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Uma Abordagem Teórica da Área de Livre Comércio das Américas e suas Opções Pragmática e Comercialista Wilson Almeida

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Uma Abordagem Teórica da Área deLivre Comércio das Américas e suasOpções Pragmática e Comercialista

Wilson Almeida

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UMA ABORDAGEM TEÓRICA DA ÁREA DELIVRE COMÉRCIO DAS AMÉRICAS E SUASOPÇÕES PRAGMÁTICA E COMERCIALISTA

Resumo

Este artigo estabelece um marco teórico que delimita, dentre inúmerostrabalhos escritos, sobre regionalismo e teoria da integração, os quepermitem a compreensão desse fenômeno que define nova ordeminternacional pós-guerra fria. Foram visitadas obras e autores os quaispodem ser utilizados para construir conceitualmente a integraçãoregional e possibilitar o entendimento das oportunidades e ameaçasda negociação da Área de Livre Comércio das Américas (ALCA). Outropropósito é de relatar e analisar os efeitos futuros do processo deintegração da ALCA a partir de estudo feito pelo governo brasileiro.

Palavras-Chaves: teoria da integração, ALCA, regionalismo,desenvolvimento econômico, globalização.

Introdução

Nos últimos anos, o interesse pelo regionalismo temaumentado na mesma proporção em que surgem novasorganizações regionais em todo o mundo. O períodoiniciado no final dos anos 1980 tem testemunhado osurgimento de um novo regionalismo na políticainternacional. Antigas organizações que apareceram nos

Wilson Almeida1

1 Doutor em História das Relações Internacionais, Professor da Universidade Católicade Brasília e Coordenador do Centro de Pós-graduação da Anhangüera: Centro Univer-sitário de Goiás - Unigoiás. [email protected]

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anos 1950-1960 voltaram ao cenário internacional e novasorganizações foram criadas. O objetivo deste artigo éestimular a discussão teórica sobre a Alca nasuniversidades e a forma de fazê-lo será buscada por meiode pesquisa bibliográfica dos principais autores quetrataram da questão e do estudo feito pela Secretaria daReceita Federal do Brasil visando simular os efeitos desseprocesso de integração no comércio exterior desse país.

A teoria da integração teve suas origens na teoriadas uniões aduaneiras desenvolvida principalmente porViner (1950). Esta, por sua vez, teve como fonte principala teoria do comércio internacional, de Adam Smith e DavidRicardo, complementada com a teoria de Heckscher-Ohlin.,pelo menos do ponto de vista comercial e econômico.

Segundo Machlup (1976), o uso da palavraintegração para designar a junção de dois ou mais paísesem uma região econômica se deu entre 1939 e 1942. Autilização dessa palavra em documentos oficiais apareceu,pela primeira vez, em 1947 tanto nos Estados Unidos comona Europa. Machlup (1976) afirma em seu trabalho dehistória da integração que esse termo apresenta algumasimprecisões quando se tenta conceituá-lo.

A primeira dificuldade é a de determinar se eleconstitui um processo ou se é algo concluído. Outradificuldade está na determinação do objeto da integração:se político, econômico ou social. Na opinião desse autor,um dos pontos mais importantes dessa discussão é ocritério que identifica o nível de aprofundamento da

2 Área de livre comércio, união aduaneira, mercado comum e união econômica emonetária.

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integração e os seus indicadores.2 Nesse caso, Machlup(1976) encontra consenso na maioria dos autores em, pelomenos, três pontos: primeiro, que a integração refere-sebasicamente á divisão do trabalho; segundo, que elaenvolve a mobilidade de fatores e de bens; e, terceiro, quea integração está relacionada à discriminação ou à não-discriminação no tratamento de bens e fatores.

Muitos são os que têm defendido uma novacompreensão do regionalismo. Salvatore (1993) acreditaque o mundo está se movendo, provavelmente de formairreversível para uma ordem internacional caracterizadapelo domínio de três grandes blocos econômicos – umliderado pelos EUA; outro liderado pelo Japão e o jáconstituído na União Européia.

Drucker (1993) afirma que a “economia doconhecimento” cria de forma inevitável e tambémirreversível um novo regionalismo. Friedberg (1994)argumenta que a retórica recente e dominante tende apriorizar a regionalização ao invés da globalização e afragmentação ao invés da unificação. Essa é também acompreensão de Rosecrance (1991).

O regionalismo como idéia

As primeiras perguntas a serem respondidas são:qual a definição de regionalismo? e como surgiu oregionalismo? Nas definições estudadas há imprecisõese dificuldades de aplicação aos exemplos isoladosempiricamente.

Frente à dificuldade envolvida na definição de região

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e regionalismo, não há respostas simples que satisfaçama essas perguntas. Afinal, não há nenhuma região absolutaou naturalmente determinada, bem como não háexplicação única que determine as origens e odesenvolvimento da idéia de região.

