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Uma abordagem sistêmica para as Teorias do Jornalismo Pedro Celso Campos * Índice 1 Claude Shannon e Warren Weaver 2 2 A Cibernética de Norbert Wiener 4 3 Os Teóricos de Chicago 7 4 A Escola de Frankfurt 9 5 Teorias do Jornalismo 12 6 A Abordagem Sistêmica e a Informa- ção Circular 17 7 Bibliografia citada 22 Todas as teorias são abstrações. Nenhuma teoria por si só, revelará jamais a verdade. S. LITTLEJOHN * Doutorado em 2006, pela ECA-USP, com uma tese intitulada "Jornalismo Ambiental e Consumo Sustentável - Proposta de Comunicação Integrada para a Educação Permanente", sob orientação do Prof. Dr. Luiz Barco. Dessa tese foi retirado o presente artigo. É jornalista profissional desde 1969, gradu- ado pela Universidade de Brasília, e há 12 anos en- sina "Produção Jornalística - Técnicas de Reportagem e Entrevista"e "Jornalismo Impresso III"na Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação (FAAC) da Uni- versidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquita Filho- UNESP, campus de Bauru, onde é Coordenador de Ensino do Departamento de Comunicação Social. En- tre setembro de 2007 e fevereiro de 2008 fez seu Es- tágio Pós-Doutoral em Ciências da Comunicação na Universidade de Sevilha-ES, sob supervisão do Prof. Dr. Francisco Sierra Caballero. E-mail: [email protected] Resumo Alcançado, permanentemente, por enorme volume de informações, o homem mo- derno nem por isto pode se considerar bem informado. Muitas vezes o excesso de notícias tem, paradoxalmente, efeito contrário. Porque isto ocorre? Porque não nos sentimentos plenamente saciados em nossa sede por fatos novos? Os estudiosos da comunicação humana desenvolveram várias teorias para explicar o processo de produção e recepção de informações, desde o modelo matemático, que descreve a comunicação ponto-a-ponto, até o conceito de circularidade, já presente na Teoria Ci- bernética e hoje aplicado, especificamente, às Teorias do Jornalismo. Todos querem saber porque as notícias são como são e não como nós, seus usuários, gostaríamos que elas fossem. Neste artigo vamos estudar as teorias do jornalismo a partir de uma abordagem sistêmica. Palavras-chave: Integração, Sistema, Circularidade, Jornalismo, Teoria. Abstract The modern Man, though permanently sei- zed by huge amount of information, cannot

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Uma abordagem sistêmica para as Teorias doJornalismo

Pedro Celso Campos∗

Índice1 Claude Shannon e Warren Weaver 22 A Cibernética de Norbert Wiener 43 Os Teóricos de Chicago 74 A Escola de Frankfurt 95 Teorias do Jornalismo 126 A Abordagem Sistêmica e a Informa-

ção Circular 177 Bibliografia citada 22

Todas as teorias são abstrações.Nenhuma teoria por si só,

revelará jamais a verdade.S. LITTLEJOHN

∗Doutorado em 2006, pela ECA-USP, com umatese intitulada "Jornalismo Ambiental e ConsumoSustentável - Proposta de Comunicação Integradapara a Educação Permanente", sob orientação do Prof.Dr. Luiz Barco. Dessa tese foi retirado o presenteartigo. É jornalista profissional desde 1969, gradu-ado pela Universidade de Brasília, e há 12 anos en-sina "Produção Jornalística - Técnicas de Reportageme Entrevista"e "Jornalismo Impresso III"na Faculdadede Arquitetura, Artes e Comunicação (FAAC) da Uni-versidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquita Filho-UNESP, campus de Bauru, onde é Coordenador deEnsino do Departamento de Comunicação Social. En-tre setembro de 2007 e fevereiro de 2008 fez seu Es-tágio Pós-Doutoral em Ciências da Comunicação naUniversidade de Sevilha-ES, sob supervisão do Prof.Dr. Francisco Sierra Caballero.E-mail: [email protected]

ResumoAlcançado, permanentemente, por enormevolume de informações, o homem mo-derno nem por isto pode se considerarbem informado. Muitas vezes o excessode notícias tem, paradoxalmente, efeitocontrário. Porque isto ocorre? Porque nãonos sentimentos plenamente saciados emnossa sede por fatos novos? Os estudiososda comunicação humana desenvolveramvárias teorias para explicar o processode produção e recepção de informações,desde o modelo matemático, que descreve acomunicação ponto-a-ponto, até o conceitode circularidade, já presente na Teoria Ci-bernética e hoje aplicado, especificamente,às Teorias do Jornalismo. Todos queremsaber porque as notícias são como são e nãocomo nós, seus usuários, gostaríamos queelas fossem. Neste artigo vamos estudaras teorias do jornalismo a partir de umaabordagem sistêmica.

Palavras-chave: Integração, Sistema,Circularidade, Jornalismo, Teoria.

AbstractThe modern Man, though permanently sei-zed by huge amount of information, cannot

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consider himself well informed. Frequentlythe news excess has, paradoxically, theopposite effect. Why does this occur? Whydo we not feel fully satisfied in our thirstfor new facts? Human communicationscholars have developed several theories toexplain the process of information produc-tion and reception, since the mathematicalmodel, that describes communication point-to-point, until the concept of circularity,already present in the Cybernetic Theoryand applied today, specifically, to JournalismTheories. What everybody wants to know iswhy are news the way they are and not whywe, as its users, would have preferred themto be. In this article we will study Journalismtheories from a systemic approach.

Keywords: Integration, System, Circula-tory, Journalism, Theory.

1 Claude Shannon e WarrenWeaver

Não se pode compreender, corretamente, ofenômeno da comunicação sem estudar aTeoria da Informação, também conhecidacomo Teoria Matemática da Informação ou,ainda, Modelo Matemático, proposta pelosengenheiros americanos da Bell TelephoneLaboratories, Shannon e Waever, em 1948.Nascido em 1916, Claude Elwood Shannoncomeçou a trabalhar na Bell em 1941, du-rante a II Guerra Mundial, como criptogra-fista. A rotina de lidar com os códigos se-cretos levou-o, após sete anos, a formularas hipóteses presentes em sua monografiaThe Mathematical Theory of Communica-tion. Em 1949 a Universidade de Illinoispublicou a monografia de Shannon acrescida

dos comentários de Warren Weaver, coorde-nador de um projeto de pesquisa sobre gran-des máquinas de calcular.

