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Uni-ANHANGUERA – CENTRO UNIVERSITÁRIO DE GOIÁS
CURSO DE DIREITO
DA RESPONSABILIDADE ESTATAL POR DELITO PRATICADO POR
CONDENADO FORAGIDO
PEDRO MOREIRA NEVES NETO
GOIÂNIA
Maio/2014
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PEDRO MOREIRA NEVES NETO
DA RESPONSABILIDADE ESTATAL POR DELITO PRATICADO CONDENADO
FORAGIDO
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado
ao Centro Universitário de Goiás, Uni-
ANHANGUERA, sob a orientação da Prof.ª
Ms. Evelyn Cintra Araújo, como requisito
parcial para obtenção do título de Bacharel em
Direito.
Goiânia
Maio/2014
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TERMO DE APROVAÇÃO
PEDRO MOREIRA NEVES NETO
DA RESPONSABILIDADE ESTATAL POR DELITO PRATICADO POR CONDENADO
FORAGIDO
Trabalho de conclusão de curso apresentado à banca examinadora como requisito parcial para
obtenção do Título de Bacharel em Direito, do Centro Universitário de Goiás - Uni-
ANHANGUERA, defendido e aprovado em 02 de junho de 2014 pela banca examinadora
constituída por:
________________________________
Prof.ª Ms. Evelyn Cintra Araújo
Orientadora
__________________________________
Prof.ª Esp. Lorena Araujo de Oliveira
Membro
4
Ao Deus todo-poderoso, digno de toda honra, glória e louvor.
À minha mãe Iraci, ao meu pai Luiz (in memoriam).
Aos meus filhos Juan Pablo e Davi, e à minha amada esposa
Cristiane.
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AGRADECIMENTOS
Agradeço a Deus, em primeiro lugar, por ter me dado a oportunidade de
concluir o Curso de Direito, que tanto almejava, bem como o título de
bacharel em Direito.
Agradeço também ao meu sogro e minha sogra, que tanto me ajudaram
durante esses anos, bem como aos meus parentes e amigos que, de alguma
forma, seja material ou intelectualmente, contribuíram para que esse sonho
se concretizasse.
Não poderia deixar de agradecer também aos professores do Uni-
Anhanguera, que tanto me ajudaram nessa jornada, bem como pela
transmissão de preciosas lições, que levarei por toda minha vida.
Por fim, agradeço aos meus filhos Juan e Davi e à minha esposa Cristiane,
pela compreensão e paciência dispensados durante todo o período do curso,
que foram fundamentais para que lograsse êxito nessa jornada.
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RESUMO
Trata-se de estudo referente à possibilidade jurídica da imputação da responsabilidade civil ao
Estado por danos causados por custodiado condenado foragido do sistema penitenciário, em
decorrência de falha na aplicação da Lei de Execuções Penais. Analisa-se o cabimento da
responsabilidade estatal quando, por sua omissão, possibilita que o condenado foragido
cometa crimes contra o particular, através da explanação de noções elementares sobre
responsabilidade no direito, elaboração de estudo histórico sobre a evolução da
responsabilidade do Estado, bem como sobre noções básicas de execução penal no Brasil,
com enfoque doutrinário e jurisprudencial. Vislumbra-se que o Estado é responsável pelos
delitos praticados por custodiado foragido, quando, por falha na prestação do serviço, permite
que o custodiado evada-se de seus estabelecimentos penais. Majoritariamente, entende-se
também pela aplicação da teoria do dano direto e imediato, onde o decurso de lapso temporal
considerável entre a fulga e o dano se considera concausa, idônea para romper o nexo de
causalidade, desconfigurando a imputabilidade estatal. Consiste em pesquisa monográfica,
com a utilização dos métodos histórico, bibliográfico-documental e hipotético dedutivo.
PALAVRAS-CHAVE: Imputabilidade. Dano. Poder Público. Detento. Evasão. Cabimento.
Nexo de causalidade. Teoria do dano direito e imediato.
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SUMÁRIO
INTRODUÇÃO 09
1 NOÇÕES ELEMENTARES SOBRE RESPONSABILIDADE 11
1.1 Da Responsabilidade 11
1.1.1 Da responsabilidade quanto à natureza do direito violado 12
1.1.1.1 Da responsabilidade civil 12
1.1.1.2 Da responsabilidade penal 14
1.1.1.3 Da responsabilidade administrativa 14
1.1.1.4 Da espécie de responsabilidade aplicável ao Estado 15
1.1.2 Da responsabilidade civil quanto à fonte da obrigação 16
1.1.2.1 Responsabilidade civil contratual 17
1.1.2.2 Responsabilidade civil aquiliana ou extracontratual 17
1.1.3 Responsabilidade civil subjetiva 18
1.1.4 Responsabilidade civil objetiva 19
1.2 Da conduta humana 20
1.3. Do dano 21
1.3.1 Do dano material 23
1.3.2 Do dano moral 23
1.4 Do nexo de causalidade 25
1.4.1 Da teoria da equivalência das condições 25
1.4.2 Da teoria da causalidade adequada 25
1.4.3 Da teoria do dano direto ou imediato 26
1.4.4 Da teoria do nexo de causalidade adotada no Brasil 27
2 TEORIAS E EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA RESPONSABILIDADE
ESTATAL 28
2.1 Teorias da Responsabilidade estatal 28
2.1.1 Teoria da irresponsabilidade estatal 29
2.1.2 Teorias Civilistas 29
2.1.3 Teorias Publicistas 30
2.1.3.1 Teoria da culpa do serviço ou culpa administrativa 31
2.1.3.2 Teoria do risco administrativo 32
2.1.3.3 Teoria do risco integral 33
2.2 Da responsabilidade por omissão 34
2.3 Evolução histórica da responsabilidade do Estado no direito brasileiro 36
3 DA EXECUÇÃO PENAL NO BRASIL 38
3.1 Noções elementares 38
3.2 Dos órgãos da execução penal 39
3.3 Dos regimes de cumprimento da pena privativa de liberdade 40
3.4 Da progressão de regime de cumprimento de pena 41
3.5 Dos estabelecimentos prisionais 41
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3.6 Da realidade do sistema prisional brasileiro 42
4 DA RESPONSABILIDADE ESTATAL POR DELITO PRATICADO POR
CONDENADO FORAGIDO 43
4.1 Cabimento 43
4.2 Espécie de responsabilidade aplicável 45
4.3 Elementos caracterizadores da responsabilidade 47
4.4 Teoria do dano direto e imediato: rompimento do nexo de causalidade 49
4.5 Da jurisprudência 49
4.5.1 Da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça 50
4.5.2 Da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal 53
CONSIDERAÇÕES FINAIS 56
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 57
DECLARAÇÃO E AUTORIZAÇÃO 60
9
INTRODUÇÃO
A escolha do tema deve-se aos alarmantes números de crimes praticados por
foragidos do Sistema Prisional, que sofre com a falta de investimentos em recursos materiais e
humanos, não somente no que diz respeito ao Estado de Goiás, mas em todo o território
nacional.
Devido à precariedade dos estabelecimentos penitenciários, bem como a falta de
investimentos pelo Poder Público nesse setor, permite-se que o custodiado, em muitas
ocasiões, logre êxito no empreendimento de fuga do cárcere.
Destarte, além de se impedir que a pena surta seus efeitos, tanto em relação à
sociedade quanto ao próprio preso, possibilita-se que este pratique contra àquela os mais
variados tipos de delitos, trazendo-lhe danos de ordem material e/ou moral.
O tema é de importância ímpar, pois permite que se tenha uma visão mais abrangente
sobre o assunto, a fim de que, no caso concreto, analise-se os limites da responsabilização
estatal pelos crimes cometidos por foragidos, bem como os elementos para a caracterização de
eventual responsabilização.
E como decorrência do estudo que se propõe com o presente trabalho, obter-se-á uma
contribuição satisfatória não somente para o Direito Administrativo e Constitucional, no que
tange à orientação da parte autora do pedido de responsabilidade civil ou do próprio ente
estatal, com o esclarecimento de inúmeros casos concretos, já que o assunto é objeto de
diversas ações judiciais. Trar-se-á também contribuição relevante para outras áreas do
conhecimento, como para a Política Pública e, sem sombra de dúvidas, para a sociedade como
um todo, pelos motivos a seguir.
Quanto à importância do tema para a Política, enquanto ciência dos fenômenos
concernentes ao Estado, o estudo possibilitará uma melhor reflexão pelo administrador quanto
à fixação de diretrizes políticas e de investimentos de recursos públicos no sistema
penitenciário, a fim de que se evite, posteriormente, que vultuosas quantias de recursos sejam
destinadas ao pagamento de condenações judiciais do Estado, e sejam destinadas a outros
setores, como saúde e educação, por exemplo.
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Por fim, a relevância do tema para a sociedade será enorme, pois muitos pedidos de
indenização por danos causados por foragidos do sistema prisional são frustradas, tendo em
vista que grande parte deles não exerce atividade lícita (relação de emprego, empresa, relação
de trabalho em geral), o que impossibilita o êxito do exequente em uma futura execução
judicial. Por outro lado, a possibilidade da responsabilização do Estado poderia ser uma
solução para a vítima, ainda que tardia a satisfação do direito, pela quase que infindável
ordem dos precatórios.
O objeto do presente é o esclarecimento do cabimento da responsabilidade estatal
quando, por sua omissão, possibilita que o condenado foragido cometa crimes contra o
particular, através da explanação de noções elementares sobre responsabilidade no direito,
elaboração de estudo histórico sobre a evolução da responsabilidade estatal, bem como sobre
noções básicas de execução penal no Brasil.
A problemática do trabalho que se apresenta consiste na indagação sobre a existência
de responsabilidade civil quando, por sua omissão na custódia do preso condenado, permite
sua fuga, e esse condenado cause danos a terceiros, bem como, em caso positivo, qual a
espécie de responsabilidade aplicável e seus respectivos requisitos, para que se desenhe a
aludida imputação.
Para alcançar-se o objetivo almejado, lançar-se-á mão de pesquisa monográfica, com
a aplicação dos métodos histórico, bibliográfico-documental e hipotético-dedutivo.
Ter-se-á como referencial teórico para a produção do presente trabalho alguns dos
mais renomados doutrinadores do direito administrativo da atualidade, como Celso Antônio
Bandeira de Mello, José dos Santos Carvalho Filho, Maria Sylvia Zanella Di Pietro, aliados a
doutrinadores clássicos do ramo como José Cretella Júnior e Yussef Said Cahalli, além de
outros do direito civil, como Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho, Carlos
Roberto Gonçalves, Flávio Tartuce e Sérgio Cavalieri Filho.
No primeiro capítulo, far-se-á uma abordagem basilar sobre responsabilidade, com a
exploração de elementos, conceitos e classificações. Já o segundo se destinará à colação das
teorias que tratam da responsabilidade do Estado. O terceiro, por seu turno, fará uma breve
explanação sobre execução penal no Brasil, com alguns conceitos, institutos, exposição sobre
estabelecimentos penais e considerações sobre a realidade do sistema penitenciário. O último
destinar-se-á à temática central do trabalho, com a análise da problemática proposta.
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1 NOÇÕES ELEMENTARES SOBRE RESPONSABILIDADE
Neste capítulo, buscar-se-á trazer à baila algumas noções elementares sobre a
responsabilidade, para que se possa permitir ao leitor uma melhor compreensão sobre o tema
do presente estudo.
1.1 Da responsabilidade
Segundo consulta ao dicionário, o verbete responsabilidade significa a ―qualidade de
responsável‖. Especificamente voltado para o Direito, traz o sentido de responsabilidade
como ―Dever jurídico de responder pelos próprios atos e os de outrem, sempre que estes atos
violem os direitos de terceiros, protegidos por lei, e de reparar os danos causados‖.
(MICHAELIS, 2014).
No entendimento de Carvalho Filho (2013, p. 548), o termo responsabilidade deriva,
etimologicamente, do vocábulo resposta, que, por sua vez, traz a ideia de responder, do latim
respondere, ou seja, do dever de alguém responder perante o ordenamento jurídico pelos seus
atos ou de outrem.
Gagliano e Pamplona Filho (2011, v. 3, p. 44), por sua vez, trazem à lume que a
origem da responsabilidade é um dever jurídico sucessivo, que decorre da violação de um
dever jurídico originário, estabelecido em lei, contrato, declaração unilateral da vontade ou de
ato ilícito, que encontra seu fundamento no brocardo latino neminem leadere, de Ulpiano, ou
seja, no dever de não se causar lesão a direito de alguém.
Assim, de maneira simplificada, quando violado o direito originário de alguém,
nasce para o agente a responsabilidade, que é um dever derivado de reparar o dano causado,
quando se tratar de pessoa imputável.
Num primeiro momento, a ideia de responsabilidade traz consigo o pressuposto de
ilicitude da ação de alguém em detrimento de outrem. Entretanto, com a evolução da teoria da
responsabilidade no direito, admite-se atualmente que haja possibilidade jurídica de se
responsabilizar alguém por ato jurídico lícito, como, por exemplo, quando diga respeito à
atuação estatal, no que diz respeito aos comportamentos dos agentes públicos, nesta
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qualidade, que trouxerem ―ônus maior do que o imposto aos demais membros da
coletividade.‖ (DI PIETRO, 2012, p. 697)
1.1.1 Da responsabilidade quanto à natureza do direito violado
No ordenamento jurídico brasileiro, existem três espécies de responsabilidade: a
responsabilidade civil, responsabilidade penal e responsabilidade administrativa, sobre as
quais discorrer-se-á ao longo dos subtítulos adiante.
Analisar-se-á, também, qual a espécie de responsabilidade aplicável ao Estado,
quando pela ação ou omissão de seus agentes causar danos aos particulares.
1.1.1.1 Da responsabilidade civil
A responsabilidade civil é conceituada objetivamente por Gonçalves (2009, v. 4, p.
3), que a compreende como ―a consequência jurídica patrimonial do descumprimento da
relação obrigacional‖.
Nos períodos mais remotos do Direito Romano, em razão do vigência da Lei das XII
Tábuas, o responsável era compelido a responder perante o credor com seu próprio corpo,
com a possibilidade de tornar-se, inclusive, escravo deste, para arcar com as consequências da
responsabilidade civil.
Entretanto, tendo em vista o desuso dessa forma de execução na época, dada a
evolução do Direito Civil em Roma, adveio a vigência da Lex Poetelia Papiria, do Século IV
a.C., que suprimiu a possibilidade de o devedor responder pela dívida com seu próprio corpo,
tornando-se suscetível de execução tão somente o seu patrimônio, modelo o qual serviu de
inspiração para o direito civil moderno, o qual perdura até os dias de hoje (GAGLIANO e
PAMPLONA FILHO, 2011, v. 2, p. 345-346).
Ressalta-se que, no direito positivo brasileiro, a regra é de que não haja prisão civil
por dívida, com exceção à do devedor de alimentos e do depositário infiel, de modo a
pressionar psicologicamente o solvens a cumprir a sua prestação ao credor, já que, em matéria
de execução civil, vigora o princípio da realidade da execução. (GONÇALVES, 2010, v. 3, p.
11).
A possibilidade de prisão civil encontra-se prevista no art. 5º da Constituição da
República Federativa do Brasil de 1988, em seu inciso LXVII, que dispõe que ―não haverá
prisão civil por dívida, salvo a do responsável pelo inadimplemento voluntário e inescusável
de obrigação alimentícia e a do depositário infiel‖.
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Desse modo, qualquer espécie de prisão por dívida por motivo alheio àquelas
decorrentes de inadimplemento do devedor de alimentos e do depositário infiel, segundo a
Carta Magna, é considerada inconstitucional.
No entanto, quatro anos após a promulgação do Texto Constitucional de 1988,
especificamente em 25 de setembro de 1992, o Brasil, tardiamente, diga-se de passagem,
internalizou ao seu ordenamento jurídico a Convenção Americana de Direitos Humanos –
Pacto de São José da Costa Rica, de 22 de novembro de 1969, através do Decreto n. 678, de
06 de novembro de 1992, obrigando-se, dentre outras disposições, a abster-se da realização de
prisão por dívida, com exceção da decorrente do inadimplemento da obrigação alimentar.
Não obstante, em detrimento às disposições do Pacto de São José da Costa Rica,
supracitado, continuou-se a efetuar a prisão civil do depositário infiel no território nacional, o
que compeliu o Supremo Tribunal Federal, no uso das atribuições recém inseridas no Texto
Constitucional pela Emenda Constitucional n. 45 (editar súmulas com efeitos vinculantes a
todos os demais órgãos do Poder Judiciário e à administração direta e indireta, nas esferas
federal, estadual e municipal), editou a Súmula Vinculante n. 25, com o seguinte enunciado:
―É ilícita a prisão civil do depositário infiel, qualquer que seja a modalidade do depósito‖.