Nye (1971) definiu região internacional como umnúmero limitado de estados, unidos por uma relaçãogeográfica e por um grau de interdependência mútua. Ele,em conseqüência, considera regionalismo como aformação de agrupamentos interestaduais abrangendouma ou mais regiões.

A evolução empírica torna evidente que o senso e aconsciência regional vieram antes das organizaçõesregionais formais. Tal critério não pode ser consideradocientífico; mesmo assim, é útil considerar a história doregionalismo coincidente com o aparecimento dasinstituições regionais modernas.

Em seus estudos sobre uniões aduaneiras, Viner(1950) observou que os economistas da época ao sedepararem com uma nova forma de organização regional– o regionalismo dos anos 1950 - reivindicaram terencontrado o uso adequado do conceito de regiãoeconômica. Não se pode dizer, no entanto, que eles tiveramsucesso na sua conclusão. Continuou impossível paraaqueles pesquisadores identificar se dois ou maisterritórios estão em uma mesma região econômica.

Fishlow e Haggard (1992) argumentam que oregionalismo emana das forças naturais de proximidade,

3 Ver por exemplo, Dixon e Moon (1993) e Edwards (1993).

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renda, convergência política e um grande comérciointrafirma. Grande parte dos estudos da “escolaamericana”3 considera o regionalismo como sendo oresultado de escolhas políticas tomadas por decisionmakers. Baseado nessa definição, o regionalismo éentendido como conseqüência das políticasgovernamentais (como a formação da União Européia),com o propósito de aumentar o fluxo da atividade político-econômica entre um grupo de estados próximosgeograficamente.

Vários autores definem regionalismo considerandotermos não geográficos. Benjamim Cohen afirma que umgrupo de países que adote a mesma moeda (normalmentede um dos membros), forma uma região monetária,embora esses países não necessitem estar localizadospróximos uns dos outros. Países que compartilham cultura,língua, religião e formação étnica – mas não têmproximidade geográfica – podem ser parceiros regionais.

Essa noção de regionalismo provém da idéia deque vários fatores, não governamentais, podem induziraumentos no nível da atividade política e econômica entreos países, caso eles estejam localizados próximos uns dosoutros. Adotando uma concepção similar (KUPCHAN, apudHOFFMANN,1987) argumenta que uma região écompreendida por estados quando há um sentido deidentidade comum compartilhada. A origem dessaidentidade comum varia entre diferentes regiões. Esta é,na análise de Kupchan, pré-condição para identificar umgrupo de estados que compartilham uma região, sem levarem consideração a sua localização geográfica.

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A trajetória do regionalismo

Segundo Fawcett (1993), se o referencial para oregionalismo é a organização formal, sua origem não deveser considerada muito antes de 1945. Com a exceção dosistema interamericano, muito poucos agrupamentosregionais existiram antes da Segunda Guerra Mundial.

Para Fawcett e Hurrell (1993), o início doregionalismo, em contrapartida, teria ocorrido no final doséculo XIX, com o surgimento do sistema interamericano.4

Entretanto, pode-se alegar que, entre as organizaçõesinternacionais que surgiram desde o século XIX, muitaseram eurocêntricas e, em decorrência, efetivamenteregionais em alcance. Porém, como discute WilliamWallace, a idéia da Europa como uma região inserida emum sistema global teria parecido um anátema. O que defato existiu foi uma Europa que era o centro da ordemmundial. Nesse período emergiu, porém, um númerocrescente de associações internacionais públicas eprivadas, com organização estrutural que permeava muitospaíses do mundo.

A General Postal Union e a International LawAssociation foram dois exemplos das referidasassociações funcionais que precederam a tentativa, pelosvencedores da Primeira Guerra Mundial, de formar umaorganização internacional com características mais

4 Depende do tipo de análise que se faça e dos objetivos pactuados nos acordos regio-nais. No caso do sistema interamericano, os objetivos e a intensidade de integração nãose comparam ao que se costumou caracterizar de acordo de integração para a constitui-ção de blocos econômicos após a Segunda Guerra Mundial.

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ambiciosas. Essas organizações e o próprio sistema daLiga das Nações, inspirados pelo pensamento idealistadominante à época de sua criação, tinham a pretensão deserem universais.

Tornar a guerra impossível, tarefa primária da Ligadas Nações, exigiu o compromisso da comunidadeinternacional inteira e não apenas de determinadas partesdo mundo. O regionalismo - este era um ponto acentuadopelos fundadores de organizações universais e tambémpor autores como Mitrany (1943), estava, desde cedo, emconflito com os princípios de segurança coletivainternacional e a idéia de um governo internacional.

