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1 UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES INSTITUTO A VEZ DO MESTRE PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU” FLEXIBILIZAÇÃO E O PRINCÍPIO DA PROTEÇÃO AUTOR LEONARDO GOMES DA SILVA ORIENTADOR PROF. CARLOS AFONSO LEITE LEOCADIO RIO DE JANEIRO 2010

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

INSTITUTO A VEZ DO MESTRE PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”

FLEXIBILIZAÇÃO E O PRINCÍPIO DA PROTEÇÃO

AUTOR

LEONARDO GOMES DA SILVA

ORIENTADOR

PROF. CARLOS AFONSO LEITE LEOCADIO

RIO DE JANEIRO 2010

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES INSTITUTO A VEZ DO MESTRE

PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”

FLEXIBILIZAÇÃO E O PRINCÍPIO DA PROTEÇÃO Monografia apresentada à Universidade Candido Mendes – Instituto a Vez do Mestre, como requisito parcial para a conclusão do curso de Pós-Graduação “Lato Sensu” em Direito e Processo do Trabalho.

Por: Leonardo Gomes da Silva

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RESUMO

O direito do trabalho atualmente, como toda ciência jurídica com influência direta nas relações sociais, sofre com as conseqüências trazidas, pela globalização através de suas transformações de cunho social, político e econômico, sendo assim a posição de desequilíbrio existente nas relações de emprego, necessita da intervenção estatal que através da flexibilização estabelece condições mínimas de trabalho, trazendo a concepção de oferecer ao trabalhador uma vida com dignidade, entretanto sem esquecer-se da manutenção da saúde da empresa, sempre tendo como agente limitador o princípio constitucional da proteção.

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METODOLOGIA

O presente trabalho trata de um instituto de grande relevância para o direito do

trabalho conhecido como flexibilização, tendo seu enfoque voltado para os aspectos

trazidos pelo princípio da proteção.

Partindo deste pressuposto, se faz necessário ressaltar que o estudo teve como

base a pesquisa bibliográfica, com a busca de conhecimento e informação através não

apenas de livros, como também de artigos publicados, legislação e jurisprudências todos

com intuito de esclarecer possíveis questionamentos assim como nortear a construção

de problemas e hipóteses inerentes ao tema.

Entretanto a pesquisa que originou esta monografia teve também uma

elaboração fundada na interpretação de conceitos trazidos por estudiosos do tema,

agregando assim um caráter cientifico ao estudo.

Finalmente, o estudo que originou este trabalho identifica-se, também, com o

método da pesquisa aplicada, por pretender produzir conhecimento para aplicação

prática, assim como com o método da pesquisa qualitativa, porque procurou entender a

realidade a partir da interpretação e qualificação dos fenômenos estudados; identifica-

se, ainda, com a pesquisa exploratória, porque buscou proporcionar maior conhecimento

sobre a questão proposta, além da pesquisa descritiva, porque visou à obtenção de um

resultado puramente descritivo, sem o objetivo de uma análise crítica do instituto assim

como sema pretensão de esgotar o tema.

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SUMÁRIO. INTRODUÇÃO CAPITULO I PRINCÍPIOS DO DIREITO DO TRABALHO 1.1 – PRINCÍPIOS GERAIS DO DIREITO DO TRABALHO 1.2- PRINCÍPIO DA PROTEÇÃO CAPITULO II FLEXIBILIZAÇÃO 2.1- GLOBALIZAÇÃO 2.2- FLEXIBILIZAÇÃO E DESREGULAMENTAÇÃO 2.3- SUPREMACIA DO NEGOCIADO SOBRE O LEGISLADO CAPITULO III CONSTITUIÇÃO FEDERAL E O DIREITO DO TRABALHO CONCLUSÃO BIBLIOGRAFIA

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INTRODUÇÃO

Este trabalho monográfico teve como enfoque o estuda da flexibilização das

normas trabalhistas. Sendo assim o trabalho destina-se a abordar um dos fenômenos de

maior influência dentro do direito laboral contemporâneo, seus aspectos mais relevantes

com as diversas reflexões trazidas pela doutrina pátria. Além disso, a pesquisa traz a

flexibilização sendo analisada conforme o princípio da proteção, tendo como

questionamento central e norteador do trabalho o limite alcançado pela flexibilização

em face do princípio da proteção.

Conseqüentemente a pesquisa teve como objetivo descrever de maneira clara e

objetiva a influência trazida pelo tema na seara trabalhista, e como o direito do trabalho

vem se adequando as transformações trazidas pelo instituto, sobretudo na sempre tensa

relação entre empregado e empregador. A globalização também tem incidência direta na

pesquisa realizada, uma vez que com seu conceito neoliberal, suas privatizações,

multinacionais e formação de grandes blocos econômicos transformaram o mercado de

trabalho, justificando em favor de um capitalismo liberal e uma busca quase que

desenfreada por altos índices de produção a diminuição das garantias mínimas

adquiridas pelo trabalhador. Neste ponto o trabalho teve o cuidado de trazer a baila os

preceitos constitucionais, verdadeiro freio legitimado aos interesses de grandes grupos

econômicos movidos pela concepção neoliberal.

No primeiro capítulo foram conceituados de maneira sucinta os princípios do

Direito do Trabalho com destaque para o princípio da proteção que tem como escopo

delimitar o campo de atuação da flexibilização de normas trabalhistas uma vez que

aplicado no caso concreto, sobretudo em dissídios coletivos, visa dar fundamento a

posição de equilíbrio harmônico entre as relações de emprego, o que se traduz em

muitas vezes proteger o trabalhador, mas outras vezes prestar proteção a empresa.

No capitulo seguinte serão analisados a flexibilização entendida como solução

para conflitos sociais gerados pelo desemprego crescente, sempre de maneira

responsável, sem abuso e desde que a empresa esteja realmente esteja atravessando

grave crise econômica, e sua diferenciação do instituto da desregulamentação,

conceituado como a ausência total da intervenção estatal nas relações de trabalho,

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entretanto se faz importante uma ressalva, essa diferenciação não é predominante na

doutrina brasileira.

Ainda dentro do capitulo que trata da flexibilização, outra questão foi estudada,

a supremacia do legislado sobre o negociado, dentro de um estado democrático de

direito, a via negocial para composição dos interesses das classes, não encontra

oposição, todavia o legislador deixa margem para uma negociação que não invada as

garantias mínimas do trabalhador legitimadas pela constituição e normas trabalhistas.

Foram analisados detidamente o direito coletivo e sua reconhecida influencia

dentro da regulação das relações de trabalho,assim como a importância da representação

sindical, de uma maneira fortalecida e de cunho realmente representativo.

Finalmente a constituição federal conclue o trabalho monográfico trazendo com

seus ditames e princípios a base necessária para fundamentação das respostas

apresentada para o questionamento central do trabalho. Sendo assim procurou-se

mostrar de maneira analítica os aspectos inerentes a flexibilização sem esquecer de seus

limites, assim como buscando o equilíbrio para relações de emprego observando não

apenas a posição do trabalhador muitas vezes na condição de hipossuficiente, mas

também do empregador cada vez mais preocupado com a saúde da empresa.

