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1 UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU” INSTITUTO A VEZ DO MESTRE EDUCAÇÃO E EMANCIPAÇÃO EM THEODOR W. ADORNO. Por: Eliane Figueiredo Ferrão Orientador Professora Geni Lima Rio de Janeiro Julho / 2009

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”

INSTITUTO A VEZ DO MESTRE

EDUCAÇÃO E EMANCIPAÇÃO

EM

THEODOR W. ADORNO.

Por: Eliane Figueiredo Ferrão

Orientador

Professora Geni Lima

Rio de Janeiro

Julho / 2009

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”

INSTITUTO A VEZ DO MESTRE

EDUCAÇÃO E EMANCIPAÇÃO

EM

THEODOR W. ADORNO.

Apresentação de monografia ao Instituto A

Vez do Mestre - Universidade Candido

Mendes como requisito parcial para obtenção

do grau de especialista em Orientação

Educacional e Pedagógica.

Por: Eliane Figueiredo Ferrão

Rio de Janeiro

Julho / 2009

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AGRADECIMENTO

Agradeço primeiramente a Deus, a minha família

abençoada, aos verdadeiros amigos e aos meus

mestres que me forneceram ensinamentos

preciosos, com ênfase a minha profª orientadora

Geni Lima que tem todo o meu carinho e respeito

pelo apoio e dedicação que academicamente

conduziu-me a lapidação deste valioso encontro

pedagógico com aquele que provocou afeições

em minh’alma.

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DEDICATÓRIA

A todos aqueles que, de uma forma ou de outra,

dizem não aos movimentos ligados a barbárie

que aniquilam e matam inocentes em diversas

partes do planeta.

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RESUMO

Esta pesquisa acadêmica prioriza a visão de Theodor Wiesengrund –

Adorno a respeito da educação, bem como à sua análise crítica dirigida à escola e

ao sistema de ensino, com ênfase para a sua atualidade. Portanto Educação e

Emancipação sob o viés filosófico de Theodor W. Adorno tem como objetivo

fundamental descortinar uma realidade escolar que deveria ter como tarefa

primordial desenvolver nos indivíduos a capacidade de pensar e a de tomar

decisões, tornando-os conscientes; transcendendo-os, de simples reprodutores de

conhecimentos, pré-determinados a sujeitos autônomos. Contraditoriamente, o

que temos é uma escola que continua, reproduzindo conhecimentos pré-

determinados, privilegiando o acúmulo de informações, enfatizando alguns tipos

de conhecimentos em proveito de outros; certificando assim as mentes instruídas

em prol das mentes esclarecidas, transformadoras, enfim emancipadas. Adorno

em seus escritos, principalmente na década de 1960, que são proferidos a partir

de conferências e debates sobre a educação, que tinha como referência a

educação alemã de sua época, que, apesar de ser dirigida a esta, suas análises

indicavam uma tendência educacional, em outras escolas, da mesma época e,

também, faz jus, a nossa realidade educacional, em 2009. Este tipo de educação

denunciada por Adorno, desenvolvida pelas escolas revelava a crise sociocultural

da educação escolar que trazia em seu interior a formação de um homem

alienado; mesmo com escolarização e instrução, falta-lhe o principal, que é o

Aufklãrung (esclarecimento) que lhe daria condições de lutar contra a barbárie,

que se se instaurou no mundo afora. Desbarbarizar, a partir de uma educação

política, que leve a emancipação, tornou-se, para Adorno, o imperativo da

educação.

Palavras-chave: educação – alienação – autonomia - desbarbarização –

emancipação.

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ABSTRACT

This academic research prioritizes the vision of Theodor Wiesengrund --

Adorno about education and its critical analysis directed to the school and the

education system, with emphasis on its present days. So Education and

Emancipation in a philosophical way of Theodor W. Adorno aims to uncover a

school reality that should have the primary task to develop in the individuals an

ability to think and to make decisions, making them aware; beyond them, from

simple pre determined knowledge reproducers to autonomous subjects. Affirming

the contrary, what we have is a school that continues, reproducing pre-determined

knowledge, particularly the accumulation of information emphasizing some types of

knowledge for the benefit of others, thus ensuring the educated minds in favor of

enlightened minds, transforming and finally emancipated. Adorno in his writings,

especially in the 1960’s, which are delivered from lectures and discussions about

education that had as reference the German education of his time, that despite

being directed to this, his analysis indicated an educacional trend also, in other

schools in the same season and also makes jus, our educational reality, in the year

2009. This type of education reported by Adorno, developed by the schools

revealed the sociocultural crisis of school education which had its core the

formation of an alienated man, even receiving schooling and instruction, is missing

the principal, which is the Aufklärung (enlightenment) which would give him the

conditions to fight against the barbarism, which is introduced in the world.

Finishing with the barbarism from an education policy, leading to emancipation,

has become, for Adorno, the imperative education.

Keywords: education – alienation – autonomy – Finishing with the barbarism -

emancipation

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 8

CAPÍTULO I

EDUCAÇÃO E EMANCIPAÇÃO EM THEODOR W. ADORNO 11

CAPÍTULO II

EDUCAÇÃO E EMANCIPAÇÃO A PARTIR DA CRÍTICA DIRIGIDA

POR ADORNO À ESCOLA E AO SISTEMA DE ENSINO 31

CAPÍTULO III

POR UMA PROPOSTA EDUCACIONAL PARA A EMANCIPAÇÃO 46

CONSIDERAÇÕES FINAIS 51

BIBLIOGRAFIA 55

ANEXOS 56

ÍNDICE 67

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INTRODUÇÃO

Educação e emancipação em Theodor W. Adorno é um estudo que tem

como objetivo principal pensar a educação atual a partir da filosofia adorniana,

estabelecendo um diálogo reflexivo entre a educação que vigorava nos tempos de

Adorno e a que vigora atualmente.

Assim sendo “Educação e Emancipação” é antes de tudo um clamor pelo

direito a liberdade, a autonomia, a vida que foi aprisionada sob a tutela de uma

racionalidade tecnológica totalitária, que bloqueou qualquer possibilidade real de

emancipação, num contexto catastrófico, que a partir do filósofo Theodor Adorno

testemunha ocular, fundamentaremos o nosso estudo.

O Instituto de Pesquisas Sociais; a parceria com Horkheimer; a Teoria

Crítica; a ascensão do Nazismo; o exílio; a Segunda Guerra Mundial; a Minima

Moralia; a Dialética do Esclarecimento e outras obras afins; as Conferências e os

Debates sobre vários temas, mas particularmente sobre a Educação no decênio

de 1959 - 1969, englobando a Palestra de 1965 no Instituto de Pesquisas

Educacionais de Berlim a respeito de “Tabus acerca do magistério”, os Debates

com Hellmut Becker “Educação – para quê? em 1966, “A educação contra a

barbárie” em 1968 e o último, destes, em 1969, antes da morte de Adorno, sobre

“Educação e Emancipação” e por fim, o “diálogo constante” com Freud nas

Conferências e Debates; o conflito com os estudantes sobre o contexto das

revoltas estudantis no final da década de 1960 e a entrevista, concedida por

Adorno à Revista Der Spiegel, a respeito deste incidente. Todos esses

acontecimentos fizeram parte do percurso educacional desenvolvido por este

trabalho acadêmico que foram discutidos dialeticamente tendo como propósito

final uma educação para emancipação.

Sob essas perspectivas fizeram - se necessário revisitarmos as principais

questões que envolveram a crítica adorniana a partir da sociedade capitalista

liberal.

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Assim sendo o problema da dominação constituiu o foco temático da crítica

a sociedade; pois os elementos que foram alvos dessa crítica permaneceram na

ordem do dia, como forma de dominação. No mundo do capital, a “vida” passou a

fazer parte da esfera do consumo. As grandes questões motivadoras que

inspiraram a humanidade em eras anteriores cessaram de ser registrada na alma

humana, pois a sociedade encontrava-se sob o domínio do capitalismo que

transformou tudo em um grande negócio: a saúde, a alimentação, a cultura, a

educação. Tudo passou a ser regido pela “batuta” do lucro. Na verdade tudo isso

foi possível porque não faz parte da essência do capital o apreço e respeito pelo

ser do homem.

É sob esse contexto que Adorno dirigirá a sua critica a educação. Pois o

que ocorria no cotidiano escolar não podia ser pensado isoladamente, sem

conscientização do que acontecia na sociedade e na cultura. As relações

humanas sofreram alterações e forçosamente tiveram que se adaptar a novos

conceitos de valores. Os danos que a ordem capitalista trouxe, sucumbiram com a

subjetividade e o caráter individual do homem, afetando suas necessidades mais

naturais; desejos, afetos e pensamento, interferindo na forma como ele se viam e

interpretavam o mundo. A leitura que os indivíduos fazem de si próprio e do

mundo, nos dias atuais, ainda se encontra jubilada por essas interferências.

A irracionalidade levou à perda da consciência individual que foi substituída

pela massificação retirando dos indivíduos a capacidade de pensar, refletir, tomar

decisões com autonomias e fazer resistência ao estabelecido. Pensar tornou-se

automático e reificado, fazendo do esclarecimento da época moderna a anulação

do próprio esclarecimento. Essas conseqüências continuam a perdurar até nossos

dias.

Esse processo de deformação da consciência decorrente da operação da

indústria cultural que subjugam as pessoas ao poder instituído afinando-se com o

estado de ordem social estabelecida por sua ideologia; é a razão de ser da

indústria cultural; que continua, até hoje, subjugando as pessoas.

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Diante disso tudo, Adorno defende, em seus escritos, a necessidade de

lutar pela busca da emancipação, e, se desejarmos uma sociedade melhor,

devemos a partir de um pensamento auto-reflexivo criar as condições para a sua

realização. Somente uma sociedade educada para emancipação poderá propiciar

condições para a propagação de um pensamento verdadeiro.

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CAPÍTULO I

EDUCAÇÃO E EMANCIPAÇÃO EM THEODOR W.

ADORNO

1.1. O contexto histórico-social da obra e do autor.

Theodor Ludwing Wiesengrund-Adorno (1903-1969) viveu e morreu sob o

espírito do século XX, já anunciado, por muitos, como o “século das catástrofes”.

Século do capitalismo monopolista, das grandes crises, das grandes guerras, das

grandes revoluções, das barbáries.

O século XX foi o século onde o capitalismo aprofundou suas contradições

internas, projetando a hegemonia do capital especulativo sobre o capital produtivo

incorporando o desemprego, as mazelas e a deturpação das consciências

individuais como fato estrutural a seu funcionamento.

A respeito do século XX o “Relatório para a UNESCO da Comissão

Internacional sobre Educação para o século XXI” em seu prefácio: “ A Educação

ou a utopia necessária”, relata:

“No final de um século tão marcado, quer pela agitação e pela violência,

quer pelos progressos econômicos e científicos – estes, aliás,

desigualmente repartidos –, no alvorecer de um novo século cuja

aproximação nos deixa indecisos entre a angústia e a esperança, impõe-

se que todos os responsáveis prestem atenção às finalidades e aos

meios da educação”.

Sob este contexto histórico-social-educacional descortinaremos um pouco

desse filósofo, sociólogo, musicólogo e crítico da cultura do século XX, que

nasceu em Frankfurt no dia 11 de setembro de 1903 e morreu, no dia 06 de

agosto de 1969, subitamente, vivenciando em seu próprio ser, tudo aquilo que

diagnosticou e denunciara da situação social existente.

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Nesse descortinar apresentaremos relevantes acontecimentos histórico-

sociais ligados à modernidade liberal-capitalista e sua expansão que foram

decisivos para Adorno fundamentar a sua critica em relação à sociedade

capitalista e nos fornecer interessantes reflexões filosófico-educacionais a partir do

contexto dessa sociedade que aprisionou o indivíduo transformando-o em um

sujeito mal-construido e empobrecido interiormente, não apresentando uma

percepção consciente do mundo em que vive.

Para Adorno essa deformação da consciência dos indivíduos agravou-se

devido à crise sociocultural da instrução e da educação escolar que aprisionada

pelo sistema capitalista e dominada pela racionalidade tecnológica levou a

reprodução do mesmo.