A Segunda Guerra Mundial e suas conseqüênciasdemoliram a velha ordem européia e dividiram o mundoem duas esferas, em que as novas superpotênciascompetiram pela influência e domínio mundial. A região,como uma unidade de análise, tornou-se importante nocontexto da guerra fria e provocou um crescimento daautoconsciência regional.

À época da Segunda Guerra Mundial, oregionalismo não fazia parte, ainda, do vocabulário dasrelações internacionais. Fawcett e Hurrell (1993) entendemque o seu aparecimento se deve a dois fatores: os grandesconflitos (motins) internacionais dos anos trinta e aexpansão e transformação da sociedade internacional.

No final dos anos 1950, frustrados os esforços dosEstados Unidos de criar uma economia internacionalunificada, o mundo foi dividido no que Stálin chamou de“dois sistemas”: os blocos soviéticos, compostos deeconomias planificadas, e o mundo capitalista, liderado

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pelos Estados Unidos. Essa divisão pode ser tambémencontrada no trabalho de Gilpin (2000).

Para Gilpin (2000), durante os quarenta anosseguintes à Segunda Guerra Mundial, dois vetores sesobressaíram e matizaram aquele cenário: o grandeembate político entre as duas superpotências, quecaracterizou a guerra fria, e a economia internacionalcriada em resposta a essa disputa e que dominou asrelações internacionais.

Na visão de Hoffmann (1987), um importantefenômeno da política mundial do pós- guerra foi a divisãode um sistema internacional grande e heterogêneo emvários sub-sistemas, em que os padrões de cooperaçãoe formas de controle de conflitos se tornaram mais intensosou menos ilusórios do que no sistema global.

Esse novo padrão influenciou a criação de umanova organização global, a Organização das NaçõesUnidas, planejada e desenhada para controlar asdeficiências do sistema de ligas. Alguns conceitosidealistas e internacionalistas que estiveram presentes notexto da Liga das Nações ressurgiram nas primeirasconferências das Nações Unidas. Novas teoriasapareceram e tomaram lugar nas primeiras tentativas dedeterminar uma nova concepção da ordem mundial. Oregionalismo fez a sua primeira aparição na versãopreliminar da Declaração das Nações Unidas, levada aefeito em Dumbarton Oaks5, em 1944, com o texto:5 Cidade dos Estados Unidos da América onde foi negociada a criação da ONU.6 “a existência de acordos regionais que tratavam de assuntos de segurança e paz nãopoderiam ser interrompidos” e “ que já foram feitos pesados investimentos políticoscomo os acordos do Sistema Interamericano, Commonwealth e a Liga Árabe.”

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the existence of regional bodies for dealing with peaceand security matters should not be precluded...6

...that had already made heavy political investments insuch arrangements as the Inter-American system, the

Commonwealth and the Arab League (NYE, 1968, p. 31).

No texto final da declaração, foi enfatizado o papeldos blocos regionais como agências de primeiro recursonas disputas entre seus membros. Esse texto trouxe aprimeira referência e aceitação do regionalismo por umaimportante organização internacional.

O regionalismo como instrumento ideológico

Para alguns autores, como Morgenthau, mestre dateoria realista das relações internacionais, citado emHoffmann (1987), era absolutamente irrelevante se taisinstituições eram globais ou regionais. As relaçõesinternacionais tinham como objetivo principal a luta pelopoder em um mundo em que agências internacionaispodem executar somente serviços modestos(HOFFMANN, 1987).

A experiência de cooperação internacional nosprimórdios da guerra fria parecia justificar a posição deautores como Morgenthau e Hoffmann (1987). As NaçõesUnidas foram paralisadas, seu sistema de segurançainternacional ficou impotente. Agências regionais foramsubordinadas aos propósitos e interesses do conflitoLeste-Oeste. Muitos desses organismos regionais foramprojetados para servir aos interesses de uma das duassuperpotências.

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Em seguida, foram feitos importantes pactos desegurança que cresceram rapidamente nos primeiros anosda guerra fria: Organização do Tratado do Atlântico Norte(OTAN), o Pacto de Varsóvia, o Pacto do Rio. AOrganização dos Estados Americanos (OEA), por suaparte, se tornou um veículo para a promoção de interessesdos EUA na guerra fria, embora contra o desejo de algunsde seus sócios (HOFFMANN, 1987).

As instituições européias também criaram na EuropaOcidental uma aliança anti-soviética. Os movimentos “pan”,cujos interesses as organizações regionais e assemelhadasreivindicaram apoiar, nunca conseguiram a unidadedesejada entre os seus diversos membros. Conforme ditoanteriormente, as limitações das organizações regionais dopós-guerra logo se tornaram óbvias à concepção daanarquia internacional dos realistas.

