

parricídio e o incesto.

14

Uma das características próprias das proibições-tabu é que elas

suscitam uma atitude ambivalente nos indivíduos. Para o sujeito, em seu

inconsciente, nada lhe agradaria mais do que violá-las, mas ao mesmo tempo,

conscientemente teme transgredi-las.

Existe o conflito em reconhecer que a fantasia de realizar esse ato lhe

agrada, mas, como se trata de um desejo reprimido, esse desejo se mantêm.

Para que não se repita este crime originário, Cromberg, 2001, nos revela

“instituem o tabu do incesto que instaura a exogamia e a comida totêmica,

modo simbólico de morte e ingestão das propriedades paternas”. A regra

exogâmica impõe uma restrição a que se estabeleçam alianças no interior do

mesmo clã e seu objetivo é garantir a sobrevivência do grupo.

Mais importante do que definirmos o que é incesto seria estarmos

atentos para o fato de que sempre estamos ancorados numa interdição, que é

o que vai estar na origem da formação dos tabus sociais. Numa visão

psicanalítica, vale lembrar a necessidade da instituição de uma barreira ao

gozo sem limite como condição de existência na cultura. Mesmo que não seja

a proibição da relação entre mãe e filho ou pai e filha, precisa haver um

interdito, uma vez que este é imprescindível por ser da ordem da cultura ou do

humano.

O horror que desperta o incesto e a atração que exerce sobre os

homens o que é proibido, nos leva às leis de interdição, que são as mesmas

que instituem o tabu, pela necessidade de barrar um desejo proibido. Este

desejo precisa de uma lei para ser barrado. A interdição do incesto

enquanto regra universal é o que torna possível uma teoria do Complexo de

Édipo. Por outro lado, a questão do Édipo e a interdição do incesto são

impensáveis se não houver o pai ou se preferirmos, a função do pai, tema que

desenvolverei em outra parte do trabalho.

15

2.1 - Incesto, Abuso Sexual e o Código Penal

Nem todo abuso sexual infantil é incesto, mas todo incesto é abuso

sexual infantil. Na realidade, em toda situação de abuso sexual infantil está

presente a estrutura triangular que caracteriza a relação edípica, havendo uma

vivência de transgressão do tabu do incesto ou a própria tentativa de negação

da situação triangular (mãe - bebê - pai). Assim, seríamos tentados a dizer,

talvez que não há grandes diferenças psíquicas entre as noções de abuso

sexual infantil e incesto.

A característica mais marcante do incesto é seu caráter intrafamiliar.

Entretanto, pode acontecer um abuso sexual sem as especificidades do

incesto, mesmo que não seja a prática mais comum, pelo fato do agressor ser,

na maioria das vezes, pessoa próxima e da confiança da criança. O abuso

sexual intrafamiliar, aquele que ocorre por pessoas da família, é considerado

“silencioso” , “invisível”. Porque às vezes revelar pode ser insuportável para a

própria família.

Se procurarmos no dicionário a definição de incesto, encontraremos:

“relação sexual entre parentes (consangüíneos ou afins) dentro dos graus em

que a lei, a moral ou a religião proíbe ou condena o casamento”. (Houaiss,

2001)

E o nosso Código Penal, o que nos diz sobre o incesto? Ele não

considera o incesto como um crime autônomo e serve como agravante de

outro crime. Se o incesto for praticado entre pessoas maiores de idade, não

constitui uma conduta típica para o direito penal, embora exista uma grande

reprovação no campo da moral. Se praticado com violência ou grave ameaça

recebe o nome de estupro. E se for praticado um ato sexual com violência ou

grave ameaça através de uma conduta que não seja uma relação sexual adulta

e se for configurado ato libidinoso, o direito penal chama de atentado violento

ao pudor.

16

O Código Penal não tipifica o incesto como crime, mas no art. 226,II sob

o título “DOS CRIMES CONTRA OS COSTUMES” tem como causa de

aumento de pena se: “A pena é aumentada de quarta parte: (...), II - se o

agente é ascendente, pai adotivo, padrasto, irmão, tutor ou curador,(... )

O Direito Civil e Estatuto da Criança e do Adolescente nos traz uma

importante reflexão no que tange ao poder familiar . O art. 1630 do Código

Civil determina: “Os filhos estão sujeitos ao poder familiar, enquanto menores”.

E o art. 1638, III do Código Civil determina a destituição do poder familiar ao

pai ou à mãe que praticar atos contrários à moral e aos bons costumes. E o

Estatuto da Criança e do Adolescente em seu art. 130 determina como medida

cautelar o afastamento do agressor da moradia comum. Nos casos em que há

flagrantes indícios de abuso sexual por parte dos pais. Uma das principais

características produzidas pelo ECA é o entendimento de que a criança e o

adolescente são considerados sujeitos plenos de direito e não somente objetos

de proteção.

