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1 UNIVERSIDADE ANHEMBI-MORUMBI JOSÉ HENRIQUE MANO PENNA O DESIGN DE SOM PARA O PROJETO MEMÓRIA VIVA GUARANI - A CONCEPÇÃO PROJETUAL EM PRODUÇÕES FONOGRÁFICAS LIGADAS À MÚSICA DOS ÍNDIOS GUARANI SÃO PAULO 2012

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UNIVERSIDADE ANHEMBI-MORUMBI

JOSÉ HENRIQUE MANO PENNA

O DESIGN DE SOM PARA O PROJETO MEMÓRIA VIVA GUARANI - A CONCEPÇÃO PROJETUAL EM PRODUÇÕES FONOGRÁFICAS LIGADAS À

MÚSICA DOS ÍNDIOS GUARANI

SÃO PAULO

2012

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JOSÉ HENRIQUE MANO PENNA

O DESIGN DE SOM PARA O PROJETO MEMÓRIA VIVA GUARANI - A CONCEPÇÃO PROJETUAL EM PRODUÇÕES FONOGRÁFICAS LIGADAS À

MÚSICA DOS ÍNDIOS GUARANI

Dissertação de Mestrado em Design para a

obtenção do título de Mestre em Design

Universidade Anhembi Morumbi centro de

pesquisa em design

Orientador: Ana Mae Barbosa e

Co-orientador: Ricardo Nogueira Castro

SÃO PAULO 2012

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P459d Penna, José Henrique Mano O design de som para o projeto Memória Viva Guarani - a concepção projetual em produções fonográficas ligadas à música dos índios Guarani / José Henrique Mano Penna. – 2012.

153f.: il.; 30 cm. Orientador: Ana Mae Barbosa. Dissertação (Mestrado em Design) - Universidade Anhembi Morumbi, São Paulo, 2012.

Bibliografia: f.151-153.

1. Design. 2. Design de som. 3. Projeto sonoro. 4. Gravação. 5. Mixagem. I. Título. CDD 741.6

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JOSÉ HENRIQUE MANO PENNA

O DESIGN DE SOM PARA O PROJETO MEMÓRIA VIVA GUARANI - A CONCEPÇÃO PROJETUAL EM PRODUÇÕES FONOGRÁFICAS LIGADAS À

MÚSICA DOS ÍNDIOS GUARANI

Dissertação de Mestrado em Design para a obtenção do título de Mestre em Design

Universidade Anhembi Morumbi centro de pesquisa em design

Banca Examinadora:

............................................................................ Profa. Dra. Ana Mae Barbosa ............................................................................ Prof. Dr. Ricardo Nogueira Castro ............................................................................ Profa. Dra. Marcia Merlo ............................................................................ Prof. Dr. Emerson Di Biaggi Conceito: ............................................................................................................. São Paulo, .......... de ............................... de .................

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DEDICATÓRIA: À minha amada companheira de vida, pelo suporte, incentivo carinhoso e paciente; ao meu filho, fonte de inspiração pela descoberta de todos os detalhes que residem nas coisas simples; dedico esta conquista como gratidão.

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AGRADECIMENTOS Agradeço

a ajuda prestimosa de minha orientadora, Ana Mae, pela abertura com que sempre acolheu minhas idéias, pelo incentivo e pela liberdade, faculdades suas que sempre inspiraram em mim o prazer pela pesquisa.

o meu co-orientador, Ricardo Nogueira Castro, pela paciência e dedicação sempre presente no processo de dar forma a este trabalho. Sem ele certamente esta redação jamais sairia do mundo das idéias.

à Prof. Dra. Rachel Zuanon pela leitura atenta e sincera, pelas críticas e sugestões que tanto contribuíram de forma positiva para a concretização dessa dissertação.

a todo corpo docente no núcleo de estudos em design da universidade Anhembi Morumbi, em especial às Profs. Dras. Maria Luisa Paraguai, Márcia Merlo e ao Prof. Dr. Jofre darem forma a um núcleo de pesquisa integrado e participativo, centro facilitador da reflexão e circulação de idéias.

Agradeço ainda a Monica Moura, Maria Lúcia Bueno e Kátia Castilho. Existe um

pouco de cada uma nas inspirações que me moveram ao longo destes dois anos de pesquisa.

a Luis Carlos Menezes, que não entende nada de engenharia de som, mas possui rara capacidade de escutar e entender a alma das pessoas.

a meu colega e companheiro Eduardo Sampaio Viana pelo apoio, compartilhamento

e estímulo durante todo o processo.

e também a Profa. Dra. Marli Batista Ávila, coordenadora do curso de Produção Fonográfica da Universidade Anhembi Morumbi pela oportunidade, apoio e incentivo com que sempre me brindou.

a Antônia Costa pelo carinho, simpatia e atenção de todos os dias por fim um agradecimento especial a duas pessoas especiais sem as quais eu

jamais teria me aproximado deste campo de estudo a André Magalhães, companheiro de todas as aventuras, projetos e decisões que

estão descritos no terceiro capítulo nessa dissertação. a Rosely por me deixar folhear escondido, pelos idos tempos de meus seis anos, um

pequeno livro contendo fotografias maravilhosas de um povo estranho que se abraçava e se estendia pelo chão, dormia ao relento, não se vestia com roupas, não tinha geladeira nem televisão e, no entanto sorria mais do que as todas as pessoas que nos cercavam.

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Descobrimos no próprio espírito de nossa civilização, e coextensiva à sua história, a vizinhança da violência e da Razão, com a segunda não chegando a estabelecer seu reino a não ser através da primeira. A Razão ocidental remete à violência como à sua condição e ao seu meio, pois tudo aquilo que não é ela própria encontra-se em “estado de pecado” e cai então no campo insuportável do desatino. E é segundo essa dupla face do Ocidente, sua face completa, que se deve articular a questão de sua relação com as culturas primitivas.

Pierre Clastres

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RESUMO

Este trabalho relaciona a pratica projetual do design com a atividade projetual existente no ato da produção fonográfica. Assume os processos de gravação e mixagem como etapas interdependentes e intrínsecas ao processo industrial de replicação fonográfica. Para tanto, partindo do esquema ontológico do design proposto por Bonsiepe, aproxima a prática de gravação e mixagem da concepção do Design pela ótica do processo e do empenho projetual. Como estudo de caso analisa todos os procedimentos projetuais que contribuíram e foram utilizados para a concretização do áudio contido nos CDs ÑANDE REKO ARANDU e ÑANDE ARANDU PYGUÁ.

Palavras-chave: design - design de som - projeto sonoro – gravação – mixagem

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RÉSUMÉ

Ce travail met en rapport la practique projectuelle du design sonore avec l’activité projectuelle operante dans l’act de la production phonografique. Les processus d’enregistrement et de mixage sont considerés comme des étapes interdependantes et intrisèques du processus industriel de replication phonografique. Pour le faire, l’auteur pars du schéma onthologique du design proposé par Bonsiepe pour faire un raprochement de la practique d’enregistrement et de mixage avec la conception du design selon l’optique du processus et de l’enterprise projectuelle. Cela est mis en practique en analysant les procédurs projectuels utilisés dans l’elaboration de l’audio contenu dans les CDs ÑANDE REKO ARANDU e ÑANDE ARANDU PYGUÁ. Mots-clés: design - design sonore - enregistrement - mixage

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LISTA DE FIGURAS Figura 1: dados de uma sessão de pré-masterização ..................................................................... 20 Figura 2: Projeto de um CD: da concepção à produção industrial. ............................................... 21 Figura 3: fluxograma da produção musical Fonte: o autor ............................................................ 22 Figura 4 - fluxograma do percurso de deliberações.( Fonte: o autor) ........................................... 26 Figura 5: Percurso do roteiro de alternativas (fronte: o autor) ...................................................... 28 Figura 6: Menu de opções e alternativas (fonte: o autor) ............................................................... 28 Figura 7: foto e planta lateral da Sala São Paulo ............................................................................. 29 Figura 8: Curvas de audibilidade de Fletcher e Munsson ............................................................... 33 Figura 9: Técnica de animação baseada na montagem de fragmentos ........................................ 35 Figura 10: Representação gráfica de um tom puro e de um ruido ................................................. 37 Figura 11 - Diagrama ontológico do design Fonte: Bonsiepe 1997 .............................................. 44 Figura 12: Acoplamento estrutural fonte/Bonsiepe ......................................................................... 45 Figura 13: Aplicação do conceito de acoplamento estrutural aos diversos modos de escuta . 46 Figura 14: Diagrama ontológico aproximado à produção fonográfica (fonte: o autor) .......................... 48 Figura 15: Elementos projetuais e esferas de aplicabilidade ................................................................ 53 Figura 16: Genealogia da música Pop/Rock organizada por Garofalo ................................................. 60 Figura 17: zoon na figura de Garoffallo ................................................................................................. 60 Figura 18: Genealogia e interligações de gêneros e estilos da musica popular .......................... 61 Figura 19: Genealogia do Rock/Metal ............................................................................................... 62 Figura 20: Genealogia do Rock progressivo .................................................................................... 63 Figura 21: Genealogia da musica eletônica Pop .............................................................................. 64 Figura 22: Líder do coro de crianças puxa a fila, fornecendo tanto o diapasão quanto o andamento da execução musical. As crianças o seguem cantando e entram na casa de reza fazendo algumas evoluções em seu interior. (fonte: escaneado da capa do CD pelo autor) ........................................... 77 Figura 23: instrumentos comuns na prática musical da etnia Guarani: rabeca, pau de choque, tambor e chocalho (desenhos originais dos curumins feitos nas oficinas culturais na época da gavação. (fonte: escaneado do encarte do CD pelo autor) .................................................................................. 78 Figura 24: Rabeca sendo tocada no braço e apoiada no ventre do instrumentista, como era comum na Europa do período barroco. Podemos ver também o posicionamento do microfone (Microtech Geffell M-294) permitindo uma perfeita captação do corpo sonoro do instrumento. ............................ 79 Figura 25 (Abaixo):Exemplos da produção fonográfica de selos voltados para a música tradicional de várias regiões do globo. ........................................................................................................................ 80 Figura 26: Nas figuras abaixo, exemplos de produções fonográficas do selo World Music PUTUMAYO. Notar a identidade visual de cada exemplar. .................................................................. 81 Figura 27: O Nagra e sua utilização por Simha Aron ............................................................................ 82 Figura 28: Bruce Davis e Simha Arom utilizando um Nagra para gravação de campo. ....................... 82 Figura 29: Nas fotos acima o exemplo de alguns Etnomusicólogos em gravação de campo. Notar o posicionamento dos microfones face ao objeto sonoro. Com exceção da ultima, todas contam com apenas um microfone para captar o geral. ........................................................................................... 83 Figura 30: Nas figuras abaixo, duas produções estrangeiras de registro de música indígena brasileira, sendo a primeira pela Unesco e a segunda pela Ocora. Embora estes tenham servido como referência para a sonoridade de nosso projeto, o design de som dos CDs guaranis ficou bem diferente. (fonte da imagens: site da Amazon) ..................................................................................... 84 Figura 31: Diagrama de Bonsiepe aplicado à gravação fonográfica da música guarani ...................... 84 Figura 32: Esferas de restrições propostas po Tim Brown ................................................................... 90 Figura 33: Divergências e convergências ............................................................................................. 91 Figura 34: Localização das aldeias (fonte: GoogleEarth editado pelo autor) ....................................... 95 Figura 35: Dimensões da Casa de Reza (fonte: o autor) ...................................................................... 96 Figura 36: Ocupação interior da casa de Reza, ao centro, no espaço cinza ficam os músicos. (fonte: o autor) ..................................................................................................................................................... 96 Figura 37: Análise de posicionamento dos músicos (fonte: o autor) .................................................... 97 Figura 38: Disposição en fila do naipe das meninas (esquema: o autor; foto: encarte do CD) ............ 97 Figura 39: padrão de deslocamento das filas, dando passos a frente e atras, como xondaro se deslocando ao longo do interior de fila (fonte: o autor) ......................................................................... 98 Figura 40: Padrão de deslocamento em que o coro inteiro se deslocava em movimento circular. (esquema: feito pelo autor; Foto: escaneada do encarte do CD) ......................................................... 98 Figura 41: Figura de captação do padrão polar cardióide (fonte: Streicher & Everest 1998) .............. 99 Figura 42: distâncias das crianças ao microfone (fonte: o autor) ....................................................... 100

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Figura 43: Esquema ideal da transdução eletrônica onde nenhuma coloração é adicionada ao som (fonte: o autor) ..................................................................................................................................... 100 Figura 44: Coloração proporcionada pela transdução eletrônica de um equipamento (fonte: o autor) ............................................................................................................................................................ 101 Figura 45:representação da coloração adicionada pelo comb filter. (fonte: o autor) .......................... 101 Figura 46: Acima, o esquema e a série de cálculos para obter as frequencias canceladas pelo atrazo de sinal da voz das crianças em relação ao microfone.(fonte: o autor) .............................................. 102 Figura 47: tabela das frequências canceladas. Foi calculado até o 32o parcial harmônico, mas a série de cancelamentos continua pelo espectro acima (fonte: o autor) ....................................................... 104 Figura 48: Esquema de disposição dos naipes frente aos microfones cardióides. Os meninos à esquerda e as meninas à direita. (fonte: o autor) ............................................................................... 105 Figura 49: Tábua de opções (fonte: o autor) ....................................................................................... 107 Figura 50: Esquema de opções .......................................................................................................... 109 Figura 51: Prós e contras de opções .................................................................................................. 110 Figura 52: Fluxo de decisões .............................................................................................................. 111 Figura 53: Organograma do fluxo de decisões com respectivos comentários do autor ..................... 111 Figura 54: Deliberações finais sobre o evento gravação. (fonte: o autor) .......................................... 112 Figura 55: Localização da aldeia Boa Vista (fonte: Google Earth editado pelo autor) ........................ 113 Figura 56: Caminho de aprox 1,5 Km do posto indígena à aldeia Boa Vista ...................................... 114 Figura 57: Vista que se tem do Posto Indígena na entrada da reserva onde fica a aldeia Boa Vista 115 Figura 58: Interior de uma Casa de Reza ........................................................................................... 115 Figura 59: Comparação entre a distribuião de pessoas no interior da Opy em uma cerimônia cotidiana e no ensejo da gravação. (fonte: o autor) ........................................................................................... 116 Figura 60: plano parcial da aldeia Boa Vista, com a localização da casa de reza e o lugar aproximado do gerador de e da linha de transmissão de energia elétrica. (fonte: Google Earth editado pelo autor) ............................................................................................................................................................ 119 Figura 61: Fluxograma do sinal elétrico(fonte: o autor) ...................................................................... 120 Figura 62: Fluxo do sinal de audio, da captação até a monitoração (fonte: o autor) .......................... 120 Figura 63: O aparelho de gravação ADAT (fonte: propaganda do Frabricante) ................................. 121 Figura 64: Mesa de som usada para monitoração no processo de gravação .................................... 121 Figura 65: Mesa de som utilizada na etapa da mixagem (fonte: site do fabricante) ........................... 121 Figura 66: área de captação dos microfones de Overall (fonte: o autor) ............................................ 122 Figura 67: Curva de equalização de um trecho de música do primeiro CD aonde o som do maracá e o som do canto das crianças coincide. (fonte: tela do ProTools editada pelo autor)) ............................ 123 Figura 68: esquema de captação dos microfones direcionados aos naipes masculinos (esquerda), femininos (direita) e instrumentistas (ao centro) (fonte: o autor) ........................................................ 124 Figura 69: Esquema de posicionamento de microfones alternativos também utilizados de acordo com a ocasião. Microfones PZM (fonte: o autor) ........................................................................................ 125 Figura 70: Esquema geral de microfonações utilizadas ao longo das gravações que cercaram o primeiro CD (fonte: o autor) ................................................................................................................ 126 Figura 71: Modificações de microfonação adotadas para o segundo CD. Os músicos foram dispostos a uma distância maior dos microfones de Overall (fonte: o autor) ...................................................... 127 Figura 72: Comparação de posicionamento de microfones do primeiro CD (A) para o segundo CD (B) (fonte: o autor) ..................................................................................................................................... 127 Figura 73: Acima está desenhado o percurso de restrição à audiência durante as gravações. Em (A) a audiência normal do dia a dia. (B) como se dispunham as pessoas durante a gravação do primeiro CD. E (C) como a presença de pessoas se resumiu aos músicos e à equipe técnica no ensejo da gravação do segundo CD (fonte: o autor) ........................................................................................... 128 Figura 74: Fotos retiradas do encarte. O autor (de camisa amarela) posicionando os microfones dos cantores. Notar a disposição das crianças, cada naipe procura assumir a forma de meia lua. ......... 129 Figura 75: As duas fotos acima ilustram duas disposições diferentes dos cantores. A primeira é a forma tradicional de disposição dos cantores mirins para essa musica, a segunda foi organizada pelo autor com o intuito de para otimizar o processo de gravação. (fonte: encarte dos CDs) ................... 130 Figura 76: Nessa seção de gravação os percussionistas estão bem mais ao fundo, deslocados dos microfones de ‘over’(que não aparecem na foto pois estão acima do fotografo) e com o corpo dos instrumentistas de cordas protegendo seus respectivos microfones do vazamento proveniente dos instrumentos de percussão. (fonte: ebcarte do CD 2) ........................................................................ 131 Figura 77: sessão de áudio de uma das canções onde aparece registrado o click inicial da lanterna. esse click dava a dica de que estava tudo certo para gravar, ou seja: a fita estava rolando. (fonte: o autor) ................................................................................................................................................... 131

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Figura 78: Eixos cartesianos de uma mixagem (fonte: o autor) .......................................................... 133 Figura 79: Eixos cartesianos aplicados ao esquema de visualização criado por Gibson (fonte: o autor) ............................................................................................................................................................ 133 Figura 80: Exemplo de leitura do esquema proposto por Gibson (fonte: o autor) .............................. 134 Figura 81: Segundo exemplo de leitura do esquema proposto por Gibson (fonte: o autor) ............... 134 Figura 82: Visualização do esquema de mixagem do primeiro CD (fonte: o autor) ............................ 135 Figura 83: Visualização do esquema de mixagem do segundo CD (fonte: o autor) ........................... 135 Figura 84: Leituras gráficas da música xxxxx xxxx onde ocorre um movimento cirdular dos músicos (esquema retirado do Protools) ........................................................................................................... 136 Figura 85: Leitura do equilíbrio sonoro referente ao segundo CD. A disposição dos músicos mudou completamente o processo de mixagem e finalização do trabalho .................................................... 137 Figura 86: Idiossincrasias de captação do primeiro CD, reparar como o decaimento dos agudos não ocorre de modo linear como na figura acima. ..................................................................................... 137 Figura 87: Modificações sugeridas para uma re-masterização do primeiro CD ................................. 138 Figura 88: Acima a média de amplitude dinâmica dos CDs. O resultado disso é a sensação de que um Cd de musica POP soa muito mais alto. (fonte: o autor) .............................................................. 139 Figura 89: Acima comparação da média RMS do 1º Cd com o 2º CD e a média de algumas amostras de música POP.. ................................................................................................................................. 140 Figura 90: Comparação das médias RMS com o tempo total de cada música (fonte: o autor) .......... 141 Figura 91: Volumes aparente na figura de Gibson (fonte: The art of Mixing ) ................................... 142 Figura 92: Aplicação da perspectiva de Gibson nos 7 níveis de volume da rabeca (fonte: o autor) .. 143 Figura 93: Visualização de uma sessão de protools com todas as músicas relacionadas ao nível de volume aparente das rabecas. Observar que as músicas do primeiro CD recaem todas entre os níveis 1,2,e 3 Fonte: o autor) ......................................................................................................................... 144 Figura 94: Volume aparente das rabecas versus a média RMS encontrada (fonte: o autor) ............. 145 Figura 95: Capa do primeiro CD ......................................................................................................... 147 Figura 96: Capa do segundo CD ........................................................................................................ 147 Figura 97: Arte do disco, primeiro CD ................................................................................................. 148 Figura 98: Arte dos discos, segundo CD ............................................................................................ 148!

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!

INTRODUÇÃO!....................................................................................................................................!14!

1 A PRODUÇÃO MUSICAL ENQUANTO PRÁTICA PROJETUAL!...........................................!18!

1.1 OS ELEMENTOS DA PRODUÇÃO FONOGRÁFICA!........................................................!18!

1.2 SERIA DESIGN?!.....................................................................................................................!32!

1.2.1 Como legitimar a inserção da produção musical na área de conhecimento do design?!........................................................................................................................................!33!

1.3 A PRODUÇÃO MUSICAL ENQUANTO PRÁTICA PROJETUAL!....................................!49!

1.4 FUNDAMENTOS TEÓRICOS PARA UMA ANÁLISE SISTÉMICA DO DESIGN DE SOM!.................................................................................................................................................!55!

1.5 CONCLUSÃO DO CAPÍTULO!.............................................................................................!65!

2 APRESENTAÇÃO DO PROJETO FONOGRÁFICO!................................................................!67!

2.1 WORLD MUSIC E O MERCADO PARA A “MÚSICA DOS OUTROS”!...........................!68!

2.2 O CONTEXTO DA PRÁTICA MUSICAL GUARANI!...........................................................!74!

2.3 O PROJETO FONOGRÁFICO MEMÓRIA VIVA GUARANI!.............................................!79!

3 FASES DO PROJETO FONOGRÁFICO!....................................................................................!87!

3.1 PRÉ PRODUÇÃO!..................................................................................................................!88!

3.1.1 Brainstorming!....................................................................................................................!91!

3.1.2 Prototipagem!.....................................................................................................................!91!

3.1.3 Divergências e convergências!......................................................................................!105!

3.1.4 Reuniões!..........................................................................................................................!110!

3.1.5 Decisões!..........................................................................................................................!112!

3.2 PRODUÇÃO!...........................................................................................................................!116!

3.2.1 A visualização do projeto final!......................................................................................!116!

3.2.2 Seleção de equipamento!...............................................................................................!117!

3.2.3 Formas de registro e captação (microfonação)!.........................................................!122!

3.2.4 As sessões de gravação!...............................................................................................!129!

3.3 A PÓS-PRODUÇÃO OU MIXAGEM!..................................................................................!132!

3.3.1 Edições - recriando o ambiente!....................................................................................!132!

3.3.2 Análise das gravações!..................................................................................................!137!

3.3.3 Escuta coletiva – autorização e aprovação do produto sonoro!...............................!145!

3.3.4 Finalização do projeto!....................................................................................................!145!

CONSIDERAÇÕES FINAIS!............................................................................................................!149!

COSIDERAÇÕES PESSOAIS!...........................................................................................................!151!

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:!.............................................................................................!152!

!

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!

INTRODUÇÃO

Este trabalho procura relacionar a pratica projetual do design com a atividade

projetual existente no ato da produção fonográfica. Assume os processos de

gravação e mixagem como etapas interdependentes e intrínsecas ao processo

industrial de replicação fonográfica.

Para BOMFIM (1997) o design não tem um campo fixo de conhecimentos,

uma vez que se move entre as disciplinas tradicionais dependendo da natureza do

problema tratado. Trata-se de um campo de conhecimentos móvel e instável no

qual é determinado apenas o objeto de estudo – a morfologia dos objetos.

!

Figure 1a- A mobilidade dos campos de conhecimentos envolvidas na prática do Design

A música também tem forma. Não pode ser tratada como um objeto, mas

possui estrutura. A música desenrola-se no tempo, sua substância se acomoda no

fluir temporal. Portanto, a maneira de apropriação deste espaço de duração será

fundamental para a cognição das estruturas sonoras e do objeto musical em si.

Formas Musicais são modos de apresentação que regulam e dosam a maneira

como o material melódico, rítmico e harmônico será mostrado e recapitulado.

No entanto, ao longo deste estudo não estaremos tratando da forma deste

objeto musical. Não estaremos tratando da música em si, ou seja, das leis que

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regem sua estruturação interna. Nosso foco será no objeto sonoro resultante do

registro da música em algum meio físico ou digital.

A esse registro do som dá-se o nome de registro de áudio. Um objeto

imutável, que uma vez registrado não se tem mais poder de manipulação da sua

forma. Um objeto independente de sua origem, pois se encontra separado daquele

que o produziu. Objeto comercializável, podendo ser replicado industrialmente,

estocado, vendido e trocado.

Objeto físico, similar a calculadoras matemáticas, cadeiras tubulares de aço,

aparelhagens de som, enfim, similar àqueles ao qual Bonfim se refere quando trata

da vida própria que ganham ao entrar em contato com o usuário:

Finalmente é preciso recordar que a visão do designer sobre a figura do artefato que cria é distinta daquela que o usuário terá. O designer deteve-se durante tempo razoável sobre o problema, comparou alternativas, estudou premissas do cliente, limitações tecnológicas e exigências do mercado, ou seja, o designer conhece (ou pode conhecer) os fatos que antecedem e determinam a criação da figura. Por outro lado, uma vez configurado, o objeto adquire vida a partir do contato com o usuário em uma vida não necessariamente igual àquela para o qual foi planejado. O usuário estabelece com o objeto e com sua representação figurativa relações muitas vezes não consideradas no projeto. Funções afetivas, por exemplo, raramente são planejadas ou admitidas na fase de concepção de um objeto. (BOMFIM, 1997 p. 39)

Este artefato será aquilo que SCHAFFER (1997) chama de esquizofonia, o

som separado de sua origem. A Musica coisificada segundo ATTALI (2006). Seja

som esquizofônico, fonograma, produto fonográfico, ou qualquer outra denominação

adotada, nossa preocupação ao longo deste estudo residirá nas formas como o som

pode ser registrado e finalizado enquanto produto de áudio. Portanto um estudo

envolvendo questões de morfologia dos objetos de áudio.

Para tanto desenvolveremos um estudo transdisciplinar, que procurará cercar

através da revisão bibliográfica de autores situados em campos distintos como a

antropologia, a sociologia, a física a psico-acústica e a tecnologia do áudio.

Acreditamos que um produto fonográfico não pode ser entendido separado

dos meios que possibilitaram a sua criação e o seu consumo, portanto iremos focar

na!interação entre aspectos tecnológicos, estéticos, econômicos e sociais que

contribuem todos com igual importância para o processo da produção fonográfica.

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Estes aspectos, como pretendemos mostrar ao longo do trabalho, se integram

através do design.

No primeiro capitulo descreveremos em linhas gerais como se estrutura

enquanto processo uma produção fonográfica. Observaremos também os processos

sociais envolvidos na prática da gravação. Através de autores como TANKEL(1990),

CHANAN(1995), EISENBERG (2005) KEALY(1979) e IAZZETA (2009),

procuraremos dar fundamento à afirmação de que a prática da gravação e da

manipulação de áudio não remete apenas ao campo técnico mas antes tem

implicações sociais.

A seguir chamaremos a atenção para processos decisórios em projetos de

som e descreveremos os conceitos de transparência e coloração no áudio. São

estes os pontos de partida fundamentais para a concretização de qualquer projeto

de áudio. Tentaremos então, neste ponto do trabalho, justificar e legitimar a inserção

da produção fonográfica no campo do design. Para tanto iremos articular todos os

elementos previamente observados através do conceito de interface tal como o

descreve Bonfim (1997). Apoiados em MATURANA e VARELA (1995) como

forjadores dos conceitos de autopoiese e acoplamento estrutural, e LUHMANN

(1997) e (2000) como adaptador destes conceitos ao campo observação social,

arriscaremos uma explicação da evolução dos processos de mixagem e da

conformação aural de produtos fonográficos como um sistema autopoiético que se

desenvolve a si mesmo.

No segundo capítulo investigaremos as condições de mercado que permitiram

a aparição do rótulo de marketing “world music”. Fazendo uma revisão bibliográfica

sobre o assunto encontraremos em FELD (1996 e 2005), NEGUS (1999),

PEER(1999) e TAYLOR (1997) os fundamentos históricos e sociais que

possibilitaram um mercado para fonogramas de musicas tradicionais de vários

povos.

Passaremos a seguir a descrever em linhas gerais o universo da música

guarani. Será o início da discussão sobre os elementos nos quais foram baseados o

design de som para o projeto Memória Viva Guarani. Voltaremos ao conceito de

transparência sonora para demonstrar que ele foi o ponto de partida para a

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construção da ambiência sonora que cerca os CDs ÑANDE REKO ARANDU e

ÑANDE ARANDU PYGUÁ.

No terceiro capítulo procuro entender o processo de produção fonográfica dos

dois CDs como o resultado da interação de todas as suas partes, sendo o produto

final do design de som projetado para eles a resultante tangível de todo o processo

de elaboração logística, operacional e tecnológica.

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1 A PRODUÇÃO MUSICAL ENQUANTO PRÁTICA PROJETUAL

1.1 OS ELEMENTOS DA PRODUÇÃO FONOGRÁFICA

Cada projeto fonográfico tem a sua própria história, seu modo de produção,

seu tempo de maturação e consecução. Estas diferenças remetem às peculiaridades

e idiossincrasias dos diversos gêneros musicais existentes, aos aparatos

tecnológicos envolvidos no processo, às condições orçamentárias de produção e ao

cronograma de trabalho. Por conseguinte, cada produto final determina, enquanto

projeto, a especificidade de seu modo de fazer. Tentando esboçar uma

esquematização, podemos de maneira geral considerar que uma produção

fonográfica constitui um processo projetual que se estende “grosso modo” ao longo

de oito fases sucessivas:

1. Composição – Pode ser considerada como uma organização, em tempo real

ou não, de seqüências de sons, ordenadas de acordo com códigos ou

sintaxes, durando um intervalo de tempo. Pode servir de suporte sonoro a um

texto ou não. Segundo ATTALI (2006) a composição é um programa, um

molde, um algoritmo abstrato. A partitura escrita por um compositor é uma

ordem dirigida a um operador-interprete. Na esfera da musica POP a

composição é uma musica, letrada ou não, que será executada por músicos

mediante suporte gráfico (uma partitura) ou mediante a fixação baseada na

repetição e no desenvolvimento da memória muscular táctil.