Para Cantori e Speigel (1970), a Europa erasomente um ponto de partida para um jogo adicional deexperiências de integração. E, seguindo a experiênciaeuropéia, vieram tentativas para criar mercados comuns eassociações de livre comércio no Oriente Médio, África,Pacífico e nas Américas. Nos anos 1960, muitas propostassurgiram, como North América Free TradeAgreement(NAFTA), Pacific Free Trade Agreement(PAFTA), Associação Latino-americana de Livre Comércio(ALALC) e várias outras, como mostra Jagdish (1991). Com

7 Dois importantes trabalhos sobre o tema são: Joseph Nye (1971) e Cantori e Speigel(1970).8 Houve exceções como no caso do Brasil, cujo regime militar procurou abrir a suaeconomia para o intercâmbio comercial nesse período. No caso do Chile essa aberturacom características fortemente neoliberais foi ainda mais acentuada.

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a proliferação de instituições regionais, a literatura sobreregionalismo cresceu. Os cientistas sociais tentaramdescrever, explicar e prever as conseqüências dessa novatendência do regionalismo.7

O desafio regionalista do fim dos anos 1950 e iníciodos anos 1960 iniciou um processo de decadência emmeados dessa última década. Não se pode dizer quehouve uma razão comum para a decadência de todos osacordos regionais. Na América Latina, uma sucessão degolpes militares impediu, na maioria dos casos, incrementono comércio exterior, pela natureza própria dos seusgovernos, fechados ao comércio externo e implementandoprogramas de substituição de importações.8 A esserespeito observa que

tampouco pode-se afirmar categoricamente que o modelosubstitutivo respondia ao exacerbado protecionismolatino-americano que o precedeu, porque sua filosofiaera a de promover mudanças estruturais na economiada região, uma necessidade histórica que o processode integração recente contempla, que põe ênfase nacompetitividade e na apropriação de tecnologiasavançadas. (CERVO, 1997, p.71).

Ainda Cervo (1997), período a diplomacia brasileiradecidiu e empenhou-se no sentido de complementar omodelo de substituição de importações com o modelo desubstituição de exportações. Com efeito, o vasto parqueindustrial já implantado no Brasil havia cumprido com asua função original e pressionava os mercados externosde manufaturados. A América Latina como um todo tentou,

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segundo o mesmo autor, converter a ALALC em via deescoamento inter-regional de manufaturas. Essastentativas falharam e a ALALC caiu em descrédito e o termointegração passou a ter uma conotação mais política quecomercial. O declínio do termo e do conceito de integraçãoocorreu na linguagem diplomática brasileira em tendênciacontrária à ascensão do termo cooperação.

Ao final da década, havia poucos locais, fora daEuropa, cuja experiência do regionalismo tenha produzidoresultados tangíveis. Apesar disso, Haas (1975) escreveuque a integração regional estava obsoleta na EuropaOcidental e em obsolescência - embora ainda útil, no restodo mundo.

Os anos 1960 e 1970 foram marcados, também,pelo desafio regionalista do terceiro mundo, manifestadoem agrupamentos, como o Movimento dos Não-alinhados(NAM) ou o Grupo dos 77. A repulsa ao conflito Leste-Oestee às relações econômicas Norte-Sul incitou a construçãode coalizões dos Estados do sul que com larga experiênciaem política mundial e inspirados na Escola da ComissãoEconômica das Nações Unidas para a América Latina eCaribe (CEPAL) defenderam reformas estruturaisimportantes no sistema internacional.

Esse movimento intelectual buscava desenvolveruma alternativa teórica para entender melhor as questõesdo subdesenvolvimento. Alegava que os modeloseconômicos vigentes, à época, e criados, tendo comoreferencial as economias desenvolvidas, não eram eficazes

9 Entre os estruturalistas estão Celso Furtado, Fernando H. Cardoso, Aldo Ferrer,Raúl Prebish, entre vários outros.

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para entender esse fenômeno. Esse movimento foidenominado estruturalismo.

Muitos estruturalistas9 eram também da escola dadependência e estavam interessados em usar oregionalismo como uma ferramenta na luta para terminarcom a exploração e a relação de dependência entre ospaíses em desenvolvimento (do Sul) e os paísesindustrializados (do Norte). Eles se dividiram entre os queadotaram um distanciamento das organizaçõesinternacionais existentes e os outros, que pregavam queaquelas instituições poderiam prover a base para umamudança na condição do Sul. Todos os estruturalistas,entretanto, concordam com a utilidade do regionalismopara o terceiro mundo de alguma forma.

Houve, ainda, várias tentativas deles para promovero regionalismo por meio de organizações como aConferência das Nações Unidas para o Comércio eDesenvolvimento (UNCTAD), o Grupo dos 77(G-77) e aOrganização dos Países Exportadores de Petróleo(OPEP). A solidariedade necessária nos países emdesenvolvimento e definida pelos teóricos doestruturalismo não se materializou. Até mesmo o impactodas realizações da OPEP, no início dos anos setenta ouas demandas para uma nova ordem econômicainternacional articulada no final da década, não produziramo efeito desejado em termos de unir países emdesenvolvimento em torno de metas comuns.