O abuso sexual é considerado uma das formas de violência doméstica

que podem ocorrer com a criança e adolescente. É de difícil diagnóstico porque

muitas das vezes não deixa marcas físicas, mas acaba por marcá-los por toda

a vida.

Foi sancionada, pelo presidente Lula, no dia 1º de julho a lei 10.886/04

que tipifica este tipo de violência no Código Penal Brasileiro. Define o crime de

violência doméstica, além de estipular a pena para o agressor: detenção de 6

meses a 1 ano, podendo ser aumentada em 1/3, se a lesão for praticada contra

filhos, pais, irmãos ou companheiros.

E o dia 18 de maio foi instituído o dia Nacional de Combate ao Abuso e

à Exploração Sexual de Criança e Adolescente. Este dia marca o dia da morte

17

da menina Araceli que em 1973 foi vítima de seqüestro, estupro e assassinato.

A campanha tem como lema: “ESQUECER É PERMITIR, LEMBRAR É

COMBATER”.

A denúncia de casos de abuso e exploração sexual pode ser feita por

qualquer cidadão por meio do Disque - Denúncia de Violência, Abuso e

Exploração Sexual de Criança e Adolescente da Secretaria Especial de Direitos

Humanos da Presidência da República. Desde a implementação do serviço,

em 15/05/2003, foram registradas 5450 denúncias, sendo 799 de exploração

sexual, 2984 de maus - tratos e 1657 de abuso sexual. Os conselhos

Estaduais dos Direitos da Criança e Adolescente e o Conselhos tutelares

também podem ser notificados.

CAPÍTULO III

ABUSO SEXUAL INFANTIL E A

TEORIA PSICANALÍTICA

18

Segundo Ribeiro, 2003, em “A violência sexual: considerações sobre a

importância da função do pai”, o autor da violência é sempre o pai ou quem

ocupa esse lugar. E tentando unir a teoria psicanalítica ao tema abuso sexual

infantil, me ocorreu pensar numa possível falha do Complexo de Édipo, onde

Freud nos mostra a sua universalidade. Onde todos nós desenvolveríamos um

complexo e em um determinado momento de nossas vidas teríamos um apego

maior pelos nossos pais. Começarei por apresentar como se deu para Freud

a descoberta do Complexo de Édipo, passando pela etapas de

desenvolvimento da libido.

3 - 1- A Descoberta do Complexo de Édipo:

As questões relacionadas ao abuso sexual intrafamililar ou incestuoso

nos faz pensar em Freud. Como se deu a descoberta deste complexo,

fazendo-o com que abandonasse a sua teoria da sedução, onde acreditava que

a criança vivenciaria a sedução real por um adulto. A partir daí, Freud

começa a trabalhar com o conceito de fantasia. Falarei sobre isto mais adiante.

Os primeiros relatos de Freud a respeito do Complexo de Édipo

aparecem em suas correspondências trocadas com seu amigo Wilhelm Fliess,

no ano de 1897, são ao todo 301 cartas. Fliess, era médico, berlinense,

especializou-se em otorrinolaringologia e fez pesquisas sobre as relações entre

o nariz e os órgãos genitais. Através destas correspondências ,Freud ia

mostrando e trocando idéias com ele a respeito de sua teoria: falava de seus

tratamentos, da dificuldade de se realizar sua auto-análise e, portanto, da

“construção” da psicanálise.

As correspondências que falam sobre o Complexo de Édipo são de 31

de maio e 15 de outubro de 1897. Na correspondência de 31 de maio, é a

onde Freud começa a desenvolver a idéia do complexo. Nela, Freud revela

que durante um período a criança dirige aos pais impulsos hostis, encontrados

19

nos quadros patológicos. Ele realiza uma equivalência entre estes impulsos

hostis e o desejo de matar os pais. E registra que estes impulsos aparecem

nas idéias obsessivas e também nos delírios de perseguição dos paranóicos,

detalhando que, neste último caso, a desconfiança patológica dirigida a

governantes e monarcas constitui uma derivação dessa hostilidade aos pais.

Outro ponto importante que Freud aponta para a questão do ódio aos

pais é se os pais morrerem (ou adoecerem) de fato. No luto, acontece ora uma

reação melancólica de remorso (auto - recriminações), ora uma reação

histérica de identificação (adoece-se como o pai). Somente ao fim da carta,

Freud diz que este desejo de morte obedece a uma regularidade sexual:

odeia-se e condena-se à morte, nas neuroses, o genitor de mesmo sexo. Esta

correspondência, de maio de 1897 (rascunho N), foi escrita exatamente 7

meses após a morte de Jacob, pai de Freud. Finalmente, em 15 de outubro,

Freud revela a Fliess a sua descoberta do complexo

“descobri, também em meu próprio caso, o fenômeno de

me apaixonar por mamãe e ter ciúme de papai (...) e

agora considero um acontecimento universal do início da

infância, mesmo que não tão precoce como nas crianças

que se tornaram histéricas”. (Masson,1986, p.273)

É importante frisarmos que Freud utiliza a palavra universal, ele

recorre ao grande clássico da literatura grega Édipo Rei, (OEDIPUS REX) de

Sófocles e aponta para o estado de comoção da platéia frente ao feito de

Édipo.