Portanto para compreendermos o pensamento adorniano e algumas

palpáveis aplicações a educação faz-se necessário revisitarmos, como já

comentamos alguns fatos histórico-sociais do século XX vividos por Adorno a fim

de atingirmos uma compreensão do mundo e dos seres dentro do mundo, pois

acreditamos que esta compreensão é extremamente vital para uma educação que

vise os fins emancipatórios da sociedade como almejava o filósofo frankfurtiano.

A Primeira Guerra Mundial (1914-1918), considerada um dos mais

sangrentos episódios da história da humanidade, é vista por muitos historiadores

como um marco no nascimento do mundo moderno. O progresso tecnológico

capacitou os combatentes a se exterminarem com uma eficiência sem

precedentes. A Europa se converteu num “matadouro”: cerca de dezessete

milhões de mortos e vinte milhões de feridos; a maioria esmagadora dos soldados

era formada por jovens. Armas químicas, aviões bombardeiros e submarinos

inauguraram a era do massacre. O historiador inglês E. Hobsbawm nos lembra

que a tecnologia da morte, já em processo de industrialização em meados do

século XIX avançou notavelmente nos anos de 1880 e se acelerou no novo

século. A Primeira Guerra Mundial acirrou as contradições do capitalismo; uma

nova forma de sociedade germinou: a socialista (Revolução Russa – 1917).

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Sob o viés desse contexto em 1921, Adorno conhece Horkheimer, com

quem fará uma profunda reflexão sobre o “projeto cultural” do iluminismo e sua

influência na formação da sociedade contemporânea e de sua ideologia; em 1923

obtém o título de doutor em Filosofia com uma tese sobre Husserl; em 1924 é

fundado o Instituto de Pesquisas Sociais de Frankfurt, que posteriormente terá

Adorno, entre os mais significativos filósofos.

A Europa já não era mais a mesma; mergulhava rapidamente em crises. No

final da década de 1920, o mundo capitalista conheceu uma crise sem

precedentes. Para se ter uma idéia da dimensão da crise, em 1929 calcula-se que

havia cerca de dez milhões de desempregados, enquanto que em 1932 este

número subiu para quarenta milhões. Esta crise estendeu-se até as vésperas da

Segunda Guerra mundial.

No ano de 1931 Adorno torna professor de Filosofia da Universidade de

Frankfurt e profere como palestra de posse, o famoso texto “A atualidade da

filosofia”; em 1932, participa do primeiro número da nova revista do Instituto de

Pesquisas Sociais (Zeitschrift), agora sob direção de Horkheimer, publicando “A

situação social da música.

Tanto a Primeira Guerra Mundial como a crise de 1929 transformaram de

maneira significativa a vida econômica, política e social de muitas nações.

Desemprego em massa, inflação, caos, incertezas, ansiedades passaram a fazer

parte do dia-a-dia de muitas pessoas. Diante de um profundo mal-estar instalado

entre a humanidade, o totalitarismo e o irracionalismo pedem passagem!

O totalitarismo, uma nova forma de poder político e de organização do

Estado que tem por característica fundamental o terror permanente contra o

indivíduo. A ponto de o Estado totalitário controlar, por meio da repressão, da

propaganda ideológica e da superação dos direitos individuais e coletivos, não só

a vida pública, mas também a vida privada dos cidadãos. Após a Primeira Guerra

Mundial os regimes totalitários se estabeleceram em diversos países europeus: o

fascismo italiano, o nazismo alemão e o stalinismo soviético.

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A ditadura nazista alemã consolidou-se em 1933 quando Adolf Hitler (1889-

1945) é feito chanceler do Terceiro Reich. Iniciou-se o período da barbárie. A

sociedade passou a sofrer forte doutrinação nazista, principalmente a juventude,

através da educação e da propaganda. As escolas passaram a ensinar a ideologia

nazista. Os nazistas explicavam aos professores como ensinar certas matérias e,

para assegurar obediência, os membros da juventude Hitlerista tinham de

denunciar os mestres que lhes parecessem suspeitos. Retratos de Hitler e

bandeiras nazistas ornamentavam as salas de aula. Os currículos davam

importância ao treinamento físico e aos esportes, e muitos cursos sobre a ciência

racial foram introduzidos. Paulatinamente, os judeus foram marginalizados da

sociedade. Era o “Judas” das massas alemãs. Guiados pela propaganda de

Goebbels (1897-1945), os alemães identificavam os judeus com os banqueiros,

tidos como exploradores, responsáveis pelos males da Alemanha. A propaganda

nazista absolutamente racional, premeditada e planejada trabalhava com o

irracional das pessoas para atingir suas finalidades. Controlando a imprensa, a

publicação de livros, o rádio, o teatro e o cinema.

O poder dos meios de comunicação de massa é um fenômeno da

sociedade industrial. Surgiu e se consolidou com o desenvolvimento tecnológico

verificado entre as décadas finais do século XIX e meados do século XX, quando

foi inventado o cinema, o rádio e a televisão. O uso desses meios de comunicação

foi decisivo para o aparecimento e estabelecimento dos regimes totalitários na

primeira metade do século XX.

A partir desses acontecimentos Adorno está ameaçado por suas ideias e

também por sua descendência judia pelo lado paterno. Explodia a violência do

anti-semitismo. Muitos intelectuais comprometidos com a investigação social

abandonaram a Alemanha. Uma avalanche de leis dá legalidade à barbárie. O

terror está em todos os cantos.

Os intelectuais de oposição são reprimidos pelos nazistas no poder. O

Instituto de Pesquisas Sociais é fechado por ordem direta da Gestapo (polícia

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política) que perseguia, torturava e eliminava os opositores. O governo nazista

cassa Horkheimer.

O Instituto de Pesquisas Sociais em Frankfurt transfere-se para Genebra.

Adorno refugia-se na Inglaterra e passa a lecionar na Universidade de Oxford.

Max Horkheimer no ano de 1937 lança os fundamentos da Teoria Critica no

famoso ensaio “Teoria Tradicional e Teoria Crítica” e Adorno casa-se com Gretel

Karplus.

Em 1938 Adorno muda-se para Nova York a convite de Horkheimer, onde

se encontra com os demais membros do Instituto de Pesquisas Sociais; no ano

seguinte iniciou-se a Segunda Guerra Mundial (1939-1945).

Nesse período o contexto dos escritos adornianos foi o exílio americano, as

atrocidades da Segunda Guerra Mundial onde testemunhou dois crimes de

dimensão industrial: o genocídio dos judeus da Europa e a bomba atômica de

Hiroshima e Nagasaki. Acrescentando também a Guerra Fria que, após 1947,

divide o mundo em dois blocos com a constante ameaça de um terceiro conflito,

resultando em perseguições. Tudo isso, incondicionalmente fez parte da sua

filosofia.

A partir de todas essas atrocidades testemunhadas e vividas por Adorno,

ele fará de seus escritos uma eterna denúncia da relação entre o indivíduo e a

sociedade nos seios do capitalismo tardio que desproveu a existência humana de

qualquer propósito final ou significado fundamental. As grandes questões

motivadoras que inspiraram a humanidade em eras anteriores cessariam de ser

registrada na alma humana, pois a sociedade encontra-se sob o domínio do

capitalismo que transformou tudo em um grande negócio: a saúde, a alimentação,

a cultura, a educação. Tudo passa a ser regido pela “batuta” do lucro e a sua

racionalidade é a tecnológica. Na verdade tudo isso é possível porque não faz

parte da essência do capital o apreço e respeito pelo ser do homem.

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Diante dessas constatações, o diagnóstico da barbárie acompanhará os

seus escritos, tornando-se a prova de que seus textos eram infelizmente, sob

muitos aspectos, prognósticos.

Portanto a obra adorniana nos é descortinada pelo binômio: sofrimento-

esperança, isto é, pela experiência vivida da violência e pela necessidade

emergente de uma transformação da sociedade vigente. Para tal Adorno via a

filosofia como tarefa de eliminação do sofrimento, uma relação mútua do pensador

com a vida daqueles que sofrem sob o viés de um registro materialista que implica

encontrar a explicação histórica para o passado e a promessa ética de um mundo

justo e humano a construir.

Praticamente não há texto de Adorno que não contenham referências

implícitas ou explícitas à idéia de decadência, negação, destruição, crise de

sentido, pessimismo sobre uma prática social, concreta e histórica. Adorno é tido,

para alguns, como um filósofo pessimista devido o seu prognóstico traçado a

respeito da sociedade em que viveu.

O dito “pessimismo adorniano” se deve, em parte, às condições históricas

da época em que viveu e que esse pessimismo era ligado a uma visão de mundo.

Visão esta disposta a encarar os fatos da história e pensar a reconstrução do ideal

da humanidade, segundo o argumento semelhante dado por ela: a destruição.

Assim esse “pessimismo adorniano” refere-se ao passado, não exatamente

ao futuro, mas é fato que todo o sofrimento vivido pela humanidade até então não

poderia ser reparado, poderia sim ser pensado a partir dele mesmo para que não

repetisse o mesmo.

“A filosofia, segundo a única maneira pela qual ela ainda pode ser

assumida responsavelmente em face do desespero, seria a tentativa de

considerar todas as coisas tais como elas se apresentariam a partir de si

mesmas do ponto de vista da redenção” (ADORNO, 1993, PP.153 –

154).

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Adorno defende a necessidade de lutar pela busca da emancipação, por

uma educação como emancipação que segundo ele: “de certo modo,

emancipação significa o mesmo que conscientização, racionalidade”. Adorno sai

na defesa de um pensamento auto-reflexivo, argumentando que, se desejamos

uma sociedade melhor, devemos a partir da sociedade que temos identificar suas

mazelas atuais, conscientizar da sua existência com objetivo de poder transformá-

la. Somente uma sociedade educada para emancipação poderá propiciar

condições para a propagação de um pensamento verdadeiro, justo.

Ainda sob o contexto histórico-social, vivido por Adorno em 1940, o Instituto

de Pesquisas Sociais é transferido para a Califórnia. Em 1941 Adorno muda-se

para a Califórnia e a partir dai germinam escritos em parceria com Horkheimer.

Assim logo no inicio da sua estadia na Califórnia, Adorno e Horkheimer se ocupam

quase que exclusivamente com a elaboração da “Dialética do Esclarecimento”,

obra clássica da filosofia contemporânea, que concluíram o texto em 1944 e

conseguiram publicá-lo em 1947.

Na “Dialética do Esclarecimento” Adorno e Horkheimer nos colocam a

questão a cerca do chamado pensamento esclarecido de promover a saída dos

homens da menoridade. A partir daí eles farão uma crítica à “racionalidade

esclarecida”, onde o problema da dominação constituirá o foco temático da crítica

a sociedade. Nos termos da análise crítica que eles fizeram do transcurso do

esclarecimento, evidencia-se que o que faltou a este foi, exatamente, o ato de

esclarecer-se efetivamente, pois os homens não alcançaram a maioridade, com o

tão iluminado “Esclarecimento” que tinha como proposta dissolver os mitos e

desbancar a crendice através do conhecimento. Tal conhecimento, pelo contrário,

se corporificou no conceito moderno de “técnica”, que não visa a felicidade do

homem, mas apenas uma precisão metodológica que potencialize o domínio sobre

à natureza. Segundo DUARTE (2002, p.28) a profundidade da alienação que

Adorno e Horkheimer detectam no Esclarecimento não atinge apenas o

relacionamento do homem com as coisas, mas ataca também o cerne das

relações humanas e a relação de cada indivíduo para consigo mesmo fica

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prejudicada, ocasionando prejuízos no plano psique aos quais estão submetidas

as pessoas que vivem sob a égide do Esclarecimento.

“O esclarecimento comporta-se com as coisas como o ditador se

comporta com os homens; este os conhece na medida em que pode

manipulá-los. Nessa metamorfose, a essência das coisas revela-se como

sempre a mesma, como substrato da dominação” (ADORNO &

HORKHEIMER, 1985, p. 24).