Ressalta-se que, da violação das disposições das súmulas vinculantes, pelos seus
destinatários, cabe Reclamação Constitucional à Suprema Corte que, caso a julgue
procedente, anulará os efeitos do ato administrativo ou cassará o ato jurisdicional,
determinando que outro seja expedido.
Ou seja, da edição da súmula supracitada em diante, o devedor não poderá ser
privado de sua liberdade, salvo quando inadimplente em relação à prestação de alimentos.
Portanto, imputa-se ao responsável civil um dever jurídico de reparar o dano, quando
possível, ou arcar com uma compensação à vítima pelo prejuízo sofrido, denominada
indenização.
Ou seja, a um primeiro momento, busca-se a reparação do dano e, caso este não seja
possível, nasce a possibilidade da indenização.
Gagliano e Pamplona Filho (2011, v. 3, p. 92) possuem o entendimento acima,
acrescentando que, por um critério prático, pode-se caracterizar como reparáveis aqueles
danos que se restringem tão somente à lesão do patrimônio da vítima, enquanto que os danos
morais, pela sua natureza extrapatrimonial, jamais podem ser reparados, pelo fato de serem
interesses insuscetíveis de apreciação econômica, cabendo apenas, quando ocorrida sua
violação, uma indenização à vítima, como forma de compensação pelos aludidos danos
suportados.
Em síntese, quando se trata de responsabilidade civil, o interesse tutelado, por ser de
cunho eminentemente patrimonial, via de regra, é do âmbito do direito civil, e,
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consequentemente, recaem tão somente no patrimônio daquele a quem se imputa a
responsabilidade.
1.1.1.2 Da responsabilidade penal
Já no que diz respeito à responsabilidade penal, trata-se de consequência jurídica por
ato ilícito elencado pelo legislador como deturpador da ordem social, pela sua gravidade, de
tal modo que a tutela estatal torna-se imperiosa, a fim de se reestabelecer o equilíbrio das
relações sociais, através da aplicação das normas de Direito Penal, cujo dever incumbe ao
Estado. (GRECO, 2009, v. 1, p. 4 e 79)
Cretella Júnior (2000, p. 603), em sua obra, assevera que a ―responsabilidade penal
envolve também um dano, dano que atinge a paz social‖.
Conforme preleciona Greco (2009, v. 1, p. 79), a responsabilidade penal, em razão
do princípio da pessoalidade ou intranscendência da pena, é atribuída tão somente à figura do
condenado, que terá que se submeter pessoalmente à sanção que lhe foi imposta pelo Estado,
não sendo, em hipótese alguma, atribuída a outrem, em regra.
Além das pessoas físicas, excepcionalmente, há possibilidade de as pessoas jurídicas
serem penalmente imputáveis, quando suas condutas se subsumirem aos tipos descritos na Lei
de Crimes Ambientais – Lei n. 9.605, de 12 de fevereiro de 1998, por força do disposto no art.
225, § 3º da Constituição Federal, combinado com o art. 3º da lei em comento, não obstante
haja calorosa discussão no âmbito da doutrina quanto a essa disposição, na qual não se
adentrará no momento, por não se coadunar com a temática central do presente estudo.
Não se pode deixar de discorrer que, ao contrário da responsabilidade civil, onde o
interesse tutelado é eminentemente privado, pela sua natureza eminentemente patrimonial, via
de regra, a responsabilidade penal transcende aos interesses particulares, dada a gravidade das
normas jurídicas violadas.
Assim sendo, o interesse da responsabilidade penal não decorre da vontade
exclusivamente da vítima, mas sim de toda sociedade, que outorgou para o ente estatal o jus
puniendi, isto é, o direito de punir, cujo monopólio pertence ao Estado, de modo que o exerça
quando da ocorrência de quaisquer condutas tipificadas na legislação penal como crimes, em
regra, elencadas de acordo com a gradação de sua lesividade social.
1.1.1.3 Da responsabilidade administrativa
A responsabilidade administrativa, por seu turno, pode ser considerada como a
consequência jurídica da violação de normas concernentes ao direito administrativo. É o que
entende Carvalho Filho (2013, p. 548), que assevera que:
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O fato gerador da responsabilidade varia de acordo com a natureza da norma jurídica
que o contempla [...]se o fato estiver previsto em norma administrativa, dar-se-á a
responsabilidade administrativa.
Pelos ensinamentos do doutrinador supracitado, vislumbra-se a plausividade da
aplicação da responsabilidade administrativa pela autoridade administrativa competente
quando, por exemplo, um particular incorre em infração prevista no Código de Trânsito
Brasileiro, trafegando com veículo automotor em velocidade superior à máxima permitida
para o local,1 o que acarretará a aplicação da penalidade administrativa prevista no Código de
Trânsito Brasileiro pela autoridade administrativa competente, após devido processo
administrativo, onde ser-lhe-ão oferecidas as garantias do contraditório e da ampla defesa.
1.1.1.4 Da espécie de responsabilidade aplicável ao Estado
Como bem assinalou Carvalho Filho (2013, p. 548), uma responsabilidade não exclui
as demais. Deste modo, o que vai determinar qual responsabilidade a se imputar será a
natureza da norma violada pela conduta do agente.
Portanto, se com uma única conduta o agente viola norma de direito penal, de direito
administrativo e de direito civil, deverá responder nas três esferas.
Da mesma forma, assim como as aludidas normas são autônomas entre si e de
natureza diferente, a responsabilidade em uma esfera não implica a de outra, pelas razões
supracitadas.
Para que se possa analisar qual tipo de responsabilidade aplica-se ao Estado, deve-se
fazer algumas considerações, que remetem às teorias que explicam a relação entre Estado e
pessoa, ou melhor, entre aquele e seu agentes públicos, sobre as quais comentar-se-á
sucintamente a seguir.
Segundo Cahalli (1982, p. 13), em um primeiro momento, a teoria adotada para se
justificar a atuação estatal era a teoria do mandato, que explicava que os agentes públicos
eram mandatários do Estado. A aludida teoria não obteve a adesão esperada, tendo em vista
que, por sua exegese, o Estado, como ente despido de vontade, outorgaria mandato a alguém
para agir em seu nome, fato impossível de ocorrer.
Posteriormente, conforme ensina o festejado autor (CAHALI, 1982, p. 13),
concebeu-se a teoria da representação, com o entendimento de que o Estado seria
representado por seus agentes no que diz respeito à prática dos atos administrativos, presença
em juízo, entre outros.
1 art. 218. Transitar em velocidade superior à máxima permitida para o local, medida por instrumento ou
equipamento hábil, em rodovias, vias de trânsito rápido, vias arteriais e demais vias: (Redação dada pela Lei n.
11.334, de 2006) I - quando a velocidade for superior à máxima em até 20% (vinte por cento): (Redação dada
pela Lei n. 11.334, de 2006) Infração - média; (Redação dada pela Lei n. 11.334, de 2006) Penalidade - multa;
(Redação dada pela Lei n. 11.334, de 2006).
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Todavia, a aludida teoria foi alvo de críticas pelo fato de o ente estatal não ser pessoa
incapaz. E, não sendo incapaz, necessitaria o Estado de utilizar o instituto da representação,
para a prática dos atos civis, da figura de um representante legal, permitindo-se que aquele
(Estado) se tornasse irresponsável em relação aos atos praticados por seu agentes
(representantes), nessa qualidade, o que caracterizaria uma enorme injustiça com os
particulares, que teriam que executar os bens do agente, e não do ente estatal.
Finalmente, conforme ensinamentos de Mello (apud CARVALHO FILHO, 2013, p.
13), e por inspiração do jurista alemão Otto Gierke, concebeu-se a teoria do órgão, em que se
atribui a vontade do Estado aos órgãos componentes de sua estrutura interna, que, por sua vez,
são integrados por agentes públicos, formando-se, assim, uma relação externa entre o ente e
os particulares e, internamente, entre os órgãos e o Estado.
Cahalli (1982, p. 14), no mesmo sentido, enuncia que: ―o órgão pressupõe a
existência de uma só pessoa, a própria pessoa do Estado, à diferença do mandato e da
representação, que necessitam da existência de duas pessoas distintas‖.
Portanto, quando o agente público atua em nome do Estado, praticando atos
administrativos, está verdadeiramente exercendo a vontade estatal. Da mesma sorte, quando o
exercício dessa atividade violar o direito de outrem, o Estado responderá perante a ordem
jurídica com seu patrimônio tão somente, tendo em vista não haver possibilidade física e
jurídica de aplicar-lhe a responsabilidade penal e a administrativa.
Coaduna com o pensamento Carvalho Filho (2013, p. 548), o qual preleciona que o
tema da responsabilidade estatal ―se cinge à responsabilidade civil, isto é, aquela que decorre
da existência de um fato que atribui a determinado indivíduo o caráter de imputabilidade
dentro do direito privado‖.
1.1.2 Da responsabilidade civil quanto à fonte da obrigação
A classificação da responsabilidade civil com relação à fonte da obrigação é um tema
bastante controvertido no âmbito da doutrina. No entanto, deve-se proceder a algumas
considerações sobre o assunto.
Consoante preleção de Gonçalves (2009, v. 4, p. 26-27), a teoria monista ou
unitária entende que, inobstante a responsabilidade ser derivada de ato ilícito ou de
inadimplemento contratual, ambas se resumem em uma única consequência, enquanto que a
teoria dualista ou clássica sustenta que a responsabilidade civil divide-se em contratual e
extracontratual ou aquiliana.
Insta salientar que, inobstante as duras críticas suportadas pela teoria dualista,
entende-se que esta foi a adotada pelo ordenamento jurídico brasileiro.
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No mesmo sentido entende Carvalho Filho (2013, p. 548-549), que, com a maestria
de sempre, diz a respeito ao dever de indenizar daquele a quem se imputa a responsabilidade:
a regra é genérica e abrange tanto a responsabilidade extracontratual como a
contratual. Para o exame do tema, é importante distinguir essas duas modalidades
de responsabilidade. A contratual é estudada na parte relativa aos contratos
celebrados pela Administração [...] A extracontratual é aquela que deriva das várias
atividades estatais sem qualquer conotação pactual.
Portanto, dada a relevância da distinção da responsabilidade quanto à fonte da
obrigação, tratar-se-á de ambas nos subitens que seguem.
1.1.2.1 Responsabilidade civil contratual
Cretella Júnior (2000, p. 600) concebe a responsabilidade contratual de uma maneira
muito simples, como sendo aquela que ―deriva da infração de cláusulas aceitas por ambas as
partes‖.
Gonçalves (2009, v. 4, p. 26-27), por sua vez, ensina que a responsabilidade
contratual é aquela que decorre do inadimplemento de uma das partes de uma relação
obrigacional, acrescentando que, ainda que a obrigação decorra de declaração unilateral da
vontade, do mesmo modo se classifica como contratual a responsabilidade.
Deste modo, quando uma das partes contratantes procede ao inadimplemento de sua
obrigação na relação jurídica de direito material, nasce para a outra a pretensão de exigir a
imputação da respectiva responsabilidade à parte inadimplente.
As consequências para imputação da responsabilidade civil contratual é a aplicação
dos dispositivos dos art.s 389 e seguintes do Código Civil, com dever do devedor de arcar
com os valores referentes às perdas e danos, acrescidos de juros e atualização monetária,
segundo índices oficiais, além dos valores referentes aos honorários de advogado.
Saliente-se que, por perdas e danos, consoante o que dispõe o art. 402 do Código
Civil, compreende-se os danos emergentes e os lucros cessantes, ou seja, o que a parte
prejudicada efetivamente perdeu, além daquilo que deixou de ganhar, respectivamente.
1.1.2.2 Responsabilidade civil aquiliana ou extracontratual
Consoante ensinamentos de Diniz (apud MOTA, 2009), em meados de 250 a. C,
adveio a Lex Aquilia de damno, a qual trouxe a possibilidade de responsabilização do agente
causador do dano, quando este agisse com culpa, independentemente da existência de relação
contratual entre ambos, de modo a recompor os prejuízos sofridos pela vítima, além do
estabelecimento dos fundamentos da reparação de danos e da possibilidade de indenização
como forma de recomposição dos prejuízos sofridos.
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Salienta-se que, apesar de remota, a Lex Aquilia de damno orientou o ordenamento
jurídico de diversos países, no que diz respeito à responsabilidade civil extracontratual.
Deste modo, a responsabilidade civil não se restringe à preexistência de uma relação
obrigacional entre as partes. Ou seja, quando alguém, mediante sua ação ou omissão, comete
ato ilícito contra outrem, é obrigado a reparar o dano, nos termos da legislação civil, sem
prejuízo das demais consequências jurídicas.
A previsão legal da responsabilidade aquiliana, no ordenamento jurídico civil
brasileiro, encontra-se descrita no art. 927 do Código Civil, que diz que ―Aquele que, por ato
ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repara‑lo‖.
O art. 186 do Código Civil, por seu turno, traz os requisitos da ilicitude da ação
humana, enunciando que ―Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou
imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete
ato ilícito‖.
Isto posto, aquele que cometer ato ilícito contra alguém é obrigado a reparar o dano
causado, ainda que seja ele de ordem material ou moral. E, consoante a inteligência do artigo
supracitado, entende-se como ilícita a ação ou omissão humana que for lesiva a direito alheio,
decorrente de culpa em sentido amplo (dolo ou culpa em sentido estrito), sobre a qual
discorrer-se-á mais detalhadamente dentro do tópico seguinte.
1.1.3 Responsabilidade civil subjetiva
Como o próprio nome diz, entende-se a responsabilidade subjetiva aquela que, para
caracterizar-se, tenha como fundamental a apreciação do elemento subjetivo da conduta, isto
é, a existência da culpa do agente na sua realização, sendo esta compreendida no seu sentido
amplo.
Conforme preleciona Gonçalves (2009, V. 4, p. 30), a teoria clássica da
responsabilidade civil fundamenta-se na culpa, considerada em seu sentido lato. Vislumbra-se
que, dentre os elementos caracterizadores da responsabilidade subjetiva, encontra-se a culpa
lato sensu do agente, que compreende o dolo e a culpa stricto sensu.
O dolo, segundo o magistério de Gagliano e Pamplona Filho (2011, V. 3, p. 170), é a
―voluntariedade do comportamento do agente‖. Destarte, quando o agente desenvolve sua
ação deliberadamente no sentido de causar um dano a outrem, resta caracterizado o aludido
elemento subjetivo.
Já a culpa, compreendida em seu sentido estrito, deve ser entendida como a violação
do dever de cuidado que qualquer pessoa deve ter, consubstanciada no padrão de um homem
médio (bonus pater familias), de modo que, sempre que restar evidente que este agiu de forma
19
negligente, imprudente ou imperita, haverá a incidência do elemento subjetivo da culpa stricto
sensu. (GONÇALVES, 2009, v. 4, p. 16).
Cavalieri Filho (2012, p. 38) tem por negligente a falta de cuidado por conduta
omissiva. A imprudência, por seu turno, segundo aduz, é a culpa daquele que age na
inobservância dos deveres de cuidado que o homem médio deve ter. A imperícia, por sua vez,
caracteriza-se como a qualidade daquele que culposamente age, sem que possua os
conhecimentos técnicos para realizar tal ação.
Em síntese, os elementos para caracterização da responsabilidade subjetiva são a
ação ou omissão, a culpa em sentido amplo do agente, o dano, além da ligação entre a ação ou
omissão do agente, denominado nexo de causalidade, e o dano à vítima.
Outrossim, em arremedo de conclusão, existem casos no ordenamento jurídico em
que a culpa é presumida, ocasião em que haverá a inversão do ônus da prova. Todavia, as
aludidas hipóteses são excepcionais e, por esse motivo, devem estar definidas explicitamente
em lei ou serem advindas de construção doutrinária e jurisprudencial.2
1.1.4 Responsabilidade civil objetiva
Conforme prelecionam Gagliano e Pamplona Filho (2011, v. 3, p. 56), existem casos
em que o elemento subjetivo da conduta humana será dispensável para que se impute a
responsabilidade. Quando tal ocorrer, estar-se-á tratando da responsabilidade objetiva.
Para que haja a responsabilidade objetiva, necessária se faz a caracterização da ação
ou omissão, o dano, bem como o nexo de causalidade existente entre os primeiros, sendo
desprezível a verificação se o agente atuou com dolo ou culpa stricto sensu.
Carvalho Filho (2013, p. 552) assevera que:
Essa forma de responsabilidade dispensa a verificação do fator culpa em relação ao
fato danoso. Por isso, ela incide em decorrência de fatos lícitos ou ilícitos, bastando
que o interessado comprove a relação causal entre o fato e o dano.