“ (...) a lenda grega capta uma compulsão que todos

reconhecem, pois cada um sente sua existência em si

mesmo. Cada pessoa da platéia foi um dia, em ponto

menor ou em fantasia, exatamente um Édipo, e cada uma

20

recua, horrorizada, diante da realização de sonho ali

transplantada para a realidade, com toda a carga de

recalcamento que separa seu estado infantil do estado

atual”. (Masson, 1986,p.273).

Segundo Freud, a peça se Sófocles só comove a tão diferentes tipos de

espectadores na medida em que aborda um tema universal e atemporal que

toca de perto a todos porque “simplesmente nos mostra a realização dos

nossos desejos de infância”. Somente em 1900 que aparecerá pela primeira

vez o problema do Complexo de Édipo. Aí, Freud, nos mostra a relação entre

quantidades de amor e ódio como sendo o que diferencia o aparecimento do

Édipo nos normais e nos neuróticos.

“estar apaixonado por um dos genitores e odiar o outro é

um dos constituintes essenciais do acervo de impulsos

psíquicos que se forma naquela época e que é de tal

importância no determinar os sintomas da neurose

posterior. Não acredito, todavia, que os psiconeuróticos

difiram acentuadamente nesse sentido de outros seres

humanos que permanecem normais, isto é, que sejam

capazes de criar algo absolutamente novo e peculiar para

si próprios. É muito provável - e isto é confirmado por

observações ocasionais sobre crianças normais - que

somente sejam diferenciados por exibirem, numa

escala ampliada, sentimentos de amor e ódio aos seus

pais, que ocorrem menos óbvia e intensamente nas

mentes da maioria das crianças”. (

Freud,1900)

Foi a partir do impacto da descoberta do Complexo de Édipo em sua

auto-análise, que Freud escreve sobre os sonhos. Podemos verificar aí, a

importância que ele começa a dar a questão edípica na vida das pessoas.

21

Durante a sua correspondência com Fliess, Freud ia trocando idéias

com seu amigo e assim desenvolvendo a sua teoria. Na correspondência de

21 de setembro de 1897, Freud relata “não acredito mais na minha neurótica”

e abandona a sua teoria da sedução onde a neurose teria como origem um

abuso sexual real. Assim a lembrança destes traumas causaria um sofrimento

muito grande ao paciente que ele preferiria esquecê-los ou recalcá-los.

Fazendo com que o paciente desenvolvesse uma neurose.

A grande virada de Freud, foi perceber com suas pacientes histéricas ,

que não se tratava de um abuso sexual real. Ora elas inventavam uma cena

de sedução que não havia acontecido, ora, quando acontecia, eclodia uma

neurose. A partir daí, Freud começa a trabalhar com o conceito de fantasia.

Encontramos, ainda, um registro de grande importância na

correspondência de julho de 1897, em que Freud coloca a possibilidade de que

a fantasia sexual tenha como tema invariavelmente os pais. E em outubro,

como foi dito anteriormente, Freud descobre o Édipo.

Garcia-Roza, em “Introdução à Metapsicologia Freudiana 2”, escreve:

“Um dia, na nossa mais remota infância, tramamos

cometer os dois maiores crimes de que alguém pode se

acusado: o parricídio e o incesto. Estes crimes, porém,

jamais foram, efetivamente cometidos. Por incompetência

ou por medo, permanecem como desejos.

Pequenos perversos, tínhamos nossa sexualidade voltada

para um objeto privilegiado - a mãe, e encontramos na

figura paterna um obstáculo irremovível à concretização

do nosso anseio. Daí o ódio de morte que lhe

devotamos. Ambos, porém - o amor pela mãe e o ódio

22

pelo pai -, não puderam ser mantidos na sua forma

original e tiveram que ser afastados dos nossos desígnios

conscientes, permanecendo no entanto como desejos

inconscientes alimentando nossos sonhos”. (p.9)

Freud busca no mito de Édipo a explicação para a estruturação da

subjetividade humana, ou melhor, para aquilo que vai nos diferenciar dos

demais seres vivos. O Complexo de Édipo para Freud é o resultado dos

desejos, tantos amorosos quanto hostis, que a criança sente em relação aos

genitores.

Para Freud o Complexo de Édipo é a peça fundamental na compreensão

da neurose. Com o complexo culmina a sexualidade infantil, sendo que as

suas conseqüências influenciam decisivamente a sexualidade do adulto e

aquele que não conseguir resolvê-lo, cai na neurose.

