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Uma Democracia (In)Acabada:

Quadros e bordas da soberania do povo com Pierre Rosanvallon

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Uma Democracia (In)Acabada:

Quadros e bordas da soberania do povo com Pierre Rosanvallon

1ª edição

Organização

André Magnelli

Sebastião Lindoberg da S. Campos

Felipe Maia G. da Silva

Ateliê de Humanidades

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Título – Uma democracia (in)acabada: quadros e bordas da soberania do

povo com Pierre Rosanvallon

1ª Edição – 2019

Versão Digital – e.Book

Rio de Janeiro - RJ

ISBN: 978-65-80291-00-7

© Ateliê de Humanidades

Organização:

André Ricardo do Passo Magnelli,

Felipe Maia Guimarães da Silva,

Sebastião Lindoberg da S. Campos

Coordenação editorial:

André Ricardo do Passo Magnelli

Alberto Luis Cordeiro de Farias

Revisão e preparação:

Alberto Luis Cordeiro de Farias

Projeto gráfico:

Maryalua Meyer Padilha Silva

Imagem da capa

Litografia de Daumier, publicada em Le Charivari, 21 de abril de 1869. Fonte:

Bibliothèque nationale de France, Paris.

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Apresentação dos editores

Os livros são a chave de acesso para nos tornamos melhores. Sua capacidade de provocar essa transcendência suscitou discussões, alegorias e desconstruções sem fim. As implicações metafóricas do ícone hebreu-helenístico do Livro da Vida, do Livro da Revelação, da identificação da divindade com o logos, são milenárias e não têm limites. Desde os sumérios, os livros foram os mensageiros e os cronistas do encontro do homem com Deus. Muito antes de Cátulo, eles foram os mensageiros do amor. Acima de tudo, assim como algumas obras de arte, encarnaram a ficção suprema de uma vitória possível sobre a morte.

George Steiner – Aqueles que queimam livros

Os livros nunca foram, nem mesmo na tradição judaico-cristã,

objetos autojustificados por excelência. À desconfiança socrático-

platônica da escrita somou-se a do Cristo e, ao longo dos séculos e

por razões completamente distintas, a daqueles que queimam livros.

Se juntarmos a essas exigências outras de natureza mais contextual e

contemporâneas, ver-se-á porque nos sentimos na iminência de

algumas palavras acerca das razões que nos mobilizam a, em plena

era “da morte e da morte” de Gutemberg, incursionar pelo trabalho

editorial. Essas razões são necessariamente intelectuais e, por isso,

possuem uma acentuada dimensão ético-política.

O livro que o leitor tem diante de si é parte de uma iniciativa

que vem a se somar a algumas outras do inconstante mercado

editorial brasileiro. Trata-se do primeiro volume de uma série sobre

Cartografias da Crítica concebida pelo Ateliê de Humanidades

Editorial, à qual se acrescentarão outros títulos, autores, séries e

coleções cuja unidade será buscada nos princípios orientadores

comuns a todos eles. Como um projeto editorial, o Selo Ateliê de

Humanidades guarda algumas especificidades que o tornam mais do

que um simples empreendimento comercial, ou seja, mais do que

uma empresa voltada para a edição e o comércio de livros – e isso

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em vários sentidos. Em primeiro lugar, o Selo distingue-se por seu

caráter de veículo de publicação de pesquisas realizadas no interior

de uma instituição de livre-estudo, pesquisa, escrita e formação – o

Ateliê de Humanidades. Em segundo lugar, pela evidente natureza

pública e não estritamente comercial do Ateliê e do seu Selo.

Caracterizando-se por ser uma iniciativa de economia plural, bem

própria às experiências contemporâneas de trocas de dons e

economia solidária, nossas atividades são concebidas por ideias e

valores fortes, tendo o intuito de realizar uma atuação pública e uma

intervenção cultural, visando a formação de públicos, o

esclarecimento coletivo e o fortalecimento de uma cultura

democrática. Em terceiro lugar, por causa do seu esforço crítico de

conexão com o tempo presente, o que já orienta os trabalhos

desenvolvidos pelo Ateliê e que se estende, agora, ao nosso editorial.

O Selo é primariamente o meio de publicização daquilo que é

produzido como reflexão e pesquisa no interior dos quadros do

Ateliê. Sendo o Ateliê de Humanidades um espaço voltado para o

desenvolvimento do estudo e da formação com vistas à pesquisa, ele

é uma instituição de pesquisa liberal, no sentido que essa palavra

tem em sua origem etimológica e semântica, isto é, “livre”, em

oposição ao “iliberal” relativo às artes ensinadas ao homem preso e

controlado pelas “guildas” (feudais, burocráticas ou produtivistas).

Por isso, o Selo Ateliê de Humanidades diferencia-se do mercado

editorial em geral por estar organicamente vinculado a uma

instituição de pesquisa e formação, diferentemente do que ocorre

com as editoras estabelecidas, mesmo as universitárias. É a partir da

pesquisa tomada como vocação da nossa instituição, com seus

problemas delineados nos Planos de Convergência, que o Ateliê de

Humanidades Editorial estrutura todas as atividades do Selo,

dividindo-as em temas, séries e coleções.