Por fim, Adorno e Horkheimer constataram, na “Dialética do

Esclarecimento” que a humanidade, ao invés de rumar para condições humanas,

submergem-se numa nova forma de barbárie. Denunciam, sobretudo a ideologia

da dominação da natureza pela técnica, que traz como conseqüência a dominação

do próprio homem. Assim dentre outros temas, analisam criticamente os

mecanismos culturais de dominação da sociedade ocidental, tendo em seu cerne

um dos primeiros e mais radicais ataques à “indústria cultural” que, pelo domínio

da mídia confere a todos as manifestações culturais um ar de semelhança,

visando obter um comportamento dócil e uma multidão domesticada, através da

exploração sistemática dos bens culturais.

Adorno traz essas questões para suas reflexões filosófico-educacionais: há

que se considerar que se as reformas pedagógicas ficarem alheias a isso, não

realizando os ideais de emancipação, libertando o homem dessa prisão, ela, ao

contrário se tornará mecanismo para alienação desse homem, acorrentando-o

cada vez mais e reproduzindo fielmente o projeto dominatório.

Esboça-se também nesta obra uma pré-história filosófica do anti-semitismo

e do seu irracionalismo, aliás, essa questão comparece em diferentes reflexões

adornianas entre elas: sobre a formação cultural e sobre os obstáculos a uma

educação verdadeiramente emancipatória aparecendo fortemente entrelaçada à

interpretação de suas obras como um todo. Para JUNIOR (2003) vários

estudiosos apontam para a importância da análise do anti-semitismo no quadro de

seu pensamento.

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“A crítica cultural encontra-se diante do último estágio da dialética entre

cultura e barbárie: escrever um poema após Auschwitz é um ato bárbaro,

e isto corrói até mesmo o conhecimento de por que hoje se tornou

impossível escrever poemas” (ADORNO, 2002, p. 102).

Nos anos 1944-1947 Adorno escreve “Minima Moralia” e nos diz: “ Eu

escrevi este livro em grande parte ainda durante a guerra, sob as condições da

contemplação”. Minima Moralia é considerada para muitos a obra-prima de

Adorno, escrita sob o impacto da Segunda Guerra Mundial que tem como contexto

a vida danificada sob o viés do sistema dominatório capitalista. Sobre os temas

tratados na Minima moralia, bem como os trabalhos em comum com Horkheimer,

Adorno nos remete que não reconhece a sua interrupção, pois a obra é

testemunha de um “dialogue intérieur”: “aí não se encontra nenhum tema que não

pertença igualmente a Horkheimer assim como àquele que encontrou tempo para

a sua formulação” (ADORNO, 1993, p.10).

Horkheimer também se remete a Adorno em sua obra “Eclipse da Razão”:

“seria difícil dizer quais idéias se originaram na mente de Adorno e quais na minha

propriamente: a nossa filosofia é uma só” (HORKHEIMER, 2002, PP.10 -11).

Em 1945 termina a Segunda Guerra Mundial, a mais destrutiva da História.

“O pensamento aguarda que, um dia, a lembrança do que foi perdido venha

despertá-lo e o transforme em conhecimento” (ADORNO, 1993, p. 70).

Para Adorno a Educação deve ser o instrumento responsável para

alcançarmos uma consciência crítica e reflexiva de nós mesmos e do mundo em

que vivemos. “O conhecimento não tem outra luz além daquela que, a partir da

redenção, dirige seus raios sobre o mundo” (ADORNO, 1993, P. 215).

Adorno no ano de 1950 regressa a Alemanha, participa da reorganização

do Instituto de Pesquisas Sociais; Horkheimer e Adorno são nomeados

professores catedráticos do Departamento de Filosofia da Universidade Johann

Wolfgang Goethe; em 1958 Adorno assume a direção do Instituto de Pesquisas

Sociais.

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Na década de 1960, o Instituto integra novos pesquisadores; é iniciada uma

nova linha de pesquisas; a atividade de Adorno permanece considerável; inunda a

Alemanha com ensaios sobre temas culturais; participa de conferências,

entrevistas, debates, com um público recorde; em 1966 publica a “Dialética

Negativa” e em 1968 conclui a primeira versão da “Teoria Estética”.

No decênio entre 1959-1969 Adorno participa de entrevistas sobre a

educação, realizadas algumas delas nas rádios de Hassem e Frankfurt. Dentre

essas destacamos: a conferência “A Educação após Auschwitz” (1965) e a

entrevista “Educação e emancipação” (agosto de 1969).

Ressaltamos que algumas dessas entrevistas e conferências fazem parte

do livro “Educação E Emancipação” da série “Questões educacionais da

atualidade” produzida em parceria com a Divisão de Educação e cultura da Rádio

do Estado de Hessem na Alemanha entre 1959 e 1969, onde Adorno foi

convidado ao menos uma vez por ano . Assim sendo o livro compõem quatro

conferências redigidas pelo próprio Adorno para impressão e quatro conversas

com Hellmut Becker e Gerd Kadelbach, que foram transcritas conforme as

gravações.

Os temas discutidos nas conferências foram: “O que significa elaborar o

passado”; “A filosofia e os professores”; “Tabus acerca do magistério”; e

“Educação após Auschwitz”. As entrevistas tiveram como tema-debate: “Televisão

e formação”; “Educação – para quê?”; “A educação contra a barbárie” e

“Educação e emancipação”.

O contexto histórico-social dessas reflexões educacionais permeou a

década de 1960, década da revolução dos jovens.

O ano de 1968 tornou-se um símbolo. Recentemente foi batizado como “o

ano que não acabou”. A associação a essa referência procura definir uma

geração, um estilo de vida ou uma forma de pensar. Nesses doze meses que

envolveram este ano as notícias que circulavam na imprensa eram sobre: a

Guerra do Vietnã, as atrocidades cometidas pelos soldados americanos, abalavam

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a opinião pública americana e inquietavam o mundo todo; o assassinato do líder

negro Martin Luther King intensificou os conflitos raciais; as manifestações

estudantis explodiam em, praticamente toda a Europa; em Nova York, os

estudantes ocuparam a Universidade de Colúmbia; no Brasil, os estudantes

organizaram um grande movimento, a Passeata dos Cem Mil, e formaram uma

comissão para ir a Brasília discutir com o presidente os direitos de cidadania.

Os conflitos que vieram à tona não eram novos, mas parecem ter-se

tornado mais evidentes nesse ano. Criticava-se a força voraz do capitalismo e da

sociedade de consumo, bem como a organização e o controle das sociedades

socialistas. Exigia-se outro mundo. Os ideais revolucionários de esquerda

atingiram sua expressão máxima nas revoltas de rua.

A revolta de maio na França talvez seja a imagem mais comum do ano de

1968. A criatividade e a ousadia dos jovens que tomaram as ruas da capital

francesa tornaram-se o símbolo dos movimentos deste ano. Os estudantes

franceses revoltaram-se contra a estrutura ultrapassada do ensino, tomando as

ruas com barricadas que ficaram universalmente conhecidas como “as barricadas

do desejo”. Para os estudantes, além das questões políticas, havia também a

questão da libertação do corpo. A partir das teses revolucionárias do filósofo

alemão Herbert Marcuse, considerado “fundador da nova esquerda”, e a sua

interpretação crítica da sociedade industrial contemporânea, que em seus livros “A

Ideologia da Sociedade Industrial” e “Eros e Civilização”, defendia, em nome da

liberdade, a opção por um comportamento sexual sem culpa. Podiam-se ler, entre

os slogans grafitados nos muros: “É proibido proibir”; “A felicidade é o poder

estudantil” “Se a nossa situação nos arrasta para a violência, é que a sociedade

inteira nos violenta”; “Sejam realistas: peçam o impossível”.

Sobre esse movimento o historiador Eric Hobsbawm afirma: “a rebelião dos

estudantes ocidentais foi uma revolução cultural, uma rejeição de tudo o que, na

sociedade, representasse os valores paternos de classe média”.

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Mil novecentos e sessenta e seis a mil novecentos e sessenta e oito “anos

dramáticos” das rebeliões estudantis. Adorno acompanha os protestos estudantis

contra as estruturas autoritárias da universidade e da sociedade vigente da época.

31 de janeiro de 1969 os estudantes pretendem suspender a aula de

Adorno para darem sequência aos protestos que se espalhavam pelas ruas da

Europa.

Adorno condena atos de radicalidade dos estudantes; os estudantes

acusam Adorno de “pregar uma coisa” e “fazer outra”; mesmo convencido da

necessidade de uma transformação estrutural das relações sociais, Adorno,

também está convicto de que a verdadeira práxis revolucionária deve ser uma

práxis sem violência; os estudantes protestam violando a ordem social; Adorno

chama a polícia para os estudantes desocuparem o prédio da universidade.

Sobre esse incidente, duas semanas depois, Adorno concede uma

entrevista à Revista Der Spiegel:

Spiegel: Senhor professor, há duas semanas o mundo ainda parecia em ordem... Adorno: Não para mim. Spiegel: ... O senhor dizia que sua relação com os estudantes não foi afetada. Nas suas atividades de ensino haveria debates fecundos e objetivos, sem perturbações privadas. No entanto, agora o senhor suspendeu suas aulas. Adorno: Não as suspendi por todo o semestre, só temporariamente. Em algumas semanas pretendo retomá-las. É o que todos os colegas fazem quando há invasões de salas. Spiegel: Houve violência contra o senhor? Adorno: Não violência física, mas fizeram tanto barulho que a aula tornou-se impraticável. Isso claramente foi planejado. Spiegel: O senhor sente-se incomodado apenas pela forma como agora o atacam os estudantes – que antes o apoiavam – ou também o incomodam os objetivos políticos? Afinal, antes havia concordância entre o senhor e os rebeldes. Adorno: Não é nessa dimensão que estão em jogo as divergências. Há dias declarei numa entrevista à televisão que, embora eu tivesse elaborado um modelo teórico, não poderia ter imaginado que as pessoas quisessem realizá-lo com bombas. Essa frase foi citada inúmeras vezes, mas necessita muito de interpretação. Spiegel: Como o senhor a interpretaria hoje? Adorno: Jamais ofereci em meus escritos um modelo para quaisquer condutas ou quaisquer ações. Sou um homem teórico, que sente o pensamento teórico como extraordinariamente próximo de suas intenções artísticas. Não é agora que eu me afastei da prática, meu pensamento sempre esteve numa relação muito indireta com a prática.

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Talvez ele tenha tido efeitos práticos em conseqüência de alguns temas terem penetrado na consciência, mas nunca eu disse algo que se dirigisse diretamente a ações práticas. [...] Spiegel: Como o senhor avaliaria se uma ação faz sentido ou não? Adorno: Em primeiro lugar, a decisão depende em grande medida da situação concreta. Depois, tenho as mais graves reservas contra qualquer uso da violência. Eu teria que renegar toda a minha vida – a experiência sob Hitler e o que observei no stalinismo – se não me recusasse a participar do eterno círculo da violência contra a violência. Só posso conceber uma prática transformadora dotada de sentido como uma prática não violenta. Spiegel: Também sob uma ditadura fascista? Adorno: Certamente haverá situações em que isso se apresente de outro modo. A um fascismo real só se pode reagir com violência. Nisso não sou de modo algum rígido. No entanto, nego-me a seguir aqueles que, após o assassinato de incontáveis milhões nos estados totalitários, ainda preconizem a violência. É neste limiar que se dá a separação decisiva. Spiegel: Foi superado esse limiar quando os estudantes tentaram impedir, mediante ações de sit-in, a distribuição de jornais da cadeia [conservadora] Springer? Adorno: Esse tipo de manifestação eu considero legítimo. Spiegel: Foi superado esse limiar quando estudantes perturbaram a sua aula com barulho e exibições sexuais? Adorno: Justo comigo, que sempre me voltei contra toda sorte de repressão erótica e contra tabus sexuais! Submeter-me ao ridículo e atiçar contra mim três mocinhas fantasiadas de hippies! Achei isso abominável. O efeito hilariante que se consegue com isso no fundo não passava da reação do burguesão, com seu riso néscio quando vê uma garota com os seios nus. Naturalmente essa imbecilidade era calculada. Spiegel: Será que esse ato insólito pretendia confundir suas teorias? Adorno: Parece-me que nessas ações contra mim importa menos o conteúdo das minhas aulas; tudo indica que para a ala extrema é mais importante a publicidade. Essa ala sofre do medo de cair no esquecimento. Com isso torna-se escrava da sua própria publicidade. Uma aula como a minha, que conta com uma presença de cerca de 1000 pessoas, evidentemente é um cenário maravilhoso para a propaganda ativista. Spiegel: Pode também esse ato ser interpretado como ação da desesperança? Talvez esses estudantes se sentissem abandonados por uma teoria da qual pelo menos acreditavam que pudesse converter-se em prática modificadora da sociedade? Adorno: Os estudantes nem tentaram discutir comigo. O que tanto dificulta meu relacionamento com os estudantes hoje é a primazia da tática. Meus amigos e eu temos a sensação de não passarmos de objetos em planos bem calculados. A idéia do direito das minorias, que afinal é constitutivo da liberdade, não desempenha mais papel algum. As pessoas recusam-se a enxergar a objetividade da coisa. [...] Spiegel: O senhor continua a ver, portanto, como a forma mais significativa e necessária da sua atividade na República Federal Alemã fazer progredir a análise das condições da sociedade? Adorno: Sim, e mergulhar em fenômenos singulares muito determinados. Não me envergonho de tornar público que estou trabalhando em um grande livro de estética.