O desapontamento dos escritores regionalistas(funcionalistas) e o acirramento da guerra fria, no final dosanos setenta, pareciam reafirmar a natureza conflitual nos

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negócios internacionais, assinalando outro triunfo do powerpolitics model (dos realistas), agora refinada e melhorelaborada sob a forma dos novos constrangimentos daanarquia internacional; a prevalência do conflito; acrescente importância relativa dos atores internacionaisque não eram partidários e defensores da cooperaçãointernacional - neo-realistas (WALTZ, 1989).

As novas iniciativas e a ordem internacional

Em muitos aspectos, pelo menos até meados dosanos 1980, ficaram evidentes que os fatos da políticainternacional pareciam apoiar a posição deles. Entretanto,o regionalismo europeu, assim como o do terceiro mundo,superou com muitas dificuldades os desafiosinternacionais, principalmente por questões políticas.Entretanto, a ONU entrou em um período de crise aguda, eas mais velhas organizações regionais como a OEA ou aLiga Árabe, tiveram sérias dificuldades para conseguirconsenso entre os seus sócios em torno de um amplo lequede assuntos.

Segundo Tow (1990), importantes exemplos deorganizações regionais foram a Associação de LivreComércio do Sudeste Asiático (ASEAN), em 1967 eComunidad del Caribe(CARICOM), em 1973. Outrosemergiram nos anos 1980: o South African DevelopmentConference (SADC), em 1980, O Conselho deCooperação do Golfo (GCC) em 1981 e a Associação Sul-asiática para Cooperação Regional (ASACR), em 1985.No ambiente inseguro da “segunda guerra fria”, tais

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organizações representaram importantes iniciativas paracriar consensos de segurança em uma determinada área,sem o apoio direto de um poder externo.

Os avanços e o aprofundamento da ComunidadeEuropéia, em meados dos anos 1980, criaram um padrãode mudança econômica global e influenciou os novospadrões de regionalismo. Uma radical transformação naEuropa Oriental e na União Soviética (URSS), no final dadécada, foram referências necessárias para criar uminteresse renovado de ambiciosas formas de regionalismo.Há, entretanto, questões importantes a responder como:O que há de diferente nesse novo regionalismo que odistingue do antigo? e quais as suas reais origens?

Ao longo do período da guerra fria, o regionalismotinha permanecido na agenda internacional, mas suaextensão estava limitada e refém da natureza bipolar dosistema internacional, a que todos os arranjos regionaiseram subordinados. Outro fator que também limitava aação do regionalismo era a tenacidade com que osEstados estavam agarrados à sua soberania (e ao seuisolacionismo), não só na maioria dos assuntos de altaimportância política, mas até em assuntos de poucarelevância.

Segundo Robson (1993), a curta história doregionalismo apresentada sugere que o novo regionalismose for sobreviver, precisa estar estruturado em umafundação mais sólida e duradoura que o antigo. Entretanto,os contextos internacional e doméstico, dos anos noventa,são muito mais favoráveis que os dos anos sessenta.

O retorno do regionalismo à agenda internacional

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produziu uma reação complexa e plural. Há alguns estudiososque vêem nesse novo regionalismo características quepropiciarão o entendimento da ordem internacional pós-guerrafria. Outros, mais céticos, acreditam que, assim como oregionalismo dos anos 1960, essa nova versão terá vidalimitada e não cumprirá o que está pactuado nos seus tratadose acordos. Todos, porém, concordam que o regionalismo estáem franco crescimento em todas as partes do mundo. Osacordos e tratados se multiplicam em número e forma(FAWCETT e HURREL, 1993).

Fawcett e Hurrel (1993) vislumbram três grandesimpactos responsáveis pela criação e caracterização danova ordem internacional do regionalismo: a grandetransformação nas relações internacionais causada pelofim da guerra fria, a aprovação do Single European Act,em 1986, e o impacto do aumento global das transaçõescomerciais e financeiras.

O surgimento de novas iniciativas de regionalismoestá associado também a alguns eventos como: o medogeneralizado e recorrente a respeito da estabilidade daOrganização Mundial do Comércio (OMC) e do sistemamultilateral de comércio, o impacto da crescente integraçãoe globalização, mudança de atitudes no tratamento dodesenvolvimento econômico em algumas partes do mundoem desenvolvimento e o impacto da democracia edemocratização. Esses impactos, ainda segundo Fawcette Hurrel (1993), foram responsáveis pela proliferação dosnovos blocos regionais e pelo reaparecimento dos antigosblocos.