Além de seus estudos como matemático ede seu trabalho como criptografista, Shannoninspirou-se em trabalhos anteriores, como osdo matemático Andrei Markov, em 1910, so-bre as cadeias de símbolos na literatura; osde Ralph V. L. Hartley, em 1927, sobre amedição precisa da informação (que viria aresultar no binary digit, o bit da linguagemde oposição binária); os trabalhos de outromatemático famoso, o britânico Alan Turingque, em 1936, concebeu uma máquina ca-paz de tratar a informação e, finalmente, aspesquisas de John Von Neumann, que deramsignificativa contribuição para a construçãoda última grande máquina de calcular, poucoantes da chegada do computador, entre 1944e 1946, por encomenda do Exército Ameri-cano interessado em cálculos mais exatos namedição de trajetórias balísticas.1

A história também registra que além daparceria com o coordenador de projetos War-ren Weaver, Shannon contou com a inteli-gência de seu professor Norbert Wiener, fun-dador da ciência do comando e do controle,a cibernética (que estudaremos a seguir).

O modelo básico proposto pela teoria deShannon é um esquema linear destinado amedir, quantitativamente, a emissão e recep-ção de um sinal à distância. Trata-se de es-tudar as possibilidades de redução das inter-ferências, ou ruídos, que possam prejudicara eficácia do sinal emitido, ou seja, Shan-non busca o equacionamento de informaçãocom previsibilidade estatística, duas quan-tidades que podem ser medidas com o lo-garítmo da recíproca da probabilidade. Era

1Cf. MATTELART, 1999, p. 57.

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bem este o propósito de uma companhia te-lefônica como a Bell, visando maximizar eotimizar sua prestação de serviços ao con-sumidor final. Adaptado aos meios de co-municação de massa, e a outras disciplinasafins, o modelo apóia-se em seis pressupos-tos bem definidos: Uma fonte de informa-ção produz uma mensagem (neste caso a pa-lavra ao telefone), utilizando um codificador(a linguagem do emissor) que transforma amensagem em oscilações elétricas, as quaispercorrem um canal (cabo telefônico) sendoreconvertidas em voz (decodificação), com-pletando o processo com a destinação (pes-soa ou coisa à qual a mensagem é transmi-tida).

A preocupação da teoria com a eficiênciada comunicação é o principal enfoque dosmatemáticos Shannon e Weaver. Foi muitoútil para medir a adequabilidade do tempocom a capacidade do canal transmissor e aquantidade de mensagens a serem transmi-tidas. Mesmo hoje, com os canais de fibraótica ou com a transmissão por satélite, omodelo inicial é válido, do ponto de vistamatemático.

Mas, na comunicação humana, não tra-balhamos apenas com quantidades. Não setrata apenas de utilizar um canal, transmitir,certificar-se que a emissão teve bom êxito(através do retorno, ou feed-back). A men-sagem comunicativa comporta uma intenci-onalidade, está filtrada por outros pressupos-tos que condicionam o teor emitido, seja porrazões culturais, ideológicas, contextuais ououtras. Então é inevitável que falemos nãoapenas de quantidades matemáticas mas dequalidades intrínsecas. A própria noção deruído é significativa porque não se trata damera estática do campo eletro-magnético,mas de questões outras, como deficiências

de linguagem, de expressão ou de entendi-mento do texto, bem como a liberdade que oemissor tem para escolher a mensagem a sertransmitida. Assim, é possível dizer que acomunicação também envolve o processo designificação, do fazer sentido. Não é apenasa forma, mas igualmente o conteúdo, que as-segurará o bom entendimento da mensagem.

Para o matemático Oswaldo Sangiorgi, daUniversidade de São Paulo, não se pode atri-buir à Teoria da Informação uma autonomiaabsoluta em relação à Teoria Geral da Co-municação - que trata dos aspectos qualita-tivos da mensagem transmitida - exatamentepor sua ênfase quantitativa. Neste caso, con-forme Sangiorgi, a TI seria apenas um ca-pítulo (quantitativo) da Teoria Geral da Co-municação. Isaac Epstein, também da USP,compreende, igualmente, este aspecto par-cial da TI. Em obra escrita em 1961, o pro-fessor de engenharia eletrônica da Universi-dade de Siracusa, Fazlollah Reza, reconhe-ceu na TI um ramo novo da teoria da proba-bilidade, mas considerou que suas aplicaçõesse destinam a um amplo espectro de áreas deinvestigação, tais como a matemática pura,o rádio, a televisão, o radar, a psicologia, asemântica, a economia e a biologia.2

Do ponto de vista de Shannon, a comu-nicação é um dado bruto, mas os conceitosde informação, transmissão, codificação, de-codificação, redundância, ruído e liberdadede escolha serão refinados no contexto in-terdisciplinar com a introdução de outras va-riáveis de pesquisa. Para Mattelart,3 “o mo-delo de Shannon induziu a uma abordagemda técnica que a reduz a um instrumento.Essa perspectiva exclui toda a problematiza-

2Cf. BELTRÃO e QUIRINO, 1986, p. 172.3Op. cit., p. 61.

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ção que definiria a técnica em outros termosque não os de cálculo, planejamento e pre-dição”.

Neste sentido, quando aplicamos a TI aojornalismo, não podemos deixar de lado aresponsabilidade ética e social do jornalista,do mesmo modo que seria ingênuo ignorarque o jornalismo é uma atividade econômica,onde estão presentes os imperativos dos cus-tos operacionais e da esperada remuneraçãodo capital investido. Desse modo, ao produ-zir sua informação, com o seu próprio estiloe de acordo com suas habilidades de esco-lha e de seleção, o jornalista situa-se comomero mediador entre o fato acontecido – oua declaração dada – e todos os demais inte-ressados na questão, tanto do lado do sistemade comunicação (a empresa, os editores etc)quanto do lado do receptor que está à esperade uma informação útil à sua vida.

Mesmo assim, entretanto, nesse empenhoem busca da qualidade informativa, o pro-cesso de quantificação estará sempre pre-sente na produção da mensagem. Isto sedá, por exemplo, quando o profissional pro-duz o lead da matéria, reunindo ali o má-ximo de informações no menor espaço pos-sível para informar quem fez o que, quando,onde, como e porque, deixando as informa-ções menos importantes para o “pé” da ma-téria de tal modo que eventual corte por faltade espaço não prejudique o teor da mensa-gem.

Com tais observações queremos constatarapenas que, para o jornalismo de qualidade,a eficiência da informação não está relacio-nada apenas com a forma técnica, mas, tam-bém, com os conteúdos da mensagem, com aboa apuração, o bom texto, a edição à altura,o compromisso social.