3 - 2- Desenvolvimento Psicossexual Infantil

Freud, foi o primeiro a chamar a atenção para a sexualidade infantil e a

sublinhar o seu significado. O conceito de sexualidade infantil não se reduz

aos pontos: oral, anal, fálico onde a dominância da zona erógena são a boca, o

ânus, e o órgão genital masculino - o pênis, respectivamente. A sexualidade vai

se definindo a medida que o tempo passa; as zonas genitais irão adquirir maior

importância, podendo sua excitação, manipulação e descarga adquirir formas

ou modelos semelhantes ao orgasmo do adulto.

A sexualidade infantil começa desde o nascimento e culmina entre 3 e 5

anos, com o aparecimento do Complexo de Édipo, que marca o apego da

criança com os pais; a menina se volta para o pai e o menino para a mãe,

demostrando uma hostilidade para a mãe e para o pai, respectivamente. Nesta

23

parte do trabalho a partir do desenvolvimento da sexualidade infantil, mostrarei

como se dá a dinâmica do comportamento sexual durante o Complexo de

Édipo. Lembrando que as etapas do desenvolvimento psicossexual, que serão

apresentadas a seguir, não se dão nunca de um modo claro e seguido de uma

cronologia etária definitiva.

3.2.1 - Fase Oral:

Esta fase se estende desde o nascimento até o desmame e que está,

como foi dito anteriormente, sob a primazia da zona erógena bucal. A boca

proporciona ao bebê não só a satisfação de se alimentar como também, o que

mais importante, o prazer de sugar. O prazer da sucção é independente das

necessidades alimentares e constitui um prazer auto - erótico. Desta forma

podemos pensar que o objeto decorrente desta fase não é o leite propriamente

dito, mas, o seu afluxo de leite quente que excita a mucosa, ou o mamilo do

seio ou a mamadeira e em alguns casos uma parte do próprio corpo, como

por exemplo os dedos, mais especificamente o polegar, que mantêm o

movimento cadenciado da sucção. Nesta fase a criança não tem a noção de

um mundo exterior, diferenciado dela.

3.2.2 - Fase Anal:

É a segunda etapa de organização pré - genital ressaltada por Freud.

Se desenvolve, mais ou menos, durante o segundo ou terceiro ano de vida do

sujeito. Neste período o orifício anal é a zona erógena dominante; é a parte do

corpo para aonde está voltada a libido. A criança atinge um desenvolvimento

neuromuscular maior, onde a excitação sexual da mucosa anal é provocada

por um ritmo particular do esfíncter anal quando ele se contrai para reter e se

dilata para evacuar. A criança tem que dominar as duas forças opostas que é

reter e eliminar.

24

Os seus excrementos são vivenciados por ela como algo que ela

produziu, e é entendido como os seus primeiros produtos, são concretos e

reais, a criança vivência um esforço e prazer para produzir, além de poder ver

o resultado final, o seu produto. Ao contrário da fase anterior, a criança passa

a diferenciar através do controle esfincteriano, o mundo externo do mundo

interno e, assim, as fezes passam a ser vivenciadas como conteúdos, que são

exteriorizados.

As fezes têm um valor de troca entre a criança e o meio - externo.

Estas duas primeiras fases da organização sexual infantil podem ser chamadas

de pré-genitais. Nestes períodos, é inexistente a diferenciação sexual.

3.2.3 - Fase Fálica:

A descrição desta fase aparece em Freud (1923), em seu artigo “A

Organização Genital Infantil”. Nele, Freud, faz uma crítica à sua idéia anterior

de que no primeiro período da infância não haveria uma organização das

pulsões em torno dos órgãos genitais, fato que só se daria na puberdade. E

formula, então, a existência de uma nova fase da sexualidade que é fase fálica,

onde há um investimento libidinal dos órgãos genitais. É bom frisarmos que

este investimento é diferente da organização genital no adulto. Há o despertar

da zona erógena fálica: o pênis no menino e o clitóris na menina.

Desenvolve-se por volta dos três aos cinco anos.

Onde prazer sexual resultaria das carícias masturbatórias e dos toques

ritmados das partes dos genitais, tão ritmados quanto podem ser os

movimentos alternados da sucção no prazer oral e os da retenção/expulsão no

prazer anal. Durante esta fase o órgão sexual anatômico masculino - o pênis,

25

tem um papel dominante - representa força e poder, ainda não existe uma

consciência da diferença sexual, portanto, não pode ser considerado como

uma genitalização verdadeira. O que estaria em jogo não seria a primazia dos

órgãos genitais, mas uma primazia do falo.

O desenvolvimento da sexualidade infantil ocorre paralelamente a

descoberta dos órgãos genitais. Desta forma, podemos dizer que a passagem

da sexualidade infantil para a adulta não se dá apenas em relação a maturação

dos órgãos genitais. O que Freud nos diz é que há uma mudança na

interpretação da diferença sexual. Ele constrói um modelo monista da

sexualidade, havendo uma primazia do órgão sexual masculino sobre o

feminino.