Entretanto, segundo aduzem Gagliano e Pamplona Filho, 2011, v. 3, p. 57), o direito
civil brasileiro adotou a teoria subjetivista (responsabilidade com fundamento no elemento
―culpa‖), com o advento do Código Civil de 1916, não obstante, posteriormente, em algumas
leis esparsas tenha o legislador brasileiro inserido hipóteses de responsabilidade objetiva. 3
Por último, com a edição da Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002, foi instituído o
Código Civil vigente, o qual, em seu texto, especificamente no art. 186, estabeleceu a regra da
responsabilidade com culpa, com a ressalva expressa de que esta ocorrerá independente de
2 É o caso da responsabilidade estatal por omissão, em que parte considerável da doutrina entende, como se verá
a seguir, no tópico referente a tal responsabilidade. 3 p. ex., o Decreto n. 2.681, de 1912, que tratou da responsabilidade civil objetiva com relação às estradas de
ferro, com fundamento no risco da atividade.
20
culpa, quando houver previsão em leis especiais, ou ―quando a atividade normalmente
desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem‖
(art. 927, parágrafo único, in fine).
Assim sendo, no ordenamento jurídico brasileiro, a regra é a responsabilidade civil
subjetiva, conforme tratado no subitem anterior.
No entanto, por expressa previsão legal no art. 927, parágrafo único, do Código Civil
vigente, admite-se excepcionalmente a imputação de responsabilidade civil objetiva quando
esta estiver prevista expressamente, ou, ainda que não esteja, quando o dano decorrer de
atividade que, por sua natureza, cause danos ao direito alheio.
Outrossim, o art. 37, §6º, da Constituição Federal de 1988, traz hipótese de
responsabilidade objetiva das pessoas jurídicas de direito público e das de direito privado,
quando prestadoras de serviços públicos, no tocante aos atos praticados pelos seus agentes,
nesta condição.
Alude-se que, nesta hipótese, o Estado responde tanto por conduta ilícita quanto por
conduta lícita, devendo-se o lesado comprovar a ação estatal, na pessoa do agente público, o
dano causado e o nexo entre a conduta e o dano (MELLO, 2009, p. 996-997), sendo
irrelevante, como dito anteriormente, a apreciação do elemento subjetivo.
Assim, como defesa, em se tratando de responsabilidade objetiva, o Estado estará
isento de responsabilidade tão somente se demonstrar a ocorrência de alguma excludente de
responsabilidade (culpa exclusiva da vítima, culpa de terceiro ou força maior), ou ter atenuada
sua responsabilidade, quando houver a concorrência do lesado para o dano (CARVALHO
FILHO, 2013, p. 562-563).
1.2 Da conduta humana
A conduta humana é o primeiro pressuposto de responsabilidade. Destarte, não há
possibilidade de se conceber responsabilidade sem a consecução de uma ação ou omissão.
Outro ponto relevante é que a conduta praticada pelo agente deve ser realizada com
voluntariedade. Ou seja, para que haja a responsabilidade, necessário se faz que tal conduta
seja praticada de forma livre pelo agente, de modo que este tenha plena consciência do que
está fazendo.
Nesse sentido, Stoco (apud GAGLIANO e PAMPLONA FILHO, 2011, v. 3, p. 70),
traz o seguinte raciocínio:
[...] cumpre, todavia, assinalar que se não insere, no contexto de ‗voluntariedade‘ o
propósito ou a consciência do resultado danoso, ou seja, a deliberação ou a
consciência de causar o prejuízo. Este é um elemento definidor do dolo. A
voluntariedade pressuposta na culpa e a da ação em si mesma.
21
A conduta humana capaz de gerar responsabilidade civil pode ser tanto positiva
quanto negativa, sendo esta última quando praticada através da abstenção voluntária de um
fato, enquanto que aquela caracteriza-se por um comportamento comissivo, isto é, através de
uma atividade do agente (GAGLIANO e PAMPLONA FILHO, 2011, v. 3, p. 70-71).
Por fim, a ilicitude da conduta é o fundamento da responsabilidade, que pode ser
caracterizada pela ação ou omissão lesiva ao direito de outrem, contrária ao direito, ilícita ou
antijurídica. (GAGLIANO e PAMPLONA FILHO, 2011, v. 3, p. 72-73)
Assim, em regra, para que haja a responsabilidade, o elemento injuridicidade deverá
estar configurado.
Não obstante, apesar de regra ser a antijuridicidade da conduta, lesiva a direito de
outrem, há hipóteses de configuração da responsabilidade por ato lícito, como, p. ex., quando
o Estado intervém no domínio econômico, para o reestabelecimento da ordem econômica.
(CARVALHO FILHO, 2013, p. 561)
Todavia, para que ocorra a responsabilização do agente, em regra, a conduta deste
deve ser contrária ao ordenamento jurídico, lesiva dos direitos de terceiros.
1.3 Do dano
Gagliano e Pamplona Filho (2011, v. 3, p. 78) definem dano como ―a lesão a um
interesse jurídico tutelado – patrimonial ou não – , causado por ação ou omissão do sujeito
infrator.‖
Assim, vislumbra-se dano como a consequência negativa sofrida por alguém em
razão de um fato.
É certo que o dano sempre advém de um acontecimento relevante para o direito (fato
jurídico em sentido amplo), independentemente de seu acontecimento ter sido causado ou não
pela atuação humana.
Destarte, se não houver dano não há responsabilidade civil. E não havendo
responsabilidade, consequentemente, não há dever de indenizar.
Ressalte-se que, como o dano é pressuposto da responsabilidade, incumbe ao autor
da demanda o ônus da prova deste. (TARTUCE, 2011, p. 424)
Contudo, para o estudo da responsabilidade, fazem relevo os fatos jurídicos causados
pela atuação humana (ato jurídico em sentido estrito, ato-fato jurídico e o negócio jurídico),
exceto quando o fato jurídico em sentido estrito (caso fortuito ou força maior), por força de
contrato, atribua responsabilidade civil a um dos contratantes (contrato de seguro, p.ex.).
Alvim (apud GONÇALVES, 2009, v. 4, p. 337) traz a conceituação de dano sob uma
ótica clássica, onde:
22
[...] dano, em sentido amplo, vem a ser a lesão de qualquer bem jurídico [...] Mas em
sentido estrito, dano é, para nós, a lesão do patrimônio [...] Logo, a matéria do dano
prende-se à da indenização, de modo que só interessa o estudo do dano indenizável.
Destarte, para a aludida concepção, dano se resumia tão somente ao prejuízo no
aspecto patrimonial, revelando os resquícios do patrimonialismo que inspirou a elaboração do
Código Civil de 1916.
No entanto, com a evolução do direito privado, fundada nos valores da função social
da propriedade e na constitucionalização do Direito Civil, entendeu-se pela necessidade do
reconhecimento, pelo ordenamento jurídico, de direitos extrapatrimoniais. Em outros dizeres,
entendeu-se que os bens jurídicos não poderiam restringir-se tão somente em bens de valores
apreciáveis economicamente.
Daí a visão clássica perdeu sua força e, sob uma visão contemporânea, adveio uma
corrente doutrinária, atualmente majoritária no ordenamento jurídico brasileiro, que concebe
os bens jurídicos não somente em seu sentido patrimonial, mas também extrapatrimonial.
E nesse sentido, Gagliano e Pamplona Filho (2011, v. 3, p. 78) concebem ―o dano ou
prejuízo como sendo a lesão a um interesse jurídico tutelado — patrimonial ou não — ,
causado por ação ou omissão do sujeito infrator‖.
O aludido entendimento tem respaldo constitucional, considerando a expressa
disposição do art. 5º, inciso V, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988,
que consagrou a tutela de interesses extrapatrimoniais, quando se admitiu a possibilidade de
indenização por dano moral, em decorrência da violação dos direitos da personalidade.
Posteriormente, com o advento do Código Civil de 2002, em seu art. 186, houve
previsão também expressa da ilicitude da ação atentatória contra danos morais, e no art. 927
sobre o dever de indenizar a vítima de ato ilícito (GAGLIANO e PAMPLONA FILHO, 2011,
v. 3, p. 108).
Tartuce (2011, p. 425), por seu turno, aponta duas categorias de danos: danos
clássicos ou tradicionais, neles compreendidos os danos materiais e morais, e danos novos ou
contemporâneos, onde enquadram os ―Danos estéticos, danos morais coletivos, danos sociais
e danos por perda de uma chance‖.
Quanto aos danos estéticos, há enunciado do Superior Tribunal de Justiça, que dispõe
sobre a licitude de sua cumulação com os danos morais. 4
Não obstante haja, atualmente, alguns doutrinadores que entendem pela existência de
uma terceira categoria de dano, contemplando entre eles o dano estético, restringir-se-á a
utilizar a classificação bipartida de danos, ou seja, em danos materiais e morais, conforme
explanação a seguir.
4 Súmula n. 387, do Superior Tribunal de Justiça: ―É lícita a cumulação das indenizações de dano estético e dano
moral.‖
23
Por fim, Mello (2009, p. 1011 -1013) traz à baila requisitos para que o dano seja
configurado como indenizável, quais sejam: lesivo a um direito da vítima, certeza (não
abrange o dano eventual), especial (atinge a pessoa ou pessoas determinadas) e anormal
(ultrapassa os inconvenientes normais).
1.3.1 Do dano material
Gonçalves (2009, v. 4, p. 339) define o dano material como ―o dano que afeta
somente o patrimônio do ofendido‖.
O dano material, também denominado dano patrimonial, caracteriza-se pelo prejuízo
econômico experimentado pela vítima pela ação do agente infrator.
Segundo subdivisão realizada na obra de Gagliano e Pamplona Filho (2011, v. 3, p.
83), os danos podem ser caracterizados como danos emergentes e lucros cessantes. Os danos
emergentes são aqueles que efetivamente foram experimentados pela vítima, como, p.ex., o
furto de um veículo para o proprietário de um táxi. Os lucros cessantes, por seu turno, são
aqueles valores econômicos que a vítima deixou de auferir, em razão do dano sofrido. Neste
último, compreende-se, à título de ilustração, os valores que o taxista deixou de lucrar em
razão do furto de seu veículo de trabalho.
Salienta-se que os danos materiais devem ser comprovados no bojo de uma ação
indenizatória proposta em desfavor do autor do dano, não sendo admitido, em nenhuma
hipótese, a presunção desta espécie de dano (GAGLIANO e PAMPLONA FILHO, 2011, v. 3,
p. 85).
Ademais, em se tratando de dano material, na modalidade de lucros cessantes, o
valor da indenização deve ser fixado pelo magistrado segundo um juízo de razoabilidade, a
fim de que sejam, em todos os casos, evitados abusos decorrentes do que se denomina
―indústria da indenização‖, caracterizados pelo animus de se obter lucro abusivo,
caracterizador de enriquecimento sem causa, vedado pelo ordenamento jurídico (GAGLIANO
e PAMPLONA FILHO, 2011, v. 3, p. 84-85).
1.3.2 Do dano moral
Segundo Tartuce (2011, p. 428), respaldado no que denomina como ―melhor corrente
categórica‖, concebe-se dano moral como aquele lesivo a direito da personalidade.
De forma mais abrangente, contudo sem destoar do pensamento do insigne
doutrinador supracitado, Gagliano e Pamplona Filho (2011, v. 3, p. 96) entendem o dano
moral como:
[...] lesão de direitos cujo conteúdo não é pecuniário, nem comercialmente redutível
a dinheiro. Em outras palavras, podemos afirmar que o dano moral é aquele que
24
lesiona a esfera personalíssima da pessoa (seus direitos da personalidade), violando,
por exemplo, sua intimidade, vida privada, honra e imagem, bens jurídicos tutelados
constitucionalmente.
Os direitos da personalidade, ou personalíssimos, são aqueles intrínsecos da pessoa,
adquiridos tão somente pelo fato de seu titular pertencer à espécie humana, dentre quais cita-
se o direito à vida, o direito à liberdade, à honra, à integridade física, dentre outros.
Diferentemente dos direitos patrimoniais, os direitos da personalidade são
intransmissíveis, absolutos, ilimitados, inprescritíveis, impenhoráveis, não suscetíveis de
desapropriação e vitalícios. (GONÇALVES, 2008, v. 1, p. 156-158).
Os direitos da personalidade são intransmissíveis diante da impossibilidade de serem
alienados, gratuita ou onerosamente, não obstante se admita a cessão temporária de tais
direitos, como o da imagem, por exemplo. São absolutos pelo fato de serem oponíveis contra
todos (erga omnes). São ilimitados pois não há possibilidade de se elencar um rol exaustivo
de direitos personalíssimos. Já a extrapatrimonialidade fundamenta-se na impossibilidade de
apreciação econômica dos direitos personalíssimos. A imprescritibilidade, por sua vez,
caracteriza-se pela impossibilidade de perda da titularidade dos direitos personalíssimos pela
usucapião. São também impenhoráveis os direitos da personalidade, dada a impossibilidade
jurídica de se executá-los, através de constrição judicial, a fim de satisfazerem a pretensão do
exequente. São insuscetíveis de desapropriação por não poderem ser destacados da pessoa em
nenhuma hipótese. Por fim, são vitalícios, pelo fato de os aludidos direitos pertencerem à
titularidade da pessoa enquanto estiver em vida. (GONÇALVES, 2008, v. 1, p. 156-158).
Devido à irreparabilidade do dano moral, por sua própria natureza, o valor da
indenização não possui caráter reparatório do prejuízo, dado o caráter extrapatrimonial dos
aludidos direitos.
No entanto, a indenização a ser paga à vítima nesse tipo de dano terá a natureza
meramente compensatória, com caráter meramente pedagógico, de modo que o infrator se
abstenha de reiterar as aludidas práticas.
Pela sua natureza, ainda, entende-se que, quando da ocorrência da violação de direito
da personalidade, o dano moral é presumido, dispensando-se, portanto, a prova em concreto.
Nesse diapasão, Gonçalves (2009, v. 4, p. 370), em sua obra, ressalta que tal presunção é
absoluta (juris et de jure), não admitindo prova em contrário.
Cavalieri Filho (2012, p. 97), por sua vez, compartilha o entendimento pela
presunção de dano moral quando da ocorrência do fato lesivo.
Gagliano e Pamplona Filho (2011, v. 3, p. 119) acrescentam que a natureza jurídica
do dano moral é meramente sancionatória, o que de modo nenhum pode-se confundir como
―pena civil‖, mas sim como uma compensação à vítima pelos danos experimentados.
25
1.4 Do nexo de causalidade
Segundo Gonçalves (2009, v. 4, p. 330), o nexo de causalidade, denominado por
alguns autores como relação de causalidade, é um pressuposto de responsabilidade por ato
ilícito, caracterizado pelo liame existente entre a conduta do agente infrator e o dano à vítima.
Pedagogicamente, Tartuce (2011, p. 420) exemplifica o nexo causal assemelhando-o
a um ―cano virtual‖, que une os elementos da conduta ao dano, de modo que, sem essa
ligação, rompe-se a responsabilidade.
Existem algumas teorias que a doutrina traz para justificativa do nexo de causalidade,
dentre as quais três, pela adesão da doutrina majoritária, devem ser destacadas.
1.4.1 Da teoria da equivalência das condições
Segundo Gagliano e Pamplona Filho (2011, v. 3, p. 128), a teoria da equivalência das
condições, também conhecida como da conditio sine qua non, foi concebida por Von Buri, na
segunda metade do século XIX.
Pela aludida teoria, todos os fatores causais que, de qualquer modo, interfiram na
ocorrência do resultado, seriam relevantes para consideração da relação de causalidade.
No entanto, a aludida teoria sofreu severas críticas, o que a fez ser rejeitada pelo
Direito Civil, tendo em vista que sua aplicação irrestrita pode fazer com que a cadeia causal
esteja ligada a um número infinito de concausas (regressus ad infinitum). A título
exemplificativo: A causou dano a B porque C, sua mãe, o concebeu, de modo que, se não o
fizesse, certamente não haveria o dano.
Cumpre ressaltar que a referida teoria encontra-se aplicável no âmbito do Direito
Penal, com a ressalva de que possui relevo tão somente os desdobramentos causais atinentes à
análise do dolo ou da culpa do infrator, senão quando exista dolo ou culpa dos terceiros
participantes da cadeia causal.5
1.4.2 Da teoria da causalidade adequada
Conforme preleciona Tartuce (2011, p. 421), a aludida teoria foi desenvolvida por
Von Kries, e consistia na averiguação de uma identificação como causa aquela que, de forma
potencial, ocasionou o dano.