Isto em nada reduz o brilho da TI, in-

clusive porque toda teoria é parcial e deixaalgo de fora, concentrando-se em certos as-pectos à custa de outros, conforme o obje-tivo da pesquisa.4 Certamente a Bell Te-lephone Laboratories não pensava no jorna-lismo quando financiou as pesquisas de seucriptografista Claude Shannon, entretanto,como destaca Edgar Morin, essa "hibrida-ção"de conhecimentos - no caso específicoda Teoria da Informação e em inúmeros ou-tros exemplos - tornou-se possível com oavanço da abordagem sistêmica que permitiua articulação de áreas diversas como a enge-nharia, a matemática, a geografia, a geolo-gia, a bacteriologia, a zoologia, a botânicaetc. reunindo cientistas policompetentes quepossuem, ademais, a competência dos pro-blemas fundamentais desse tipo de organiza-ção [sistêmica] do conhecimento.5

2 A Cibernética de NorbertWiener

No mesmo ano em que Shannon escreveusua monografia,1948, seu professor, NorbertWiener, (graduado na Universidade de Har-vard aos 18 anos, sempre ligado ao Institutode Tecnologia de Massachusetts-MIT, desde1919), publicou Cybernetics or Control andCommunication in the Animal and Machine(“Cibernética: ou Controle e Comunicaçãono Animal e na Máquina”), obra que estána base da teoria da automação industriale da ciência dos computadores. Aqui tam-bém a preocupação é com o grau de exati-dão da informação que sempre comportarácerto nível de entropia, que é a tendência detodos os sistemas à desorganização interna,

4Cf. LITLEJOHN, 1982, p. 4.5Cf. MORIN, 2003, p. 111.

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como ocorre na natureza que destrói o or-denamento, precipitando a degradação bioló-gica. Essa tendência ao caos igualmente severifica nos processos sociais, constituindopermanente ameaça em confronto com a or-dem estabelecida. Nos processos de comuni-cação, a entropia (termo emprestado da Fí-sica: de acordo com a Segunda Lei da Ter-modinâmica, “a quantidade de calor na qualse transformou certa quantidade de traba-lho não pode mais ser inteiramente recupe-rada na mesma quantidade de trabalho ori-ginária") manifesta-se através de eventuaislimitações de código do emissor, falhas téc-nicas, deficiências de linguagem, manipu-lações ideológicas, concentração dos meiosetc, o que também pode ser percebido na ou-tra ponta, envolvendo as limitações do recep-tor para alcançar o pleno conteúdo da infor-mação.

Pode-se entender como complementaresos estudos de Shannon e de Wiener, pois en-quanto a Teoria da Informação estuda a “re-produção, em um ponto dado, de maneiraexata ou aproximativa, de uma mensagemselecionada em outro ponto”, a Teoria Ciber-nética define que “a soma de informação emum sistema é a medida de seu grau de or-ganização”. A entropia, segundo Wiener, é,exatamente, esse grau de desorganização. Averificação do grau de entropia se dará atra-vés do retorno (feedback) obtido pelo emis-sor, surgindo, então, o conceito de circulari-dade da informação6, que é um avanço so-

6"O princípio do circuito retroativo, introduzidopor Norbert Wiener, permite o conhecimento dos pro-cessos auto-reguladores. Ele rompe com o princípioda causalidade-linear: a causa age sobre o efeito, e oefeito age sobre a causa, como no sistema de aqueci-mento, em que o termostato regula o andamento doaquecedor. Esse mecanismo de regulação permite,

bre o conceito de linearidade (comunicaçãoponto-a-ponto) proposto por Shannon, comoveremos ao tratar da Abordagem Sistêmica,no final deste artigo.

Ainda em termos comparativos, enquantoShannon evita comentar a evolução da soci-edade, Norbert Wiener insiste nos riscos daentropia, condenando, por exemplo, o au-mento do controle dos meios de comunica-ção que acabaram em mãos daqueles que sepreocupam acima de tudo com o poder e odinheiro. Esta concentração dos meios, tãoacentuada em nossos dias, é o principal en-trave para um jornalismo mais democráticoe mais aberto aos interesses diretos do re-ceptor. No caso do jornalismo ambiental, arestrição é ainda maior, tendo em vista tratar-se de um ramo do jornalismo científico quenão raro entra em confronto com as preocu-pações de poder e de dinheiro denunciadaspelo pai da cibernética.

Em que consiste, precisamente, a teoria deWiener?

Ela compara os sistemas de comunicaçãoe controle de aparelhos produzidos pelo ho-mem com aqueles dos organismos biológi-cos. Podem ser feitas muitas comparaçõescomo, por exemplo, o processamento de da-

aqui, a autonomia térmica de um apartamento em re-lação ao frio externo. De modo mais complexo, a"homoestasia"de um organismo vivo é um conjuntode processos reguladores baseados em múltiplas re-troações. Em sua forma negativa, o círculo de re-troação (ou feedback) permite reduzir o desvio e, as-sim, estabilizar um sistema. Em sua forma positiva,o feedback é um mecanismo amplificador; por exem-plo: a violência de um protagonista provoca uma re-ação violenta, que, por sua vez, provoca uma reaçãomais violenta ainda. Inflacionárias ou estabilizadoras,são incontáveis as retroações nos fenômenos econô-micos, sociais, políticos ou psicológicos". Cf. MO-RIN, 2003, p. 94.

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dos nos computadores e várias funções docérebro. O princípio da comunicação, tantono cérebro do emissor humano, quanto nocomputador, é a seleção da mensagem a seremitida, dentro de um leque de possibilida-des, como se dá no procedimento de códigobinário (binary digit). Na verdade, ainda queo princípio seja o mesmo, o computador éuma extensão do cérebro humano, uma vezque as combinações cada vez mais variadase mais firmes de circuitos integrados que secompletam, operando a uma velocidade al-tíssima, possibilitam imenso poder de sele-ção relativamente a elevado número de da-dos.

Novamente, aqui, podemos questionar sea capacidade de disponibilizar um excessivovolume de informações – referimo-nos à mí-dia em geral e não aos computadores em si –é “um bem ou um mal”, para usar a expres-são do professor Luiz Barco7 na avaliação daescola pública no Brasil. É bom que tenha-mos, em nossa sociedade de consumo, muitomais opções de escolha do que tinham nos-sos avós antes da televisão, da Internet, docelular, dos satélites etc. Mas é mal que nossintamos cada vez mais confusos com a ava-lanche de informações redundantes, superfi-ciais, manipuladas ou simplesmente erradas(por causa da pressa em informar para con-correr). Neste caso um alto nível de entro-pia – na forma de dúvida e confusão mental– instala-se ao nível do receptor que certa-mente gostaria de receber informações fide-dignas e de qualidade.

Não é difícil concluir que, embora o for-malismo matemático apresente-se como uma

7Cf. BARCO, L. Escola, um bem ou um mal? Tra-balho de livre-docência apresentado à ECA-USP, SãoPaulo, em 1989.

racionalização lógica da equação comuni-cativa, definindo claramente seu funciona-mento como convém a toda demonstraçãomatemática, jamais poderemos menosprezaro processo criativo e subjetivo da mensagemcomunicativa. A ficção científica está repletade maravilhosos textos em que as máquinasatingiriam uma complexidade tal que assu-miriam o controle da vida humana (como osupercomputador Hall, em 2001 Uma Odis-séia no Espaço, de Stanley Kubrik) ou tex-tos nos quais a própria sociedade funciona-ria com a cadência de uma máquina que nãoprecisa pensar (como em Admirável MundoNovo, de Aldous Huxley, obra que teria ins-pirado um filme emblemático como Matrix,dos irmãos Washowsky). Entretanto pode-mos nos tranquilizar com Aristóteles que nasprimeiras páginas da “Política” já observavaque a principal diferença do homem em rela-ção a toda criatura, inclusive as suas, é a ca-pacidade de discernir entre o moral e o imo-ral. É o livre arbítrio. O direito de duvidar éa base da indagação científica. É próprio doato de comunicar o gesto de duvidar, a incli-nação ao ceticismo com vistas a encontrar aversão mais confiável dos fatos, após intensachecagem. Para Aristóteles, a surpresa é ocomeço do conhecimento e este resulta dorecebimento de informação. Descartes ele-vou a dúvida à categoria de princípio da Filo-sofia. Mas ele mesmo reconheceu que quemduvida não pode duvidar que duvida.