Deste modo, a sexualidade é masculina, onde a criança só

reconheceria um único órgão sexual - o pênis, negando por completo a

existência do órgão sexual feminino - a vagina. No psiquismo infantil não há

diferença entre os sexos, meninos e meninas reconhecem e atribuem a todas

as pessoas um pênis. O que estaria em jogo neste momento, não seria a

primazia do órgão genital masculino, mas uma primazia do falo.

O conceito de falo torna-se teoricamente importante, na medida em

que vem desfazer uma possível confusão entre o órgão masculino

propriamente dito e aquilo que ele representa na fantasia da criança.

“A primazia do falo não deve ser confundida com uma

suposta primazia do pênis. Quando Freud insiste no

caráter exclusivamente masculino da libido, não é de

libido peniana que se trata, mas de libido fálica. O

elemento organizador da sexualidade humana não é,

26

portanto, o órgão genital masculino, mas a representação

construída com base nessa parte anatômica do corpo do

homem(...)”. (Nasio,1995,p.33)

Durante a fase fálica, podemos observar que a diferença sexual não é

propriamente percebida e sim negada, pois ambos os sexos acreditam na

existência do pênis, onde este não existe. A sua percepção implicaria em

aceitar a castração. Na fantasia, a criança acredita que a menina tem um pênis

pequeno e que irá crescer sendo o seu clitóris um pênis em formação.

A percepção de que uns tem o falo e outros foram privados dele, gera

na criança do sexo masculino uma angústia de que um dia ela poderá perder o

seu - angústia de castração, e na criança do sexo feminino gerará um

sentimento de inveja do pênis, ela não o tem, mas desejaria tê-lo.

“negam tal falta, crêem ver o membro, e resolvem a

contradição entre a observação e o prejulgado

pretendendo que o órgão é ainda muito pequeno e

crescerá quando a menina for maior. Pouco a pouco,

chegam a conclusão, na verdade, muito importante, de

que a menina possuía, a princípio, um membro análogo

ao seu, do qual foi a seguir despojada. A ausência do

pênis é interpretada como resultado de uma castração,

surgindo então, no menino, o temor à possibilidade de

uma mutilação análoga”. (FREUD, 1923)

O pênis se torna algo mais do que o órgão sexual anatômico, se

revelando como elemento primordial do jogo da diferenciação sexual. Seria

nessa fase que a criança se depararia com a alternativa: ter falo ou ser

castrada.

Em a “Dissolução do Complexo de Édipo”(1924), Freud vai enfatizar

27

pela primeira vez a diferença de curso do desenvolvimento da sexualidade em

meninos e meninas, a partir dos efeitos do complexo de castração. Nos

meninos a visão dos órgãos “castrados” da menina juntamente com as

interdições marcadas por manipularem seus órgãos genitais, destrói a crença

de que todos os seres possuem um pênis.

Esta visão só faz sentido diante da ameaça verbal feito pelo adulto --

o menino sente que pode ser punido devido aos desejos incestuosos dirigidos

à mãe – vivenciando, deste modo, a ameaça de castração. Neste momento

há uma intensificação das relações libidinais do menino em relação à mãe.

Estas ameaças proferidas por sua mãe ao verem manipularem seus genitais,

faz com que o menino saía do Édipo, o investimento edípico do menino se

desfaz com o objetivo de preservar seu órgão tão valorizado.

Assim por um interesse narcísico pelo pênis, o menino se desliga do

Édipo. Estas ameaças faz como que a criança resignifique toda uma série de

castrações a que vem sendo submetida, como perda do seio (desmame) ou

abandono das fezes.

Somente, neste contexto é que a visão do órgão genital feminino é

reconhecido como castrado. A ameaça de castração visa o pênis, mas seus

efeitos incidem sobre a fantasia do menino de desposar a mãe. Deste modo,

o complexo de castração constituirá o fator principal do declínio do Édipo no

menino. Mais tarde, quando a criança começa a ter diversos questionamentos

sobre a origem das diferenças sexuais, sobre a sua origem, qual o lugar

ocupado por ela dentro da estrutura familiar, sobre o nascimento dos bebês, e

adivinha que só as mulheres podem dar à luz; é que a figura da mãe perde o

falo. O menino acredita que esta ausência do pênis na mãe foi decorrente de

uma mutilação paterna devido aos seus desejos edípicos: matar o pai e casar

com a mãe, o menino se identifica com o pai a fim de desposar a mãe. A

menina ao ver que não possui o falo, volta-se ao pai a fim de ter o órgão tão

desejado e responsabiliza a mãe pela ausência deste.