Dado o caráter público em que se funda a concepção ético-

política do Ateliê, o seu Selo orienta-se por uma preocupação cultural

com a formação de um público, diferentemente das tendências do

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mercado editorial como um todo, que se orienta normalmente por

nichos mercadológicos e demandas pré-estabelecidas. Considerando

que a formação do público intelectual e cultural no Brasil possui

certo déficit bibliográfico e temático, pensamos que o Ateliê, através

do seu Editorial, pode vir a cumprir um papel na formação de um

público tornando acessíveis autores e textos clássicos e

contemporâneos.

Além disso, se nos interessa fazer uma contribuição para a

elevação do nível do debate na esfera pública, não menos

importante é o resgate de elementos de uma cultura clássica,

sobretudo aquela que está atrelada ao ato fundamental de ler, o

qual, segundo o autor de nossa Epígrafe, George Steiner, tornou-se

atualmente “uma ‘ocupação’ universitária cada dia mais

especializada”, uma forma de “apanágio de poucos, uma memória

distante de homens de outras épocas”; e, por isso, para a maior parte

dos adolescentes resta não muito mais do que uma incapacidade de

“ler em silêncio”, uma perda da fundamental intimidade e “solidão

que permite um encontro profundo entre o texto e sua recepção,

entre a letra e o espírito”; experiência que se tornou “uma

singularidade excêntrica, psicologicamente e socialmente suspeita”.

Daí, conclui Steiner, resta-nos uma ”espécie de amnésia planificada”

que prevalece atualmente nas escolas, mas que está presente

também nas nossas universidades demasiado ocupadas para ler,

estudar e pensar.

Portanto, nossa instituição e nossas atividades editoriais se

guiam pelo sentimento de necessidade de liberação do pensamento, de

cultivo da leitura e de difusão da cultura para além do espaço dos

iniciados e profissionais. O pensamento no Brasil, mas não só nele,

foi excessivamente academicizado nos limites das universidades,

como se não houvesse vida acadêmica fora do discurso esotérico,

técnico, às vezes de quase novilíngua. O Ateliê se propõe a cumprir

um papel, ainda que mínimo, na tarefa de liberar as ideias para fora

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das universidades com um exercício de intelectualidade e de

formação cultural.

Neste Democracia (In)Acabada: quadros e bordas da soberania do

povo com Pierre Rosanvallon, damos início à coleção de filosofia

política francesa e de ontologias do presente, incluídas na série do

Cartografias da Crítica, vinculada a um Plano de convergência

Cartografias da crítica: crise, crítica e reconstrução, e em interlocução

com o outro Plano, Mutações da Democracia: história política, teoria

democrática e ontologia do presente. O livro, que traz tradução de

entrevista e artigos inéditos em português de e sobre Pierre

Rosanvallon, reflete sobre uma série de questões bem características

da forma de pensar desse historiador do político e teórico da

democracia, constituindo por isso uma apresentação inédita de seu

pensamento ao público brasileiro. Sendo Rosanvallon um dos mais

importantes intelectuais da nossa época, profundamente

comprometido com as questões que afligem as sociedades

democráticas no século XXI, e contando ao mesmo tempo com uma

ainda incipiente fortuna crítica em língua portuguesa, acreditamos

contribuir com a publicação do Democracia (In)Acabada de duas

formas: tornando acessível ao leitor brasileiro as reflexões

rosanvallonianas acerca das questões do tempo presente; e

alimentando o debate público nacional com uma das mais

pertinentes contribuições para pensar a natureza, a história e as

mutações das democracias modernas e contemporâneas. Com efeito,

o leitor encontrará aqui uma apresentação dos princípios e dos

métodos de sua “história filosófica do político”, além de uma síntese

do seu livro “A democracia inacabada”, recentemente publicado em

português.

Nada mais auspicioso portanto do que inaugurar as publicações

do Cartografias da Crítica com uma publicação em torno de Pierre

Rosanvallon. Com isso, reforçamos nosso compromisso com a

reflexão sobre o tempo presente, com a produção e apresentação de

pesquisas de excelência e com a abertura de novas perspectivas para

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o debate acadêmico no Brasil. É assim que entregamos mais um

resultado editorial ao público, movidos por uma ética do trabalho

bem feito e, tal como Steiner, embebidos pela crença de que os livros

podem ser uma chave de acesso para nos tornamos melhores, desde

que, claro, guiados, como estamos, pelo compromisso com a

verdade, a liberdade de pensamento, a probidade intelectual, a

excelência acadêmica, o cuidado editorial, o esclarecimento público

e a difusão e tradução de conhecimento especializado ao público

leigo.

Rio & Itabuna, 18 de junho de 2019

Alberto Luis Cordeiro de Farias

André Ricardo do Passo Magnelli

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Sumário

Apresentação: uma Democracia (In)Acabada

1. Introdução a uma história política da democracia

2. Textos e entrevista com Pierre Rosanvallon

3.Debatendo com Rosanvallon: Cesarismo, populismo

e messianismo

Sumário expandido 249

179

123

19

5

Pierre Rosanvallon: um perfil intelectual e bibliográfico

por: André Magnelli

Por uma história filosófica (ou sociologia histórica) do político

por: André Magnelli

A quadros e bordas da soberania do povoDemocracia Inacabada:

por: André Magnelli

O universalismo democrático: histórias e problemas

por: Pierre Rosanvallon

Pensar o Populismo

por: Pierre Rosanvallon

215

193

181

171

155

125

73

43

21

Em face à crise: uma entrevista com Pierre Rosanvallon

Entre passado e presente: o problema das concepções iliberais

da soberania popular

por: Felipe Maia

À prova dos populismos

por: André Magnelli

Cesarismos e Messianismos: o inalcançável povo do Brasil

por: Sebastião Lindoberg da S. Campos

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Apresentação

Uma Democracia (In)Acabada

A democracia triunfou grandemente e vacilou persisten-

temente. Na atualidade, ela é vista mais como um problema

com o qual nos debatemos, do que como uma solução evidente

da qual partimos.

É uma trivialidade dizer que ela está em crise e é alvo de

crítica; para tanto, basta percorrer o olhar pelo Brasil desde

2013. Muitos intérpretes falam, não sem razão, que vivemos

em meio a uma “crise de representação”. Não faltam sintomas:

o espetáculo de corrupção sistêmica e os escândalos do gover-

no provisório; as querelas do impeachment e a crise de legiti-

midade que atinge agora um judiciário até então protagonista;

o anseio crescente de soluções autoritárias e a perda de credi-

bilidade das instituições (exceto, ainda, as forças armadas); a

disseminação de intolerância e de desrespeito à pluralidade; a

implosão da confiança na grande imprensa e a explosão das

fake news em redes sociais; a radicalização das posições políti-

cas e a erosão dos princípios elementares do debate público; e

a impressão de que a crise é gestada interminavelmente em

conflitos intra-elites, restando ao povo pagar a conta que au-

menta a cada dia.

Com uma percepção disseminada de que os “políticos”

não mais representam o “povo”, que o Estado representa mal a

população e que a soberania popular parece estar apenas no

papel, condensou-se um sentimento difuso de traição e de de-

sencantamento com a democracia. É assim que, nas eleições de

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2018, o fogo ficou na temperatura de uma sopa populista; e a

maioria decidiu que ela fosse administrada com a mão direita.

Neste cenário, o Ateliê de Humanidades realizou, no dia

31 de outubro de 2018, a mesa-redonda Democracia (In)Acabada:

quadros e bordas da soberania do povo, na Mediateca do Consula-

do da França no Brasil (a BiblioMaison), com participação de

André Magnelli (Ateliê de Humanidades / FSB-RJ), Felipe

Maia G. da Silva (UFJF) e Sebastião Lindoberg da S. Campos

(Ateliê de Humanidades / PUC-RJ). Ocorrida, de modo pro-

posital, na semana imediatamente posterior ao 2o turno das

eleições, tivemos o objetivo de ajudar a lançar uma inteligibili-

dade sobre o que acontece com nossa democracia. Todavia,

não quisemos nos restringir à conjuntura política brasileira,

cuja crise faz parte de um processo global mais amplo; tam-

bém não tivemos a intenção de pensar o presente a partir de

uma curta duração histórica, pois entendemos que a atualida-

de adquire mais inteligibilidade caso se assuma uma investi-

gação de longa duração.

Ao invés de nos contentar em considerar que vivenciamos

uma crise da representação da vontade popular, visamos nos

perguntar sobre o que é, afinal, a democracia. Com tal intuito,

aproveitamos o contexto da recentíssima tradução para o por-

tuguês de um dos livros mais influentes do historiador francês

Pierre Rosanvallon, A democracia inacabada: história da soberania

do povo na França (Alameda editorial). Seguindo Rosanvallon,

assumimos a democracia como um problema a investigar,

tendo como eixo de interrogação o seu fundamento, a saber, a

soberania do povo. Fizemos isso acompanhando o livro, que re-

construiu o fio da história longa e alargada da soberania.

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Desta forma, recusamos tomar como estabelecidas certas

evidências sobre a democracia e partimos de uma série de

questões bem rosanvallonianas: se a democracia é um regime

de soberania popular, o que é o povo e como ele exerce sua

soberania e manifesta sua vontade? Dito de outro modo, quais

são as formas e as temporalidades possíveis de expressão da

soberania popular? Quais são as relações entre a soberania do

povo e a representação política, entre a autonomia coletiva e a

autonomia individual, entre a democracia e o liberalismo?

Quais esquemas conceituais, instituições políticas e práticas

sociais emergiram para lidar com os equívocos originários e as

tensões permanentes do regime democrático? Quais são os

perigos, as ilusões e as possibilidades de um projeto de sobe-

rania popular ativa?

Como nos ensina Rosanvallon, tais perguntas não podem

ser respondidas em abstrato, pois a democracia é, antes de tu-

do, uma história, uma experiência e um aprendizado. Em sua

obra, ele nos propiciou um entendimento da democracia so-

bretudo por meio da história da representação, da cidadania e

da soberania na França; com tal recuo historiográfico sobre a

história política, ele enriqueceu, de modo ímpar, nosso conhe-

cimento não apenas das democracias contemporâneas, como

também das crises do tempo presente.

Tal abordagem faz confluir algumas agendas de pesquisa

do Ateliê de Humanidades, conjugando três complexos de

problemas. Inicialmente, ela alimenta nossa reflexão do Plano

de convergência Cartografias da crítica, que se propõe a pensar

os fundamentos, as potencialidades e os limites de um pensa-

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mento crítico no século XXI.1 Isso por três razões: primeiro,

porque ela traz à tona a centralidade da questão democrática

para pensar o tempo presente, objetivo primordial de qualquer

teoria crítica; segundo, porque toda crítica depende de uma

teoria da crise, para a qual a história política da democracia de

Rosanvallon oferece uma importante contribuição; terceiro,

porque, tendo em vista que toda teoria crítica deve ser orien-

tada normativamente por um ideal emancipatório, é a demo-

cracia que, apesar da crise, constitui ainda (e talvez sempre) o

horizonte incontornável de qualquer reflexão teórica e práxis

emancipatória em uma sociedade complexa. É por tais contri-

buições que consideramos Rosanvallon como representante de

uma “vertente francesa de teoria crítica”.

Em seguida, pensamos que a obra de Rosanvallon tem

muito a aportar para o complexo de problemas de investigação

desenvolvido em nosso Plano de convergência Brasiliando: soci-

edade, política e cultura. Nele, almejamos articular uma investi-

gação histórico-sistemática da nossa formação nacional e civi-

lizacional com uma interpretação do que nos acontece,

baseada, de partida, em um diagnóstico de uma múltipla crise

no Brasil. No tocante à dimensão política do nosso processo

1 O Plano de convergência do Cartografias da Crítica é fruto de um projeto de pesquisa e extensão iniciado em 2017 no âmbito do núcleo SOCIOFILO (IESP-UERJ). Acabamos de ingressar na segunda fase de nossas investiga-ções. Para conhecer o projeto da primeira fase, bem como os frutos do per-curso, ver: FARIAS, Alberto L. C. de; MAGNELLI, André. Cartografias da crítica: balanços, perspectivas, textos. Rio de Janeiro: Sociofilo, 2019. O projeto da segunda fase está em: FARIAS, Alberto L. C. de; MAGNELLI, André. (2019) Cartografias da crítica (2ª fase): entre crítica, crise e reconstrução. Cadernos do Ateliê, vol.1, n. 4, fascículo 2, março de 2019.

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social-histórico, está em curso no Ateliê a formulação de uma

agenda sobre o desenvolvimento da democracia no Brasil, bem

como de sua atual crise, onde buscamos pensá-la tanto em co-

nexão ao processo histórico da modernidade europeia e da

história global, quanto também em sua singularidade históri-

ca. Desnecessário dizer o quanto a obra de Rosanvallon é fun-

damental em tal empreitada; fato que se tornará, cremos, evi-

dente no decurso do presente livro. Ela nos permite revisitar

problemáticas clássicas, presentes na chamada tradição de

pensamento social e político brasileiro, a partir de uma abor-

dagem original que articula filosofia política, história intelec-

tual e sociologia política.

Por fim, vale ressaltar que tal costura entre os dois Planos,

alinhavada pela obra de Rosanvallon, preside o delineamento

do nosso terceiro complexo de problemas, a ser descrito, futu-

ramente, no Plano de convergência Mutações da Democracia:

história política, teoria democrática e ontologia do presente. Muito

do que está presente neste livro antecipa questões centrais a

serem apresentadas em tal Plano.

Portanto, importa-nos, aqui, sinalizar que projetamos en-

tretecer alguns complexos de problemas investigados no Ate-

liê de Humanidades com os fios da obra de Rosanvallon, pois

consideramos que é oportuno lançar mão de suas ferramentas

conceituais, de seus recursos metodológicos e de seu conheci-

mento historiográfico sobre as democracias modernas e con-

temporâneas, a fim de construir uma agenda de investigação

histórico-sistemática sobre a experiência democrática no Brasil.

O presente livro é uma primeira aproximação a tal visão, rumo

à qual damos um duplo passo: antes de tudo, propiciando o

aprofundamento do conhecimento da obra de Rosanvallon no

Brasil, visando fecundar a história da democracia e a teoria

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democrática; e, pari passu, introduzindo a abordagem de uma

“história filosófica do político” nos campos de história política

brasileira, de pensamento social e político brasileiro e de idei-

as, instituições e práticas democráticas no Brasil.

Panorama do livro

Infelizmente, Pierre Rosanvallon não é conhecido de forma

suficiente pelo público acadêmico no Brasil. Mesmo se seu

nome é reconhecido por especialistas, poucas vezes existe um

conhecimento aprofundado do conjunto de sua obra; fato que

é reforçado pelas pouquíssimas traduções de seus livros para o

português.

Por isso, a primeira parte do livro tem o objetivo de intro-

duzi-lo apresentando seu pensamento, obra e método em três

capítulos escritos por André Magnelli. No primeiro, Pierre Ro-

sanvallon: um perfil intelectual e bibliográfico, percorremos o iti-

nerário de pensamento, da produção intelectual e das agendas

de investigação, desde a década de 1970 até 2018. No seguinte,

Por uma história filosófica (ou sociologia histórica) do político, fa-

zemos uma exposição da gênese da problemática do político;

em seguida, apresentamos os princípios que regem a agenda

de uma “história filosófica do político”; e, por fim, refletimos

sobre a contribuição de Rosanvallon para a teoria crítica, com

seu esforço de articular, de forma não marxista, teoria e práti-

ca, construção categorial e consciência histórica, trabalho inte-

lectual e compromisso cívico, erudição acadêmica e ensaísmo

político; em suma, compreensão e emancipação. Após esta in-

trodução à obra e ao método, finalizamos com um capítulo que

apresenta sinteticamente as teses de A Democracia Inacabada,

buscando mostrar como o livro permite pensar os quadros e as

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bordas da soberania do povo, não apenas na história da França,

como também nas demais experiências democráticas, históri-

cas e contemporâneas.

Na segunda parte, voltamo-nos a uma articulação entre

dois temas rosanvallonianos: o da democracia como sendo um

problema histórico e experimental; e o do populismo como

sendo um desafio interno para as democracias contemporâ-

neas. Isso será feito em contato direto com o pensamento de

Rosanvallon, com a tradução de dois de seus ensaios e a dis-

ponibilização de uma entrevista inédita.

O universalismo democrático: história e problemas (publicado

em 2007) é um texto, ao mesmo tempo, de síntese de percurso

e de formulação de programa de pesquisa. Rosanvallon traz

nele uma resposta intelectual e política ao contexto contempo-

râneo de crise.

Nos últimos meados do século XX, houve uma visão com-

partilhada globalmente, incluindo os países em “transição para

a democracia” como o Brasil, de que a democracia seria um

modelo universal a ser promovido por todos (organismos inter-

governamentais, ONGs, centros de pesquisa e Estados-

nacionais, sob a liderança dos ocidentais, principalmente os

EUA); com o passar do século XXI, vivenciamos uma desilusão

geral com a universalidade da democracia. Neste contexto,

Rosanvallon se recusa a pensar o desencanto como sendo uma

questão de meios de efetivação do ideal; ou como sendo um

resultado dos jogos de poder entre os Estados. De fato, houve

uma arrogância do Ocidente, que se viu como monopolizador

do ideal democrático, como se fosse um "bem" (no duplo sen-

tido do termo) a ser exportado; mas isso se deveu, para Rosan-

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vallon, mais a um problema de "cegamento" do que de "impe-

rialismo".

O ensaio é escrito para interpretar as razões desse cega-

mento e desencantamento e propor uma outra compreensão

da universalidade democrática. Ele reivindica o rompimento

com a articulação entre o universalismo cego do ocidentalismo

e o relativismo protetor do pós-colonialismo, pois isso mina,

para ele, a compreensão da democracia. O cegamento dos oci-

dentais se deve ao Ocidente ver a democracia como algo evi-

dente e não problemático, tornando-o cego quanto às incerte-

zas, às aporias, às ambiguidades e às tensões internas da

democracia. A origem do cegamento está nas especificidades

das histórias europeia e americana, que consolidaram uma

concepção aplainada, asséptica e naturalizada de democracia,

tornando-os cegos quanto às suas próprias histórias e arrogan-

tes em relação ao resto do mundo; com isso, constitui-se um

“universalismo fechado do modelo” a ser seguido, que obsta-

culiza uma abertura, ao mesmo tempo, a si e ao mundo.

Caracterizando o universalismo de fechamento em três fi-

guras distintas (dogmático-religiosa, retórico-formalista e

normativista), ele defende a passagem para um “universalismo

aberto da confrontação das experiências”. Isso é feito em duas fren-

tes de investigação. Primeiro, com a reconstrução da história

tumultuada e tateante das experiências democráticas ociden-

tais, restituindo os equívocos e os confrontos em torno de

questões como a da cidadania, da representação e da sobera-

nia. Segundo, levando em conta a diversidade das experiên-

cias não ocidentais, por meio de um “comparativismo revelador”,

orientado por uma ética e uma filosofia política capaz de ligar,

em uma espiral hermenêutica, o conhecimento mais aprofun-

dado dos outros com uma melhor compreensão de si mesmo.

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Com isso, o universalismo democrático seria não de um mode-

lo a ser copiado, mas sim de uma experiência a ser confrontada

e dialogada: um universalismo experimental, de problemas e de

questões, a serem resolvidos por todos em concerto, única for-

ma efetiva de criar valores comuns.

Percebe-se a importância programática deste ensaio, quan-

do visamos pensar a democracia no Brasil. Este texto deve ser

lido juntamente com o programa de uma “história filosófica do

político” descrito na primeira parte, pois ajuda a construir uma

profícua agenda de investigação sobre a democracia brasileira.

Isso porque, primeiro, ele estabelece o caráter problemático e

histórico das experiências democráticas, incluindo a brasileira;

segundo, porque, evitando as seduções de um relativismo des-

construtivista, ele defende a possibilidade de um universalis-

mo democrático, desde que seja experimental e construído por

meio do confronto de problemas e questões; e, terceiro, porque

ele dá os parâmetros de um comparativismo nos estudos sobre

democracia, de forma que evita pensarmos o Brasil seguindo

“modelos” de experiências (francesa, inglesa, americana etc.),

colocando como objetivo a realização de iluminações recípro-

cas por meio de uma reconstrução histórico-sistemática das

respectivas tradições em suas problemáticas (conceitualmente

gerais e historicamente específicas), em suas invenções institu-

cionais e em suas práticas sociais.

No capítulo seguinte, Pensar o populismo (publicado em

2011), passamos do problema do universalismo democrático

para a questão dos movimentos populistas, que conduzem a

refletir, à luz do conceitual rosanvalloniano, sobre a natureza e

os desafios das democracias contemporâneas. Esse ensaio deve

ser lido juntamente com a entrevista que a ele se segue, Em face

à crise, que, sendo realizada por Magnelli em 30 de outubro de

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2018, trouxe o debate do populismo para a atualidade brasilei-

ra, a fim de pensar a vitória de Bolsonaro e suas consequências

para a democracia.

Estes dois capítulos fazem uma transição para a terceira e

última parte, que realiza algumas aproximações circunstanci-

ais a temas específicos de Rosanvallon, em especial às suas

explorações em torno do que ele denomina, em A democracia

inacabada, de “bordas do político”; de forma mais negativa,

podemos chamá-las, também, com ele, de perversões ou patolo-

gias democráticas. Os pequenos ensaios desta parte, escritos pe-

los debatedores da mesa-redonda, buscam articular, de forma

exploratória, os temas rosanvallonianos com questões da de-

mocracia brasileira.

No primeiro capítulo, Entre passado e presente: o problema

das concepções iliberais da soberania popular, Felipe Maia G. da

Silva explora a forma política do cesarismo, que foi exposta bri-

lhantemente por Rosanvallon em Democracia Inacabada. Utili-

zando o conceitual de Rosanvallon, Felipe Maia apresenta as

características da democracia iliberal e, recorrendo ao conceito

de esfera pública de Habermas e ao conceito de “soberania

complexa” do próprio Rosanvallon, busca refletir sobre os me-

canismos pelos quais a democracia pode evitar este risco de se

voltar contra si mesma. Com isso, ele tenta contribuir para a

reflexão sobre a natureza do novo governo Bolsonaro e sobre

as incertezas e resposta existentes da nossa democracia, base-

ando-se, para tanto, no seu conhecimento das especificidades

da arquitetura institucional do Brasil desenhada pela Consti-

tuição de 1988.

No capítulo seguinte, À prova dos populismos, Magnelli dis-

ponibiliza uma síntese da questão do populismo na obra de

Page 24: Uma Democracia (In)Acabada · intervenção cultural, visando a formação de públicos, o esclarecimento coletivo e o fortalecimento de uma cultura democrática. Em terceiro lugar,

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Rosanvallon, orientando-se pelos capítulos aqui publicados e,

também, por outras passagens da obra do historiador, princi-

palmente A contra-democracia (2006). Ele discorre sobre o autor

fazendo um diálogo com parte da bibliografia contemporânea

sobre o populismo (em especial o ótimo trabalho de Jan-

Werner Müller) e sugerindo uma interlocução com a bibliogra-

fia clássica e contemporânea sobre o populismo no Brasil e na

América Latina. Inspirando-se na abordagem rosanvalloniana,

ele se recusa a pensar os populismos seja de forma pejorativa e

indiferente, tal como os críticos, seja de forma adesista e acríti-

ca, tal como os defensores. Mais importante do que aderir ou

criticar, os populismos devem ser vistos como tendências in-

ternas às democracias contemporâneas, que as põe à prova que-

rendo lhes dizer algo sobre sua necessidade de aprofundar e

ampliar.

Por fim, com o capítulo Cesarismos & Messianismos: o inal-

cançável povo no Brasil, Lindoberg Campos deslinda os fios da

forma política “cesarista” para pensar a história da democracia

no Brasil, propondo, para tanto, trazer uma forma de experi-

ência política característica de nossa experiência democrática,

o “messianismo”. Quais são as aproximações e diferenças entre

cesarismo e messianismo? Eis a primeira provocação do autor

a nos fazer pensar.

Se, em Rosanvallon, não existe uma preocupação em mos-

trar um paralelismo ou uma transferência entre as experiências

religiosas e as formas políticas, nem tampouco uma tentativa

de explicar o advento de uma pela outra (fato amplamente

explorado pelo historiador e filósofo Marcel Gauchet), Lindo-

berg Campos se propõe, a partir da história da democracia

brasileira, a pensar, senão a derivação, ao menos a aproxima-

ção entre ambas. Sua tese é que nossa tendência histórica ao

Page 25: Uma Democracia (In)Acabada · intervenção cultural, visando a formação de públicos, o esclarecimento coletivo e o fortalecimento de uma cultura democrática. Em terceiro lugar,

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cesarismo tem origem francamente religiosa. Contudo, é ne-

cessário perceber que o messianismo, ou cesarismo à brasilei-

ra, pode tanto vir “de cima” quanto “de baixo”, como movi-

mento popular. Neste sentido, antes de percebê-lo de imediato

como uma “patologia democrática”, o autor entende que o

messianismo popular pode ser visto como uma tentativa de

figuração da “soberania popular” decorrente do vácuo de re-

presentatividade de um Estado construído à revelia do povo.

Com isso, eles teriam de ser interpretados em uma significação

diferente do cesarismo descrito por Rosanvallon; isso porque,

se o último nasce pleno de desenvolvimento conceitual de

classes políticas letradas, alguns movimentos messiânicos des-

critos por Lindoberg Campos nascem “de baixo” e sem estru-

turação conceitual letrada, ainda que plenos de significação

histórica e política a ser interpretada.

Do conjunto dos ensaios deste livro e, principalmente, das

três apropriações circunstanciais de seu final, podemos extrair,

enfim, o sentido dos parênteses presentes no título: Uma demo-

cracia (In)Acabada. De fato, a democracia é essencialmente ina-

cabada, como nos ensina Rosanvallon; ela é um misto perma-

nente de promessa e de decepção. Mas como devemos

interpretar os acontecimentos políticos brasileiros do final de

2018? O que ocorrerá com nossa democracia nos próximos

quatro anos? De forma provocativa, sugerimos, com o “in”

entre parênteses, a possibilidade de que nossa democracia

acabe, esteja acabada. Não é apenas uma provocação, diga-se

claro, pois, como diz Rosanvallon em nossa entrevista, as de-

mocracias tiveram em risco desde seu nascimento, ainda estão

em perigo hoje e, na verdade, sempre estarão.

Todavia, evitamos a via fácil de uma interpretação apoca-

líptica e optamos, aqui, pela “lucidez democrática” de Rosan-

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vallon. Ao invés de anunciar o fim da democracia pela milési-

ma vez, propomo-nos a pensar as incertezas, as indetermina-

ções e as aporias deste regime político e forma social, que é,

essencialmente, uma obra aberta. É neste sentido que sugeri-

mos um terceiro sentido ao título, menos explícito, que vale

tanto como interpretação quanto como orientação para a ação.

Para que nossa democracia não “acabe”, sugerimos que

levemos a sério o que ocorreu. Como Rosanvallon, seguindo

os ensinamentos de Claude Lefort, as chamadas “perversões

democráticas” (cesarismos, totalitarismos, populismos etc.)

não são fenômenos externos e estrangeiros à democracia, mas

sim internos, que ensinam muito sobre o que é a democracia,

em seu hiato permanente entre a ilusão de uma promessa e a

certeza de uma decepção. Para evitar os florescimentos, no

Brasil e no mundo, de vias antidemocráticas, temos que reco-

nhecer que os populismos em voga, à direita e à esquerda, avi-

sam da necessidade de ampliar e aprofundar a democracia,

bem como de resolver a questão social. Portanto, eis o terceiro

sentido: temos que “acabar” melhor nossa democracia. Isso não

no sentido de pôr-lhe um fim; nem tampouco no de esgotar a

sua possibilidade; mas sim no de construir alicerces suficien-

temente complexos e eficazes que lhe permitam renovar o seu

trabalho “inacabado”. Resistir às tentações autoritárias e anti-

democráticas é pensar e inventar uma nova via reformista, que

tenha um pluralismo de princípio e uma criatividade de ação,

que generalize a representação democrática e complexifique a

soberania popular.

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Agradecimentos

Agradecemos, antes de tudo, a Pierre Rosanvallon, pela

generosidade de ceder seu tempo para uma entrevista e por ter

concedido a tradução dos seus textos. A entrevista seria muito

difícil de ser realizada sem a competente e generosa tradução

simultânea feita por Sophie Lesage, tradutora do Consulado

da França no Brasil, a quem agradecemos fortemente. Somos

gratos, igualmente, ao Consulado da França no Brasil e à Bi-

blioMaison, em especial à agitadora cultural Fanny François.

Sendo um parceiro especial de atividades do Ateliê de Huma-

nidades, a BiblioMaison deu todo o apoio técnico e institucio-

nal para a viabilização da mesa-redonda e para a entrevista.

Manifestando forte reconhecimento pela parceria, estamos cer-

tos de que estão aqui algumas primeiras conquistas de uma

profunda construção mútua de diálogo entre França e Brasil,

difundindo-se o que há de melhor da cultura francesa em um

momento em que urge fertilizar, de todas as formas possíveis,

a cultura e o pensamento no Brasil.

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Sumário expandido

Apresentação: uma Democracia (In)Acabada

1. Introdução a uma história política da democracia

19

5

Pierre Rosanvallon: um perfil intelectual e bibliográfico

por: André Magnelli

Por uma história filosófica (ou sociologia histórica) do político

por: André Magnelli

Itinerário da obra e eixos de investigação

1º Em busca de uma nova cultura política: a autogestão

e a opção pela lucidez democrática

2º A gênese do liberalismo, a crise do Estado de Bem-Estar

e a nova questão social

3º O modelo político francês e a história da democracia

moderna

4º As mutações das democracias contemporâneas

Livros publicados

Duas tradições de sociologia histórica

A emergência do problema político

Princípios de ‘‘história filosófica do político’’

História, pensamento e emancipação: uma teoria crítica

O desencantamento da democracia: contornos de uma problemática

Os quadros da democracia: equívocos e tensões fundadoras

As bordas da soberania do povo

Da República absoluta à democracia média: a conquista de um

frágil equilíbrio

Soberania complexa para uma democracia inacabada

A quadros e bordas da soberania do povoDemocracia Inacabada:

por: André Magnelli

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2. Textos e entrevista com Pierre Rosanvallon

3. Debatento com Rosanvallon: Cesarismo, populismo e

messianismo

123

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O universalismo democrático: história e problemas

por: Pierre Rosanvallon

Entre passado e presente: o problema das concepções iliberais

da soberania popular

por: Felipe Maia

Pensar o populismo

por: Pierre Rosanvallon

1. A ‘‘promoção’’ da democracia: do entusiasmo ao cegamento

sobre si

2. A história tumultuada da palavra democracia: os casos francês

e americano

3. A construção dos universalismos democráticos de fechamento

4. Da democracia como modelo à democracia como experiência

5. Sentido e alcance da comparação das experiências democráticas

Cesarismo e democracia iliberal

O espaço público como alvo e saída do cesarismo

A soberania complexa e as incertezas do Brasil contemporâneo

O povo inalcançável

Representar o povo

Pensar o populismo para melhor representar a democracia

A tripla simplificação populista

Complicar a democracia para realizá-la

A democracia: deliberação, interação e produção de uma vida

comum

As lições do fim do século XIX

Em face à crise: uma entrevista com Pierre Rosanvallon

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À prova dos populismos

por: André Magnelli

Cesarismos & Messianismos: o inalcançável povo do Brasil

Sebastião Lindoberg da S. Campospor:

‘‘Populista’’, entre polêmica e analítica

O que populismo quer dizer: o redutor da democracia

Democracia em negatividade pura: populismos impolíticos

O que os populismos querem dizer

Notas sobre a formação do Estado e do povo no Brasil

Contornos e faces de um cesarismo à brasileira

A constituição de 1824 e o poder moderador

Facetas messiânicas na história republicana

A concentração personalíssima do poder

Messianismos populares e o exercício da democracia

Messianismos de ontem e de hoje: apontamentos para ensaios

futuros

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222

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Apresentação dos organizadores

André Ricardo do Passo Magnelli

É idealizador, realizador e diretor do instituto de livre estudo, pesquisa, escrita e formação Ateliê de Humanidades. É professor adjunto da Faculdade de São Bento do Rio de Janeiro, onde leciona na graduação e nas pós-graduações de Filosofia Moderna e Contemporânea, de Ciências da Religião e de Filosofia & Literatura. Tem graduação, com grau summa cum laude, em ciências sociais pelo

IFCS-UFRJ e mestrado (2009-2010), doutorado (2011-2015) e pós-doutorado (2016) pelo IESP-UERJ. Foi assistente de pesquisa (2010-2013) e pesquisador associado do núcleo de pesquisa em teoria social e sociológica SOCIOFILO, do IESP-UERJ, liderado por Frédéric Vandenberghe. É pesquisador parceiro do Centro Brasileiro de Estudos Durkheimianos (UFRGS). Publica periodicamente no Jornal do Brasil (JB); foi membro organizador e editor do Blog do Sociofilo e é coeditor do Cadernos do Ateliê e do Ateliê de Humanidades Editorial. Pesquisa na interface de teoria social, tecnociências & sociedade, sociologia histórica do político, teoria antropológica, ética, filosofia política e retórica.

Sebastião Lindoberg da S. Campos

É livre-pesquisador pleno do Ateliê de Humanidades, doutorando em Literatura, Cultura e Contemporaneidade pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ) e mestre em Literatura Portuguesa pela UERJ. Investiga na área de Letras, História e Filosofia, além de dedicar-se à temática do sebastianismo e da Teopoética; bem como às relações entre Religião e Sociedade. É professor da Rede Municipal do Rio de Janeiro onde atua e executa projetos que integram as diversas disciplinas com ênfase na relação entre história e literatura. E é membro fundador e associado do Instituto de Pesquisa e Memória Sebastianista Serra do Rodeador.

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Felipe Maia G. da Silva

Professor Adjunto do Departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF). Membro do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da UFJF. Doutor em Sociologia pelo Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (IESP - UERJ), com pós-doutorado no CPDOC - FGV. Possui graduação em Ciências Sociais pela Universidade de São Paulo e mestrado em Sociologia pelo Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (IUPERJ-UCAM). Tem experiência em Sociologia política, Teoria social e Pensamento social brasileiro, atuando principalmente nos seguintes temas: intelectuais, questão agrária, fronteira e modernização; crises e crítica.