O novo regionalismo, entretanto, já tinha se

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arraigado antes do fim da guerra fria, empurrando essasregiões para o centro da política internacional. De certomodo, isso foi possível somente pelo início do colapso dosistema bipolar. Significativamente, o novo regionalismoprogrediu na direção da cooperação regional, aumentadoo que já havia em várias áreas da Europa Ocidental, nasAméricas, no Sudeste da Ásia e no Oriente Médio. Avançosna Comunidade Européia e mudanças políticas eeconômicas em nível global ajudaram a responder poressas mudanças.

A Organização das Nações Unidas (ONU), alémde outras organizações internacionais, se beneficiou, dealgum modo, da atmosfera melhorado, provocado pelorelaxamento das tensões Leste-Oeste. Da mesma maneira,e tão importante como o fim da própria guerra fria, foi amudança nas atitudes da Rússia com relação àcooperação internacional (URQUHART, 1989).

Finalmente, para autores como Raúl Bernal-Meza aregionalização é uma resposta à globalização; de maneiraque o processo de regionalização, em princípio, podeparecer uma antítese da globalização, como afirmaRealidad Econômica (1998). O regionalismo aberto,segundo o conceito da CEPAL (1993), pode ser umcomplemento ou passo intermediário para a globalizaçãoou a sua própria síntese. A consolidação da União Européiaem 1992 e o temor do surgimento de uma “fortaleza

10 REALIDAD ECONÓMICA. Instituto para el desarrollo económico(IADE). Em 1990,as 100 maiores empresas foram responsáveis por um terço do montante mundialde investimentos diretos no exterior, com ativos que já chegavam a US$ 3,2trilhões, 40% dos quais localizados fora dos países de origem. (Chesnai, apudMartins. 1996)

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européia” fizeram com que outros países iniciassem umacorrida no sentido de formarem mecanismos regionais deintegração – blocos econômicos – como respostaestratégica a esse processo.

Essa nova ordem mundial começa a consolidar-see carrega consigo dois conceitos diferentes que podemser complementares ou concorrentes. Um é o conceito deregionalismo, até agora analisado e outro, a teoria daintegração. Ambos tem mais ou menos a mesma gênesis– após a Segunda Guerra Mundial – e têm sidoempregados para caracterizar o mesmo objeto: o processode aproximação gradual entre estados para formar blocosmais competitivos vis a vis a economia internacional.

Ainda que integração seja um termo bastante amploe que possa ser aplicado tanto em nível microeconômico(como a integração no interior das empresas, entre firmasou em um setor da economia), como macroeconômico(integração nacional ou internacional), entretanto, não háconsenso sobre a sua definição. Agudelo propõe que aintegração econômica pode ser definida como o resultadodo processo de desenvolvimento capitalista na etapa demundialização das relações capitalistas de produção,distribuição e intercâmbio, provocado pela concentraçãoe centralização do capital produtivo e financeiro.10

Balassa (1961) foi um dos mais importantesteóricos da integração, e sua abordagem abrange odesenvolvimento latu sensu. Defende a intervenção dogoverno na economia admitindo inclusive restrições ao

11 Conhecidos como os construtores da União Européia.

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comércio exterior em defesa da economia regional. Hárecortes políticos na sua obra como a defesa de uma“terceira força”, nos primórdios da guerra fria, como razãopolítica para a constituição das Comunidades Européias.

Havia um grande debate nos meios acadêmicosda época (década de 1950) a respeito da intervenção estatalda economia, porque essa se contrapunha aosupranacionalismo defendido pela maioria dos teóricos daintegração e, também, por construtores da integração, comoJean Monnet e Robert Schuman,11 responsáveis pelas primeirasidéias e ações nas Comunidades Européias. Entretanto,defendia-se, via de regra, para as economiassubdesenvolvidas como na América Latina, a intervenção doestado, sob a justificativa de que ações estataisintervencionistas eram fundamentais para promover aintegração regional e alcançar o desenvolvimento. Balassa(1961) afirmava que

no que diz respeito aos países subdesenvolvidos, ocrescimento econômico surge como consideraçãoprimordial. Os países que seguem os conselhos dosdefensores da doutrina do crescimento equilibradopodem procurar a integração econômica a fim deassegurar um mercado suficientemente vasto para odesenvolvimento paralelo de novas indústrias. (...) Ointeresse crescente dos países subdesenvolvidos podeatribuir-se em parte ao desejo de imitar o exemploeuropeu e aos esforços deliberados para compensar ospossíveis efeitos de desvio de trocas comerciais resultantes

do Mercado Comum Europeu. (BALASSA, 1961, p.18).

12 Conceito da CEPAL.

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Balassa (1961) ainda argumenta que a integraçãosó se justifica se for capaz de gerar bem-estar para osestados que a integram. Na sua opinião, não haverámelhoria do bem-estar social se a melhora de um membroreduzir o bem-estar de qualquer outro e isso se traduz por

a) uma variação na quantidade de bens produzida; b)uma alteração no grau de discriminação entre produtosfabricados internamente e no estrangeiro; c) umaredistribuição do rendimento entre os naturais de diversospaíses e d) uma redistribuição do rendimento dentro decada país (BALASSA, 1961, p.25).