5 Segundo Greco (2008, p. 220), ―para que seja evitada tal regressão, devemos interromper a cadeia causal no
instante em que não houver dolo ou culpa por parte daquelas pessoas que tiveram alguma importância na
produção do resultado‖.
26
Destarte, somente se considera causa, segundo a teoria em comento, se o evento
danoso, abstratamente considerado pelo magistrado, no caso concreto, for capaz de produzir o
resultado danoso.
Cavalieri Filho (2012, p. 51-52) é um dos defensores da aplicabilidade à aludida
teoria, conforme denota-se quando diz ―Não basta que o fato tenha sido, em concreto, uma
condição sine qua non. É preciso que o fato constitua, em abstrato, uma causa adequada do
dano‖.
As críticas a essa teoria são de que a mesma admite uma discricionariedade
exagerada ao magistrado que, no caso concreto, avalia a possibilidade da ocorrência do dano
no plano abstrato, sopesando através do equilíbrio e equidade, podendo conduzir a uma
discrepância enorme entre este e a situação concreta (GAGLIANO e PAMPLONA FILHO,
2011, v. 3, p. 130-132).
1.4.3 Da teoria da causalidade direta ou imediata
Também denominada teoria da interrupção do nexo causal, a teoria da causalidade
direta ou imediata foi desenvolvida no Brasil pelo Professor Agostinho Alvim, em sua obra
―Da Inexecução das Obrigações e suas Consequências‖ (GOMES apud GAGLIANO e
PAMPLONA FILHO, 2011, p. 132).
A aludida teoria compreende como causa tão somente os fatos ocorridos que
determinem diretamente a ocorrência do dano. Portanto, o dano deve ser o efeito imediato da
execução da ação ou omissão.
Destarte, a superveniência de causa concorrente para o efeito danoso rompe o nexo
causal em relação à causa primitiva e o dano e, consequentemente, cria outra relação de
causalidade entre aquela que sobreveio e este.
Nesse sentido, entende Tepedino (apud GAGLIANO e PAMPLONA FILHO, 2011,
v. 3, p. 133), que ensina nestes termos:
[...] a causa relativamente independente e aquela que, em apertada síntese, torna
remoto o nexo de causalidade anterior, importando aqui não a distância temporal
entre a causa originaria e o efeito, mas sim o novo vínculo de necessariedade
estabelecido, entre a causa superveniente e o resultado danoso. A causa anterior
deixou de ser considerada, menos por ser remota e mais pela interposição de outra
causa, responsável pela produção do efeito, estabelecendo-se outro nexo de
causalidade.
Gagliano e Pamplona Filho (2011, v. 3, p. 133-134) levantam a hipótese do dano
reflexo, ou em ricochete, quando a causa direta e imediata atinge, além da vítima, terceiros,
como, v.g., no caso de danos morais sofridos pelo filho em relação ao homicídio de seu pai.
Neste caso, ainda que a vítima seja indiretamente atingida com a ação, o evento danoso foi
provocado pela ação direta do causador do dano, atingindo-a reflexamente.
27
No entanto, salientam que o dano reflexo não pode ser confundido como a admissão
da causalidade indireta, pois nesta a causa superveniente cria nova relação de causalidade com
o dano, rompendo o nexo primitivo, enquanto naquela não se tem como indireta a causa que
produziu o dano, mas sim a vítima, que é atingida de forma reflexa com a ação direta do
causador do evento.
1.4.4 Da teoria do nexo de causalidade adotada no Brasil
Questão tormentosa é aquela que busca entender qual a teoria do nexo de causalidade
aplicada no ordenamento jurídico brasileiro, haja vista o dissenso doutrinário e jurisprudencial
inerente à matéria.
No que tange à teoria da equivalência dos antecedentes (conditio sine qua non), não
há maiores dificuldades, visto que tal não se aplica em se tratando de responsabilidade civil,
tendo em vista que a teoria em comento considera como relevantes todos os antecedentes
causais sem o qual o resultado danoso não teria ocorrido, possibilitando o reconhecimento da
causalidade em relação a todos antecedentes causais (regressus ad infinitum).
Entretanto, a dificuldade consiste na identificação se é aplicável a teoria da
causalidade adequada ou da causalidade direta ou imediata.
Entre os defensores da teoria da causalidade adequada encontram-se renomados
doutrinadores, como Tartuce e Sérgio Cavalieri Filho, além de parte da jurisprudência pátria,
sob o argumento de que o Código Civil, em seus art.s 944 e 945, adotou a aludida teoria,
quando estabeleceu critérios para arbitramento do valor proporcionalmente à gravidade do
dano e a culpa, bem como em casos de concorrência culposa da vítima para o evento, ao
arbítrio do magistrado, segundo análise no caso concreto (TARTUCE, 2011, p. 421).
Por outro lado, outra parte da doutrina, como Gagliano e Pamplona Filho (2011, v. 3,
p. 130-132), aliados a Gonçalves (2009, v. 4, p. 333), entendem que não se aplica a teoria da
causalidade adequada, tendo em vista que, segundo aduzem, o Código Civil, em seu art. 403,
adotou a teoria do dano direito ou imediato.
Além do mais, sustentam os últimos que a teoria do dano direto e imediato diminui o
grau de subjetividade e discricionariedade do magistrado, conferido pela teoria da causalidade
adequada, permitindo que se possa averiguar, sob um crivo eminentemente objetivo, a
existência do nexo causal.
28
2 TEORIAS E EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA RESPONSABILIDADE ESTATAL
Deveras, atualmente, nos Estados democráticos, a ideia de responsabilidade estatal é
algo inquestionável e juridicamente possível nos ordenamentos jurídicos.
Com a concepção de Estado de Direito, o ente torna-se submisso à ordem jurídica tal
qual o indivíduo.
No entanto, nem sempre foi assim. Para que se chegasse a tal possibilidade, houve
uma evolução do Direito no sentido de se admitir que o Estado, que era irresponsável por seus
atos, sob o fundamento de uma noção exacerbada de soberania, se tornasse obrigado à
reparação dos danos por ele causados ao indivíduo.
No Brasil não há fuga em relação a tal possibilidade jurídica, sendo prevista,
inclusive no texto constitucional, a responsabilidade das pessoas jurídicas de direito público e
das de direito privado prestadoras de serviços públicos, independentemente de culpa, pelos
atos cometidos por seus agentes que, nessa qualidade, causem danos a terceiros
(responsabilidade objetiva).
E neste capítulo, tem-se a proposta de apresentar a evolução da ideia de
responsabilidade estatal, conforme se vislumbrará adiante.
2.1 Teorias da responsabilidade estatal
Conforme ensinamentos de Di Pietro (2012, p. 698-703), as teorias que demonstram
a evolução da responsabilidade estatal são as seguintes: teoria da irresponsabilidade estatal e
teorias civilistas e publicistas. Na primeira não se admitia a responsabilidade do Estado,
enquanto que nas demais, houve a defesa dessa possibilidade.
As teorias civilistas subdividem-se em responsabilidade estatal por atos de gestão e
em responsabilidade do Estado por atos de império, enquanto que as publicistas, por seu
turno, bifurcam-se em teoria da culpa do serviço, do risco administrativo e teoria do risco
integral (DI PIETRO, 2012, p. 699-703).
Detalhar-se-á nos subitens seguintes sobre as supracitadas teorias.
29
2.1.1 Teoria da irresponsabilidade estatal
Vislumbrada nos Estados absolutistas, onde a figura do Poder Público se confundia
com a do próprio rei, não se concebia, em hipótese alguma, a responsabilidade do Estado
pelos danos causados pelos seus agentes, no exercício de suas funções.
Os principais brocardos daquela época eram “The king do not wrong” e “Le roi ne
peut mal faire” (o rei não erra). (DI PIETRO, 2011, 699).
Destarte, a impossibilidade de se imputar ao Poder Público a responsabilidade pelos
atos praticados por seus agentes decorria de uma noção exacerbada de soberania, sob o
argumento de que, se tal fosse admitida, colocar-se-ia o Estado num patamar de igualdade
com o súdito. (CRETELLA JÚNIOR, 2000, p. 608).
Alexandrino e Paulo (2011, p. 752), nesse sentido, aduzem que:
Os agentes públicos, como representantes do próprio rei, não poderiam, portanto, ser
responsabilizados por seus atos, ou melhor, seus atos, na qualidade de atos do rei,
não poderiam ser considerados lesivos aos súditos.
A aludida teoria, que decorreu dos Estados absolutos, permaneceu até a metade do
século XIX, período em que vigoravam as políticas liberalistas, que tinham como
característica o afastamento do Estado da sociedade.
No entanto, com a concepção do Estado de Direito, concebeu-se que o Poder
Público também deveria ser submisso à ordem jurídica, assim como qualquer pessoa, seja
física ou jurídica. (CARVALHO FILHO, 2013, p. 550-551)
Assim, vislumbra-se que nos Estados modernos a teoria da irresponsabilidade do
Estado encontra-se superada, por imperativo de proteção dos indivíduos contra eventuais
abusos cometidos por parte do Poder Público.
2.1.2 Teorias Civilistas
Mello (2009, p. 992) sustenta em sua obra que a tese da responsabilidade do Estado
teve como marco inicial o emblemático caso Blanco, submetido ao Tribunal dos Conflitos, na
França, em 1873, onde decidiu-se pela sua aplicação, não obstante a inexistência de previsão
no direito positivo.
Em sua obra, Mazza (2012, p. 291) traz maiores detalhes sobre o aludido caso.6
6 ―O Tribunal de Conflitos é o órgão da estrutura francesa que decide se uma causa vai ser julgada pelo Conselho de Estado ou pelo
Poder Judiciário. Em 8 de fevereiro de 1873, sob a relatoria do conselheiro David, o Tribunal de Conflitos analisou o caso da
menina Agnès Blanco que, brincando nas ruas da cidade de Bordeaux, foi atingida por um pequeno vagão da Companhia Nacional
de Manufatura de Fumo. O pai da criança entrou com ação de indenização fundada na ideia de que o Estado é civilmente responsável
pelos prejuízos causados a terceiros na prestação de serviços públicos. O Aresto Blanco foi o primeiro posicionamento definitivo
favorável à condenação do Estado por danos decorrentes do exercício das atividades administrativas. Por isso, o ano de 1873 pode
ser considerado o divisor de águas entre o período da irresponsabilidade estatal e a fase da responsabilidade subjetiva.‖ (MAZZA,
2012, p. 291).
30
No entanto em um primeiro momento, entendia-se que tal responsabilidade deveria
ocorrer de forma subjetiva, em que a vítima devia se incumbir da produção da prova da culpa
do Estado.
Insta salientar que a bipartição da aludida teoria, com a distinção dos atos de império
dos atos de gestão, teve por fim abrandar a responsabilidade estatal.
Segundo preleciona Di Pietro (2012, p. 698), quando o Estado causava danos a
terceiros em razão de sua atuação através da prática de atos de império, não havia a
responsabilidade do ente, pois se tratavam de prerrogativas e privilégios especiais em relação
ao indivíduo, decorrentes de uma relação vertical da Administração em relação a este, os
quais eram considerados praticados, segundo aduz, não pelo Estado, mas pela pessoa do
próprio rei, que era uma divindade, que não podia errar (the king do not wrong).
Por outro lado, quando os atos lesivos decorriam de relações jurídicas em que o
Estado praticava em situação de igualdade com o particular (relação horizontal), ou seja,
decorrentes da gestão dos negócios do Estado, identificados em cada caso concreto, aplicava-
se o direito comum (CRETELLA JÚNIOR, 2000, p. 610-611).
Assim, como leciona Di Pietro (2012, p. 699), a aludida teoria tornou-se
ultrapassada, dada a dificuldade de se distinguir os atos de império e os de gestão, o que
acabou por admitir a responsabilidade do Estado, na modalidade subjetiva, ou seja, com a
comprovação de que o agente causador do dano agiu com dolo ou culpa stricto sensu
(imprudência, negligência ou imperícia).
Ou seja, para a responsabilização do Estado, através da responsabilidade subjetiva,
dever-se-ia demonstrar a ocorrência da ação, do dano, do nexo de causalidade entre a ação e o
dano, além do elemento subjetivo da ação (dolo ou culpa).
A aludida teoria permaneceu isolada até o surgimento das teorias publicistas, as quais
serão explanadas no item subsequente.
2.1.3 Teorias Publicistas
Tendo em vista a dificuldade de se demonstrar o elemento subjetivo da conduta
estatal, causadora do dano, dada a hipossuficiência da vítima quanto à prova de que o ente
agiu com dolo ou culpa stricto sensu, surgiram as denominadas teorias publicistas, com regras
de direito público. (CRETELLA JÚNIOR, 2000, p. 613)
Em um primeiro momento, surgiu a teoria da culpa do serviço, também denominada
culpa administrativa. Na sequência, houve a concepção da teoria do risco administrativo e, em
uma versão mais contemporânea, a teoria do risco integral.
Dissertar-se-á cada uma das aludidas teorias para que se possibilite uma visão mais
acurada sobre as tais, bem como da aceitabilidade de cada uma.
31
2.1.3.1 Teoria da culpa do serviço ou culpa administrativa
Segundo Mello (2009, p. 992), a concepção civilista de responsabilidade estatal, isto
é, consubstanciada na demonstração do elemento subjetivo ―culpa‖ pela vítima, foi superada
através do desenvolvimento da ideia da “faute du service”, denominada também por culpa
anônima (CAVALIERI FILHO, 2012, p. 255) ou acidente do serviço (MASAGÃO, apud
CRETELLA JÚNIOR, 2000, p.615-616).
“Faute du service”, ou culpa do serviço, consiste na presunção de culpa do Estado,
caracterizada pelo seu não funcionamento, pelo mau funcionamento ou pelo atraso na aludida
prestação, sendo irrelevante para tal a identificação do agente público responsável.
Preleciona Mello (2009, p. 992-993) que:
Ocorre a culpa do serviço ou ―falta do serviço‖ quando este não funciona, devendo
funcionar, funciona mal ou funciona atrasado. (...) a ausência do serviço devido a
seu defeituoso funcionamento, inclusive por demora, basta para configurar a
responsabilidade do Estado pelos danos daí decorrentes em agravo dos
administrados.‖
Nesse mesmo sentido entende Di Pietro (2012, p. 701), aduzindo que:
Essa culpa do serviço ocorre quando: o serviço não funcionou (omissão), funcionou
atrasado ou funcionou mal. Em qualquer dessas três hipóteses, ocorre a culpa (faute)
do serviço ou acidente administrativo, incidindo a responsabilidade do Estado
independentemente de qualquer apreciação da culpa do funcionário. (grifo próprio).
Insta salientar que a teoria da culpa do serviço não se confunde com a teoria da
responsabilidade objetiva, pois, não obstante em ambas a vítima ser desobrigada da produção
da prova de que o Estado, na pessoa do agente público, agiu com culpa, naquela a
demonstração do ente de que agiu com diligência, prudência e perícia ilide a responsabilidade,
enquanto nesta, não, já que só se exime o Poder Público quando este demonstrar a ocorrência
de culpa exclusiva da vítima, de terceiro ou força maior.
Mello (2012, p. 994), através do brilhantismo peculiar de sua obra, dispõe que:
Tal presunção, entretanto, não elide o caráter subjetivo dessa responsabilidade, pois,
se o Poder Público demonstrar que se comportou com diligência, perícia e prudência
– antítese da culpa –, estará isento da obrigação de indenizar, o que jamais ocorreria
se fora objetiva a responsabilidade.
Ou seja, a inversão do ônus da prova, fundamentada na presunção de culpa do
Estado, quando da ocorrência da culpa do serviço, não desnatura a aludida responsabilidade,
convolando-a em responsabilidade objetiva, já que nesta há a imputação ainda que não reste
caracterizada a culpa, enquanto naquela a ausência deste elemento subjetivo isenta o
responsável do dever de indenizar.
32
2.1.3.2 Teoria do risco administrativo
Segundo Di Pietro (2012, p. 701), a teoria do risco administrativo teve como
fundamento o princípio da igualdade de todos pelos encargos sociais, enunciada no art. 13 da
Declaração dos Direitos do Homem de 1789.
Pela ideia supracitada, à medida que todos os indivíduos comungam dos benefícios
da atuação estatal, de igual modo devem contribuir para arcar com as despesas decorrentes
dos prejuízos por ela causados. (DI PIETRO, 2012, p. 701).
Mello (2009, p. 996), por sua vez, enuncia que a responsabilidade objetiva do Estado
foi inaugurada pela jurisprudência administrativa francesa, fundada na teoria do risco
administrativo.