O comunicador que não se basta com omodelo quantitativo da informação, que nãoaceita verdades peremptórias e imutáveis, fa-tos prontos e acabados, normalmente dá mar-gem à dúvida mesmo quando tudo parece tãoóbviamente explicado. Esse potencial de vi-são crítica, no mundo tecnológico em que vi-vemos, será extremamente útil para nos lem-

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brarmos que “a intuição humana contrapõe-se à lógica mecânica”, como menciona LuizBarco ao descrever a grandiosidade do gê-nio da Matemática, Kurt Gödel (1906-1978),também inspirador de um belo filme (MenteBrilhante):

Naturalizado americano e contratado comoprofessor do Instituto de Estudos Avançadosda Universidade de Princeton, Gödel falavapouco. Gostava da solidão. Abrigava-se nacantina da Universidade para fugir à curio-sidade dos visitantes. Ele demonstrou quemesmo dentro de um sistema rigidamente ló-gico, como o que foi desenvolvido para aAritmética, podem ser formuladas proposi-ções que são indecidíveis, indemonstráveis(...) isto foi tão perturbador no séc. XXquanto a revelação de Hiparcos, no séc. IV a.C. sobre a existência de grandezas incomen-suráveis. Na verdade, quando Gödel garantiaque os formalistas são limitados, estava mos-trando, em síntese, que o homem será sempresuperior à máquina. (BARCO, 1993, p. 55 e56).8

Reportando-nos, claramente, ao exercíciodo jornalismo, principalmente quando nosdirigimos a futuros profissionais da mídia, apartir da Teoria da Informação, podemos nossocorrer, aqui, das oportunas conclusões deBELTRÃO e QUIRINO:

O que poderia ser feito pelos profissionaisda Comunicação conscientes de sua fun-ção social? Sem dúvida alguma, aprovei-tar as contribuições da Teoria da Informa-ção e aplicá-las às atividades que desenvol-vem, cada um no seu próprio ramo da In-dústria da Comunicação. Nessas atividadesdo dia-a-dia, não podem ser esquecidos os

8BARCO, 1993, p. 55 e 56.

aparelhamentos aperfeiçoados que lhes faci-litam a tarefa...mas não pode ser esquecida,igualmente, a noção de Cibernética, conce-bida como ciência que estuda o processo deobtenção do máximo de informações com omínimo de deformações. Não pode ser es-quecida a pesquisa de opinião pública atravésde processos estatísticos que avaliam a rea-ção da audiência a partir de amostras signifi-cativas. (Op. cit., p. 179)9

3 Os Teóricos de ChicagoEnquanto a cibernética de Wiener permitecomparar sistemas de comunicação humanose mecânicos – como cérebros e computado-res - outros pesquisadores formulam a ques-tão em termos de relações entre o homem eo meio ambiente. Como o ser humano re-age ao espaço à sua volta? O que acontecequando o homem já não está mais “espa-lhado” pelo campo e se concentra nos espa-ços urbanos? Qual o papel da informaçãoneste novo contexto? Essa abordagem prag-mática da comunicação marcou a Escola deChicago que, da década de 1910 até a dé-cada de 1940, estudou o papel da ciência naresolução dos grandes desequilíbrios sociais.Operando com a pesquisa etnográfica (mo-nografias de bairros, observação participantee análise das histórias de vida), os estudiososde Chicago estavam filiados à filosofia ame-ricana do pragmatismo preconizada pelo pe-dagogo John Dewey (1859-1952) e pelo psi-cossociólogo George Herbert Mead (1863-1931). Esse pragmatismo influenciou so-bretudo Charles Horton Cooley (1863-1929)que estudou o impacto organizacional dostransportes ao analisar os fenômenos e pro-

9BELTRÃO, L. e QUIRINO, N., 1986, p. 179.

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cessos comunicativos no agrupamento hu-mano.10

Também conhecido como “ecologia hu-mana” (termo inventado em 1859 pelo bió-logo alemão Ernest Haeckel), esse estudoidentificava os grupos sociais que apare-ciam no processo de urbanização, desta-cando o chamado “grupo primário” caracte-rizado por Colley como aquele que preservauma associação e cooperação íntimas. Col-ley acreditava na capacidade do grupo pri-mário de manter-se unido e preservado nosespaços urbanos e industriais, enquanto ou-tros, na mesma época, entendiam que taisgrupos se diluíam, normalmente, na soci-edade, reconfigurando-se em outros níveisgrupais, menos coesos e identificados-11. Aconvicção de Colley era que o indivíduo é ca-paz de uma experiência singular, única, quetraduz sua história de vida, mesmo enquantoé submetido às forças de nivelamento e ho-mogeneização do comportamento urbano.

A tensão entre o indivíduo e a sociedaderealça o papel da comunicação seja reali-mentando as convicções do indivíduo (cren-ças, virtudes, tradições etc) seja relativi-zando a vida em sociedade (consumismo,moda, violência, banalização da morte). Ariqueza dessa grandiosa epopéia humana estáexatamente nesse entrechoque das convic-ções individuais com a homogeneidade dosfatos coletivos. Daí surgem as grandes his-tórias de vida, o aspecto mais importantedo jornalismo que é a emoção, identifi-cada com a qualidade da informação, comocontrapartida de um jornalismo frio, me-ramente quantitativo, estatístico ou numé-rico. O jornalista observador e criativo, queparte do fato real acontecido ou declarado,

10Cf. MATTELART, op. cit., p. 35.

e desenvolve um perfil em profundidade,ou um livro-reportagem corretamente docu-mentado, através da observação participante,certamente estará oferecendo ao leitor umavisão mais completa, uma abordagem maisampla, uma explicação melhor. Por sua sin-gularidade – que muitas vezes opera comoexemplo virtuoso na sociedade – a históriade vida é um método de apuração jornalís-tica que anula a validade universal da propo-sição de Aristóteles, segundo a qual, “só háciência no geral”. Pelo contrário, pode ha-ver ciência no particular e no subjetivo. Oque ocorre é que, muitas vezes por vias pa-radoxais, esta ciência resulta em um conhe-cimento geral. Conhecimento e “reconheci-mento”, no sentido de que a informação nostraz o conhecimento sobre o fato ou a pessoa,mas sua história de vida, se bem narrada, nosleva a reconhecer ali um exemplo admirável(e por isto o jornalista selecionou aquela his-tória para contar).