Esta afirmação de Balassa (1961) ilumina opropósito deste artigo e dá-lhe importância trazendo àdiscussão a transformación productiva com equidad12

versus integração.A CEPAL (1993) conclui a esse respeito que os

efeitos da integração, tanto os positivos como ospotencialmente adversos são conhecidos. Entre osprimeiros se encontra o aproveitamento de economias deescala, especialmente se as práticas protecionistasimpedem tirar proveito delas no mercado mundial.

A integração também contribui para reduzir as rendasimprodutivas derivadas da falta de competição, ainda que essefato tenha uma influência ambígua em termos de incentivosnecessários para promover a inovação. A intensidade dessesefeitos aumenta se a envergadura dos sócios comerciais é

13 A Conferência Nacional dos Bispos do Brasil e alguns partidos políticos fizeramrecentemente uma pesquisa popular no Brasil e aproximadamente 15 milhões de pessoasse manifestaram contra a participação deste país na ALCA.

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maior e se o acordo contempla níveis reduzidos de proteçãofrente a terceiros.

A ALCA e a inserção brasileira

O Brasil não está entre os países chamados deeconomias menores no âmbito da Área de Livre Comérciodas Américas, entretanto, a sua inserção no bloco podetrazer algumas dificuldades para regiões mais pobres epequenas empresas13. Os segmentos sociais quedefendem essa posição tem fundamentação ideológica ese referem a impressões empíricas e pragmáticas.

A Secretaria da Receita Federal do Brasil (2001)elaborou um estudo visando analisar o impacto doprocesso de integração da ALCA em setores específicosda economia brasileira e chegou a algumas conclusõesimportantes:

1) parcela substancial do comércio ocorreu entre firmasde mesmos titulares – por isso, deve-se buscar oaperfeiçoamento da aplicação da legislação sobre preçosde transferência do controle das operações intrafirmas;2) essa constatação deve ser incorporada ao debatesobre o processo de desgravação da ALCA, pois a práticados preços de transferência pode neutralizar os efeitosda tarifa negociada; 3) os países do NAFTA e os do Caribesão, potencialmente, os principais beneficiários doacordo, e 4) deve-se primar pela retirada das medidasprotecionistas que dificultam o acesso de produtosbrasileiros ao mercado internacional. (SECRETARIA DARECEITA FEDERAL DO BRASIL, 2001, p.3).

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O referido estudo tomou como base para aanálise, as seguintes variáveis de relacionamento Brasilcom os países que formarão a ALCA, no período de 1997a 2000: comportamento da balança comercial, comérciointrafirmas e atacadista rivalidade oligopolista, baixo graude concentração do comércio atacadista,desnacionalização da indústria de alta produtividade,estrutura do mercado, incentivos fiscais e financeiros eprazo de pagamento das importações.

Para Araújo Jr. (1999) o projeto ALCA implica parao Brasil:

a) intensificação do crescimento das importações; b)estabelecimento de prazos para a atualizaçãotecnológica das empresas brasileiras, sob pena de seremexcluídas do mercado; e c) a eventual remoção debarreiras comerciais americanas, cuja efetivaçãodependerá de negociações não triviais, como porexemplo, a eliminação de medidas antidumping atravésda harmonização das políticas de concorrência no

hemisfério. (ARAÚJO Jr.,1999, p.54-55).

Repetindo a visão pessimista do processo deintegração levado a efeito pelo estudo anteriormentedescrito. Muitos analistas brasileiros e de outros paíseslatino-americanos temem os efeitos da ALCA e remetema estudos teóricos e empíricos as razões e explicaçõesdessa catástrofe econômica e comercial. É preciso analisaras desvantagens do isolamento ou do enfrentamento dasgrandes potências e compará-las com a integraçãodesigual proposta no âmbito da ALCA.

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Os diversos processos de integração levadosa efeito, nos últimos 45 anos, no continente americano têmalgumas características comuns. Primeiro observa-sequase sempre a tentativa de imitar a União Européia (UE)ou de contrapor-se a ela. Outra é a isenção de razõespolíticas para a integração. Almeida (1993) afirma que oMercosul, por exemplo, foi um sucesso político e uminsucesso econômico e um sucesso econômico e uminsucesso político. O sucesso político é atribuído àmanutenção da democracia no subcontinente; o insucessoeconômico está ligado ao fato de que mesmo tendoconseguido aumentar o comércio intrazona, esse bloco nãoconseguiu passar de uma área de livre comércioincompleta e uma união aduaneira cheia de exceções. Poroutro lado, o sucesso econômico é encontrado no aumentodo comércio intabloco de 4 bilhões de dólares americanos,em 1991, para mais de 20 bilhões de dólares em 1997.Associado a isso o insucesso político pode ser identificadona inexistência de órgão supranacionais para daremsuporte a esse crescimento do comércio.