Carvalho Filho (2013, p. 552), por seu turno dispõe que, como possui maior poder
que o particular, bem como maiores prerrogativas do que este, o Estado deve responder
objetivamente pelos danos causados pelos seus atos, ainda quando decorrentes do exercício de
atividades lícitas.
Portanto, a configuração da responsabilidade objetiva do Estado independe da
apreciação do elemento subjetivo (culpa ou dolo), sendo suficiente para tal a identificação dos
seguintes elementos: ação estatal (na pessoa do agente público, no exercício de suas funções),
do dano e do nexo de causalidade (MELLO, 2009, p. 995-996).
Assim, presentes os elementos supracitados, o Poder Público somente estará
desobrigado de tal ônus, ou tê-lo minorado, quando da ocorrência de alguma das excludentes
ou atenuantes de responsabilidade (MELLO, 2009, p. 1013-1014).
Di Pietro (2012, p. 706-707) ensina que as causas excludentes de responsabilidade
objetiva do Estado são a culpa exclusiva da vítima, culpa de terceiros ou a força maior. Por
conseguinte, dispõe que a culpa concorrente da vítima atenua a responsabilidade do ente, na
medida da participação daquela na produção do resultado danoso.
Carvalho Filho (2013, p. 563) cita o art. 945 do Código Civil, que dispõe que:
art. 945. Se a vítima tiver concorrido culposamente para o evento danoso, a sua
indenização será fixada tendo-se em conta a gravidade de sua culpa em confronto
com a do autor do dano.
Deste modo, quando o dano é causado por culpa exclusiva da vítima, não há que se
falar em responsabilidade do Estado. É o caso de alguém que se atira diante de uma viatura da
polícia, sofrendo lesões corporais. Assim, não existe o dever de indenizar por parte do Poder
Público.
33
De igual modo, pela teoria do risco administrativo, não estará sujeito a
responsabilização o Estado, em regra, quando o dano causado ocorreu por culpa de terceiros.7
(DI PIETRO, 2012, p. 708-709).
Por fim, tormentosa é a questão que diz respeito à força maior e ao caso fortuito.
Carvalho Filho (2013, p. 563-565) entende irrelevante a distinção entre o caso
fortuito e a força maior, os quais denomina como ―fatos imprevisíveis‖. Atribui o renomado
doutrinador responsabilidade ao Estado quando, pela ocorrência do fato tenha a
Administração concorrido (concausa).
Mello (2009, p. 1013-1015) e Di Pietro (2012, p. 706-709), por sua vez, distinguem
a força maior do caso fortuito.
Força maior, segundo aduzem, caracteriza-se por acontecimentos inevitáveis,
decorrentes de situações em que não havia condições de a Administração evitar, como
tempestade, raio, dentre outros.
Di Pietro conceitua o caso fortuito seria aquele cujos danos foram causados por ato
humano ou por falha da Administração (2012, p. 707), não se caracterizando, portanto, causa
excludente de responsabilidade.
Mello (2009, p. 1015) o define como ―um acidente cuja raiz é tecnicamente
desconhecida”, e que, por esse motivo, não elide o nexo de causalidade do dano e a conduta
negligente do Estado. Por esse motivo, não se considera, segundo aduz, excludente de
responsabilidade estatal.
2.1.3.3 Teoria do risco integral
A teoria do risco integral é uma versão mais progressista da teoria do risco
administrativo (MAZZA, 2012, p. 298-299).
Carvalho Filho (2013, p. 553) ensina que, enquanto na teoria do risco administrativo
admitem-se excludentes de responsabilidade do Estado, na teoria do risco integral não há que
se falar em tais excludentes.
Críticas não faltam para a aludida teoria por parte da doutrina.
Mazza (2012, p. 298) enuncia que a sua admissão coloca o Estado na posição de
―indenizador universal‖.
Carvalho Filho (2013, p. 553), por sua vez, defende que “tal caráter genérico da
responsabilidade poderia provocar grande insegurança jurídica e graves agressões ao
erário, prejudicando em última análise os próprios contribuintes”.
7 Ressalta-se que a aludida concepção comporta exceção, como, por exemplo, quando se tratar de serviços de
transportes, o que não diz respeito com a temática deste trabalho.
34
Não obstante, apesar de a teoria que fundamenta a responsabilidade objetiva do
Estado ser aquela fundada no risco administrativo, existem exceções no ordenamento jurídico
brasileiro, de modo a admitir a teoria do risco integral.
É o caso do acidente de trabalho do empregado público, da percepção de indenização
por seguro por danos pessoais decorrentes de acidentes por veículo automotor em via terrestre
(DPVAT), bem como por atentados terroristas em aeronaves8. Há dissenso, no entanto,
quanto à responsabilidade objetiva com fundamento no risco integral em relação aos danos
causados por danos nucleares e danos ambientais (MAZZA, 2012, p. 299).9
2.2 Da responsabilidade por omissão
Polêmica na doutrina envolve a questão no que diz respeito à responsabilidade por
danos causados por omissão estatal.
Cavalieri Filho (2012, p. 269) entende que, quando se trata de danos causados pela
omissão do Estado, a responsabilidade é a objetiva, de que trata o art. 37, parágrafo 6º, da
Constituição Federal de 1988, a qual, segundo aduz, aplica-se tanto aos danos causados por
conduta comissiva como omissiva específica. Enuncia ainda que:
Em suma, no caso de omissão é necessário estabelecer a distinção entre estar o
Estado obrigado a praticar uma ação, em razão de específico dever de agir, ou ter
apenas o dever de evitar o resultado. Caso esteja obrigado a agir, haverá omissão
específica e a responsabilidade será objetiva; será suficiente para a responsabilização
do Estado a demonstração de que o dano decorreu da sua omissão‖ (CAVALIERI
FILHO, 2012, p. 269).
No mesmo sentido, o aludido autor cita Meireles, a quem aduz anuência, no sentido
de entender que a responsabilidade objetiva do Poder Público aplica-se tanto aos atos
comissivos como aos omissivos (CAVALIERI FILHO, 2012, p. 269).
Pelo entendimento do doutrinador supracitado, quando da ocorrência de omissão
específica, ou seja, nos casos em que o Estado possui dever especial de agir (garante), este
responderá pelos danos causados objetivamente. É o caso, como aduz, de morte de detento em
rebelião no presídio.10
Por outro lado, segundo aduz, quando o dano decorrer de omissão genérica, onde o
Estado, não obstante tenha o dever legal de agir, não especificamente (como garante),
responderá de forma subjetiva.
No entanto, a grande parte da doutrina, com respaldo na jurisprudência dos tribunais
superiores, entende que, pelos danos causados por omissão, o Estado responde
8 Lei n. 10.309/2001 e Lei n. 10.744/2001.
9Cavalieri Filho (2012, p. 163-165) entende que aplica-se a responsabilidade objetiva, com fundamento no risco
integral, quando haja dúvida sobre a ocorrência do nexo de causalidade, bem como quando haja possibilidade da
ocorrência de culpa do lesado. 10
Mello (2009, p. 1007-1010) denomina essa espécie de dano como dependente de situação criada pelo Estado.
35
subjetivamente, aplicando-se-lhe, portanto, a teoria da culpa do serviço (faute du service),
com a presunção de culpa deste, o qual deverá provar que não deixou de agir em
descumprimento de dever legal ou que agiu com a diligência que se espera o padrão objetivo
de conduta de um homem médio. (MELLO, 2009, p. 1002-1003).
Carvalho Filho (2013, p. 567) entende da mesma forma, quando aduz que ―a
responsabilidade civil do Estado, no caso de conduta omissiva, só se desenhará quando
presentes estiverem os elementos que caracterizam a culpa” que, segundo preleciona,
―origina-se, na espécie, do descumprimento do dever legal, atribuído ao Poder Público, de
impedir a consumação do dano‖.
Di Pietro (2012, p. 710) ensina que a omissão, para ser relevante no sentido de se
imputar a responsabilidade ao Estado, deve se referir a dever de agir e possibilidade de agir da
Administração. Segundo aduz, a citada ideia decorre da compreensão do princípio da reserva
do possível, consubstanciada no princípio da razoabilidade, que permite que ao ente estatal
seja atribuída tão somente a responsabilidade pelos danos os quais era legalmente obrigado a
evitar, bem como dentro de sua possibilidade para tal.
Se fosse objetiva a responsabilidade do Estado por omissão, este responderia tanto
pela omissão ilícita quanto pela lícita, excluindo-se do dever de indenizar se provar a
ocorrência de alguma excludente de responsabilidade objetiva (culpa exclusiva da vítima,
culpa exclusiva de terceiro ou caso fortuito e força maior).
Em síntese, Mello (2009, p. 1004) enuncia que:
se o Estado, devendo agir por imposição legal, não agiu ou o fez deficientemente,
comportando-se abaixo dos padrões legais que normalmente deveriam caracterizá-
lo, responde por essa incúria, negligência ou deficiência, que traduzem um ilícito
ensejador do dano não evitando quando, de direito, devia sê-lo. Também não o
socorre eventual incúria em ajustar-se aos padrões devidos (...)
Reversamente, descabe responsabilizá-lo se, inobstante atuação compatível com as
possibilidades de um serviço normalmente organizado e eficiente, não lhe foi
possível impedir o evento danoso gerado por força (humana ou material) alheia.‖
Portanto, parte da doutrina, inclusive respaldada em decisões proferidas por tribunais
superiores, entende que a responsabilidade do Estado por omissão é subjetiva, não obstante
nessa espécie de responsabilidade haja presunção juris tantum de culpa da Administração.
Por outro lado, consoante prelecionam doutrinadores de renome, como Mello e
Cavalieri Filho, não se pode deixar de observar que, em determinadas situações, a omissão do
Estado pode ensejar sua responsabilização objetiva, desde que este possua um dever especial
de agir, decorrente de sua posição de garante.
A análise da jurisprudência, no entanto, será realizada de maneira mais profunda em
subitem próprio no capítulo 4, quando da análise da temática central do presente trabalho.
36
2.3 Evolução histórica da responsabilidade do Estado no direito brasileiro
Segundo a análise do ordenamento jurídico vigente à época do Império, vislumbra-se
inexistir disposição que imputasse ao Estado a responsabilidade pelos danos causados pelos
atos que seus agentes, nesta qualidade, causassem a terceiros, em nível constitucional.
Nesse sentido dispunha a Constituição Imperial de 1824, onde o Imperador era
denominado ―Defensor Perpétuo do Brazil‖, sendo sua pessoa considerada ―inviolavel, e
Sagrada: Elle não está sujeito a responsabilidade alguma.‖ (art. 99).
No entanto, no art. 179, inciso XXIX daquele texto constitucional, era prevista a
responsabilidade pessoal dos Ministros de Estado e dos empregados públicos ―pelos abusos, e
omissões praticadas no exercicio das suas funcções, e por não fazerem effectivamente
responsaveis aos seus subalternos‖.
Na Constituição Republicana de 1891 também não havia previsão da
responsabilidade do Estado pelos atos praticados por seus agentes, a qual era imputada tão
somente a estes, os quais respondiam, de forma subjetiva, pelos danos causados no exercício
de suas funções.
O grande marco para surgimento da responsabilidade do Estado, no Direito
brasileiro, foi a promulgação do Código Civil de 1916, que em seu art. 15 previa que:
art. 15. As pessoas jurídicas de direito publico são civilmente responsáveis por atos
dos seus representantes que nessa qualidade causem danos a terceiros, procedendo
de modo contrario ao direito ou faltando a dever prescrito por lei, salvo o direito
regressivo contra os causadores do dano.
Daquele momento em diante, embora tratada somente no âmbito da legislação
infraconstitucional, dada a personalidade jurídica do Estado, admitia-se sua responsabilização
civil pelos atos praticados por seus agentes, desde que provado que estes últimos atuaram com
culpa ou dolo (responsabilidade subjetiva), surgindo o direito de regresso daquele contra o
causador do dano.
De igual sorte, a Constituição de 1934, em seu art. 171 expressamente previu a
responsabilidade estatal por quaisquer prejuízos causados com ―por quaisquer prejuízos
decorrentes de negligência, omissão ou abuso no exercício dos seus cargos‖, com imperativo
legal de citação do funcionário responsável como litisconsorte na ação (parágrafo 1º),
disposições estas reproduzidas na Constituição de 1937.
O marco da responsabilidade objetiva do Estado foi a Constituição de 1946, que
previa que as pessoas jurídicas de direito público, independentemente de culpa, eram
responsáveis pelos danos causados por seus agentes, nesta qualidade, contra terceiros,
ressalvado o direito de regresso contra o causador do dano, se demonstrada a culpa deste.
Vislumbra-se também a reprodução das aludidas disposições na Constituição de 1967 e na
Emenda Constitucional n. 1/1969.
37
Por fim, com a Constituição de 1988, especificamente em seu art. 37, parágrafo 6º,
houve previsão da responsabilidade objetiva não somente das pessoas jurídicas de direito
público, mas também das de direito privado prestadoras de serviços públicos,
independentemente de culpa, pelos danos causados pelos seus agentes, nessa condição. Houve
possibilidade de direito de regresso contra o agente público causador do dano, desde que
evidenciada culpa na sua atuação.
Portanto, percebe-se a evolução da responsabilidade civil do Estado no Brasil, que
em um primeiro momento não existia (dada a irresponsabilidade do Estado Imperial) e que
posteriormente foi reconhecida (responsabilidade subjetiva), até a versão mais moderna, que é
a aplicável, via de regra, nos dias atuais, ou seja, a responsabilidade objetiva.
38
3 DA EXECUÇÃO PENAL NO BRASIL
Pelo presente capítulo, buscar-se-á colacionar breves noções sobre execução penal no
Brasil, de modo a subsidiar elementos para melhor análise da temática central deste trabalho,
indispensáveis para seu desenvolvimento.
3.1 Noções elementares
Segundo Marcão (2011, p. 32), a execução penal é a atividade de natureza
jurisdicional que tem por finalidade dar cumprimento aos comandos da sentença penal
condenatória. Aduz ainda que a atividade administrativa que envolve a execução penal não
lhe tira o caráter jurisdicional.
Mirabete (2000, p. 18) coaduna com o aludido pensamento, orientando que, de
consequência, a matéria é afeta ao direito penal e ao processo penal, e não ao direito
administrativo.
As partes no processo de execução, no âmbito penal, são o exequente, que é o titular
do jus puniendi, ou seja, o direito de punir, e o executado, sendo o primeiro o Estado, e o
segundo o condenado pela prática de delito. (MARCÃO, 2011, p. 35-36).
Na sequência, Greco (2008, p. 485) dispõe que pena é a ―consequência natural
imposta pelo Estado quando alguém pratica uma infração penal‖.
A finalidade da pena, segundo o art. 59 do Código Penal, é dupla: reprovar e prevenir
o crime. Sob o primeiro aspecto, entende-se que a pena tem como fim o castigo do criminoso,
bem como a prevenção de novas infrações.
No entanto, segundo Greco (2008, p. 489-491), a prevenção decorrente da pena é
geral e especial, ambas subdivididas em positiva e negativa.
A prevenção geral positiva, segundo aduz, é aquela gerada na mente dos integrantes
da sociedade sobre a necessidade de preservação dos valores violados pela prática criminosa,
quando aplicada a pena ao criminoso. A prevenção geral negativa, por seu turno, é a
intimidação geral trazida na sociedade, das consequências do crime, quando aplicada a
penalidade sobre o seu autor. A prevenção especial negativa, por sua vez, decorre da
39
segregação do indivíduo do meio social, de modo que não possa praticar crimes. Por fim, a
prevenção especial positiva é a possibilidade de ressocialização do condenado, através da
aplicação da pena. (GRECO, 2008, p. 489-491)
3.2 Órgãos da execução penal no Brasil
Segundo dispõe o art. 61 da Lei n. 7.210/1984 (Lei de Execuções Penais – LEP), são
órgãos da execução penal o Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária – CNPCP,
o Juízo da Execução, o Ministério Público, o Conselho Penitenciário, os Departamentos
Penitenciários, o Patronato, o Conselho da Comunidade e Defensoria Pública.
Em síntese, ao CNPCP, órgão integrante do Ministério da Justiça, incumbe a
elaboração de diretrizes da política criminal, elaborando programas, projetos, propondo metas
para sua execução. O rol detalhado das atividades do CNPCP encontra-se descrito nos incisos
do art. 64 da LEP.
O juízo da execução, por seu turno, é exercido por juízes de direito dos Estados,
segundo a organização judiciária local ou, quando não houver, pelo que proferir a sentença
penal condenatória, nos termos do art. 65 da LEP, competindo-lhe a análise das questões
incidentais no processo de execução, como indulto, livramento condicional, detração de
penas, dentre outros.
O Ministério Público, no âmbito da execução penal, tem papel relevante, haja vista
sua atuação na fiscalização da execução da pena e das medidas de segurança, bem como de
oficiar no processo de execução e seus incidentes, conforme artigos 67 e 68 da LEP.
O Conselho Penitenciário, segundo o art. 69 da LEP, é órgão consultivo e com
atribuição de fiscalizar a aplicação da pena, além de outras atribuições, como posicionar-se
sobre a aplicação do indulto, comutação de penas, dentre outros.
Os Departamentos Penitenciários, por sua vez, são integrantes da estrutura do Poder
Executivo de sua respectiva esfera, sendo, no âmbito da União, exercido pelo Departamento
Penitenciário Nacional, e dos Estados pelos respectivos Departamentos Locais, nos termos do
art. 71 ao 74 da LEP.
Os Patronatos, previstos no art. 78 da LEP, que podem ser públicos ou particulares,
destinam-se à prestação de assistência ao egresso do sistema prisional e aos albergados, bem
como a fiscalização do cumprimento das condições estabelecidas para o livramento
condicional ou para a suspensão condicional da pena (sursis).
Há previsão no art. 80 e 81 da LEP dos Conselhos da Comunidade, composto de
advogado, representante da sociedade civil, advogado, defensor público e assistente social,
com a finalidade de visitar as unidades prisionais, bem como entrevistar presos, dentre outras
atividades, a fim de apresentar relatórios mensais ao Juízo da Execução.
40
Por fim, tem a Defensoria Pública o importante papel de defender os necessitados,
individual ou coletivamente, no processo de execução e em seus incidentes, em todos os graus
de jurisdição ou instâncias, dentre outras atribuições, conforme art.s 81-A e 81-B da LEP.
3.3. Dos regimes de cumprimento da pena privativa de liberdade.
Segundo o art. 32 do Código Penal, são as penas privativas de liberdade, restritivas
de direitos e de multa. Todavia, considerando a temática do presente trabalho, dedicar-se-á ao
breve estudo das penas privativas de liberdade, apenas, bem como aos seus respectivos
regimes de cumprimento.
As penas privativas de liberdade dividem-se em reclusão e detenção, conforme se
extrai do art. 33, caput, do Código Penal.
A divisão das penas privativas de liberdade em reclusão e de detenção é alvo de
críticas da doutrina afeta a matéria, sob o argumento de que não se traz utilidade prática tal
distinção, já que não acompanha as modernas legislações penais e porque ―as áreas de
significado dos conceitos de reclusão e de detenção estão praticamente superpostas e não
evidenciam nenhum critério ontológico de distinção‖. (FRANCO apud GRECO, 2008, p.
498).
No entanto, no art. 33, caput, do Código Penal, o legislador traz a previsão de que a
pena de reclusão ―deve ser cumprida em regime fechado, semi-aberto ou aberto‖, enquanto
que a de detenção deve ser cumprida em regime semiaberto ou aberto, exceto quando houver
necessidade de se transferir o preso para o regime fechado.11
A fixação do regime inicial de cumprimento da pena observará aos critérios objetivos
trazidos pelo parágrafo 2º do art. 33 do Código Penal, ou seja, de acordo com a pena aplicada
in concreto, bem como dos critérios subjetivos trazidos pelo art. 59 do mesmo diploma legal
(culpabilidade, antecedentes, conduta social, dentre outros).
No regime fechado, o cumprimento de pena é intramuros, de modo que condenado
trabalhe durante o dia e recolha-se no período noturno ao isolamento, nos termos do art. 34 do
Código Penal. Neste caso o trabalho do preso deverá ser realizado dentro da penitenciária, nos
termos do parágrafo 1º do aludido art., exceto quando se tratar de trabalho em obras públicas,
promovidas pela Administração, atendidos os requisitos de disciplina, aptidão, cautelas contra
fuga, autorização do diretor da penitenciária, bem como do cumprimento de, no mínimo, um
sexto da pena, nos termos do art. 36 da LEP.
11
Lei n. 7.210/1984 – art. 118. A execução da pena privativa de liberdade ficará sujeita à forma regressiva, com
a transferência para qualquer dos regimes mais rigorosos, quando o condenado: I – praticar fato definido como
crime doloso ou falta grave; II – sofrer condenação, por crime anterior, cuja pena, somada ao restante da
pena em execução, torne incabível o regime (art. 111).
41
Já no regime semiaberto, o condenado é sujeito ao trabalho diurno em colônia
agrícola, industrial ou similar, nos termos do art. 35, § 1º do Código Penal, sendo admissível,
excepcionalmente, o trabalho externo e a frequência a cursos profissionalizantes (§ 2º).
Salienta-se que, no regime semiaberto, há possibilidade de concessão, pelo Juízo da
Execução, de saídas temporárias, nos termos do art. 122 da LEP, com período máximo, em
regra, de 7 (sete) dias, renováveis por mais 4 (quatro) vezes no ano, para visita à família,
frequência a cursos ou partipação em atividades que, de algum modo, possibilitem seu retorno
ao convívio social, desde que cumpridos os requisitos objetivos e subjetivos previstos nos
incisos do art. 123 do aludido diploma legal.
No regime aberto, por seu turno, o condenado poderá, durante o dia, e sem
vigilância, trabalhar ou frequentar curso, devendo recolher-se no período noturno na Casa do
Albergado, bem como nos dias em que estiver de folga, nos termos do art. 36, parágrafo 1º do
Código Penal.
3.4 Da progressão de regime de cumprimento de pena
A progressão de regime de cumprimento de pena, decorrente do princípio da
individualização da pena, é um benefício concedido ao condenado caracterizado pela
transferência, mediante decisão do juízo da execução penal, para o regime prisional menos
gravoso, quando do preenchimento dos requisitos previstos em lei. (NUCCI, 2011, p. 403).
Assim, conforme dispõe o art. 112 da LEP, quando o apenado tiver cumprido, em
regra, ao menos 1/6 (um sexto) da pena no regime atual (requisito objetivo), e comportar-se
satisfatoriamente, conforme atestado do diretor do estabelecimento penal, terá o direito de
obter a progressão para o regime de cumprimento de pena menos gravoso.
Excepcionalmente, quando se tratar de pena decorrente de crime classificado como
hediondo, nos termos da Lei n. 8.072/90, em seu art. 2º, § 2º, a progressão de regime ocorrerá
após o cumprimento de 2/5 (dois quintos) da pena, se o condenado for primário, ou 3/5 (três
quintos) se reincidente.
3.5 Dos estabelecimentos prisionais
Os estabelecimentos penais previstos pela Lei de Execuções Penais são: a
Penitenciária, a Colônia Agrícola, Industrial ou Similar, a Casa do Albergado, o Centro de
Observação, o Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico e a Cadeia Pública.
No art. 87 da LEP, há previsão de que as penitenciárias destinar-se-ão ao
recolhimento dos presos condenados à pena de reclusão, em regime fechado, ressalvada a
42
faculdade de a União, os Estados, o Distrito-Federal e os Territórios construírem
estabelecimentos destinados, exclusivamente, a presos provisórios.
A Colônia Agrícola, Industrial ou Similar, com previsão no art. 91 da LEP, destina-
se ao cumprimento da pena em regime semiaberto.
A Casa do Albergado, por seu turno, tem destinação ao cumprimento da reprimenda
privativa de liberdade no regime aberto, bem como da pena restritiva de direito de limitação
de fim de semana, nos termos do art. 93 da LEP.
Os Centros de Observação, por seu turno, são os locais destinados à realização dos
exames gerais e criminológico do preso, nos termos do art. 96 da LEP.
Os Hospitais de Custódia e Tratamento Psiquiátrico destinam-se ao recolhimento de
indivíduos aos quais foi aplicada medida de segurança, nos termos do art. 99 da LEP, que
variam de acordo com o grau de periculosidade do agente em ambulatorial, quando menor, e
hospitalar, quando elevado.
Por fim, as Cadeias Públicas, previstas no art. 102 da LEP, destinam-se ao
recolhimento de presos provisórios, devendo haver, conforme o art. 103 do mesmo diploma,
pelo menos uma em cada comarca, de modo a possibilitar proximidade do preso com o meio
social e seus familiares.
3.6 Da realidade do sistema penitenciário brasileiro
Em art. publicado, Assis (2007, p. 74-78) traz como realidade do sistema carcerário
brasileiro os problemas decorrentes da falta de assistência aos direitos humanos do preso,
como saúde, integridade física, dentre outros, além da falta de segurança e estrutura dos
estabelecimentos prisionais, que se encontram em superlotação, e dos casos de corrupção
envolvendo agentes públicos.
Como decorrência disso, o citado autor atribui a ocorrência de rebeliões e fuga de
presos dos estabelecimentos prisionais nos quais se encontram sob custódia, representando
uma falha do Estado que, tendo meios para evitar tais extremos, vê por diminuída a
possibilidade de recuperação do condenado e, ao mesmo tempo, permite que a sociedade seja
exposta aos riscos das condutas criminosas daqueles (ASSIS, 2007, p. 74-78).
E tal fato faz com que a finalidade maior da pena, que é a ressocialização, torne-se
frustrada, e torna propícia a proliferação de criminosos na sociedade, os quais passam a fazer
da criminalidade meio de vida, causando-lhe danos, bem como a instauração de grande
quantidade de ações contra os Entes da federação, buscando a sua responsabilidade, uma vez
que o serviço por eles prestado, por vezes, é realizado defeituosa e ineficientemente.
43
4 DA RESPONSABILIDADE ESTATAL POR DELITO PRATICADO POR
CONDENADO FORAGIDO
No presente capítulo, destinado à abordagem central do presente trabalho, buscar-se-
á traçar, com fulcro nas explanações dos capítulos antecedentes, um panorama sobre a
possibilidade de se responsabilizar o Estado pelos danos causados por preso foragido do
sistema penitenciário.
Perquirir-se-á, ainda, qual a espécie de responsabilidade cabível quando o Estado,
que possui o dever legal de exercer a gestão do sistema penitenciário, por permitir que o
preso, que se encontra sob sua custódia, evada-se de seus estabelecimentos, causando,
posteriormente, danos a terceiros.
Examinar-se-á, também, com fundamento na espécie de responsabilidade aplicável,
quais os elementos caracterizadores desta, assim como a eventual possibilidade de se
desconfigurar a aludida imputação, com enfoque no ponto de vista doutrinário e
jurisprudencial.
3.3 Do cabimento
Quando o Estado permite que o preso custodiado evada-se do regime fechado de
cumprimento de pena, frustrando a execução dos comandos da sentença proferida pelo juízo
criminal, inegável que se depara diante de uma situação caracterizada por uma omissão do
Estado.
Diga-se omissão, pelo fato de não se vislumbrar uma conduta positiva (comissiva) do
Estado, mas sim negativa (omissiva), pela abstência da prática de um determinado ato, qual
seja: a custódia do preso no estabelecimento penal, durante o cumprimento da pena.
Também é caracterizada a omissão do Estado quando ciente de que o preso, sujeito
ao regime prisional semiaberto ou aberto, ou até mesmo o beneficiário por saída temporária,
deixa de comparecer ao estabelecimento penal no qual cumpre pena, sem que tome o Poder
Público as providências cabíveis para a captura do mesmo.
44
No entanto, eis a pergunta: a omissão do Estado em relação à fuga do preso nas
condições supracitadas constitui em si uma falha do serviço?
Verdade é que, pelo que se explanou em capítulo antecedente, nem toda omissão
gera responsabilidade para o Estado, já que não foi ele o autor do dano. No entanto, quando
por lei esteja o Poder Público obrigado a agir, como no presente caso, no sentido de evitar que
o preso evada-se do estabelecimento penal, sua omissão será condição para eventual dano que
esse indivíduo cause a terceiros.
Mello (2009, p. 1004) ensina que:
[...] se o Estado, devendo agir, por imposição legal, não agiu ou o fez
deficientemente [...] responde por esta incúria, negligência ou deficiência, que
traduzem um ilícito ensejador do dano não evitado quando, de direito, devia sê-lo.
Di Pietro (2012, p. 710), por seu turno, assevera que:
No caso de omissão do Poder Público os danos em regra não são causados por
agentes públicos. São causados por fatos da natureza ou fatos de terceiros. Mas
poderiam ter sido evitados ou minorados se o Estado, tendo o dever de agir, se
omitiu.
Di Pietro (2012, p. 710) vai mais além, quando diz que, para que haja
responsabilidade por omissão, além do dever legal de agir da Administração, deve haver
possibilidade de agir do Poder Público, de modo que se analise o caso concreto diante do
princípio da reserva do possível. Mello (2009, p. 1003) possui o mesmo pensamento.
Assim, ainda que a Administração esteja obrigada a impedir determinado dano, não
haveria responsabilidade quando tal obrigação, segundo um juízo de razoabilidade, seja
impossível, v.g., quando alguém pretenda demandar o Estado por terceiro ter causado-lhe
lesões corporais em via pública. Ora, se assim o fosse, admitir-se-ia o Poder Público como
guarda universal da sociedade, bem como a própria falência do Estado.
No entanto, feitas essas considerações, é relevante salientar que, em matéria de
execução penal, a referida atividade é dever do Estado, através dos órgãos da execução penal,
que tem o dever de manter a guarda do condenado na penitenciária, bem como a possibilidade
de evitar que esse mesmo condenado evada-se do estabelecimento, causando danos a
terceiros.
Por outro lado, também vislumbra-se que, não obstante seja direito subjetivo do
preso a concessão da progressão para o regime de cumprimento de pena menos gravoso, bem
como às saídas temporárias de que trata o art. 122 da LEP, quando cumpridos os respectivos
requisitos legais, é dever do Estado a realização de diligências no sentido de capturar o
apenado do regime semiaberto ou aberto, quando esteja foragido, assim como àquele que,
enquanto beneficiário de saída temporária, não retorne ao estabelecimento penal para
prosseguir na execução da pena, aplicando-se-lhe a regressão para o regime mais gravoso.
Assim, visualiza-se que sua omissão no que respeita a essa tarefa caracteriza-se como ilícita.
45
Destarte, não se pode olvidar que, especificamente nas hipóteses supracitadas, carece
de licitude a omissão do Estado, visto que, não obstante não seja ele o autor do dano, tinha o
dever e a possibilidade de evitá-lo.
Por isso, diante da omissão ilícita do Estado, entende-se pela caracterização da faute
du service, falha do serviço, ou, como entende alguns autores, o acidente do serviço.
É o que ensinou Mello (2009, p. 1004) em sua obra, quando asseverou que:
[..] se o Estado, devendo agir, por imposição legal, não agiu ou o fez
deficientemente, comportando-se abaixo dos padrões legais que normalmente
deveriam caracterizá-lo, responde por essa incúria, negligência ou deficiência, que
traduzem um ilícito ensejador do dano não evitado quando, de direito, devia sê-lo.
Em síntese: quando o Estado permite que presos evadam-se do regime fechado de
cumprimento de pena – enquanto deveriam estar isolados, pela natureza do aludido regime, e
por dever legal, tarefa esta entendida no âmbito de sua possibilidade e competência – é
responsável, em tese, pelos danos que os aludidos custodiados causarem a terceiros.
Ressalta-se ainda que o Poder Público também deverá, teoricamente, responder pelos
danos causados por foragidos dos regimes semiaberto e aberto, bem como aos beneficiários
de saída temporária, quando estes deixarem de se recolher aos estabelecimentos penais nos
quais se encontram cumprindo pena, quando o Estado não tomar diligências necessárias para
a captura de tais indivíduos, aplicando os comandos da Lei de Execuções Penais concernentes
à regressão para o regime prisional mais gravoso.
4.2 Espécie de responsabilidade aplicável
A princípio, vislumbra-se que, quando da ocorrência de dano decorrente da ação
criminosa de preso foragido, não há atuação do Estado, na pessoa do agente público, no
exercício da função administrativa, mas sim uma falha do serviço, sua ausência ou um serviço
defeituoso (faute du service).
Destarte, inaplicável a responsabilidade objetiva prevista no art. 37, parágrafo 6º,
da Constituição Federal de 1988, tendo em vista que esta destina-se às pessoas jurídicas de
direito público interno e às de direito privado prestadoras de serviço público, quando da
ocorrência de danos causados por conduta comissiva de seus agentes que acarrete danos a
terceiros.
Carvalho Filho (2013, p. 567), em sua obra, dispõe que:
[...] a responsabilidade civil do Estado, no caso de conduta omissiva, só se desenhará
quando presentes estiverem os elementos que caracterizam a culpa. A culpa origina-
se, na espécie, do descumprimento do dever legal, atribuído ao Poder Público, de
impedir a consumação do dano. Resulta, por conseguinte, que, nas omissões estatais,
a teoria da responsabilidade objetiva não tem perfeita aplicabilidade, como ocorre
nas condutas comissivas.
46
Di Pietro (2012, p. 711), entende também que a responsabilidade do Estado por
condutas omissivas é subjetiva, com presunção juris tantum de culpa deste, o qual, para elidir
sua responsabilidade, deverá provar no bojo de um processo de conhecimento que empregou
todos os meios necessários e possíveis para se evitar o dano.
Mello (2009, p. 1002 usque 1005) por seu turno, visualiza que, se a condição para
ocorrência do dano decorreu de omissão do Estado, caracterizada pelo não funcionamento,
funcionamento tardio ou ineficiência do serviço público, aplica-se a teoria da
responsabilidade subjetiva, com presunção de culpa do poder público.
No entanto, o renomado doutrinador traz uma exceção à regra do art. 37, §6º da
Constituição Federal, quando trata dos danos causados por situação apenas propiciada pelo
Estado, que enseja a responsabilização objetiva por omissão, quando esta decorrer de uma
atividade de risco produzida pelo próprio Poder Público, ao dizer que:
A fuga de internos em manicômio ou presídio que se homiziem nas vizinhanças e
realizem violências sobre bens ou pessoas sediados nas imediações ou que nelas
estejam acarretará responsabilidade objetiva do Estado. [...] a responsabilidade em
tais casos evidentemente está correlacionada com o risco suscitado. Donde, se a
lesão sofrida não guardar qualquer vínculo com este pressuposto, não haverá
falar em responsabilidade objetiva. [...] se os evadidos de uma prisão vierem a
causar danos em locais afastados do prédio onde se sedia a fonte do risco, é
óbvio que a lesão sofrida por terceiros não estará correlacionada com a situação
perigosa criada por obra do Poder Público. Nesta hipótese só caberá
responsabilizar o Estado se o serviço de guarda dos delinquentes não houver
funcionado ou funcionado mal, pois será caso de responsabilidade por
comportamento omissivo, e não pela geração de risco oriundo de guarda de pessoas
perigosas. (MELLO, 2009, p. 1008-1009).
Pelo que ensinou o eminente doutrinador, quando o Estado cria uma situação capaz
de trazer risco a terceiros, como o caso, v.g., de exploração de energia nuclear, em omitindo-
se, responde objetivamente pelos danos causados.
No mesmo sentido, Alexandrino e Paulo (2011, p. 720) ministram que:
[...] nas hipóteses de danos sofridos por pessoas ou coisas que se encontrem
legalmente sob custódia do Estado, haverá responsabilidade civil objetiva desde,
mesmo que o dano não decorra de uma atuação comissiva direta de um de seus
agentes. Nessas situações, em que o Estado está na posição de garante [...]
responderá ele com base na teoria do risco administrativo [...]
Por outro lado, quando o dano tenha ocorrido em local distante da fonte do risco, e
decorra de uma omissão no que diz respeito à atividade de cujo cumprimento o Poder Público
possuía o dever legal de agir, aplica-se a responsabilidade subjetiva, com fundamento na faute
du service dos franceses.
Cavalieri Filho (2012, p. 255-256) segue o mesmo entendimento, no entanto sob a
bipartição da omissão estatal em específica e genérica, onde naquela o Estado atua como um
garantidor, possuindo um dever especial de agir, enquanto nesta, não obstante também tenha o
47
dever de evitar o dano, responde por estes somente nas hipóteses onde restar configurada a
―culpa anônima‖ (faute du service).
Destarte, vê-se plausividade na tese da responsabilização do Poder Público pelos
danos causados por presos foragidos decorrentes de sua omissão, já que não foi o Estado que
os praticou, restando por descartada a hipótese de atribuição da responsabilidade objetiva
prevista no art. 37, § 6º da CF/88.
4.3 Elementos caracterizadores da responsabilidade
Em se tratando de responsabilidade estatal por omissão, quando possuía o dever legal
de agir, de modo a evitar o dano, a imputação decorre da teoria da culpa do serviço, culpa
anônima ou acidente administrativo (faute du service), esta deve ser aplicada da modalidade
subjetiva, com inversão do ônus da prova para o Estado, em razão da presunção de culpa
deste.
Deste modo, ainda que haja presunção de culpa do Poder Público, tem-se como
essencial para a imputação a apreciação do elemento subjetivo, ao contrário da
responsabilidade objetiva, fundamentada na teoria do risco administrativo, em regra, já que
nesta, ainda que presente a demonstração probatória de que o Estado agiu sem culpa, em
sentido amplo, tal fato não é suficiente para ilidir sua imputação, senão nas hipóteses de
ocorrência de culpa de terceiro, culpa exclusiva da vítima ou força maior.
Por outro lado, a presença do elemento subjetivo culpa, na teoria da faute du service,
é fundamental para a plausividade da aplicação da aludida responsabilidade, sob pena de sua
desconfiguração, não obstante tal prova esteja a cargo da Administração, em razão da
presunção juris tantum que acompanha essa espécie de responsabilidade.
Portanto, a omissão estatal idônea no sentido de gerar responsabilidade necessita dos
seguintes elementos para sua configuração: a conduta negativa do Estado, o dano causado a
terceiro, o nexo de causalidade entre a conduta e o dano, e o elemento subjetivo.
A conduta omissiva do Estado, adequada para trazer imputação a este, deve se referir
a conduta a que estava por lei obrigado a evitar. Deve se referir, a omissão, também, a dano
ao qual o Poder Público guardava possibilidade de se evitar.
Destarte, vislumbra-se que o Estado, enquanto gestor do sistema penitenciário,
possui o dever legal de aplicar a Lei de Execuções Penais, mantendo o preso em seus
estabelecimentos, a fim de cumprir a reprimenda imposta a este, através do emprego de
recursos financeiros, humanos, físicos e materiais para tal.
Do mesmo modo, possui o dever legal de capturar o preso foragido dos regimes
semiaberto, aberto, ou até mesmo beneficiários de saídas temporárias, quando não retornam
aos respectivos estabelecimentos penais nos quais cumprem pena.
48
Portanto, quando da ausência, defeito ou insuficiência na prestação das condutas
supracitadas, configurada está a omissão estatal, independentemente da identificação do
agente público que tenha deixado de agir (culpa anônima ou do serviço).
O dano, por sua vez, caracteriza-se por um prejuízo material, moral, ou até mesmo
estético, como tem reconhecido a doutrina contemporânea e a jurisprudência, experimentados
pela vítima em virtude da conduta comissiva do preso que, por situação culposamente causada
pelo Estado, violou seus direitos.
Salienta-se que o aludido dano, para ser indenizável, deve ser lesivo a direito da
vítima, não sendo admitido que terceiros exercitem seu direito de buscar a tutela jurisdicional
em seu nome, senão em casos excepcionais.12
Deve também o dano ser certo, não se admitindo o dano eventual, ou seja, aquele que
poderia ou poderá se consumar, bem como especial, ou seja, atingindo a determinada ou
determinadas pessoas, e não genérica e abstratamente, não obstante a plausividade quanto ao
dano reflexo ou em ricochete.
Por fim, o dano deve ser anormal, ou seja, não se admite a indenização por pequenos
inconvenientes e aborrecimentos decorrentes de situações inerentes ao convívio social.
O terceiro elemento dentre os elencados neste item é o nexo de causalidade, que é a
relação que liga a conduta e o dano. Significa dizer que, para ser caracterizada a
responsabilidade por omissão do Estado, esta deve ter relação direta com o dano causado à
vítima, de modo que o surgimento de alguma causa concorrente com a conduta omissiva
estatal é suficiente para rompê-lo, desconfigurando-se, de consequência, a responsabilidade
que se pretende imputar ao Poder Público.
No item subsequente, no entanto, será demonstrada a aplicabilidade da teoria do
nexo de causalidade adotada pelos tribunais em casos análogos.
Por fim, o último elemento para configuração da responsabilidade do Estado por
omissão é o elemento subjetivo, ou seja, a culpa.
A culpa, em se tratando de responsabilidade por omissão estatal, é presumida
(presunção juris tantum) consoante ensinamentos colacionados no capítulo 2 deste trabalho.
Destarte, há inversão do ônus da prova do elemento subjetivo, onde ao Estado
incumbe o papel de demonstrar que sua omissão, ao permitir que o preso evadisse, ou até
mesmo no sentido de deixar de capturar o preso foragido, não foi causada por negligência,
imprudência ou imperícia, sob pena de presunção de veracidade de sua culpa.
Assim, presentes os elementos acima, configurada estará a responsabilidade.
12
Cite-se o exemplo do incapaz, que deve ajuizar a ação representado por seus pais, tutores ou curadores, na
forma da lei civil (art. 8º, CPC), ou dos herdeiros, em nome próprio, quando a vítima é falecida, tendo em vista
se tratar de direito transferido com a herança. (art. 943, CC).
49
4.4 Da teoria do dano direto e imediato: rompimento do nexo de causalidade
Apesar das divergências, parte da doutrina, apoiada na jurisprudência pátria, tem
assentado o entendimento de que a teoria aplicável em relação ao nexo de causalidade é a
dano direto ou imediato, também denominada teoria do rompimento do nexo de causalidade.
Conforme considerações trazidas no capítulo 1 do presente trabalho, pela teoria
supracitada, tem-se a existência do nexo de causalidade entre a conduta e o dano pela causa
que diretamente possibilitou o resultado, de modo que qualquer outra causa concorrente é
suficiente para romper o nexo em relação à primeira.
Assim, quando ocorre a concausa, há o surgimento de uma nova relação de
causalidade, que torna-se a causa direta do dano, enquanto que a primitiva, que era até então a
direta, torna-se a indireta.
No caso de danos causados por foragidos do sistema penitenciário, a doutrina tem
trazido considerações sobre a possibilidade do rompimento do nexo de causalidade, quando
do decurso de considerável período de tempo, o que retira a imediatidade da relação entre a
omissão do Estado e o dano causado à vitima, desonerando-o, de consequência, do dever de
indenizar.
Carvalho Filho (2013, p. 569) enuncia que:
[...] tratando-se de de responsabilidade civil, urge que, nas condutas omissivas, além
do elemento culposo, se revele a presença de nexo direto de causalidade entre o fato
e o dano sofrido pela vítima. Significa dizer que não pode o intérprete buscar a
relação de causalidade quando há uma ou várias intercausas entre a omissão e o
resultado danoso.‖
Di Pietro (2012, p. 711-712), em sua obra, afirma que o entendimento do Supremo
Tribunal Federal tem sofrido grande evolução nos últimos anos, já que, em momentos
anteriores aplicava-se a teoria do dano direto e imediato em relação ao nexo de causalidade, o
que, segundo aduz, vem sendo alterado em julgados recentes, no sentido de se alargar a
responsabilidade do Estado em relação a danos causados por omissão.
Portanto, percebe-se que a doutrina aponta a existência de divergência doutrinária
quanto à aplicação da teoria do dano direito e imediato, no que diz respeito à relação de
causalidade, de modo que, se houver alguma concausa que contribua para o dano,
interrompida estará a aludida relação, excluindo-se a responsabilidade quanto ao nexo
primário, firmando-se, de consequência, tão somente aos posteriores.
4.5 Da jurisprudência
A presente seção se destinará à análise da jurisprudência sobre a responsabilidade
estatal por delito praticado por preso condenado foragido, subdividida nos subitens em
seguida, com a colação de julgados do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal
Federal, respectivamente.
50
4.5.1 Da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça
Conforme entendimento esposado pelo Superior Tribunal de Justiça, para que se
configure a responsabilidade do Estado por delito praticado por preso foragido, necessária se
faz a existência da relação de causalidade entre o dano e a conduta omissiva do Estado,
segundo a teoria que entende ser como a adotada pelo Código Civil: a teoria do dano direto e
imediato.
Veja-se o acórdão proferido pelo tribunal supracitado, nos autos do Recurso Especial
n. 858.511/DF:
ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. DANOS
MATERIAIS E MORAIS. MORTE DECORRENTE DE "BALA PERDIDA"
DISPARADA POR MENOR EVADIDO HÁ UMA SEMANA DE
ESTABELECIMENTO DESTINADO AO CUMPRIMENTO DE MEDIDA
SÓCIO-EDUCATIVA DE SEMI-LIBERDADE. AUSÊNCIA DE NEXO DE
CAUSALIDADE.
1. A imputação de responsabilidade civil, objetiva ou subjetiva, supõe a presença de
dois elementos de fato (a conduta do agente e o resultado danoso) e um elemento
lógico-normativo, o nexo causal (que é lógico, porque consiste num elo referencial,
numa relação de pertencialidade, entre os elementos de fato; e é normativo, porque
tem contornos e limites impostos pelo sistema de direito).
2.―Ora, em nosso sistema, como resulta do disposto no art. 1.060 do Código Civil
[art. 403 do CC/2002], a teoria adotada quanto ao nexo causal é a teoria do dano
direto e imediato, também denominada teoria da interrupção do nexo causal. Não
obstante aquele dispositivo da codificação civil diga respeito à impropriamente
denominada responsabilidade contratual, aplica-se também à responsabilidade
extracontratual, inclusive a objetiva (...). Essa teoria, como bem demonstra
Agostinho Alvim (Da Inexecução das Obrigações, 5ª ed., nº 226, p. 370, Editora
Saraiva, São Paulo, 1980), só admite o nexo de causalidade quando o dano é efeito
necessário de uma causa‖ (STF, RE 130.764, 1ª Turma, DJ de 07.08.92, Min.
Moreira Alves).
3. No caso, não há como afirmar que a deficiência do serviço do Estado (que
propiciou a evasão de menor submetido a regime de semi-liberdade) tenha sido a
causa direta e imediata do tiroteio entre o foragido e um seu desafeto, ocorrido oito
dias depois, durante o qual foi disparada a "bala perdida" que atingiu a vítima, nem
que esse tiroteio tenha sido efeito necessário da referida deficiência. Ausente o nexo
causal, fica afastada a responsabilidade do Estado. Precedentes de ambas as Turmas
do STF em casos análogos.
4. Recurso improvido.
(REsp 858.511/DF, Rel. Ministro LUIZ FUX, Rel. p/ Acórdão Ministro TEORI
ALBINO ZAVASCKI, PRIMEIRA TURMA, julgado em 19/08/2008, DJe
15/09/2008)
Pelo julgado acima, extrai-se a ausência de posicionamento do Superior Tribunal de
Justiça se a aludida responsabilidade é objetiva ou subjetiva, bem como a essencialidade do
nexo causal como pressuposto da responsabilidade estatal, desde que este seja causa direta e
imediata do dano.
Observa-se também que o tribunal em comento entendeu que, não obstante o Estado
tenha, por deficiência, permitido que menor evadisse de estabelecimento onde cumpria
medida em regime de semi-liberdade, essa não foi a causa direta e imediata do tiroteio em que
51
o foragido e seu inimigo se envolveram oito dias após a fuga, razão pela qual afastou-se a
responsabilidade estatal.
Segue outro julgado do mesmo tribunal, ipsis litteris:
PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE CIVIL DO
ESTADO.
DANOS MORAIS. ARTIGO 37, § 6º DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. FUGA
DE DETENTO. LATROCÍNIO. AUSÊNCIA DE NEXO DE CAUSALIDADE.
1. (omissis)
2. (omissis)
3. (omissis)
4. In casu, restou assentado no acórdão proferido pelo Tribunal a quo, verbis: Inicio
o meu voto analisando a responsabilidade civil do Estado.
(...)
(...) É impossível a vigilância de cada preso 24 horas ao dia. O Estado não tem
condições para isso. Alegar que o criminoso deveria estar recolhido a um presídio de
segurança máxima é fácil. O difícil é conseguir vaga para transferência, transporte
seguro para o deslocamento do preso, etc. Acerca do nexo causal, entendo que este
não ocorreu. Para gerar responsabilidade civil do Estado, o preso deveria estar em
fuga, ato contínuo àquela ação, e isso não aconteceu. Houve quebra do liame causal.
(...) Cabe mencionar que o Estado não é um segurador universal, que pode entregar
receita da sociedade para qualquer um que se sinta lesado. Atos violentos como o
dos autos ocorrem a todo o momento e em todos os lugares, e não há possibilidade
de total prevenção por parte do policial.
5. Ad argumentandum tantum, em situação análoga, esta Corte assentou que não há
como afirmar que a deficiência do serviço do Estado (que propiciou a evasão de
menor submetido a regime de semi-liberdade) tenha sido a causa direta e imediata
do tiroteio entre o foragido e um seu desafeto, ocorrido oito dias depois, durante o
qual foi disparada a "bala perdida" que atingiu a vítima, nem que esse tiroteio tenha
sido efeito necessário da referida deficiência.
Ausente o nexo causal, fica afastada a responsabilidade do Estado.
Precedente: Resp 858511/DF Relator Ministro LUIZ FUX - Relator p/ Acórdão
Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI Data do Julgamento 19/08/2008 DJ
15/09/2008).
6. Recurso especial não conhecido.
(REsp 980.844/RS, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA TURMA, julgado em
19/03/2009, DJe 22/04/2009)
No julgado supracitado, o relator, ao lavrar do acórdão, transcreveu parte da decisão
do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, ora recorrida, que asseverou acerca da
impossibilidade de o Estado exercer a vigilância 24 horas por dia sobre o preso.
Destacou-se, também, a imprescindibilidade da ocorrência do nexo de causalidade,
segundo a teoria do dano direto e imediato, sob pena de desconfiguração da responsabilidade
do Estado, ocasião em que se citou o REsp n. 858.511/DF.
Outro ponto interessante trazido pelo presente julgado diz respeito à necessidade de
que o preso fugitivo se encontrar em permanência de fuga, ao momento da conduta lesiva, sob
pena de quebrar-se o nexo causal, de modo que o transcurso de prazo razoável entre a data da
fuga e a ocorrência do dano retira-lhe o caráter direto e imediato.
Por fim, traz ainda o aresto a colocação de que o Estado não deve ser tido como
indenizador de qualquer lesão sofrida pela sociedade, uma vez que atos de violência são fatos
sociais que ocorrem em todos os lugares.
52
Segue outro acórdão sobre a matéria:
PROCESSO CIVIL. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. ARTIGO 535, II, DO
CPC.ALEGAÇÕES GENÉRICAS. SÚMULA 284/STF. DISSENSO
PRETORIANO NÃO COMPROVADO. AUSÊNCIA DE SIMILITUDE FÁTICA.
NEXO DE CAUSALIDADE. SÚMULA 126/STJ.
1. (...)
2. O nexo de causalidade e, portanto, a responsabilidade civil do Estado foram
excluídos, no acórdão recorrido, com base nas peculiaridades existentes no caso
concreto como o lapso temporal entre a conduta criminosa e a fuga do presidiário e
também a distância entre o local do ato e o estabelecimento prisional. Esses
elementos reforçam a inexistência da divergência pretoriana, ante a ausência de
similitude fática entre os julgados confrontados.
3. O STJ apenas tem reconhecido a responsabilidade civil estatal por omissão,
quando a deficiência do serviço tenha sido a causa direta e imediata do ato ilícito
praticado pelo foragido, situação não constatada nos autos.
4. Apesar de haver fundamentação fulcrada no art. 37, § 6º, da Constituição Federal,
não foi apresentado pela agravante recurso extraordinário, o que reclama a aplicação
do óbice da Súmula 126/STJ.
5. Agravo regimental não provido.
(AgRg no AREsp 173.291/PR, Rel. Ministro CASTRO MEIRA, SEGUNDA
TURMA, julgado em 07/08/2012, DJe 21/08/2012)
No julgado supracitado, reconheceu-se que o considerável lapso temporal entre o
dano e a fuga do preso, aliado à distância entre o cenário do crime e à unidade penitenciária,
retira-lhe o caráter imediato, interrompendo o nexo de causalidade, excluindo, de
consequência, a responsabilidade estatal.
Ressalta-se ainda que o aresto em comento analisou a questão da distância do local
do evento danoso em relação à penitenciária, da qual o preso se evadiu, para aferição da
presença do nexo de causalidade, o que, no caso concreto, foi descartado, já que esta distava
daquele consideravelmente.
Em síntese, percebe-se que, no âmbito do Superior Tribunal de Justiça, embora não
se tenha apreciado se na hipótese de dano causado por preso foragido a responsabilidade é
objetiva ou subjetiva, consenso existe no sentido de que, em qualquer caso, necessária se faz a
existência do nexo de causalidade entre o dano e a omissão estatal, desde que reste
evidenciado o caráter direto e imediato da conduta.
Isto significa dizer que, ainda que tenha havido a omissão do Estado, quando da fuga
do preso, bem como no serviço de recaptura do mesmo, quando foragido dos regimes
semiaberto e aberto, naquele inclusive quando o detento fugitivo tenha sido beneficiário de
saída temporária, a falha do serviço somente será idônea para ensejar a responsabilidade
quando não tenha havido a intercorrência de outras causas, por exemplo, o decurso de
considerável prazo de tempo entre a data da fuga e do dano.
Por fim, destaca-se que, no REsp. n. 858.511/DF, considerou-se suficiente para
rompimento do nexo de causalidade o decurso do prazo de oito dias, contados da data da fuga
até o do evento danoso.
53
4.5.2 Da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal
Pela jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, além do reconhecimento da
necessidade de comprovação da existência do nexo de causalidade, bem como da teoria para
ele adotada, observa-se um posicionamento em relação à espécie de responsabilidade
aplicável ao Estado no que diz respeito a danos causados por presos foragidos.
Vejamos o julgado abaixo:
EMENTA: CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. CIVIL.
RESPONSABILIDADE CIVIL DAS PESSOAS PÚBLICAS. ATO OMISSIVO DO
PODER PÚBLICO: LATROCÍNIO PRATICADO POR APENADO FUGITIVO.
RESPONSABILIDADE SUBJETIVA: CULPA PUBLICIZADA: FALTA DO
SERVIÇO. C.F., art. 37, § 6º. I. - Tratando-se de ato omissivo do poder público, a
responsabilidade civil por tal ato é subjetiva, pelo que exige dolo ou culpa, esta
numa de suas três vertentes, a negligência, a imperícia ou a imprudência, não sendo,
entretanto, necessário individualizá-la, dado que pode ser atribuída ao serviço
público, de forma genérica, a falta do serviço. II. - A falta do serviço - faute du
service dos franceses - não dispensa o requisito da causalidade, vale dizer, do nexo
de causalidade entre a ação omissiva atribuída ao poder público e o dano causado a
terceiro. III. - Latrocínio praticado por quadrilha da qual participava um apenado
que fugira da prisão tempos antes: neste caso, não há falar em nexo de causalidade
entre a fuga do apenado e o latrocínio. Precedentes do STF: RE 172.025/RJ,
Ministro Ilmar Galvão, "D.J." de 19.12.96; RE 130.764/PR, Relator Ministro
Moreira Alves, RTJ 143/270. IV. - RE conhecido e provido.
(RE 369820, Relator(a): Min. CARLOS VELLOSO, Segunda Turma, julgado em
04/11/2003, DJ 27-02-2004 PP-00038 EMENT VOL-02141-06 PP-01295)
Pelo aresto supracitado, vislumbra-se que, pelas omissões genéricas da
Administração Pública, de condutas por ela devidas, em razão de dever legal, aplica-se a
responsabilidade subjetiva, consubstanciada na teoria da falte du service, a qual decorre da
existência da culpa, em sentido lato, do Estado, que é presumida.
Ressalte-se que, segundo o acórdão supra, a espécie de responsabilidade supracitada
não dispensa a existência do nexo de causalidade entre o dano e a omissão estatal, o qual
inexistiu no caso concreto, já que o dano (latrocínio) consumou-se quatro meses após a fuga,
período considerado suficiente pelo órgão julgador para quebra do liame.
Sobre a mesma matéria, julgou-se o RE n. 409.203, sobre pedido de indenização por
crime cometido por presidiário foragido do regime aberto, o qual segue abaixo:
EMENTA: RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. ARTIGO 37, § 6º DA
CONSTITUIÇÃO FEDERAL. FAUTE DU SERVICE PUBLIC
CARACTERIZADA. ESTUPRO COMETIDO POR PRESIDIÁRIO, FUGITIVO
CONTUMAZ, NÃO SUBMETIDO À REGRESSÃO DE REGIME PRISIONAL
COMO MANDA A LEI. CONFIGURAÇÃO DO NEXO DE CAUSALIDADE.
RECURSO EXTRAORDINÁRIO DESPROVIDO. Impõe-se a responsabilização do
Estado quando um condenado submetido a regime prisional aberto pratica, em sete
ocasiões, falta grave de evasão, sem que as autoridades responsáveis pela execução
da pena lhe apliquem a medida de regressão do regime prisional aplicável à espécie.
Tal omissão do Estado constituiu, na espécie, o fator determinante que propiciou ao
infrator a oportunidade para praticar o crime de estupro contra menor de 12 anos de
idade, justamente no período em que deveria estar recolhido à prisão. Está
configurado o nexo de causalidade, uma vez que se a lei de execução penal tivesse
54
sido corretamente aplicada, o condenado dificilmente teria continuado a cumprir a
pena nas mesmas condições (regime aberto), e, por conseguinte, não teria tido a
oportunidade de evadir-se pela oitava vez e cometer o bárbaro crime de estupro.
Recurso extraordinário desprovido. (RE 409203, Relator(a): Min. CARLOS
VELLOSO, Relator(a) p/ Acórdão: Min. JOAQUIM BARBOSA, Segunda Turma,
julgado em 07/03/2006, DJ 20-04-2007 PP-00102 EMENT VOL-02272-03 PP-
00480 RTJ VOL-00200-02 PP-00982 LEXSTF v. 29, n. 342, 2007, p. 268-298 RMP
n. 34, 2009, p. 281-302)
O caso referia-se a pedido de indenização contra o Estado do Rio Grande do Sul, por
crime de estupro praticado por presidiário foragido contumaz do regime aberto (sete
ocasiões), que omitiu-se no dever de aplicar-lhe a regressão para o regime prisional mais
gravoso.
Entendeu-se, no caso em comento, ao contrário do entendimento esposado
anteriormente, que houve a configuração do nexo de causalidade, uma vez que, segundo
consta do acórdão, se o Estado não tivesse falhado na aplicação da Lei de Execução Penal,
sua liberdade estaria restringida, de modo a obstar a possibilidade de que cometesse o delito
objeto da indenização pleiteada.
Ressalta-se que a decisão sequer adentrou na questão da data do evento danoso e da
fuga, a fim de se aferir a possível interrupção da cadeia causal.
Retornando ao entendimento primitivo, o Pretório Excelso proferiu, posteriormente,
o seguinte aresto:
CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL EM
RECURSO EXTRAORDINÁRIO. RESPONSABILIDADE
EXTRACONTRATUAL DO ESTADO. OMISSÃO. DANOS MORAIS E
MATERIAIS. CRIME PRATICADO POR FORAGIDO. ARTIGO 37, § 6º, CF/88.
AUSÊNCIA DE NEXO CAUSAL. 1. Inexistência de nexo causal entre a fuga de
apenado e o crime praticado pelo fugitivo. Precedentes. 2. A alegação de falta do
serviço - faute du service, dos franceses - não dispensa o requisito da aferição do
nexo de causalidade da omissão atribuída ao poder público e o dano causado. 3. É
pressuposto da responsabilidade subjetiva a existência de dolo ou culpa, em sentido
estrito, em qualquer de suas modalidades - imprudência, negligência ou imperícia. 4.
Agravo regimental improvido.
(RE 395942 AgR, Relator(a): Min. ELLEN GRACIE, Segunda Turma, julgado em
16/12/2008, DJe-038 DIVULG 26-02-2009 PUBLIC 27-02-2009 EMENT VOL-
02350-02 PP-00406 RTJ VOL-00209-02 PP-00866)
Reconheceu-se, novamente, que a espécie de responsabilidade do Estado quanto à
danos praticados por preso foragido é subjetiva, com fulcro na teoria da faute du service, sem
dispensa, contudo, do nexo de causalidade, o que confirmou o entendimento esposado no
julgamento do RE n. 369820, já citado.
Idêntico posicionamento ocorreu quando do julgamento do AI 463531, pelo Supremo
Tribunal Federal, que tratou da imprescindibilidade da existência do nexo causal para
55
configuração da responsabilidade extracontratual do Estado por danos causados por preso
fugitivo. 13
Por essas razões, denota-se que no Supremo Tribunal Federal existe o entendimento
sólido de que se deve considerar como necessária para configuração da responsabilidade
estatal por omissão, em todos os casos, a existência de nexo de causalidade entre o dano e a
conduta omissiva da Administração Pública, de acordo com a teoria do dano direto e
imediato.
Entendeu-se também, no âmbito daquela Suprema Corte, que a responsabilidade
aplicável à matéria é subjetiva, consubstanciada na teoria da culpa administrativa – faute du
service – que tem como imprescindível a aferição do elemento subjetivo da conduta omissiva,
não obstante haja presunção juris tantum de culpa do Poder Público.
Por fim, percebe-se que, no julgamento do RE 409.203, não se ventilou a
possibilidade de interrupção do nexo de causalidade, pelo fato de que, como se tratava de
fugitivo contumaz, o Estado que, possuindo meios para aplicar-lhe a regressão de regime,
encerrando-o em regime prisional mais gravoso, obstando-lhe a liberdade de modo a impedir
que perpetrasse danos contra terceiros, não o fez, o que, segundo consta do acórdão, foi a
causa direta e imediata para a ocorrência do dano.
Assim, observa-se que não há uma fórmula exata para que arrolem as hipóteses
capazes de romper o nexo de causalidade, cabendo ao magistrado, no caso concreto, em
contato com as provas do processo, aferir sobre a manutenção ou rompimento da aludida
relação, de acordo com as peculiaridades da celeuma.
13
CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE
INSTRUMENTO. RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL DO ESTADO. OMISSÃO. DANOS
MORAIS. CRIME PRATICADO POR FORAGIDO DA FEBEM. ARTIGO 37, § 6º, CF/88. AUSÊNCIA DE
NEXO CAUSAL. 1. Inexistência de nexo causal entre a fuga de apenado e o crime praticado pelo fugitivo. 2.
Não existindo nexo causal entre a fuga do apenado e o crime praticado, não se caracteriza a responsabilidade
civil do Estado. Precedentes. 3. Agravo regimental improvido. (AI 463531 AgR, Relator(a): Min. ELLEN
GRACIE, Segunda Turma, julgado em 29/09/2009, DJe-200 DIVULG 22-10-2009 PUBLIC 23-10-2009
EMENT VOL-02379-07 PP-01431 RT v. 99, n. 891, 2010, p. 224-226)
56
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Concluiu-se, através do presente trabalho, que, em se tratando de danos causados por
preso condenado foragido, o Estado será responsável, uma vez que a ele incumbe o dever
legal da custódia do preso condenado, bem como de capturar aquele que evade-se de seus
estabelecimentos penais.
Verificou-se também, por grande parte da doutrina pesquisada, que a regra é que se
aplique a responsabilidade subjetiva, com fundamento na teoria da faute du service, com
presunção juris tantum de culpa da Administração, a qual será determinante para a imputação
da aludida responsabilidade, quando se trate de omissão genérica do Poder Público no tocante
a omissão de prestação a ele imposta por lei, como é o caso da aplicação da Lei de Execução
Penal.
Entendeu-se que os elementos necessários para caracterização desse tipo de
responsabilidade são a conduta omissiva do Estado, o dano, o nexo de causalidade e o
elemento subjetivo culpa, em sentido lato (dolo ou culpa em sentido estrito).
Pode-se vislumbrar o fator determinante para caracterização da aludida imputação é a
existência do nexo de causalidade entre o dano e a fuga, para o qual, conforme parcela
dominante da doutrina, apoiada nos entendimentos do Superior Tribunal de Justiça e do
Supremo Tribunal Federal, aplica-se a teoria do dano direto e imediato, com a possibilidade
de rompimento do liame quando da existência de concausas como, v.g., o transcurso de
considerável período de tempo entre a data da fuga e o dano.
Percebeu-se, também, que o Supremo Tribunal Federal, em uma ocasião, ao
contrário dos demais julgados sobre a matéria, considerou que a incúria do Estado em aplicar
a Lei de Execuções Penais, em caso de reiteradas fugas do preso, que cometeu crime contra
determinada vítima, é causa direta e imediata do dano, sem, para tanto, ter apreciado o lapso
temporal entre a fuga e aquele, o que demonstrou não haver consenso sobre os critérios de
aferição do possível rompimento do nexo de causalidade, que deverão ser explorados nas
ações judiciais pelas partes, à medida de suas pretensões.
57
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DECLARAÇÃO E AUTORIZAÇÃO
Eu, Pedro Moreira Neves Neto,portador da Carteira de Identidade n. 4.193.898,
emitida pela Superintendência de Polícia Técnico-Científica do Estado de Goiás , inscrito no
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ESTATAL POR DELITO PRATICADO POR CONDENADO FORAGIDO‖ é de minha
exclusiva autoria.
Autorizo o Centro Universitário de Goiás - Uni-ANHANGUERA utilizar-se do
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Goiânia (GO), ____ de __________________ de _________.
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Pedro Moreira Neves Neto