A partir das constatações de Cooley, ou-tro pesquisador da Escola de Chicago, Ro-bert Ezra Park (1864-1944), aprofundou osestudos sobre “ecologia humana” usando ametodologia etnográfica. Militante da causanegra, Park preparou sua tese de doutoradoaos 39 anos, em Heidelberg, conceituando“massa” e “público”. Como repórter experi-ente em grandes investigações jornalísticas,ele elegeu como forma superior de reporta-gem as pesquisas sociológicas que iria re-alizar nos bairros da periferia. Trata-se dever a cidade como laboratório social (comseus significados de desorganização, de mar-ginalidade, de aculturação, de assimilação);como lugar da mobilidade (por exemplo, amigração interna nos EUA e a integração dosimigrantes à sociedade americana). Park vaianalisar o papel da informação dentro desse

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cenário social, identificando o que é jorna-lismo - voltado para o interesse público - epropaganda - ideológica ou social.11

As relações étnicas (competição, conflito,adaptação, assimilação) nas comunidades deimigrantes, são estudadas por Park como as-pectos dessa ecologia humana que concebetoda mudança – seja na divisão do trabalhoou nas relações entre a população e o solo -no âmbito de um pensamento do equilíbrio,da crise e do retorno ao equilíbrio, bem deacordo, também, com o princípio de entropiapresente não apenas na Teoria da Informa-ção, mas na própria Teoria Geral dos Siste-mas (BERTALANFY,1930). Assim, a comu-nicação é vista como uma espécie de direçãoe controle, encaminhando-se sempre para oconsenso (ordem moral) com o objetivo deregular a competição, permitindo aos indiví-duos, desse modo, partilhar uma experiên-cia, vincular-se à sociedade, sentir-se partedo todo.

Quando a matéria jornalística bem apu-rada revela aspectos da pessoa humana queestá atrás, ou bem no meio, dos fatos, o queo jornalista está fazendo, na verdade, é reti-rar a pessoa da prateleira de números e lhedar vida, resgatando sua identidade, seu sen-timento de pertença à comunidade humana,eliminando, de algum modo, o perverso sen-timento de exclusão. Cláudio Abramo temum bom exemplo:

Existe o jornalista que só conta o fato: ummuro caiu na cabeça da dona Maria e ela mor-reu debaixo de 35 tijolos. Mas outro diráque o muro caiu porque o dono do terrenose recusou a gastar dinheiro e usou um su-porte ruim, que ameaçava cair. Aí começa-sea desenvolver o que se passa, da narrativa do

11id. ibid., p. 30.

fato para a crítica social. (ABRAMO,1988,p. 110).12

Não resta dúvida que o pragmatismo daEscola de Chicago tem muito a nos ensinarenquanto jornalistas. Desde que, por prag-matismo, entendamos, principalmente, a ne-cessidade de dar conta do todo, como fezPark, a partir da pesquisa sobre os grupos mi-noritários e mesmo sobre os indivíduos cujahistória poderá ter interesse para o conjuntoda sociedade. Afinal, nem sempre precisa-mos concordar com Aristóteles.

4 A Escola de FrankfurtAmada por uns, diminuída por outros, a Es-cola de Frankfurt é síndrome de amor e ódiono estudo da comunicação no Séc. XX. ATeoria Crítica dela emanada levou UmbertoEco a classificar de “apocalípticos” os quevêm na “indústria cultural” uma espécie defim da história, e de “integrados” os que seacomodam com a situação rendendo graçase louvores ao “deus mercado”. Veiculadopela primeira vez em 1947, por Horkhei-mer e Adorno no texto A Dialética do Ilumi-nismo, o conceito de Indústria Cultural estábaseado na existência de uma categoria deoperadores culturais que produzem para asmassas, usando na realidade as massas parafins de lucro, ao invés de oferecer-lhes re-ais ocasiões de experiência crítica.13 A TV,por exemplo, reduz o mundo a fantasmas ebloqueia, portanto, toda reação crítica e todaresposta operativa nos seus adeptos, segundoa Teoria Crítica.

A exemplo da corrente Funcionalista, aEscola de Frankfurt – inspirada num mar-

12Cf. ABRAMO, 1988, p. 110.13Cf. ECO, 1993, p. 19.

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xismo em ruptura com a ortodoxia, buscandouma junção entre Marx (interpretação da his-tória) e Freud (psicologia do profundo) -concebe a idéia de uma mídia todo-poderosa,capaz de decidir a vida das pessoas, capaznão somente de adaptar seus produtos aoconsumo das massas, mas também de deter-minar esse consumo. (Por exemplo, quandoa Disney adapta o clássico de Victor Hugo– O Corcunda de Notre Dame – para o ci-nema/TV, a história é “adocicada” para setornar mais palatável ao consumidor). As-sim, a Indústria Cultural pretende alienar enão conscientizar; acomodar e não incitar àreflexão crítica. Seus produtos teriam ape-nas a função de a) ser comercializados; b)promover a deturpação e a degradação dogosto popular; c) obter uma atitude semprepassiva dos seus consumidores. Como sãofeitos para serem vendidos, os produtos daIndústria Cultural jamais devem desagradaros compradores. A produção, então, é ho-mogeneizada e nivelada por baixo.14

Financiada por empresários da comuni-dade judaica, a Escola operava sob a deno-minação de Instituto de Pesquisa Social, fi-liado à Universidade de Frankfurt, sendo aprimeira instituição alemã de pesquisa comorientação abertamente marxista. Quandoeclodiu o nazismo hitlerista, os pesquisado-res exilaram-se nos Estados Unidos e a Uni-versidade de Columbia lhes cedeu um deseus prédios onde, a partir de 1938, MaxHorkheimer(1895-1973), Leo Löwenthal eTheodor Adorno (1903-1969) passaram atrabalhar. Mais tarde chegou Herbert Mar-cuse (1898-1979). Outro integrante da Es-cola, Walter Benjamim(1892-1940), exilou-se na França. Atualmente, o principal her-

14Cf. OLIVEIRA, 2003, p. 13.

deiro da Escola é o filósofo alemão Jür-gen Habermas, nascido em 1929. Depoisda Guerra, Adorno e Horkheimer voltarampara a Alemanha. Löwenthal ficou nosEUA, onde desenvolveu notáveis estudos so-bre cultura de massa, passando a trabalharno Departamento de Estado, como respon-sável pelo setor de Avaliação dos programasde rádio, ligando-se a estudos sobre A Vozda América, durante a guerra fria.