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CAPÍTULO I

PRINCÍPIOS DO DIREITO DO TRABALHO

Inicialmente, antes da análise dos princípios propriamente ditos do Direito do

Trabalho, cabe expor uma breve noção de princípio.

Poder-se-ia dizer que princípio é onde começa algo. É o início, a origem, o

começo, a causa. O princípio de uma estrada seria seu ponto de partida. Entretanto, não

seria esse o conceito geral de princípio que se precisa conhecer, mas seu significado

perante o direito.

“Os princípios são verdades fundantes de um sistema de conhecimento, como

tais admitidas, por serem evidentes ou por terem sido comprovadas, mas também por

motivos de ordem prática de caráter operacional, isto é, como pressupostos exigidos

pelas necessidades da pesquisa e da práxis”.1

São, portanto, os princípios as proposições básicas que fundamentam e norteiam

as ciências. Para o direito, o princípio é seu fundamento, a base que irá informar e

inspirar as normas jurídicas.

Os princípios possuem várias funções: informadora, normativa e interpretativa.

A função informadora serve de inspiração ao legislador e de fundamento para as

normas jurídicas.

A função normativa atua como uma fonte supletiva, nas lacunas ou omissões da

lei.

A função interpretativa serve de critério orientador para os intérpretes e

aplicadores da lei

A CLT, no seu art. 8°, determina claramente que na falta de disposições legais

ou contratuais o intérprete pode socorrer-se dos princípios do Direito do Trabalho,

mostrando que esses princípios são fontes supletivas da referida matéria. Evidencia-se,

portanto, o caráter informador dos princípios, de orientar o legislador na fundamentação

das normas jurídicas, assim como o de fonte normativa, de suprir as lacunas e omissões

da lei.

Existem princípios que são comuns ao Direito em Geral. È de se destacar como

exemplo que ninguém poderá alegar a ignorância do direito. Deve-se respeitar a

1 REALE, Miguel. Lições preliminares de direito. 4. ed. São Paulo, 1977. Pag. 299

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dignidade humana; é proibido o abuso de direito, o enriquecimento sem causa entre

outros também relevantes.

O princípio da boa-fé nos contratos é aplicável em qualquer contrato, seja no

Direito Civil conforme dispõe seu art. 422 ou no Empresarial, mas também no Direito

do Trabalho. Sendo assim não se pode dizer que se trata de um princípio específico de

Direito do Trabalho. Todo e qualquer contrato deve ter por base a boa-fé. O empregado

deve cumprir sua parte no contrato de trabalho, desempenhando normalmente suas

atividades, enquanto o empregador também deve cumprir com suas obrigações, daí se

falar numa lealdade recíproca.2

Atualmente existe a liberdade de trabalho, pois não impera escravidão ou a

servidão, sendo as partes livres para contratar, salvo em relação a disposições de ordem

pública.

1.1 Princípios Gerais do Direito do Trabalho

No âmbito doutrinário não existe um consenso entre a classificação dos

princípios do Direito do Trabalho, entretanto o uruguaio Américo Plá Rodriguez, é

considerado o autor que melhor estudou o assunto. Elenca o citado autor seis princípios

como do Direito Laboral : (a) princípio da proteção;3 (b) princípio da irrenunciabilidade

de direitos; (c) princípio da continuidade da relação de emprego; (d) princípio da

primazia da realidade; (e) princípio da razoabilidade; (f) princípio da boa-fé.

O princípio da boa-fé nos contratos não se aplica apenas no Direito do Trabalho,

mas também a qualquer contrato.

O princípio da razoabilidade esclarece que o ser humano deve proceder

conforme a razão, ser coerente, de acordo como procederia qualquer homem médio

comum. Estabelece-se assim, um padrão comum que o homem médioteria em qualquer

situação.

O empregador é que deve fazer a prova de que a despedida foi por justa causa,

pois normalmente o empregado não iria dar causa à extinção do contrato de trabalho,

justamente porque seria a única forma de obter o sustento de sua família.

Da mesma forma, o empregador é que deve fazer a prova de que o empregado

presta serviços embriagado, por exemplo, pois o homem comum não se apresenta

2 MARTINS, Sergio Pinto. Direito do Trabalho. 21. ed. São Paulo.2005. Pág. 95 3 PLÁ RODRIGUEZ. 1990 apud MARTINS. 2005. Pag. 96

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nessas condições para cumprir sua jornada de trabalho. O mesmo se pode dizer do

abandono de emprego. O empregado, por presunção, não tem interesse em abandonar o

emprego, visto que é dele que irá conseguir seus proventos, com os quais sobreviverá.

Assim cabe ao empregador provar que o empregado abandonou o emprego, pois o

homem médio não abandonaria o emprego sem nenhum fundamento.

Por outro lado, essa regar da razoabilidade diz respeito à interpretação de

qualquer ramo do Direito, e não apenas do Direito do Trabalho. Lógico que é aplicada

ao Direito do Trabalho, mas não se pode dizer que se trata de um princípio do Direito

Laboral, pois é aplicada à generalidade dos casos, como regra de conduta humana.

Sendo assim os princípios da razoabilidade e da boa-fé não deveriam ser entendidos

como específico do Direito do Trabalho.

O princípio da irrenunciabiidade, apresenta que os direitos trabalhistas são

irrenunciáveis pelo trabalhador. Não se admite, por exemplo, que o trabalhador renuncie

a suas férias. Se tal fato ocorrer, não terá qualquer validade o ato do obreiro, podendo o

mesmo reclamá-las na Justiça do Trabalho.

O art. 9º da CLT é claro no sentido de que “serão nulos de pleno direito os atos

praticados com o objetivo de desvirtuar, impedir ou fraudar a aplicação de preceitos

trabalhistas”.4

Poderá, entretanto, o trabalhador renunciar a seus direitos se estiver em juízo,

diante do juiz do trabalho, pois nesse caso não se pode dizer que o empregado esteja

sendo forçado a fazê-lo. Estando o trabalhador ainda na empresa é que não se poderá

falar em renuncia a direitos trabalhistas, pois poderia dar ensejo a fraudes. E´possível,

também, ao trabalhador transigir, fazendo concessões recíprocas, o que importa uma ato

bilateral.

Feita a transação em juízo, haverá validade em tal ato de vontade, que não

poderá ocorrer apenas na empresa, pois, da mesma forma, há a possibilidade da

ocorrência de fraudes. Em determinados casos, a lei autoriza a transação de certos

direitos com a assistência de um terceiro.

A transação pressupõe incerteza do direito para que possam ser feitas concessões

mútuas. Para haver transação é preciso que exista dúvida na relação jurídica. Se não há

dúvida, uma das partes faz doação para outra, dependendo do caso.

4 CARRION, Valentin. Comentários à Consolidação das Leis do Trabalho. 34 ed. São Paulo: Saraiva, 2009.

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O princípio da continuidade da relação de emprego traz a presunção que o

contrato de trabalho terá validade por tempo indeterminado, ou seja, haverá a

continuidade da relação de emprego. A exceção à regra são os contratos por prazo

determinado, inclusive o contrato de trabalho temporário. A idéia geral que se deve

preservar o contrato do trabalhador com a empresa, proibindo-se, por exemplo, uma

sucessão de contratos por prazo determinado.

O Enunciado do 212 do TST5 adota essa concepção ao definir que “o ônus de

provar o término do contrato, quando negados a prestação de serviço e o despedimento

do empregador, pois o princípio da continuidade da relação de emprego constitui

presunção favorável ao empregado.”

O princípio da primazia da realidade traz a idéia de que os fatos são muito mais

importantes do que os documentos. Por exemplo, se um empregado é rotulado de

autônomo pelo empregador, possuindo contrato escrito de representação comercial com

o último, o que deve ser observado realmente são as condições fáticas que demonstrem

a existência do contrato de trabalho. Muitas vezes, o empregado assina documentos sem

saber o que está assinando. Em sua admissão, pode assinar todos os papéis, desde o

contrato de trabalho até seu pedido de demissão, daí a possibilidade de serem feitas

provas para contrariar os documentos apresentados, que irão evidenciar realmente os

fatos ocorridos relação entre as partes.

1.2 Princípio da Proteção

A diretriz básica do Direito do Trabalho é a proteção do trabalhador, uma vez

que o empregado não tem a mesma igualdade jurídica que o empregador, como

acontece com os contratantes no Direito Civil. A finalidade do Direito Laboral é a de

alcançar uma verdadeira igualdade substancial entre as partes e, para tanto, necessário é

proteger a parte mais frágil desta relação: o empregado.

Em face deste desequilíbrio existente na relação travada entre empregado e

empregador, por ser o trabalhador hipossuficiente em relação ao empregador,

consagrou-se p princípio da proteção ao trabalhador, para equilibrar esta relação

desigual. Assim, o Direito do Trabalho tende a proteger os menos abastados, para evitar,

a sonegação dos direitos trabalhistas destes. Para compensar esta desproporcionalidade

5 CARRION, Valentin. Comentários à Consolidação das Leis do Trabalho. 34 ed. São Paulo: Saraiva, 2009

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econômica desfavorável ao empregado, o Direito do Trabalho lhe destinou uma maior

proteção jurídica. Assim, o procedimento lógico para corrigir as desigualdades o de

criar outras desigualdades.

O princípio da proteção6 ao trabalhador está caracterizado pela intensa

intervenção estatal brasileira nas relações entre empregado e empregador, o que limita,

em muito, a autonomia da vontade das partes. Desta forma, o Estado legisla e impões

regras mínimas que devem ser observadas pelos agentes sociais. Estas formarão a

estrutura basilar de todo contrato de emprego.

O fundamento deste princípio está relacionado com a própria razão de ser do

Direito do Trabalho: o equilíbrio entre os interesses do empregado e do empregador.

Afirma Plá Rodriguez7:

“(...) historicamente, o Direito do Trabalho surgiu como consequência de

que a liberdade de contrato entre pessoas com poder e capacidade econômica

desiguais conduzia a diferentes formas de exploração. Inclusive, às mais

abusivas e iníquas”.

Para Plá Rodriguez o princípio da Proteção ao Trabalhador, que é o fundamento

e a base do Direito do Trabalho, divide-se em:

• Princípio da prevalência da condição mais benéfica ao trabalhador

Este princípio determina que toda circunstância mais vantajosa em que o

empregado se encontrar habitualmente prevalecerá sobre a situação anterior, seja

oriunda de lei, do contrato, regimento interno ou norma coletiva. Todo tratamento

favorável ao trabalhador, concedido tacitamente e de modo habitual, prevalece, não

podendo ser suprimido, porque incorporado ao patrimônio do trabalhador, como

cláusula contratual tacitamente ajustada, nos termos do art. 468 da CLT8. Se concedido

expressamente, o requisito da habitualidade é desnecessário, pois a benesse é cláusula

contratual ajustada pelas partes, não podendo o empregador descumprir o pacto.

Como exemplo ilustrativo pode ser usada a regra do direito adquirido, contida no

art. 5º, XXXVI da Constituição Federal9.

6 CASSAR, Volia Bonfim. Direito do Trabalho. 3 ed. Rio de Janeiro. 2009. Pag. 142 7 PLÁ RODRIGUEZ, 1990 apud CASSAR. 2009. Pág. 142 8 CARRION, Valentin. Comentários à Consolidação das Leis do Trabalho. 34 ed. São Paulo: Saraiva, 2009 9 Idem

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Ex.: O contrato de trabalho estabelece labor de oito às 17 horas, de segunda a sexta-

feira com uma hora de refeição e das oito às 12 horas aos sábados, com descanso ao

domingos, respeitando o limite legal de 44 horas semanais. Todavia, o empregador

permitiu, nos últimos três anos de contrato, que o empregado Manoel da Silva

cumprisse, de segunda a sexta-feira, a jornada de seis horas, concedendo folgas todos os

sábados e domingos.

O empregador ao permitir que o empregado usufrua desta condição que lhe é

mais favorável que aquela prevista no contrato de trabalho e na lei, limitou seu poder

potestativo de variar e vinculou-se ao cumprimento desta nova condição, por

tacitamente ajustada pela habitualidade. Na verdade, estas benesses se incorporam de

forma definitiva ao contrato de trabalho daquele empregado. Sendo assim não pode

mais o patrão exigir o labor de oito horas diárias e o trabalho aos sábados, conforme

ajustado na contratação. Se o fizer, deverá pagar ao trabalhador duas horas extras

diárias, de segunda a sexta-feira, além das horas trabalhadas aos sábados também como

extras.

•; Princípio da prevalência da norma mais favorável ao trabalhador;

O princípio da norma mais favorável deriva também do princípio da proteção ao

trabalhador e pressupõe a existência de conflito de normas aplicáveis a um mesmo

trabalhador. Neste caso, deve-se optar pela norma que for mais favorável ao obreiro,

pouco importando sua hierarquia formal. Em outras palavras: o princípio determina que,

caso haja mais de uma norma aplicável a um mesmo trabalhador, deva-se optar por

aquela que lhe seja mais favorável, sem se levar em consideração a hierarquia das

normas.

Em outras áreas do direito a regra geral define que , quando há conflito de

normas aplicáveis ao mesmo caso concreto, deve-se aplicar a de grau superior e, dentre

as de igual hierarquia, a promulgada mais recentemente.

No direito do Trabalho a regra é diferente, pois norteado pelo princípio da norma

mais favorável ao trabalhador. Neste caso, não há respeito à hierarquia formal da norma

e sim, em cada caso, à fonte que for mais benéfica ao empregado, desde que esteja

acima do mínimo legal, prevalecendo à norma que lhe trouxer mais benefícios.

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Quando existirem duas normas conflitantes que se apliquem ao mesmo

trabalhador, mas que disciplinem a matéria de forma diversa ou, ainda, que contenham

partes benéficas e partes menos favoráveis que a outra norma em comparação, deve-se

respeitar a que for mais favorável ao empregado.

• Princípio da interpretação: in dubio pro misero.

Este, corolário do princípio da proteção ao trabalhador, recomenda que o

intérprete deve optar, quando estiver diante de uma norma que comporte mais de uma

interpretação razoável e distinta, por aquela que seja mai favorável ao trabalhador, já

que este é a parte mais fraca da relação.

Não existe consenso na doutrina se este princípio é gênero de todos os outros

princípios de Direito do Trabalho ou apenas dos três princípios destacados. A doutrina

majoritária, seguindo a orientação de Américo Plá Rodriguez, defende que o princípio

da proteção é gênero que comporta as três espécies acima.

O princípio da proteção ao trabalhador tem fundamento na desigualdade,

diferente do Direito Civil, em que teoricamente as partes contratantes possuem

igualdade patrimonial. No Direito do Trabalho há uma desigualdade natural, pois o

capital possui toda força do poder econômico. Desta forma, a igualdade preconizada

pelo Direito do Trabalho é tratar os desiguais de forma desigual.

O trabalhador já adentra na relação de emprego em desvantagem, seja porque

vulnerável economicamente, seja porque dependente daquele emprego para sua

sobrevivência, aceitando condições cada vez menos dignas de trabalho, seja porque

primeiro trabalha, para, só depois, receber sua contraprestação, o salário.

Todavia, o princípio da proteção do trabalhador, em todas as suas esferas, esta

atravessando grave crise, modificando o cenário vivenciado historicamente pelo Brasil,

de excessiva proteção para uma realidade de desproteção ou de menos proteção

destinada ao empregado.

A ideologia da proteção desempenha uma função. Quem fala em proteção

admite com antecedência a existência de dois atores sociais: o protetor e o protegido. Se

o trabalhador – sujeito mais fraco na relação – é o protegido, sua posição de submissão

se perpetua com a conseqüente exaltação da posição social do protetor. Talvez por isto

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se decante, no Brasil, a proteção proporcionada, ao trabalhador brasileiro: perpetuada a

posição social de submissão em que se encontra o protegido, resguarda-se a posição

social do protetor. Afinal, a "proteção", interessa não ao protegido, mas sim ao protetor.

Ao protegido só interessa – em ínfima parcela – a proteção, quando ela fundamenta

(quase sempre de forma não explícita) a decisão judicial pela procedência do pedido

formulado pelo trabalhador.

Como esta modalidade de proteção onera os custos da empresa condenada em

juízo (custos estes repassados para os preços dos produtos e dos serviços por ela

produzidos ou prestados), e como os consumidores ou usuários são, em última análise,

os próprios trabalhadores, segue-se que o ônus econômico decorrente da proteção recai

sobre o trabalhador. Analisada a proteção10 por esta ótica, conclui-se que quem protege

o trabalhador é o próprio trabalhador.

Realmente, é visível a crise enfrentada que enfraquece, e muito, o princípio da

proteção ao trabalhador, o que pode ser facilmente constatado pela jurisprudência e

súmulas mais recentes dos tribunais trabalhistas, que já não defendem ferozmente o

trabalhador como outrora faziam, permitindo, em alguns casos, a redução de seus

direitos ou a alteração in pejus.

10 ROMITA, Arion Sayão. O princípio da Proteção em Xeque e outros ensaios. São Paulo: Ltr, 2003 Pág. 23/27

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CAPÍTULO II

FLEXIBILIZAÇÃO

O mercado de trabalho passou por uma profunda modificação em face da forte

volatilidade do mercado, do aumento da competição, do estreitamento das margens de

lucro, da necessidade de maior produção, da divisão internacional do trabalho e da

subordinação dos países mais pobres aos mais ricos. Dentro deste contexto a

globalização faz parte de um todo formado pelo neoliberalismo, privatizações,

multinacionais, dentre outros elementos que concernem à estrutura e atribuições do

Estado e de sua organização política, suas relações internacionais e à ordem

socioeconômica nacional e mundial.

2.1 Globalização

É um processo, uma “onda” que traduz uma nova cultura no quadro das

transformações do capitalismo liberal. É um produto inevitável da tecnologia nas áreas

da informática e das comunicações.

Nos dias atuais, ainda se discute acerca da possibilidade de um

“supercapitalismo” 11, gerido e dominado pelas grandes potências que disputam o poder

e a riqueza mundial. A competição entre potências sempre marcou a história, e delas

podem ser tiradas algumas lições: 1) a união do capital privado com o poder político

serviu como fator decisivo para a origem do sistema capitalista; 2) a conseqüência desta

união foi a “extraterritorialidade” do poder dos Estados, que passaram a competir entre

si, na busca de mais poder e concentração de riqueza; 3) esta disputa acabou por formar

alianças fortes entre príncipes, mercadores e banqueiros.

Todavia, a competição entre os blocos formados por estas alianças gerou uma

estrutura hierarquizada de poder e riqueza, onde de um lado se encontram as grandes

potências e, de outro, a periferia de países retardatários.

Essas transformações no processo de trabalho e da economia geram

conseqüências lógicas, sentidas por todos: desigualdade social, política, cultural,

11 CASSAR, Volia Bonfim. Direito do Trabalho. 3 ed. Rio de Janeiro. 2009. Pag. 19

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religiosa, racial entre outros, ou seja, a globalização acaba culminando num processo de

transnacionalização da economia em que o conceito de soberania estatal fica

relativizado, com nações desnacionalizadas, subordinadas aos ditames dos países ricos;

países mais pobres e crescimento do desemprego.

Através da reação e da resistência dos mercados nacionais e dos Estados

periféricos ao impulso das grandes potências, surgiu à globalização do capitalismo.

Apenas aqueles Estados que souberam resistir e aproveitar destas potências ao mesmo

tempo, tiveram sucesso econômico-político.

Esse processo de polarização da riqueza se deu com muita velocidade e

intensidade, aumentando o contraste social. À margem disto, continuam fora da

globalização "a defesa dos sistemas econômicos 'nacionais' e a proteção das populações

diante da tendência do sistema à pauperização".

Diante deste processo, necessário se faz uma profunda reflexão sobre a

possibilidade de realização da democracia e das garantias dos direitos fundamentais.

Para tanto, é preciso discutir a relação Estado x Direito x sociedade. Como reação nasce

à crise filosófica que questiona os fundamentos em que se baseia o modelo do bem-estar

social do trabalhador. O excesso de proteção ao trabalhador torna-se alvo de

questionamentos.

Sob a máscara de estar defendendo um modelo de bem-estar social percebe-se

um projeto simbólico de rearranjo das relações intersubjetivas que está calcado não só

no consenso democrático, mas, também, na idéia de um viver comunitário onde todos

compartilham lucros e prejuízos.

Diante destas crises, afirmam os neoliberais que poderá haver uma revisão das

garantias mínimas, devendo o Estado enxugá-las. Todavia, as conseqüências da

minimização do Estado onde de fato foi aplicado o welfare são incomparáveis com

aquelas de Estados em que nunca houve um Estado Social, como é o caso do Brasil. Em

nosso país as promessas de modernidade e de reintegração da atividade econômica na

vida social nunca foram cumpridas.

Com base nesses argumentos os patrões tiram "proveito do enfraquecimento do

poder sindical e da grande quantidade de mão-de-obra excedente (desempregados e

subempregados) para impor regimes e contratos de trabalho mais flexíveis".

Por causa disto, Boaventura Santos12 afirma que "precisamos de um Estado cada vez

12 Ibidem

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mais forte para garantir os direitos, num contexto hostil de globalização neoliberal".

Na verdade a globalização que nos é oferecida não vem acompanhada de um

comportamento liberal ou neoliberal dos países centrais, já que impõem barreiras

monetárias e alfandegárias. A alta proteção trabalhista e a visão do bem-estar social

praticados na área da administração econômica nacional ocasionam sociedades

ocidentais não competitivas em relação às economias industrializadas e, por isso, alguns

defendem que tais direitos devem ser drasticamente reduzidos, diminuindo os gastos,

possibilitando melhor competitividade no mercado. Esse processo leva ao fenômeno da

desregulamentação, variante menor de propostas de desconstitucionalização.

Este fenômeno influencia não só a flexibilidade das leis, a redução de direitos

trabalhistas, mas também o comportamento político. Percebe-se a mudança no

tradicional perfil das funções do Estado em diversos setores, inclusive na jurisdição,

quando, por exemplo, o Legislativo pratica a jurisdição nas Comissões Parlamentares de

Inquérito.

Outra mudança está no Judiciário, que com a tarefa de solucionar os conflitos

sociais de massa, acabou por desempenhar um importante papel na democracia e

conseqüentemente na política ensejando o fenômeno de judicialização da política e das

relações sociais.

Apesar das crises, é necessário firmar um projeto nacional, para que os Estados

não fiquem à mercê das exigências externas, fazendo triunfar os interesses da nação,

mesmo num mundo globalizado. A nossa Carta estabelece um Estado forte,

intervencionista e regulador. A desregulamentação desmedida e a minimização dos

direitos enfraquecem o Estado, único agente capaz de, através de políticas públicas,

erradicar as desigualdades sociais que se avolumam em nosso país.

Dentro deste contexto, cumpre registrar a assertiva de Miguel Reale13,

incontestável autoridade:

“Não é possível pensar num Estado evanescente, num Estado fraco, mas, o

contrário, é preciso respeitar a identidade de cada povo, de cada nação, não

apenas pela sua língua e pelas suas tradições, mas também pela defesa e

salvaguarda de seus próprios interesses. Então, o primeiro personagem que

deve cuidar do alcance do equilíbrio é o Estado. Não concebido como uma

soberania toda-poderosa, mas, ao contrário,como um centro de poder capaz de

atuar como cooperativa e realizadora de uma aliança de caráter internacional.

Diante deste pacto tecnológico, as nações devem se compor entre si”.

13 REALE, Miguel. A Globalização da economia e o Direito do Trabalho. Revista LTr, 61-01/12

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As promessas de modernidade só atingem alguns brasileiros. Daí a existência de

duas espécies de brasileiros segundo Streck14: “o sobreintegrado ou sobrecidadão, que

dispõe do sistema, mas ele não se subordina e o subintegrado ou subcidadão, que

depende do sistema, mas a ele não tem acesso”.

Ianni15 acrescenta que o “desemprego atual estrutural pode implicar a formação

da subclasse, uma manifestação particularmente aguda da questão social”, e explica que

o termo expressa” a cristalização de um segmento identificável da população na parte

inferior, ou sob aparte inferior da subclasse”, cujas características são percebidas por

aqueles que sentem o desemprego prolongado, seja porque não têm especialização,

cultura, seja pela raça, cor, idade etc. As discriminações fazem parte deste novo sistema

econômico.

Sofre, também, o Direito ante os desdobramentos das problemáticas acima,

entrando em crise.

A partir daí um grande paradoxo se instala: de um lado uma população carente e

de outro uma Constituição que lhe garante direitos básicos. A solução estaria, então, na

efetivação destes direitos, concretizando-se o Estado Social preconizado pela

Constituição. No Estado Democrático de Direito a lei passa a ser, privilegiadamente, um

instrumento de ação concreta do Estado, tendo como método assecuratório de sua

efetividade a promoção de determinadas ações pretendidas pela ordem jurídica.

Constata-se que a sociedade brasileira não dispunha de uma mentalidade cívica e

de cultura política democrática para a aplicação da constitucionalização em aberto.

Assim, na recepção brasileira da “Constituição aberta”, tais valores e princípios

foram trazidos do patrimônio cultural do Ocidente, os quais deveriam encontrar

positivação no seu direito constitucional.

A concretização da vontade geral declarada na Constituição seria uma obra de

arte confiada às futuras gerações, a quem caberia garantir a efetividade do sistema de

direitos constitucionalmente assegurados por meio dos recursos procedimentais

dispostos em seu próprio texto.

No entanto, a partir dos 90, esta tendência vem sendo revertida, surgindo à

possibilidade de a emergente democracia brasileira se expressar pela reapresentação

política e pelas novas vias abertas pela Constituição para uma democracia participativa.

14 STRECK, Lenio Luiz. Jurisdição Constitucional e Hermenêutica. Rio Grande do Sul: Livraria do Advogado, 2000 Pág.72 15 IANNI, Octavio. A era do globalismo. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1996. Pág. 162

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Torna-se imprescindível superar esta crise de duas faces do Direito, vencendo o

obstáculo imposto pelo velho modelo do direito individualista, pronto, com soluções

rápidas; assim como deve ser afastado o obstáculo hermenêutico, que limita os

operadores do direito a fazer uma interpretação mais ampla dos novos direitos,

negando-lhe eficácia, efetividade ou amplitude.

Por último, é importante acrescentar a função do Judiciário na criação de

direitos, interpretando as normas segundo as regras e princípios constitucionais. Para

superar a deficiência atual surgida pelo “uso tradicional” do Direito é necessária uma

conscientização da realidade social, dos direitos e princípios constitucionais, assim

como dos avanços sociais.

Convém salientar, como já mencionado, a judicialização da política, tão bem

relatada por Werneck16, que frisa a conexão entre a democracia representativa e a

participativa, e, no campo do direito, concorrem para isso às ações públicas, em que a

cidadania encontra-se legitimada para deflagrar o processo judicial contra as instâncias

do poder. Com isso, o Judiciário poderá controlar as políticas públicas.

Enfim, há duas democracias na Constituição, a de representação e a de

participação, embora esta última, dependente da efetivação do direito. Não deve haver

oposição, nem formal, nem substancial. Se houver obstáculos para que a população crie

o seu próprio direito, em razão da democracia representativa, o que importa é que os

direitos fundamentais estejam positivados, e tenham como guardião a mais alta Corte de

Justiça, que pode ser provocada a se manifestar pela sociedade pela sociedade civil, e

que a democratização do acesso á Justiça possa ser vivida como arena de aquisição de

direitos e de credenciamento para a cidadania.

A sociedade precisa se conscientizar de seus direitos e exigir a aplicação

daquelas regras e princípios estampados expressamente na Constituição, fazendo

efetivar o bem-estar social e a democracia. Todos nós devemos resistir às manobras

aparentemente atrativas da globalização neoliberal, à exploração do homem e, impedir o

retrocesso de direitos duramente conquistados.

O Direito do Trabalho reflete todo o pioneirismo do papel ativo do Estado

priorizando o bem-estar social dos trabalhadores, intervindo nas relações privadas para

pacificação das lutas de classes, tornando um direito, até então privado e individualista,

em um direito voltado para o bem-estar social mínimo garantido aos trabalhadores, já

16 VIANNA, L.W. A judicialização da política e das relações sociais no Brasil. São Paulo: Revan. 2002, Pág. 17-39

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que impõem regras básicas para o contrato de trabalho, dando uma feição de direito

público a um direito privado, daí a publicização do direito.

A garantia de direitos mínimos ao trabalhador faz parte de um conjunto de

valores humanos civilizatórios (mínimo existencial), que encontra respaldo no princípio

da dignidade da pessoa humana previsto constitucionalmente como maior patrimônio da

humanidade.

Hoje o Direito do Trabalho vive uma fase de transição, onde se questiona o

paternalismo estatal, a intervenção estatal em regras privadas. Alguns pretendem a total

desregulamentação, Istoé, ausência total, a abstinência estatal nas relações de trabalho,

deixando o contrato de trabalho livre e a mercê das regras do mercado, sob o argumento

de que o modelo que inspirou o welfare (o bem-estar social) não existe mais, uma vez

que os trabalhadores atuais são mais conscientes, mais maduros e menos explorados.

Outros, apesar de reconhecerem alguma mudança no Direito do Trabalho,

percebem também que o Brasil ainda não pode ser visto como país que efetivou o

welfare, pois ainda temos trabalho escravo ou, condição análoga; exploração do

trabalho do menor, condições sub-humanas de trabalho e legislação trabalhista ainda

muito respeitada. Por isso, não se pode defender o total afastamento do Estado desta

relação privada, não se pode pretender a privatização dos direitos trabalhistas, o

retrocesso de um grande avanço conquistado com profundo sacrifício.

Na era em que o direito comum (civil) caminha para a visão social, a

publicização de seus institutos, a humanização e a centralização do homem como figura

principal a se proteger, resgatando a moral e a ética; na era em que a Carta de um país

prioriza os direitos fundamentais do homem, sua dignidade e seus valores, garantindo

um mínimo existencial e abandonando o ideal do supercapitalismo, da propriedade

sobre a pessoa e seus valores, o Direito do Trabalho tende a um retrocesso. O

neoliberalismo é, na verdade, um caminho isolado na contramão da socialização dos

direitos e da efetivação dos direitos fundamentais do homem.

Não se discute que o processo de globalização vem de fato modificando as

relações de trabalho, fazendo com que seja necessária uma revisão do Direito do

Trabalho. Mas isto não quer dizer sua total desregulamentação.

O Direito do Trabalho foi muito afetado com o processo de globalização, uma

vez que seus efeitos sobre o mundo do trabalho causaram impactos sobre a empresa e o

emprego. Quanto ao último cumpre salientar o relevo que adquire o direito ao trabalho

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em confronto como o Direito do Trabalho.

Em relação ao confronto travado entre a necessidade de se manter um Estado

social de direito e a crise econômica das empresas, a flexibilização se mostra como

melhor meio decomposição deste conflito, mas de forma responsável e sem abuso.

Além da globalização outros fatores contribuem para aumento do desemprego,

como o desemprego estrutural que ocorre nos países subdesenvolvidos ou em

desenvolvimento como o Brasil.

2.2 Flexibilização e Desregulamentação

Muitos fatores e crises têm transformado a economia mundial, tais como: crise

financeira iniciada nos anos 70 e 80, na Europa Ocidental, decorrente da quebra do pólo

petrolífero asiático; os problemas de caixa para continuidade do plano de adoção do

Welfare State; a descoberta dos chips revolucionando a informática; a telemática; a

nanotecnologia; a robotização e demais inventos tecnológicos; a quebra das barreiras

alfandegárias coma mundialização da economia, incrementou a concorrência entre os

países, impondo-lhes a necessidade de produzir mais, com menor custo e melhor

qualidade para disputar o mercado globalizado; avanço nos meios de comunicação, a

divisão mundial do comércio e a crise imobiliária e econômica da economia americana.

A partir daí o paradigma buscado passa ser um modelo de Direito do Trabalho, com

regras um pouco mais flexíveis, aberto a mudanças, adaptável à nova situação

econômica mundial e de cada empresa.

Com a transformação da economia mundial e o conseqüente enfraquecimento da

política interna de cada país, dos altos índices de desemprego mundial e de

subempregos de milhões de pessoas, mister a adoção de medidas que harmonizem os

interesses empresariais com as necessidades profissionais, justificando a flexibilização

de determinados preceitos rígidos ou de criação de regras alternativas para justificar a

manutenção da saúde da empresa e da fonte de emprego. Flexibilizar pressupõe a

manutenção da intervenção estatal nas relações trabalhistas estabelecendo as condições

mínimas de trabalho, sem as quais não sem pode conceber a vida do trabalhador com

dignidade (mínimo existencial), mas autorizando, em determinados casos, exceções ou

regras menos rígidas, de forma que possibilite a manutenção da empresa e dos

empregos.

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Através de uma visão pós-positivista dos princípios, como espécie do gênero

norma constitucional, necessário é localizar alguma solução no Direito do Trabalho que

sirva de ponto de equilíbrio entre o princípio de proteção ao trabalhador, implícito e

explícito em diversas normas imperativas de ordem pública, os direitos garantidores da

dignidade humana e a necessidade atual de manutenção da saúde da empresa. Estes

interesses são ao mesmo tempo conflitantes e harmônicos.

Conflitantes porque o interesse do empresário não é o do trabalhador. O

empregado quer ganhar mais e ter melhoria de sua condição de trabalho. O patrão quer

pagar menos para ter maior lucro ou para manter o negócio saudável.

Haverá harmonia de interesses quando o próprio empregado tiver consciência da

situação precária de seu empregador, da dificuldade de nova colocação no mercado e da

ameaça de desemprego, momento em que seus interesses convergirão com os do

empregador, passando a perseguir juntos a recuperação da empresa. Nesta situação, o

trabalhador autoriza conscientemente o sacrifício de seus direitos trabalhistas e prol da

manutenção de seu emprego.

Portanto, a flexibilização deve ser um mecanismo utilizado apenas quando os

reais interesses entre empregados e empregadores, em cada caso concreto, forem

convergentes.

O contrato de trabalho, por ser regulamentado por lei, limita a liberdade. Isto se

explica diante da desigualdade das partes, em que um dos lados é hipossuficiente em

relação ao outro, necessitando da proteção estatal. Diante deste desnivelamento

substancial mister a aplicação de uma igualdade jurídica nos contratos de trabalho. O

paradigma deste contrato, salvo exceções raríssimas no Brasil, não é mais vontade, mas

a necessidade.

Para a Rosita Nassar, a flexibilização das normas trabalhistas faz parte integrante

de um processo maior de flexibilização do mercado de trabalho consistente em um

conjunto de medidas a dotar o Direito do Trabalho de novos mecanismos capazes de

compatibilizá-lo com as mutações de ordem econômica, tecnológica ou de natureza

diversa. Isto significa que a flexibilização das normas trabalhistas não se exaure numa

medida, mas sim da totalidade do fenômeno da flexibilização, que é mais abrangente,

compreendendo estratégias políticas, econômicas e sociais, e não apenas jurídicas.

Algumas soluções já foram adotadas como aumento da carga fiscal e diminuição

da proteção estatal nas relações privadas, flexibilização das regras trabalhistas, havendo

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alguns que defendem até a desregulamentação, isto é, a total ausência do Estado na

regulação das relações contratuais.

Maria Lúcia Roboredo esclarece que um dos princípios primordiais da

flexibilização é o princípio protetor do Direito do Trabalho, que incentiva o sindicato a

atuar como representante dos empregados, para zelar pela classe operária. Esse

princípio protetor fundamenta-se basicamente sobre outro princípio: da razoabilidade ou

da racionalidade, cuja premissa é que o ser humano age de forma razoável e racional,

estruturando suas ações e comportamentos dentro de padrões preestabelecidos

socialmente.

Outro princípio relevante para as considerações acerca da flexibilização é o da

adaptabilidade. Sob esse aspecto, é essencial considerar que as normas trabalhistas

visam a atender aos empregados e aos empregadores, o que faz do Estado o ponto de

equilíbrio entre esses dois lados. Para atingir-se o ponto ideal de adaptabilidade, é

necessário que o Estado seja o regulador das normas, autorizando, em alguns casos,

alguma flexibilidade.

Esse equilíbrio é desejado tanto pelo Estado e sociedade, como também pelos

empregados e empregadores. Ao investigar a vontade real no caso concreto, se houver

conflito entre o princípio da proteção ao trabalhador e a necessidade de manutenção de

seus empregos através da necessária flexibilização de seus direitos para sobrevivência

da empresa, a ponderação será a medida mais razoável a ser adotada, devendo-se

observar, em cada caso a necessidade ou não de redução de direitos adquiridos e

indispensáveis para a manutenção do emprego. O que se deve evitar é o abuso do

direito, hoje já consagrado como ato ilícito no Código Civil (art. 187).

Convém ressaltar que abuso de direito não se confunde com ato ilícito. Neste

sentido, se faz importante distinguir o ato ilícito do abuso de direito.

O ilícito, sendo resultante da violação de limites formais, pressupõe a existência

de concretas proibições normativas, ou seja, é a própria lei que irá fixar limites para o

exercício do direito. No abuso não há limites definidos e fixados aprioristicamente, pois

estes serão dados pelos princípios que regem o ordenamento, os quais contêm seus

valores fundamentais.

Conseqüência lógica do abuso de direito que fere norma de ordem pública é a

nulidade absoluta do ato praticado. Diante de todos esses fatos, é forçoso concluir que a

matéria pode ser aplicada, com facilidade, ao Direito do Trabalho, principalmente por

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sua finalidade social de diminuir a desigualdade social e de proteger o hipossuficiente.

Aliás, o Cógigo Civil também se preocupou com o viés ético e a função social do

direito.

A flexibilização não pode servir ao empregador como desculpa para ter lucro

superior, para aumentar seus rendimentos. A flexibilização é um direito do patrão, mas

de ve ser utilizada com cautela e apenas em caso de real e comprovada necessidade de

recuperação da empresa. Daí porque os princípios da razoabilidade, da lealdade, da

transparência, da necessidade, devem permear todo o processo, sob a tutela sindical (art.

50, III, da Lei nº 11.101/00).

Segundo Paulo Bonavides17, dissertando sobre o princípio da razoabilidade:

Trata-se daquilo que há de mais novo, abrangente e relevante em toda teoria

do constitucionalismo contemporâneo: princípio cuja vocação se move,

sobretudo no sentido de compatibilizar a consideração das realidades não

captadas pelo formalismo jurídico, ou por este marginalizadas.

Atualmente, o mundo passa por uma crise nas relações de trabalho, crise

provocada pelas mudanças geradas pelo processo de globalização, a robótica e a

mundialização da economia.

A nossa Constituição de 1988 é uma Constituição social, preocupada com o

combate da exploração do homem pelo homem e defende a aplicação direta dos

princípios nela contidos como meio de reforçar a proteção aos hipossuficientes.

Deve haver ponderação entre a flexibilização das relações de trabalho e a

realização dos valores sociais preservadores da dignidade do ser humano que trabalha,

através da aplicação da teoria pós-positivista dos princípios constitucionais, priorizando

o homem, o trabalhador e sua dignidade, sempre á luz das necessidades brasileiras.

Em nosso País, carteira de trabalho assinada é, segundo o IBGE(Instituto

Brasileiro de Geografia e Estatística)18, uma conquista de 2,4% dos profissionais que

ingressaram no mercado de trabalho em setembro de 2003. De acordo com o jornal O

Globo de dezembro de 2004, o número de trabalhadores sem carteira assinada cresceu

9,6% enquanto o mercado formal cresceu apenas 2,4% entre 2003 e 2004.

A maioria trabalha na informalidade ou em relações empregatícias mascaradas

de serviço autônomo, estagiário, cooperado, profissional representado por pessoa

jurídica, numa tentativa encontrada pelo empresariado local para sobreviver ao alto

custo dos descontos feitos na folha de salários.

17 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 10. Ed. São Paulo: <alheiros Editores, 2000, Pág. 76. 18 Revista Você S/A, dez 2003, Pág. 16.

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Essa tendência a se desrespeitar o mínimo existencial garantido ao trabalhador

aumenta a necessidade de ponderação entre a flexibilização da legislação, que preconiza

a redução de direitos trabalhistas para a manutenção da saúde da empresa, e a

preservação de direitos absolutos e universais que são: o direito à dignidade humana, os

direitos fundamentais do trabalho e a preservação da proteção do trabalhador.

Os defensores da corrente neoliberalista, sob o argumento de que é o excesso de

encargos trabalhistas que dificulta a gestão empresarial e o crescimento econômico, tem

insistido na tese de que a negociação coletiva deve prevalecer sobre as correspondentes

leis, vulnerando a hierarquia das fontes formais de direito e revogando, pela vontade

coletiva dos sindicatos, os direitos arduamente conquistados e constitucionalmente

garantidos.

Muitos economistas distinguem três formas fundamentais de flexibilização:

1) flexibilização funcional: que corresponde à capacidade da empresa de adaptar seu

pessoal para que assuma novas tarefas ou aplique novos métodos de produção;

2) flexibilização salarial: que consiste na vulcanização dos salários à produtividade e à

demanda de seus produtos;

3) flexibilização numérica: que consiste na faculdade de adaptar o fator trabalho à

demanda dos produtos da empresa.

Vólia Bonfim19 inclue uma quarta modalidade:

4) flexibilização necessária: consiste na flexibilização apenas em caso de necessidade de

recuperação da saúde da empresa. Isto porque as demais flexibilizações correspondem

ao aumento da lucratividade em prol dos direitos dos trabalhadores, enquanto a

flexibilização necessária é a forma de manutenção dos empregos, algumas vezes

reduzindo direitos mínimos do trabalhador.

Quanto aos agentes, o direito comparado tem dividido a flexibilização em três

tipos: a) unilateral, quando imposta por autoridade pública ou pelo empregador (Chile,

Panamá e Peru), b) negociada com o sindicato (Espanha e Itália); c) mista, isto é, pode

ser unilateral ou negociada (Argentina).

Alice Monteiro20 divide a desregulamentação, que para ela é sinônimo de flexibilização,

em "normativa" e "de novo tipo". A primeira (normativa) equivale à flexibilização

heterônoma, isto é, imposta unilateralmente pelo Estado. A segunda ("novo tipo"), que

para ela é sinônimo de flexibilização autônoma, pressupõe a substituição das garantias

19 Ibidem 20 BARROS, Alice Monteiro de. Curso de Direito do Trabalho. São Paulo: LTr, 2005, Pág. 51.

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legais pelas garantias convencionais, com primazia da negociação coletiva.

Alguns autores defendem que o Brasil adotou a flexibilização negociada ou

autônoma, sob o forte argumento de que a Carta Magna apenas a autorizou em três

hipóteses e sempre com a chancela sindical (art. 7º VI XIII, XIV).

2.3 Supremacia do negociado sobre o legislado

A autonomia coletiva privada pressupõe o regime de liberdades públicas, vale

dizer, assenta sobre o princípio da democracia (ou princípio estruturante do Estado

democrático de direito consagrado pelo art. 1º da Constituição). Em regime autoritário,

não há espaço para a expressão da autonomia negocial dos grupos organizados. Se o

Estado a tudo provê, se dispensa proteção ao empregado, como cogitar de autonomia

dos grupos? Por tal motivo, a greve é proibida.

Já no Estado democrático, a via negocial para composição dos recíprocos

interesses das classes antagônicas encontra ambiente propício para desenvolver-se e não

pode prescindir da greve como direito a ser exercido com responsabilidade pelos

trabalhadores.

Numa ordem democrática, inexiste possibilidade de antagonismo ou oposição entre

o negociado e o legislado. Existiria apenas o negociado21, pois o legislador se limitaria a

promover as condições em que o negociado poderia expandir-se. O Estado, como tutelar

do interesse maior da coletividade, atuaria como mediador e arbitraria os conflitos.

O tratamento do tema conduzia ao exame do PLC 134/2001 (com o objetivo de

alterar o art. 618 da CLT no sentido de estabelecer a prevalência da CCT/ACT sobre a

legislação infraconstitucional) que foi arquivado na Câmara dos deputados em 2003.

Cabe observar que o projeto se antecipava à desejada e necessária reforma do texto

constitucional. O teor do projeto seria adequado a um regime democrático de regulação

das relações de trabalho, atualmente desconhecido no direito brasileiro. Ele tinha como

preceito um ambiente de liberdade sindical que infelizmente ainda não foi implantado

no Brasil. Sim, porque ele dava ênfase à negociação coletiva das condições de trabalho,

sempre que os interlocutores sociais mostrassem descontentamento com a legislação

vigente.

21 ROMITA, Arion Sayão. O princípio da Proteção em Xeque e outros ensaios. São Paulo: Ltr, 2003. Pág. 25

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Uma negociação coletiva digna deste nome só encontra foros de efetividade em

clima de liberdade sindical, já que exige na representação dos trabalhadores entidades

sindicais autênticas e fortalecidas. O movimento sindical brasileiro, em sua vertente

oficial, não exibe tais características. Não há dúvida, porém, de que os sindicatos

filiados às centrais sindicais mais atuantes, como a CUT, a Força Sindical e a Social

Democracia Sindical poderiam desincumbir-se a contento da tarefa que o projeto lhes

atribuía: negociar condições de trabalho à margem da lei como contra-poder eficaz em

face do poder econômico e estatal.

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CAPÍTULO III

CONSTITUIÇÃO FEDERAL E O DIREITO DO TRABALHO

Com a flexibilização os sistemas legais passaram a prever fórmulas opcionais de

estipulação de condições de trabalho, ampliando o espaço para a contemplação ou

suplementação do ordenamento legal, permitindo a adaptação de normas cogentes às

peculiaridades regionais, empresariais ou profissionais e admitindo derrogações de

condições anteriormente ajustadas, para adaptá-las a situações conjunturais, métodos de

trabalho ou implementação de nova tecnologia, possibilitando a intervenção estatal, com

normas gerais abaixo das quais não se pode conceber a vida do trabalhador com

dignidade.

Mesmo com a flexibilização sendo um instituto inerente ao Direito do Trabalho,

é a Constituição Federal que deve fixar os princípios fundamentais que embasarão as

decisões relativas a conflitos de normas (lato sensu), ou seja, onde não houver

possibilidade de solucionar o conflito, estes serão resolvidos com base nos princípios

constitucionais.

A flexibilização de regras rígidas, em que o Estado estabelece um parâmetro ou

um limite máximo e/ou mínimo para que os atores sociais negociem, traz também uma

questão: diante das poucas ofertas de trabalho, o indivíduo se vê paralisado tendente a

abrir mão de direitos para não perder o direito básico que mantém a vida, que é o direito

ao trabalho e correspondente salário, estrutura da própria dignidade humana. Assim,

defender o direito ao trabalho passou a ser prioridade, uma vez que sua falta deixa o

indivíduo em estado de apatia, para conquista dos demais direitos garantidores e

preservadores da dignidade do indivíduo. Entretanto, a sociedade está se tornando

complexa demais e o mercado de trabalho cada vez mais enxuto.

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CONCLUSÃO

A flexibilização é possível e necessária desde que as normas por ela

estabelecidas através da convenção ou do acordo coletivo, como previsto na

Constituição, ou na forma que a lei determinar, sejam analisadas sob duplo aspecto:

respeito à dignidade do ser humano que trabalha para a manutenção do emprego e

redução de direitos apenas em casos de comprovada necessidade econômica, quando

destinada à sobrevivência da empresa. Não alcançando este objetivo mínimo,

conquistado arduamente ao longo da história pelo trabalhador, o acordo ou a convenção

coletiva deverão ser considerados inconstitucionais, uma vez que valores maiores são

aqueles protegidos pelos direitos fundamentais, afinal os princípios devem nortear a

aplicação do direito.

Evidentemente que encontrar o equilíbrio para essa delicada situação de crise

social é o objetivo de todos que estudam o Direito Laboral, e pode-se mesmo observar

que a tendência entre os doutrinadores é na direção da flexibilização como solução para

as tensões sociais geradas pelo desemprego crescente, sempre de forma responsável,

sem abuso desde que a empresa comprovadamente esteja atravessando grave crise

econômica. A flexibilização não pode servir de fundamento para aumentar o lucro ou o

enriquecimento dos sócios, mas para a manutenção da saúde da empresa e,

conseqüentemente, do nível de emprego.

A pedra de toque para a limitação do direito de flexibilizar é o não abuso deste

direito, ou seja, a sua utilização de acordo com o fim social do Direito do Trabalho.

Sendo assim o princípio constitucional da proteção do trabalhador preconizado

no caput do art. 7° da Constituição Federal, deve ser analisado como norma de eficácia

plena, funcionando como o agente limitador da flexibilização, coibindo os abusos, a

aplicação irrestrita do instituto e o desvio de sua finalidade.

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BIBLIOGRAFIA

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