Observa-se que o Mercosul é fruto dessamistura de estilos e forma de integração. Pretende nos seustratados ser um mercado comum com a livre circulação depessoas fatores de produção, por um lado. Por outro, nãopassa de uma área de livre comércio imperfeita.

Os outros processos de integração americanoscomo o Mercado Comum Centro Americano (MCCA), aComunidade do Caribe (Caricom) e o Pacto Andino têmtodos características semelhantes ao Mercosul. Acordosousados e até pretensiosos acompanhados de resultados

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limitados e de curto prazo. Provavelmente pelo fato de nãohaver razões políticas fortes e predominarem a inércia e avisão limitada às questões intestinas.

O North America Free Trade Agreement (NAFTA) éo único que não pretende ir além de uma área de livrecomércio, tanto nos seus tratados como no seudesenvolvimento. Se isso é bom para economias menoresem pontos específicos como emprego, renda nacional,desenvolvimento científico e tecnológico e crescimento realdessas economias não se pode afirmar. Se essa é umaforma de expansão da economia norte americanadominando a propriedade da indústria avançadatecnológica e estrategicamente no continente tampoucose pode ter certeza. O que se propõe é a coerência entrepropósitos e capacidade de realizar. Em outras palavrasa efetivação dos contratos internacionais.

Conclusão

Para compreender os processos americanosde integração e no seu contexto, a negociação paraconstrução da ALCA é preciso discutir e entender a teoriada integração e do regionalismo. Os temas em negociaçãono âmbito da ALCA são: acesso a mercados, agricultura,compras governamentais, investimentos, políticas deconcorrência, direito de propriedade intelectual, serviços,solução de controvérsias, subsídios, antidumping emedidas compensatórias, economias menores, sociedadecivil, assuntos institucionais e comércio eletrônico. Estestemas não deveriam ser negociados sem a compreensão

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detalhada das razões e dos objetivos negociais eestratégicos que estão em jogo.

É preciso saber que a integração beneficia asgrandes corporações na medida em que lhes amplia omercado e ativa as suas economias de escala e limita acapacidade de competir das pequenas empresas. Épreciso prestar a atenção nas concessões feitas nastransferências de mercadorias entre firmas de mesmatitularidade. É preciso saber que haverá desvio de comércioprincipalmente em relação à Europa e a Ásia.

Não se deve esquecer que os benefícios docomércio com o Brasil, no âmbito da ALCA, serãodestinados aos países do NAFTA e do Caribe pelo fato deque as tarifas de importação para produtos advindosdesses países ainda são altas no Brasil.

É pouco provável que os decision makersbrasileiros rejeitem a participação do Brasil na ALCA. Umpaís com uma participação histórica em todas asimportantes organizações internacionais e que temdimensões econômicas, geográficas e estratégicasrelevante no hemisfério deve participar de todas osmovimentos internacionais, editar e se posicionar comrelação as principais decisões tomadas.

O ano de 2005, que foi recentemente confirmadopelo Presidente Lula, como início para o processo deintegração da ALCA trará muitos problemas para o Brasile os países de economias menores signatários do Acordo.Tomando como exemplo o México e o Canadá, no âmbitodo North America Free Trade Agreement (NAFTA),observa-se que esses países registraram um nível

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significativo de desenvolvimento, nos anos 1990, apesarde terem permitido uma dependência econômico/comercial que supera os 80% no relacionamento com osEUA. Há críticas de sindicatos norte-americanos pelatransferência de firmas para aqueles países e há críticasdos trabalhadores mexicanos e canadenses de que osempregos diretos são os únicos benefícios auferidos pelassuas economias. Entretanto essa é a regra do jogo liberal.

O que se pode fazer é desenvolver programas defortalecimento das pequenas empresas por meio decooperativas e consórcios de exportação para fazer frenteàs questões de volume e padronização das exportações.Essa experiência tem sido bem sucedida e precisa sermelhor estudada e ampliado o seu uso.Abstract

This article will settle a boundary for many written works aboutregionalism and theory of integration defining those who allow theunderstanding of such a phenomenon, which has defined a newinternational order on the post cold war period. Many works fromdifferent authors will be analyzed in a way that may be an aid for theconceptual development of the regional integration and facilitate theunderstanding of the opportunities and threats of the negotiationregarding the Free Trade Agreement of Americas – FTAA. Anotherpurpose is the analysis of the upcoming effects of the FTAA integrationprocess and its implications on the 34 countries established in thewestern hemisphere, except for Cuba.

Key-words: theory of integration, FTAA, regionalism, economicdevelopment, globalization.

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