Também ficou nos EUA o filósofo HerbertMarcuse, como professor da Universidade daCalifórnia, tornando-se um ícone da juven-tude dos anos 60 por sua intransigência crí-tica em relação à cultura e à civilização bur-guesas. Pretendia desmascarar as novas for-mas de dominação política. Em O HomemUnidimensional, ele escreveu:

Sob a aparência de um mundo cada vezmais modelado pela tecnologia e pela ciên-cia, manifesta-se a irracionalidade de um mo-delo organizacional da sociedade que sub-juga o indivíduo ao invés de libertá-lo. A ra-cionalidade técnica, a razão instrumental re-duziram o discurso e o pensamento a uma di-mensão única que promove o acordo entre acoisa e sua função, entre a realidade e a apa-rência, a essência e a existência. Essa “so-ciedade unidimensional” anulou o espaço dopensamento crítico. (MATTELART, 1999, p.81). 15

Enquanto os escritos de Adorno eHorkheimer – que marcaram, por sua clari-vidência, numerosas gerações de intelectuais– eclipsaram-se no final dos anos 70, osescritos de um dos membros mais polêmicose originais da Escola de Frankfurt, WalterBenjamin, voltaram a despertar interesse

15Citado por MATTELART, 1999, p. 81.

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nos anos 80. Um de seus escritos maisfamosos, A obra de arte na era de suareprodutibilidade técnica, de 1933, vaialém da visão adorniana da conjunção entrearte e tecnologia na qual se poderia notaruma certa nostalgia de uma experiênciacultural independente da técnica, ou mesmoum protesto erudito contra a intrusão datécnica no mundo da cultura, uma defesada sacralização da arte, como analisa Mat-telart.16 Para Benjamim, uma arte comoo cinema, por exemplo, só tem razão deexistir no estágio da reprodução, e não noda produção única. Fascinado por Paris –onde viveu a maior parte de seu exílio antesde se suicidar na Espanha ao ser perseguidopela polícia franquista - Benjamin passoua estudar a própria cidade. Influenciadopela fenomenologia de Husserl, voltou suaatenção para as manifestações de superfície,os detalhes, os fragmentos das ruínas dahistória, buscando reconstituir a totalidadeperdida, conforme sua obra inacabada Olivro das passagens, Paris, capital do séculoXIX.

Para completar este “olhar” sobre o quefoi a Escola de Frankfurt na teorização dosmeios de comunicação, resta comentar o tra-balho de Habermas sobre o conceito de es-paço público. Esse espaço de mediação entreEstado e sociedade – permitindo a discussãopública, pelo confronto de idéias e opiniõesesclarecidas – desenvolveu-se com a cons-tituição de uma “opinião pública” em finsdo século XVII na Inglaterra e na França.Segundo ele, o desenvolvimento das leis demercado, sua intrusão na esfera da produ-ção cultural, substituem, hoje, esse princí-pio de “comunicação pública” por formas de

16Cf. op. cit. p. 79.

comunicação cada vez mais inspiradas emum modelo comercial de fabricação da opi-nião, como se a sociedade estivesse passandopor um novo tipo de “feudalismo”. O ci-dadão tende a se tornar um consumidor decomportamento emocional e aclamatório. Acomunicação pública dissolve-se em atitu-des estereotipadas de recepção isolada. EmO Espaço Público, Habermas se interessapelo fenômeno do consumismo em expan-são nos Estados Unidos, tema que envolvea chamada geração baby boomer, hoje comalto poder de consumo,caracterizada comouma “bolha” de explosão demográfica nopós guerra. Parte dessa geração está a ca-minho de outro “fenômeno” populacionalpreocupante para os analistas da ONU: Oenorme contingente de aposentados e idososque sobrecarregará os institutos previdenciá-rios de vários países, com graves conseqüên-cias para as economias nacionais. Em 2020mais de 30 milhões de brasileiros – 13% dapopulação estimada – terão mais de 60 anos.De 1991 a 2000, a população acima de 75anos cresceu 49,3% no Brasil

Voltando a Habermas, a solução que elepropõe para uma comunicação mais eficaz,do ponto de vista do receptor, é a restaura-ção do espaço público estendido ao conjuntoda sociedade. Naturalmente isto nos devolveà idéia da democratização dos meios de co-municação em contraposição à centralizaçãoem poucas mãos como ocorre hoje no mundointeiro.

Mas, será que a Teoria Crítica é acatadapor todos sem discussão? Por mais brilhanteque seja, a argumentação dos frankfurtia-nos não apresenta “furos”? Quais os pon-tos mais polêmicos dessa visão cultural dosmeios de comunicação lastreada no funcio-nalismo? Não se pode negar o objeto de es-

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tudo da Teoria Crítica, ou Cultura de Massa,que aborda, em resumo, o predomínio do cri-tério mercantil, desde a concepção até a pro-dução das obras culturais; o forte traço mani-pulatório da ideologia dominante; a tendên-cia à padronização e ao rebaixamento do ní-vel estético da maioria dos produtos. É ummodo de ver que já está presente em Marx,quando observa que não são as idéias (su-perestrutura) que governam o mundo, são asforças produtivas, vez que elas ditam as ten-dências e as idéias.

Para os críticos da Cultura de Massas, essaconceituação não pode pretender abranger atotalidade do fenômeno cultural, pois a cul-tura jamais se deixa submeter integralmentepela categoria mercantil. Se isso pudesseocorrer, a cultura deixaria de ser uma pra-xis - status que o próprio Adorno lhe atribui-, portanto deixaria de ser cultura. Além domais é necessário reconhecer que o modo deprodução capitalista não existe apenas parasatisfazer os interesses particulares da bur-guesia, mas, também, como um processohistórico, um momento da história univer-sal.17 Nesse processo histórico os meiosevoluem, surgem novas tecnologias e não sepode aplicar a mesma análise a todos os veí-culos sem levar em conta suas especificida-des, como no caso da TV, que Adorno malchegou a conhecer, ou de um fenômeno tãorecente como a Internet.

Mesmo atacando o conformismo, a alie-nação, o esvaziamento crítico das pessoas,as idéias da Escola de Frankfurt acabaramse tornando um discurso conformista, comose as pessoas se sentissem inúteis, nada po-dendo fazer perante o poderio da raciona-lidade técnica, por isto quedariam em suas

17Cf. GENRO, 1987, p. 101.

confortáveis poltronas, ou nos cafés intelec-tualizados, apenas criticando a indústria cul-tural sem nada fazer, sem apresentar solução,sem projeto, num embotamento geral.

O próprio jornalismo acaba nessa vala co-mum do conformismo agindo com tal espí-rito no instante mesmo em que produz a in-formação que deveria ser transformadora, re-flexiva, contundente, historicamente contex-tualizada.

Certamente isto deve começar a mudar apartir de bons cursos de jornalismo onde areflexão crítica não seja um privilégio masuma norma de estudos. Por isto mesmo es-tudaremos, a seguir, especificamente, as teo-rias do próprio jornalismo.

5 Teorias do JornalismoNos anos 40, quando surgiram, no Brasil,os primeiros cursos de jornalismo (Decreto-Lei no 5.480,de 13 de maio de 1943), anova disciplina, mais valorizada a partir daregulamentação profissional conferida peloDecreto-Lei no 972, de 17 de outubro de1969, (com a exigência do diploma de ní-vel superior), apoiava-se nos corpos teóri-cos da filosofia, sociologia, psicologia, an-tropologia etc. Até hoje, em universidadesde renome, os concursos para professor dejornalismo incluem bibliografia dessas árease não é raro que disciplinas relacionadascom a produção técnica do texto jornalísticosejam ministradas por professores de Ciên-cias Humanas, Letras, Filosofia etc quandodeveriam ser aplicadas por jornalistas devi-damente qualificados para tal. Entretanto,com o desenvolvimento dos cursos de pós-graduação na década de 60, o jornalismo foiadquirindo status dentro do universo da co-municação. É bem verdade que muitas Fa-

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culdades ainda fazem uma boa mistura dejornalismo com relações públicas, publici-dade e propaganda, e até turismo. Entre-tanto, seguindo orientações da própria CA-PES (Coordenação de Aperfeiçoamento dePessoal do Ensino Superior) a favor de linhasde pesquisas identificadas com áreas de con-centração mais claramente delimitadas, mui-tos cursos superiores já estão se definindo emdepartamentos de Jornalismo, de TécnicasJornalísticas ou de Jornalismo e Editoração.Eles substituem os antigos e amplos departa-mentos de Comunicação Social surgidos nosanos 60/70 por influência do CIESPAL (Cen-tro Internacional de Estudos Superiores deJornalismo para a América Latina), implan-tado pelos americanos em Quito (Equador),com abordagem claramente colonialista, emplena ditadura brasileira.

A influência do CIESPAL se fez sentir jáem 1961, quando Luiz Beltrão criou o Cursode Jornalismo da Universidade Federal dePernambuco, optando pelas linhas de pes-quisa emanadas de Quito. Por toda a Amé-rica Latina, tais linhas destinavam-se a pro-duzir dóceis técnicos de comunicação quenão incomodassem o establishment, que selimitassem a reproduzir a visão burguesa demundo que favoreceria o ingresso dos inves-timentos estrangeiros desejados pelos milita-res. Naturalmente era um contexto bastanteimpróprio para a reflexão crítica ou para te-ses como a de Lênin sobre a necessidadedo jornal partidário enquanto “organizadorcoletivo”, o que abriu espaço para a cha-mada Imprensa Alternativa que fez o contra-ponto da mídia conivente durante os anos dechumbo. Naquela época – e tampouco hoje -não havia interesse em discutir a questão daconcentração dos meios de comunicação nasmãos de poucos proprietários e muito menos

o caráter comercial da mídia. Ontem comohoje - e não é só no Brasil – “o jornalista co-loca seu talento, honestidade e ingenuidadea serviço do capital com a mesma naturali-dade com que compra cigarros no bar da es-quina”, deixou registrado o saudoso profes-sor Adelmo Genro, da UFSC (UniversidadeFederal de Santa Catarina). Esta é a mesmaopinião de Allan Accardo, do “Le Monde Di-plomatique”, de Serge Halime 18, de Gay Ta-lese (a respeito, por exemplo, da coberturada imprensa americana, inclusive do “NewYork Times”, na invasão americana do Ira-que) etc.

Felizmente, nessa mesma época, isto é, nadécada de 60, surgiu no Brasil o um novojornalismo (Revista “Realidade”, “Jornalda Tarde”) que trabalhava na fronteira coma Literatura, possibilitando a conjunção doreal acontecido com o imaginário criado paradar a esse mesmo real um novo colorido,tornando-o palatável, agradável, didático, di-alético, sem jamais alterar a essência do querealmente aconteceu ou foi declarado.

Com esse novo modo de fazer jorna-lismo produzindo uma abordagem diferen-ciada, mais criativa, e os cursos de pós-graduação avançando a melhoria da quali-dade do ensino de jornalismo e da pesquisana área acadêmica, tornou-se possível, então,falar em um corpo teórico próprio desta novadisciplina, como veremos a seguir, tentandoresponder a um pressuposto básico: Porqueas notícias são como são?

Na primeira metade do séc. XIX,desenvolveu-se a chamada Teoria do Espe-lho. O jornalista é um Super Homem. Tema sagrada missão de eliminar os Coringas e

18Cf. Os Novos Cães de Guarda. São Paulo: Vo-zes, 1998.

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Máscaras que incomodam o sistema. Seuproduto é uma transmissão não expurgada darealidade, um espelho. As notícias são comosão porque a realidade assim exige. A funçãodo jornalista é contar o que viu ou ouviu, doaa quem doer. O jornal é um contra-poder,uma arma política. O jornalista milita no par-tido do dono do jornal. O jornal é o própriopartido. Pratica-se um jornalismo fortementeopinativo onde poucas pessoas têm a missãodiária de combater o Mal e defender o Bem.A dificuldade é definir o que é o Mal (talvezo “eixo do mal”) ou o que é o Bem (talvezuma multinacional que vem gerar “milhares”de empregos..). A ideologia perpassa o jor-nalismo, por isto é sempre muito perigosodeixar tamanha responsabilidade em poucasmãos, sob o risco de se cometerem terríveisinjustiças.

Entretanto, o jornalismo patriarcal e arte-sanal vai sendo substituído pela empresa in-dustrial na virada para o séc. XX, emboracontinue sendo administrado por “famílias”mesmo neste novo período empresarial. Emalguns países, como nos EUA, já existem oscursos para jornalistas desde as primeiras dé-cadas do novo século. Assim, o mercado semoderniza, os repórteres se profissionalizame os governos nacionais vão se democrati-zando. O jornalismo adquire um papel so-cial importante. Agora o jornalista deve ter acautela de não imiscuir opinião no texto in-formativo. Ocorre, assim, a separação entre“fatos” e “opiniões”. O novo paradigma éadotado pelas agências de notícias que co-meçam a surgir: Havas (França), Associa-ted Press (EUA), Reuters (Inglaterra), Wolfe(Alemanha) etc. Isto propicia o surgimento,nos anos 20 e 30, do conceito de Objetivi-dade (do qual trataremos no final deste livro)que vem reforçar a Teoria do Espelho, con-

denando todo tipo de subjetivismos quandose trata do texto informativo. Cumpre retra-tar a realidade tal qual é. Walter Lippman, nocélebre Opinião Pública, de 1922, chega aaconselhar os jornalistas a se vacinarem con-tra a subjetividade recorrendo ao método ci-entífico.19 É preciso fazer um jornal cirurgi-camente correto.