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Em 16 de julho de 1969, Adorno é entrevistado por Hellmut Becker, o

diretor do Instituto de Pesquisas Educacionais da sociedade de Max Planck, em

Berlim, na sede da rádio de Frankfurt sobre o tema: “Educação e emancipação”.

Neste texto há uma discussão entre Adorno e Becker, onde Adorno nos fala da

importância de uma educação transformadora, que conscientize os sujeitos

levando-os a emancipação. Esta transmissão tornar-se-ia a última entrevista

proferida por Adorno antes da sua morte.

Adorno morre em 06 de agosto, com 66 anos de ataque cardíaco.

“O quarto do século que agora finda ficou assinalado por notáveis

descobertas e progressos científicos, numerosos países – ditos

emergentes – libertaram-se do subdesenvolvimento, o nível de vida

continuou a progredir, a ritmos muito diferentes, conforme os países. E

contudo, parece dominar no mundo um sentimento de desencanto que

contrastam com as esperanças surgidas logo a seguir à Segunda Guerra

Mundial. Pode-se, pois, falar de desilusões do progresso, no plano

econômico e social. O aumento do desemprego e dos fenômenos de

exclusão social, nos países ricos, atesta-o. A persistência das

desigualdades de desenvolvimento no mundo, confirma-o”. (Relatório

para a UNESCO da Comissão Internacional sobre Educação para o

século XXI, prefácio: quadro prospectivo).

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1.2. Os principais conceitos da Teoria Crítica da sociedade

exposto.

Segundo Nobre (2004) a Teoria Crítica, expressão, tal como é conhecida

hoje, surgia pela primeira vez como conceito em um texto de Max Horkheimer

(1895-1973) de nome “Teoria Tradicional e Teoria Crítica”, de 1937.

Assim Teoria Crítica aparecia ligada a um Instituto, que tinha como objetivo

principal, promover em âmbito universitário, investigações científicas a partir da

obra de Karl Marx (1818-1883), a uma revista, a um pensador que estava no

centro de ambos (Horkheimer) e a um período histórico marcado pelo Nazismo

(1933-45), pelo Stalinismo (1924-53) e pela Segunda Guerra Mundial (1939-45).

Nos escritos de Horkheimer da década de 1930, o campo da Teoria Crítica,

em sentido amplo, tem como critério de demarcação fundamental o campo do

marxismo. Já em sentido restrito, Horkheimer apresenta sua interpretação

específica do pensamento de Marx, analisando o momento histórico em que se

encontra.

Assim sendo é característica fundamental da Teoria Crítica ser

permanentemente renovada e exercitada, não podendo ser fixada em um conjunto

de teses imutáveis.

Dentro desse viés esboça-se a matriz da Teoria Crítica que é a análise do

capitalismo por Karl Marx; a tarefa primordial que é a de compreender a natureza

do mercado capitalista, e, também dois princípios fundamentais: a orientação para

a emancipação e o comportamento crítico para a orientação da emancipação.

Horkheimer interpreta e formula esses dois princípios fundamentais da

Teoria Crítica e se utiliza deles para fornecer um diagnóstico do tempo presente.

Pois para ele o comportamento crítico é possível quando fundado em uma

orientação para a emancipação da sociedade, visando a realização da liberdade e

da igualdade que o capitalismo ao mesmo tempo possibilita e bloqueia; ou seja, a

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atitude crítica não se volta para o conhecimento, mas para a própria realidade das

condições sociais capitalistas.

Para tanto, Horkheimer lançou as bases do materialismo interdisciplar em

que diferentes áreas do conhecimento refletissem juntas, sob um horizonte

comum, a Teoria de Marx , para interpretar a sociedade capitalista em torno da

valorização do capital a fim de revelar potenciais de superação em relação a

dominação do mesmo.

Assim sendo Horkheimer dá três diagnósticos do tempo presente. O

primeiro é necessário repensar as relações entre Estado e Capital; o segundo

envolve estudos empíricos sobre a classe trabalhadora alemã que mostrou uma

considerável diferenciação social no interior do próprio proletariado e o terceiro,

também objeto de pesquisa, é representado pela ascensão do Nazismo e do

Fascismo lembrando que esses totalitarismos vieram acompanhados de um

extraordinário desenvolvimento dos meios de comunicação de massa, da

propaganda e da Indústria do entretenimento, o que levou a eficácia do projeto

dominação.

Enfim, dentro desse contexto, alguns modelos de Teoria Crítica foram

construídos, mas o modelo de Teoria Crítica que tem como referência central a

conceituação original realizada por Horkheimer é o modelo que fará parte da

filosofia de muitos autores do século XX.

Theodor Adorno será um desses autores que irá construir sua crítica da

sociedade capitalista a partir desse viés. Em suas obras Adorno põe em prática

esse modelo de Teoria Critica desenvolvido por Horkheimer e nos apresenta de

certa forma o palco do “mundo administrado” que é controlado de fora,

politicamente, não sendo exercido de maneira transparente, mas sim

burocraticamente.

Nesse “mundo administrado” a racionalidade é instrumental, e, é dominante

na sociedade. Essa racionalidade reduz-se a uma função de adaptação à

realidade e produz o conformismo diante da dominação vigente. Ela é a forma

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única de racionalidade no “mundo Administrado”, bloqueando qualquer

possibilidade real de emancipação, tornando assim a possibilidade emancipatória,

na visão adorniana, extremamente precária.

Frente a essas constatações, faz-se necessário uma proposta educacional

que vise os fins emancipatórios da sociedade que poderá ser conduzida também

pela escola. Contudo essa proposta só terá seu sentido assegurado, na medida

em que for estruturada e vivenciada a partir do contexto da Teoria Crítica da

sociedade, que tem como uma de suas mais importantes tarefas a produção de

um determinado diagnóstico do tempo presente, em que se mostram tanto as

oportunidades e potencialidades para emancipação quanto os obstáculos reais a

ela; em resumo, a Teoria Crítica se confirmará na prática transformadora das

relações sociais vigente, que trará no nosso ver um novo olhar a respeito do

educar.

“Há muito tempo foi demonstrado que o trabalho assalariado formou as

massas dos tempos modernos, criou mesmo o trabalhador. Em geral, o

individuo não é apenas o subtrato biológico, mas também a forma de

reflexo do processo social, e sua autoconsciência como um ser em si é a

ilusão da qual tem necessidade para incrementar sua produtividade,

enquanto, na economia moderna, tudo que é individualizado funciona

como mero agente da lei do valor. Daí se poderia deduzir não só o papel

social, mas também a composição interna do individuo em si. Nisso tudo,

o que é decisivo na presente fase é a categoria da composição orgânica

do capital. Sob essa expressão a teoria da acumulação compreendia „o

crescimento na massa dos meios de produção, comparada com a massa

da força de trabalho que os anima‟ (MARX, O capital, I). Se a integração

da sociedade, sobretudo nos estados totalitários determina os sujeitos a

serem cada vez mais exclusivamente aspectos parciais no contexto da

produção material, então a „transformação da composição técnica do

capital‟ prolonga-se nos indivíduos, absorvidos e, a rigor, em primeiro

lugar constituídos pelas exigências tecnológicas do processo de

produção” (ADORNO, 1993, pp. 200-201).

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1.3. O “dialogue interieur” entre o autor, a obra e a sociedade.

O livro “Educação e emancipação” reúnem palestras e debates proferidos

por Theodor W. Adorno entre os anos de 1959 a 1969 sobre a educação; tendo

como referência a educação alemã de sua época.

Apesar de suas reflexões serem dirigidas, sobretudo, às escolas alemãs,

porém suas análises indicavam uma tendência social, também, em outras escolas,

dessa época. Época onde a racionalidade técnica, criticada por Adorno,

encontrava-se emaranhada na gestão escolar. E, ainda se encontram nos dias

atuais.

A transformação da educação em mercadoria, ditada pelo “modo de

produção capitalista”, fez da escola também o seu palco. A competição, própria

das relações capitalistas, vem atestar essa realidade escolar. Qual a escola

melhor? O que ela tem de oferecer de atrativos para ser considerada “excelência”,

sob o contexto atual? O que levam educadores a competirem?

Segundo Adorno a educação tem como objetivo formar o indivíduo para

resistir à violência própria e alheia, que a civilização humana lhe impõe. Essa

violência está em todos os lugares; e, na escola se apresenta inserida na

metodologia, no exercício de educar, através dos profissionais de educação, na

codificação dos alunos que recebem essa educação; enfim em toda a estrutura

escolar, pois a escola e a educação estão longe de serem emancipadoras

estando, estas, intimamente ligadas a uma sociedade repressiva, onde

compartilham a repressão dos indivíduos.

Adorno nos coloca na entrevista “Educação e Emancipação” com Becker

que é “preciso começar a ver efetivamente as enormes dificuldades que se opõem

à emancipação nesta organização de mundo”.

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“Nenhuma pessoa pode existir na sociedade atual realmente conforme

suas próprias determinações; enquanto isto ocorre, a sociedade forma as

pessoas mediante inúmeros canais e instâncias mediadoras, de modo tal

que tudo absorvem e aceitam nos termos desta configuração heterônoma

que se desviou de si mesma em sua consciência (ADORNO 2006,

p.181).

A forma mercadoria confere a unidade a um mundo, que ele próprio se

reconstrói. Assim sendo a educação, na sociedade contemporânea, se encontra

numa posição de submissão aos ditames do capital e ao esclarecimento totalitário

dominando a forma de pensar e agir dos indivíduos.

É preciso reagir a isso tudo. Os indivíduos precisam refletir sobre sua

realidade e analisá-la de maneira crítica, não aceitando as imposições sociais

como naturais, é necessário revisitarmos a nossa realidade para podermos

transformá-la. Adorno não traça um “modelo ideal de educação” se assim o

fizesse também estaria impondo uma realidade, teria uma postura autoritária que

impede a autonomia intelectual do indivíduo.

“Assumindo o risco, gostaria de apresentar a minha concepção inicial de

educação. Evidentemente não a assim chamada modelagem de pessoas,

porque não temos o direito de modelar pessoas a partir do seu exterior;

mas também não a mera transmissão de conhecimentos, cuja

característica de coisa morta já foi mais do que destacada, mas a

produção de uma consciência verdadeira” (ADORNO, 2006, p.141).

Portanto, “Educação e Emancipação” sob o viés filosófico de Theodor

Adorno quer descortinar essa realidade social-educacional que promove a

deformação da consciência dos indivíduos revelando a crise sócio-cultural da

instrução e da educação escolar, que traz em seu âmago a formação de um

homem alienado; mesmo que tenha sido escolarizado e instruído, falta-lhe o

“esclarecimento” (Aufklãrung).