28

Durante o Édipo, ocorre o que o menino em relação ao pai, se identifica

com ele e toma a mãe como objeto de investimento libidinal. Porém, ao

perceber que o pai é um obstáculo à realização de tais desejos, essa relação

de identificação assume um caráter hostil. Parte dos investimentos libidinais

vai ser inibida em seus objetivos, sendo transformada em afeição e parte vai

ser dessexualizada, sofrendo os efeitos da sublimação e transformando-se em

identificações que vão dar origem à formação do superego. Assim são

introjetadas a lei paterna que perpetuam a lei do incesto. Esta proibição do

incesto está no cerne do Complexo de Édipo, o pai é o agente desta lei. A lei

que proíbe o incesto não somente funda subjetivamente o sujeito, mas está na

origem da história da civilização humana. O Complexo de Édipo, no menino,

“(...) não é simplesmente recalcado, mas desfaz-se

literalmente em pedaços sob o impacto da ameaça de

castração (...); nos casos ideais não mais subsiste sequer

no inconsciente”. (Freud, 1905)

No caso das meninas, Freud observa que também tem o mesmo

interesse pelo pênis e a constatação de sua falta faz com que elas

desenvolvam uma inveja dos meninos por possuírem esse órgão tão

valorizado. Elas se sentem inferiorizadas, sentem-se inferior por que a

representação da diferença entre os sexos para a criança se restringe a

polarização fálico x castrado. Caindo vítimas da “inveja do pênis”, que seria a

forma de expressão de seu complexo, “ela o viu, sabe que não tem e quer tê-

lo”. (FREUD,1925)

É em torno desta inveja que a menina vai se organizar em relação à

sua sexualidade, o que a levará mais tarde a buscar um “pênis”. Aceitam a

castração como fato consumado, “a castração já teve o seu efeito”

(FREUD,1925), uma vez que a castração já se deu, não há motivo para um fim

do Complexo de Édipo como nos meninos. A angústia vivenciada pelos

29

meninos ante a castração, falta nas meninas, pois já nasceram castradas. Por

conta disto, 1925, Freud em seu artigo “Algumas Conseqüências Psíquicas da

Distinção Anatômica Entre os Sexos”, relata que o supereu da mulher é mais

impessoal.

Quando percebe que a mãe também é castrada, a menina é tomada

por uma hostilidade em relação a ela por não ter-lhe dado o órgão viril. A

descoberta da castração da mãe leva a menina a separa-se dela e escolhe o

pai como objeto de amor, portador do órgão fálico, na esperança de receber

dele o que a mãe foi incapaz de lhe dar. propiciando a sua entrada no Édipo.

Esta descoberta da diferença sexual ficará marcada no psiquismo e

contribuirá para a constituição do sujeito e de suas relações objetais. Esta fase

precede o estado final do desenvolvimento sexual, isto é, a organização genital

definitiva, ao qual Freud chama de fase genital.

3.2.4 - Período de Latência:

É um momento intermediário entre as etapas infantis de organização

da libido e a etapa adulta (genital). Este período não é considerado uma fase

porque não há uma nova organização da libido.

Se dá o desenvolvimento do super-ego. Tem como finalidade preparar

o desenvolvimento do indivíduo no mundo da realidade de forma que o

despertar da genitalidade adolescente, as fantasias encontram um sujeito apto

a realizá-la adequadamente. Durante este período , a energia sexual é

desviada para outros fins que não o sexual – sublimação. Há um

abrandamento desta energia.

3.2.5 - Fase Genital:

30

Última fase da evolução psicossexual, é onde se fundamenta a

organização central da personalidade humana, que é o Complexo de Édipo.

Nesta fase ocorre a unificação das pulsões parciais sob o primado das zonas

genitais. Marca a passagem para a sexualidade adulta e conseqüentemente a

maturação dos órgãos sexuais. Fica definido o papel do homem e da mulher

para a procriação.

3 - 3 - A Função Paterna

Freud desde o início de seus estudos descobriu o papel preponderante

da sexualidade para o psiquismo. Ao estudar a origem das neuroses de seus

pacientes, conclui que eles adoeceriam em função de dificuldades relativas à

sexualidade. E descobre o poder traumático das fantasias inconscientes e a

sexualidade infantil.

Assim, como vimos, a sexualidade infantil remonta aos primeiros

cuidados maternos. A experiência de ser amamentada transmite à criança

muito mais do que leite no contato com sua mãe, e, quando chupa o dedo ou

uma chupeta na tentativa de repetir a satisfação experimentada, ela nos mostra

que suas necessidades de satisfação não se restringem às funções

fisiológicas, como a fome. Há uma busca de prazer, portanto uma demanda

erótica. Nesse sentido, a satisfação experimentada no contato com a mãe na

mais tenra infância seduz a criança. Essa sedução absolutamente necessária

e impulsionará todo o desenvolvimento psíquico ulterior. O primeiro objeto de

amor da criança, menino ou menina, é a mãe, e aos desdobramentos desse

enamorar-se chamamos de Complexo de Édipo, como já foi comentado

anteriormente.

