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1 UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES AVM FACULDADE INTEGRADA PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU” OS PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E DOS VALORES SOCIAIS DO TRABALHO FRENTE À REALIDADE DO TRABALHO ESCRAVO RURAL CONTEMPORÂNEO AUTOR CHARMAINE BUTERS CHAVES DOLINSKI CAMPOS ORIENTADOR PROF. CARLOS AFONSO LEITE LEOCADIO RIO DE JANEIRO 2013 DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE DIREITO AUTORAL

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES AVM FACULDADE INTEGRADA

PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”

OS PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E DOS VALORES SOCIAIS DO TRABALHO FRENTE À

REALIDADE DO TRABALHO ESCRAVO RURAL CONTEMPORÂNEO

AUTOR

CHARMAINE BUTERS CHAVES DOLINSKI CAMPOS

ORIENTADOR

PROF. CARLOS AFONSO LEITE LEOCADIO

RIO DE JANEIRO 2013

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES AVM FACULDADE INTEGRADA

PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”

OS PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E DOS VALORES SOCIAIS DO TRABALHO FRENTE À

REALIDADE DO TRABALHO ESCRAVO RURAL CONTEMPORÂNEO

Monografia apresentada à Universidade Candido Mendes – AVM Faculdade Integrada, como requisito parcial para a conclusão do curso de Pós-Graduação “Lato Sensu” em Direito e Processo do Trabalho. Por: Charmaine Buters Chaves Dolinski Campos

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Agradeço à minha família: meu marido, Aldrin Dolinski Campos, e à minha filha, Bia Buters Dolinski, pelo apoio incondicional.

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Dedico este trabalho à minha família: meu marido, Aldrin Dolinski Campos, e à minha filha, Bia Buters Dolinski.

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RESUMO

O trabalho escravo rural contemporâneo é uma faceta perversa da relação capital-trabalho, que se pensou já abolida da sociedade brasileira desde a abolição da escravatura, em 13 de maio de 1888, consistente na submissão do empregado à condição de escravo ou a ela análoga. Na atualidade, tal condição tem sido identificada, sobretudo na zona rural brasileira, onde pessoas estão sendo submetidas a trabalho forçado, degradante, em condições incompatíveis com a dignidade da pessoa humana e os valores sociais do trabalho, o que é rechaçado pelo ordenamento jurídico brasileiro, sobretudo pela Constituição da República Federativa do Brasil, que erigiu a dignidade da pessoa humana e os valores sociais do trabalho a fundamentos da república.

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METODOLOGIA

O estudo que ora se apresenta foi levado a efeito a partir do método

da pesquisa bibliográfica, em que se buscou o conhecimento em diversos tipos

de publicações, como livros, artigos científicos, revistas do Ministério Público

do Trabalho, além de publicações oficiais da legislação e jurisprudência.

A princípio, foi abordada a evolução histórica do Direito ao Trabalho

até atingir o status de direito social, com o advento da Constituição da

República Federativa do Brasil de 1.988.

Foi feito um resumo sobre a escravidão no Brasil, desde sua origem

até a abolição.

Em seguida, foram abordados: os direitos fundamentais violados

pela escravidão moderna; o porquê da existência desse tipo de exploração

humana nos tempos atuais, a despeito da proteção legal, sobretudo,

constitucional da dignidade da pessoa humana do trabalhador e dos valores

sociais do trabalho; a quem compete zelar pela fiscalização e cumprimento da

legislação trabalhista e, finalmente, o que tem sido feito no sentido de erradicar

tal prática.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO.................................................................................................... 8

CAPÍTULO I

TRABALHO ESCRAVO CONTEMPORÂNEO – CONCEITO E EVOLUÇÃO

HISTÓRICA...................................................................................................... 10

CAPÍTULO II

A REALIDADE DO TRABALHO ESCRAVO CONTEMPORÂNEO NA ZONA

RURAL BRASILEIRA...................................................................................... 17

CAPÍTULO III

A ERRADICAÇÃO DO TRABALHO ESCRAVO CONTEMPORÃNEO NA

ZONA RURAL BRASILEIRA ......................................................................... 23

CONCLUSÃO................................................................................................... 37

BIBLIOGRAFIA................................................................................................ 39

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INTRODUÇÃO

O presente trabalho é um estudo sobre o trabalho escravo

contemporâneo na zona rural brasileira. Nesse contexto, o trabalho dedicou-se

a identificar quais os direitos fundamentais violados pela escravidão moderna,

a quem compete zelar pela fiscalização e cumprimento da legislação trabalhista

e quais os meio de que dispõe o Estado para erradicar o trabalho escravo

contemporâneo, nos moldes em que praticado nos tempos atuais.

A pesquisa buscou respostas para as questões propostas, a fim de

que se compreenda o porquê da existência do trabalho escravo nos tempos

atuais, a despeito da proteção legal, sobretudo constitucional da dignidade da

pessoa humana e dos valores sociais do trabalho, ambos erigidos a

fundamentos da República Federativa do Brasil.

Verificou-se que a chamada Abolição da Escravatura quedou-se

inócua diante da força dos interesses econômicos, tendo em vista a

subsistência, nos dias atuais, da existência de prestação de serviços em

condições incompatíveis com a dignidade da pessoa humana e valores sociais

do trabalho, prestação de serviços esta que nada mais é que trabalho escravo,

mascarado e escondido atrás da pobreza e da insuficiência econômica.

A pesquisa esclareceu, ainda, acerca da legislação alienígena

pertinente, ratificada pelo Brasil, dentre elas a Declaração Universal dos

Direitos do Homem, a Convenção Americana sobre Direitos Humanos, a

Convenção n. 29 da Organização Internacional do Trabalho, a Convenção n.

105, também da Organização Internacional do Trabalho.

O estudo do tema e das questões analisadas em torno do mesmo

justificou-se pelo fato de que, nos últimos tempos, os meios de comunicação

têm veiculado diversas notícias acerca da existência de trabalho escravo ou a

ele análogo nas zonas rurais do Brasil.

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E, mesmo diante das denúncias e do conhecimento do fato pelas

autoridades, os proprietários de terras continuam a mascarar a exploração

humana, a pretexto de se tratar de relação jurídica empregatícia, mantendo os

trabalhadores em sua propriedade, em regime de isolamento, servidão, sendo

submetidos a violências físicas e morais, cerceando-lhe a liberdade de

locomoção.

Necessária se faz uma análise para identificar o porquê da

ineficiência estatal, seja no âmbito do processo de fiscalização realizado pelo

Ministério Público do Trabalho, seja nas cominações, pelo ordenamento

jurídico pátrio, incapazes de intimidar tal prática pelos proprietários de terras.

A pesquisa que precedeu esta monografia teve como ponto de

partida o pressuposto de que necessário se faz repreender de maneira mais

incisiva, por meio de fiscalização mais ostensiva, a exploração do trabalho

humano e, sobretudo, promover alteração legislativa, no sentido de penalizar

de forma mais severa tal prática, de modo a inibir o comportamento dos

empregadores rurais.

Visando um trabalho objetivo, cujo objeto de estudo seja bem

delineado e especificado, a presente monografia dedica-se, especificamente,

ao trabalho escravo rural contemporâneo, com enfoque nas questões relativas

ao direito do trabalho brasileiro e da Justiça do Trabalho brasileira.

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CAPÍTULO I

TRABALHO ESCRAVO CONTEMPORÂNEO – CONCEITO E

EVOLUÇÃO HISTÓRICA

Transcorridos exatos 125 anos da assinatura da Lei Áurea e o Brasil

ainda convive com as vergonhosas marcas deixadas pela exploração da mão-

de-obra escrava.

Como se sabe, a contemporaneidade da escravidão em nosso país

manifesta-se pelas denúncias e constatações da existência de milhares de

pessoas submetidas à condição de escravos ou a ela análoga.

Quando se fala em escravidão, o que vem em nossa lembrança são

imagens de pinturas e gravuras mostrando os sofrimentos e atrocidades

sofridas pelos negros arrancados de seus lares (esconderijos) africanos,

amontoados em navios, então chamados “negreiros” e finalmente

“comercializados” na costa do nordeste brasileiro como uma mercadoria

qualquer e depois submetidos àquelas condições de vida e de trabalho que

todos nós conhecemos dos compêndios de História do Brasil.

Segundo Luís Antônio Camargo de Melo, Procurador Regional do

Trabalho, quando se fala em trabalho escravo a primeira imagem que vem à

mente da maioria das pessoas é a do escravo negro, preso a correntes e

vivendo em senzalas. Situação comum na sociedade escravocrata do século

XIX. (REVISTA DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO, 2003, p.11).

Tal impressão faz com que a sociedade seja pouco sensível às

modernas formas de escravidão que, travestidas de relações empregatícias

lícitas, encontram-se presentes em grande número pelo Brasil, principalmente

nas zonas rurais.

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A propósito, João Carlos Alexim, sociólogo e ex-diretor da

Organização Internacional do Trabalho no Brasil, diz que:

Como a escravidão, tal como é entendida regularmente, está proibida em basicamente todos os países, surgem formas de dissimulação que causam efeitos talvez menos escandalosos ou ostensivos, mas resultam na prática em formas muito semelhantes. Existem muitas maneiras de impedir que um trabalhador exerça seu direito de escolher um trabalho livremente ou, ainda, que abandone seu emprego quando julgar necessário ou conveniente (REVISTA DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO, 2003, p.12)

A problemática da normatização das formas de trabalho aviltante,

genericamente denominadas de “TRABALHO ESCRAVO”, tem início com a

Convenção nº 29 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) sobre o

trabalho forçado e obrigatório, adotada pela Conferência Geral daquele

Organismo Internacional, em 28 de junho de 1930, em vigor no ordenamento

jurídico internacional a partir de 1º de maio de 1932 e devidamente ratificada

pelo Brasil, que em seu artigo 2º assim dispõe que:

para fins da presente Convenção o termo “trabalho forçado ou obrigatório” designará todo o trabalho ou serviço exigido a um indivíduo sob ameaça de qualquer castigo e para o qual dito indivíduo não se tenha oferecido de livre vontade

Dez anos mais tarde, vemos na exposição de motivos da Parte

Especial do Código Penal de 1940, no capítulo “DOS CRIMES CONTRA A

LIBERDADE PESSOAL”:

No art. 149 se prevê uma entidade criminal ignorada do Código anterior: o fato de reduzir alguém por qualquer meio, à condição análoga de escravo, isto é, suprir-lhe, de fato, o status libertatis, sujeitando-o o agente ao seu completo poder. É o crime que os antigos chamavam plagium. Não é desconhecida a sua prática entre nós, notadamente em certos pontos do nosso hinterland.

Eis o texto legal:

Art. 149 - Reduzir alguém à condição análoga a de escravo.

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Pena - reclusão de 2 (dois) a 8 (oito) anos

A Lei nº 10.803/03, dando nova redação ao dispositivo legal acima

transcrito, estabeleceu o conceito de trabalho escravo, nos seguintes termos:

Reduzir alguém à condição análoga a de escravo, quer submetendo-o a trabalhos forçados ou a jornadas exaustivas, quer sujeitando-o a condições degradantes de trabalho, quer restringindo, por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto.

Em judicioso estudo entitulado “TRABALHO ESCRAVO

CONTEMPORÂNEO PRATICADO NO MEIO RURAL BRASILEIRO.

ABORDAGEM SÓCIO-JURÍDICA” Lília Leonor Abreu e Deyse Jacqueline

Zimmermann dissertam acerca da problemática conceitual do trabalho escravo,

nos termos seguintes:

Escravo, conforme o Dicionário Eletrônico Houaiss da Língua Portuguesa, é o “que ou aquele que, privado da liberdade, está submetido à vontade absoluta de um senhor, a quem pertence como propriedade.

O Código Penal brasileiro, no art. 149, usa o termo

“condição análoga a de escravo” para tipificar o crime de alguém submeter uma pessoa à sua vontade, como se fosse escravo.

Optamos pelo título trabalho escravo contemporâneo

no meio rural para discerni-lo do trabalho escravo praticado no Brasil colônia. Neste ficou marcado o escravismo comercial, em que negros eram vendidos pelos portugueses, com permissão da Coroa, aos agricultores e donos de minas. O escravo era propriedade do seu senhor. A escravidão do perído do Brasil Colônia existe no Brasil moderno com novos contornos, a começar pela forma dissimulada pela qual é praticada, já que se trata de um ato criminoso. Hoje, o trabalhador não é mais propriedade do patrão, mas é submetido por fraude, dívida, violência e ameaça que resultam no cerceamento da sua liberdade. O trabalho escravo, pois, extrapola a violação de direitos trabalhistas, cerceando o direito à liberdade individual.

Embora seja comum a utilização dos termos trabalho

escravo e trabalho forçado como sinônimos, alguns doutrinadores fazem distinção entre eles. O trabalho escravo é, na verdade, uma espécie do gênero trabalho forçado, este último definido como como um trabalho obrigatório, compelido ou subjugado. É possível afirmar que todo trabalho escravo é forçado, mas nem todo trabalho forçado é escravo.

Por fim, filiamo-nos ao conceito formulado por Jairo

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Lins de albuquerque Sento-Sé, a saber: “o trabalho escravo contemporâneo, na zona rural, é aquele em que o empregador sujeita o empregado a condições de trabalho degradante, inclusive quanto ao meio ambiente em que irá realizar a sua atividade laboral, submetendo-o, em geral, a constrangimento físico e moral, que vai desde a deformação do seu consentimento ao celebrar o vínculo quando bem entender, tudo motivado pelo interesse mesquinho de ampliar os lucros às custas da exploração do trabalhador (REVISTA DO TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 12ª REGIÃO, 2003, p.106-107).

Por outro lado, Jairo Lins de Albuquerque Sento-Sé conceitua trabalho

escravo contemporâneo na zona rural:

como sendo aquele em que o empregador sujeita o empregado a condições de trabalho degradantes, inclusive quanto ao meio ambiente em que irá realizar a sua atividade laboral, submetendo-o, em geral, a constrangimento físico e moral, que vai desde a deformação do seu consentimento ao celebrar o vínculo empregatício, passando pela proibição imposta ao obreiro de resilir o vínculo quando bem entender, tudo motivado pelo interesse mesquinho de ampliar os lucros às custas da exploração do trabalhador (SENTO-SÉ, 2001, p. 27)

Ou, ainda:

considerar-se-á trabalho escravo ou forçado toda modalidade de exploração do trabalhador em que este esteja impedido, moral, psicologica e/ou fisicamente, de abandonar o serviço, no momento e pelas razões que entender apropriados, a despeito de haver, inicialmente, ajustado livremente a prestação dos serviços (REVISTA DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO, 2003, p.14)

Para se entender a origem da escravidão humana, faz-se necessário

um passeio pela história.

Sua origem se deu na mais remota antiguidade quando teve como

causa potencial a ferocidade do vencedor exaltada sobre o vencido, ou seja, na

verdade, correspondia a um meio de subjugação de um povo por outro mais forte.

No Brasil, os portugueses introduziram o regime escravocrata com os

indígenas e com os negros trazidos da África, tendo perdurado até o século XIX.

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Com ele, os índios e os negros tornaram-se mercadorias disputadas

pelos colonos, a ponto de serem até mesmo trocados por pequenos utensílios,

além de serem submetidos a severas penas, castigos exagerados, tortura e

humilhações.

O desenvolvimento do Brasil fez-se sobre o suor e sacrifício do trabalho

servil dos índios e dos negros que tiveram sua mão de obra explorada em

condições ofensivas à dignidade da pessoa humana.

Somente no século XIX começou a fase histórica da abolição da

escravatura no Brasil, cujo processo ocorreu paulatinamente.

Começou beneficiando os nascituros de mãe escrava e culminou em 13

de maio de 1888, com a edição da Lei Áurea, assinada pela Princesa Isabel, que

tornou livres todos os escravos.

A partir daí o escravo deixou de ser propriedade de outro homem.

Ocorre que, ao declarar os escravos livres, na verdade, o Estado os

abandonou à própria sorte. Eles ficaram entregues às suas fraquezas, pois, além

de estigmatizados pela cor da pele, eram analfabetos, sem qualquer qualificação

profissional e desprovidos de quaisquer recursos financeiros, razão pela qual

muitos foram obrigados a trabalhar para os seus antigos donos que os exploravam

e humilharam.

Na verdade, eles nem chegaram a dispor de suas liberdades pois logo

sujeitar-se-iam a outro regime deprimente chamado de servidão, onde, apesar de

possuírem alguns direitos, ainda estavam sujeitos a serevas restrições, inclusive

de deslocamento.

Segundo Kátia Mattoso:

ser libertado não é, pois, ser livre imediatamente; [...] O comportamento do liberto continua a ser o mesmo do seu irmão escravo; [...] ele continuará a dever obediência, humildade e

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fidelidade aos poderosos (SENTO-SÉ, 2001, p. 40)

Havia muitas semelhanças entre a escravidão e a servidão, tendo seu

fim, esta última, com a revolução francesa, que primou pela liberdade e igualdade.

Após a revolução industrial, passaram a existir apenas as classes

proletária e capitalista.

Desta vez, os operários não passavam de simples meio de produção,

submetidos à exploração organizada dos capitalistas que não se importavam com

a pessoa do trabalhador.

Exigiam o cumprimento de jornadas que extrapolavam o máximo da

resistência humana e remuneravam os operários com salários reduzidos na

proporção da concorrência do mercado.

Por ser obrigação do Estado impedir as lutas sociais, zelando pela

proteção dos elementos da sociedade, passou-se a ter um Estado

intervencionista e, finalmente, com ele, nasceu a igualdade jurídica fazendo com

que os trabalhadores pudessem passar a pleitear benefícios e lutar pelos seus

direitos.

O movimento se fortaleceu quando os trabalhadores se juntaram em

prol do espírito sindical que, unificando-os, fez com que os empregadores, na

dependência da mão de obra operária, passassem a se submeter às negociações

e legislações.

Assim, começou a se formar o direito do trabalho que revolucionou a

história, elevando, finalmente, o trabalhador a uma posição mínima de

respeitabilidade.

Apesar das primeiras leis com conteúdo trabalhista terem surgido no

Império, foi com o governo republicano que os legisladores passaram a se

interessar pelos direitos dos operários.

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Getúlio Vargas implantou a legislação de proteção ao trabalho e logo

após editou-se a Consolidação das Leis do Trabalho – CLT, que garantiu os

direitos trabalhistas fundamentais, sem os quais nenhuma civilização é digna.

Acreditou-se que os direitos seriam respeitados e que o trabalho

considerado escravo seria coisa do passado, cujas lembranças estariam apenas

nos livros de história.

Entretanto, a realidade factual demonstra que apesar de não existirem

mais correntes e senzalas, subsiste a prestação de serviços em condições

incompatíveis com a dignidade da pessoa humana, ignorando e ofendendo o

ordenamento jurídico brasileiro.

Mesmo passados mais de cento e vinte e cinco anos da abolição da

escravatura, subsiste uma moderna forma de escravidão, decorrente da má

distribuição de renda, da pobreza, do desemprego e da concentração fundiária

nas mãos de poucos que visam apenas interesses econômicos.

É o chamado Trabalho Escravo Contemporâneo, objeto da presente

pesquisa. que se encontra despido de sua veste cruel e escondido atrás da

pobreza e insuficiência econômica.

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CAPÍTULO II

A REALIDADE DO TRABALHO ESCRAVO CONTEMPORÂNEO

NA ZONA RURAL BRASILEIRA

Na sociedade escravagista a prática da escravização era encarada

com naturalidade e gozava da proteção estatal que garantia a legalidade da

compra, venda e uso das pessoas. O escravo era considerado a própria res. E

como homem-coisa não dava apenas a sua força de trabalho para quem dela

se beneficiava pois o mesmo era consumido em toda a sua energia.

A propósito, Jairo Lins de Albuquerque Sento-Sé, Procurador do

Trabalho, diz que:

Desde o período colonial, quando a escravidão era uma atividade autorizada por lei, a utilização do escravo continha um objetivo de natureza eminentemente econômica. Importado do sistema sociocultural europeu para a Colônia portuguesa, tinha por escopo, justamente, fomentar a agricultura e depois também a pecuária e a mineração, com custos mais reduzidos, de maneira a permitir um desenvolvimento econômico mais célere e com maior índice de lucros.

No entanto, com a ascensão das idéias universais de defesa dos direitos humanos, acompanhada da necessidade de fim da escravidão, como se justificar o seu retorno e crescimento - ainda que escamoteado e encoberto - no período contemporâneo da história brasileira?

Como bem sustentou Roberto Santos, '...a escravidão ressurge, basicamente, porque constitui ainda um meio de viabilizar certos empreendimentos ligados à economia de mercado, ou manter abusivamente alta sua taxa de ganho. (SENTO-SÉ, 2001, p. 79)

Todavia, conquanto a escravidão tenha sido abolida no Brasil há

mais de cento e vinte e cinco anos, a mesma subsiste na zona rural brasileira,

onde são constatadas práticas dissimuladas dessa forma aviltante de

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exploração do ser humano que se caracterizam pela inexistência de qualquer

proteção social do indivíduo.

A mais comum forma contemporânea de escravidão no Brasil é a

servidão por dívida.

Segundo Lilia Leonor Abreu:

Os grandes focos estão concentrados nos estados do Pará (desmatamento e fazendas), Mato Grosso (fazendas e madeireiras), Maranhão (fazendas, manejo florestal, reflorestamento e produção de carvão) e Goiás (capina e colheita de sementes de braquiária) (REVISTA DO TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 12ª REGIÃO, 2003, p. 105)

O empregado,

uma vez que não tem acesso à terra para produzir e, ainda que a tivesse, sem dispor de um incentivo governamental para cultivá-la e enfrentar as intempéries próprias da atividade agropecuária - seca, queda de preço da safra etc.-, o rurícola se vê obrigado a aceitar a proposta de trabalho que lhe é formulada pelo fazendeiro, por meio do “gato”. Quer dizer, não tem ele outra opção (SENTO-SÉ, 2001, p. 81)

No meio rural encontra-se a maioria desses indivíduos que, por

estarem sujeitos até mesmo às intempéries da natureza, fica compelida a

aceitar qualquer oferta de trabalho que possa lhe proporcionar um mínimo de

condição para suprir as suas necessidades e às de sua família.

Desta forma, podemos concluir que o interesse econômico é a mola

mestra que impulsiona a existência da escravidão contemporânea na zona

rural brasileira (SENTO-SÉ, 2001, p. 79).

João Carlos Alexim, sociólogo e ex-diretor da Organização

Internacional do Trabalho no Brasil, diz que:

Como a escravidão, tal como é entendida regularmente, está proibida em basicamente todos os países, surgem formas de dissimulação que causam efeitos talvez

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menos escandalosos ou ostensivos, mas resultam na prática em formas muito semelhantes. Existem muitas maneiras de impedir que um trabalhador exerça seu direito de escolher um trabalho livremente ou, ainda, que abandone seu emprego quando julgar necessário ou conveniente (REVISTA DO TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 12ª REGIÃO, 2003, p. 108)

E neste contexto, esses trabalhadores são atraídos pelos supostos

empreiteiros de mão-de-obra, também chamados de “gatos”, com promessas

que jamais serão cumpridas.

A propósito, Lília Leonor Abreu, juíza do Tribunal Regional do Trabalho

de Santa Catarina, diz que:

Na situação esdrúxula a que são submetidos esses trabalhadores não há falar em ambiente saudável, ao menos nos padrões exigidos pelas normas de higiene, saúde e segurança do trabalho. Isso acaba por reduzir-lhes a expectativa de vida.

Esses trabalhadores normalmente são atraídos por boas propostas de emprego, buscados pelos “gatos” (supostos empreiteiros de mão-de-obra, que são, na verdade, recrutadores de trabalhadores) de locais distantes do lugar da prestação dos serviços, normalmente de regiões pobres, como pequenos agricultores sem recursos, desempregados ou sem terra. Homens, mulheres e crianças são subjugados em função da miséria, da fome, da ignorância e do medo. A eles são sonegados completamente os direitos trabalhistas. São explorados pelos detentores do poder econômico que lucram com o trabalho em condições subumanas (a Justiça do Trabalho vem reconhecendo o empregador rural - o dono da terra- como o responsável direto pelas obrigações trabalhistas, e o “gato” simples preposto daquele).

A forma mais comum de escravidão encontrada no meio rural é a da dívida. Ela se inicia no processo de aliciamento, em que o trabalhador deve aos fazendeiros a quantia correspondente ao transporte até a fazenda. Quando chega no local de trabalho terá que comprar alimentação, roupas, remédios, ferramentas de trabalho, etc., tudo no estabelecimento do empregador, a preços superfaturados, resultando no endividamento do trabalhador, que acaba nunca recebendo o seu salário.

Há relatos de espancamento, castigo e assassinato, este último como forma de intimidar os fujões. O trabalhador tem dificuldade de sair do lugar em função dos óbvios obstáculos que

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encontra tanto de ordem física como econômica.

A prática de o empregador efetuar o pagamento somente por meio de bens in natura sofre restrições legais (CLT, Art. 462, §§ 2º e 3º). Todavia, a escravidão por dívida constitui prática corriqueira em determinadas zonas do Brasil. [...]

Enfim, apesar de o fenômeno da escravidão por dívida ser prática combatida inclusive pelo Direito Internacional do Trabalho, é difícil eliminá-la porque arraigada aos costumes em determinadas regiões deste imenso país (REVISTA DO TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 12ª REGIÃO, 2003, p. 107)

O que há é a arregimentação do trabalhador, com evidente vício de

vontade e cerceio de direitos, senão vejamos:

a) o empregado recebe uma proposta de emprego bastante tentadora para trabalhar em um determinado local, normalmente muito distante de sua cidade natal;

b) são-lhe oferecidos salários atraentes e feitas promessas de melhores condições de vida;

c) a tarefa de arregimentação e recrutamento da mão-de-obra é realizada por empreiteiros, 'gatos”, “zangões” ou 'turmeiros”, via de regra, meros prepostos dos empregadores rurais;

d) os gatos não exigem qualquer documento de identificação ou Carteira de Trabalho dos trabalhadores, mas quando apresentado algum documento eles retêm, para criar um vínculo de dependência entre o trabalhador e o suposto empreiteiro;

e) o arregimentador geralmente adianta uma pequena quantia em dinheiro para o trabalhador satisfazer as suas necessidades básicas e as de sua família. Este não sabe que é a sua primeira dívida perante o empregador; início do débito que o reduzirá à escravidão;

f) quando inicia o trabalho, o trabalhador percebe o engodo em que foi envolvido, o empregador lhe submete a uma jornada de trabalho insuportável; o pagamento é quase todo feito in natura - alimentos e vestuário adquiridos nos barracões do empregador - e o débito para com o patrão vai aumentando de tal maneira que o valor que ele tem a receber não é suficiente para saldar a sua dívida;

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g) muitas vezes, como forma de aliciar os trabalhadores, o futuro empregador quita a dívida desses com as pensões onde permanecem nos períodos de entressafra;

h) a dívida aumenta vertiginosamente no local de serviços. Ao chegar ao seu destino, os trabalhadores recebem os equipamentos essenciais para realizar o seu trabalho (como facão, facas, botas, chapéu etc), juntamente com aqueles fundamentais para a sua sobrevivência (rede de dormir, panelas, mantimentos, lonas para barraca e outros), todos cobrados pelo empregador, a preços superiores aos do mercado;

i) os gêneros alimentícios de primeira necessidade são vendidos pelo próprio proprietário rural em sua fazenda a preços acima dos de mercado e descontados do salário do obreiro ao final do mês. É o chamado sistema de barracão ou truck-system. Por ser uma pessoa de pouco discernimento, muitas vezes analfabeta, o trabalhador perde totalmente o controle do valor da dívida e é facilmente ludibriado pelo credor;

j) sob a justificativa de não ter sido quitado todo o débito, o empregado é coagido pelo fazendeiro e obrigado a prestar serviços mesmo contra a sua vontade;

k) quando decide abandonar o emprego, o trabalhador é coagido a manter a relação de trabalho;

l) advém coação física e detenção ilegal de documentos (REVISTA DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO, 2003, p. 57)

Os trabalhadores são iludidos e sem conhecerem suas reais condições

de trabalho são levados para lugares distantes onde começam a constituir

exorbitantes dívidas com o próprio transporte, sua precária moradia, alimentação,

ferramentas de trabalho, dentre outras coisas.

E essas dívidas revelam-se mais eficientes que as antigas correntes

pois têm a capacidade de privar os empregados de suas liberdades, sob o

argumento de não ter sido quitado o débito com seu empregador.

A esses trabalhadores são impostos, o medo, a humilhação e o

sofrimento, não lhes restando nem mesmo a esperança da fuga, pois há

permanente vigilância de pistoleiros armados.

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O que se percebe é que:

Despida de sua veste mais cruel, a escravidão escondeu-se e continua agora escondida atrás das máscaras da insuficiência econômica, da desvalia social e da rusticidade inculta, a exaurir o trabalhador pela exploração da energia pessoal em nível de tratamento animalesco (REVISTA DO TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 12ª REGIÃO, 2003, p. 106)

A escravidão contemporânea, diferentemente da colonial, não está

amparada pelo Estado.

Entretanto, é tão perversa quanto, pois a situação dos trabalhadores

hoje submetidos à condição análoga à de escravo é pior do que a dos negros

durante a existência da escravidão dos séculos XVII a XIX.

Constitui desafio para um Estado Democrático de Direito erradicar

tal forma de exploração humana.

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CAPÍTULO III

A ERRADICAÇÃO DO TRABALHO ESCRAVO

CONTEMPORÂNEO NA ZONA RURAL BRASILEIRA

A escravidão

é uma chaga que assombra a humanidade desde tempos remotos. Ela assumiu ao longo da história dos grupos sociais diversas formas, mas sempre marcada pela dominação de uns pelos outros. A comunidade internacional há muito tem condenado essa instituição. A Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 é exemplo disso ao dispor que 'ninguém será mantido em escravidão nem em servidão; a escravatura e o tráfico de escravos serão proibidos em todas as suas formas [...]. toda pessoa tem direito ao trabalho, à livre escolha de emprego, a condições justas e favoráveis de trabalho”. [...] O Brasil ao ratificar essas convenções, comprometeu-se a abolir todas as formas de trabalho forçado ou obrigatório (REVISTA DO TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 12ª REGIÃO, 2003, p. 108)

E o trabalho escravo contemporâneo é repudiado não só pelo

ordenamento jurídico brasileiro, mas por toda a comunidade internacional que,

tanto rechaça a submissão do homem à condição de escravo que a Declaração

Universal dos Direitos do Homem, proclamada pela Organização das Nações

Unidas em 10 de dezembro de 1948, estabelece em seu artigo 4º que:

ninguém será obrigado à escravidão nem em servidão; a escravidão e o tráfico de escravos são proibidos em todas as duas formas.

Em seu artigo 5º, dispõe que:

ninguém será submetido à tortura, nem a tratamento ou castigo cruel, desumano ou degradante

Já no artigo 13, diz que:

todo homem tem direito à liberdade de locomoção e residência dentro das fronteiras de cada Estado

24

E no artigo 23, item 1, estabelece que:

toda pessoa tem direito ao trabalho, à livre escolha de seu trabalho e à proteção contra o desemprego.

O artigo 6º da Convenção Americana sobre Direitos Humanos

estabelece a proibição da escravidão e da servidão:

§1º Ninguém será submetido à escravidão ou servidão, e tanto estas como o tráfico de escravos e o tráfico de mulheres são proibidos em todas as suas formas.

§2º Ninguém será constrangido a executar trabalho forçado ou obrigatório. Nos países em que se prescreve, para certos delitos, pena privativa de liberdade acompanhada de trabalhos forçados, esta disposição não pode ser interpretada no sentido de que proíbe o cumprimento da dita pena, imposta por juiz ou tribunal competente. O trabalho forçado não deve afetar a dignidade nem a capacidade física e intelectual do recluso.

A Convenção n. 29 da Organização Internacional do Trabalho - OIT, de

1930, em vigor no ordenamento jurídico internacional a partir de 1º de maio de

1932 e devidamente ratificada pelo Brasil, dispõe acerca da eliminação do

trabalho forçado obrigatório, admitindo algumas exceções, tais como o serviço

militar, o trabalho penitenciário supervisionado adequadamente e aquele

obrigatório em situação de emergência, como em caso de incêndio, terremotos ou

guerra.

O artigo 2º da referida convenção, assim dispõe:

para fins da presente Convenção o termo “trabalho forçado ou obrigatório” designará todo o trabalho ou serviço exigido a um indivíduo sob ameaça de qualquer castigo e para o qual dito indivíduo não se tenha oferecido de livre vontade.

Já a Convenção n. 105, da Organização Internacional do Trabalho –

OIT,

Proíbe o uso de toda forma de trabalho forçado ou obrigatório como meio de coerção ou de educação política; como castigo por expressão de opiniões políticas ou ideológicas; a mobilização de mão-de-obra; como medida disciplinar no trabalho, punição por participação em greves, ou como medida de

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discriminação.

Em seu artigo 1º diz que:

qualquer membro da Organização Internacional do Trabalho que ratifique a presente convenção se compromete a suprimir o trabalho forçado ou obrigatório, e a não recorrer ao mesmo sob forma alguma a) como medida de coerção, ou de educação política ou como sanção dirigida a pessoas que exprimam certas opiniões políticas, ou manifestem sua oposição ideológica à ordem política, social ou econômica estabelecida; b) como método de mobilização e de utilização da mão-de-obra para fins de desenvolvimento econômico; c) como punição por participação em greves; d) como medida de discriminação racial, social, nacional ou religiosa.

Já no que diz respeito ao ordenamento jurídico brasileiro, a Constituição

da República do Brasil de 1988, em seu art. 1º, elenca como fundamentos da

República Federativa do Brasil: a dignidade da pessoa humana e os valores

sociais do trabalho e da livre iniciativa.

De acordo com o constitucionalista Alexandre de Moraes:

A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado democrático de direito e tem como fundamentos:

a dignidade da pessoa humana [que] concede unidade aos direitos e garantias fundamentais, sendo inerente às personalidades humanas. Esse fundamento afasta a idéia de predomínio das concepções transpessoalistas de Estado e Nação, em detrimento da liberdade individual. A dignidade é um valor espiritual e moral inerente à pessoa, que se manifesta singularmente na autodeterminação consciente e responsável da própria vida e traz consigo a pretensão ao respeito por parte das demais pessoas, constituindo-se um mínimo invulnerável que todo estatuto jurídico deve assegurar, de modo que, somente excepcionalmente, possam ser feitas limitações ao exercício dos direitos fundamentais, mas sempre sem menosprezar a necessária estima que merecem todas as pessoas enquanto seres humanos.

os valores sociais do trabalho e da livre iniciaitiva: é através do trabalho que o homem garante sua subsistência e o crescimento do país, prevendo a Constituição, em diversas passagens, a liberdade, o respeito e a dignidade ao trabalhador.[...] Como saliente Paolo Barile, a garantia de proteção

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ao trabalho não engloba somente o trabalhador subordinado, mas também aquele autônomo e o empregador, enquanto empreendedor do crescimento do país (MORAES, 2000, p. 48)

No âmbito do Direito do Trabalho, quem submete alguém à condição de

escravo está violando alguns princípios tais como o da pessoalidade do salário,

preceituado no art. 464 da Consolidação das Leis do Trabalho que dispõe:

o pagamento dos salários deverá ser efetuado contra-recibo, assinado pelo empregado; em se tratando de analfabeto, mediante sua impressão digital ou, não sendo esta possível, a seu rogo.

O princípio da intangibilidade do salário também está sendo

desrespeitado, pois , segundo Arnaldo SusseKind:

com a finalidade de proteger o salário contra os credores do empregado deve o princípio da intangibilidade ser invocado ainda que o credor seja o correspondente empregador; este não poderá reter parcelas de salários para cobrar seu crédito, nem requerer a respectiva penhora (SUSSEKIND, 2003, p. 449)

Também estará violando os princípios da irredutibilidade do salário,

preceituado no artigo 7º, inciso VI, da Constituição da República Federativa do

Brasil, e o da vedação da prática do truck-system, disposto nos §§ 2º e 3º do art.

462 da Consolidação das Leis do Trabalho.

Conforme Jairo Lins de Albuquerque Sento-Sé, o truck-system

caracteriza-se quando:

os gêneros alimentícios de primeira necessidade são vendidos pelo próprio proprietário rural em sua fazenda a preços acima dos de mercado e descontados do salário do obreiro ao final do mês. É o chamado sistema de barracão ou truck-system (REVISTA DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO, 2003, p. 58)

Há, ainda, violação à determinação contida no artigo 463 da

Consolidação das Leis do Trabalho que estabelece que:

a prestação em espécie do salário será paga em moeda corrente do país.

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Parágrafo único. O pagamento do salário realizado com inobservância deste artigo considera-se como não feito.

Ao dispor desta forma, o legislador pretendeu proteger o salário do

empregado,

impondo o pagamento do salário em moeda corrente do país, excluídas, naturalmente, as utilidades fornecidas nas hipóteses e condições previstas em lei e, por outro lado, prescrevendo regras de combate ao truck system, certo é que a legislação brasileira protege adequadamente o empregado, evitando que a contraprestação dos seus serviços seja efetivada em moeda estrangeira ou por meio de vales, bônus ou crédito em estabelecimentos do próprio empregador ou a este vinculados (SUSSEKIND, 2003, p. 457).

O trabalho é de tal importância que foi erigido a direito social, conforme,

conforme dispõe o artigo 6ª da Constituição da República Federativa do Brasil de

1.988:

São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, o lazer, a moradia, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.

Também dada a sua relevância, o artigo 7º da carta política dispõe

sobre os direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à

melhoria de sua condição social, onde elenca nada menos que trinta e quatro

incisos.

Não há dúvida de que hoje, o ser humano é o centro de todas as

atenções e que o que se pretende é garantir o seu bem estar social melhorando a

cada dia a sua qualidade de vida.

Conforme assevera Délio Maranhão

o quadro dramático da exploração humana, que o início do processo de desenvolvimento acarretou, não é mais tolerável nos dias que correm. A elevação do valor ético do trabalho humano, através de um longo e penoso esforço contra a desumanização da economia, é uma conquista definitiva da civilização (MARANHÃO, 1998, p. 07)

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Sobre os preceitos e princípios estatuídos no art. 5º, da Constituição da

República Federativa do Brasil, a prática da escravização viola o caput , onde está

consagrado o princípio da igualdade jurídica, o princípio da legalidade, art. 5º, II;

[...] não submissão à tortura ou a tratamento desumano ou degradante, art 5º, III;

[...] a inviolabilidade da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem, art. 5º,

X; [...] a liberdade de exercício de trabalho, ofício ou profissão, art. 5º, XIII; [...] a

liberdade de locomoção, art. 5º XV; [...] a proibição de imposição de pena de

trabalhos forçados e cruéis, art. 5º. XLVI; [...] a proibição de prisão civil por dívida,

art. 5º, LXVII.

Pois bem.

Como se vê, o grande marco na luta contra o trabalho escravo se deu

em 1988, com o advento da Constituição da República Federativa do Brasil, que

ampliou consideravelmente o papel institucional do Ministério Público, legitimando-

o para a defesa interesses transindividuais, sejam coletivos, difusos ou individuais,

que foram definidos pelo Código de Defesa do Consumidor, nos incisos do artigo

81, como segue:

I - interesses ou direitos difusos, assim entendidos, para efeitos deste Código, os transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstância de fato;

II - interesses ou direitos coletivos, assim entendidos, para efeito deste Código, os transindividuais de natureza indivisível, de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base;

III - interesses ou direitos individuais homogêneos, assim entendidos os decorrentes de origem comum.

Versa a Carta Magna, a propósito:

Artigo 127. O Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático edos interesses sociais e individuais indisponíveis.[...]

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Artigo 129. São funções institucionais do Ministério Público: III - promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos.

O Ministério Público, segundo dispõe o art. 127, da Constituição da

República Federativa do Brasil, é instituição permanente, essencial à prestação

jurisdicional do Estado, a quem incumbe zelar pela defesa da ordem jurídica, pelo

regime democrático e pelos interesses sociais e individuais indisponíveis, cabendo-

lhe, ainda, promover o inquérito civil e a ação civil pública para a proteção dos

interesses chamados meta-individuais.

Dentre as funções institucionais do Ministério Público, insculpidas no artigo

129, da Constituição da República Federativa do Brasil, destaca-se aquelas que se

aplicam, especificamente,ao Ministério Público do Trabalho, quais sejam:

a) promover o inquérito civil e ação civil pública, para a proteção dos

interesses difusos e coletivos dos trabalhadores (art. 129, III);

b) defender judicialmente os direitos e interesses das populações

indígenas (art. 129, V);

c) expedir notificações nos procedimentos administrativos de sua

competência, requisitando informações e documentos para instruí-los, na forma da

Lei Complementar n. 75, de 20 de maio de 1993 (art. 129, VI);

d) requisitar diligências investigatórias e a instauração de inquérito policial

(art. 129, VIII); e e) exercer outras funções que lhe forem conferidas, desde que

compatíveis com sua finalidade (art. 129, IX).

A Lei Orgânica do Ministério Público da União (Lei Complementar n.

75/93), após elencar suas funções institucionais, especificou os seus instrumentos de

atuação, em cujo artigo 6º tratou das competências, sendo as seguintes, as mais

afetas à atuação do Ministério Público do Trabalho:

a) impetrar habeas corpus e mandado de segurança (art. 6º, VI);

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b) promover o inquérito civil e a ação civil pública para a defesa de outros

(trabalhistas) interesses individuais indisponíveis, homogêneos, sociais, difusos e

coletivos (art. 6º, VII, d);

c) promover outras ações, quando difusos os interesses a serem

protegidos (art. 6º, VIII);

d) defender judicialmente os direitos e interesses das populações

indígenas, propondo as ações cabíveis (art. 6º, XI);

e) propor ação civil coletiva para a defesa de interesses individuais

homogêneos (art. 6º, XII);

f) promover outras ações necessárias ao exercício de suas funções

institucionais, em defesa da ordem jurídica e dos interesses sociais e individuais

indisponíveis (art. 6º, XIV);

g) manifestar-se em qualquer fase dos processos, acolhendo solicitação

do juiz ou por sua iniciativa, quando entender existente interesse em causa que

justifique a intervenção (art. 6º, XV); e

h) expedir recomendações, visando ao respeito, aos interesses, direitos e

bens cuja defesa lhe cabe promover, fixando prazo razoável para a adoção das

providências cabíveis (art. 6º, XX).

Ainda, em seu artigo 83, a Lei Orgânica do Ministério Público da União,

dispõe que compete ao Ministério Público do Trabalho:

a) promover as ações que lhe sejam atribuídas pela Constituição Federal

e pelas leis trabalhistas (art. 83, I);

b) manifestar-se em qualquer fase do processo trabalhista, acolhendo

solicitação do Juiz ou por sua iniciativa, quando entender existente interesse público

que justifique a intervenção (art. 83, II);

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c) promover a ação civil pública no âmbito da Justiça do Trabalho, para a

defesa de interesses coletivos, quando desrespeitados os direitos sociais

constitucionalmente garantidos (art. 83, III);

d) propor as ações cabíveis para declaração de nulidade de cláusula de

contrato, acordo coletivo ou convenção coletiva que viole as liberdades individuais ou

coletivas ou os direitos individuais indisponíveis dos trabalhadores (art. 83, IV);

e) propor as ações necessárias à defesa dos direitos e interesses dos

menores, incapazes e índios, decorrentes das relações de trabalho (art. 83, V);

f) recorrer das decisões da Justiça do Trabalho, quando entender

necessário, tanto nos processos em que for parte, como naqueles em que oficiar

como fiscal da lei, bem como pedir a revisão dos Enunciados da Súmula de

Jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho (art. 83, VI);

E relevantes são as condenações por dano moral coletivo, em sede das

ações civis públicas manejadas pelo Ministério Público do Trabalho, que

responsabilizam os empregadores rurais pelo exploração da mão de obra escrava de

seus empregados.

Confira-se a jurisprudência, a propósito, que segue:

RECURSO DE REVISTA - DANO MORAL COLETIVO - REDUÇÃO DE TRABALHADOR A CONDIÇÃO ANÁLOGA À DE ESCRAVO - REINCIDÊNCIA DAS EMPRESAS - VALOR DA REPARAÇÃO. O Tribunal local, com base nos fatos e nas provas da causa, concluiu que as empresas reclamadas mantinham em suas dependências trabalhadores em condições análogas à de escravo e já haviam sido condenadas pelo mesmo motivo em ação coletiva anterior. Com efeito, a reprovável conduta perpetrada pelos recorrentes culmina por atingir e afrontar diretamente a dignidade da pessoa humana e a honra objetiva e subjetiva dos empregados sujeitos a tais condições degradantes de trabalho, bem como, reflexamente, afeta todo o sistema protetivo trabalhista e os valores sociais e morais do trabalho, protegidos pelo art. 1º da Constituição Federal. O valor da reparação moral coletiva deve ser fixado em compatibilidade com a violência moral sofrida pelos empregados, as condições pessoais e econômicas dos envolvidos e a gravidade da lesão aos direitos fundamentais da pessoa humana, da honra e da integridade psicológica e íntima, sempre observando os princípios

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da razoabilidade e proporcionalidade. Na hipótese, ante as peculiaridades do caso, a capacidade econômica e a reincidência dos recorrentes, deve ser mantido o quantum indenizatório fixado pela instância ordinária. Intactas as normas legais apontadas. Recurso de revista não conhecido. (TST - RR/178000-13.2003.5.08.0117 - TRT8ª R. - 1T - Rel. Ministro Luiz Philippe Vieira de Mello Filho - DEJT 26/08/2010 - P. 643).

AUTO DE INFRAÇÃO - FISCALIZAÇÃO DO TRABALHO - AUTO DE INFRAÇÃO - LEGALIDADE DA INFRAÇÃO - Verificadas por Auditor Fiscal graves irregularidades em inspeção, com a constatação da existência de trabalhadores em condições análogas à de escravo e condições degradantes, não há que se falar em ilegalidade ou nulidade do auto de infração, que determinou a sanção pecuniária, ora impugnada. A hipótese dos autos está perfeitamente enquadrada no art. 629 da CLT, considerando-se que o recorrente foi devidamente notificado para apresentar documentação na sede do Ministério do Trabalho e Emprego. Portanto, somente após a análise dos documentos é que se poderia aferir sobre a incidência ou não da multas, considerando-se a natureza da atividade de fiscalização, cujo ato administrativo apresenta-se como vinculado, o que pressupõe, por certo, a apreciação prévia das condições, em decorrência da presunção de legalidade e legitimidade com que se reveste. Decisão de primeiro grau mantida. (TRT 3ª Região Quarta Turma 0000022-23.2011.5.03.0080 RO Recurso Ordinário Rel. Juiz Convocado Fernando Luiz G. Rios Neto DEJT 26/09/2011 P.92).

AÇÃO CIVIL PÚBLICA - CONDIÇÕES DE TRABALHO DEGRADANTES E DESUMANAS - DANOS MORAIS COLETIVOS - Nas lições de Francisco Milton Araújo Júnior, "o dano moral pode afetar o indivíduo e, concomitantemente, a coletividade, haja vista que os valores éticos do indivíduo podem ser amplificados para a órbita coletiva. Xisto Tiago de Medeiros Neto comenta que 'não apenas o indivíduo, isoladamente, é dotado de determinado padrão ético, mas também o são os grupos sociais, ou seja, as coletividades, titulares de direitos transindividuais. (...). Nessa perspectiva, verifica-se que o trabalho em condições análogas à de escravo afeta individualmente os valores do obreiro e propicia negativas repercussões psicológicas em cada uma das vítimas, como também, concomitantemente, afeta valores difusos, a teor do art. 81, parágrafo único, inciso I, da Lei 8.078/90, haja vista que o trabalho em condição análoga à de escravo atinge objeto indivisível e sujeitos indeterminados, na medida em que viola os preceitos constitucionais, como os princípios fundamentais da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III) e dos valores sociais do trabalho (art. 1º, IV), de modo que não se pode declinar ou quantificar o número de pessoas que sentirá o abalo psicológico, a sensação de angústia, desprezo, infelicidade ou impotência em razão da violação das garantias constitucionais causada pela barbárie do trabalho escravo" ("in" Dano moral decorrente do trabalho em condição análoga à de escravo: âmbito individual e coletivo - Revista do TST, Brasília, vol. 72, nº 3,

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set/dez/2006, p. 99). (TRT 3ª Região. Sexta Turma. 0000110-95.2011.5.03.0101 RO. Recurso Ordinário. Rel. Desembargador Jorge Berg de Mendonça. DEJT 28/10/2011 P.283).

HABEAS CORPUS. REDUÇÃO A CONDIÇÃO

ANÁLOGA À DE ESCRAVO. FRUSTRAÇÃO DE DIREITO ASSEGURADO NA LEGISLAÇÃO TRABALHISTA. FALSIFICAÇÃO DE DOCUMENTO PÚBLICO. DENÚNCIA DE TRABALHADORES SUBMETIDOS AO TRABALHO ANÁLOGO AO DE ESCRAVO. AÇÃO REALIZADA PELO GRUPO DE FISCALIZAÇÃO MÓVEL EM PROPRIEDADE. ALEGAÇÃO DE ILICITUDE DAS PROVAS COLHIDAS EM FACE DA AUSÊNCIA DE MANDADO DE BUSCA E APREENSÃO. INEXISTÊNCIA DE CONSTRANGIMENTO ILEGAL. DENEGAÇÃO DA ORDEM. 1. Compete ao Ministério do Trabalho e do Emprego, bem como a outros órgãos, como a Polícia Federal e o Ministério Público do Trabalho, empreender ações com o objetivo de erradicar o trabalho escravo e degradante, visando a regularização dos vínculos empregatícios dos trabalhadores encontrados e libertando-os da condição de escravidão. 2. Em atenção a esta atribuição, a Consolidação das Leis do Trabalho (artigos 626 a 634), o Regulamento de Inspeção do Trabalho (artigos 9º e 13 a 15), e a Lei 7.998/1990 (artigo 2º-C) franqueiam aos auditores do Ministério do Trabalho e Emprego o acesso aos estabelecimentos a serem fiscalizados, independentemente de mandado judicial. 3. Quanto aos documentos apreendidos e à inquirição de pessoas quando da fiscalização realizada pelo Grupo Especial de Fiscalização Móvel na propriedade em questão, o artigo 18 do Regulamento de Inspeção do Trabalho prevê expressamente a competência dos auditores para assim agirem, inexistindo qualquer ilicitude em tal atuação. 4. Ademais, na hipótese vertente os pacientes foram acusados da prática dos delitos de redução a condição análoga à de escravo, frustração de direito assegurado pela lei trabalhista e falsidade documental, sendo que apenas o relativo à falsificação de documento público é instantâneo, já que os demais, da forma como em tese teriam sido praticados, são permanentes. 5. É dispensável o mandado de busca e apreensão quando se trata de flagrante delito de crime permanente, podendo-se realizar as medidas sem que se fale em ilicitude das provas obtidas (Doutrina e jurisprudência). 6. O só fato de os pacientes não terem sido presos em flagrante quando da fiscalização empreendida no estabelecimento não afasta a conclusão acerca da licitude das provas lá colhidas, pois o que legitima a busca e apreensão independentemente de mandado é a natureza permanente dos delitos praticados, o que prolonga a situação de flagrância, e não a segregação, em si, dos supostos autores do crime. Precedente. 7. Ordem denegada.(STJ - HC: 109966 PA 2008/0143508-0, Relator: Ministro JORGE MUSSI, Data de Julgamento: 26/08/2010, T5 - QUINTA TURMA, Data de Publicação: DJe 04/10/2010)

AÇÃO CIVIL PÚBLICA. AGENCIAMENTO DE

PESSOAS PARA TRABALHO NO EXTERIOR. TRÁFICO INTERNACIONAL DE PESSOAS. INDÍCIOS. REDUÇÃO À

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CONDIÇÃO ANÁLOGA À DE ESCRAVO. 1. Os direitos fundamentais da pessoa humana devem ser preservados acima de qualquer outro. 2. Havendo indícios de que as vítimas eram mantidas no exterior, em condições de trabalho análogas às de escravo, cuja caracterização independe de coação física da liberdade de ir e vir ou mesmo o cerceamento da liberdade de locomoção, ainda que não confirmada efetivamente a existência do tipo penal citado, diante da gravidade da situação em análise e com base no poder geral de cautela do juiz, é de rigor a manutenção da decisão que obrigou os réus a se absterem de realizar e/ou intermediar, por si ou por interpostas pessoas/empresas, novas negociações destinadas a recrutar e encaminhar pessoas ao exterior e fixou multa por descumprimento. 3. Agravo de instrumento não provido, restando prejudicado o agravo regimental interposto. (TRF-3 - AI: 21150 SP 0021150-95.2012.4.03.0000, Relator: DESEMBARGADORA FEDERAL VESNA KOLMAR, Data de Julgamento: 21/05/2013, PRIMEIRA TURMA)

AÇÃO CIVIL PÚBLICA. TRABALHO ANÁLOGO AO

DE ESCRAVO. O conjunto probatório revela que os trabalhadores que prestavam serviços ao Réu não apenas não tinham CTPS assinada, mas também estavam sujeitos a condições absolutamente indignas a qualquer laborista, seja pela inexistência de equipamentos de proteção, primeiros socorros a despeito da atividade desenvolvida estar impressa de possibilidade de lesões, seja pela moradia absolutamente sem estrutura, ausência de água potável, direito à intimidade, seja, ainda, pela formação de truck system configurado na indução do trabalhador a se utilizar de armazéns mantidos pelos empregadores em preço, em regra, superfaturado, inviabilizando a desoneração da dívida. Nesse passo, devem ser julgados procedentes os pedidos afetos a obrigações de fazer e não-fazer, sob pena de multa diária. A indigitada situação deve ser veementemente combatida; considerar o trabalho em condições aviltantes como normal em face das circunstâncias de determinada região do País é transgredir a finalidade ontológica do Judiciário e fazer letra morta a legislação tutelar do trabalho. A dignidade da pessoa humana é um dos mais importantes pilares do Estado Democrático de Direito. (TRT-10 - RO: 11200481110006 TO 00011-2004-811-10-00-6, Relator: Desembargadora FLÁVIA SIMÕES FALCÃO, Data de Julgamento: 09/12/2004, 2ª Turma, Data de Publicação: 06/05/2005)

PROCESSO DO TRABALHO – AÇÃO CIVIL PÚBLICA

– REPARAÇÃO DE DANO COLETIVO – AFRONTA À LEGISLAÇÃO DE HIGIENE, MEDICINA E SEGURANÇA DO TRABALHO – TRABALHO FORÇADO – POSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO – CONFIGURAÇÃO – CABIMENTO – LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO – POSSIBILIDADE – INTERESSES COLETIVOS E DIFUSOS DOS TRABALHADORES – OCORRÊNCIA - Inexistindo dúvida

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razoável sobre o fato de o réu utilizar-se abusivamente de mão de obra obtida de forma ilegal, aviltante e de maneira degradante, com base nos Relatórios de Inspeção do Grupo de Fiscalização Móvel, emitidos pelos Auditores Fiscais do MTe, tal ato é suficiente e necessário a gerar a possibilidade jurídica de concessão de reparação por dano moral coletivo contra o infrator de normas protetivas de higiene, segurança e saúde do trabalho. Dizer que tal conduta não gera dano, impõe chancela judicial a todo tipo de desmando e inobservância da legislação trabalhista, que põe em risco, coletivamente, trabalhadores indefinidamente considerados. Os empregadores rurais, que se utilizam de práticas ilícitas, dessas natureza e magnitude, devem ser responsabilizados pecuniariamente, com a reparação do dano em questão, em atenção às expressas imposições constitucionais, insculpidas nos arts. 1º, III; 4º, II; 5º, III, que, minimamente, estabelecem parâmetros, em que se fundam o Estado Brasileiro e as Garantias de seus cidadãos. Desse modo, o pedido do autor, tem natureza nitidamente coletiva, o que autoriza a atuação do Ministério Público do Trabalho, de acordo com sua competência constitucional, podendo ser acatado, sem rebuços de natureza legal ou acadêmica, pois a atividade produtiva impõe responsabilidade social (art. 1º, IV, da CF/88) e o direito de propriedade tem função de mesma natureza, a ele ligado por substrato constitucional, insculpido no art. 5º, XXIII, pois de nada adianta a existência de Leis justas, se estas não forem observadas, ainda que por imposição coercitiva, punitiva e reparadora, que a presente Ação visa compor. REPARAÇÃO POR DANO MORAL COLETIVO JULGADA PROCEDENTE. (TRT-PA. VARA DO TRABALHO DE PARAUAPEBAS/PA Juiz Titular de Vara do Trabalho, Dr. Jorge Antonio Ramos Vieira PROCESSO nº: 218/2002, julgado em 30 de abril de 2003)

PROCESSO DO TRABALHO – AÇÃO CIVIL PÚBLICA

– REPARAÇÃO DE DANO COLETIVO – AFRONTA À LEGISLAÇÃO DE HIGIENE, MEDICINA E SEGURANÇA DO TRABALHO – TRABALHO DEGRADANTE – POSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO – CONFIGURAÇÃO – CABIMENTO – LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO – POSSIBILIDADE – INTERESSES COLETIVOS E DIFUSOS DOS TRABALHADORES - OCORRÊNCIA - Inexistindo dúvida razoável sobre o fato de o réu utilizar-se, abusivamente, de mão de obra obtida de forma ilegal e aviltante, de maneira degradante, com base nos Relatórios de Inspeção do Grupo Móvel, emitidos pelos Fiscais da DRT, tal ato é suficiente e necessário, por si só, a gerar a possibilidade jurídica de concessão de reparação por dano coletivo contra o infrator de normas protetivas de higiene, segurança e saúde do trabalho. Dizer que tal conduta não gera dano coletivo, impõe chancela judicial a todo tipo de desmando e inobservância da legislação trabalhista, que põem em risco, coletivamente, trabalhadores indefinidamente considerados. Os empregadores rurais, que se utilizam de práticas ilícitas, dessas natureza e magnitude, devem ser responsabilizados, pecuniariamente, com a reparação do dano em questão, em

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atenção às expressas imposições constitucionais, insculpidas nos arts. 1º, III; 4º, II; 5º, III, que, minimamente, estabelecem parâmetros, em que se fundam o Estado Brasileiro e as Garantias de seus cidadãos. Desse modo, o pedido do autor, tem natureza nitidamente coletiva, o que autoriza a atuação do Ministério Público do Trabalho, de acordo com sua competência constitucional, podendo ser acatado, sem rebuços de natureza legal ou acadêmica, pois a atividade produtiva impõe responsabilidade social (art. 1º, IV, da CF/88) e o direito de propriedade tem função de mesma natureza, a ele ligado por substrato constitucional, insculpido no art. 5º, XXIII, pois de nada adianta a existência de Leis justas, se estas não forem observadas, ainda que por imposição coercitiva, punitiva e reparadora, que presente Ação visa compor. REPARAÇÃO POR DANO COLETIVO JULGADA PROCEDENTE. (TRT-PA. VARA DO TRABALHO DE PARAUAPEBAS/PA Juiz Titular de Vara do Trabalho, Dr. Jorge Antonio Ramos Vieira. PROCESSO nº: 0276/2002, julgado em 30 de setembro de 2002)

Com efeito, a prática da exploração do trabalho escravo constitui

inquestionável desobediência ao respeito à dignidade da pessoa humana, cabendo

ao Ministério Público, guardião da ordem jurídica, propor ação civil pública para

defesa dos direitos dos escravizados.

E graças à ampliação constitucional do papel institucional do Ministério

Público, os empregados-escravos têm a seu lado, hoje, um aliado em potencial que

através dos inquéritos civis promovidos e das ações civis públicas propostas têm

conseguido além de libertá-los, inibir tais práticas por parte dos empregadores.

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CONCLUSÃO

A presente pesquisa objetivou refletir e esclarecer uma faceta perversa

da relação capital-trabalho que se pensou já extinta da sociedade brasileira desde

a abolição da escravatura, em 13 de maio de 1888.

Foi feita uma análise da evolução histórica do trabalho escravo no

Brasil, desde a mais remota antiguidade, até a sua abolição pela Lei Áurea,

chegando-se à conclusão de que, mesmo passados mais de cento e vinte e cinco

anos da abolição, subsiste, na atualidade, a prática da exploração do trabalho

escravo, sobretudo na zona rural brasileira, conforme denúncias e constatações

da existência de milhares de pessoas submetidas à condição de escravos ou a

ela análoga.

Nesse contexto, o trabalho dedicou-se a mostrar o que tem sido feito

pelo Estado para erradicar o trabalho escravo contemporâneo, nos moldes em

que praticado nos tempos atuais, em violação aos direitos fundamentais da

dignidade da pessoa humana e dos valores sociais do trabalho.

Restou evidente o repúdio, não só pelo ordenamento jurídico brasileiro,

mas por toda a comunidade jurídica internacional, da exploração humana, que a

Declaração Universal dos Direitos do Homem, proclamada pela Organização das

Nações Unidas em 10 de dezembro de 1948, por meio do seu artigo 4º, proibiu,

expressamente, a escravidão, a servidão.

Outras proteções sobrevieram, por intermédio, também, da Convenção

Americana sobre Direitos Humanos, pela Convenção n. 29 da Organização

Internacional do Trabalho - OIT, de 1930, a Convenção n. 105, também da

Organização Internacional do Trabalho – OIT.

No âmbito do ordenamento jurídico pátrio, a Constituição da República

do Brasil de 1988, em seu art. 1º, elenca como fundamentos da República

Federativa do Brasil: a dignidade da pessoa humana e os valores sociais do

trabalho e da livre iniciativa, além de erigir o trabalho a direito social, conforme

disposto no artigo 6º.

38

Também, dada a relevância da valorização do ser humano, o artigo 7º

da carta política dispõe sobre os direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além

de outros que visem à melhoria de sua condição social, onde elenca nada menos

que trinta e quatro incisos e os preceitos e princípios estatuídos no artigo 5º, da

Constituição da República Federativa do Brasil: princípio da legalidade, artigo 5º,

II; [...] não submissão à tortura ou a tratamento desumano ou degradante, artigo

5º, III; [...] inviolabilidade da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem,

artigo 5º, X; [...] liberdade de exercício de trabalho, ofício ou profissão, artigo. 5º,

XIII; [...] liberdade de locomoção, artigo. 5º XV; [...] proibição de imposição de

pena de trabalhos forçados e cruéis, artigo. 5º. XLVI; [...] proibição de prisão civil

por dívida, artigo. 5º, LXVII.

Ficou demonstrado que o grande marco na luta contra o trabalho

escravo se deu em 1988, com o advento da Constituição da República Federativa

do Brasil, que ampliou consideravelmente o papel institucional do Ministério

Público, legitimando-o para a defesa interesses transindividuais, sejam coletivos,

difusos ou individuais.

39

BIBLIOGRAFIA

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Emenda Constitucional nº 73 de 06 de abril de 2013.

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novembro de 1969.

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29 da Organização Internacional do Trabalho – OIT, Concernente ao Trabalho

Forçado ou Obrigatório, de 10 de junho de 1930.

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105 da Organização Internacional do Trabalho – OIT, Convenção Concernente à

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defesa do consumidor. Atualizada até a Lei nº 12.741, de 08 de dezembro de

2012.

40

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41

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http://trt3.jus.br. Link: Bases Jurídicas / Jurisprudência / Acórdãos na Íntegra.

Acesso em 20/07/2013.

43

ÍNDICE

RESUMO............................................................................................................... 5

METODOLOGIA.................................................................................................... 6

SUMÁRIO.............................................................................................................. 7

INTRODUÇÃO....................................................................................................... 8

CAPÍTULO I

TRABALHO ESCRAVO CONTEMPORÂNEO – CONCEITO E EVOLUÇÃO

HISTÓRICA.......................................................................................................... 10

CAPÍTULO II

A REALIDADE DO TRABALHO ESCRAVO CONTEMPORÂNEO NA ZONA

RURAL BRASILEIRA.......................................................................................... 17

CAPÍTULO III

A ERRADICAÇÃO DO TRABALHO ESCRAVO CONTEMPORÂNEO NA ZONA

RURAL BRASILEIRA ..........................................................................................23

CONCLUSÃO...................................................................................................... 37

BIBLIOGRAFIA................................................................................................... 39