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Para Adorno a educação não é algo que ocorre inconscientemente. Sua

função é produzir nos sujeitos uma consciência verdadeira, isto é, os sujeitos

devem perceber sua relação com o mundo de forma crítica. É esta consciência

verdadeira que nos faz sujeitos autônomos.

Se desejarmos uma educação para a emancipação, conforme já enfatizada

por Adorno em suas obras e discutida mais abertamente, no final da década de

1950 e 1960, sob o viés do livro, editado após sua morte, “Educação e

Emancipação”, é necessário, antes de tudo, olharmos para esse mundo que nos

rodeia e para nós; e a partir daí, mantermos um diálogo vivo, analisando como

este mundo repercute na formação da nossa mentalidade e consequentemente na

nossa ação como sujeito.

“A educação seria impotente e ideológica se ignorasse o objetivo de

adaptação e não preparasse os homens para se orientarem no mundo.

Porém ela seria igualmente questionável se ficasse nisto, produzindo

nada além de well adjusted people, pessoas bem ajustadas, em

conseqüência do que a situação existente se impõe precisamente no que

tem de pior. Nestes termos, desde o início existe no conceito de

educação para a consciência e para a racionalidade uma ambigüidade.

Talvez não seja possível superá-la no existente, mas certamente não

podemos nos desviar dela” (ADORNO, 2006, PP.143-144).

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CAPÍTULO II

EDUCAÇÃO E EMANCIPAÇÃO A PARTIR DA CRÍTICA

DIRIGIDA POR ADORNO À ESCOLA E AO SISTEMA DE

ENSINO

2.1. Tabus acerca do magistério.

Conferência: Theodor W. Adorno

“No Instituto de Pesquisas Educacionais de Berlim em 21 de maio de 1965; publicado em Neue Sammlung novembro/dezembro 1965 e em T. W. Adorno Stichworte (Motes), Ed. Suhrkamp, 1969; transmittido pela Rádio de Hessen em 9 de agosto de 1965”.

Nesta conferência que tem como tema “Tabus acerca do magistério” o que

Adorno pretende é tornar visíveis, para as nossas reflexões, “algumas dimensões

da aversão em relação à profissão de professor, que representam um papel não

muito explícito na conhecida crise de renovação do magistério”.

Adorno define Tabus como representações subjetivas, de caráter

inconsciente ou pré-consciente que não apenas os eventuais candidatos ao

magistério possuem, mas também de outros indivíduos, principalmente as próprias

crianças, os próprios alunos que ligam os professores a uma interdição psíquica.

Desta forma “Tabus” são preconceitos psicológicos-sociais que devem ser

descortinado para poder ser combatido com vigor, a fim de que não seja

justificativas para o exercício da barbárie.

Com o desenrolar da conferência, Adorno vai tecendo algumas “razões”,

através de uma retrospectiva histórica, para a existência desses tabus: o

menosprezo pelo professor é de longa data, podendo ser localizado desde a

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Antiguidade Ocidental, quando os vencidos pelos romanos se transformavam em

escravos; existiam algumas funções para esses futuros escravos (perdedores de

guerra) e entre elas: exercer a profissão de professores (ensinar). Também na

Idade Média Ocidental e início da Moderna há indícios históricos de repulsão aos

professores; talvez essa repulsão esteja ligada a separação e consequentemente

a valorização da força física sobre a força intelectual nessa época. “O intelecto

encontrava-se separado da força física”. “O professor é o herdeiro do monge;

depois que este perde a maior parte de suas funções, o ódio ou a ambiguidade

que caracteriza o ofício do monge é transferida para o professor”.

Adorno faz alusão às brincadeiras de crianças, pela via de um mecanismo

interminável de identificações, que penetra no povo. A imagem conservadora, e

apagada do professor, contrapõe a imagem heróica e exaltada dos guerreiros, que

os meninos brincam (estas identificações nas brincadeiras infantis perduram-se

até hoje; e a imagem do professor continua recheada de tabus).

“Pode-se perguntar por que o tabu arcaico, a ambivalência arcaica foram

transferidos justamente aos professores, enquanto outras profissões intelectuais

ficaram livres deles”. Sob este contexto Adorno analisa a partir do viés do senso

comum dizendo-nos que outras profissões intelectuais também, como por

exemplo, juristas e médicos, constituem o que chama hoje de profissões livres,

onde subordinam à disputa concorrencial e são providas de melhores

oportunidades materiais, e, não são contidas e garantidas por uma hierarquia de

servidor público, são mais livres por isso gozam de mais prestígios.

Na configuração moderna das ocupações tem-se: os profissionais liberais

(gozam de verdadeiro poder) e os assalariados dos setores privado e público

(baixo prestígio); estes dois grupos se diferenciam em termos de poder, de

prestígio e de salário. O professor faz parte do segundo grupo. É visto, segundo o

texto adorniano, como o herdeiro do monge, do escriba, do escrivão, tendo haver

com a cultura letrada, às coisas do espírito. Todavia não goza do status dos

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demais altos funcionários públicos porque seu “poder” é restrito sobre seres

imaturos, as crianças. Esta questão traz em si ambigüidades. Para entendê-la é

preciso refletir sobre o contexto da modernidade liberal-capitalista. Ao professor

lhe é entregue a grande missão civilizadora, mas, ao mesmo tempo, que tem uma

“missão tão grandiosa”, ele é execrado e tabu acerca dele ganham vida.

Deparamo-nos com mais uma contradição: Quem educa aquele que

educa? Como realizar essa missão civilizatória? O professor e a escola foram os

escolhidos pela ordem vigente para estarem à frente desse grandioso projeto

civilizatório. Como é sua posição dentro dessa ordem vigente? Diferentes

métodos, práticas de ensino fazem parte desse grandioso projeto. (a educação

brasileira é rica desses exemplos; onde o ensino e os professores continuam a

povoar os grandes discursos ideológicos de emancipação, mas na prática as

coisas não acontecem e os professores, no final, são os grandes vilões).

Adorno cita Max Scheler que disse certa vez “que só atuou

pedagogicamente porque nunca tratou seus estudantes de maneira pedagógica”.

Adorno quanto a essas circunstâncias comenta: “Se me permitirem a observação

pessoal, a minha própria experiência confirma inteiramente este ponto de vista”.

Vemos claramente a recusa de Adorno às práticas pedagógicas existentes.

Nos processos de socialização são construídos, direta ou indiretamente,

ameaças expressa pelas punições e pelos castigos. Punições, castigos fazem

parte da “pedagogia escolar”. Quem não se lembra das famosas palmadas nas

mãos dos alunos que não conseguiam decorar as tabuadas. As marcas da escola

são: rendimentos, capacidades intelectuais, notas e outras hierarquias punitivas. A

escola exige isso e os alunos, no seu íntimo apreende essa incongruência e

associam a imagem do professor com a do carrasco.

“A minha hipótese é que a imagem de „responsável por castigos

determina a imagem do professor muito além das práticas dos castigos

físicos escolares. Se eu tivesse que orientar investigações empíricas

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acerca do conjunto complexo do professor, então esta seria a primeira a

me interessar. Ainda que em termos bastante brandos, repete-se na

imagem do professor algo da imagem tão afetivamente carregada do

carrasco”. (ADORNO, 2006, p.107)

“Que este imaginário é exitoso em firmar a crença de que o professor não

é um senhor, mas um fraco que castiga ou um monge sem cargo, isto

pode ser comprovado de maneira drástica no plano erótico. Por um lado,

ele não tem função erótica; por outro, desempenha um grande papel

erótico, para adolescentes deslumbrados, por exemplo... A característica

de ser inatingível associa-se à imagem de um ser tendencialmente

excluído da esfera erótica. Numa perspectiva psicanalítica, esse

imaginário do professor relaciona-se à castração”. (ADORNO, 2006, pp.

107-108)

Estamos diante de um ser que, segundo o “projeto civilizatório” deveria

apresentar-se como alguém superior. Contudo temos um homem mutilado em

vários pontos: no poder, no erótico, no social, no psicológico etc. Ao mesmo tempo

em que o professor se converte em objeto erótico, não pode concorrer

eroticamente, pois, mais do que ocorre em outras profissões, tem que servir de

exemplo de virtude moral.

O professor é tido como um equívoco na representação da sociedade em

sua missão civilizadora.

A escola, para o desenvolvimento dos homens, segundo Adorno, constitui

quase o protótipo da própria alienação social. O agente dessa alienação é a

autoridade do professor, e a resposta a ela é a apreensão negativa da imagem do

professor. As imagens do professor acumulada no curso da história, funcionam

como sobras remanescentes no inconsciente que podem ser despertadas

conforme as necessidades psíquicas. Adorno recorre à psicanálise para explicar

toda essa relação existente entre escola, professor, aluno, educação.

Compreendida, num primeiro momento, as construções sociais,

econômicas, políticas, ideológicas, psicológicas que envolvem: a escola, o

professor, o aluno, enfim a educação em geral; é preciso agora, a partir dessas

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construções estabelecer um diálogo vivo a fim de reagir a isso tudo tomando

consciência de todo esse processo que levou a destruição da escola, do

professor, do aluno e por fim da educação.

Sob o viés da questão do “que fazer?” Adorno numera alguns aspectos:

primeiramente “esclarecimento dos próprios professores, dos pais e, tanto quanto

possível, também dos alunos, com quem os professores deveriam conversar

sobre as questões cheias de tabus”. É preciso refletir, sobre todas aquelas

mazelas que incomodam a profissão de professores ainda na fase de formação

dos professores; “contrapor-se à ideologia da escola” que perpassa a prática

educacional; abrir para as discussões a “deformação psicológica de muitos

professores”; reagir ao comportamento de algumas escolas que pregam o

conformismo dizendo que alguns professores precisam ter “os pés no chão”

oprimindo a liberdade intelectual de cada um e a formação do sujeito, impedindo

assim o trabalho científico dos professores.

Adorno clama por uma educação política que leve à emancipação da

sociedade.

“Mas não se deve esquecer que a chave da transformação decisiva

reside na sociedade e em sua relação com a escola”.

“O pathos da escola hoje, a sua seriedade moral, está em que, no âmbito

do existente, somente ela pode apontar para a desbarbarização da

humanidade, na medida em que se conscientize disto”.

“A desbarbarização da humanidade é o pressuposto imediato da

sobrevivência... Este deve ser o objetivo da escola... E para isto ela

precisa libertar-se dos tabus, sob cuja pressão se reproduz a barbárie...

do ponto de vista da sociedade que a escola cumpra sua função,

ajudando, que se conscientize do pesado legado de representações que

carrega consigo”. (ADORNO, 2006, pp. 116-1170).

A partir desse procedimento, caminha-se em direção a emancipação tanto

por parte dos alunos, da escola, dos professores, da educação, de toda gente, de

todo cidadão, de toda a sociedade, de todo o mundo.

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2.2. Educação – para quê?

Debate: Theodor W.Adorno - Hellmut Becker.

“Na Rádio de Hessen; transmitido em 26 de setembro de 1966; publicado em Neue Sammlung, janeiro/fevereiro de 1967”. (ADORNO, 2006, p.188).?????

O termo planejamento educacional abre o debate com Becker discursando

que na Alemanha da sua época, tem um uso sobretudo quantitativo. “O exemplo

mais prático é o da propaganda educacional, objetivando levar à escola superior a

maior quantidade de pessoas”. Todavia, ele mesmo percebe que quanto ao

aspecto quantitativo e o qualitativo há certa relação, pois se você prioriza o

quantitativo há uma conseqüência ao qualitativo (podemos ver claramente essa

questão na política educacional brasileira atual, no Programa Universidade para

Todos - Pro Uni e no sistema de cotas). Adorno lembra a Becker que “a conversa”

deles deveria caminhar “para onde a educação deve conduzir” e não “para que

fins a educação ainda seria necessária”. Becker concorda que o “para quê” já não

é mais manifestado.