31

Lacan, em seu Seminário 2 - “ O eu na teoria de Freud e na técnica da

psicanálise” (1955), reforça a idéia de que para se estabelecer uma relação

com o objeto de desejo é preciso que haja uma relação narcísica do eu com o

outro. A mãe é pessoa que cuida do bebê, que codifica suas vontades.

Podemos dizer que a mãe neste período encontra-se em estado fusional com

a criança. A criança busca identificar-se com o que supõe ser o objeto do

desejo da mãe. E esse objeto de desejo nada mais é do que o falo. A criança

se faz objeto do que supõe faltar na mãe.

Dentro da leitura psicanalítica homens e mulheres são construídos de

acordo com a lógica fálica, a questão passa a ser ter ou não o falo, o que leva

cada um a seguir caminhos diferentes no desenvolvimento de sua sexualidade.

Na medida em que a criança simboliza esta experiência da castração faz com

que ela assuma seu próprio sexo e reconheça seus próprios limites.

No complexo de Édipo a figura paterna serve como um obstáculo a

realização do desejo incestuoso. A lei que proíbe o incesto não somente funda

subjetivamente o sujeito, mas está na origem da história da civilização humana.

É este limite dado pelo pai que permite o sujeito a viver em sociedade. A

proibição do incesto está no cerne deste complexo, o pai é o agente desta lei.

A identificação com o pai possibilita a entrada na ordem simbólica, na

ordem da linguagem. Pai significa lei. A criança que conseguir ultrapassar a

relação dual com a mãe, acaba por se tornar sujeito de desejo, isto é, ela

acaba por se distinguir dos dois. Podemos dizer que ela adquire subjetividade.

Para Lacan o pai intervém como forma de lei, para romper com o

vínculo imaginário e narcísico entre a mãe e o bebê. Com a entrada do pai

como o terceiro elemento faz com que a criança encontre o seu lugar psíquico,

esta seria a primeira lei simbólica. “O pai exerce uma função essencialmente

32

simbólica: ele nomeia, dá seu nome, e, através desse ato, encarna a lei”.

(Roudinesco.1998,p.168).

Este limite simbólico é importante para que o sujeito não passe para o

real. Ele é condição para o desejo. A intervenção paterna marca a criança

como não fundida com mãe. O que há é um esvaziamento do gozo, fazendo

aparecer para o sujeito o campo do desejo. Neste momento a criança

reconhece não ter o falo, ou seja não ter o objeto de desejo da mãe. Como

saída a criança se identifica com o pai. O pai torna-se o ideal do eu.

O fato de a criança ter impulsos eróticos relacionados a um dos pais

não quer dizer que ficaria realmente feliz caso os realizasse. Mesmo uma

criança que expressa seus desejos no sentido de livrar-se de um de seus

genitores, a partir de certo nível de desenvolvimento, reage com angústia

quando vive essa situação, ocasionada, muitas vezes, por um divórcio ou

mesmo pela morte de um dos pais. A reação predominante não é de

satisfação, muito pelo contrário.

No abuso sexual incestuoso o que acontece é que o pai invés de entrar

com a lei para impor limites, acaba burlando a lei. A figura do pai retira-se da

sua função simbólica e passa a ocupar o lugar da permissividade e da

violência. É nesse sentido que o abuso sexual contra criança deixa marcas

profundas na constituição do sujeito.

A intervenção da função paterna passa também pela posição do pai

em relação à lei. Quando o pai se encontra submetido a uma ordem que o

antecede e onde ele se situa, é mais fácil que permita ao filho se inscrever em

uma cadeia de gerações, encontrando um lugar legítimo de filiação. Se a mãe

renega a função paterna e se a criança recusa a Lei, o imaginário persiste,

quer dizer, a subjugação da criança à mãe. Mas se a mãe e a criança aceitam

a Lei Paterna, o pai repõe o falo em seu devido lugar. Isto é a criança entra na

tríade familiar. “O Édipo, como Freud o considerou, é um complexo, um conflito

33

a ser superado pelo sujeito”. (Barros, 2001,p.95)

No caso do incesto parece que o pai não foi inserido nesta primeira lei

simbólica. O que se observa nos casos de abuso é que a sexualidade está a

serviço de necessidades não sexuais - o Outro é destituído de seu lugar de ser

desejante e forçado a ser objeto de um jogo perverso. A criança tem que ter o

seu lugar de desejo na relação do casal, basta que ela tenha sido desejada

para que possa haver a inscrição como um ser desejado e assim desejante.

Desta forma, no abuso não há espaço para a lei enquanto interdição

do gozo. A criança é colocada unicamente como causa de prazer, objeto de

uso de um pai perverso. O maior dano que o incesto causa é à mente da

criança, que é invadida pela concretização das fantasias sexuais que são

próprias da infância e que deveriam permanecer no imaginário.