2. Pré-produção – É representada pelo período de tempo em que protótipos do

produto final são elaborados. Nesta fase são produzidos e testados arranjos e

orquestrações. É a fase dos ensaios, quando a produção requer a presença

de músicos ou então fase da prospecção de timbres e loops quando o

trabalho for baseado na computação para música eletrônica popular.

Conforme ATTALI (2006) é a fase em que o interprete cria uma ordem no

espaço sonoro mediante a utilização de seu instrumento musical, assumido

como uma máquina tradutora de partituras, uma máquina para decifrar os

pensamentos codificados de um compositor.

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3. Gravação – A fixação de seqüências sonoras em algum suporte físico ou

digital. É um processo que registra e armazena sons, mediante transdução1

da variação de pressão atmosférica, em alguma configuração mecânica,

eletromagnética ou digital. Na produção musical a gravação é geralmente

feita dentro de compartimentos isolados (estúdios) onde o ambiente acústico

está controlado e foi projetado para otimizar a relação dos sons que aí

ocorrem com os equipamentos eletrônicos e digitais por onde circularão os

sinais elétricos. Existem várias técnicas de gravação, entre elas a gravação

multitrack, na qual os sinais de áudio provenientes dos instrumentos são

registrados em pistas de áudio paralelas, e a gravação por overdub, em que

cabeça de gravação se desloca para uma pista paralela permitindo que um

músico registre sua performance em sincronia com algo pré-gravado em uma

seção paralela da fita e portando se deslocando de maneira sincronizada com

a performance atual. O advento da gravação possibilitou a transformação da

composição musical em um objeto de consumo que não requer mais a

presença do interprete.

4. Mixagem – É a mistura de todos os canais envolvidos em uma produção

musical baseada nos processos de gravação multipista e/ou por overdub, e

sua redução posterior (mixdown) a um artefato sonoro que pode ter apenas

um canal (mono), dois canais (stéreo), quatro (Quadrafônico), cinco (5.1) ou

sete (7.1) se o sistema de reprodução a que se destina essa mixagem for

baseado em surround. A mixagem é um processo que integra e envolve

aspectos técnicos, sensoriais, artísticos e comunicacionais.

5. Pré-masterização – Etapa em que o ambiente sonoro de um trabalho musical

é checado e preparado para ser enviado para a planta de replicação. Aqui

todas as músicas que compõe um Cd são niveladas em suas respectivas

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!1 Transdução é a transformação de uma forma de energia em outra. Um aparelho transdutor é o barômetro, que mediante a movimentação mecânica de uma agulha ou líquido transforma em informação visual a variação da pressão atmosférica. O microfone também é um equipamento transdutor, ele transforma micro-variações de pressão atmosférica (o som) em variação de tensão elétrica. Outros exemplos de equipamentos transdutores são: Fonógrafo, que transforma a energia acústica em movimento mecânico de uma agulha, Gravador de fita magnética, que transforma a energia acústica em seqüência alinhada de partículas magnéticas.

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intensidades, para que não ocorra variação de volume muito grande entre

faixas. Toda a representação do espectro de freqüências é observada e

eventualmente ter sua representação corrigida. A ordem das faixas é

escolhida e organizada, bem como o intervalo de tempo entre elas, seus

respectivos fade-ins e fade outs. O engenheiro responsável por essa etapa

preenche também uma série de informações que servirão de orientação aos

técnicos responsáveis pelos equipamentos de replicação mecânica dentro da

fábrica.

Figura 1: dados de uma sessão de pré-masterização

Fonte: KATZ, 2002, p. 22

6. Masterização – Etapa que se desenvolve dentro da planta de replicação

industrial. As informações contidas no CD Máster produzido na etapa anterior

são transferidas para um disco matriz (Glass Master) que servirá de molde

para a produção das replicações.

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7. Replicação em escala industrial – Feita através de poderosas máquinas, que

produzem em série e em grande quantidade, cópias do CD original. Aqui ele é

embalado em seu invólucro gráfico final e é enviado para a rede de

distribuição.

Figura 2: Projeto de um CD: da concepção à produção industrial.

Fonte: KATZ, 2002, p. 17

8. Divulgação e mercantilização do produto – Uma grande network de

relacionamentos que envolvem a mídia impressa, na forma de fanzines e

revistas especializadas, mídia digital, processos de divulgação, marketing

multimídia, formadores de opinião, shows de lançamento, happenings de

promoção e divulgação em programas de rádio, TV e internet. O trabalho

musical, agora acondicionado em um suporte físico é distribuído para redes

de varejo e vendido. Nessa etapa segundo ATTALI (2006) é também, de certa

forma, produzido o consumidor.

A produção, estritamente falando, do objeto (a gravação) é

apenas uma menor parte da indústria, porque a indústria, ao mesmo tempo em que cria o objeto de troca, precisa também criar as condições para sua compra. Esta é essencialmente uma indústria de manipulação e promoção, e repetição focada no desenvolvimento de serviços cuja função é de produzir o consumidor: o aspecto essencial da política econômica que essa espécie de consumo anuncia é a produção da demanda, não a produção da oferta. (ATTALI, 2006, p. 103) [tradução nossa, grifo do autor]

As primeiras três etapas – composição (1), pré-produção (2) e gravação (3) –

representam uma primeira fase do processo, que poderemos chamar de produção

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strictu sensu. Nela, a expressão e o conteúdo musical estarão sendo criados,

experimentados e testados até que estejam maduros para o registro em alguma

mídia replicável. As fases de mixagem (4) e pré-masterização (5) referem-se a uma

segunda fase do processo, tradicionalmente conhecida como pós-produção, onde

ocorre a formatação sônica da mensagem musical. Por fim, masterização (6) e

replicação (7) estão situadas na fase final de replicação em escala, visando à

entrega e distribuição do produto final ao mercado.

Figura 3: fluxograma da produção musical Fonte: o autor

A figura acima apresenta um fluxograma que procura descrever de maneira

sintética a divisão de trabalho inerente à produção musical.

Enquanto artefato cultural, a música popular possui três componentes principais: a música, o sistema comercial responsável por sua promoção e distribuição para uma audiência de massa, e por fim a tecnologia dedicada ao registro de sons e a sua reprodução. A divisão de trabalho entre os colaboradores da música popular refletem esses componentes. Usualmente presente nas sessões de gravação em um estúdio de áudio estão os fazedores de música (musicistas, compositores, arranjadores), os marqueteiros de música (responsáveis pela posição de A&R de gravadoras ou produtores musicais), e por fim técnicos de gravação (mixadores de som). (KEALY, 1979, p. 208) [tradução nossa]

Note-se que, sendo todas as fases interligadas e interdependentes, cada

decisão tomada em uma fase específica tende a implicar cerceamentos e limites de

opções nas demais etapas. Dito de outra forma, determinadas decisões projetuais

tomadas na etapa de pré-produção (2) formatarão e condicionarão o repertório de

opções que poderão ser tomadas na fase de gravação, podendo igualmente

repercutir na etapa anterior de composição (1).

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Desta feita, se durante a fase de pré-produção decidirmos que a gravação

deverá se pautar por uma flexibilidade de tempo por parte dos executantes, ou seja

– desejarmos imprimir espontaneidade de execução ao longo dos segmentos e

partições da estrutura musical -, gravaremos, por conseguinte sem a referência de

um click2 ou metrônomo, o qual tenderia a tornar a execução mecânica. Fazendo

isso, estamos igualmente assumindo que alguns equipamentos de pós-produção

como delays3 deverão ter seu uso restrito a somente algumas passagens da música,

especificamente àquelas que mantenham um andamento uniforme. Segue ainda que

o cronograma de trabalho será afetado por aquela primeira decisão, implicando

dezenas de horas de pós-produção para reordenar os tempos e pulsos impressos no

registro para se obter a consecução de ataques simultâneos e ordenados do grupo

musical – tempo esse desnecessário caso tivéssemos optado por uma execução

inflexível com relação ao andamento musical.

Da mesma forma, se durante a fase de gravação decidirmos equalizar o som

de um instrumento ou voz, estamos assumindo como definitivo o timbre resultante,

que deverá permanecer inalterado durante todo o ato projetual de mixagem.

Dificilmente uma captação errônea de um timbre pode ser corrigida de forma efetiva

em fases posteriores; portanto, ao efetuar a equalização durante a gravação,

estamos conseqüentemente assumindo o risco de, seja em face de um erro de

julgamento ou à fadiga auditiva, registrar algo esteticamente incompatível com o

resultado final, incorrendo assim em uma falha processual que poderá vir a ser

descoberta apenas em etapas muito posteriores – quando qualquer tentativa de

correção oneraria sobremaneira o orçamento previsto.

Essa forma de produção acaba por colocar um grande poder de decisão e

julgamento nas mãos de engenheiros de som e técnicos de mixagem. Concomitante

ao processo de barateamento de equipamentos de estúdio e possibilitando com isso

sua aquisição por um numero cada vez maior de usuários, observou-se também um

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!2 Click é um pulso dado por um metrônomo. Se o tempo for de 120 bpm isso significará que a cada segundo duas unidades de pulso serão soadas. 3 Delay é o atraso de um sinal de áudio em relação a ele mesmo quando proveniente de outra fonte ou canal. Pode ser também um equipamento que gera o referido atraso nos sinais que passam por ele.

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deslocamento da função do músico para a do produtor musical. ATTALI coloca esse

fato nos seguintes termos (...) hoje em dia (...) o engenheiro de som determina a qualidade da

gravação, e um grande número de técnicos constroem e dão uma roupagem fashion aos produtos entregues ao público. Realmente, a decisão de voltar atrás em uma gravação para aperfeiçoá-la ou deixá-la como está é uma prerrogativa de ao menos dois terços dos técnicos de som, cujo critério de decisão é obviamente muito diferente daquele critério dos executores (performers) e autores. O músico é apenas um elemento contribuindo para a qualidade geral do produto; o que conta é a pureza cíclica da acústica. O resultado é uma profunda mutação do critério estético em relação aquele da representação. O espectador de uma gravação, condicionado por esses critérios de produção, também começa a requerer uma forma mais abstrata de estética. Sentado á frente de sua aparelhagem sonora, ele se comporta como um engenheiro de som, um juiz de sons. (ATTALI, 2006, p.105-106) [tradução nossa, grifos do autor]

De forma mais branda, mas nem por isso menos assertiva CHANAN (1995)

lança foco na questão de que a produção musical feita dentro dos estúdios de

gravação marca uma mudança significativa no relacionamento das pessoas com a

música. Em um ambiente onde falta a audiência, ou seja, o público e seu

conseqüente estímulo causado pelo feedback emocional, torna-se difícil evitar a

conclusão de que os engenheiros de gravação se tornaram agentes de uma

transformação que depende muito mais de seus próprios ouvidos que da

performance da execução dos músicos envolvidos. Quase como se o julgamento do

produtor musical na sala de controle substituísse o julgamento do músico perante o

microfone. Segundo CHANAN (1995) “o produtor musical tem uma tarefa e

desempenha um papel: a tarefa é ser todo ouvidos; o papel é ser o substituto da

audiência”.

Estamos então nos reportando a tomadas de decisões e formulação de

julgamentos que se deslocam daquele que executa o molde, o programa, o

algoritmo abstrato, e que desempenha todo o trabalho muscular táctil relacionado à

operação de seu instrumento para um elemento que procura vislumbrar o

acontecimento musical em seu desdobramento final, que é a fita máster entregue à

planta replicadora e à network de divulgação.

Isso tudo acontece porque de fato, na contemporaneidade, a produção

musical é um processo complexo que depende sobremaneira da divisão de trabalho.

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O advento do registro sonoro ocasionou uma mudança total nos paradigmas de

escuta musical, tornando com isso, e para sempre, definitiva a separação entre

músicos profissionais, amadores e ouvintes. A disseminação desse produto ao longo

de anos e anos de gravações acabou por criar a figura de um ouvinte especialista,

gabaritado para julgar as mais leves nuances sonoras atreladas aos variados

gêneros musicais que foram se estabelecendo no decurso dos últimos sessenta

anos. Como IAZZETTA coloca: O ouvinte nasce ao mesmo tempo em que é expurgado da prática

musical. Sua função, entretanto, não é menos complexa que a do músico. O ouvinte surge como outro tipo de especialista, capaz de distinguir sutilezas entre diferentes performances e dar conta de um amplo repertório composicional. Torna-se um crítico exigente e a atividade de escuta, até então descompromissada e integrada à vivência da música, transforma-se num ato de contemplação, de atenção dedicada e, às vezes, de devoção. Se, por um lado, ouvintes e músicos amadores tornaram-se observadores da produção musical, por outro, constituem-se como um público participativo e atuante no sentido de julgar a qualidade estética musical, de acordo com o gosto da época. (IAZZETTA, 2009, p. 47)

Iremos então, no presente trabalho, procurar descrever o processo de

formatar produtos audíveis para esse público consciente e especializado. Para tanto,

investigaremos a qualidade fundamental dessa produção que é a existência de um

projeto de áudio. Sem um projeto bem definido qualquer produção musical calcada

no registro de áudio corre o risco de tornar-se um retumbante fracasso.

Observemos alguns motivos pelos quais essas produções requerem um

projeto. No processo do registro de áudio, muitas vezes nos deparamos com

situações nas quais não se consegue reverter o resultado sonoro para um ponto ou

característica anterior, ou seja, acabamos por estar em um ponto sem retorno. Uma

vez percorrido um determinado caminho, esse percurso forçosamente determinará o

resultado final.

Para se chegar a um resultado qualitativo chamado E1, devemos

necessariamente partir de uma situação inicial A1, cumprir corretamente as etapas

B1, C1 e D1 para que o resultado sonoro seja reconhecível por uma gama de

ouvintes como sendo o fornecido pelo resultado E1. Não é possível chegar à

resultante sonora E9 tendo como ponto de partida as variáveis sonoras pertinentes à

configuração A1. Seguindo o mesmo raciocínio, para que cheguemos

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satisfatoriamente no resultado sonoro de E10 temos necessariamente de partir de

uma seleção de variáveis contidas em uma configuração inicial de variáveis

denominada A3.

Figura 4 - fluxograma do percurso de deliberações. ( Fonte: o autor)

Assim, se a resultante sonora E1 possui um elevado grau de “feeling”

integrativo entre os músicos, se o propósito de "ser" dessa musica é construir - a

partir de uma improvisação coletiva - uma ponte emocional com o ouvinte, então o

ponto de partida não poderá se dar em um estúdio que trabalhe exclusivamente com

técnicas de gravação por overdub. Para que exista um grau satisfatório de

integração no processo de improvisação é necessário que os músicos gravem em

um mesmo espaço arquitetônico, que se escutem satisfatoriamente, que se olhem e

que respirem juntos o mesmo groove, a mesma vibe, o mesmo elã musical. Não se

consegue essa resultante E1 partindo de uma gravação segmentada onde a

composição final seja baseada na junção de fragmentos, como usualmente o é no

sistema de produção da canção POP, ao se fazer uso extremo do overdub. A

resultante sonora E1 é um todo orgânico e para isso é necessário que essa

organicidade parta da integração imediata e em tempo real entre os músicos no

instante mesmo em que estão compondo. Exemplos dessa variante sonora são os

discos de Jazz. Não faz sentido gravar cada musico separadamente porque no

instante mesmo em que eles praticam sua musica, cada um colabora com o outro

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trocando informações de ordem rítmica, melódica e harmônica. Se apoiando uns aos

outros também em aspectos de ordem emocional, nas intenções residentes em uma

frase em crescendo ou diminuendo, num fraseado outside, na proposição de um

ritmo conflitante ou em outro que apóie temporariamente o despertar de outra idéia

musical.

Entende-se melhor a situação acima na descrição feita por Stephen

Nachmanovitch do processo que eventualmente nasce da integração entre dois

músicos: A beleza de tocar junto é encontrar-se em unidade. É assombrosa a

freqüência com que, dois músicos se encontrando pela primeira vez, provenientes talvez de antecedentes e tradições muito diferentes, e antes de haver trocado duas palavras começam a improvisar juntos uma música que demonstra integridade, estrutura e clara comunicação.

Toco com meu companheiro; escutamos-nos um ao outro; vemos-nos cada um no espelho do outro; conectamos-nos com o que ouvimos. Ele não sabe aonde eu vou, eu não sei aonde ele vai, não obstante antecipamos, sentimos, conduzimos e seguimos um ao outro. Não convencionamos nada com respeito à estrutura ou à métrica, porque começamos algo novo.

Abrimos nossas mentes como em uma série infinita de jogadas de adivinhação. Uma misteriosa classe de informação flui daqui para lá, mais rápida que qualquer sinal visual ou sonoro que possamos dar. A obra não vem de um artista ou do outro, ainda que nossas próprias idiossincrasias e estilos, os sintomas de nossas naturezas originais, seguem exercendo sua influencia natural. Tampouco vem esse resultado de um ponto convencional ou eqüidistante, a não ser de um terceiro lugar que não é necessariamente como o que traçaríamos individualmente nenhum dos dois.

O que chega é uma revelação para ambos. Existe um terceiro estilo que nos impulsiona. É como se nos tivéssemos convertido em um organismo grupal com natureza própria e própria forma de ser, a partir de um lugar único e impredizível que é a personalidade grupal ou o cérebro grupal. (NACHMANOVITCH, 2006, p. 112) [livre tradução nossa]

Nas figuras a seguir encontramos um roteiro para melhor visualizar as

alternativas projetuais e os resultados provenientes da adoção deste ou daquele

caminho. Na figura 5 temos um fluxograma representando o roteiro de alternativas.

As letras representam as etapas conseqüentes ao desenrolar do processo. As cores

estão codificadas de modo a representar a continuidade ou o fechamento de

alternativas projetuais. A cor vermelha significa o termino do processo. A partir

desse ponto não existe mais evolução. As cores verde, amarela e laranja codificam

as etapas evolutivas que levam ao resultado final.

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Figura 5: Percurso do roteiro de alternativas (fronte: o autor)

Procuramos descrever a situação de uma gravação ao vivo que se têm como

primeiras alternativas a escolha entre gravar ou em estéreo, ou com múltiplos

microfones ou ainda com apenas um microfone. Dependendo da opção escolhida, o

caminho se abrirá, ou não, em novas alternativas processuais. O roteiro que

quantifica uma abertura maior de possibilidades de finalização de um hipotético

produto é o representado pela série A1-B2-C2-D4, pois ainda permite a escolha

entre as alternativas E4, E5a, E5b ou E6.

Figura 6: Menu de opções e alternativas (fonte: o autor)

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Outra situação é descrita pelo exemplo que se segue, quando o sound

designer almeja transparência4 e identidade sonora com o que seria a escuta de um

quarteto de cordas a partir do posicionamento de um ouvinte situado na segunda

fileira de um teatro com 20.000 m³ de volume (o auditório da sala São Paulo). Tal

resultado sonoro para ser efetivo, deve ser planejado, e, de forma alguma será

alcançado através do posicionamento de apenas um microfone na posição proposta

para esse ouvinte. Se o profissional de áudio realmente sabe o que quer, deve,

desde o princípio do dirigir seu projeto de som para a alternativa final auto-imposta

como meta.

Figura 7: foto e planta lateral da Sala São Paulo

(Fonte: Benarek 2004)

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!4 O conceito de transparência remete diretamente a outro conceito que é o de coloração, sendo obviamente um o antônimo do outro. O significado de coloração em áudio é uma levíssima transformação do som ao passar pelos circuitos de todo e qualquer dispositivo eletrônico. Como cada componente é feito de material diferente, com especificações variáveis dependendo do fabricante e do projeto, o sinal de áudio, ao trafegar por esses dispositivos sofre uma pequena distorção em relação ao original. Quando a produção requer transparência, obviamente faz-se necessária a utilização de aparelhos que adicionem o mínimo de distorção ao som original.

Miguel Ratton descreve a coloração como sendo o termo usado para designar a desuniformidade na resposta de freqüências, que resulta em distorção da qualidade tonal do som original (RATTON, 2004, p.36) [grifo do autor].

É muito importante frisar que essa característica não é má em si mesma. Muitas vezes o que se quer é justamente acrescentar a coloração de tal equipamento ao som que está sendo produzido. Um exemplo disso é a recente demanda por equipamentos valvulados, A válvula imprime um tipo de distorção ao sinal original que é completamente diferente da distorção acrescentada por um equipamento transistorizado. O sinal é o mesmo, mas tem uma “coloração” diferente. Essa característica será muito importante como veremos mais a frente, para codificar o ambiente sonoro

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Ao escolher um par de microfones AKG C-414 para serem posicionados em

posição close mic5 acima dos violinos e um par de NEUMANN TLM-103

direcionados para a viola e o violoncelo também em close mic, o sound designer o

faz porque tem consciência de que este é o melhor caminho para chegar a sua

meta, em outras palavras, sabe determinar através de seu conhecimento técnico,

seus juízos estéticos a melhor alternativa projetual para chegar ao resultado

almejado. O sound designer conhece a sonoridade dos instrumentos em questão,

sabe como é radiado o conjunto de freqüências que daí emana, conhece a

sonoridade que os instrumentistas tiram em particular desses instrumentos, conhece

a resultante (coloração) sonora da transdução feita por um modelo específico de

microfone, analisou a componente acústica do ambiente onde a musica será

gravada e possui conhecimento sobre o modo de escuta particular dos potenciais

ouvintes, aqueles que comprarão o álbum.

No caso específico, a escolha do microfone AKG C414 acima dos violinos

deve-se à coloração um pouco mais velada que esse microfone imprime nas regiões

agudas do espectro sonoro das notas de um violino. Se fosse usado um NEUMANN

TLM-103 esse brilho seria ressaltado pois esse microfone imprime uma coloração

muito grande nas regiões correspondentes a esse espectro nos violinos. O uso de

um TLM-103 poderia tornar o timbre do violino muito mais brilhante que o som

natural do instrumento, já o C-414 tenderia a neutralizar um pouco essa tendência,

tornando a manipulação posterior um pouco mais fácil.

Seguindo este mesmo raciocínio, ao optar pela utilização de um TLM 103 na

viola e no Violoncelo, o sound designer esta procurando imprimir no registro sonoro,

desde o inicio do processo, uma valorização dos harmônicos superiores destes dois

instrumentos. Caso a escolha de microfones recaísse sobre outros (por exemplo, os

mesmos AKG C414,) a intensidade de freqüências acima de 2.000 Hz certamente

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!5 Close Mic é uma técnica na qual um microfone é colocado bem próximo a um instrumento musical. Dessa maneira o microfone capta o som direto com uma intensidade muito maior do que possíveis reflexões do ambiente onde está sendo executada a gravação. A característica sonora dessa técnica é que som do instrumento transmite uma sensação muito grande de proximidade embora o timbre fique um pouco prejudicado se o instrumento tiver uma grande dimensão, por exemplo, o piano, fagote, sax barítono, clarone, vibraphone, etc..

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deveria ser incrementada durante o processo de mixagem para que viola e cello

brilhassem e aparecessem com maior definição no blend da execução.

Ao proceder dessa maneira, no entanto, o sound designer estará imprimindo

uma espécie de marca d’água sonora, que nada mais é que a coloração específica

que um equipamento de áudio imprime no sinal que passa por ele. Recapitulando

então, a escolha desses dois microfones faz parte de um processo projetual visando

um produto final que tenha como característica as seguintes qualidades: completa

transparência e identidade sonora com a de um ouvinte sentado na platéia de um

teatro.

Nos exemplos sonoros [1, 2 e 3]*6, para um mesmo trecho do registro de um

quarteto de cordas encontramos quatro posicionamentos de microfones diferentes.

No primeiro exemplo escutamos o som através de quatro microfones posicionados a

40 cm dos respectivos instrumentos: um cello, uma viola e dois violinos. Ainda pode

ser considerada uma captação por “close mic”. No segundo exemplo temos um par

de microfones posicionados a 1,50 m de distancia destes mesmos instrumentos,

dirigidos cada qual para uma posição intermediaria entre uma dupla de instrumentos

divididos segundo o critério da tessitura que atingem: o primeiro microfone voltado

para um ponto intermediário entre os dois violinos, e o segundo microfone para uma

posição intermediaria entre a viola e o cello. No terceiro exemplo escutamos uma

microfonação Decca Three7 a aproximadamente 3,40 metros dos instrumentos. No

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!6 Localizados no Pen Drive do encarte que acompanham esta dissertação. 7 Decca Three é uma técnica de microfonação em estéreo desenvolvida pelos engenheiros de som da gravadora britânica Decca Records.. Três microfones omnidirecionais presos a um suporte em forma de “T” são colocados a aproximadamente um metro e meio acima da cabeça do regente. O sinal que passa pelos três microfones são direcionados respectivamente para os canais Esquerdo, Centro e Direito.

Figura 7b: esquema da microfonação Decca Three (fonte: Streicher & Everest 1998)

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quarto exemplo temos dois microfones posicionados no meio do teatro, direcionados

para o fundo e não para o palco, ou seja, de todas as microfonações esta é a única

que não captará o som direto dos instrumentos, mas tão somente a reflexão sonora

proposta pelas paredes.

Decidir a maneira pela qual o consumidor irá escutar essa peça faz parte de um

processo de tomada de seguidas decisões. Que microfones estão fornecendo um

sinal de áudio coerente com o conceito de fidelidade sonora. Qual ajuste de volume

(balanço) entre os sinais provenientes dos canais gravados representará para

aquele ouvinte especializado a mistura ideal de proporções? Qual nível de reflexão

sonora proveniente das paredes do teatro nos fornece a ambientação mais

adequada para colocar o nosso hipotético ouvinte na primeira fileira do espetáculo

musical? Como veremos a seguir, a resposta a essas questões pertence à esfera da

existência ou não de um projeto de som. Pertenceria essa problemática ao campo

do design?

1.2 SERIA DESIGN?

O presente trabalho se propõe a descrever o design de som pelo qual se

pautou o projeto de produção de dois artefatos industriais de veiculação de áudio: os

CDs ÑANDE REKO ARANDU e ÑANDE ARANDU PYGUA. Como no enunciado da

proposta acima foi introduzida a palavra “design” e não falamos simplesmente sobre

o projeto de gravação e mixagem do repertório musical de uma etnia indígena,

sentimo-nos obrigados então a, pelo menos de maneira brevíssima, orientar o leitor

sobre o que entendemos por design e clarificar como podemos operar a junção

desta com o conceito de áudio implícito na palavra som – design de som.

De antemão advertimos que o campo do Design é coberto por uma série de

significados nem sempre congruentes. Investigando uma série de autores como

CARDOSO, FORTY, BROWN, SUDJIC, FLUSSER, HESKET T, BONSIEPE

pudemos constatar como é grande a ramificação do campo de atuação do design

enquanto prática e teoria. Através do design são gerados diariamente uma série

imensa de artefatos materiais, imateriais, comunicacionais. Verdadeiras entidades

repletas de significado, forjadoras de identidades, passíveis de tempo de uso,

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valoração e codificação. Segundo HESKET (2008) é uma palavra bastante comum,

cujo significado possui uma série de incongruências, apresenta inúmeras

manifestações e carece de limites que lhe emprestem clareza e definição.

Por si só, a palavra design se reveste de tantas camadas de significados, está

presente em tantos discursos divergentes, que, de início, sua discussão suscita

inúmeras fontes de mal entendidos. Design pode indicar uma ação ou processo,

pode ser um substantivo que indique o conceito geral de uma área (O DESIGN) ou

então que veicule a idéia de projeto ou proposta. Pode ainda cumprir a função de

adjetivar um nome, idéia ou proposta, de acordo com a ocorrência em enunciados

veiculados diariamente na mídia (SOUL, o carro design; Hair design; Fashion

Design).

1.2.1 Como legitimar a inserção da produção musical na área de conhecimento do design?

O sistema auditivo dos seres humanos tem um poder de processamento de

informações limitado. Um imperativo biológico assenta nossa percepção auditiva

numa faixa do espectro de freqüências que vai de 20hz a 20khz, aproximadamente,

dependendo da pessoa, idade, estilo de vida e maneira como está sujeita a

exposição dos sons. Estudos comprovam que garçons trabalhando em ambientes

ruidosos, professores de academias de ginástica estão sujeitos a sérias perdas

auditivas. Chamamos essa faixa de espectro sonoro de janela de audibilidade.

Figura 8: Curvas de audibilidade de Fletcher e Munsson Fonte: HENRIQUE, 2002, p. 868.

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Ocorre que, em um registro de áudio, na etapa da mixagem, durante o

processo de acomodação de suas partes – vários instrumentos gravados

separadamente, ao se colocarem elementos sonoros atuando em regiões muito

próximas no espectro de freqüências, um fenômeno psico-acústico chamado efeito

mascaramento se fará presente. Como explica Fábio Henriques, mascaramento é o

efeito subjetivo que o ouvido humano apresenta no qual a presença de um som nos impede de ouvir um outro. Quando certa componente de freqüência tem volume alto, o ouvido é incapaz de ouvir as freqüências próximas a ela que estejam com volume menor. O fenômeno é tão mais intenso quanto maior a diferença de volume e menor a distância entre as freqüências. Um efeito típico é a frase “quando aumento a guitarra o piano somo” ou vice-versa. Embora seja um problema comum em mixagens, pode ser usado em nosso benefício. Nos tempos da fita analógica podíamos usar o mascaramento gravando um chocalho em trechos mais vazios da música para encobrir o chiado da fita. Também é graças à sensibilidade humana ao mascaramento que os algoritmos de redução de dados usados para a conversão em mp3 e nos mini-discs funcionam, pois se baseiam nesse fenômeno. (HENRIQUES, 2007, p. 33)

Além disso, para uma mensagem musical chegar ao ouvinte, da maneira

como se organizou o processo de produção musical, somente contando com um

responsável por formatar e filtrar o universo sonoro. Quotizar a quantidade de

informações que serão passadas aos ouvintes.

Já vimos como é construído um produto da produção musical. Ele segue uma

orientação que guarda uma grande identidade com a produção de animações tais

como eram executadas antes da era digital.

Temos um objeto em primeiro plano, uma árvore; um objeto em plano médio,

uma casa; e ao fundo, como background uma paisagem. No meio disso tudo temos

a imagem de uma ação se desenrolando – um menino correndo com um cachorro.

São imagens e quadros que, separados entre si não transmitirão a idéia de um

enredo. Quando estas imagens são acopladas umas as outras pelo poder

aglutinador de uma câmera de filmagem, a ação e o enredo vêem a tona, se fazem

presentes. A gravação por overdub se aproxima desse exemplo. A imagem final e o

enredo somente se concretizarão quando o sound designer ligar todos os elementos

que compõe o quadro geral nas suas devidas proporções de balanço.

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Figura 9: Técnica de animação baseada na montagem de fragmentos Fonte Streicher & Everest

Para compor um quadro sonoro coerente o designer de som trabalhando com

produções fonográficas precisa selecionar timbres, filtrar uma determinada região do

espectro de freqüências do áudio de um instrumento, amplificar o volume do áudio

que contém o registro da execução de outro em determinado momento da música,

escolher equipamentos que sejam apropriados a cada uma dessas tarefas. Ao

mesmo tempo precisa conhecer as exigências do público e entender a mensagem

“impressa” em uma matéria prima sempre em mutação – afinal, cada música é

diferente da outra, mesmo contando com a mesma instrumentação e mesmos

participantes. Sob este aspecto, o sound designer para fonogramas trabalha sobre

um substrato em perpétua mutação, pois sempre atua em cima de materiais novos,

músicas novas, propostas novas, instrumentos musicais recém criados pela

indústria, nova geração de cantores, enfim, o sound designer age em perpétua

inovação, pois o campo musical se move sempre nessa direção.

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O trabalho do responsável pela mixagem de som representa o ponto onde a música e a moderna tecnologia se encontram. Uma pessoa responsável pela mixagem (sound mixer) precisa conhecer as características de milhares de microfones e uma variedade de ambientes acústicos, e também saber como empregá-los para que o registro do áudio de um instrumento seja o melhor possível; as capacidades e aplicações de um vasto leque de equipamentos processadores de sinal, como câmaras de eco; as capacidades físicas da mídia de gravação (como discos e fitas magnéticas) para a aceitação e reprodução do som; a operação de várias máquinas de gravação; e finalmente, como balancear ou misturar em uma mesa de som os impulsos elétricos que chegam à sala de controle através de uma grande variedade de sons que acontecem em tempo real e sons que foram previamente gravados com a função de produzir um produto final que contenha uma efetiva e reconhecível experiência musical. (KEALY, 1979, p. 208) [tradução nossa]

A citação acima pode parecer puramente técnica, mas na verdade não existe

uma equação matemática para o equilíbrio “perfeito” entre os componentes de uma

música. Esse balanço se fará pelo acoplamento estrutural entre ouvinte e produto

musical.

No entanto, poderíamos eventualmente nos opor à proposição de que a

atividade de manipular sons e equipamentos eletrônicos de áudio pudesse se

enquadrar no campo do design. Como base para esse raciocínio está o pensamento

de que a prática da engenheira de som é uma atividade puramente técnica, não

ancorada em fundamentos estéticos, comunicacionais ou projetuais - pela simples

constatação de que essa prática não gera produtos manipuláveis pelo tato ou pela

visão.

Portanto, a primeira oposição à inclusão do som no campo do design viria da

afirmação de que somente os sentidos da visão e do tato seriam passíveis de serem

servidos pelo design. Design significa desenho, formatação de formas apreendidas

pela percepção retinal, portanto o campo do design não pode tratar de temas que

tenham o som como matéria prima ou fundamentação, pois que afinal o som se

compõe de movimento temporal, deslocamento de moléculas de ar e é apreendido

unicamente pela percepção auditiva. Não podemos desenhar o som, somente

representá-lo por meio de formas limitadas e dependentes de convenções e códigos

apreendidos por poucos especialistas. Não se vê uma música. Não podemos tocar

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com as mãos a suave ondulação seqüencial de um som senoidal puro ou as

“ranhuras e nervos” de um ruído aleatório.

Figura 10: Representação gráfica de um tom puro e de um ruído Fonte Menezes, Caldas Neto e Motta p.178

Temos então aí uma oposição entre dois sentidos que, em verdade são

utilizados, ou deveriam ser utilizados segundo Schaefer, pelos seres humanos, sem

hierarquia, com igual importância, para apreender e se relacionar com o meio que o

cerca.

A proposição acima também apresenta implicitamente a objeção ao

enquadramento e classificação da engenharia de áudio no campo do design por

uma questão semântica. Parte do princípio de que a atividade de gravação e

mixagem é componente de uma área essencialmente técnica. Somos refratários a

essa visão. E achamos que a própria autodenominação8 dos profissionais da área

leva a esse tipo de conceito. Por esse motivo evitaremos ao máximo utilizar a

nomenclatura (técnico de som) ou (engenheiro de som) para a atividade projetual do

design de som.

Sugerimos nesse ponto do trabalho, a audição de três mixagens diferentes de

uma mesma música [exemplos musicais 4,5 e 6]. Em nenhuma delas o “produto

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!8 Como discutiremos posteriormente, KEALY (1979) apresenta um panorama histórico do desenvolvimento da profissão e mostra como, através dos anos o nome e suas exigências foram se movendo da área puramente técnica para uma concepção artística e criadora a partir de meados dos anos 1960. Seu estudo é de 1979 e acreditamos que ao longo dos anos posteriores a profissão foi deslocando ainda mais o seu eixo de preocupações, até chegar ao que é hoje: design de som.

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final” contém distorção harmônica ou sobre-carregamento do nível de áudio

(overload). No entanto, a primeira, apesar de tecnicamente impecável, não causa

acoplamento algum com o ouvinte, pois foi projetada para causar estranhamento e

ininteligibilidade. A segunda, apesar de causar reconhecimento auditivo está

tecnicamente errada, pois alguns instrumentos – individualmente – então com

overload no seu respectivo canal de áudio, embora o ouvinte não perceba isso.

Somente a terceira está correta técnica e comunicacionalmente.

Uma segunda oposição viria de um dos meios mais tradicionais do design, e no

bojo de um histórico núcleo de pesquisa ao qual se deve a própria existência do

campo do design – o design industrial. Existe uma visão, já ultrapassada, conforme

foi observado por vários autores como CARDOSO, BONSIEPE, FLUSSER, FORTY

apenas para citar alguns, de que o campo do design é restrito ao projeto de produtos

materiais e à solução de problemas decorrentes de sua implantação no processo de

reprodução em massa por grandes plantas industriais. Como se o campo do design

se aplicasse somente à produção de produtos materiais e fosse decorrente

fundamentalmente da implantação do processo de produção industrial dos objetos.

Indo nesse mesmo sentido, outro campo tradicional do design – o design

gráfico – também poderia postular que o conceito de projeto se aplica somente à

organização da visualidade de informações contidas em objetos ou mídias

impressas. Para esse nicho a organização e apresentação das informações

acondicionadas em rótulos, cartazes, placas, novamente informação apreendida

pelos sentidos da visão teriam primazia no estudo do campo.

Por fim, como é muito discutido e criticado por Bonsiepe, a palavra design, em

decorrência de utilização larga e farta por uma grande parcela da sociedade

moderna, acabou tornando-se um termo curinga, depositária de tantos significados

díspares que acabou por se esvaziar em significação ao desígnio e perder seu mais

profundo sentido, o de projeto. Para Bonsiepe a palavra design

(...) a partir da década de 1990, foi perdendo seu significado original e adquirindo outras conotações, como o divertido (fun design), caro, superficial, extravagante, efêmero, caprichoso e emotivo. Associou-se a moda, festas e eventos midiáticos. Perdeu rigor e transformou-se em termo curinga, não contribuindo para consolidar a profissão dos projetistas de produtos e dos programadores visuais. (BONSIEPE, 2011, p. 13)

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Entretanto, podemos notar que mesmo esse autor, por vezes talvez pela força

do hábito, tão inserido no campo, deixa escapar a inevitável aderência do termo à

necessidade de consolidar a “profissão dos projetistas de produtos e dos

programadores visuais”.

O mesmo autor se coloca posteriormente apontando que o domínio do design

é passível de manifestação em qualquer área do conhecimento humano. Sim, ligado

ao corpo e ao espaço, particularmente ao espaço retinal, porém não se limitando a

ele.

Nossa proposição é que a organização da sonoridade do produto fonográfico

constitui-se em um processo projetual podendo ser efetivamente abarcado pelo

campo do design. Podemos encontrar várias razões para isso:

Em primeiro lugar pela própria essência da produção fonográfica, que se

concretiza, como vimos anteriormente, através de longo processo calcado na divisão

do trabalho, na replicação para um número muito grande de usuários e a

necessidade constante de desenvolvimento de novos produtos.

Rafael Cardoso, tratando do surgimento do design mostra como ele é fruto de

três processos históricos que se desenvolvem ao longo do século dezenove e início

do século 20: (1) A industrialização, pautada pela reorganização da fabricação e

distribuição de bens para suprir através da diversificação de produtos, um leque

cada vez maior de consumidores. (2) A Urbanização moderna com a conseqüente

concentração de população em grandes metrópoles e (3) a integração de redes de

comércio, transportes e comunicação, assim como dos sistemas financeiro e jurídico

representadas pela Globalização. Como descreve Cardoso,

Na concepção mais ampla do termo “design”, as várias ramificações do campo surgiram para preencher os intervalos e separações entre as partes, suprindo lacunas com projeto e interstícios com interfaces (CARDOSO, 2008, p. 23)

Ainda segundo Cardoso, complementando a proposição acima,

O cruzamento de dados de ordem econômica e cultural com outras informações de natureza tecnológica e artística faz-se essencial para dar sentido à diversidade de manifestações do design em diferentes contextos. (CARDOSO, 2008, p. 56)

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Uma ressonância dessas constatações pode ser encontrada na descrição que

IAZZETTA (2009) faz das etapas de mediação tecnológica e da atenção que os

profissionais da área brindam a recepção das informações musicais e extra-musicais

por meio do aparato sensório-motor dos ouvintes:

(...) deve-se considerar que o aumento das etapas de mediação tecnológica, que ocorre hoje entre a 'performance' musical e a situação de escuta, forma uma cadeia de novos “arranjadores” que emprestam suas escutas ao processo de produção fonográfica e agem diretamente sobre o resultado. São os produtores, diretores de gravação e engenheiros de áudio que fabricam a teia sonora das gravações atuais. Independentemente da formação musical desses profissionais, sua atenção recai sobre aspectos que seguramente não são os mesmos que, a princípio, configuram o que se tem como fundação da obra musical, seja em suas perspectivas estéticas, formais ou estruturais. Questões mercadológicas e técnicas à parte, sua atenção está muito mais focalizada em aspectos ligados à experiência da escuta (qualidades acústicas, coloração instrumental, efeitos e texturas sonoras, movimento, ritmo, gesto), ou seja, mais voltados à recepção por meio do aparato sensório-motor dos ouvintes, do que de conotação mais abstrata da música, os quais geralmente estariam na base de preocupações de caráter musicológico ou composicional. (IAZZETTA 2009, p. 59)

O que por sua vez, reverbera novamente, nas palavras de Cardoso:

O trabalho do designer pode ter surgido organicamente do processo produtivo e da divisão de tarefas, mas sua consagração como profissional viria não do lado da produção, mas do consumo. Foi o reconhecimento proporcionado pelo consumidor moderno que projetou o designer para a linha de frente das considerações industriais. (CARDOSO, 2008, p. 73)

Enquanto para TANKEL (1990) o produtor assume julgamentos estéticos que

normalmente fariam parte do domínio do artista, para CHANAN (1995), como vimos

anteriormente, o produtor musical assume a tarefa de emprestar seus ouvidos e seu

julgamento como substitutos da audiência. Podemos notar então como as figuras do

produtor fonográfico e do engenheiro de som assumem um perfil de mediadores

entre artista e público. Ora, o sound designer reúne em si, através de sua

capacidade projetual, esses dois aspectos da produção fonográfica, funcionando

assim como ponte entre a esfera da produção e a esfera do consumo. Observando

os comentários de TANKEL poderemos analisar melhor essas proposições:

A prática da gravação é ao mesmo tempo um ato de controle social e

um ato estético. O registrador sonoro – a pessoa que transforma o som da performance em um artefato – faz julgamentos estéticos que normalmente

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são percebidos como pertencentes à esfera do artista executor da obra. (TANKEL, 1990, p. 34)

Ainda segundo TANKEL,

A contribuição do registrador sonoro para a performance musical

inclui a “produção” (sound design) e engenharia (o trabalho de gravar o som) Estas funções, que podem ou não ser levadas a cabo pela mesma pessoa, juntas constituem juntas o processo de controle do áudio (TANKEL, 1990, p. 34)

Interessante ainda é a capacidade de codificação do espaço sonoro feita pelo,

aqui chamado agora, registrador, através da manipulação de equipamentos.

A tecnologia da gravação dos sons pode armazenar e recuperar os elementos básicos da música (ritmo, melodia, harmonia e coloração tonal), mas o registrador também pode manipular a inteirade do ambiente sonoro. Através da fixação e do ajuste de vários parâmetros do som (por exemplo, volume, altura, timbre, justaposição, presença e ataque/decaimento), o registrador pode “codificar” a música e o espaço musical. (TANKEL, 1990, p. 34) [grifo nosso]

Registrador, produtor fonográfico, engenheiro de som, palavras que procuram

definir uma prática profissional, transmitem cada qual a seu modo, características

que na atualidade são abarcadas pela conceituação do que entendo ser o foco de

atuação do Sound designer.

Consideramos que, implícito na proposição acima está a idéia de que antes

de girar o potenciômetro ou apertar os botões, o sound designer tem uma intenção

manifesta em codificar algo para “alguém”.

E complementando nosso pensamento, a colocação de CARDOSO (2008),

fazendo uma aproximação entre a aproximação do design ao conceito de processo e

interação.

É possível argumentar que em função dos avanços da tecnologia eletrônica, o eixo conceitual do design vem se deslocando da autonomia relativa tradicionalmente atribuída ao produto, como entidade fixa no tempo e no espaço, para uma noção mais fluida de processo e de interação, bem mais próxima da maneira em que sempre se conceituou o objeto gráfico. (CARDOSO, 2008, p. 239)

Um produto fonográfico contém, portanto diversas informações. E devemos

frisar, informações não apenas de ordem musical, mas extra-musicais. Esse

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produto carrega informações sonoras sobre o ambiente onde foi produzido ou

criado, sobre a metodologia usada no processo de gravação e mixagem. Na

sonoridade geral do áudio podemos encontrar ainda informações sobre quem o

produziu e também sobre quem o frui, ou seja, para quem se destina. Transmitem

dados respaldados em identidades e gostos, que, como coloca Bourdieu são

definidos e mantidos pelos grupos sociais para se diferenciarem e distanciarem de

outros grupos, conferindo certo status social.

HOWARD (2004) descreve inúmeros aspectos da vida profissional de Jimmy

Miller, produtor musical norte americano que gravou e mixou trabalhos de artistas e

grupos como Stevie Winwood, Traffic, e vários discos dos Rolling Stones. A respeito

do processo de mixagem, ele conta que a única fonte de desentendimentos entre

Mick Jagger e Jimmy Miller se encontrava em suas diferentes idéias sobre o nível de

intensidade dos vocais. Miller constantemente tentava dar um destaque na voz de

Jagger, mixando o áudio que continha o registro de sua voz com um volume

proeminentemente, mas Mick sempre reclamava considerando que a mixagem

estava muito pesada na voz. Miller contra-argumentava que mal podia escutar os

vocais, mas Jagger queria criar uma mística relacionada com as freqüentemente

indiscerníveis letras das antigas gravações de velhas canções de blues. A conexão

de uma referencia cultural acontecia no nível de intensidade com que eram mixados

os vocais.

Advertindo os estudantes de áudio a respeito da concepção das mixagens,

HENRIQUES (2007) pontua que na maioria das vezes os mixadores ficam muito

mais preocupados com aspectos técnicos do que com aspectos artísticos.

Freqüentemente entra em cena também uma espécie de fetichismo tecnológico

segundo o qual para se conseguir um “sonzão” é absolutamente imprescindível usar

aquele modulo de som “X”, ou o compressor “Y”, ou o microfone valvulado “Z”.

Sobre esses aspectos, nos explica HENRIQUES, a maneira de relacionar um estilo

com outro não reside tanto no tipo de equipamento usado, mas sim na manipulação

das codificações sonoras; algo similar ao que TANKEL aludia a pouco:

Por mais que os conceitos [técnicos] que veremos aqui se apliquem basicamente a qualquer situação, é fundamental que o mixador estude as características de outras gravações com o mesmo estilo musical, identificando suas particularidades.

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Por exemplo, a música de língua latina em geral (brasileira, hispânica, italiana) tende a usar a voz um pouco mais alta do que a britânico-americana. As músicas tipo brit-pop (Oasis, Travis, Coldplay, Keane) tendem a dar uma importância muito menor à bateria do que o pop-rock americano, e por aí vai. Daí ser muito importante estudar referências de cada estilo antes de começar. Vai fazer um trabalho de Roots Reggae? Então esteja preparado para colocar o baixo com volume bem alto e completamente sem médios e agudos. Vai mixar um samba? Construa sua base rítmica em torno do surdo.

Em resumo, não é só a instrumentação e a forma musical que caracterizam um estilo, mas também o modo como a mixagem é construída: a relação de volumes entre os instrumentos, o nível relativo da voz e/ou solos, a quantidade e a característica dos reverbs, a variação de dinâmica, etc. (HENRIQUES, 2007, p 23)

OWSINSKI (1999) explica que até o final dos anos 1980 era relativamente

fácil saber onde uma gravação havia sido feita, apenas pela maneira como a

mixagem soava. Havia três estilos principais de mixagem diretamente ligados ao

lugar onde eram feitos e à maneira como estavam codificadas as informações

sonoras: o estilo de Nova Iorque, o estilo praticado em Los Angeles e o estilo

Londrino. O estilo New York é talvez o mais fácil de ser identificado por fazer

uso extensivo da compressão, o que faz a mixagem ter muita pegada, e ser

muito agressiva (como os nova-iorquinos) OWSINSKI, 1999 p.4. [tradução

nossa, grifo do autor].

Esse uso da compressão dinâmica faz com que a intensidade dos

transientes9 e a intensidade da ressonância sonora no corpo dos instrumentos seja

percebida com maior volume. Como se o som do CD estivesse “anabolizado”.

OWSINSKI se refere a Ed Stasium como exemplo de produtor que freqüentemente

lança mão destes recursos para formatar a sonoridade dos álbuns que produz. Essa

sonoridade pode ser conferida nos discos do grupo Living Colour.

O estilo de Los Angeles soa um tanto mais natural, tenta sempre capturar um

evento musical e ressaltar alguns aspectos, mas de uma maneira leve. A intenção

não é recriar o evento musical, apenas jogar luz a aspectos musicais que aí já se

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!9 Transientes são picos de extrema energia acústica que ocorrem principalmente no ataque das notas de um instrumento. Quando se usa um compressor de dinâmica, dependendo dos parâmetros ajustados essa região fica com maior intensidade, sendo portanto facilmente percebida.

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encontram. Bons exemplos seriam os álbuns dos Doobie Brothers lançados entre os

anos 1970 e 1980.

O estilo Londrino é um evento musical revestido de camadas que emprestam

alguns aspectos do estilo Nova Iorquino, pois se utiliza de técnicas de compressão

da dinâmica. Mas o que mais define este estilo é o uso extensivo da perspectiva,

onde cada instrumento é colocado em um distinto ambiente sonoro. Cita como

exemplo deste estilo a música Owner of a Lonely Heart do grupo britânico de rock

progressivo Yes, ou qualquer produção de Trevor Horn como álbuns do artista Seal

ou então da cantora Grace Jones.

Ora, estamos falando todo esse tempo em informações que precisam ser

organizadas e apresentadas de forma inteligível. Para codificar um som ou

sonoridade é preciso criar uma interface sonora proporcione um acoplamento

estrutural entre produto fonográfico e ouvinte. Temos abaixo o diagrama ontológico

do design assim como formulado por Gui Bonsiepe;

Figura 11 - Diagrama ontológico do design Fonte: Bonsiepe 1997

No topo encontramos um usuário ou agente social que deseja realizar uma

ação efetiva – “um mamífero bípede portador de mãos com polegares opositores”.

Em segundo lugar podemos observar a intenção de cumprir uma tarefa – “seccionar

uma folha de papel utilizando-se de um mecanismo cortante”. Finalmente, à direita

do diagrama encontramos a ferramenta ou artefato de que o usuário precisa para

realizar de maneira efetiva e satisfatória a ação – “um mecanismo manual composto

de duas lâminas articuladas”.

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Podemos observar que a interface é representada por um espaço no qual se

estrutura a interação entre um corpo, uma ferramenta (objeto ou signo) e o objetivo

da ação. (BONSIEPE 1997). É nesse espaço de interação que se compõe o

domínio central do design:

A interface revela o caráter de ferramenta dos objetos e o conteúdo

comunicativo das informações. A interface transforma objetos em produtos. A

interface transforma sinais em informação interpenetrável. A interface

transforma simples presença física (Vorhandenheit) em disponibilidade

(Zuhandenheit) (BONSIEPE, 1997, p. 12)

Segundo Bonsiepe (1997) uma das metas do design é criar artefatos que

possibilitem ações efetivas através de um acoplamento estrutural. Aqui ele se apóia

no conceito de acoplamento estrutural formulado por MATURANA E VARELA

(1995).

Figura 12: Acoplamento estrutural fonte/Bonsiepe

Implícita na categoria das tarefas, escutar música pode ser considerada como

uma ação que se deseja sentir objetivada com a maior eficiência possível quando

um ouvinte coloca um CD em um aparelho reprodutor. No sentido daquilo que

SCHAFFER 1997 conceitua como esquizofonia10, aquilo que esse ouvinte irá escutar

não é mais a música originalmente produzida por artistas executando seus

instrumentos, mas uma entidade nova, separada do momento original.

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!10 Esquizofonia é um termo cunhado por Murray Schafer que significa o afastamento dos sons de seus contextos originais ocasionado pelo empacotamento e estocagem do som contido no processo de registro fonográfico. “O prefixo grego schizo significa cortar, separar. E phone é a palavra grega para voz. Esquizofonia refere-se ao rompimento entre um som original e sua transmissão ou reprodução eletroacústica”. (SCHAFER, 1997, p. 131-133)

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Figura 13: Aplicação do conceito de acoplamento estrutural aos diversos modos de escuta

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Vamos tratar a composição (a obra composicional de um autor. Seqüências

sonoras estruturadas em uma sintaxe musical qualquer, venha ela acompanhada da

palavra em versos melodiados ou não.) como uma ferramenta para se estruturar

determinada linguagem musical reconhecível por determinados usuários. Um Rap

tem sua própria estrutura de significados que quando articulados servem de

ferramenta para se atingir um determinado objetivo comunicacional. Um concerto

para flauta composto por Vivaldi em 1728 tem um objetivo comunicacional

completamente diferente, portanto cumprindo uma função social bem diferente da

desse Rap. Mesmo internamente na chamada “musica erudita”, mesmas formas

musicais assumem funções diferente segundo o período ao qual se ligam. Aquele

mesmo concerto para flauta de Vivaldi foi modelado e promovia um acoplamento

estrutural com seus ouvintes completamente diferente da de um concerto para flauta

composto por Mozart em 1777, que por sua vez gerou e foi gerado por necessidades

de escuta diferentes das que geraram um concerto para flauta composto por Carl

Reinecke em 1908 ou por André Jolivet em 1949.

O Álbum Bitches Brew (1968) de Miles Davis cumpre uma função

comunicacional diferente do álbum Kind of Blue (1959) desse mesmo compositor.

Esses dois álbuns requerem acoplamentos estruturais completamente diferentes por

parte do ouvinte. Geram significados diferentes apesar de terem sidos compostos

pelo mesmo autor e terem sido gravados no mesmo estúdio pelos mesmos técnicos

com os mesmos microfones. No entanto, como a instrumentação e a maneira de

execução instrumental varia de maneira muito intensa entre um álbum e outro, existe

a necessidade de desenvolvimento de um sound design distinto para cada álbum.

Os desafios que o Kind of Blue propõe ao ouvinte são completamente diferentes dos

desafios propostos pelo Bitches Brew. E uma das maneiras de resolver esses

desafios durante o processo esquizofônico de empacotamento daqueles sons é

desenvolver um projeto sonoro que facilite aquele acoplamento estrutural. Estamos

falando aqui dos processos de gravação em mixagem adotados na finalização

desses dois álbuns.

Todas as composições citadas cumprem determinada função social que é

diferente em cada um dos casos. Diferentes umas das outras elas promovem entre

emissor e receptor um acoplamento estrutural diferente em cada caso. No processo

de registro de áudio, a acomodação daquele acontecimento em um suporte físico

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requer transformações sonoras de tal ordem que não se pode falar mais em um

mesmo objeto sonoro como o original, mas sim algo novo, produto da esquizofonia.

Ora como operar a conexão entre esta ferramenta, o usuário e a ação? Através da

elaboração de um projeto sonoro que promova novamente um acoplamento

estrutural entre esse produto esquizofônico e a capacidade aural e cognitiva do

ouvinte. Portanto, ao operar uma aproximação do processo de produção fonográfica

ao diagrama ontológico do design descrito por Bonsiepe teremos:

1) Um ouvinte de musica (usuário)

2) Utilizando-se de uma ferramenta: a composição em si mesma, resultado da ordenação

de sons segundo determinada sintaxe ou standard sonoro/musical e extra-musical

3) A ação de escutar, de fruir o acontecimento musical registrado em áudio.

Preenchendo o espaço e acoplando estes três domínios teremos então a

interface criada pelo sound designer, que pode ser considerada como o projeto

schizofônico de finalização de uma obra musical enquanto produto de consumo

reconhecível pelo usuário.

!

Figura 14: Diagrama ontológico aproximado à produção fonográfica (fonte: o autor)

Desta maneira, o sound design articula o contato entre a intenção

comunicacional do compositor e os padrões de inteligibilidade aural do ouvinte,

operando no ponto de contato entre a mensagem do compositor e o padrão de

escuta do ouvinte. Podemos assumir que o sound design se situa entre a sintaxe

musical do compositor e o gosto musical do ouvinte através, mas não só, da

operação de controladores tecnológicos de manipulação do som.

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1.3 A PRODUÇÃO MUSICAL ENQUANTO PRÁTICA PROJETUAL

Do exposto até o presente momento podemos aferir então que o processo de

mixagem contido na etapa de pós-produção não é somente uma atividade técnica,

mas constitui-se fundamentalmente em um processo artístico e comunicacional que

se utiliza de ferramentas tecnológicas como instrumentos de manipulação do áudio.

A mixagem faz parte de um processo artístico que agrega significados à mensagem

musical. Se para a efetividade dessa prática contassem apenas os elementos

técnicos não haveria tantos estilos de mixagem diferentes concomitantes aos

movimentos dinâmicos existentes nas obras musicais. Cada estilo musical tem o seu

standard, ou seja, práticas conceituais e culturais que corroboram com a efetivação

da mensagem. Enquanto processo comunicacional a mixagem, se aproximada ao

diagrama ontológico do design proposto por Bonsiepe, torna-se passível de ser lida

e tratada como o processo de construção de uma interface entre a mensagem

musical de um autor (o compositor) e a ação de escuta de um receptor, ou seja, um

usuário daquele produto. Como o sound designer deseja que o ouvinte escute

aquela mensagem? Qual componente da mensagem musical contida em todos

aqueles tracks é a mais importante? Qual instrumento (lembrando que a voz

também é um instrumento) ou grupo de instrumentos deve formar a espinha dorsal

da mixagem? A letra é o que importa? Ou seria a levada rítmica o objeto a ter um

tratamento preferencial?

Não dá para fazer com que todos esses elementos, que são complexos por

sua estrutura e natureza interna, soem ao mesmo tempo com igual intensidade ou

ênfase, ou seja, não existe modo ou maneira de fazer com que todos os elementos

tenham igual importância. Se o sound designer optar por construir a mixagem sem

priorizar algum elemento daquele acervo registrado estará a meio caminho de

conseguir que a música soe “embolada” e confusa.

Encontramos que essa prática projetual também tem a sua história e KEALY

(1979) traça um painel histórico significante acerca do desenvolvimento e

transformações da profissão que nos parecem importantes para localizar e situar o

presente momento desse profissional como ligado ao design. Dito de outra forma

entendemos que a atividade do outrora chamado de engenheiro de som chegou a

um ponto de desenvolvimento em conexão com a contemporaneidade que deixou de

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ser uma atividade puramente técnica, como era entendida no início, ou puramente

artística, como foi se tornando ao longo dos anos 1970.

Enquanto ocupação, a atividade da gravação foi submetida a um processo de mudança e desenvolvimento, tais como industrialização e racionalização, que são comuns a várias ocupações do trabalho moderno. Em adição, o trabalho do responsável pelo registro e manufatura dos artefatos de áudio foi igualmente submetido a uma mudança que é menos comum: a descentralização induzida pelas novas tecnologias. É dessa história que emerge três observáveis modos de colaboração com as produções de musica popular: o modo sindicalizado, o modo empreendedor e o modo artístico. Cada modo podendo ser caracterizado em termos de tecnologia de gravação disponível, estética de gravação envolvida, a organização social de colaboração dentro do estúdio, as responsabilidades profissionais do mixador, e a ideologia ocupacional do responsável pela mixagem. (KEALY, 1979, p. 209) [tradução nossa]

No modo sindicalizado, o engenheiro de som é o encarregado da manutenção

do estúdio de uma grande empresa, de um grande conglomerado de mídia.

Columbia Records, RCA Victor etc. Ele se encarrega de registrar com a maior

fidelidade possível um evento musical acontecendo em tempo real. As sessões são

agendadas com os A&R das gravadoras e os músicos não tem possibilidade de

acesso e manipulação dos arquivos de áudio.

No modo empreendedor, que surge graças ao barateamento dos

equipamentos de áudio em meados dos anos 50, pequenas companhias como

Chess, Sun records e Motown são formadas e, trabalhando em um ambiente de

restrições acústicas e tecnológicas (não possuíam tantos recursos quanto um

conglomerado de mídia) conseguiram criar uma nova estética sonora, baseada não

mais nos conceitos de transparência e fidelidade anteriores, mas na criação e na

aceitação de novas sonoridades. É a esfera onde a primeira fase do rock se

manifestou.

Ao final dos anos 1960 o músico consegue finalmente entrar no ambiente

técnico, e tecnológico do estúdio, trazendo a procura da inovação sonora como

elemento desejável e articulador de novas pontes entre o conteúdo musical e a

percepção do público. Operando conjuntamente com o engenheiro de som, através

dessa colaboração nasce o modo artístico. Encontramos nesse modo a sistemática

colaboração de George Martin e Geoff Emerick com os Beatles, Alan Parsons com o

Pink Floyd, Jimmy Miller com os Rolling Stones, para citar apenas alguns.

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Nesse contexto poderíamos propor então, a título de colaboração com o

estudo de KEALY, a existência de um quarto modo de configuração dessa atividade

profissional intrínseca à produção fonográfica - a figura do sound designer- se

desenvolvendo ao longo dos anos 1990 e permanecendo até a atualidade.

Com a adição dessa nova figura colaboradora, preocupada não mais com a

manipulação de equipamentos de áudio e o que se pode criar em termos artísticos

através da inovação de uso de suas qualidades operacionais e propriedades

internas, mas na construção diferenciada de interfaces aurais, se complementa a

junção entre as palavras design e som.

Da conexão entre produção para um target específico é que vai emergir a

figura do sound-designer, organizado como atividade em um dos vértices da

proposição de Bonsiepe. Ao sound designer cumpre organizar a interface sonora

entre um artefato de áudio e o seu consumidor.

Uma vez mais recorrendo a BONSIEPE (1997) com o intuito de sanar de vez

qualquer duvida a respeito do conceito que atualiza a função do sound designer

podemos encontrar o elemento central que diferencia engenharia e design. Apesar

de serem ambas disciplinas projetuais somente o design tem como foco a eficiência

sociocultural na vida cotidiana. Algo próximo do que aludíamos a não existência de

leis matemáticas que regulamentem o critério de eficiência de uma mixagem.

Artefatos são objetos para possibilitar ações efetivas. A interface é,

como mencionado acima, o tema central do design. A interface permite

explicar a diferença entre engenharia e design. No entanto, ambos são

disciplinas projetuais. O design visa aos fenômenos de uso e da

funcionalidade de uso. No centro de seu interesse se encontra a eficiência

sociocultural na vida cotidiana. As categorias de engenharia, porém, não

captam os fenômenos de uso, ou seja, a integração dos artefatos à cultura

cotidiana. Elas recorrem ao conceito de eficiência física, acessível aos

métodos das ciências exatas que não captam os fenômenos de uso, ou seja,

a integração dos artefatos à cultura cotidiana. (BONSIEPE, 1997, p. 17)

Para considera-se um projeto de áudio, ou a mixagem contida nesse projeto,

como uma ação efetiva de comunicação bem sucedida e caracterizar assim sua

eficiência, há de se considerar os standards implícitos nos códigos de valores com

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os quais um produto é avaliado. Algo similar ao que BONSIEPE alude ao usar o

termo “affordances” cunhado por (GIBSON 1986).

Podemos considerar um produto de áudio como um artefato imaterial em cima

do qual o sound designer se debruça a fim de desenvolver uma interface cuja

finalidade é acoplar esse artefato ao corpo humano, no caso, a uma parte

constituinte do corpo humano representada pelo sistema auditivo, pelo fenômeno da

audição, e, portanto à cognição auditiva.

Na figura 16 podemos observar alguns elementos projetuais existentes na

prática da produção fonográfica. Na primeira coluna encontramos a etapa a qual as

próximas colunas – esfera dos julgamentos e esfera tecnológica – estão

relacionadas. Procedendo assim, conseguimos deixar claro o quanto a instância dos

julgamentos precede a manipulação de botões, potenciômetros, knobs e faders.

Somente após uma elaboração crítica fundamentada em seus conhecimentos

estéticos e comunicacionais é que o sound designer lançará mão dos recursos

tecnológicos proporcionados pelos equipamentos de áudio. Exemplificando: primeiro

o sound designer observa a necessidade da criação de um determinado ambiente

acústico, que sirva de amalgama para juntar as partes de um processo fragmentado

de criação musical, para depois criar a interface entre composição e percepção

auditivo-estética do ouvinte.

A escolha do equipamento é feita segundo critérios de coloração ou

transparência inerentes ao projeto de áudio. As escolhas processuais e tecnológicas

são feitas porque, originariamente, foram projetados na intencionalidade do projeto

sonoro. O sound designer não mexe nos botões para ver como é que fica, (essa

fase corresponde ao que se produzia no modo artístico dos anos 1960), mas

escolhe as proporções de balanço e então parte para o posicionamento do knob.

Técnicas de microfonação são testadas (prototipadas), abandonadas e

escolhidas mediante a proposição de uma imagem sonora interpretada pelo sound

designer como a desejada pelo consumidor/ouvinte. Ao se utilizar uma técnica de

posicionamento close mic, o que se procura é definição de transientes, apenas uma

particularidade sonora de um instrumento. Ao se afastar o microfone desse mesmo

objeto sonoro, o que se busca é o timbre geral do instrumento, no entanto começa a

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ocorrer a intervenção de uma nova camada sonora – a reverberação e ressonância

do ambiente - Compete ao sound designer saber se esta ou aquela técnica servirá

de caminho mais curto para a proposição sonora final. As técnicas de microfonação

em estéreo nos levam a outro resultado final. Portanto, saber projetar na mente o

resultado final de um projeto fonográfico é condição primordial para a escolha de

metodologias e processos de registro.

Metodologias de registro são escolhidas num processo que intera

desejabilidades, praticabilidades e viabilidades. Elementos que remetem ao conceito

do design thinking formulado por Tim Brown (2010).

!Figura 15: Elementos projetuais e esferas de aplicabilidade

Elementos projetuais existentes na produção musical Objetivo: Criar um acoplamento estrutural entre o objeto sonoro e o ouvinte

(A) Durante o processo de Gravação:

• Escolha do ambiente acústico propício à execução/gravação do gênero musical em questão. (imprime marca d’água*)

• Escolha do equipamento de registro do áudio (Processo mecânico, analógico ou digital). (imprime marca d’água*)

• Escolha do equipamento de transdução das ondas sonoras em variação de tensão elétrica ou em bits. (microfones e conversores AD). (imprime marca d’água*)

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• Escolha de equipamentos intermediários entre microfone e mídia de gravação.

1- Pré-amplificadores de sinal. (imprime marca d’água*) 2- Controladores da faixa espectral de freqüências do sinal. (gravar

equalizando). (imprime marca d’água*) 3- Gravar processando o sinal através de controladores de dinâmica

(Limiters, compressores e Gates). (imprime marca d’água*) • Escolha do posicionamento do(s) microfone(s) frente à radiação sonora do

elemento emissor. (imprime marca d’água*) 1- Por overall 2- Close mic 3- Técnicas mistas

• Escolha do processo de gravação: (imprime marca d’água*) 1- Live (ao vivo) 2- Por overdub 3- Slicing (fatiamento e edição)

Não se pode voltar atrás sem uma nova gravação do artista/executor.

(B) Durante o processo de Mixagem: (marca d’água reversível**) • Controle de volumes (balanço) • Controle do espectro sonoro (Equalização) • Controle da ambiência (invólucro acústico) • Controladores do tempo (time shifters, delays) • Controladores de fase (phasers e flangers) • Controladores de afinação/altura (pitch shifters) • Controle da dinâmica:

1. Num espaço de tempo macro (Faders e controle ativo dos volumes via automação)

2. Num espaço de tempo micro (compressores, limiters, expanders e deessers)

(C) Durante o processo de Masterização: (marca d’água reversível**)

Aqui são utilizados os mesmos controladores de parâmetros existentes na

mixagem, embora os canais estejam reduzidos em número, ou seja, no presente

estágio a elaboração projetual se desenvolve ou em mono, ou em estéreo ou, para

os casos em que a masterização está sendo feita para sistemas surround - em 5.1

ou 7.1

• Controle de volumes (balanço L e R) • Controle do espectro sonoro (Equalização) • Controle da ambiência (invólucro acústico) • Controladores do tempo (time shifters, delays) • Controladores de fase (phasers e flangers) • Controladores de afinação/altura (pitch shifters) • Controle da dinâmica:

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3. Num espaço de tempo macro (Faders e controle ativo dos volumes via automação)

4. Num espaço de tempo micro (compressores, limiters, expanders e deessers)

1.4 FUNDAMENTOS TEÓRICOS PARA UMA ANÁLISE SISTÉMICA DO DESIGN DE SOM

Entendemos que os conceitos de autopoiese, ontogenia e acoplamento

estrutural, formulados por Maturana e Varela (1995) podem ajudar na compreensão

das estratégias que mobilizam o sound designer na sua busca de fundamentação

projetual de uma produção de áudio.

Autopoise é a capacidade de um ser vivo de produzir a si próprio. Esse termo

criado por Maturana e Varela parte da proposta de entender os seres vivos como

uma rede fechada de produções e processos moleculares onde as moléculas

produzidas geram, mediante suas interações com o meio e com elas mesmas, a

mesma rede de moléculas que a produziu. Segundo Graciano (1997), Maturana

criou o conceito de “autopoiese” com o intuito de definir os sistemas vivos de um

modo tal que apontasse e explicitasse o tipo de organização que eles possuem.

Assim, na junção das palavras auto, do grego: próprio, si mesmo, e poiesis: fazer, se

opera um conceito novo que indicará uma das características fundamentais dos

sistema vivos: a de serem sistemas dinâmicos, produtos de seu próprio

funcionamento, e cuja organização permanece invariante enquanto eles se

autoproduzirem.

Quando falamos de seres vivos, já estamos pressupondo algo em comum entre eles – de outro modo, não os incluiríamos na mesma classe que designamos com o nome de “vivos”. O que não foi respondido todavia é: “Qual é a organização que os define como classe?” Nossa proposta é que os seres vivos se caracterizam por, literalmente, produzirem-se continuamente a si mesmos – o que indicamos ao chamarmos a organização que os define de organização autopoiética. Fundamentalmente, essa organização se define por certas relações que passaremos a explicitar e que veremos mais facilmente em nível celular. (MATURANA e VARELA, 1995, p. 85)

Maturana e Varela falam descrevem os sistemas autopoiéticos como podendo

ser de primeira, segunda ou terceira ordem. Um ser vivo unicelular é um sistema

autopoiético de primeira ordem, trata-se de uma rede de transformações

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moleculares que produz seus próprios componentes e que é a condição de

possibilidade destes componentes, aí incluído sua membrana. Um sistema vivo

metacelular é considerado um sistema autopoiético de segunda ordem e, sistemas

autopoiéticos de terceira ordem são aglomerados, comunidades, ajuntamentos de

sistemas autopoiéticos de segunda ordem – por exemplo um formigueiro.

Maturana afirma que qualquer sistema pode ser explicado ao se mostrar as relações entre suas partes e as regularidades de suas interações, na medida em que se faz evidente a sua organização. Entretanto, para compreendermos completamente um sistema, não basta examiná-lo em sua dinâmica interna, é necessário também observá-lo em sua circunstância e no contexto de seu operar. (GRACIANO 1997, p. não numerada)

É aqui que se introduz outro conceito fundamental para a compreensão da

teoria de Humberto Maturana, conceito em que Bonsiepe irá se apóiar ao formular o

significado da interface como espaço de interação entre usuário, ferramenta e ação.

Refiro-me ao conceito de acoplamento estrutural Acoplamento estrutural é definido por uma história de interações

recorrentes, não instrutivas que direcionam a congruência entre dois ou mais sistemas, por exemplo, entre um ser vivo e seu meio. O acoplamento estrutural é o resultado de uma história de mútuas mudanças estruturais congruentes, enquanto a unidade autopoiética e meio não se desintegrarem. (GRACIANO 1997, página não numerada )

De origem biológica estes conceitos formulados por Maturana e Varela

passaram a ser estendidos e explorados por outras áreas do conhecimento como a

neurobiologia, filosofia, sociologia e design. O responsável pela colocação da

autopoiese no campo da sociologia foi Niklas Luhmann que vai operacionalisar na

década de 1980 a teoria autopoiética como um método de observação social.

Assim, essa construção conceitual aplicado ao campo da observação social

representou uma mudança epistemológica na maneira como eram observados os

meios e suas características. Ao invés de uma análise estrutural individualizada de

cada elemento constitutivo de um todo, passa-se a observação de um objeto

fundamentada no estudo da interação de todos os seus elementos. Esse novo

enfoque está portanto embasado nas relações entre os elementos e as funções

exercidas no todo comunicativo de um sistema.

Tomando a produção fonográfica como esse todo comunicativo, para

entender o processo, não basta procurar isoladamente, em cada uma de suas

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partes, leis que as regem individualmente. Devemos ao contrário, olhar o todo do

processo, como um sistema no qual suas partes individuais interagem e condiciona-

se mutualmente. A mixagem não pode ser entendida isoladamente, se levar em

conta o modo como as pessoas se habituam a escutar um determinado gênero

musical. Essa escuta, por sua vez, foi condicionada durante anos e anos por

processos de mixagem diferentes que aconteciam e eram gerados por gostos e

modos de escuta individuais, pertencentes aos mediadores de todo esse processo.

Estes conceitos – ontogenia, autopoiese e acoplamento estrutural - auxiliam,

portanto, o entendimento da relação do processo de mixagem com os estilos e

gêneros musicais que foram se sucedendo ao longo do tempo. Nada obriga, em

termos físicos, matemáticos ou musicais, que este ou aquele estilo siga uma

padronização estética de balanceamento de volumes, exposição ou camuflagem de

sons em relação à determinada gama do espectro sonoro. Não existe uma medida

objetiva que direcione o posicionamento de um objeto sonoro na imagem

panorâmica existente entre as caixas de som da esquerda e direita. Não existe lei

quântica que oriente um estilo de mixagem, a não ser uma série de convenções que

foram se estabelecendo à medida que o mercado de áudio foi se ampliando e

criando novos gêneros musicais.

A partir do momento em que a prática do registro de áudio vai traçando seu

percurso histórico ao longo do tempo, a memória auditiva da escuta dos sons e de

como eles são acondicionados em um artefato sonoro vai se construindo, se

condicionando e se modificando. Pode-se dizer que haveria um sentido de retroalimentação entre a

formação de gêneros e estilos musicais e a consolidação de ambientes e modos de escuta. As diferentes posturas dos ouvintes em um concerto tradicional ou em uma festa rave servem para modular a instituição desses diferentes domínios musicais. Por sua vez, gêneros distintos associam com mais facilidade a alguns poucos ambientes específicos e modos de escuta particulares. (IAZZETTA 2009, p. 40)

Como elemento de colaboração a se estabelecer uma postura diferente para

o ouvinte de musica em uma festa rave está situado o design de som que o áudio

gravado terá. A textura sonora e acústica que acompanhará a mensagem musical

terá um papel muito importante no acoplamento estrutural entre peça musical e

ouvinte. Dentre as várias estratégias de produção musical para o universo da dance

music inclui-se a vasta utilização de freqüências subgraves que, quando bem

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acondicionadas em um invólucro sonoro, criarão um clima para a movimentação do

corpo através percepção de uma região do espectro sonoro que é justamente mais

sentida com o corpo e menos com o sistema auditivo. Freqüências abaixo de 200 Hz

fazem entrar em ressonância determinadas cavidades do corpo humano como o

peito e ventre. Essa ressonância corpórea, facilitada pela farta utilização de

subwoofers, e que não está situada no âmbito da manipulação de códigos

composicionais, mas sim na manipulação de códigos do sound design, é um dos

elementos que possibilita um acoplamento estrutural entre a emissão do som e a

decodificação da mensagem rítmica enquanto instrução para movimentação total do

corpo.

Ola Stockfeld desenvolve o conceito das competências auditivas que se

estabelecem de acordo com o objeto sonoro a que se está em face. Assim, a atitude

e a habilidade que se espera de alguém escutando a Sagração da Primavera de

Stravinski em uma sala de concerto é completamente diferente da atitude e

habilidade auditiva de alguém escutando uma música trance durante uma festa rave.

Por mais que os dois temas tenham a ver com rituais de auto-sacrificio.

Pode-se colocar ainda que, as condições de escuta fornecidas por uma

gravação antiga da Nona Sinfonia de Beethoven feita em 1947 por Bruno Walter são

completamente diferentes das fornecidas por uma gravação atual desta mesma

sinfonia regida por John Neschling. E ainda que, completando o mesmo raciocínio,

as competências auditivas necessárias para se escutar e fruir uma gravação da

Nona feita em 1952 pela NBC Symphony Orchestra regida por Toscanini são

completamente diferentes das competências auditivas necessárias para se escutar e

fruir uma gravação da mesma sinfonia, realizada em 1992, pela London

Philharmonic Orchestra regida por Klaus Tennstedt.

Cada gênero musical possui um numero de modos genero-

normativos de escuta, e mesmos estes se modificaram através do tempo em relação a correspondentes estilos de musica, de escolhas de estratégias de escuta, de situações de escuta gênero-normativas, e também a uma serie de fatores sociais. (STOCKFELT, in COX & WARNER 2007 p.91)

Para trabalhos musicais recentemente produzidos, o ambiente

[acústico onde se opera a pós-produção] de um estilo específico de um gênero específico freqüentemente tem sido idêntico. Música que são concebidas para performance em uma sala de concerto são produzidas em um contexto [sonoro] e situação de sala de concerto. Para músicas cujo target principal é a reprodução em equipamentos estéreo de automóveis, pode-se, por instancia, utilizar [durante a mixagem] falantes pequenos que

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simulem os aparelhos estéreos de carros. (STOCKFELT, in COX & WARNER 2007 p.90)

Dialogando com essas colocações, IAZZETA (2009) assinala que escutar

adequadamente não se refere a um modo de escuta particular, mas a uma

habilidade do ouvinte de criar uma competência de escuta adequada a determinados

contextos e gêneros musicais. A escuta pode ser entendida então como uma situação que coloca

em correlação as particularidades de um contexto (ambiente, gênero musical, convenções socioculturais) e as estratégias de escuta adotadas pelos ouvintes em relação a um determinado repertório. (IAZZETTA 2009, p. 40-41)

Não existe um sentido em mixar o baixo de Reggae sem a presença de

agudos, a não ser pelo fato de que essa prática (atenuação do espectro de

freqüências na região superior a 2khz) encontra respaldo em anos e anos de escuta

condicionada dos fãs ouvintes do gênero. Se fizermos durante a etapa de pós-

produção uma mudança nessa estrutura, apesar do objeto sonoro – que está

construído sob os mesmos códigos sintáticos harmônicos, rítmicos e melódicos – ser

reconhecido enquanto gênero, não se estabelecerá um acoplamento estrutural com

o público mais aficionado ao gênero.

Na figura que se segue Rebee Garofalo esquematiza a evolução da musica

POP e rock entre os anos 1950 e 1970. Esse intervalo de tempo compreende

aquele espaço em que segundo KEALY (1990) o oficio do engenheiro de som

migrou da instância burocrática e corporativa para a do engenheiro de som como

artista colaborador e parceiro.

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!Figura 16: Genealogia da música Pop/Rock organizada por Garofalo Obtido em: http://shruglife.us/wp-content/uploads//genealogy-of-pop-and-rock-music.jpg

!Figura 17: zoon na figura de Garoffallo

Podemos inferir, a partir do exposto até o presente momento, que, para cada estilo e gênero musical desenvolvido a partir de meados dos anos 1960, a maneira de apresentar o conteúdo musical exigiu o desenvolvimento de processos diferenciados de gravação e mixagem.

Nas próximas figuras procuramos adicionar ao estudo uma série de diagramas apresentando as divisões de gêneros e subgêneros musicais que foram se sucedendo ao longo dos anos 1970, 1980 e 1990.

Temos na figura 18 um esboço de genealogia do POP, na figura 19 a genealogia do Rock?Metal, na figura 20 uma tabela se referindo ao Rock progressivo e finalmente na figura 21 os gêneros e subgêneros surgidos na música eletônica POP.

Por mais questionáveis que essas divisões e subdivisões possam ser consideradas, é inegável que os ouvintes e amantes de cada gênero se pautam por elas ao desenvolver suas predileções por esses produtos esquizofônicos.

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Figura 18: Genealogia e interligações de gêneros e estilos da musica popular Obtido em: http://www.fakeplasticrock.com/wp-content/uploads/school-of-rock-blackboard-redrawn.png

Um aspecto da codificação inerente ao processo de registro sonoro

pode ser descrito como “sônico” – a relativa clareza durante a sua reprodução. A familiaridade com a música gravada alterou a maneira como as pessoas escutam música (ao vivo ou gravada) e quais qualidades do som gravado é esperado das gravações dos artistas. Assim como existe uma grande diferença entre a qualidade de imagens registrada por amadores e profissionais (compare os filmes caseiros com os filmes de Hollywood), existe uma diferença qualitativa entre a “sonoridade” das gravações caseiras e das produções feitas em estúdio. Com o custo da tecnologia apropriada se reduzindo, o intervalo de separação entre registradores profissionais e amadores apontam hoje em dia para as técnicas apreendidas com a prática. (TANKEL, 1990, p. 35) [grifos do autor] [tradução nossa]

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Figura 19: Genealogia do Rock/Metal Essa árvore genealógica do Metal foi criada pelo antropólogo canadense Sam Dunn, criador do documentário “Metal - Uma Jornada pelo Mundo do Heavy Metal” http://3.bp.blogspot.com/_7w771LFkrBg/TCvHhRjoJqI/AAAAAAAAIAs/LRmRRLGTrU4/s1600/Metal_Genealogy.jpg

Outro aspecto da codificação inerente ao processo de registro sonoro

pode ser descrito por aquilo que Barthes chamou de “o grão da voz”. Estendendo a adaptação de Barthes (por Kristeva) ao conceito de “produção dual”, podemos descrever a gravação buscando clareza como “pheno-gravação” e gravação enquanto ato criativo como “geno-gravação”. O primeiro estando constrangido por imperativos tecnológicos – gravações distorcidas são difíceis de serem escutadas – porem o segundo é uma qualidade intangível criada pelas circunstâncias do processo de gravação. Além do mais, a música é tanto gravada (preservada) quanto interpretada (mixada e editada). A tecnologia da gravação sonora e as habilidades do engenheiro de som juntas criam um “grão” para a gravação, um contexto sônico; em essência, a dualidade pode ser definida como a expressão (a música) e o “grão” (a mixagem). (TANKEL, 1990, p. 35) [grifos do autor] [tradução nossa]

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Figura 20: Genealogia do Rock progressivo Obtido em: http://www.rockprogressivo.com.br/canais/imagens/arvore_mapaprog.gif

A prática da gravação é ao mesmo tempo um ato de controle social e um ato estético. O registrador sonoro – a pessoa que transforma o som da performance em um artefato – faz julgamentos estéticos que normalmente são percebidos como pertencentes à esfera do artista executor da obra. (TANKEL, 1990, p. 34)

A contribuição do registrador sonoro para a performance musical

inclui a “produção” (sound design) e engenharia (o trabalho de gravar o som) Estas funções, que podem ou não ser levadas a cabo pela mesma pessoa, juntas constituem juntas o processo de controle do áudio (TANKEL, 1990, p. 34)

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Figura 21: Genealogia da musica eletrônica Pop

Obtido em: http://techno.org/electronic-music-guide/

A tecnologia da gravação dos sons pode armazenar e recuperar os

elementos básicos da música (ritmo, melodia, harmonia e coloração tonal), mas o registrador também pode manipular a inteirade do ambiente sonoro. Através da fixação e do ajuste de vários parâmetros do som (por exemplo, volume, altura, timbre, justaposição, presença e ataque/decaimento), o registrador pode “codificar” a música e o espaço musical. (TANKEL, 1990, p. 34) [grifo nosso]

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1.5 CONCLUSÃO DO CAPÍTULO

Até o presente momento do desenvolvimento de nosso trabalho procuramos

demonstrar o modo pelo qual se estrutura o processo da produção fonográfica.

Apresentamos suas fases e seu desenrolar, descrito como uma série de etapas que

se interligam e se completam, na manufatura de um artefato audível destinado à

replicação em massa.

Descrevemos alguns dos processos sociais envolvidos na prática da

gravação através do seu desdobramento histórico, explicado como a transformação

do papel do produtor fonográfico, de simples registrador de eventos sonoros, evolui

para o de membro sindicalizado de um staff corporativo, encontra caminhos para se

desenvolver na instancia privada- quando os meios de produção se tornam mais

acessíveis-, e finalmente se torna um importante colaborador artístico tão

organicamente ligado ao projeto musical que a prática se torna uma arte. Nesse

ponto arriscamos um complemento a essa transformação do papel do engenheiro de

som colocando a hipótese de que, nos dias de hoje, seria sensato vincular essa

figura ao campo do design.

Para tanto em primeiro lugar nos inteiramos dos processos decisórios pelos

quais se pautam os projetos de som, explicamos os conceitos de transparência e

coloração como divisores iniciais da fundamentação de um projeto sonoro e,

finalmente, procuramos legitimar a inserção da produção fonográfica no campo do

design.

Discorremos ainda sobre os conceitos de modos de escuta e competências

auditivas articulando-os ao design de som. Para tanto nos fundamentamos nos

conceitos de autopoiese e acoplamento estrutural encontrados em Maturana e

Varela.

Nos próximos capítulos iremos nos inteirar das partes constituintes do projeto

fonográfico dos índios guarani bem como do processo pelo qual se desenvolveu o

design de som para esses projetos.

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Quem algum dia assistir a uma dança séria de pajelança, admirar-se-

á com os matizes sonoros que um instrumento tão simples pode produzir. Apraz-me considerar o maracá como símbolo da tribo Guarani: rude e simples em seu adorno bárbaro, incapaz de ser inserido no concerto da civilização, onde seu papel seria forçosamente grotesco, mas muito eficaz para exprimir o próprio sentimento: ora o maracá soa sério e solene, como se quisera persuadir a divindade a “olhá-lo”; ora soa forte e selvagem, arrastando os dançarinos até o êxtase; ora, de novo, tão leve e tremulamente suave, como se nele chorasse a velha saudade desta raça cansada pela “Nossa Mãe” e pelo repouso na “Terra sem Mal”. (NIMUENDAJU, 1987, p. 80) [grifos do autor].

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2 APRESENTAÇÃO DO PROJETO FONOGRÁFICO

A música que se escuta em tempo real, executada por músicos presentes fisicamente, cuja complexidade sonora emana da irradiação de freqüências vindas de pontos diferentes do espaço físico imediato é uma instância presente na maior parte das comunidades pelo globo. Durante milhares de anos essa experiência fez parte da vida cotidiana de sociedades tradicionais.

A música tem enorme importância na vida tradicional das sociedades indígenas. Ela aparece em muitas ocasiões, podendo ser tocada ou cantada diariamente durante horas, por meses a fio. Para essas sociedades, a música é parte fundamental da vida, não simplesmente uma de suas opções. O que nós relegamos a um segundo plano como optativo, ou ‘lazer’, ocupa um lugar mais central na percepção dos grupos: formador de experiência social, parte integral das atividades de subsistência, garantia da continuidade social e cosmológica. (SEEGER apud MORAES 1983, p. 86) [grifo do autor]

Aí estão soldados, portanto música e vida, indivíduo e coletividade –

osmose fora da nossa História, mergulhada no Mito. Tempo sem tempo em que cada árvore é uma árvore – concretude que se situa no pólo oposto do nosso conceito geral e abstrato de “arvore” – e no qual, com cada árvore, aprende-se tanto a cura quanto o canto. (MORAES 1983, p. 86) [grifo do autor]

As citações acima contrastam de maneira categórica com o modo de escuta e

fruição pertinente ao consumidor contemporâneo. Contrasta também com aquilo que

se pratica no momento da gravação do áudio. A prática segmentada de uma

atividade outrora apreendida pela coletividade como organicamente ligada ao

desenrolar do tempo presente se distancia de tal maneira que cria um contraste

marcante e inexpugnável. Vejamos como essa forma compartimentalizada da

atividade do registro de áudio em estúdio pode ser descrita:

(...) a situação do momento da gravação em estúdio é um exemplo

ainda mais forte e representativo desta vida moderna. As janelas de vidro e os baffles [separadores feitos de material acústico absorsor] que isolam o músico de seus companheiros músicos; a audiência abstrata; a sensação de estar produzindo um objeto e uma commodity de produção em massa; a desconstrução do tempo por pedaços ou takes e sua reconstrução através da colagem deste fatiamento – estas são metáforas muito fortes da vida moderna. Sua imagem refletida na experiência do ouvinte é de solidão, a oclusão do músico, o uso da música como objeto e commodity; o colapso de uma arquitetura social do tempo e criação de um design de tempo interior. Uma vez que essa experiência contradiz todas as coisas que o ato musical representou durante vasto período, esses são paradoxos. (EISENBERG, 2005, p. 130) [tradução e griffo nosso].

Como podemos encontrar também em ATTALI (2006) a música torna-se

então não mais uma afirmação da existência, mas antes de tudo um valor. Nada

mais contrastante que a música praticada no contexto da sociedade Guarani, onde,

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como descrito por autores como MONTARDO (2002), SCHADEN (1974), JEJUA

(2004) e NIMUENDAJU (1987) na maioria dos casos, a pessoa em questão recebe o

canto enquanto dorme, através de um sonho com um parente falecido.

Este vínculo com a cosmologia faz do trabalho de registro de músicas

imemoriais das sociedades tradicionais um evento único, delicado e cheio de

contradição. Evento único, pois se faz necessária a autorização da comunidade,

sem a qual qualquer trabalho de campo não pode se legitimar. Delicado, pois que,

dependendo do processo de trabalho escolhido, pode-se incorrer na velha

assimetria de poder que tanto marcou a etapa colonialista e imperialista da recolha e

do armazenamento. Cheio de contradição porque, em ultima instância, a música

guarani e a música de outros tantos povos não foi concebida para ser registrada, foi

criada para ser vivenciada em sua prática diária.

O que possibilitará a disseminação de catálogos de músicas tradicionais será,

contraditoriamente, justamente o advento de um mercado global de consumo

voltado para um repertório musical diferente dos já “batidos” universos da música

POP, Jazz e erudita. Ao invés de se conformar com as mesmas músicas de todos os

dias, é muito melhor, de acordo com EYRE (2005) encontrar nas muitas lojas de

discos em Nova Yorque, Tokio, Miami, Londres e Paris produtos que podem

despertar um permanente estoque de surpresas culturais.

2.1 WORLD MUSIC E O MERCADO PARA A “MÚSICA DOS OUTROS”

Segundo PEER (1999) quando os acadêmicos começaram a utilizar

equipamentos de som ao final do século 19 para fazer gravações etnomusicológicas,

seu objetivo inicial era facilitar o trabalho de transcrição. Após a transcrição, o

resultado dessas gravações era depositado nos arquivos de museus nacionais,

bibliotecas, institutos de pesquisa e universidades. Após algum tempo, algumas

dessas instituições passaram não somente a armazenar as gravações, mas também

lançar algumas compilações no formato de discos, freqüentemente em colaboração

com gravadoras privadas. Desde os anos 1960, quando o interesse em musica

tradicional (e seus desdobramentos) começou uma modesta expansão, de forma

privada selos particulares foram se tornando cada vez mais ativos.

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Olhando o mercado de World Music do final do século 20, PEER (1999) nota que

o negócio evoluiu para um complexo amalgama de selos privados, instituições

nacionais e organizações internacionais que produzem gravações ditas “étnicas” e

“world music”. Nesse amalgama geral as fronteiras entre o suporte governamental e

produções de gravadoras privadas nem sempre é claro. Uma mesma companhia

pode englobar tanto selos baseados em leis de incentivo quanto selos puramente

comerciais. Selos particulares podem levar a cabo projetos “não comerciais”

enquanto firmas financiadas pelo estado miram em retornos comerciais para seus

produtos.

Em outra vertente, ATTALI (2006) menciona o aparecimento de um mercado

de folk music ao longo dos anos 1930. O modo de produção que alimentava esse

mercado incipiente possuía o viés da prospecção e da pilhagem, tema que vem a

tona quando se começa a refletir sobre a maneira como algumas produções são

feitas. Existem produções que visam à pura coleta e distribuição no mercado,

existem produções que se destinam a estudos acadêmicos, existem produções que

procuram o hibridismo cultural como arauto de novos tempos de harmonia entre os

povos. Sobre este ultimo aspecto, TAYLOR lembra (1997) que quando músicos

ocidentais se apropriam da música de outros povos e usam-na em suas próprias

composições, ou até mesmo trabalhando conjuntamente com musicistas não

ocidentais, velhas estruturas de subordinação colonialistas são freqüentemente

reproduzidas nessa nova musica que surge.

Interessa-nos muito estudar a forma como algumas produções são levadas a

cabo. Pudemos observar que algumas fazem parte de grandes projetos

governamentais (de países Ocidentais) visando o armazenamento em museus e

institutos. PEER (1999) faz um minucioso estudo da situação em que se

encontravam os selos voltados para musicas de outros povos no final do século 20.

São duas discussões que podemos desenvolver. Uma sob a ótica da produção

e outra sob a ótica do consumo.

Sob a ótica da produção interessa saber como e em que circunstância as

gravações foram levadas a cabo. Alguns métodos de gravação remetem diretamente

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ao trabalho acadêmico, outros são levados a cabo por pessoas cheias de altruísmo

e plenas de boas intenções, porém é fato que muitas gravações remetem mesmo a

métodos coloniais de apropriação do patrimônio cultural de povos ditos “étnicos”.

O processo que ATTALI relata se dá na América e diz respeito à maneira como

o mercado de música folk despertou o interesse da indústria fonográfica: Começando nos anos 1930, quando a demanda pelo blues se tornou

tanto maior para incitar esperanças de lucros, a produção foi sistematicamente desenvolvida através da prospecção e pilhagem do patrimônio dos negros do sul: a idéia de pagar royalties para negros jamais ocorreu com freqüência para aqueles que registravam suas canções. O sistema de “Field Trips” (tours de coleta através dos estados do sul organizados por procuradores – algumas vezes negros – chamados de caçadores de talentos) tornou possível o fornecimento aos novos migrantes recém chegados às grandes cidades industriais do norte uma reflexão estandardizada das formas musicais de sua cultura de origem. (ATTALI, 2006, p. 104) [tradução nossa, grifos do autor]

Sob a ótica do consumo interessa saber quando e sob quais circunstâncias a

“musica dos outros” se tornou comercializável.

Steve Jones (1993) observou que o termo ‘world music’ começou a ser corrente em um momento que viu o aumento do uso da categoria internacional e a adoção de estratégias globais por parte da indústria musical. World Music é um rótulo que vem sendo usado desde o começo dos anos 1980 para se referir a uma eclética mistura de estilos, ritmos e sons, e assim como tantas categorias musicais ele emergiu inicialmente para resolver um dilema de marketing dentro da indústria do entretenimento. Esta categoria foi formulada após um meeting em Londres composto de membros de vários selos pequenos que desejavam construir um espaço de mercado para colocar uma musica diversificada, variadamente classificada como ‘étnica’, ‘tradicional’ ou ‘de raiz’, cuja popularidade estava aumentando (NEGUS, 1999, p 164). [tradução nossa, grifos do autor]

TAYLOR (1997) traça um painel das diversas formas pelas quais nesse novo

mundo de mudanças foi possível a apropriação e a alteração, particularmente na

musica popular Norte Americana e Britânica, resultando em inúmeros casos de

sincretismos e hibridismos musicais, resultando naquilo que Simon Frith chama

de “estética do POP universal”. Examina o nascimento de novos gêneros e

gravadoras de “World Music” e “World Beat”, mostrando como os vários

discursos cercando esse nicho de mercado se sobrepõem através de

enunciados e conceitos que versam sobre busca de autenticidade, pureza,

aventura e turismo de campo. Descreve também a tendência para uma recaída

na manutenção de velhas hegemonias culturais e até mesmo tecnológicas.

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NEGUS (1999) também irá tratar desses temas ao discutir a

desterritorialização e a ocorrência do mercado para uma música proveniente de

várias partes do globo. Seu viés é, no entanto mais abrangente, apontando que

fazer desse assunto um julgamento baseado somente em pressupostos críticos

a uma nova face do imperialismo/colonialismo cultural significa simplificar uma

questão muito mais complexa. Para ele não há duvidas de que a apresentação

das músicas do mundo freqüentemente envolve um discurso calcado na

exploração do exótico e na romantização da música de “outros lugares”. O

empacotamento desses produtos não está dirigido para as pessoas que

vivenciam cotidianamente esses territórios, mas para aqueles que são de fora.

Para aqueles que não possuem uma ligação imediata com a experiência da

prática musical na atualidade em que se manifesta.

Entretanto, conforme anuncia NEGUS, seria errôneo

(...) sugerir que qualquer pessoa envolvida no marketing da world

music estaria cinicamente explorando o talento dos outros com um único intuito, ou que promover um artista em termos de seu lugar de origem sempre significa construir um significado de ‘otherness’(...) Muitos participantes desse contexto são entusiastas trabalhando para gravadoras pequenas, ardentes devotos que apreendem a world music como sendo a indicação de uma espécie de emergente cultura global trazida a tona pelo crescente cosmopolitismo e que sentem isso como um desafio diretamente dirigido á formulação de novas estéticas e estilos. (NEGUS, 1999, p. 167) [tradução e grifo nosso]

Autores como Steven Feld vem a anos se debruçando há anos sobre o tema.

Em seu artigo Pygmy POP, A genealogy of Schizophonic mimesis de 1996 ele

desenvolve uma intensa investigação sobre as várias formas de apropriação que

diversos compositores fizeram da música do povo Mbuti, etnia de povos pigmeus

existente no atual Zaire. Através de gravações levadas a cabo por Simha Arom e

outras efetuadas por Colin Turnbull nos anos 1950 esse repertório registrado em

áudio passa pela mão de artistas e compositores que imitam, copiam, interagem

e sampleiam, tecendo um painel composto de uma série de apropriações

indébitas daquela tradição musical. Esses artistas acabam obtendo um

incremento em seu capital cultural através do lustro que uma campanha de

marketing bem dirigida pode oferecer, mas Feld não consegue encontrar um

benefício objetivo sequer que tenha se revertido para aquela comunidade de

Pigmeus.

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Em seu livro elaborado em conjunto com Charles Keil, Music Grooves, de

2005, FELD volta sob nova ótica ao tema da apropriação, desenvolvendo um

panorama histórico e estilístico de como surgiram e se desenvolveram duas

correntes mercadológicas de música denominadas World Beat e World Music.

David Lewiston, por outro lado, se assume integralmente, e de bom grado,

como agente contemporâneo daquilo que ATTALI classificou em citação anterior

como um promotor de “Field Trip”. Pode-se constatar essa afirmação quando

Lewiston explica sua técnica de abordagem a músicos no decurso de suas

gravações e do modo como nomeia os estudiosos acadêmicos de musicas

tradicionais. Para ele os etnomusicólogos são, antes de tudo, “ethnóides”. Para

LEWISTON estas são

(...) pessoas que pegam em mãos músicas maravilhosas e então as analisam até que todo o prazer esteja perdido. É uma espécie de indivíduo chato, esse que almeja ser pago para fazer palestras sobre música se baseando na invenção de um discurso pseudo acadêmico, com “sonoridade teutônica”. O melhor é calar a boca e aproveitar a música. Eu passo horas difíceis quando tenho que escrever notas explicativas nos CDs que gravo, porque sinto que no momento em que o leitor as lê, ele seguramente não estará aproveitando a música. (entrevista concedida a Christina Roden, obtida em: http://www.rootsworld.com/interview/lewiston.html acesso em 22/12/2011)

Ilustrativo também é o processo em que Lewiston se baseia para se

aproximar de musicistas ao redor do globo com a estratégia de registrar em

áudio a sua música: - Quando adentro a uma vila imediatamente procuro por algum cara

utilizando camisa, gravata e jaqueta, ok? Eu sei que ele deverá ser ou o médico do local ou um administrador ou um professor de escola. Eu digo: - Oi, eu sou David Lewiston, estou muito interessado na musica local. Explico que o que quero escutar é música tradicional pura. Sei que esses intermediários tem conhecimento suficiente para diferenciar a cultura local e o que é realmente música local verdadeira do que é um tema de “Bollywood”. (LEWISTON, 2006, em entrevista concedida ao jornal New York Times sob o título David Lewiston, a ‘musical Tourist’ of the World. Datada de 5 de Julho de 2006. Obtida em http://www.nytimes.com/2006/07/05/college/coll05pare.html acesso em 30/12/2011)

Qualquer que seja a abordagem a desterritorialização da música e sua

comoditização é um fato. A produção dos CDs do projeto MEMÓRIA VIVA

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GUARANI aconteceriam, tanto sob a ótica da produção quanto sob a ótica do

consumo, inscritos nesse processo global e contemporâneo. Desta maneira,

sabíamos que o fruto do trabalho de gravação do repertório seria inevitavelmente

colocado nas mesmas prateleiras de produções diversas produzidas através de

modos de abordagem completamente díspares, alguns bem intencionados,

outros nem tanto. Todos eles acondicionados sob o mesmo rótulo em lojas e

sites de venda on-line.

A comoditização da world music no mercado internacional se intensificou nos anos 1980. Músicas outrora classificadas como ‘muito dos outros’ acabaram se tornando inteiramente familiares. A resenha de John Szwed para a compilação de gravações Music and rhythm da WOMAD apresentou o termo “etnomusicologia” para os leitores do periódico Village Voice, para logo em seguida dispensá-lo como um purismo modernista: “Quem precisa de um PH. D. quando existem muitas lojas de discos em Nova Yorque, Tokio, Miami, Londres e Paris abarrotadas de produtos que lhe dão um permanente estoque de surpresas culturais”. Em estilo similar, extraído de uma série de reportagens sobre world music da revista Option em 1990, vai o que se segue:

- Cansado da musica que você tem escutado? Porque não convidar então um grupo musical Keniano especializado em cerimônias de casamentos ou uma troupe de ciganos com turbantes de vilas do Nilo para a sua sala de estar? Tesouros musicais de regiões extremas ao redor do globo abundam em lojas de discos por estes dias. E a maioria dos créditos disso vão para poucas almas intrépidas que se situam pelas bordas do establishment da musica pop, pessoas que devotaram anos para a proposição de trazer gravações impecáveis e excelentemente produzidas de world music para a cultura de massas. Dez anos atrás as estantes de musica internacional das lojas podiam-se encontrar somente importações francesas muito caras ou então gravações precariamente produzidas por selos como Folkways, Nonesuch Explorer e Lyrichord – a maioria dessas gravações licenciadas de esfomeados etnomusicólogos sem dinheiro para continuar seus trabalhos de campo. Esses lançamentos tendiam para o academicismo, com seleções de músicas fatiadas em períodos de três minutos, começos e términos abruptos, com notas didáticas repletas de classificações e jargões musicológicos. (Banning Eyre, apud Feld 2005, p. 264) [tradução nossa, grifos do autor]

No entanto, nosso entendimento era de que estávamos a serviço da

comunidade Guarani para exercer com o maior respeito e dedicação um trabalho

técnico e conceitual que pudesse satisfazer a todos envolvidos no projeto. Não

estávamos recolhendo material para estudos posteriores, não estávamos

resgatando elementos culturais esquecidos, não estávamos operando um

conceito de marketing fundamentado na comercialização do registro em áudio da

“verdadeira musica autêntica dos povos”.

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Estávamos dialogando estética e tecnologicamente com aspectos vivos de

uma cultura viva. Registrando a performance de musicistas que tinham rostos e

cujos nomes constam do encarte dos CDs ao lado de seus respectivos

instrumentos. Uma comunidade que possuía força e coragem suficiente para

propor novos pontos de contato com a sociedade dos homens brancos, os Juruá.

Competia retribuir de maneira satisfatória e competente a confiança com que,

desde os primeiros contatos, as lideranças indígenas haviam depositado em nós.

O trabalho iria ser grande, demorado e de extrema complexidade logística. A

responsabilidade seria muito grande.

2.2 O CONTEXTO DA PRÁTICA MUSICAL GUARANI

A base para qualquer projeto de som é o entendimento profundo de como o

ouvinte escutará e decodificará essa mensagem. Sendo fundamentalmente um

processo comunicacional, não faz sentido conceber qualquer projeto de som sem

levar em conta os standards culturais daqueles a quem ele está destinado e a partir

de quais práticas e processos geradores ele foi emitido.

Em verdade, o próprio objeto sonoro já traz em seu bojo algumas

possibilidades projetuais que definirão o percurso da finalização de seu projeto de

som. Se o corpo sonoro for construído a partir de instrumentos acústicos, a

finalização poderá se restringir a alguns procedimentos exaltando a “naturalidade”

deste objeto. De fato, raramente se escutam reverbers (eletrônicos ou digitais) ou

processamentos de áudio complexos em fonogramas voltados para a escuta de

música erudita ou Jazz tradicional. Da mesma forma, o registro de músicas

tradicionais pressupõe que a ambiência sonora guardará certo grau de identidade

com o local onde ela é cotidianamente criada, praticada e reproduzida. Não é

esperado ao se escutar um fonograma de músicas com tambores do Burundi que a

mesma esteja ambientada sonicamente dentro de uma Catedral Gótica. De maneira

idêntica, existe uma expectativa, já fundamentada por anos de prática de escuta, de

que um fonograma de Canto Gregoriano possua uma quantidade muito grande de

reverberação ambiente.

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A compreensão dessas expectativas do ouvinte direcionam até certo ponto o

caminho por onde a prática projetual escolherá suas alternativas e traçará seu

desenho. Não que isso deva cercear qualquer inovação e a criatividade no trabalho projetual, porém é esperado que elas aconteçam dentro de certos limites traçados

por aquilo que Pierre Bourdieu chamará de Habitus11.

No caso dos álbuns sonoros ÑANDE REKO ARANDU (1998) e ÑANDE

ARANDU PYGUA (2004) os emissores da mensagem sonora eram Índios Guarani

das etnias Ñandeva e M’bya, e as gravações contêm registros de quatro

modalidades da música tradicional guarani: acalantos, cantos religiosos infantis,

flautas femininas e a dança feminina do Tangará.

Vejamos como alguns autores se referem e descrevem às canções e aos

instrumentos.

Sobre a maneira como as canções são reveladas durante o sono:

[...] Na maioria dos casos, a pessoa em questão recebe o canto enquanto dorme, através de um sonho com um parente falecido. (NIMUENDAJU, 1987, p. 77).

[...] Quando, num bando Guarani, alguém recebe seu primeiro canto de pajelança, isto sempre se constitui num acontecimento de interesse geral. [...] entre índios com mais de quarenta anos constituem exceção aqueles que não têm nenhum canto de pajelança. Alguns cantam por qualquer motivo: quando se equilibram sobre uma pinguela, para não cair dentro d’água, e coisas semelhantes. Outros se impõem maior reserva, e em acontecimentos excepcionais, sobretudo acidentes, ouve-se por vezes pessoas cantarem, e que ninguém sabia possuírem cantos. (NIMUENDAJU, 1987, p. 77).

As músicas em formato de canções infantis são acompanhadas de M’baracá

(violão), Rawé (rabeca), Maracá Mirim (chocalho) Takuapu (varetas) e Anguapu

(tambor de pele). O guarani sempre utilizou instrumentos. Eles utilizavam o violão, feito de casca de tatu. Às vezes é de outras madeiras que a gente tem, nhandepá ou aquele cedro. Faziam assim mais ou menos o formato, semelhante ao violão atual, dos brancos. Os guarani já tinham. Antes, muito antes dos jesuítas. Muito antes da invasão dos portugueses. Eles já tinham. E aliás, a afinação, eles já tinham a própria dos guarani. E rabeca também, já tinha a afinação. O guarani já tinha seu próprio violãozinho de 5 cordas representando Tupã, Kuaray, Karaí, Jakairá, Tupã Mirim. (Popyguá,1998 encarte p. 8)

Sobre a sonoridade do maracá:

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!11 “L'origine et 1'evolution des espèces de melomanes”. In: BOURDIEU, Pierre. Questions de sociologie. pp. 155-60. Paris: Ed. de Minuit, 1980.

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[...] Estes maracás são muitas vezes heranças antigas, que passam de pai para filho. Sua santidade e poder mágico me parecem estar especialmente na sua “voz”, isto é, no seu som. Os índios sempre ficam extremamente constrangidos, quando um estranho indiscreto pega um maracá e começa a brincar despreocupadamente com aquele “chocalho de criança” (NIMUENDAJU, 1987, p. 80) [grifo do autor]. [...] Quem algum dia assistir a uma dança séria de pajelança, admirar-se-á com os matizes sonoros que um instrumento tão simples pode produzir. Apraz-me considerar o maracá como símbolo da tribo Guarani: rude e simples em seu adorno bárbaro, incapaz de ser inserido no concerto da civilização, onde seu papel seria forçosamente grotesco, mas muito eficaz para exprimir o próprio sentimento: ora o maracá soa sério e solene, como se quisera persuadir a divindade a “olhá-lo”; ora soa forte e selvagem, arrastando os dançarinos até o êxtase; ora, de novo, tão leve e tremulamente suave, como se nele chorasse a velha saudade desta raça cansada pela “Nossa Mãe” e pelo repouso na “Terra sem Mal”. (NIMUENDAJU, 1987, p. 80) [grifos do autor].

Essas canções são cotidianamente executadas por coro de crianças e

possuem sempre uma temática religiosa ou de caráter educacional. Apresentam por

assim dizer uma função de “catecismo” na cosmogonia Guarani. São instrucionais

de práticas comportamentais para a coletividade Guarani, sendo executadas na

maioria das vezes no interior da Casa de Reza, mas não apenas ali.

“O Guarani sempre teve um cântico. Geralmente um cântico que fala

da cultura, da religião, da travessia da Terra Sem Mal. Também fala dos pássaros. Esses cânticos representam para nós o cântico da paz. No casamento tinha esse cântico das crianças. E, quando as crianças nascem, também tem o cântico.

Tudo tem significado para o guarani. Por exemplo, o cântico da criança. Amanhecendo o dia, todas as crianças cantavam estes cânticos tradicionais que estão no CD. Os mais velhos ensinavam as crianças a cantar e explicavam qual é a importância, qual o significado daquele cântico. (Popyguá,1998 encarte p. 3)

Sobre a prática musical no cotidiano da vida dos Guarani

Os Apapocúva não conhecem cantos e danças profanos de nenhum tipo, mas apenas religiosos. Por isto, o canto de pajelança chama-se simplesmente poraí, “canto”, e a dança de pajelança jiroquý, “dança”. (NIMUENDAJU, 1987, p. 77) [grifos do autor].

Os Kyrigue Mborai: Existem os cantos dos rezadores que representam as regiões

cosmológicas. O leste, sol nascente, Morada de Nhamadu. Oeste, sol poente, Morada de Tupã. Sul, Morada de Jakairá. Norte, morada de Jekupé. Em todas estas regiões existem os espíritos que enviam os cantos para nós e para as crianças. Estes cantos são antigos. Nosso Deus Nhamderu ensina e

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envia o canto para cada um de nós. Nosso Pai Nhanderu envia estes cantos porque as crianças são puras. Elas não são influenciadas pelos espíritos do mal.

Há muito tempo as crianças já recebiam e cantavam os kyringue mborai (cantos infantis). Às vezes não percebemos, mas já trazemos os cantos em nós. Também podemos receber o canto com o poder de curar. Podemos receber o canto como uma gota em nosso coração.

Devemos receber e ensinar os cantos para nossas crianças. Antes dos Juruá chegarem a esta terra já existiam os Rezadores que recebiam o canto através de revelações e sonhos. Recebiam sabedoria. Eles recebiam os cantos através de meditações. Hoje ainda nós devemos acreditar e ter fé. Por isso as crianças e jovens recebem os cantos. Quando as crianças cantam os cantos sonhados ou ouvidos de alguém, devemos sempre respeitar.

(Inácio Karaí Tataendy Jejua, 2004, encarte do 2º CD)

Algumas vezes são entoadas em postura estática e outras em movimento,

podendo inclusive possuir uma coreografia específica para sua pratica e execução.

Na figura do que seria um maestro ou regente, todas elas possuem um ‘Xondaro’ e

líder do grupo que puxa o andamento da música bem como comanda a entrada de

todos os versos e estrofes. Conforme ilustrado na figura a seguir, o coro de crianças

segue o seu líder cantando e, dependendo da canção, poderá fazer algumas

evoluções no interior da casa de reza. Uma das músicas escolhidas para

exemplificar o design de som deste trabalho possui justamente uma grande

movimentação do coro e de seu líder, fato que contingenciou toda a estrutura da

gravação, assim como selecionou determinados procedimentos ao longo do

processo de pós-produção (mixagem).

!

Figura 22: Líder do coro de crianças puxa a fila, fornecendo tanto o diapasão quanto o andamento da execução musical. As crianças o seguem cantando e entram na casa de reza fazendo algumas evoluções em

seu interior. (fonte: escaneado da capa do CD pelo autor) !

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Essas canções funcionam como um mantra que é repetido ao longo de certo tempo.

O violão possui a função de manutenção de registro e diapasão, assim como

elemento unificador do ritmo e andamento das músicas. A Rabeca participa

episodicamente com melodias que possuem grande identidade com a melodia

cantada e entra no intervalo entre os versos. Maracá ou chocalho e tambor de pele

participam marcando o ritmo, tanto no tempo quanto no contratempo, mas não

possuem formas rítmicas muito elaboradas, de forma que jamais aparecem

sincopadas.

!

Figura 23: instrumentos comuns na prática musical da etnia Guarani: rabeca, pau de choque, tambor e chocalho (desenhos originais dos curumins feitos nas oficinas culturais na época da gravação. (fonte:

escaneado do encarte do CD pelo autor) !

O local mais comum de execução é, portanto o interior da casa de reza (Opy),

uma construção de pau-a-pique com aproximadamente 7 metros de largura por 15

metros de comprimento, dependendo do número de habitantes da aldeia. Quanto

maior a aldeia, maior será o tamanho da casa de reza, modificando-se assim as

condições acústicas em seu interior. O teto é de taipa e palha com duas ‘águas’,

havendo ainda ao menos duas vigas circulares de sustentação no meio do recinto. O

chão é de terra batida. Geralmente possui duas portas e ocasionalmente alguma

janela. Qualquer membro da tribo entra à hora que lhe aprouver, havendo

permanentemente a presença de alguém tocando violão ou rabeca, sendo essa

sonoridade uma constante no ambiente Guarani, assim como o ruído de pássaros,

galináceos, cachorros, porcos e gatos. Esses animais não são controlados por

cercas ou correntes, podendo entrar e sair livremente das construções. Como o

ruído que produzem faz parte do ambiente, achamos natural que eles aparecessem

nas gravações.

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!

Figura 24: Rabeca sendo tocada no braço e apoiada no ventre do instrumentista, como era comum na Europa do período barroco. Podemos ver também o posicionamento do microfone (Microtech Geffell M-

294) permitindo uma perfeita captação do corpo sonoro do instrumento.

2.3 O PROJETO FONOGRÁFICO MEMÓRIA VIVA GUARANI

Quanto ao público receptor, foi considerado que os ouvintes, além dos

próprios índios uma vez que todo projeto MEMÓRIA VIVA GUARANI estava

centrado em sua cultura, seriam potencialmente entidades institucionais -

universidades, colégios e bibliotecas, todos integrados às redes estaduais e

municipais. Também seriam ouvintes potenciais a classe consumidora de músicas

tradicionais comercializadas por selos voltados para o registro etnomusicológico,

bem como aqueles dirigidos para o mercado conhecido como de world music –

atendidos por selos como Audivis/UNESCO, o francês OCORA e o japonês World

Music Library ou mesmo por selos mais voltados para um estilo mais comercial,

como Putumayo e MCD Records. Integram o target ainda membros das classes

sociais A e B com curiosidade sobre diversidade cultural e esclarecimento suficiente

sobre relativismo cultural. Examinando brevemente o perfil de escuta de nosso

público-alvo, podemos identificar que os potenciais compradores seriam afeitos ao

consumo e à escuta de fonogramas que apresentassem uma abertura a referências

sonoras esteticamente mais realistas, além de certo ‘gosto’ pela maneira como uma

mensagem musical resulta quando assim registrada e apresentada em seu invólucro

sonoro.

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Figura 25 (Abaixo): Exemplos da produção fonográfica de selos voltados para a música tradicional de várias regiões do globo.

Uma questão recorrente com que o produtor musical se depara no que tange

ao registro da música de culturas tradicionais diz respeito à até que ponto o

processo de gravação pode ou não interferir no ritual em que se insere.

Por um lado, temos gravações produzidas por selos especializados no

registro etnomusicológico de culturas tradicionais - registros esses usualmente

realizados através de aparelhos de gravação estéreo, sendo, portanto gravados em

apenas dois canais. O aparelho NAGRA constitui o padrão para esses registros.

Analisando alguns exemplares podemos notar que a captação, apesar de fidedigna

e fiel ao conteúdo sonoro, não conseguia traduzir toda a complexidade sonora do

ambiente onde essas músicas são praticadas. Usualmente, ao ar livre ou no interior

de recintos os mais variados possíveis, contando com um grande número de

participantes ou apenas com um cantor, um aparelho de gravação estéreo com

apenas dois microfones não consegue dar conta da imensa quantidade de variáveis

que essas empreitadas envolvem.

Por outro lado, existem selos especializados num tipo de música que se

convencionou chamar de ‘World Music’, uma divisão que comporta inúmeras

subdivisões de gêneros musicais, mas que grosso modo remete a músicas

tradicionais de várias regiões do globo, já transformadas numa espécie de tradução

e ‘purificação’ tecnológica proporcionada pela padronização de um aparato de

gravação e de instrumentação comercializado em escala mundial (worldwide). Essas

gravações acontecem em estúdios profissionais ou em shows e apresentações para

um grande público, tanto de aficionados quanto de turistas. É o que se convencionou

chamar de manifestações folclóricas e que a globalização dos anos 90 permitiu que

se disseminasse na proliferação de gravadoras e selos independentes dos quais o

PUTUMAYO é uma das maiores expressões.

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Figura 26: Nas figuras abaixo, exemplos de produções fonográficas do selo World Music PUTUMAYO. Notar a identidade visual de cada exemplar.

De saída, nas reuniões que antecederam a etapa de pré-produção dos

álbuns, consideramos a exclusão dessa concepção sonora de músicas tradicionais

registradas através de gravação em estúdio. Sem excluir o potencial mercadológico

que a inclusão de nosso projeto em um selo destes poderia proporcionar, entendia-

se que o interior de um estúdio não seria o local apropriado para a prática musical

guarani.

No entanto, os critérios técnicos de registros etnomusicológicos não

satisfaziam nossas expectativas quanto ao resultado sonoro final. Esses registros,

apesar de primorosos e aventurescos, padecem de uma espécie de debilidade

projetual, uma vez que não compreendem etapas de registro como uma mixagem

multicanal, não levando assim a cabo o projeto fonográfico em sua completude.

Nas fotos a seguir, podemos notar o trabalho de campo de alguns dos mais

renomados pesquisadores, etnomusicólogos e ‘sound field recordists’, como Deben

Bhattacharya, James McNeish, James Koetting, Hugh Tracey, Moe Asch e pioneiros

no registro etnomusicológico como Frances Densmore, Samha Arom e Colin turnbull

. Nada pode obscurecer e eclipsar esses fantásticos registros sonoros, porém trata-

se de gravações voltadas para o estudo etnomusicológico que, graças à curiosidade

e descoberta de um nicho de mercado, começaram a ser comercializadas por selos

especializados em musica étnica. Carecem de um planejamento sonoro, de um

processo de design de som. Um microfone apenas não pode dar conta de abarcar,

em um simples registro, a complexidade sonora de tal ambiente. Para esta tarefa, é

imprescindível um número maior de microfones captando cada detalhe, com o

registro sendo feito em um aparelho multipista para uma posterior ‘recriação’ da

ilusão sonora daquele ambiente. Trata-se, portanto de uma atividade que requer um

projeto minucioso, com uma série de etapas a serem cumpridas antes de se lançar o

registro diretamente na fase industrial da replicação em massa. Conforme visto no

capítulo inicial, trata-se de uma produção fonográfica que requer um ‘design de

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som’ definido e criado para ouvintes que possuem uma determinada referência de

escuta. Precisamos portanto de um projeto para chegarmos ao resultado desejado.

O Nagra: Figura 27: O Nagra e sua utilização por Simha Aron

em http://vimeo.com/28758535 http://th00.deviantart.net/fs26/PRE/f/2008/032/3/0/Nagra_IV_S_by_dangeruss.jpg Figura 28: Bruce Davis e Simha Arom utilizando um Nagra para gravação de campo.

Bruce Davies em http://vimeo.com/28758535 Obtido em: http://www.sfu.ca/~truax/WSP3.jpg

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A-Frances Densmore B- Deben Bhattacharya C- Colin Turnbull

D- Simha Arom E- Simha Arom F- Simha Arom

G- Esau Mwamwaya H- Hugh Tracey I- Hugh Tracey

J- Tilman Seebas K- James Koetling L- Andrew Tracey

!Figura 29: Nas fotos acima o exemplo de alguns Etnomusicólogos em gravação de campo. Notar o

posicionamento dos microfones face ao objeto sonoro. Com exceção da ultima, todas contam com apenas um microfone para captar o geral.

Fonte das fotos12 acima

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!12!Fotos obtidas em: A-Frances Densmore: http://27.media.tumblr.com/tumblr_lm4cuvOSbQ1qacf7ko1_250.jpg B- Deben Bhattacharya: http://folkcatalogue.files.wordpress.com/2010/02/deben-bhattacharya1.jpg C- Colin Turnbull: http://www.biogeneticstructuralism.com/turnbull.JPG Simha Arom – D-http://www.ethnomusic.ucla.edu/archive/webmedia/images/arom.jpg E- http://www.mespercussions.net/instruments/S.5-el-EQUIVALENCES%20DE%20NOMS_fichiers/image024.jpg F- http://vimeo.com/28758535 G- Esau Mwamwaya Hugh Tracey H- http://ilam.africamediaonline.com/preview/93_6.jpg I- http://ilam.africamediaonline.com/preview/93_437.jpg J- Tilman Seebas : http://t1.gstatic.com/images?q=tbn:ANd9GcQ460nK03_f55uylVTnnfeYanPptrU7jiQrWCf4Ok5EzPK9_rh8&t=1 K- James Koetling: http://dl.lib.brown.edu/koetting/img/koetting2.jpg

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A problemática projetual em cima da qual deveríamos nos debruçar estaria

focada na questão de como otimizar a qualidade sonora sem descaracterizar o ritual

ou cercear a liberdade que a prática musical guarani requer.

Figura 30: Nas figuras abaixo, duas produções estrangeiras de registro de música indígena brasileira,

sendo a primeira pela Unesco e a segunda pela Ocora. Embora estes tenham servido como referência para a sonoridade de nosso projeto, o design de som dos CDs guaranis ficou bem diferente. (fonte da imagens:

site da Amazon)

Inserindo esta problemática projetual no diagrama ontológico do design

proposto por Bonsiepe teremos então o seguinte arranjo:

!

Figura 31: Diagrama de Bonsiepe aplicado à gravação fonográfica da música guarani Ação: a fruição da música Guarani Ferramenta: a execução musical e extra-musical por parte dos Guarani

A diretriz projetual era portanto estabelecer a junção entre esses dois

elementos, ou seja: criar uma interface sonora entre a execução musical dos

guaranis e os consumidores de música registrada em fonogramas (CDs). !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!L- Andrew Tracey: http://ilam.africamediaonline.com/preview/95_112.jpg

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Ao se aproximar por uma picada na mata de longe se escuta o silêncio

entremeado de cantos de crianças, conforme se vai aproximando o som do tambor

fica mais evidente, em seguida o violão e por fim a rabeca e o maracá.

Essa experiência nos deu algumas referencias projetuais de como construir a

mixagem.

A meta projetual do álbum ÑANDE REKO ARANDU gravado em 1997 e

lançado em 1998 era fazer com que o ouvinte se colocasse dentro da casa de reza.

No que concerne ao segundo álbum, uma coletânea lançada no formato do CD

duplo ÑANDE ARANDU PYGUA (2004), uma vez terem sido firmado acordos de

parceria com selos voltados para o mercado de World Music (MCD records e Lua

Discos) a relação de balanço entre os elementos participantes do repertório foi

adequada a um padrão de escuta condizente com o nicho de mercado a que se

destinava.

As lideranças indígenas apresentam assim o segundo álbum:

Este CD é o resultado de um amplo movimento cultural intensificado

a partir da gravação do CD Ñande Reko Arandu-Memória Viva Guarani, em 1998. Este movimento, iniciado pelas aldeias Tenondé Porã, Boa Vista, Ribeirão Silveira e Sapukai, motivou a revitalização dos corais infantis em várias aldeias guarani de estados do sudeste e do sul do Brasil, a composição de novos cânticos e a recuperação de modalidades que estavam sendo esquecidas como os acalantos e os temas de flauta feminina.

O CD foi gravado em estúdios móveis instalados nas Opy (casas de reza) das aldeias Tenondé Porã (julho de 1999), Ribeirão Silveira (dezembro de 1999) e Krukutu (novembro de 2002), eventos que reuniram 300 crianças e músicos de dez aldeias guarani e de uma aldeia tupi-guarani dos estados de São Paulo e Rio de Janeiro.

Foi produzido pelo Instituto Teko Arandu, patrocinado pela Secretaria de Estado da Cultura/SP e apoiado pela Associação Guarani Nhe’e Porã, pela Secretaria de Estado da Educação/SP, Fundo Social de Solidariedade/SP e pela Fundação Prefeito Faria Lima/CEPAM.

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Musica é muito mais que apenas os sons capturados em um gravador

de fita. Música é a intenção de fazer algo chamado música (ou estruturado de

modo similar ao que chamamos de música) em oposição a outras espécies

de sons. É a habilidade de formular cadeias de sons aceitos por membros de

uma determinada sociedade como música (ou o que quer que seja que eles

chamem a isso). Música é a construção e o uso de instrumentos produtores

de sons. O uso do corpo para produzir e acompanhar os sons. Música é uma

emoção que acompanha a produção dela mesma, a apreciação dela mesma,

e a participação em uma performance. Música é também, logicamente, os

sons por eles mesmos após terem sido produzidos. É intenção assim como

realização; é emoção e valor assim como estrutura e forma.

Anthony Seeger

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3 FASES DO PROJETO FONOGRÁFICO

Nesta etapa do presente trabalho passo a relatar o modo como a produção

fonográfica dos CDs ÑANDE REKO ARANDU e ÑANDE ARANDU PYGUÁ foi

efetivada.

Seguindo o esquema descrito no capítulo 1, quando foram explicitados os

elementos contidos em uma produção fonográfica, vamos expor de início como se

passaram as primeiras reuniões deliberativas entre as pessoas relacionadas ao

projeto. Iremos relatar também as experiências que cercaram as primeiras

gravações in loco, nas aldeias Boa Vista, Ribeirão Silveira e Bracuhi.

Essas gravações serviram ao propósito de fornecer protótipos do produto

final. Foram escutadas e analisadas, e seus resultados deram base para novas

reuniões e deliberações, então, após algum tempo o plano de ação para a gravação

definitiva foi feito.

Tendo descrito essa fase de protótipos irei descrever o processo de registro

na Aldeia Boa Vista, local da gravação definitiva das músicas que compõe o 1º CD

ÑANDE REKO ARANDU que foi finalizado em 1998. Irei me abster de comentar

sobre as seções de gravação para o 2º cd ÑANDE ARANDU PYGUÁ lançado em

2004 porque os procedimentos adotados foram em sua maioria bastante similares

ao primeiro CD. Somente quando houver alguma diferença marcante, essa mudança

no procedimento será descrita.

Irei por fim comentar os procedimentos executados durante a finalização dos

dois álbuns. E aqui, já antecipando a atenção do leitor, reside a principal diferença

entre uma produção e outra. A primeira produção visava à transparência sonora,

pautando pela busca de uma ambiência que refletisse a escuta que se tem no

interior da casa de reza Guarani. No segundo CD, a orientação foi ressaltar alguns

elementos musicais contidos na execução e no repertório Guarani. O volume da

rabeca foi incrementado e o som do violão foi tratado para sublinhar o corpo natural

que esse instrumento possui quando servindo de suporte harmônico e rítmico.

Essas alterações, é preciso ressaltar, foram discutidas por todos e acabaram

aceitas por irem ao encontro da intenção de formatar um produto que se adequasse

às expectativas de ambientação sonora do homem branco. Essa atitude devia-se em

parte ao fato de as lideranças indígenas terem assinado um contrato de parceria

com os selos MCD Records e Lua discos, ocasião em que se escolheu um padrão

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menos natural, mais próximo ao padrão de sonoridade da média de gravações

“world beat” que havia pelo mundo. De outro lado, estas mudanças devem-se

também à autocrítica e correção de um aspecto do resultado sonoro do primeiro CD

que me incomodou no espaço de tempo entre o lançamento do primeiro álbum e o

início das gravações do segundo. Essa mudança pode-se então ser atribuída, em

parte, a uma correção de rumo em minhas concepções técnicas e artísticas. Esse

tópico será devidamente discutido.

3.1 PRÉ PRODUÇÃO

A fase de pré-produção marcou as primeiras reuniões e deliberações acerca

do produto de áudio que viria a ser registrado. Importante fase de estruturação do

projeto onde uma série de restrições foram levantadas e trabalhadas com o

propósito de encontrar alternativas criativas para o processo. Nessas reuniões foram

também ficando claras as expectativas de cada participante do projeto. Do lado dos

Índios o discurso era o de utilizar as gravações como instrumento para o resgate de

elementos quase esquecidos de sua cultura. Devido a toda problemática de fixação

dos índios em reservas e todo processo de aculturação contra o qual eles têm que

lutar em seu dia a dia, muitas particularidades de sua cultura correm o risco de

serem esquecidas se não praticados ao longo de sua cotidiano. Esse risco era

avaliado pelas lideranças jovens e alternativas eram buscadas. Alternativas que se

encaixassem e se articulassem com o que o Estado do homem Branco lhes pudesse

oferecer em termos de conforto físico, espaços para mostrar sua cultura, aspectos

tecnológicos destinados a uma maior praticidade no dia a dia e, acima de tudo,

alternativas que pudessem ocasionar o aumento de renda da comunidade. Os Índios

recebem anualmente uma verba da FUNAI que não é suficiente para operacionalizar

uma independência financeira. Vivem em espaços exíguos, sem a oportunidade de

explorar reservas naturais como madeiras nobres ou resinas industriais, porque não

as possuem. Seus membros muitas vezes acabam tendo que trabalhar em obras

como construções, plantações e serviços esporádicos. Isso gera uma série de

problemas levando, como se sabe, ao desenraizamento, à depressão, ao

alcoolismo, ao consumo de drogas, quando não até ao suicídio. Como se pode

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observar no discurso que acompanha o depoimento de Timóteo Verá Popyguá, uma

das lideranças indígenas, no encarte do primeiro CD:

Cada vez mais está ficando difícil. Cada vez mais estamos passando

necessidade. Temos um espaço muito pequeno. Mas temos esperança porque estamos vendo que as crianças estão com outra cabeça. Vamos fazer força para as crianças de hoje crescerem com a cabeça de que a nossa cultura e a nossa dificuldade jamais nós vamos misturar um com o outro. As crianças vão crescer assim. Temos certeza que esta cultura que nós estamos gravando, o CD, vai ser útil, vai ser viável para nós porque as crianças vão estar seguindo aquilo lá. Acho que o futuro, sabemos que vai ser difícil para nós. A tendência é de preservar a nossa cultura porque isso não vai acabar por aqui. Hoje nós estamos gravando o CD. O primeiro espaço e primeira base se construiu. Se plantou uma semente. Esta semente que se plantou vai dar frutos para todos no futuro. Então, acreditamos que a gente vai passar dificuldade mas a gente vai manter a cultura, vai se fortalecer mais nesta tradição do guarani. Nós vemos por aí a cultura. Ela é o futuro do guarani. (Popyguá,1998 encarte p. 11)

A expectativa das lideranças indígenas, portanto, remetia ao que eles

poderiam levantar em termos de valorização, rememoração e resgate de seu

repertório musical, bem como, e porque não, à criação de novos cantos pelo coletivo

da comunidade,

Havia também uma série de questões a respeito da receita originada pela

venda dos CDs. Como seria feito e acompanhado esse processo? Para sanar essas

dúvidas uma equipe jurídica foi providenciada pela autarquia ‘Comunidade Solidária’

para sanar as dúvidas relativas aos direitos autorais da comunidade e à maneira

como a arrecadação iria ser distribuída.

Essas lideranças deveriam decidir ainda uma série de questões relativas ao

processo de produção musical em si mesmo. Que grupos iriam ser gravados,

quantas crianças estariam em cada grupo, que musicas gravar, em que época e

como organizar a ida de pessoas para as reuniões. Questões logísticas inerentes à

dinâmica social da vida na tribo.

No que concerne às expectativas da liderança branca, o propósito parecia ser

o de articular o maior numero de eventos concomitantes ao processo de gravação. A

exposição do projeto a mídias impressas e televisivas certamente iria atrair maior

atenção de mediadores culturais e de instituições estatais. Um projeto dessa

magnitude, para ser concretizado, precisa contar com recursos logísticos e

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financeiros. Nada mais natural que algumas preocupações dos coordenadores

ligados à Comunidade Solidária recaíssem sobre a visibilidade do projeto como

alternativa para a potencialização de sua viabilidade.

Do lado do produtor de som e sound designer, a busca seria a de articular um

projeto sonoro que guardasse identidade com a sonoridade produzida diariamente

no interior da casa de reza e ao mesmo tempo possuísse um apelo sonoro mais

amplo do que o geralmente escutado em registros etnomusicológicos voltados para

a transcrição e o estudo da sintaxe musical.

Os participantes precisaram então colocar na mesa um jogo entre essas

expectativas múltiplas das várias equipes, articulando o ponto de encontro entre a

desejabilidade do projeto, sua viabilidade e a sua praticabilidade. O levantamento de

uma série de restrições logísticas, técnicas, culturais e operacionais deveriam ser

abordadas e anotadas. Algo que Tim Brown sistematiza como um diagrama de

restrições que fundamenta o ponto de partida para qualquer projeto de design

thinking.

!

Figura 32: Esferas de restrições propostas por Tim Brown !

Segundo Brown, a soma de eventuais restrições à realização de um projeto

deve ser entendida como oportunidade para o desenvolvimento de alternativas

projetuais criativas:

A disposição e até a aceitação empolgada das restrições constituem o fundamento do design thinking. O primeiro estagio do processo de design costuma se referir à identificação das restrições mais importantes e à definição de critérios para sua avaliação. As restrições podem ser mais bem visualizadas em função de três critérios sobrepostos para boas idéias: praticabilidade (o que é funcionalmente possível num futuro próximo; viabilidade (o que provavelmente se tornará parte de um modelo de negócios sustentável); e desejabilidade (o que faz sentido para as pessoas). (BROWN, 2010, p. 18)

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3.1.1 Brainstorming

Esse projeto é um projeto inédito, um projeto bonito. Porque, antes, nunca o índio teve participação. Então, uma coisa importante dessa gravação e que tem participação no projeto, os executores da gravação somos nós. A gente tem participação. Uma coisa interessante. (Popyguá, 1998, encarte p. 21)

Como o projeto era fundamentado na participação pro ativa de todos os

membros, o primeiro estagio possuía um viés que mais se aproximava de um

brainstorming do que de reuniões burocráticas com distribuição de tarefas. As

restrições gerais de cada etapa do projeto eram levantadas e discutidas em grupo,

sem um esquema rígido de hierarquia que sobrepusesse opiniões culturais sobre

restrições técnicas e vice-versa, sem que conceitos tecnológicos fossem

considerados mais importantes que aspectos culturais da prática musical guarani. A

função do autor deste trabalho naquelas reuniões e ao longo do projeto era a de

contratado pela comunidade indígena para concretizar um trabalho de registro

fonográfico. A coordenação de gravações não almejava fazer um trabalho de coleta

de registros, mas sim um facilitador da comunicação entre a emissão da musica

Guarani e os ouvidos já multiplamente referenciados dos brancos que iriam comprar

aqueles trabalhos.

!

Figura 33: Divergências e convergências

3.1.2 Prototipagem

Foi decidido fazer ao menos duas sessões de gravação em cada aldeia

participante do projeto: Aldeia Ribeirão Silveira em Bertioga SP; Aldeia Sapukai em

Angra dos Reis, RJ; Aldeia Boa Vista em Ubatuba, SP; Aldeias Morro da Saudade e

Krukutu ambas localizadas nas proximidades de Parelheiros, SP.

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Os objetivos iniciais podem ser relacionados da seguinte maneira:

1. Fazer um primeiro levantamento do repertório 2. Inventariar as condições logísticas de cada aldeia 3. Inventariar as condições acústicas de cada aldeia 4. Proporcionar um primeiro contato dos músicos com a prática de gravação 5. Testar microfonações e equipamentos, bem como investigar a melhor

forma de suprir a energia para esses equipamentos. 6. Fazer com que os participantes se escutassem cantando e tocando e

também que se escutassem dentro de um protótipo do projeto final. 7. Estabelecer, a partir das melhores soluções técnicas encontradas, um

protótipo que fornecesse a idéia de produto final.

(1) Era necessário um levantamento do repertório, pois não se tinha uma idéia

exata de quantas músicas e quais delas seriam gravadas. Havia a intenção de

formalizar a institucionalização de um coral de crianças por aldeia, pois assim, além

de solidificarem sua performance e execução em conjunto, poderiam ser

programadas apresentações para diversos públicos, em escolas públicas, projetos

culturais e eventos ligados às comunidades indígenas como o festival Intertribal que

acontece todos os anos. Essas apresentações teriam também como foco as futuras

“turnês” de promoção à época de lançamento do CD, e também seriam uma forma

de solidificar a prática social do canto como valorização de sua cultura perante os

Juruá e, mais importante ainda, fundamentalmente perante as próprias crianças

indígenas.

(2) Era muito importante também inventariar as condições logísticas de cada

aldeia, pois havia a possibilidade de unir os corais de todas as aldeias em uma só

localidade. Se isso fosse decidido, então a aldeia escolhida deveria ter capacidade

para acomodar um contingente populacional muito maior do que estão acostumadas

a receber. O Guarani se locomove bastante entre todas as aldeias, porém sempre

em número reduzido. Abrigar mais de duzentas pessoas para um evento dessa

magnitude seria um desafio de logística. Haver-se-ia de organizar o transporte, o

combustível, as acomodações noturnas, uma cantina, eventos paralelos como

atividades para as crianças e adultos, enquanto não estivessem gravando. As

condições de acesso também seriam observadas. Como deslocar equipamentos

sensíveis e delicados por estradas precárias e picadas íngremes através de

caminhos na serra do mar. Tudo isso deveria ser testado.

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(3) Como aspecto técnico inicial, era muito importante Inventariar as

condições acústicas existente em cada aldeia. Nas aldeias próximas ao bairro de

Parelheiros, por exemplo, foi constatado que a proximidade de estradas com

circulação razoável de caminhões e ônibus interferiria na ambientação da gravação.

Além disso, ocasionalmente escutam-se ao longe ruídos de aviões e helicópteros.

Em nossa concepção, esses não eram ruídos passíveis de ser integrados ao

resultado final.

As dimensões também eram importantes. O tamanho de cada casa de reza

foi cuidadosamente anotado e estudado. Existem determinadas proporções entre as

medidas de um recinto fechado, seja altura, largura ou comprimento, que amortizam

ou fazem ressaltar freqüências, cujo comprimento de onda entra em ressonância

com essas medidas.

(4) Proporcionar um primeiro contato dos músicos com a prática de gravação

significava otimizar o tempo quando as gravações oficiais estivessem em

andamento. Sabíamos todos que o tempo geral disponível para concretizar o

registro de áudio seria limitado. Se fossem ultrapassadas barreiras como timidez

inicial, coisa que acontece com qualquer musico profissional quando se fala a

palavra mágica: – gravando! Então estaríamos todos mais seguros.

Além disso, a questão da comunicação entre os artistas e a equipe técnica

era muito importante ser equacionada e resolvida. Em um estúdio de gravação isso

é fácil, pois, apesar da distância física e das barreiras físicas proporcionadas por

paredes e vidros, existe um dispositivo chamado talkback, através do qual toda

comunicação entre músicos, produtores e técnicos é feita. Na casa de reza não. O

lugar é escuro, pois possui somente uma ou duas portas de entrada e raras são as

janelas. O contingente de pessoas envolvidas, além da audiência que queria

acompanhar o evento, sempre era fonte de ruído que atrapalhava a comunicação.

Precisávamos organizar o início e o final dos takes. O autor jamais iria, no interior de

uma casa de reza, se expressar em voz alta para comandar o início de um take.

Então, um dos elementos que mais contribuíram para a concentração geral foi a

convenção que se estabeleceu entra a equipe técnica e os artistas de que, no

momento em que tudo estivesse pronto, o líder do coral pediria silêncio ao grupo.

Fazendo-se o silêncio uma lanterna seria acesa iluminando o teto da casa de reza, e

em seguida, numa fração de segundo, apagada. Na semi- escuridão, o facho de luz

era facilmente apreendido por todos como um momento de concentração máxima.

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Nesse momento havia um silencio geral e o canto começava na hora em que o

xondaro estivesse pronto. Além disso, os dois clicks, um para ligar e outro para

desligar, marcariam no áudio, para quem escutasse depois no estúdio, o início de

cada take.

(5) Outro aspecto de ordem técnica era testar o desempenho de microfones,

técnicas de microfonação e equipamentos de gravação. Equipamentos eletrônicos

são sempre sujeitos a condições de temperatura, umidade, poeira e micro partículas

de fuligem ou poluição. Havia a preocupação acerca da maneira como os

microfones iriam reagir à umidade sempre freqüente na serra do mar, próximo à

linha costeira no litoral norte paulista ou nas encostas das montanhas que circundam

a cidade de Angra dos Reis.

Nessa etapa de prototipagem começamos trabalhando com um par de

microfones e um DAT estéreo. Era um sistema compacto que permitia o

deslocamento fácil de apenas um técnico, a montagem rápida do equipamento em

alguma situação interessante que ocorresse inesperadamente. Assim foram

testados vários tipos de microfones, posicionamentos destes em relação ao coral e

aos instrumentos que o acompanham, assim como fontes de energia para os

equipamentos.

Na primeira sessão foi utilizado um pequeno aparelho DAT da AIWA com

microfones omnidirecionais embutidos. Foi testada a comunicação e a prática

processual de uma gravação in loco. Modos de lançamento de informações em

fichas, esquematizações gráficas de movimentação coreográfica dando suporte à

performance, enfim, elementos relacionados à dinâmica organizacional do processo

de gravação.

Nas sessões subseqüentes os equipamentos utilizados foram:

• Um Gravador digital DAT MK II da TASCAN • Dois Pré amplificadores ART TUBE MP • Par de microfones condensers GEFFELL UMT 70, • um microfone dinâmico sennheiser MD 421, um microfone dinâmico

SHURE SM 57. • Gerador de energia elétrica movido a gasolina.

Com esse incremento na aparelhagem visava-se investigar qual imagem

estéreo seria possível obter, através de diferentes técnicas de microfonação em

estéreo. O par de microfones condensers tinha essa função. Foram experimentadas

técnicas de par espaçado e par coincidente. Por outro lado, os microfones dinâmicos

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tinham a função de investigar qual sonoridade seria possível obter em posições

close mic nos instrumentos de percussão: maracá e tambor.

Nessa etapa foi utilizado também, pela primeira vez, o gerador de energia

elétrica movido a gasolina. Era um aparelho que fornecia 3.5 KVA e era posicionado

a aproximadamente 150 metros de distância da casa de reza. Foi constatado que

mesmo a essa distância ocorria vazamento de som, ou seja, o som do gerador era

captado pelos microfones localizados dentro da casa de reza. Não obstante, a opção

recaiu na utilização do gerador, pois as freqüências resultantes desse vazamento se

situavam em regiões muito baixas do espectro audível, podendo ser eliminadas

durante a fase de pós-produção. Além disso, o preço das baterias para um DAT em

relação a sua autonomia de funcionamento e também em relação às restrições

levantadas por uma gravação em somente em dois canais não compensava sua

utilização.

(6) Outro aspecto a que essas sessões de prototipagem remetiam era a

possibilidade de fazer com que os participantes se escutassem cantando e tocando.

Isso era importante para legitimar nosso trabalho perante a comunidade e fornecer

às lideranças uma idéia de como seria a resultante sonora no projeto final.

!Figura 34: Localização das aldeias (fonte: GoogleEarth editado pelo autor)

Os elementos a seguir foram levantados ao longo dessas sessões de

prototipagem. São considerações sobre a casa de reza, o cerimonial de canções

infantis e o posicionamento dos músicos:

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Nas figuras a seguir podemos observar (1) a dimensão aproximada das casas

de reza encontradas nas aldeias de Boa Vista e Ribeirão Silveira. (2) o modo pelo

qual a comunidade se apropria do espaço físico no interior da Opy.

Os músicos ficam no meio e a audiência se posiciona ao redor. Trata-se de

uma audiência flutuante, pois o único entrave para a entrada é a autorização de um

xondaro que fica posicionado à porta, com a função de guardião.

!Figura 35: Dimensões da Casa de Reza (fonte: o autor)

!Figura 36: Ocupação interior da casa de Reza, ao centro, no espaço cinza ficam os músicos. (fonte: o

autor)

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!Figura 37: Análise de posicionamento dos músicos (fonte: o autor) !

Em algumas músicas o coro ficava estático e somente o xondaro (marcado

pelo ponto preto ao centro) se movimentava. Violão, Rabeca e Maracá ficavam

numa posição entre o altar e o coral.

!Figura 38: Disposição em fila do naipe das meninas (esquema: o autor; foto: encarte do CD)

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Em outras canções, como ilustrado pela figura abaixo, além da movimentação

do xondaro, observamos também a movimentação do coral. Pequenos passos eram

dados para frente e para traz, acompanhando o andamento da música. (em

observação a isso, para a sessão definitiva, providenciamos microfones PZM

posicionados junto aos pés das crianças com o intuito de melhor captar este

elemento rítmico)

!Figura 39: padrão de deslocamento das filas, dando passos à frente e atrás, como xondaro se deslocando ao longo do interior de fila (fonte: o autor)

Por fim, em algumas canções, desafio técnico máximo para a captação por

microfones, tanto o xondaro líder quanto o coral descreviam um movimento circular

ao redor de um centro imaginário.

!Figura 40: Padrão de deslocamento em que o coro inteiro se deslocava em movimento circular. (esquema: feito pelo autor; Foto: escaneada do encarte do CD)

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O padrão polar escolhido, que melhor se adaptava ao espaço sonoro dentro

da casa de reza era o cardióide, que possui um esquema de captação semelhante

ao exemplificado pela figura abaixo. Ele capta com maior intensidade sons que

incidem em eixo, e conforme os sons incidem pelas laterais, sua capacidade de

captação vai diminuindo, até que cessa completamente para sons que incidirem fora

do eixo, a 180º. Com a escolha desse padrão polar ficou parcialmente resolvida a

questão de vazamentos sonoros entre o naipe das meninas e o naipe dos meninos.

Como, via de regra, os naipes posicionavam-se em face um do outro, precisávamos

separar ao máximo a captação de som referente ao microfone direcionado aos

meninos e ao microfone direcionado às meninas. Quando utilizamos microfones

omnidirecionais não conseguimos uma separação efetiva. Quando utilizamos a

técnica de microfonação por par coincidente, a imagem estéreo ficou muito constrita

ao centro. Foi decidido então que, para se captar os naipes de cantores seriam

posicionados dois microfones condensers em padrão polar cardióide frente

respectivamente a cada coro.

!Figura 41: Figura de captação do padrão polar cardióide (fonte: Streicher & Everest 1998)

Restava resolver uma questão física proveniente da interação entre as

idiossincrasias particulares ao microfone e a disposição do coro. Como podemos

observar na figura abaixo, o padrão de disposição dos naipes era uma linha reta.

Isso fazia com que sons similares emitidos pelo canto de cada criança chegassem a

momentos diferentes ao mesmo microfone (sons de mesma intensidade, mesma

faixa dinâmica, executados com precisão rítmica e precisão de afinação).

Ao se alinhar em fila, a criança posicionada imediatamente à frente do

microfone se situava a uma distância (d1) deste microfone; a criança imediamente a

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seu lado a uma distância (d2) e assim por diante, quanto mais crianças fizessem

parte dos coros.

!Figura 42: distâncias das crianças ao microfone (fonte: o autor)

Essa disposição gerava um efeito chamado comb filter, definido como o

cancelamento de fase de algumas freqüências e o reforço da amplitude de outras.

Já vimos anteriormente o significado do conceito de transparência no áudio.

Ele pode ser retratado pela figura abaixo, onde nenhuma coloração é adicionada ao

som como ele é produzido.

!Figura 43: Esquema ideal da transdução eletrônica onde nenhuma coloração é adicionada ao som (fonte:

o autor)

No entanto, pelas características de funcionamento de cada aparelho

eletrônico envolvido no processo de gravação, a representação daquela

transparência acaba sendo desvirtuada pela adição ao som das particularidades

transdutórias desses equipamentos. Aquela transparência que anteriormente era

representada por uma resposta linear, se transforma agora em uma linha composta

de vales e montes, algo já distante em relação à linearidade anterior.

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!Figura 44: Coloração proporcionada pela transdução eletrônica de um equipamento (fonte: o autor)

Ora, o efeito comb filter ocasionado pela relação da posição do coro (em linha) com

o padrão de captação do microfone gerava uma resposta gráfica similar ao

exemplificado pela figura abaixo:

!Figura 45:representação da coloração adicionada pelo comb filter. (fonte: o autor)

!

O que se encontra são vales profundos em regiões importantes do espectro

para a representatividade da sonoridade de um coro infantil. Esses vales

representam quedas intensas na intensidade (volume) de faixas de freqüências.

Pior ainda, como o coro se movimentava além de comb filter tínhamos a

ocorrência de um efeito chamado flanging13, que é a movimentação daquele filtro

pente (comb filter) para cima e para baixo do espectro sonoro.

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!13 O efeito Flanging foi descoberto nos anos 1960 ao se manipular dois gravadores de fita em sincronia. Ao se colocar o dedo no caretel de um dos gravadores a velocidade da fita diminui, gerando múltiplos batimentos e cancelamentos, o que faz a peculiaridade sonora do efeito. É muito importante para o Rock e para a musica POP em geral, mas definitivamente não é um efeito para se usar quando o resultado almejado é a transparência sonora.

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As freqüências canceladas podem ser facilmente obtidas através da aplicação

das formulas abaixo:

!

Figura 46: Acima, o esquema e a série de cálculos para obter as freqüências canceladas pelo atraso de sinal da voz das crianças em relação ao microfone. (fonte: o autor)

Calculamos primeiro a distância de cada criança para o microfone, estando o

microfone posicionado a um metro da criança imediatamente em face a ele. Em

seguida usando a formula existente no reorema de pitágoras calculamos a distância

aproximada da emissão sonora de cada criança para este mesmo microfone. Como

o som de cada criança chega com atrazo de tempo, calculamos esse montante

tempo para a posição de cada criança.

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Utilizando a formula de cancelamento de fase encontrada em IAZZETTA

(2009) chegamos ao valor aproximado das frequencias canceladas: 772 Hz para a

interação entre a primeira e a segunda criança, 236 Hz para a interação de

cancelamento entre a primeira e a terceira criança, e ainda a frequencia de 128 Hz

para a interação de cancelamento de fase entre a primeira criança e a quarta

criança. Considere-se que foi observado somente um lado do coro, o lado direito.

Considerando-se o lado esquerdo podemos entender como essa relação de

sucessivos cancelamentos de fase eram importantes para o resultado final do

registro de áudio.

Na tabela que segue podemos observar a série sucessiva de cancelamentos

em vastas regiôes do espectro sonoro, representadas pelos parciais harmônicos

localizados na primeira coluna. Na segunda coluna estão as frequencias canceladas

para cada harmônico em relação à distancia d1/d2. Na terceira coluna as

frequencias canceladas pela distância d3/d4. Na quarta, quinta e sexta colunas

respectivamente as frequencias canceladas pelas distãncias d1/d3, d2/d4 e por fim

d1/d4. Foram calculadas as inteirações de fase somente até o 32º parcial

harmônico, mas a série se prolonga indefinidamente até que a intensidade desses

harmônicos superiores se dilua completamente. Frequencias acima de 13kHz foram

eliminadas da tabela para facilitar a visualização.

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Parciais

Harmônicos

Hz

d1/d2

Hz

d2/d3

Hz

d3/d4

Hz

d1/d3

Hz

d2/d4

Hz

d1/d4

1 772 772 772 236 236 128

2 1.544 1.544 1.544 472 472 256

3 2.316 2.316 2.316 708 708 384

4 3.088 3.088 3.088 944 944 512

5 3.860 3.860 3.860 1.180 1.180 640

6 4.632 4.632 4.632 1.416 1.416 768

7 5.404 5.404 5.404 1.652 1.652 896

8 6.176 6.176 6.176 1.888 1.888 1.024

9 6.948 6.948 6.948 2.124 2.124 1.152

10 7.720 7.720 7.720 2.360 2.360 1.280

11 8.492 8.492 8.492 2.596 2.596 1.408

12 9.264 9.264 9.264 2.832 2.832 1.536

13 10.036 10.036 10.036 3.068 3.068 1.664

14 10.808 10.808 10.808 3.304 3.304 1.792

15 11.580 11.580 11.580 3.540 3.540 1.920

16 12.352 12.352 12.352 3.776 3.776 2.048

17 13.124 4.012 4.012 2.176

18 13.896 4.248 4.248 2.304

19 14.668 4.484 4.484 2.432

20 15.440 4.720 4.720 2.560

21 16.212 4.956 4.956 2.688

22 16.984 5.192 5.192 2.816

23 17.756 5.428 5.428 2.944

24 18.528 5.664 5.664 3.072

25 19.300 5.900 5.900 3.200

26 6.136 6.136 3.328

27 6.372 6.372 3.456

28 6.608 6.608 3.584

29 6.844 6.844 3.712

30 7.080 7.080 3.840

31 7.316 7.316 3.968

32 7.552 7.552 4.096

Figura 47: tabela das freqüências canceladas. Foi calculado até o 32o parcial harmônico, mas a série de cancelamentos continua pelo espectro acima (fonte: o autor)

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Face a esse imperativo de ordem física, e visando uma melhor sonoridade do

produto final, solicitamos às lideranças indígenas autorização para que fosse feita

uma alteração na disposição dos naipes de cantores. Dessa maneira, eles passaram

a se posicionar em uma forma similar a de uma meia lua; assim todas as crianças

ficavam aproximadamente a uma mesma distância do microfone.

!Figura 48: Esquema de disposição dos naipes frente aos microfones cardióides. Os meninos à esquerda e

as meninas à direita. (fonte: o autor)

3.1.3 Divergências e convergências

Após a etapa de prototipagem inicial tínhamos as seguintes opções com relação à

metodologia de gravação:

(1) Gravar ao vivo baseando-se em técnicas múltiplas de microfonação:

(2) Gravar de maneira segmentada baseando-se em técnicas de overdub:

Seria muito difícil a logística porque além dos equipamentos de gravação

deveríamos também providenciar um sistema de monitoração de fones de ouvido

para mais de vinte músicos tocando ao mesmo tempo. Fones de ouvido,

amplificadores de fones, cabos para todos e um sistema de distribuição de sinais.

Além dessas considerações de ordem técnica, havia também considerações de

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ordem processuais e de ordem musical. A técnica de overdub exigiria um tempo

extra para que os músicos se acostumassem com o processo. Nada intransponível

posto que a musicalidade do Guarani facilmente superaria esse obstáculo. Porém

existe um tempo de maturação cognitiva que deveria ser levado em conta, e esse

tempo nós não teríamos. Em relação à ordem musical, como já foi sublinhado no

início do capítulo dois, a música guarani acontece ao vivo. Em respeito a essa

categórica realidade, preferíamos assumir as deficiências eventuais de captação

como cancelamentos de fase, vazamentos de instrumentos para instrumentos e a

interferência de ruídos externos, do que o resultado sem vida da eventual limpeza

sonora proporcionada pela gravação compartimentalizada e isolada de cada

instrumento.

(3) Gravar através de segmentação dos takes e posterior remontagem em

estúdio:

Esta é uma técnica de gravação muito utilizada na produção de música erudita.

Grava-se o evento sonoro através de técnicas múltiplas de gravação, compasso por

compasso, trecho por trecho. Destas partes segmentadas são selecionadas

posteriormente os melhores takes. Na etapa de pós-produção esses takes são

emendados e colados uns aos outros, refazendo assim a integridade da peça

musical.

(comentário) – Faz sentido gravar dessa maneira o repertório erudito, pois foi

se confirmando cada vez mais, através de anos e anos que uma execução livre de

qualquer imperfeição é a melhor representação da peça musical, sendo esse critério

de imperfeição uma coisa relativa de acordo com o tempo e a região. Entendemos

que essas considerações não se aplicam ao repertório Guarani, pois o critério de

perfeição ou imperfeição remete mais a julgamentos intrínsecos ao momento mesmo

da execução, baseando no grau de inspiração do xondaro o resultado prático da

performance.

(4) Gravação em estúdio:

(comentário) – desde o começo evitou-se essa possibilidade, pois o local

onde a música Guarani acontece é a aldeia e a casa de reza. Se fossem revelados

obstáculos de ordem logística insolúveis, talvez essa possibilidade tivesse sido

discutida com mais veemência, porém, de acordo com a orientação inicial do projeto,

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foi praticamente descartada de pronto e o assunto não voltou mais à pauta de

discussões.

(5) Gravação na casa de Reza:

Essa era a escolha de todos os envolvidos no projeto.

(6) Utilização de metrônomo:

Foram levantadas considerações também a respeito da manutenção de uma

integridade temporal ao longo da execução musical. Haveria a opção de se fixarem

os tempos ideais de cada música e, no momento da gravação, a equipe técnica

fazer soar um metrônomo marcando o andamento. Essa idéia foi discutida e

abandonada em prol de uma inspiração proveniente de ordens extra musicais que

deveriam ser deixadas sob a orientação do xondaro líder.

!Figura 49: Tábua de opções (fonte: o autor)

Em relação à logística e à operacionalidade de aspectos ligados à organização,

processo e comunicação foram levantadas as seguintes considerações e

alternativas:

(1) Gravação multitrack ao vivo em cada uma das aldeias:

O desgaste de equipamentos seria muito grande, além de não servir a um propósito

maior que era a organização de uma espécie de festival para a própria comunidade

acerca das produções musicais de cada aldeia

(2) Gravação multitrack ao vivo em apenas uma aldeia:

Essa opção reunia as melhores alternativas projetuais, pois reunia em um só lugar,

em um só momento, todos os envolvidos da produção, facilitando a comunicação e o

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intercambio de idéias e relacionamentos, além de facilitar a logística de acomodação

dos equipamentos. A montagem de apenas um estúdio, coisa que não é facil,

eliminaria riscos sistêmicos para a manutenção de funcionamento e integridade

operacional dos componentes eletrônicos.

(3) Foco de atenção nas gravações:

Implícita nessa idéia estava a idéia de que o elemento mais importante da pauta

seria a gravação do CD, mantendo-se toda consideração de ordem técnica acima de

qualquer outra consideração. Assim, o tempo de gravação seria orientado pela

equipe técnica, não podendo ser interrompido de maneira alguma por outras

necessidades extra musicais. Assim, o fotógrafo responsável pela documentação

iconográfica só ficaria disponível fora dos momentos da gravação. Da mesma forma,

equipes de televisão não poderiam solicitar a entrada no recinto de gravação

enquanto as gravações não estivessem completas.

(4) Foco de atenção em um evento social denominado “Gravação”

Essa alternativa implicava a exata contradição da anterior. O evento social chamado

por todos de “Gravação” estaria subordinando todos os outros eventos que

aconteceriam naquela ocasião, inclusive a gravação musical, ela mesma. Dessa

forma, no evento “Gravação” seriam arregimentados diversos outros eventos

paralelos como oficinas de arte para os curumins; campeonato de futebol inter tribos;

apresentações dos corais de cada aldeia perante a comunidade geral em eventos

realizados ao ar livre; períodos de tempo destinados a entevistas de todas as

lideranças indígenas a Tvs, radios, Jornais e revistas; equipe de filmagem a cargo

do departamento de cinema da USP; equipe de filmagem e documentação da TV

Cultura. Enfim, o evento “Gravação” constituía-se em uma grande teia de eventos

paralelos cuja arquitetura, e porque não chama-la de design, permitia um amplo

alcance de visibilidade e troca de experiências entre as aldeias, entre comunidades

indígenas. Permitia também um acontecimento ímpar na história do relacionamento

entre juruás e índios e entre índios e juruás. Em termos de alcance social, essa

arquitetura permitiría os melhores resultados, embora submetesse a gravação

propriamente dita a horários restritos na pauta do evento geral.

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(5) Duração do evento

Foi acertado que o evento gravação duraria exatos sete dias, sendo cinco

reservados para a gravação das quatro aldeias e de um coral especial que seria

formado com integrantes de todas as aldeias. Essa música seria a ultima do CD.

(6) Repertório e tempo destinado para a gravação propriamente dita:

Cada aldeia ficaria responsável por preparar de tres a quatro canções para o evento.

Haveria tempo hábil para se gravar de quatro a cinco takes por canção. Como cada

performance musical durava em torno de sete minutos, quatro takes de sete

minutos, multiplicados por quatro canções dava um tempo total de gravação de

aproximandamente cento e doze minutos. Com tempo extra para organização do

coral, afinação dos instrumentos, posicionamento dos microfones (lembremos que,

para cada coro, havia variação no número de crianças, variação no modo como se

dispunham, variação na coreografia de apresentação), processo de comunicação de

informações in loco, o tempo geral de cada sessão de gravação era de

aproximadamente quatro horas.

!Figura 50: Esquema de opções

Todas essas redes de opções projetuais que remetem à organização geral do

processo estão organizadas nas figuras que se seguem.

Esse esquema geral da produção está sendo assim descrito e

pormenorizado, pois significou um espaço de restrições ao processo de gravação.

Em diversas ocasiões os eventos acabaram se sobrepondo, não sendo somente

uma vez em que alguma equipe de televisão entrou no recinto da gravação no exato

momento em que estava sendo registrado um take bom. Realmente, entende-se que

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a pauta de grandes veículos de comunicação sejam complexas de serem formadas

e tenham que se encaixar em uma grade de horário maior, constituída pela ordem

geral da planilha de programas e jornais televisivos. Essa sistemática, no entanto faz

com que se reproduzam hegemonias e esquemas de subserviência aos quais o

autor era categoricamente contrário a reproduzir em sua prática profissional diária.

Estamos ressaltando esses eventos, pois eles significaram, no final das contas, o

registro de sonoridade que deu para ser feito. Não o resultado de uma pesquisa de

busca acurada, in loco, que aproximasse o resultado final em 100% do planejado e

projetado.

!Figura 51: Prós e contras de opções

3.1.4 Reuniões

Nas reuniões que se seguiram à etapa de prototipagem foram discutidas

todas as questões relatadas no tópico anterior. Elas formaram um pano de fundo

para as decisões projetuais tanto do evento, quanto da gravação em si.

Desenvolvemos um organograma que apresenta o cruzamento alternativas

processuais e resultados previstos. É um esquema relacionando as opções

estratégicas e resultados possíveis em referencia à adoção desta ou daquela técnica

de gravação

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!Figura 52: Fluxo de decisões

O mesmo organograma é apresentado abaixo, com a adição de um código de cores

e comentários explicativos que demonstram a aplicabilidade das decisões projetuais

assumidas. A melhor opção se encontra na terceira coluna.

!Figura 53: Organograma do fluxo de decisões com respectivos comentários do autor

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3.1.5 Decisões

Após os debates e considerações de ordem técnica chegamos às

deliberações finais expostas no quadro abaixo.

!Figura 54: Deliberações finais sobre o evento gravação. (fonte: o autor)

As gravações seriam feitas na aldeia Boa Vista em Ubatuba por ser a aldeia

que reunia em si as melhores condições para a concretização do projeto.

(1) Proximidade de vias de acesso:

Sua entrada estava localizada próximo à estrada Rio/Santos, possuía um posto

indígena que serviria de abrigo para a equipe técnica e como estoque de peças

eletrônicas de reposição, para o caso de algum problema técnico. Essa proximidade

significava também que os diversos agentes de mídia teriam fácil acesso, não

obstaculizando a logística de inserção de matéria no jornal do dia.

(2) Localização da Opy:

A casa de reza se localizava a aproximadamente 1,6 Km do posto da Funai,

distância essa facilmente transitável em qualquer momento do dia ou da noite. Além

disso, se distanciava de ruídos urbanos, pois a cidade mais próxima era Ubatuba e

se localizava a aproximadamente 24 Km de distância.

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(3) O tamanho da Casa de Reza:

Seu tamanho era ideal para acomodar com folga o lugar onde montaríamos os

equipamentos, com espaço suficiente ainda para acomodar a equipe de

documentação iconográfica e lideranças indígenas que comporiam a platéia das

gravações.

(4) O tamanho da reserva:

A aldeia está localizada em um vale abrigado na Serra do Mar, próximo à entrada da

praia do Felix. Pelo tamanho de sua reserva possua um grande espaço para

acomodar a população flutuante que iria se acomodar ao longo dos sete dias.

!Figura 55: Localização da aldeia Boa Vista (fonte: Google Earth editado pelo autor)

Segundo Ladeira (1988) a aldeia Boa Vista é a que matem relações mais

freqüentes com as aldeias do litoral do Rio de Janeiro e do Espírito Santo.

Interessava muito ao projeto que integrantes das aldeias de outros estados (Bracuí

em Angra já participava do projeto) também estivessem presentes. Assim, ao lado

de uma composição política entre as lideranças, considerações logísticas e

considerações de ordem técnica ficou convencionado que as gravações se dariam

todas na Opy da aldeia Boa Vista. Conforme relata POPYGUA:

A gente tinha contato antes da gravação, mas era diferente. O pajé não, os pajés sempre tem contato com eles. Só que a gente não tinha contato assim, as crianças. Através do CD, de repente, uniram-se quatro aldeias. Se uniu, se preocupou em ter participação mais profunda, se levantou este projeto. Então, resultou que a cada canto que a gente cantou, lá na aldeia Boa Vista, a força era tão grande que se viu, naquele dia, os espírito do guarani. Todos

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estavam presentes ali. Não eram somente de quatro aldeias. Nós mantivemos o apoio espiritual de todas as aldeias. Este é o ponto de partida. Se construiu uma base. Cada um passou a olhar mais, se preocupar mais pelas crianças. Se discutiu isso também. Porque antes da gravação, muito antes, a liderança nunca teve aquele conversar com as crianças, passar aquelas mensagens, qual a importância da religião. Então, através dessa gravação, através da participação de quatro aldeias, nós nos fortalecemos. Isso resultou para nós. Todo mundo falou. Porque claro que tinha a expectativa de que isso jamais vai acontecer. De repente, aconteceu. De gravar todo mundo lá, num lugar só. As crianças nunca tiveram aquele sonho de estar lá com todo mundo, conversar com todo o mundo, ver tanta gente. As crianças, também, começaram a pensar. Começaram a conhecer criança de Ubatuba. Aldeia do Silveira conheceu criança lá do Sapucai. Sapucai conheceu criança do morro da Saudade. Quer dizer: como antigamente, de repente aconteceu. Porque o guarani sempre foi nômade. Os guarani sempre iam lá. Eles tinham contato com várias aldeias. De repente, vem quatro famílias de lá, eles se reúnem numa aldeia. Trazem crianças de outra aldeia, eles mostram a dança. Eles dançam, nós também dançamos. Nós cantamos e cada um vai estar cantando ali. Para os mais velhos. Porque eles tem o conselho dos anciãos. Então, o que os anciãos ensinam às crianças eles trazem para apresentar para os outros anciãos. Isso tinha antigamente. E, de repente, aconteceu a gravação na Aldeia Boa Vista. Uma coisa que ficou marcante, muito. As crianças, nós os músicos e organizadores jamais vamos esquecer daquele momento especial, um momento mais marcante como a gravação. (Popyguá,1998 encarte p. 9)

!Figura 56: Caminho de aprox. 1,5 Km do posto indígena à aldeia Boa Vista

!

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!Figura 57: Vista que se tem do Posto Indígena na entrada da reserva onde fica a aldeia Boa Vista

!Figura 58: Interior de uma Casa de Reza

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!Figura 59: Comparação entre a distribuição de pessoas no interior da Opy em uma cerimônia cotidiana e

no ensejo da gravação. (fonte: o autor)

3.2 PRODUÇÃO

3.2.1 A visualização do projeto final

Para o 1º CD, ÑANDE REKO ARANDU (1998), como empenho projetual de

formatação do produto de áudio final, foi adotada a técnica de gravação com

múltiplos microfones, desta maneira, alguns seriam colocados em padrão close mic

e outros em posição par espaçado para o registro da imagem estéreo.

Procurávamos com isso possibilitar tanto uma captação fiel do ambiente

sonoro global onde acontece diariamente a prática musical Guarani, quanto obter o

registro de detalhes residentes nas baixas amplitudes (volumes) de instrumentos

como a rabeca e no ruído de pequenos passos de dança.

A montagem e recomposição dos balanços de volumes entre os microfones

seriam reconstruídas em momento posterior, na etapa da mixagem. Para nos guiar

nessa etapa posterior de pós-produção contávamos com nossa memória auditiva,

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fruto das experiências vividas ao longo de aproximadamente 18 meses de contato

com a ambiência sonora existente no interior de casas de reza. Acreditávamos com

isso poder legitimar a recomposição sonora através do equilíbrio dos registros de

áudio contidos em cada track do aparelho gravador.

Para o segundo CD, ÑANDE ARANDU PYGUÁ (2004) foram adotados

rigorosamente os mesmos padrões e as mesmas técnicas de gravação. As únicas

modificações residiram no posicionamento dos músicos em um lugar mais afastado,

em relação a sua posição original na primeira gravação. Com esse afastamento

buscava-se uma maior definição da captação dos violões e das rabecas,

necessidade que apareceu no momento em que as lideranças indígenas, agora

personificadas pelo Instituto Teko Arandu firmaram um contrato de parceria com

distribuidoras especializadas em gêneros world music e world beat, MCD records e

LUA discos.

Com essa modificação no posicionamento dos músicos procurávamos

resolver dois problemas que os padrões de captação para o primeiro CD proporiam

no exato momento em que chegasse a fase da pós-produção e mixagem: o

vazamento do som dos naipes de crianças para os microfones da rabeca e do violão

e também a amplitude registrada do maracá em todos os microfones da sala.

Coleções e CDs distribuídos por gravadoras dos gêneros world music e world beat

possuem um padrão de mixagem muito mais próximo do universo da música POP,

onde a finalização do áudio não visa uma representação do contexto original, mas

sim à recriação de um espaço sonoro inteiramente novo.

Guardadas as devidas ressalvas de que essas modificações não

ultrapassariam o limite a partir do qual o contexto musical se tornaria desfigurado,

me submeti às novas exigências e solicitei às lideranças que algumas modificações

no posicionamento de músicos fossem feitas.

3.2.2 Seleção de equipamento

Como equipamento de registro foi adotado o ADAT (Alesis Digital Audio

Tape). Este aparelho possui oito entradas de áudio possibilitando a gravação

simultânea do sinal proveniente de oito microfones diferentes. O registro era feito em

fitas S-VHF através da conversão do áudio analógico para um padrão de resolução

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em 16 bits e taxa de amostragem de 44.100 Hz. Como é um aparelho muito sensível

às condições atmosféricas e de limpeza do ar que circunda o ambiente, para o caso

de algum problema de ordem técnica providenciamos três aparelhos de gravação. O

primeiro ficaria na casa de reza registrando as músicas, enquanto os outros dois

ficariam em stand by, no posto indígena da Funai localizado na entrada da reserva.

De acordo com o modo de transdução, foram selecionados microfones

condenser e microfones dinâmicos com a finalidade de conseguir a aplicação

conveniente ao tipo de som que emanava da fonte sonora.

Os microfones condensers escolhidos foram:

• Par de microfones MICROTECH GEFFEL UMT 70

• Par de microfones AKG C-414

• Um microfone MICROTECH GEFFEL M-294

• Um microfone MICROTECH GEFFEL M-295

• Um microfone CROWN PZM

• Dois microfones SHURE SM-91

Os microfones dinâmicos escolhidos foram:

• Par de microfones SENNHEISER MD-421

• Par de microfones SHURE SM-57

Como pré-amplificadores de microfone foram adotados os seguintes

aparelhos:

• Par de pré-amplificadore mono ART TUBE MP

• Par de pré-amplificadores estéreo BEHRINGUER ULTRAGAIM 2000

• Um pré-amplificados estéreo DIGITECH VTP-1

Apenas com a finalidade de amplificação e distribuição da monitoração do

som obtido, uma vez que o que fosse captado pelos microfones iria diretamente para

o conversor do aparelho gravador (procurando-se com isso a obtenção do maior

grau transparência possível e uma minimização da coloração de equipamentos),

utilizamos:

• uma mesa de som MACKIE 1604

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Finalmente, como monitoração do áudio utilizamos fones de ouvido para os

momentos de gravação e passagem de som; e também caixas de som para escuta

conjunta de todos os envolvidos no projeto logo após as gravações.

• Dois fones de ouvido AKG-K240

• Par de monitores NS-10 Studio

!Figura 60: plano parcial da aldeia Boa Vista, com a localização da casa de reza e o lugar aproximado do gerador de e da linha de transmissão de energia elétrica. (fonte: Google Earth editado pelo autor)

O fluxo do sinal de áudio pode ser observado na figura a seguir. Em detalhe

vermelho a linha de suprimento de eletricidade.

As linhas pretas correspondem ao sinal de áudio.

O sinal de cada instrumento ou naipe de cantores vinha do microfone via

cabos balanceados e entrava em um pré-amplificador. Aí esse sinal era colocado em

um nível de volume compatível com um registro coerente (nem muito baixo para

ficar comprometido pela relação sinal-ruído dos equipamentos, nem muito alto para

correr o risco de overload nos sistemas eletrônicos).

Em seguida o som era enviado para o gravador onde o sinal analógico

proveniente do pré-amplificador era convertido em sinal digital através de

conversores confiáveis do ADAT.

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Após isso, o sinal passava pela mesa de som e era distribuído aos fones de

ouvido e às caixas de som para que pudessem ser monitorados conjuntamente por

todos os envolvidos no projeto.

!Figura 61: Fluxograma do sinal elétrico (fonte: o autor)

Na figura a seguir o fluxo do sinal de áudio mostrado com mais detalhes,

através da gravação por múltiplos microfones através da técnica multitrack

esperávamos conseguir uma recriação posterior compatível com a experiência aural

vivida ao presenciar in loco os cantos das crianças Guarani.

!Figura 62: Fluxo do sinal de áudio, da captação até a monitoração (fonte: o autor)

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!Figura 63: O aparelho de gravação ADAT (fonte: propaganda do Fabricante)

Mesas de som:

Na etapa de gravação Mackie 1604 CR

!Figura 64: Mesa de som usada para monitoração no processo de gravação

Fonte: http://t2.gstatic.com/images?q=tbn:ANd9GcR3cNEz50vGwaRhCoeCh3qRY

Na etapa de mixagem

!Figura 65: Mesa de som utilizada na etapa da mixagem (fonte: site do fabricante)

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3.2.3 Formas de registro e captação (microfonação)

Nas figuras a seguir poderemos observar melhor o esquema de

posicionamento aproximado dos microfones segundo as técnicas adotadas.

Para os microfones de overall foi assumido que os instrumentos deveriam

ficar no centro da imagem estéreo e os naipes de cantores distribuídos ao longo da

imagem panorâmica da esquerda para a direita. Assim, os meninos se posicionavam

à esquerda e eram captados com maior volume pelo microfone direcionado para

esse espaço. As meninas se posicionavam à direita, sendo assim captadas com

maior intensidade pelo microfone direcionado para a direita. Ao centro, captados

com menor volume ficariam todos os instrumentos: rabeca, violão, varetas e tambor.

!Figura 66: área de captação dos microfones de Overall (fonte: o autor)

Deve-se assinalar que o mesmo tipo de microfone foi utilizado na gravação do

segundo CD. Sua posição em relação ao eixo central da Cada de Reza também foi

mantido. A diferença entre um e outro reside no fato de para a segunda produção

termos afastado os instrumentos de percussao para o final da sala. Assim, além da

captação de sua intensidade ser menor, ao somarmos o sinal de áudio desses

microfones overall com o sinal direto dos microfones que estavam dispostos defronte

a estes instrumentos, a imagem que se produziria éra a de um distanciamento com

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uma certa reverberação. Um efeito particularmente interessante quando se que

algum elemento musical aparecendo em um quadro sonoro sem no entanto

mascarar algum outro elemento que, por estrutura da mensagem musical, deve

estar colocado à frente da perspectiva sonora.

Ao escutarmos a gravação do primeiro CD, observando a modulação do sinal

através de um analisador de espectro em modo PEAK podemos comprovar que a

maior parte das faixas possui um reforço muito grande de energia na região superior

a 6.000 hz quando ocorre um ataque do maracá. Isso acabou sendo um problema

pois não havia meios de retirar esse conjunto de frequencias sem comprometer a

qualidade dos outros instrumentos.

!Figura 67: Curva de equalização de um trecho de música do primeiro CD aonde o som do maracá e o som

do canto das crianças coincide. (fonte: tela do ProTools editada pelo autor))

Como o som do maracá entrava em todos os microfones, era impossível

retirar esse grupo de frequencias que constituiam a integridade do timbre do maracá

sem comprometer a sonoridade de elementos sonoros que tambem se utilizam

desse grupo de frequencias para compor a sua sonoridade. A rabeca tem formantes

nessa região do espectro. O violão também, assim como a voz das crianças. Na

etapa de mixagem deixamos mudo o canal direto do maracá, mas nem assim ele

ficou assentado na mixagem. Assim, tentamos corrigir14 este aspecto ao longo da

realização de outras gravações que se seguiram à elaboração do primeiro CD.

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!14 Sob esse aspecto podemos considerar a remasterização do primeiro CD utilizando a seguinte conformação de equalização:

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Na figura a seguir podemos observar os microfones destinados a captar as

fontes sonoras em sua individualidade. Temos então um microfone (cujo raio de

ação é descrito pela coloração azul) diretamente voltado para o naipe dos meninos.

Um outro microfone (cujo raio de ação também é descrito pela coloração azul) está

diretamente voltado para o naipe das meninas, e como tem a configuração polar

cardióide, captará com maior intensidade o som proveniente desse naipa.

Podemos observar ainda microfones cujo raio de ação é representado pela

cor amarela. Esses eram os microfones diretamente voltados para a Rabeca, para o

Violão, para o tambor e para o chocalho (maracá).

!Figura 68: esquema de captação dos microfones direcionados aos naipes masculinos (esquerda), femininos

(direita) e instrumentistas (ao centro) (fonte: o autor)

Porém, somente esses microfones não poderiam dar conta de todos os

eventos sonoros que aconteciam no interior da casa de reza. Como havia

modificação nas coreografias e por vezes uma grande movimentação em relação

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!Reforçando o corpo do violão e da rabeca através do incremento de intensidade ns regiâo dos médios graves e médios médios, e cortando com o auxílio de um equalizador paramétrico um pouco da energia contida na região entre 6k e 8k. mas isso é só um paliativo para um problema de captação.

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aos microfones, haviamos nos preparado para situações em que uma mudança

rápida de microfonação era necessária.

Dependendo da coreografia que acompanhava a canção, podíamos dispor

rapidamete de outros microfones que não necessitavam de pedestais e nem ficavam

aparentes. Nessas ocasiões utilizávamos uma das combinações abaixo descritas.

O ícone representado por um quadrado significa a captação overall feita por

dois microfones PZM . Utilizávamos esses microfones quando a movimentação do

coro poderia se ver constrita a um espaço muito pequeno, dada a presença de

pedestais e suportes de microfones. Como esses microfones (PZM) ficam

posicionados em qualquer superfície, inclusive podendo ficar no piso de terra, nas

ocasiões propícias os utilizavamos, posicionados de forma a captar com maior

intensidade a voz das crianças.

O ícone representado por triângulos significam a utilização de dois microfones

perto dos pés das crianças, destinado a captar com maior intensidade o ruído de

passos.

!Figura 69: Esquema de posicionamento de microfones alternativos também utilizados de acordo com a

ocasião. Microfones PZM (fonte: o autor)

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Nas figuras a seguir encontramos representadas as microfonações utilizadas

de acordo com a movimentação dos corais infantis. O quadro geral seria recriado

depois, em estúdio. Notar que os quatro microfones direcionados aos instrumentos

ficam posicionados depois do ícone vermelho (duas cruzes vermelhas), entre o altar

e a posição das crianças.

Esse posicionamento será posteriormente modificado com a finalidade de controlar

melhor o vazamento do sinal destes instrumentos para os microfones de overall.

!Figura 70: Esquema geral de microfonações utilizadas ao longo das gravações que cercaram o primeiro

CD (fonte: o autor)

Abaixo podemos observar a modificação adotada para a gravação da maior

parte das músicas do segundo CD. Os instrumentos de percussão foram

posicionados perto da parede, antes do altar (simbolizado pelo ícone vermelho em

forma de duas cruzes). A Rabeca e o violão foram aproximados deste mesmo altar

e, finalmente, o coro ficou um pouco mais afastado dos instrumentos.

Um dos motivos que levaram a isso foi também que as gravações para o

segundo CD foram feitas em um intervalo de tempo muito maior, assim tínhamos

tempo para ir a cada aldeia e registrar com calma apenas um ou dois grupos

infantis. Com isso era também reduzida a demanda pela observação do evento, uma

vez que não havia mais um publico grande de ouvintes querendo participar como

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platéia do acontecimento geral de uma gravação. Como ganhamos um grande

espaço, pudemos modificar o conjunto de posicionamento de todos os envolvidos no

projeto.

!Figura 71: Modificações de microfonação adotadas para o segundo CD. Os músicos foram dispostos a

uma distância maior dos microfones de Overall (fonte: o autor)

A seguir podemos comparar as principais diferenças entre as disposições de

microfones e músicos entre a gravação do primeiro CD e do segundo CD.

!Figura 72: Comparação de posicionamento de microfones do primeiro CD (A) para o segundo CD (B)

(fonte: o autor)

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Na figura abaixo podemos observar como, de acordo com a sucessão de

eventos fomos conseguindo abrir espaço para um registro mais fidedigno do

acontecimento sonoro que ocorre dentro da casa de reza. Na primeira figura (A)

podemos observar como é a ocupação da casa de reza durante qualquer

performance dos poray. As crianças e os músicos ficam no centro e os participantes

ouvintes se acomodam ao redor. A segunda figura (B) descreve o espaço ocupado

pelas gravações do primeiro CD, onde havia a presença de muitos curiosos e

pessoas encarregadas de cobrir o evento “Gravação”. Na ultima figura encontramos

por fim como se deu a ocupação do espaço físico dentro da casa de reza no ensejo

das gravações para o segundo CD. Podemos observar uma melhor distribuição de

componentes envolvidos no projeto, embora isso não guarde identidade com o

ambiente onde, em realidade a prática diária dos porays acontece.

!Figura 73: Acima está desenhado o percurso de restrição à audiência durante as gravações. Em (A) a

audiência normal do dia a dia. (B) como se dispunham as pessoas durante a gravação do primeiro CD. E (C) como a presença de pessoas se resumiu aos músicos e à equipe técnica no ensejo da gravação do

segundo CD (fonte: o autor)

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3.2.4 As sessões de gravação

As fotos a seguir, obtidas no encarte que acompanham os dois CDs mostram

claramente as varias formas de microfonação adotadas no processo de registro de

áudio. Mostram também a maneira como as disposições de microfones e músicos

foram se modificando, de acordo com as necessidades projetuais intrínsecas à

visualização final do projeto de áudio.

Como descrito nas primeiras sessões desta dissertação, o percurso da

formatação de produtos de áudio requer um projeto consistente. Uma vez registrado

o som ocorre uma codificação sonora que não pode mais ser modificada ou retirada

(aquilo que chamamos de marca d’água sonora). Ou seja, particularidades

assumidas no início do trabalho, durante a fase de captação, condicionarão o

resultado final que será obtido durante a etapa de pós-produção, representada pela

mixagem e pré-masterização.

!Figura 74: Fotos retiradas do encarte. O autor (de camisa amarela) posicionando os microfones dos

cantores. Notar a disposição das crianças, cada naipe procura assumir a forma de meia lua.

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!Figura 75: As duas fotos acima ilustram duas disposições diferentes dos cantores. A primeira é a forma

tradicional de disposição dos cantores mirins para essa musica, a segunda foi organizada pelo autor com o intuito de para otimizar o processo de gravação. (fonte: encarte dos CDs)

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!

Figura 76: Nessa seção de gravação os percussionistas estão bem mais ao fundo, deslocados dos microfones de ‘over’(que não aparecem na foto pois estão acima do fotografo) e com o corpo dos instrumentistas de cordas protegendo seus respectivos microfones do vazamento proveniente dos

instrumentos de percussão. (fonte: encarte do CD 2) !

!

!Figura 77: sessão de áudio de uma das canções onde aparece registrado o click inicial da lanterna. Esse click dava a dica de que estava tudo certo para gravar, ou seja: a fita estava rolando. (fonte: o autor)

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3.3 A PÓS-PRODUÇÃO OU MIXAGEM Após as sessões de gravação, que duraram cinco dias, o material todo foi

escutado no estúdio Zabumba. Conferimos caixa por caixa de fitas e fizemos uma

mixagem rápida, concomitante ao processo de escuta. O resultado dessa mixagem

rápida (rough mix) foi transferido para fitas cassete e para CDs de áudio e

distribuídos por todas as aldeias. Assim todos ficaram com o material de todos.

Após dois meses de escuta e reuniões, as lideranças indígenas nos

encaminharam a relação de takes e músicas que deveriam constar no produto final.

Cada aldeia participaria da conformação final do CD com 3 faixas. Duas faixas

seriam de um coral formado in loco com a participação todas as crianças envolvidas

no projeto. Por fim, seria mixado também e entraria no CD uma dança/luta

coreografada chamada Xondaro.

3.3.1 Edições - recriando o ambiente

O trabalho de mixagem foi relativamente fácil, ressalva feita ao problema do

volume dos maracás, pois a principal codificação sonora já havia sido impressa nas

gravações originais. Tínhamos ali codificadas as distâncias praticadas, os

vazamentos do ambiente acústico que a casa de reza nos fornece, e também o

ruído da ambiência acústica onde a própria casa de reza se insere. Assim, no sinal

dos microfones de overall tínhamos as referências aproximadas da localização dos

instrumentos e do coro, com os seus volumes relativos.

O procedimento utilizado foi escutar atentamente esses microfones de overall,

e levantar aos poucos os faders relativos aos outros canais de áudio até que a

imagem sonora previamente vivenciada na casa de reza se compôs no espaço

sonoro entre as duas caixas de som. Quando se chegava a este equilíbrio, até

mesmo os ruídos de bichos, fora da casa de reza, se integravam à paisagem geral.

Segundo GIBSON (2005), OWSINSKI (1999) e HENRIQUES (2007) a etapa

da mixagem é a reunião de uma série de estratagemas variados que se utilizam de

artifícios psicoacústicos para “iludir” nosso processo cognitivo de audição.

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Enquanto processo metodológico ele pode ser organizado atravéz do

posicionamenrto dos sons em pontos resultantes da interação de tres coodenadas:

1. O eixo do Volume 2. O eixo da panorâma 3. O eixo do espectro de frequencias

!Figura 78: Eixos cartesianos de uma mixagem (fonte: o autor)

GUIBSOM (2005) criou um interessante aproach da mixagem ao desenvolver

uma série de gráficos baseados na disposição dos elementos sonoros em um

hipotético quadro disposto entre duas caixas de som. Sons com maior volume

aparecem na frente desse quadro, enquanto os sons de menor intensidade (mais

baixos) aparecem ao fundo. Os sons ainda podem se dispor nessa paisagem ao

longo do espaço que vai da esquerda para a direita, significando com isso seu

posicionamento segundo o PAN (de panoramoia). Por fim, sons graves ocupam a

porção inferior do quadro, sons agudos a porção superior, e por fim, sons que

utilizam uma grande gama do espectro sonoro se estendem de alto a baixo no eixo

correspondente ao timbre.

!Figura 79: Eixos cartesianos aplicados ao esquema de visualização criado por Gibson (fonte: o autor)

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Dessa maneira, seguindo a padronização visual cunhada por GUIBSON

temos, na figura abaixo, a disposição de um instrumento cujo espectro sonoro

(timbre) ocupa um espaço relativo a muitas frequencias. Dito de outra forma, seu

timbre se compõe da junção de uma série de parciais harmônicos residentes em

vários pontos do espectro sonoro. Essa é a descrição do objeto sonoro

correspondente à esfera azul situada ao fundo da imagem. Um instrumento grave de

largo espectro como um bumbo da bateria.

Da mesma forma, a esfera lilás que aparece do lado direito, ocupando uma

faixa espectral correspondente aàs frequencias mais altas, corresponde a um

instrumento agudo como um xocalho.

Observe agora a sombra que ele projeta no piso do quadro. Essa é a senha

para verificar se o instrumento está com maior ou menor volume aparente. No caso

da figura abaixo, o volume do instrumento lilás é maior que o do instrumento azul

pois ele está posicionado em um nível de volume maior que o outro. A impressão

que ele nos dá é de proximidade

!Figura 80: Exemplo de leitura do esquema proposto por Gibson (fonte: o autor)

No quadro abaixo, invertemos a posição dos instrumentos no que se refere ao eixo

do volume. Truxemos o instrumento azul mais para frente (aumentamos seu volume

na mesa de som) e posicionamos o instrumento lilás na retaguarda da paisagem

sonora.

!Figura 81: Segundo exemplo de leitura do esquema proposto por Gibson (fonte: o autor)

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Utilizando-se da codificação visual proposta por GUIBSON, procuramos

representar nas figuras que se seguem a proposta geral de mixagem que foram

aplicadas na pós produção dos dois CDs. A promeira figura representando uma

mixagem mais espraiada e distribuída no panorama.

!Figura 82: Visualização do esquema de mixagem do primeiro CD (fonte: o autor)

A segunda mais concentrada, com o volume das rabecas um pouco maior e,

principalmente, com o volume do maracá mais controlado e restrito a um ponto da

paisagem.

!Figura 83: Visualização do esquema de mixagem do segundo CD (fonte: o autor) 3.3.2 Análise das gravações

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!Figura 84: Leituras gráficas da música xxxxx xxxx onde ocorre um movimento circular dos músicos (esquema retirado do Protools)

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3.3.2 Análise das gravações

Nas figuras abaixo as diferenças de equalização entre o primeiro CD e o

segundo CD. Essas diferenças devem-se às opções praticadas na gravação do

primeiro e às resultantes sonoras decorrentes das modificações efetuadas nas

disposições dos executantes para a maior parte das músicas do segundo CD.

!Figura 85: Leitura do equilíbrio sonoro referente ao segundo CD. A disposição dos músicos mudou completamente o processo de mixagem e finalização do trabalho

!Figura 86: Idiossincrasias de captação do primeiro CD, reparar como o decaimento dos agudos não ocorre de modo linear como na figura acima.

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Se tivéssemos a oportunidade de fazer uma nova pré-masterização,

optaríamos por corrigir a sonoridade geral do primeiro Cd adotando a equalização

abaixo.

!Figura 87: Modificações sugeridas para uma re-masterização do primeiro CD

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Elaboramos alguns gráficos ilustrando algumas diferenças entre o primeiro Cd

e o segundo CD

No primeiro gráfico, na barra azul, temos média de amplitude dinâmica

contidas nas músicas do primeiro CD. A margem dinâmica praticada é de

aproximadamente 23 dB. Isso significa que uma margem de 23 decibéis separa os

momentos de menor volume para os momentos em que as canções são executadas

com a maior amplitude, portanto sem causar distorção harmônica. Podemos notar

que essa média cai no segundo CD para algo próximo a 19 dB. Como comparação

lançamos mão de algumas músicas POP masterizadas nos últimos 20 anos e

aplicamos a mesma metodologia de cálculo. Encontramos então uma amplitude

dinâmica próxima a 9 dB. Esses números explicam porque um CD de música POP

soa muito mais alto que um CD de música erudita ou de Jazz, cujas amplitudes

residem em números mais próximos aos praticados no primeiro e no segundo CD.

!Figura 88: Acima a média de amplitude dinâmica dos CDs. O resultado disso é a sensação de que um Cd

de musica POP soa muito mais alto. (fonte: o autor)

No gráfico a seguir procuramos relacionar as médias RMS de todas as

músicas contidas no primeiro e no segundo CD com as Médias RMS das músicas

POP contidas no exemplo anterior. O primeiro CD possui uma média RMS de -25

dB, o segundo Cd uma média RMS de -20 dB e para a média das músicas POP

observadas e medidas, o valor médio RMS foi de -15 dB. Esses dados corroboram

com o que se percebe dos dados da figura anterior e como o resultado sentido

através da escuta comparativa entre os CDs.

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O primeiro transmite uma sensação de volume muito menor que o segundo, e

o segundo transmite uma sensação de volume intermediária entre o primeiro CD e

as médias de discos POP que escutamos.

!Figura 89: Acima comparação da média RMS do 1º Cd com o 2º CD e a média de algumas amostras de

música POP..

A seguir cruzamos também os dados de todas as amostras observadas nos

exemplos anteriores, porem desta vez cruzando os dados entre as médias RMS e o

tempo das músicas. Podemos apreender através do próximo gráfico que o intervalo

de tempo das músicas contidas no segundo CD é muito menor das que

compuseram o primeiro CD.

Isso se deve a uma manipulação, durante a etapa de pós produção do tempo

geral das músicas deste segundo CD. Como o numero de canções por cada aldeia

aumentou muito, e o tempo total de áudio de um CD é de aproximadamente 78

minutos, houve a necessidade de editar o tempo de cada música. Contida no

segundo CD.

Podemos observar que a maior parte das músicas do segundo CD estão

abaixo do tempo médio de 00:03’:30” minutos (três minutos e trinta segundos), o

representa um tempo absolutamente normal para uma música POP executada

diariamente em rádio, porém um tempo muito menor do que o praticado no

repertório diário dos índios guarani. Devo admitir que executei essas edições a

contragosto, somente porque isso foi decidido em uma instância superior – as

lideranças indígenas em negociação com os selos distribuidores haviam tratado a

possibilidade de reunir em forma de compilação o maior número possível de porays.

- esse acordo obviamente ganhava precedência sobre qualquer observação de que

cortar o tempo total iria enfraquecer o resultado emocional de cada música, na sua

individualidade.

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No gráfico abaixo podemos comparar todos os resultados descritos nos

parágrafos acima.

!Figura 90: Comparação das médias RMS com o tempo total de cada música (fonte: o autor)

Elaboramos também um estudo acerca do volume aparente das Rabecas

contidas nos dois CDs. Falamos explicitamente em volumes aparentes, pois como o

resultado sonoro já está impresso nos CDs, em formato de produto final, não é

possível extrair uma particularidade inerente a apenas um dos componentes sonoros

inscritos no resultado geral. Portanto estamos utilizando nossa impressão subjetiva

acerca da relação do volume das rabecas em relação ao ambiente sonoro que as

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cerca em dada música, e também em relação ao volume de cada rabeca em cada

CD.

Como suporte teórico a esse estudo recorremos às observações que GIBSON

(2005) faz com respeito ao volume aparente dos objetos sonoros e do modo como

eles podem ser representados na paisagem sonora que se dispõe no espaço entre

duas caixas de som.

Gibson observa que, grosso modo, ao se analisar uma mixagem pode-se

encontrar a posição aparente de cada instrumento no que se refere ao volume e à

posição panorâmica entre o lado esquerdo e direito. Assim, de mesma forma, nessa

paisagem pode-se observar a disposição timbrística de acordo com a região do

espectro que cada instrumento ocupa.

!Figura 91: Volumes aparentes na figura de Gibson (fonte: The art of Mixing )

Com relação ao volume aparente, GUIBSON considera que para qualquer

mixagem pode-se associar ao menos seis níveis de volume, níveis de intensidade

onde os instrumentos podem ser colocados. Ao ser colocado na posição relativa ao

volume aparente de nível 1 (um) o instrumento ou voz aparecerá na frente, pois está

mais alto que todos os outros. De mesmo modo, quanto menor for o volume

aparente, mais recuado o instrumento aparecerá na paisagem sonora.

Comparando todas as gravações, quinze músicas do primeiro CD e vinte

duas músicas do segundo CD, pudemos relacionar ao menos sete (7) diferentes

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níveis aparentes de volume para as rabecas. Sendo que a maior parte das músicas

do primeiro CD recaem sob os níveis um(1),dois (2) ou três(3).

!Figura 92: Aplicação da perspectiva de Gibson nos 7 níveis de volume da rabeca (fonte: o autor)

Esse estudo comparativo entre a impressão do volume das rabecas vem a

comprovar a exatidão da imagem sonora almejada para o primeiro CD. Quando

estamos no interior de uma Casa de Reza Guarani, a impressão de volume que se

tem da rabeca, - logicamente dependendo do lugar onde nos encontrarmos, se

nossa localização for ao lado da rabeca seu volume aparente será muito maior-,

corresponde mais ou menos a media dos volumes encontrados nos níveis de um (1)

a quatro (4).

O reflexo da mudança de orientação para a imagem sonora do segundo CD

aparece no volume das rabecas, que se encontram todos entre os níveis três (3) e

sete (7). Os volumes acima de cinco (5) seguramente não representam a

intensidade de execução de nenhum músico rabequeiro que tenhamos ouvido ao

longo de nossa experiência com os Índios Guarani. Por sua natureza física a rabeca

é um instrumento que soa muito mais baixo que o violão. No entanto, nesses níveis

praticados, o volume aparente da rabeca se equipara ao volume do violão.

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!Figura 93: Visualização de uma sessão de protools com todas as músicas relacionadas ao nível de volume

aparente das rabecas. Observar que as músicas do primeiro CD recaem todas entre os níveis 1, 2, e 3 Fonte: o autor)

!

A seguir, cruzamos também os dados referentes ao volume aparente das

rabecas com a média RMS praticada em cada música. O resultado foi obviamente o

mesmo. As músicas do segundo Cd, que possuem todas uma maior média RMS

caem também no quadrante que as cruza com os maiores níveis aparentes das

rabecas. No quadrante inferior da esquerda estão localizadas todas as músicas do

primeiro CD e somente cinco (5) músicas do segundo CD.

Isso se deve à metodologia de gravação adotada. As músicas B01, B09, B18,

B19 e B21 utilizaram procedimentos de gravação similares aos adotados para o Cd

número 1. Lembremos que no gap de tempo (4 anos) entre a produção do primeiro e

do segundo CD algumas gravações foram feitas adotando ainda as disposições

anteriormente utilizadas. Somente após os acordos de distribuição firmados com

empresas privadas é que as disposições foram adotadas e a nova maneira de

conformação do produto final surgiu.

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!Figura 94: Volume aparente das rabecas versus a média RMS encontrada (fonte: o autor)

3.3.3 Escuta coletiva – autorização e aprovação do produto sonoro

Todos os produtos passaram por uma escuta coletiva. Para o primeiro CD foi

organizado um encontro de lideranças indígenas Guarani no distrito de Cajamar

onde, mediante a colocação de um grande aparelho reprodutor de som, todas as

pessoas envolvidas puderam escutar o produto final

3.3.4 Finalização do projeto

O áudio dos dois CDs foi pré-masterizado no sistema SONIC SOLUTIONS,

passando por um equalizador da AVALON e por um aural exciter da CRANE. Não

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foram efetuadas modificações significativas na sonoridade proveniente da etapa de

mixagem. A única modificação real foi o estabelecimento de um equilíbrio entre os

volumes das faixas do CD. Na época em que foram feitas as mixagens, o

equipamento utilizado era analógico e não tínhamos a oportunidade de finalizar

todas as músicas exatamente com o mesmo volume. A variação era pequena, 1dB

ou 2 dB de música para música. Essa diferença é que foi eliminada no processo de

masterização.

Com relação ao tempo das faixas, nessa etapa, e exclusivamente para o

segundo CD, houve a necessidade de edição e cortes uma vez que o tempo de cada

música não podia exceder um limite. Assim, ora optava-se por cortar um pouco do

início do take, aquele período referente ao aquecimento e concentração do xondaro

e de todas as crianças do coro. Ora optava-se por fazer um fade-out por volta de

00:02:45 (dois minutos e quarenta segundos). O fade-out iniciando-se nesse ponto

dava espaço suficiente para desenhar uma queda de volume coerente com o tempo

de duração da música. A título de variação, uma vez que eram muitas faixas (22

músicas) optamos também por cortar o meio de alguns takes, assim conseguíamos

mostrar o período inicial de aquecimento e o dissolver do empenho musical, ou seja,

o término natural da música assim como feito pelos músicos.

O CD MASTER foi entregue às lideranças indígenas e aos responsáveis pela

articulação final do projeto. Assim encerrou-se nossa participação. As fitas S-VHS

originais, correspondentes às sessões de gravação do primeiro e segundo CD

encontram-se armazenadas no estúdio da Universidade Anhembi Morumbi para

eventuais escutas ou verificações de conteúdo. Estão sendo digitalizadas aos

poucos e pretendemos, através da retomada de contato com o cacique Marcos Tupã

da Aldeia Crucutú e Adolfo da aldeia Ribeirão Silveira, desenvolver uma pesquisa

sobre a memória que ficou na comunidade guarani a respeito desse projeto.

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!Figura 95: Capa do primeiro CD

!Figura 96: Capa do segundo CD

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!Figura 97: Arte do disco, primeiro CD

!Figura 98: Arte dos discos, segundo CD

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Neste trabalho de dissertação de mestrado procurei desenvolver uma

aproximação de aspectos da produção fonográfica com o campo do design. Para

tanto me apoiei no conceito de interface formulado por Bonsiepe (1997). Esta

construção conceitual por sua vez, se operacionaliza através da aplicação da idéia

de acoplamento estrutural encontrado em Maturana e Varela.

Reassegurado de que esses conceitos já haviam sido previamente aplicados

a outros campos de estudo como Sociologia através de Niklas Luhmann e filosofia

através de Derrida me propus a formular uma aproximação desse conceito como

operadores do desenvolvimento do design de som.

Como exemplificação deste processo descrevi o projeto fonográfico contido

nos CDs CDs ÑANDE REKO ARANDU e ÑANDE ARANDU PYGUÁ como um

sistema integrado de partes, interdependentes e auto-relacionadas que, tomadas

isoladamente não explicam o resultado geral. Portanto, para descrever o design de

som deste projeto tive que descrever o contexto econômico e social no qual se

inscrevia, para depois discorrer sobre as articulações de processo que cercaram o

planejamento e logística da produção, para enfim descrever como pode ser

concebido o design de som pertencente a essa produção fonográfica.

Acredito que existam poucos estudos que relacionem áreas tão diversas à

análise de produções fonográficas. Imagino que este seja um campo novo e espero

continuar desenvolvendo e aplicando estes conceitos de maneira mais clara em

estudos posteriores.

Com relação ao resultado geral dos processos de design de som e de

produção fonográfica relativos ao projeto Memória Viva Guarani imagino que as

metas ficaram bem próximas do almejado inicialmente. Reasseguro-me disso ao ler

e reler a nota de encerramento do encarte contido no CD

Quando a gente leva um branco na casa de reza parece que não dá

para se concentrar. E, de repente, naquele dia da gravação, na casa de reza da Aldeia Boa Vista, tinha câmera, tinha gravador, microfone para gravar, tinha foto tirando, e, em nenhum momento, não se interferiu nem atrapalhou a parte do cântico, da concentração que a gente tem ali. Porque são

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escolhidos. As pessoas que são escolhidas estão ali. Então a gravação foi excelente.

Agora, se deus não quisesse, jamais isso estaria acontecendo. Jamais outras pessoas se interessariam por isso. Porque é isto. Veio a ordem do além. Para ser gravado, para ser mostrado, para os povos não índios acreditarem, para verem exatamente qual é a religião guarani. Onde a participação que a gente tem, que tivemos, foi o ponto de partida. Por quê? Eu me lembro muito bem. Eu tinha este cântico do meu avô que cantava, sempre cantava e contava estória. Qual é o princípio, qual é a estória do mundo, qual a existência dos povos guarani, qual a religião guarani. Nós tínhamos o cântico guardado no fundo de cada um, na memória. É difícil você tornar ou voltar ao princípio, como era antes. Mas continua guarani. Mantém sua tradição, mantém sua própria língua.

Entre os guarani conversamos em guarani, com as crianças, os adultos. A gente brinca em guarani. A nossa cultura é primordial, fundamental dentro da comunidade indígena.

Onde o guarani ficou um pouco fraco é devido à escravidão que aconteceu com os guarani. Porque o guarani não perdeu porque quis. O guarani nunca quis isto. Acho que os povos indígenas nunca pensaram: nós queremos um monte de pessoa estranha invadindo a nossa terra para a gente perder a nossa cultura. Nós não pedimos. Nunca nós invadimos. Houve até confronto. Então, o guarani tinha muita pressão, onde quase perdeu. Quase. Porque sem a sua cultura, sem a sua tradição, você completamente não é nada. Através desta gravação, todos vamos saber para que é este cântico. Porque o cântico é do Guarani. Porque Deus deixou isto para o guarani. Todo mundo vai ficar sabendo disto. Porque surgiu daqui para todos os guarani que existem no mundo. Os Guarani vão criar uma aliança dentro de sua própria cultura.

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CONSIDERAÇÕES PESSOAIS

Quando releio o encarte contido no 1º CD, sempre volto à página onde

Popygua descreve o evento da gravação, esperando que, de alguma forma, a

experiência da qual fiz parte encontre ecos positivos na sociedade Guarani de hoje.

Atualmente, mais do que nunca entendo como o processo a que Schaffer se refere

quando cunhou o termo esquizophonia se embrenha e pode afetar de maneira

categórica as relações sociais internas que se reportam à prática da música no dia a

dia de uma sociedade tradicional.

A vantagem de ser jovem é se jogar no mundo de oportunidades que

aparecem e, na época embarquei sem pestanejar porque era algo em que

acreditava, algo que eu imaginava possuir a receita para fazer com respeito e

competência profissional, e principalmente, algo que realmente queria fazer. Ser

jovem é acreditar.

Por outro lado, a vantagem da maturidade que se acumula ao longo dos anos,

apesar de nos refrear os instintos e saltos no escuro, gera uma visão maior de tudo

o que nos cerca, gera uma clarividência dos processos que regem o mundo. Hoje eu

consigo enxergar de maneira diferente a aventura em que embarquei e tenho muito

medo e receio do que possa ter feito de errado.

Escrever esse trabalho foi importante para rever todo o processo e me colocar

assumindo de maneira positiva, pelo menos, a sistemática projetual que foi adotada

durante todo o percurso. Algo que também me alivia a consciência é saber que eles

eram adultos e tinham responsabilidade assumida no processo, e principalmente,

aquelas lideranças indígenas continuam aí, em seu caminho de valorização de sua

própria cultura.

Nesse mundo de páginas cibernéticas e blogs consigo passar à vista em

inúmeras conquistas que os Guarani fazem no seu dia a dia e torço para que,

paralelo ao estado, eles sigam seu caminho de conquistas para uma terra enfim

liberta de todos os males.

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