Sobre a educação e a formação Adorno nos remete que tempos atrás o

“para quê” e o “para onde”, segundo Hegel, era compreensíveis por si mesmos e

não problemáticos em si mesmos; agora se tornaram problemáticos em sua

compreensão. Adorno problematiza: “Educação – para quê?”

No confronto de ideias Becker trouxe para a discussão a questão sobre

“modelos ideais preestabelecido” na educação. A crítica ao conceito de modelo

ideal faz parte da filosofia adorniana, pois ele entendia que modelos ideais eram

como uma imposição exterior, uma postura autoritária que impedia a autonomia

intelectual do indivíduo. “É de se perguntar de onde alguém se encontra no direito

de decidir a respeito da orientação da educação dos outros”. A educação deve se

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voltar para a realidade; qualquer forma de idealismo, para Adorno deve ser

combatida.

A partir daí Adorno distingue o que é para ele educação. Não é um

processo de modelagem de pessoas, não se tem o direito para isto e também não

é mera transmissão de conhecimentos, onde transforma os sujeitos em

reservatórios de coisa morta (Paulo Freire chama essa concepção de educação

bancária, onde a única margem de ação que se oferece, ao outro, é a de

receberem os depósitos). A educação é sim “a produção de uma consciência

verdadeira”, essa idéia é para Adorno uma “exigência política”.

Adorno também mostra um duplo caráter da educação, a ambiguidade: é

ao mesmo tempo adaptação e autonomia. “A educação seria impotente e

ideológica se ignorasse o objetivo de adaptação e não preparasse os homens

para se orientarem no mundo”. Todavia se ela ficasse engessada nesse ponto,

produzindo nada além de pessoas bem ajustadas seria passível a contestações.

Essa ambigüidade é vivenciada dialeticamente.

O processo dialético é histórico. A relevância da educação em relação à

realidade muda historicamente. Na atualidade, é fato, que a realidade se tornou

tão poderosa sobre a humanidade que lhes impõem desde a infância o processo

de adaptação. Sob esses termos, a educação infantil tem na adaptação, sua

consagração (motivos para reflexão). Pois, no viés adorniano a organização

econômica presente leva a maioria das pessoas à dependência do existente. Para

sobreviver tem que se adaptar ao que é dado. A indústria cultural instrumento de

manipulação das consciências, usada para submeter os indivíduos planta a

imagem fixa de como as coisas devem ser, o que é bom, é o que é ruim, o que é

melhor, o que é verdadeiro etc., segundo a ideologia dessa indústria, a adaptação

toma lugar da consciência. Dentro desses conformes a primeira educação, a

infantil é apresentada.

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Para fazer uma apreensão de modo geral como foi proporcionado essa

primeira educação infantil Adorno nos alerta que “seria preciso estudar o que as

crianças hoje em dia não conseguem mais apreender: o indescritível

empobrecimento do repertório de imagens... o empobrecimento da linguagem e de

toda a expressão”. Sobre essa questão Becker lembra que a Alemanha é o país

que inventou o jardim-de-infância, tornando-se por isto mundialmente famosa.

Essa educação pré-escolar e a sua expansão precisam ser pensadas com

bastante clareza, pois a tarefa de intermediar uma consciência da realidade, não

se dá a nível universitário e sim a partir da primeira educação infantil. Sob essas

bases é importante pensarmos na escola assumindo esta tarefa. “Inserem-se no

processo educacional milhões de pessoas que antigamente não participavam do

mesmo e que desde o início provavelmente não possuem condições de perceber

aquilo a que nos referimos”, que tem haver com “a riqueza de imagines sem a qual

elas crescem”, já comentadas por Adorno.

Continuando sobre os pilares dessa reflexão Adorno faz referência à

música:

“Experiências musicais na primeira infância a gente tem, por exemplo,

quando, levado a deitar na cama para dormir, acompanhamos

desobedientes e com os ouvidos atentos à música de uma sonata para

violino e piano de Beethoven proveniente da sala ao lado. Mas se

adquirimos essa experiência mediante um processo, ele próprio por sua

vez ordenado, torna-se duvidosa a mesma profundidade da experiência”.

(ADORNO, 2006, p.147).

É preciso conscientizar de toda essa problemática e levá-la para as

discussões no âmbito educacional, pois aquilo que é espontâneo, aquilo que é

criativo que fazem as pessoas ser; Qual o lugar que é reservado em todo esse

sistema educativo?

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A educação deve ser também e simultaneamente autonomia, racionalidade,

possibilidade de se ir além da mera adaptação. Essa ambiguidade que a

educação traz dentro de si precisa ser descortinada, se não estará fadada a

falsear o processo pedagógico.

A Educação como produção de uma consciência verdadeira é, para

Adorno, uma exigência política, pois “uma democracia com o dever de não apenas

funcionar, mas operar conforme seu conceito demanda pessoas emancipadas.

Uma democracia efetiva só pode ser imaginada enquanto uma sociedade de

quem é emancipado”.

Sob esse contexto Adorno se refere à busca da construção de uma

verdadeira democracia, aquela que visa operar “conforme seu conceito”: poder do

povo e não poder dos donos do povo, como se vigora por aí. Para se construir a

efetiva democracia é imprescindível a formação de sujeitos emancipados. Será

que a escola e os sistemas de ensino atuais contribuem para a efetiva

democracia? Ou continuam a reproduzir ideologias, alienações, conforme

denunciada por Adorno na década de 1960?

A escola atual (Brasil - final da primeira década do século XXI).

“Na nossa sociedade, os sinais de desconforto e incômodo, a

multiplicação de conflitos intra-escolares e nas relações escola-

sociedade, uma sensação de inadequação da escola aos temas atuais

parecem se acentuar, um determinado paradigma de se conceber e

realizar a escolarização parece que se está esgotando. A necessidade de

se reinventar a escola surge então como desejo, projeto e caminho a ser

construído”. (CANDAU, 2008 – REINVENTAR A ESCOLA)

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2.3. A educação contra a barbárie

Debate: Theodor W. Adorno – Hellmut Becker

“Na Rádio de Hessen; transmitido em 14 de abril de 1968”.

“Desbarbarizar tornou-se a questão mais urgente da educação nos dias de

hoje”. Com este afirmativo Adorno inicia-se o debate com Becker, a questão da

“desbarbarização” comparece insistentemente nos escritos adornianos. Educação

para resistir contra a barbárie; Adorno via na educação o instrumento para

germinar a crítica à ideologia vigente, voltando-se para as contradições sociais, a

partir de uma educação política.

“Entendo por barbárie algo muito simples, ou seja, que, estando na

civilização do mais alto desenvolvimento tecnológico, as pessoas se

encontrem atrasadas de um modo peculiarmente disforme em relação a

sua própria civilização – e não apenas por não terem em sua arrasadora

maioria experimentado a formação nos termos correspondentes ao

conceito de civilização, mas também por se encontrarem tomadas por

uma agressividade primitiva, um ódio primitivo ou, na terminologia culta,

um impulso de destruição, que contribui para aumentar ainda mais o

perigo que toda esta civilização venha a explodir, aliás uma tendência

imanente que a caracteriza. Considero tão urgente impedir isto que eu

reordenaria todos os outros objetivos educacionais por esta prioridade”.

(ADORNO, 2006, p. 155)

Que Auschwitz não se repita! É o imperativo para a educação e o seu

objetivo. Após o terror de Auschwitz, faz se necessário, revisitar o passado, para

evitar que as condições geradoras do horror do holocausto perdurem. Clama-se,

em caráter emergencial, por uma educação voltada contra a barbárie. Pois a falta

de consciência e a indiferença são condições férteis para a barbárie. “A tentativa

de superar a barbárie é decisiva para a sobrevivência da humanidade”.

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É principalmente sobre a educação alemã que Adorno quer tecer suas

reflexões a respeito de uma educação voltada contra a barbárie. “Pela minha visão

da situação da educação alemã, o problema da desbarbarização não foi colocado

com a nitidez e a gravidade com que pretendo abordá-lo aqui”. Becker comenta

com Adorno se não seria mais viável investigar se “este problema não se coloca

de um modo semelhante no mundo inteiro... mesmo que em roupagens

diferentes”. Adorno explica a Becker, o porquê de traçar as reflexões sobre “A

Educação contra a Barbárie” a partir do contexto vigente da Alemanha.

“Neste momento estou mais inclinado a desenvolver essas questões na

situação alemã. Não por pensar que não sejam igualmente agudas em

outros lugares, mas porque de qualquer modo na Alemanha aconteceu a

mais horrível explosão de barbárie de todos os tempos, e porque, afinal,

conhecemos a situação alemã melhor a partir de nossa própria

experiência viva”. (ADORNO, 2006, pp. 156-157).

As catástrofes que fizeram do século XX, o século das “trevas” marcaram

profundamente o pensamento de Adorno. A ascensão do nazismo e a Segunda

Guerra Mundial foram os stopins para a vida de Adorno. O temor, o pavor que se

repetisse tudo aquilo de novo faz com que suas reflexões, estejam sempre em

sinal de alerta, armando as consciências para não permitir tudo isso novamente.

Pois a Alemanha, lugar de formação intelectual não foi capaz de conter o

propósito específico da política hitlerista: exterminar pessoas. Adorno tem uma

meta: evitar Auschwitz; sua arma: uma educação para emancipação.

O nazi-facismo tinha sido militarmente derrotado, mas a barbárie estava

cada vez mais viva e o capitalismo estava mais forte do que nunca. A partir da

critica a sociedade liberal que promoveu o vazio, a depreciação da vida, em seu

momento limite a “Segunda Guerra Mundial”, lutar contra a barbárie que se

instaurou, era antes de tudo, a crença de que somente a critica a barbárie da

civilização poderia salvar a civilização da barbárie.

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Adorno vê na educação, uma das armas, para confrontar a barbárie. Uma

educação que em seu sentido pleno libertasse o indivíduo por meios da auto-

reflexão crítica. Uma educação voltada para a emancipação do indivíduo, para

uma sociedade com homens conscientes. Uma educação, não pautada apenas no

“esclarecimento da consciência”, mas, sim uma educação que leve em conta todo

o contexto social, econômico, político, cultural, Psicológico da sociedade.

Adorno acredita que quando a problemática da barbárie for tratada com

urgência e interesse pela educação, o simples fato de se colocar essa questão no

centro da consciência já traz benefícios e possibilidades de mudanças. Adorno

reconhece também que há momentos repressivos e opressivos no conceito de

educação e de cultura e que esses momentos ajudam a produzir a barbárie. Daí a

relevância de se aprofundar no conceito de desbarbarização.

Adorno vê a barbárie não como uma concepção que se mostre às pessoas

pela sua clareza, mas algo realizado em um conjunto de imposições,

compromissos e valores dogmaticamente impostos.

Os poderes estabelecidos ou as autoridades preferem a visão da barbárie

como um movimento, um impulso destrutivo que tem que ser combatido para o

retorno da ordem. Sobre essa questão Becker cita o comentário de um político

contra os jovens que reivindicavam devido ao aumento abusivo das tarifas dos

transportes “uma comprovação da falência da formação política, pois a juventude

se manifestou por meio de formas bárbaras contra uma posição pública”. Adorno

vê na fala desse político “uma forma condenável de demagogia”; o que demonstra

essa manifestação desses jovens “é precisamente a conclusão de que a educação

política não foi tão inútil como sempre se afirma”.

“A forma de que a ameaçadora barbárie se reveste atualmente é a de,

em nome da autoridade, em nome de poderes estabelecidos, praticarem-

se atos que anunciam, conforme sua própria configuração, a

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deformidade, o impulso destrutivo e a essência mutilada da maioria das

pessoas”. (ADORNO, 2006, p. 159).

Adorno, conclui que é necessário definir o que seja a barbárie, por mais que

lhe desagrade.

“Suspeito que a barbárie existe em toda parte em que há regressão à

violência física primitiva... Por outro lado, em circunstâncias em que a

violência conduz inclusive a situações bem constrangedoras em

contextos transparentes para a geração de condições humanas mais

dignas, a violência não pode sem mais nem menos ser condenada como

barbárie”. (ADORNO, 2006, pp. 159-160).