A presença paterna tem a função de capacitar a criança a ter domínio

da realidade, não praticar o incesto, não matar, não roubar e principalmente

aceitar que não pode ter tudo sem arcar com as conseqüências. A função

paterna é dada de início, estruturando o sujeito como desejante. Como vimos,

é porque o pai vem barrar o desejo da mãe que o sujeito tem aberta a

possibilidade de desejar,. Até então, o bebê é o objeto de desejo do Outro; no

momento em que o pai aponta para o bebê que tem o que a mãe deseja, o pai

passa a ser o detentor desse objeto.

(...) a criança, quando encontra na lei do pai um

obstáculo à realização de seu desejo, um limite ao seu

prazer, submete-se a essa castração. A partir de então,

num recurso simbólico de deslocamento, passa a

reconhecer a lei, onde quer que esta se apresente,

submetendo-se a obedecer às autoridades que falam em

seu nome, a partir dessa inscrição primeira,

edipidiana.(...) (Barros, 2001,p.96)

34

CONCLUSÃO

A violência sexual incestuosa é aquela que ocorre no interior da própria

família e normalmente tem o pai como autor. Precisamos nos despirmos dos

preconceitos e pararmos para pensar que a violência sexual incestuosa é mais

35

comum do que pensamos e que pode ocorrer em qualquer classe social. As

crianças apresentam-se como “presas” fáceis a adultos sem escrúpulos, pois

são mais ingênuas e ao contrário das adolescentes, não corre o risco de uma

gravidez.

A criança antes mesmo de nascer já está inscrita no desejo dos pais e é

isto que a constitui como sujeito. O pai, principalmente tem uma função

importante. Ele é o representante da lei, e o interdito na proibição do incesto.

Podemos pensar a partir da teoria psicanalítica que uma falha na dinâmica

familiar pode gerar grande desamparo a criança, pois haveria um fracasso da

função paterna, daquilo que o pai representa. O lugar de proteção dá lugar a

permissividade e violência.

Apesar de ser difícil de ser detectada pelo caráter de “escondido” que

ela representa, muito tem sido feito para o seu combate. É preciso que haja um

empenho maior do poder público para que os programas sejam realizados e

assim saírem do papel.

36

BIBLIOGRAFIA CONSULTADA

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CONGRESSO NACIONAL . LEI Nº 9970. Brasília - DF, 2000

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39

ANEXOS

ÍNDICE

40

FOLHA DE ROSTO 02

DEDICATÓRIA 03

RESUMO 04

METODOLOGIA 05

SUMÁRIO 06

INTRODUÇÃO 07

CAPÍTULO I

ABUSO SEXUAL INFANTIL - UMA DEFINIÇÃO 08

CAPÍTULO Il

INCESTO - UM TABU 13

2.1 - Incesto, Abuso Sexual e o Código Penal 15

CAPÍTULO III

ABUSO SEXUAL E A TEORIA PSICANALÍTICA 18

3.1 - A Descoberta do Complexo de Édipo 18

3.2 – Desenvolvimento Psicossexual Infantil 22

3.2.1 - Fase oral 23

3.2.2 - Fase anal 23

3.2.3 - Fase fálica 24

3.2.4 - Período de latência 29

3.2.5 - Fase genital 30

3.3 - A Função Paterna 30

CONCLUSÃO 35

BIBLIOGRAFIA CONSULTADA 36

ANEXOS 39

ÍNDICE 44

FOLHA DE AVALIAÇÃO 45

FOLHA DE AVALIAÇÃO

Nome da Instituição: Universidade Cândido Mendes

41

Título da Monografia: A Violência Sexual Incestuosa e o Complexo de

Édipo

Autor: Ângela Borsaro Lodi Ribeiro

Data da entrega:

Avaliado por: Conceito:

ÍNDICE

FOLHA DE ROSTO 02

DEDICATÓRIA 03

42

RESUMO 04

METODOLOGIA 05

SUMÁRIO 06

INTRODUÇÃO 07

CAPÍTULO I

Abuso Sexual Infantil - Um Conceito 08

CAPÍTULO II

Incesto Um Tabu 13

2.1 - Incesto, Abuso Sexual e o Código Penal 15

CAPÍTULO III

Abuso Sexual Infantil e a Teoria Psicanalítica 18

3.1 - A Descoberta do Complexo de Édipo 18

3.2 - Desenvolvimento Psicossexual Infantil 22

3.2.1 - Fase Oral 23

3.2.2 - Fase Anal 23

3.2.3 - Fase Fálica 24

3.2.4 - Período de Latência 29

3.2.5 - Fase Genital 30

3.3 - A Função Paterna 30

CONCLUSÃO 35

BIBLIOGRAFIA CONSULTADA 36

ANEXOS 39

ÍNDICE 44 FOLHA DE AVALIAÇÃO 45

FOLHA DE AVALIAÇÃO

Nome da Instituição:

43

Título da Monografia:

Autor:

Data da entrega:

Avaliado por: Conceito: