uma discussão sobre a aids em um ambiente de modelagem matemática
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ISSN:2317-1162
UMA DISCUSSÃO SOBRE A AIDS EM UM AMBIENTE DE MODELAGEM MATEMÁTICA
PAULO HENRIQUE GOMES SANTANA
ROGÉRIO GOMES MATIAS
Ensino e Didática da Matemática
Resumo
Esse relato tem como objetivo compartilhar uma experiência vivida em sala de aula propondo um
ambiente de aprendizagem em Modelagem Matemática, com uma atividade realizada numa turma de 3º
ano do ensino médio da rede pública, por licenciandos em Matemática da UEFS. Para tanto, a atividade
tinha como tema a AIDS, o que promoveu uma rica e produtiva discussão por se tratar de uma
problemática conhecida por todos os jovens que tem curiosidade sobre o assunto e muitas vezes não tem a
oportunidade de saná-las no âmbito familiar e/ou escolar. Essa experiência nos levou a refletirmos sobre a
importância de levarmos até à sala de aula, a realidade dos alunos, assuntos abordados em meios de
comunicações que servem como embasamento para uma abordagem qualitativa e quantitativa,
proporcionando assim um ambiente de Modelagem Matemática que pode e deve ser explorado para
conversão em uma aprendizagem significativa. Dentro desse contexto, focamos em perceber os impactos
e contribuições desse ambiente para nossa formação docente.
Palavras-chave: Modelagem Matemática, AIDS, Ambiente de aprendizagem e tratamento da
informação.
A DISCUSSION ON AIDS IN AN ENVIRONMENT OF MATHEMATICAL MODELING
Abstract
This report aims to share an experienced classroom proposing a learning environment for mathematical
modeling, with an activity held in a classroom of 3rd year of secondary education in public schools for
undergraduates in mathematics from UEFS experience. For both, the activity was on the theme AIDS,
which promoted a rich and productive discussion because it is a known issue for all young people who are
curious about it and do not often have the opportunity to correct them within the family and / or school.
This experience led us to reflect on the importance we take to the classroom, the students' reality, matters
discussed in media communications that serve as basis for a qualitative and quantitative approach, thus
providing an environment for Mathematical Modeling can and should be explored for conversion into
meaningful learning. Within this context, we focus on realizing the impacts and contributions of this
environment for our teacher training.
Keywords: Mathematical Modeling, AIDS, learning environment and information processing.
Introdução
Este relato apresenta uma experiência de estudantes de Licenciatura em
Matemática da Universidade Estadual de Feira de Santana – UEFS, referente à
disciplina EXA 424 Instrumentalização para o Ensino da Matemática VIII que compõe
a grade curricular do curso, a qual objetiva estudar a Modelagem Matemática na
perspectiva da Educação Matemática.
A proposta foi criar e desenvolver uma atividade de modelagem, onde ficamos
responsáveis por escolher um tema, explorá-lo criando questionamentos e
posteriormente aplicarmos a atividade em uma escola da rede pública da cidade de Feira
de Santana. Optamos por trabalhar com a AIDS, pois comunga com a temática da
"Orientação Sexual" que é contemplada nos Parâmetros Curriculares Nacionais, como
um dos temas transversais a serem trabalhados nas escolas.
Nesse sentido, pensar tal atividade requer uma grande responsabilidade, pois
qualquer informação errada pode gerar efeitos contrários ou até mesmo pensamentos
preconceituosos. Em todo o desenvolvimento, pensamos no esclarecimento no sentido
de prevenir o contagio de qualquer tipo de doença sexualmente transmissível.
O tratamento desta problemática em sala de aula é uma das intervenções mais
eficazes na prevenção da Aids, pois as ações educativas continuadas oferecem
possibilidades de elaboração das informações recebidas e de discussão dos obstáculos
emocionais e culturais que impedem a adoção de condutas preventivas. Tendo em vista
o tempo de permanência dos jovens na escola e às oportunidades de trocas, convívio
social e relacionamentos amorosos, a escola passa a ser um local privilegiado e propício
para a abordagem da prevenção das doenças sexualmente transmissíveis/Aids, não
podendo se omitir diante da relevância dessas questões no atual mundo em que
vivemos.
A atividade aconteceu no ano de 2014, em uma turma do 3º ano do Ensino
Médio, no Colégio Estadual Governador Luiz Viana Filho, na cidade de Feira de
Santana – Bahia. Nenhum dos aplicadores da atividade tinha contato com os alunos,
todos estariam em uma zona de desconforto, no decorrer deste relato descreveremos, as
situações vivenciadas para implementá-la no contexto escolar. Além de pontuarmos
algumas análises sobre o ambiente de modelagem matemática na visão de docentes em
processo de formação.
A modelagem matemática na educação matemática
A Modelagem Matemática como um ambiente de aprendizagem aproxima os
conteúdos matemáticos ao aluno de maneira ímpar, e comunga com as diretrizes que
norteiam a educação básica contemporânea, apresentadas nos Parâmetros Curriculares
Nacionais para o Ensino Médio (PCNEM, 2000).
Na visão de Barbosa, a modelagem como ambiente de aprendizagem favorece a
investigação de outras áreas do conhecimento por meio da matemática:
Modelagem é um ambiente de aprendizagem no qual os alunos
são convidados a indagar e/ou investigar, por meio da
matemática, situações oriundas de outras áreas do
conhecimento. Se tomarmos modelagem de um ponto de vista
sócio-crítico, a indagação ultrapassa a formulação ou
compreensão de um problema, integrando os conhecimentos de
matemática, de modelagem e reflexivo. (2002, p.06)
O objetivo foi mostrar aos alunos outra perspectiva do ensino da matemática
bem como desenvolver um pensamento mais crítico e reflexivo, pois em geral, eles
estão acostumados a aulas mecânicas com simples reproduções de exercícios. Além do
que, a modelagem matemática nos fornece subsídios suficientes para levarmos o aluno a
visualizar a matemática dentro da esfera real sem que saiam da sala de aula,
convertendo a realidade em elementos palpáveis e passíveis de estudos e análise em
conjunto com conteúdos matemáticos.
Criamos um ambiente de modelagem no qual os alunos foram convidados a
questionar, por meio da matemática, situações oriundas de outras áreas do
conhecimento. Para Freire, a indagação é o verdadeiro caminho da educação, “o
professor deveria ensinar – porque ele próprio deveria sabê-lo – seria, antes de tudo,
ensinar a perguntar. Porque o início do conhecimento, repito, é perguntar. E somente a
partir de perguntar é que se deve sair em busca de respostas e não o contrário.” (Freire
& Faundez, 1998, p. 46).
Aids e Matemática?
Para realizar a atividade, fomos a um colégio, e solicitamos da coordenação da
escola a permissão para aplicarmos a atividade em uma turma do terceiro ano, onde
tivemos uma resposta positiva. No dia da aplicação, a professora regente da turma fez as
apresentações à turma e em seguida iniciamos a atividade.
De início fizemos a apresentação de um vídeo1, em que salientamos que eles
deveriam manter uma grande atenção nele, pois se trata de informações sobre a doença
e também sobre a prevenção, em resumo, é um vídeo explicativo que aborda a AIDS e
fala como essa doença ataca o nosso sistema imunológico, frisamos também nesse
primeiro momento a justificativa da escolha de uma turma de série avançada de ensino
médio por se tratarem de jovens com mais idade e mais maturidade para realizarem uma
atividade sobre tal assunto.
No transcorrer do vídeo, os alunos conversavam em voz baixa, e ouvimos
questionamentos do tipo: “O que isso tem a ver com a matemática?”. Ao finalizar o
vídeo, fizemos mais alguns esclarecimentos e discussões a cerca da temática do vídeo, e
então fizemos o convite para que participassem da atividade, no qual todos os alunos
aceitaram. Pedimos para os alunos se dividirem em grupos, o que ocorreu de maneira
quase tranquila, apenas um aluno preferiu fazer sozinho.
Cabe ressaltar que esse relato insere-se no caso 01 (BARBOSA, 2009), pois nós,
futuros professores de Matemática, apresentamos uma situação problema, como
também disponibilizamos os dados qualitativos e quantitativos para realização da
mesma, ficando a cargo dos alunos a escolha da forma de resolução. E esse primeiro
momento é definido por Barbosa (2009) como o convite.
Após a aceitação, e com todos os grupos com a reportagem e a situação
problema em mãos, fizemos e apresentamos o seguinte problema “Como poderíamos
comunicar as informações trazidas no texto sobre incidência da AIDS no Brasil?”
(APÊNDICE 1). Nesse momento surgem dúvidas por parte dos alunos, assim
continuamos com as explicações até conseguirmos o entendimento geral da turma. Um
aluno ainda fez o seguinte comentário: “Nós poderíamos também utilizar a matemática
para calcularmos quantas células de defesa o organismo perde com a chegada do vírus,
se tivéssemos esses dados”.
1 Trata-se de um vídeo pertencente ao canal do you tube Minha vida, intitulado “O que é a Aids?”
disponível em <https://www.youtube.com/watch?v=38dF-7CI1io>
Distribuímos aos alunos materiais como, por exemplo, cartolina, compasso,
régua, giz de cera e lápis de cor. Eles iniciaram o processo de resolução de maneira
tranquila. O primeiro questionamento foi o seguinte:
Aluno A: Quais os dados que teremos que utilizar para responder a questão?
Professor 01: Essa escolha dependerá de cada grupo, pois o texto apresenta uma grande
quantidade de informações. Fica a critério de vocês!
Aluno B: Então eu vou utilizar a distribuição de camisinhas, pode?
Aluno A: Eu vou utilizar a forma de transmissão com maiores de 13 anos.
Professor 01: Tudo bem.
O texto entregue a turma apresenta um grande quantidade de dados e
informações sobre, as formas de transmissão, a distribuição de camisinha, prevenção,
mortalidade, etc., entre as quais eles tinham livre arbítrio para escolher uma informação
e representá-la. O grupo que escolheu a distribuição de camisinha enfrentou pequenas
dificuldades.
Aluno B: Os dados que temos são esses “A distribuição de preservativos no país, por
exemplo, cresceu mais de 45% entre 2010 para 2011 (de 333 milhões para 493 milhões
de unidades)”, como representaremos isso?
Professor 02: Como vocês pensam em representar?
Aluno B: A gente queria colocar o aumento mensal da camisinha no ano de 2011!
Professor 02: É possível com esses dados encontrar o valor mensal?
Aluno C: Não sabemos. Pois, só temos o valor final e inicial.
Aluno B: A gente soma os valores e divide por 12, e encontra as quantidades de cada
mês.
Professor 02: Se vocês somarem os valores, vocês não estarão com valores
extrapolados? 333 + 493 é igual a 826 milhões, e o texto deixa claro que no ano de 2010
temos 333 milhões e em 2011 teve 493 milhões.
Aluno C: Se fizermos isso vamos acabar acumulando os dois anos, não é professor?
Professor 02: O que você acha?
Aluno B: Estamos, temos que encontrar a diferença pra podermos achar o aumento que
teve em 2011. Vamos subtrair 493 de 333!
Professor: E como vocês pretendem representar esse valor mensalmente?
Aluno C: Subtraímos e dividimos por 12 e encontramos a média de crescimento. E
faremos o gráfico mensal de 2011, com esse valor que aumenta todo mês.
Professor 02: Mãos a obra!
Observamos do diálogo acima, dificuldades quanto à interpretação do dado que
eles escolheram trabalhar, e também em como encontrar uma constante para uma
previsão do crescimento mensal. E a mediação dos professores foi importante para
conduzi-los à solução, a se questionarem para encontrar suas próprias respostas.
Figura 1: Resolução
Como podemos observar na ilustração acima, os alunos desenvolveram um
gráfico representando a média de acréscimo mensal de distribuição de camisinhas no
ano de 2011, o que para nós foi uma feliz surpresa, pois não tínhamos expectativas que
eles aprofundassem as informações e as trabalhassem de tal maneira, pelo fato de que o
texto era rico em dados que forneciam o suficiente para serem transcritos e
representados na forma que escolhessem, sem que precisassem de cálculos ou muitas
análises.
Em cada grupo tivemos o cuidado de mediarmos discussões a respeito do texto e
dos dados que eles escolheram para solucionar a situação-problema proposta na
atividade. Essa interação foi dada tanto de forma geral, quanto nos grupo
separadamente. Apenas o grupo supracitado escolheu uma informação diferente e a
representou num gráfico de barras. Os demais grupos escolheram os dados referentes às
formas de transmissão do HIV em maiores de 13 anos no ano de 2012.
Dentre as representações gráficas apresentadas pelos grupos, tivemos um gráfico
de setores, um gráfico de barras, um gráfico de área e uma representação através de
símbolos. Ambos com o objetivo de transpor uma mesma informação do texto, porém
com métodos diferentes de visualização.
Figura 2: Representação de um grupo sobre as formas de transmissão
Figura 3: Representação de um grupo sobre as formas de transmissão
Figura 3: Representação de um grupo sobre as formas de transmissão
Figura 4: Representação de um grupo sobre as formas de transmissão
No decorrer da realização da atividade proposta observamos a preocupação dos
alunos em identificar as informações contidas em suas representações com títulos e
legendas, de forma a torná-las compreensíveis e explicativas para todo público que
visualizasse tais dados. Isso fica claro em um dos momentos de interação entre
professor e aluno no decorrer da atividade, vejamos o diálogo:
Professor 03: (Se dirigindo a um dos grupos) Como está a realização? Alguma
dificuldade?
Aluno D: Já terminei professor. Falto só a legenda. Vai precisar apresentar?
Professor 03: Quando todos os grupos terminarem, faremos uma socialização. E a
legenda, você acha necessária no seu trabalho?
Aluno D: É claro que é, professor. Tenho que explicar o que tem no meu gráfico, pra
ninguém precisar me perguntar nada!
Professor 03: Mas mesmo assim é interessante que você socialize sua escolha para nós..
Aluno E: A gente sabe! Vamos lá explicar o que fizemos, mas depois vamos colar na
parede e qualquer pessoa que olhar vai entender o que a gente representou.
Professor 03: Tudo bem. Então concluam aí pra depois socializarem conosco.
Para finalizar a atividade, cada grupo se dirigiu ao centro da sala e apresentou
oralmente suas representações referentes aos dados que ora escolheram. Nesse momento
da aula podemos perceber discussões reflexivas (BARBOSA, 2007), as quais estão
relacionadas aos critérios utilizados para a escolha de dados na construção de um
modelo matemático e a sua utilidade no tratamento da informação dentro de situações
reais.
Considerações Finais
No decorrer dessa experiência, apesar de ter sido vivenciada em curto espaço de
tempo, observamos que a prática de estratégias pedagógicas como a Modelagem
Matemática, promove um ambiente propício a um melhor entendimento dos conteúdos
por partes dos alunos, contribuindo para o processo de ensino-aprendizagem, além de
incentivar as interações entre os alunos-alunos e alunos- professores.
Barbosa (2001) diz que “A maneira de organizar as atividades depende do
contexto escolar, da experiência do professor, dos interesses dos alunos e de outros
fatores.”. Assim, nosso objetivo foi criar um ambiente de modelagem matemática, onde
os alunos foram instigados a investigar e identificar em uma situação do cotidiano os
conteúdos matemáticos. Uma proposta de atividade como a que aplicamos leva os
discentes a relacionar e a praticar, mesmo que intuitivamente, uma área do saber dentro
da esfera real, mostrando-lhes que estudar matemática pode ir além dos livros didáticos
e dos exercícios maçantes.
Proporcionando uma nova estratégia do conhecimento para os alunos, pudemos
verificar a aplicabilidade da teoria aprendida nas salas da Universidade na prática
escolar, pois todas as considerações teóricas que evidenciamos até este ponto do
trabalho, representam uma tentativa de resgatar e elaborar teoricamente, através de um
ponto de vista crítico social, a prática de um ambiente de Modelagem dentro da sala de
aula, tomando como referência os interesses da área da Educação Matemática,
traduzindo assim nosso momento atual de reflexão sobre os resultados. Como nos diz
D’Ambrósio (1996), é um processo que não tem começo nem fim, é permanente.
Nenhuma teoria é final, assim como nenhuma prática é definitiva, e não há teoria e
prática desvinculadas.
Diante do exposto e a partir da vivência que tivemos nessa experiência, podemos
verificar que como futuros professores de matemática, podemos mudar a realidade do
ensino da matemática dentro do nosso contexto e desmistificar a ideia dos discentes de
que a matemática é difícil e inacessível.
Referências
BARBOSA, J. C. Modelagem matemática e os futuros professores. In: REUNIÃO
ANUAL DA ANPED, 25., 2002, Caxambu. Anais... Caxambu: ANPED, 2002.
Disponível em: <http:// sites.uol.com.Br/joneicb>. Acessado em 25/07/2014.
BARBOSA, J. C. A prática dos alunos no ambiente de Modelagem Matemática: o
esboço de um framework. In: BARBOSA, J. C.; CALDEIRA, A. D.; ARAÚJO, J. de L.
(Org.). Modelagem Matemática na Educação Matemática Brasileira: pesquisas e
práticas educacionais. Recife: SBEM, 2007. Cap. 10, p. 161-174. (Biblioteca do
Educador Matemático, v.3)
BARBOSA, J. C. Integrando Modelagem Matemática nas práticas pedagógicas. In:
Educação Matemática em Revista, n. 26. Março, 2009. Disponível em: <
http://www.sbem.com.br/revista/index.php/emr/article/view/5 >. Acesso em 23 de julho
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BARBOSA, J. C. Modelagem na Educação Matemática: contribuições para o debate
teórico. In: Reunião Anual da ANPED, 24., 2001, Caxambu, Anais... Rio Janeiro:
ANDEP, 2001. 1 CD-ROM.
BRASIL. Parâmetros Curriculares Nacionais Ensino Médio. Disponível em: <
http://portal.mec.org.br/arquivo/pdf/blegais >. Acesso em 25 de julho de 2014.
D’AMBRÓSIO, U. Educação Matemática: da teoria à prática. Campinas: Papirus,
1996. 121p.
FREIRE, P., FAUNDEZ, A. Por uma pedagogia da pergunta. 4. ed. Rio de Janeiro:
Paz e Terra, 1998. 158p.