Sob esses paradigmas Adorno traz para as discussões os acontecimentos

que ocorrem atualmente (1968) na rebelião estudantil, onde ele constata que as

atitudes dos estudantes, não são de modo algum, casos de “erupções primitivas

de violência”, mas, sim, em geral, “modos de agir politicamente refletidos”.

Contudo se esses acontecimentos são corretos ou equivocados precisam

melhores entendimentos. Todavia não se trata aí de uma consciência deformada,

agressiva. No entanto, podemos ver uma manifestação de barbárie quando, em

uma partida de futebol, um determinado time vence e é hostilizado ou agredido no

estádio; isso, para Adorno é algo bárbaro. “As reflexões precisam, portanto ser

transparentes em sua finalidade humana”.

Para Becker as reflexões chegam agora num momento muito difícil: “Como

educar jovens para que efetivamente apliquem essas reflexões a objetivos

humanos, ou seja, como conscientizar as pessoas o que é respeitar o adversário,

o diferente, o não-eu? Adorno destaca à prática de esportes, que pode de um lado

ser um encontro social, dentro de um clima de competitividade, permeando-se

pelo respeito ao adversário; com fins exclusivamente educativos. Porém, por outro

lado, essa prática pode gerar: agressões, crueldade, violência generalizada, seja

entre os participantes, ou entre os torcedores que tem nesta prática um fanatismo,

que desembocam em explosões de barbárie.

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Além da competição, sob o viés esportivo, temos também as competições

fomentadas no sistema escolar, particularmente utilizada em escolas, de

diferentes regimes políticos, como instrumentos pedagógicos por excelência.

Adorno e Becker vêem a ambiguidade nesta questão: a competição, enquanto

estímulo, bem orientada, pode ser um instrumento pedagógico. Todavia como

vemos que de certa forma é apresentada nas escolas contribuem para reproduzir

a essência do sistema capitalista, sob o qual transforma os homens em inimigos

dos próprios homens, privilegiando, o domínio dos mais fortes, mais excelentes,

mais superiores, mais cultos, mais tudo. Adorno, de modo geral, vê na competição

um princípio contrário a uma educação humana.

“Partilho inteiramente do ponto de vista segundo o qual a competição é

um princípio no fundo contrario a uma educação humana. De resto,

acredito também que um ensino que se realiza em formas humanas de

maneira alguma ultima o fortalecimento do instinto de competição”.

(ADORNO, 2006, p. 161).

Sobre essas questões Becker acrescenta: “Creio que tanto no seu tempo

como hoje a massa dos professores continua considerando a competitividade

como um instrumento central da educação e um instrumento para aumentar a

eficiência”. (ADORNO, 2006, p.162).

Enfim, o que é para Adorno esse “princípio pedagógico” de

desbarbarização mediante a educação. Adorno concebe a educação como:

enquanto esclarecimento e enquanto emancipação.

“Com a educação contra a barbárie no fundo não pretendo nada além de

que o ultimo adolescente do campo se envergonha quando, por exemplo,

agride um colega com rudeza ou se comporta de um modo brutal com

uma moça: quero que por meio do sistemas educacional as pessoas

comecem a ser inteiramente tomadas pela aversão à violência física”.

(ADORNO, 2006, p.165).

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Becker pede a Adorno que tenha cuidado ao uso da palavra “aversão”.

Adorno retoma o diálogo e complementa:

“Creio que antes de falarmos sobre as exceções, sobre a dialética

existente quando em certas circunstâncias a antibarbárie requer a

barbárie, é preciso haver clareza de que até hoje ainda não despertou

nas pessoas a vergonha acerca da rudeza existente no princípio da

cultura”. (ADORNO, 2006, p.165).

Adorno deixa claro nessas reflexões sobre “Educação contra a Barbárie”

que quando se refere à função do esclarecimento, de maneira alguma propõe a

conversão de todos os seres humanos em seres inofensivos e passivos. Além do

mais se formos colocar a “passividade inofensiva” no crivo da Teoria Crítica da

Sociedade, veremos que essa “passividade inofensiva” pode constituir uma forma

de barbárie, na medida em que esta pronta para se omitir em tudo que se passa

com a espécie humana.

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CAPÍTULO III

POR UMA PROPOSTA EDUCACIONAL PARA A

EMANCIPAÇÃO

3.1. Educação e emancipação

Debate: Theodor W. Adorno – Hellmut Becker

“Na Rádio de Hessen; transmitido em 13 de agosto de 1969” (a entrevista foi realizada em 16 de julho de 1969).

Esta transmissão tornou-se a última entrevista-debate proferida por Adorno

antes de sua morte, em 06 de agosto de 1969, e que deu origem ao texto

Educação e emancipação. Nesse debate com Hellmut Becker, Adorno inicia

remetendo-se ao ensaio de Kant “Resposta à pergunta: o que é esclarecimento?

Que segundo ele, Kant, “define o que é a menoridade ou tutela e, desde modo,

também a emancipação.

A afirmação kantiana expressa no célebre texto Was ist Aufklärung? (o que

é uso de sua própria razão e assim se libertar dos mitos, dos deuses, das leis da

natureza, enfim das forças externas que governavam o seu destino, acabou não

acontecendo; por que, segundo Adorno e Horkheimer (1985, p. 19), “a terra

totalmente esclarecida resplandece sob o signo de uma calamidade triunfal”; pois

a razão concebida como instrumento de emancipação e autodeterminação dos

homens, no transcurso da crescente instrumentalização converteu-se em

instrumento de dominação da natureza interna e externa dos homens; desviando-

se da dimensão emancipatória. Para adorno “esse programa de Kant, que mesmo

com a maior má vontade não pode ser acusado de falta de clareza, parece-me

ainda hoje extraordinariamente atual”.esclarecimento?), que diz que o homem

poderia conseguir sua autonomia fazendo

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Adorno defende a atualidade da proposta de Kant, argumentando da

necessidade dos homens abandonarem o estado de menoridade em que se

encontram, emancipando-se da tutelagem feita pelos outros, ousando-se em fazer

uso de sua própria razão.

Sob esse viés, Adorno faz analogia à democracia, de que esta,

corporificada na instituição de eleições representativas, depende do

desenvolvimento moral de cada indivíduo.

“A democracia repousa na formação da vontade de cada um em

particular, tal como ela se sintetiza na instituição das eleições

representativas. Para evitar um resultado irracional é preciso pressupor a

aptidão e a coragem de cada um em se servir de seu próprio

entendimento. Se abrirmos mão disto, todos os discursos quanto à

grandeza de Kant tornam-se mera retórica, exterioridade” (ADORNO,

2006, p.169).

Diante das reflexões feitas por Adorno, a respeito do esclarecimento,

Becker constata, a partir da concepção educacional alemã, que até os dias atuais

da sua vivência a educação não é exercida visando à emancipação.

Adorno diz a Becker que ao acompanhar a “literatura pedagógica” acerca

da emancipação, no lugar da emancipação encontra-se:

“Um conceito nos termos de uma ontologia existencial de autoridade, de

compromisso, ou outras abominações que sabotam o conceito de

emancipação atuando assim não só de modo implícito, mas

explicitamente contra os pressupostos de uma democracia” (ADORNO,

2006, p. 172).

Adorno acredita que há “abusos com o conceito de autoridade, e gostaria

de apontar essa questão, pois ele como escritor da obra “Authoritarian Personality”

se vê, de certa forma, autorizado para falar sobre este assunto.

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“Em primeiro lugar, autoridade é um conceito essencialmente

psicossocial, que não significa imediatamente a própria realidade social.

Além disso, existe algo como uma autoridade técnica – ou seja, o fato de

que um homem entende mais de algum assunto do que outro – que não

pode simplesmente ser descartada. Assim, o conceito de autoridade

adquire seu significado no âmbito do contexto social em que se

apresenta” (ADORNO, 2006, p.176).

Adorno quer apresentar nessas discussões, algo mais específico; algo que

se relaciona ao processo de socialização na primeira infância; como aquele que é

o ponto de confluência das categorias sociais, pedagógicas e psicológicas.

Assim sendo para Adorno a elaboração de consciências críticas e reflexivas

está ligada, à presença da autoridade, nos processos sociabilizadores, inclusive

nos que ocorrem dentro das instituições escolares.

Sob o viés dos escritos freudianos, Adorno expõe que a autoridade é um

conceito psicossocial que ocupa papel central na consolidação de egos

consistentes e, consequentemente, na formação de pessoas emancipadas.

Segundo MAIA (doutor em Psicologia Escolar e do desenvolvimento

Humano pela USP) há, para Freud, em Psicologia de grupo e análise do ego, três

tipos de identificação: no primeiro, o sujeito quer ser igual àquele com quem se

identifica; no segundo, quer ter para si aquele com quem se identifica e,

finalmente, no terceiro, identifica-se com alguma característica idealizada da

pessoa com quem se identifica. Os dois primeiros são importantes para a

formação do ego e do superego, ao passo que o terceiro se relaciona à

idealização presente na psicologia das massas, nas quais o líder assume o lugar

do ideal do ego.

A questão essencial é se é possível ao sujeito perceber, em algum

momento, que as pessoas com as quais se identificou não têm, de fato, as

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características ideais que um dia a elas atribuiu. Sem essa percepção, sempre

dolorosa, e sem a antecedente identificação, não é possível o desenvolvimento no

sentido da autonomia. Segundo Adorno:

“O modo pelo qual – falando psicologicamente – nos convertemos em

um ser humano autônomo, e, portanto emancipado, não reside

simplesmente no protesto contra qualquer tipo de autoridade... E o

processo – que Freud denominou como o desenvolvimento normal – pelo

qual as crianças em geral se identificam com uma figura do pai, portanto,

com uma autoridade, interiorizando-a, apropriando-a, para então ficar

sabendo, por um processo sempre muito doloroso e marcante, que o pai,

a figura paterna, não corresponde ao seu ideal que aprenderam dele,

libertando-se assim do mesmo e tornando-se, precisamente por essa via,

pessoas emancipadas. (ADORNO, 2006, pp.176-1770).

Se os professores são os substitutos dos pais no inconsciente, conforme

apontava Freud, esses não podem se ocultar sobre o seu papel como autoridades;

mas sem nenhuma autorização para exercer um poder, que em última instância,

lhes é somente delegada, neste processo de desenvolvimento da personalidade

do educando, da descoberta da sua identidade. Portanto a possibilidade de

emancipação depende do contato com um modelo de autoridade. Conforme

Adorno verbalizou para nós: “Penso que o momento da autoridade seja

pressuposto como um momento genético pelo processo da emancipação”. Porém

Adorno também nos sinalizou que esta etapa mal conduzida pode proporcionar

danos de difíceis reparações.

“quando isso ocorre os resultados não serão apenas mutilações

psicológicas, mas justamente aqueles fenômenos do estado de

menoridade, no sentido da idiotia sintética que hoje constatamos em

todos os cantos e paragens” (ADORNO, 2006, p.177).

Por fim, pode-se dizer que, em Adorno a emancipação precisa ser

acompanhada por uma firmeza do eu, que se desenvolve sob um processo de

frustração que proporciona condições psicológicas para que o ego conteste que

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não há uma correspondência direta entre a identificação com o modelo idealizado

e o modelo real. A dor de tal descoberta é proveniente da desilusão de que o

modelo venerado não é tão poderoso como parecia ser. A frustração proporciona

condições psicológicas para que o ego conteste a identificação com aquele

modelo idealizado, participando de outros modelos socializadores.

A partir dessas circunstâncias o ego exercerá sua função de relativa

autonomia na ordenação dos processos mentais. O mesmo processo que, de um

lado, torna possível a maioridade, por outro, põe em risco a emancipação a partir

da fraqueza do ego, que não consegue efetivar, de fato; e, em decorrência a isso

se sujeita.

Portanto essa proposta educacional para emancipação deveria centralizar-

se na primeira infância, época na qual, segundo Freud, se constitui a

personalidade, e por isso algumas situações-limites deveriam ser acompanhadas

reflexivamente como, por exemplo, a questão da: autoridade, do impacto da

indústria cultural sobre a constituição das subjetividades, da imposição de normais

morais de conduta, da não atenção aos assuntos da violência social e suas

conseqüências, dos modelos prontos a serem seguidos, etc. “é preciso começar a

ver efetivamente as enormes dificuldades que se opõem à emancipação nesta

organização do mundo”.

“Quero atentar expressamente para este risco. E isto simplesmente

porque não só a sociedade, tal como ela existe, mantém o homem não-

emancipado, mas porque qualquer tentativa séria de conduzir a

sociedade à emancipação... é submetida a resistências enormes, e

porque tudo o que há de ruim no mundo imediatamente encontra seus

advogados loquazes, que procurarão demonstrar que, justamente o que

pretendemos encontra-se de há muito superado ou então está

desatualizado ou utópico... Aquele que quer transformar provavelmente

só poderá fazê-lo na medida em que converter esta impotência, ela

mesma, juntamente com a sua própria impotência, em um momento

daquilo que ele pensa e talvez também daquilo que ele faz” (ADORNO,

2006, p. 185).

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

A emancipação da sociedade é o que aspirava Theodor W. Adorno, a partir

de uma dialética negativa, que tinha como “imperativo Categórico” para educação:

desbarbarizar. Estaria ultrapassada essa aspiração para o século XXI?

Adorno e suas obras circulam no passado e no presente e continuam a

incomodar muitos por aí. Acusado de negativista e niilista devido às duras críticas

que fez a sociedade capitalista, entre elas, a associação do capitalismo ao

totalitarismo, provocou uma grande antipatia e ira em muitas pessoas. Sua

maneira de denunciar as mazelas da sociedade em vários âmbitos lhe rendeu

muitas “dores de cabeça”. Mas Adorno não se incomodava com isso, o seu

objetivo era através de sua teoria denunciar as várias máscaras que se escondiam

atrás de uma falsa consciência.

Para compreender o viés reflexivo adorniano a respeito da educação e do

sistema educacional em geral, é preciso percorrer sua trajetória filosófica, pois

estão estritamente ligadas. Embora Adorno não tenha escrito explicitamente uma

obra com o tema educação, propriamente dito, contudo encontramos

implicitamente essa questão rondando seu compêndio. Sua produção intelectual

está relacionada a uma diversidade de áreas e temas. Porém só terão seu sentido

assegurado na medida em que for refletida com base na teoria crítica da

sociedade.

Uma leitura atenta de Adorno mostra que os temas analisados por ele são

indissociáveis da cultura e da sociedade, como podemos certificar nas

repercussões de sua análise sobre a formação do indivíduo por intermédio da

educação. Onde ele defendia que a educação deveria suscitar a crítica à ideologia

vigente. Ele concebia a educação escolar como instituição necessária ao combate

à violência.

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Adorno nas conferências e debates que participou sobre educação, entre

os anos de 1959 a 1969, deixava bem claro, que não era pedagogo, era apenas

alguém que queria expor a apresentação de um problema; o que não destituiu a

relevância de seus diagnósticos, que eram remetidos principalmente a educação

alemã de sua época, mas o que não invalidava para outras também.

Na conferência de 1965 – “Tabus acerca do magistério” Adorno fez uma

análise do universo escolar com todas aquelas contradições existentes que

inviabilizava o cumprimento do objetivo essencial da educação que é segundo

Adorno, desbarbarizar a humanidade; Todavia ele constatou que a própria

instituição, que deveria conter o progresso da barbárie, no seio das suas

contradições existia contribuições para a perpetuação da mesma.

Adorno tece uma crítica a educação do seu tempo, mostrando que a razão

instrumental tão criticada por ele, em suas obras, se faz presente no pensamento

administrativo, que faz da gestão escolar um empreendimento comercial

proporcionado uma educação massificada, onde as organizações das disciplinas,

dos conteúdos, dos tempos de aula de cada disciplina, da hora-aula, das

atividades, enfim de toda a pedagogia estava a serviço do projeto dominação. A

educação foi transformada em mercadoria; assim como toda mercadoria, ela está

sob os ditames da competição.

A escola, por sua vez, tende a se converter em mercadoria, deixando de

ser fundamental para a formação dos indivíduos. Por outro lado os indivíduos,

frutos dessa educação, só pensavam em aumentar seu valor no mercado

esquecendo-se dos princípios básico da cidadania, para tornar a sociedade mais

digna, mais justa e mais feliz.

Adorno propõe que a educação vise à autonomia, à emancipação. Assim

faz-se necessário que se volte às contradições sociais através de uma educação

política voltada para a crítica à ideologia que nos é transmitida pela indústria

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cultural. “É preciso pensar o progresso na cultura a partir da bomba atômica”, é

por aí que se deve começar.

A educação precisa ser resgatada e transformada em uma educação que

vise os fins emancipatórios da sociedade a ser desenvolvida juntamente com

escola. Para tal essa proposta só terá sentido, conforme já prenunciada por

Adorno e compartilhada por nós, se for tematizada a partir da crítica a sociedade

vigente a fim de provocar transformações que afirmem a autonomia dos

indivíduos; que autônomos serão capazes de enxergar tudo aquilo que impede a

emancipação humana e faz jus a perpetuação da barbárie; assim lutarão contra

todas essas coisas, com um propósito único a atingir: a emancipação de todos.

Adorno foi um cidadão consciente, capaz de mudar e mudou muitas coisas;

pelo menos para aqueles que se tornaram livres.

Neste final da primeira década do século XXI, precisamos olhar, para nós

mesmos e para o mundo que nos rodeia, levando em conta o que somos o que

queremos ser e que mundo queremos viver.

Diferentemente de Kant, sobre a pergunta: “vivemos atualmente em época

esclarecida” que respondeu: “Não, mas certamente em um época de

esclarecimento”; Adorno ressalta que “ se atualmente ainda podemos afirmar que

vivemos numa época de esclarecimento, isto tornou-se muito questionável”.

Adorno tem na educação um caminho para as discussões que possam

contribuir para os indivíduos alcançarem a tão decantada consciência

emancipatória, onde esses possam libertar do casulo que aprisionaram seus

olhares e consequentemente suas mentes, sob o domínio de um mundo que o

sugou dos impulsos emancipadores colocando-o impróprio para uma vida

reflexiva. Que sob os olhares do filósofo grego Sócrates (470-399 a.C.), uma vida

sem reflexão não vale a pena ser vivida.

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Todavia para Adorno o que ocorre no cotidiano escolar, esta diretamente

ligada à sociedade e a cultura. Embora as reformas pedagógicas sejam

necessárias, elas não conseguem dar conta de tudo isso, dentro do contexto

estabelecido pela sociedade contemporânea. Somente algo, oposto a tudo o já se

conhece, pautada no desenvolvimento exclusivo para a auto-reflexão crítica

poderia dar aos homens condições para resistir e alcançar a verdadeira

emancipação.

A emancipação, segundo Adorno, deve ser o elemento central da

educação, cabendo a esta problematizar a sociedade burguesa quer no que se

refere à expansão desmedida das forças produtivas, quer no que se refere à

indústria cultural que no “mundo administrado”, aprisionou o sujeito na própria

formação, envolvendo este numa miríade de estímulos cientificamente calculados

para produzir sua heteronomia e quer no que se refere à própria educação sob o

contexto desse mundo administrado.

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BIBLIOGRAFIA

ADORNO, Theodor e. o. Os Pensadores. São Paulo, Abril Cultural, 1980.

ADORNO, Theodor. Educação e emancipação. Trad. de. Wolfgang Leo Maar. Rio

de Janeiro, RJ: Paz e Terra, 1995.

ADORNO, Theodor. Mínima Moralia. São Paulo, Ed. Ática, 1993.

CANDAU, Vera Maria. Reinventar a Escola. 6. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2008.

HORKHEIMER, Max. Dialética do esclarecimento: fragmentos filosóficos. Trad. de.

Guido Antonio de Almeida. Rio de Janeiro, RJ: Jorge Zahar Editor, 1985.

JAPIASSÚ, Hilton & MARCONDES, Danilo. Dicionário Básico de Filosofia. 4. ed.

Rio de Janeiro, RJ: Jorge Zahar Editor, 2006.

NOBRE, Marcos. A Teoria Crítica. Rio de Janeiro, RJ: Jorge Zahar Editor, 2004.

Revista Educação. Adorno 10: Pensa a educação. São Paulo, SP: Editora

Segmento.

SELIGMANN-SILVA, Márcio. Adorno. São Paulo, SP: Publifolha, 2003.

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ANEXOS

A filosofia de Theodor W. Adorno em movimento

“Desbarbarizar tornou-se a questão mais urgente da educação hoje em dia”

THEODOR ADORNO

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Campo de concentração de Auschwitz.

Adorno defendeu que “nenhum princípio é mais importante para a educação do

que evitar novos genocídios”.

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Trabalho do italiano Michelangelo Pistoletto: “oferta de mercadorias que se abate

igual avalanche” sobre os sujeitos, impedindo-os de se “saberem como sujeitos”.

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Instalação da artista inglesa Rachel Whiteread na Tate Modern em Londres, com

14.000 blocos de gesso moldados em caixas de papelão: metáfora do consumo

exacerbado e do vazio dele decorrente.

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Auto-retrato do artista americano Jimmie Durham. Para Adorno, “hoje, o

funcionamento da aparelhagem econômica exige uma direção das massas que

não seja perturbada pela individualização”.

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Holocausto: obra pública do artista norte-americano George Segal. De acordo com

Adorno, “a exigência que Auschwitz não se repita é a primeira de todas para a

educação”.

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Escultura de Louise Bourgeois, artista francesa. Adorno aponta a contradição que

nos envolve. Por um lado, a autocrítica; por outro, a falibilidade da autoridade que

tem a confiança de empreendê-la.

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Obra do artista coreano Nam June Paik. “Adorno insiste no que Marx já havia

observado: com o desenvolvimento da maquinaria o homem se torna apêndice da

máquina”.

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Obra do artista chinês Chien-Chi Chang, retratando moradores de uma instituição

para doentes mentais em Taiwan: a aversão às múltiplas formas de violência

física.

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Guernica, Pablo Picasso, 1937, óleo sobre tela. Esta tela é um libelo contra a

destruição da cidade espanhola Guernica Y Luno, durante a Guerra Civil, em

1937. Mas é também uma acusação a todos os governos autocráticos

responsáveis pelo sofrimento de inocentes.

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Obra do artista mexicano Gabriel Orozco denominada Minhas mãos são meu

coração. Segundo Adorno, “Se não fosse pelo temor em ser interpretado

equivocadamente como sentimental, eu diria que para haver formação cultural se

requer amor; e o defeito certamente se refere à capacidade de amar. Instruções

sobre como isto pode ser mudado são precárias”.

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ÍNDICE

INTRODUÇÃO 8

CAPÍTULO I 11

EDUCAÇÃO E EMANCIPAÇÃO EM THEODOR W. ADORNO 11

1.1. O contexto histórico-social da obra e do autor 11 1.2. Os principais conceitos da Teoria Crítica da sociedade exposto 25 1.3. O “dialogue interieur” entre o autor, a obra e a sociedade 28 CAPÍTULO II 31 EDUCAÇÃO E EMANCIPAÇÃO A PARTIR DA CRÍTICA DIRIGIDA

POR ADORNO À ESCOLA E AO SISTEMA DE ENSINO 31

2.1. Tabus acerca do magistério 31 2.2. Educação para quê? 36 2.3. A educação contra a barbárie 40 CAPÍTULO III 46 POR UMA PROPOSTA EDUCACIONAL PARA A EMANCIPAÇÃO 46

3.1. Educação e emancipação 46 CONSIDERAÇÕES FINAIS 51

BIBLIOGRAFIA 55

ANEXOS 56

ÍNDICE 67

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FOLHA DE AVALIAÇÃO

Universidade Candido Mendes

Especialista em Orientação Educacional e Pedagógica

“Educação e emancipação” em Theodor W. Adorno

Por: Eliane Figueiredo Ferrão

Orientadora: Geni Lima

Avaliado por: _________________________________

Conceito: ____________________________________