Nos anos 1950, a pesquisa acadêmica jáestá mais avançada. O mundo mudou de-pois da guerra. A geopolítica global agoraenvolve interesses específicos. Os america-nos iniciam uma corrida mundial para vencera guerra fria através dos controles regionais.O exército americano - ou a “ajuda humani-tária” - se faz presente, estrategicamente, portodo o globo. Inicia-se um processo de he-gemonia com a mundialização cultural (quetraz o rock, o jeans, a coca-cola, os shoppingcenters, os astros de Hollywood, ...os gla-mourosos tempos da brilhantina, os super-mercados etc) e a globalização dos mercados(com a Organização Mundial do Comércio-OMC, o FMI, os blocos de livre-comércio).Os jornais, impressos a cores, instalados emmodernos edifícios, equipados com parquesgráficos de alta qualidade, já não se limitam apassar a realidade como ela é, simplesmente.A notícia precisa ser selecionada, editada,trabalhada, tratada, copidescada, reescrita.Além de informação, a notícia precisa com-portar uma certa estética (a ponto de váriosjornais, inclusive europeus, terem “maqui-ado” uma foto veiculada no mundo todo porocasião do atentado terrorista em Madri, em11.03.2004, eliminando uma perna humanaarrancada, que aparecia no canto esquerdoinferior, como veremos no Capítulo 6, ao tra-tar do fotojornalismo). As notícias não são

19Cf. TRAQUINA, 2004, p. 147 - 148.

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como são porque a realidade assim exige,mas porque os editores e demais gatekeepers(controladores) assim querem. É a Teoria daAção Pessoal, ou do Gatekeeper, propostapor David Manning White. A idéia foi ti-rada de um artigo publicado em 1947 pelopsicólogo social Kurt Lewin sobre decisõesdomésticas relativas à compra de alimentospara a família, enquanto a expressão, pro-priamente, foi inspirada num estudo sobre aatividade de um jornalista de meia-idade deum jornal médio norte-americano, Mr. Ga-tes, que anotou durante uma semana os mo-tivos que o levaram a rejeitar as notícias quenão usou.20 É preciso selecionar o que inte-ressa ao público. As notícias publicadas re-sultam da intencionalidade. Não são sequerproduto da organização jornalística, mas dasconvicções, quase exclusivamente psicológi-cas, de uma só pessoa instalada na burocraciada empresa jornalística.

Um exemplo do poder pessoal conferidoao editor pela Teoria da Ação Pessoal, é ocaso do jornal "Washington Post" que denun-ciou o Escândalo Watergate, em 1973. OEditor-Chefe confiou nos repórteres e tomoua decisão de publicar as informações da fontefornecidas em off. Mas, e se as informaçõesfossem incorretas? Ao invés da queda deNixon ocorreria a queda do jornal, ou pelomenos do Editor, com graves conseqüênciaspara a imagem da publicação, sem contar ospesados processos por injúria, calúnia e difa-mação.

Também nos anos 1950, surgiu a Teo-ria Organizacional, lançada pelo sociólogonorte-americano Warren Breed, em 1955, re-editada em 1993, baseada em seu estudo in-titulado Controle Social da Redação: Uma

20TRAQUINA, op. cit., p. 149 - 150.

análise funcional. A premissa é que o jor-nalista está inserido na organização para aqual trabalha. Ele acaba se conformandomais com as normas editoriais da organiza-ção do que com quaisquer crenças pessoaisque leve consigo para o trabalho. Não raroa própria norma editorial transforma-se embiombo para a acomodação diante da pro-fissão. Ninguém dirá claramente ao “foca”qual a política editorial da empresa, mas elea sentirá presente no ar, num primeiro mo-mento, e depois entranhada no próprio san-gue quando chegarem os primeiros fios decabelo branco sem ter mudado de emprego.O jornal torna-se cosa nostra. A “visão demundo” da empresa ou o seu modo de “veras coisas”, vai se infiltrando na mente dofuncionário-jornalista au fils du temps, parausar a oportuna expressão do professor dejornalismo da Universidade do Porto, NelsonTraquina, 2004. 21

Mas, quais são os interesses de uma orga-nização jornalística? Avulta, aqui, de pronto,a dimensão econômica lembrada por Marx.Naturalmente os interesses da empresa sãoos mesmos interesses da elite econômica eempresarial do país, os quais, por sua vez,são os mesmos interesses da elite governa-mental que dirige o país, pois mesmo quandose elege um presidente de esquerda, a neces-sidade de acordos com a “base aliada” acabaem uma política de subserviência aos dog-mas do mercado, visando a estabilização damoeda, como se vê no Brasil, presentemente.

O que se pode dizer, portanto, da TeoriaOrganizacional é que ela não é melhor nempior que a Teoria do Espelho – pois a reali-dade é sempre fabricada, isto é, está sujeitaaos “filtros” do observador – ou que a Te-

21id. ibid., TRAQUINA, 2004, p. 153.

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oria da Ação Pessoal – com a qual guardamuita relação, além de ser sua contemporâ-nea. O que se pode afirmar é que, sob talabordagem, as notícias não são como sãoporque a realidade assim exige ou porque ogatekeeper, isto é, o jornalista, as quer as-sim. As notícias são como são porque a Or-ganização Empresarial (vale dizer, as elites)assim decidiu e para isto conta com edito-res de confiança dentro da redação. Elesvão praticar aquele jornalismo de reverênciaque Serge Halimi22, professor da Universi-dade Paris III, identifica na imprensa fran-cesa e que denuncia, com ênfase, em seu on-tológico “Les nouveaux chiens de garde”, noqual escreve:

A grande imprensa se atribui o papel de‘quarto poder‘, isto é, além do Executivo,Legislativo e Judiciário. Dentro do Estadoela desempenharia a função de controle ex-terno do poder, do lado da sociedade civil.Será? Será que seus vínculos fundamentaissão com a cidadania ou com os centros depoder que, por sua vez, se conectam promis-cuamente com o Estado? [...] Diz-se que umjornal é vendido duas vezes. Primeiro para asagências de publicidade. Depois para o leitor.

É oportuno observar, entretanto, que o jor-nal não é apenas um produto que parte daselites – como bem observa Halimi. Ele tam-bém é um produto que se dirige às elites.Mesmo o noticiário da televisão – que de-veria ter uma linguagem referencial para ageneralidade das classes sociais que o acom-panham – muitas vezes parece falar para simesmo, como ventríloquo, ou para meia dú-zia de iniciados no assunto, muitas vezes nãosó por causa do assunto em si, mas porque a

22Cf. HALIMI, op. cit., p. 8.

anterioridade à qual a notícia se refere nãoé retomada, como se todo o público esti-vesse acompanhando as edições daquele te-lejornal todos os dias, tal qual seus próprioseditores, repórteres e apresentadores. A pró-pria pauta já privilegia temas que interessammuito mais à elite que ao conjunto da socie-dade em geral. Por isto o jornalismo é frívoloe desinteressante como as próprias elites emseu mundo de superficialidades, frieza, con-sumo conspícuo e desinformação. Como jáalertavam Adorno e Horkheimer, aqui o con-sumidor da informação não é o sujeito da in-formação, é mero objeto da indústria cultu-ral. Serve para quantificar o Ibope e comprarcoisas ou serviços. A comunicação começanas elites e volta para ela, num circuito (ousistema) fechado que só aparentemente estáaberto a todos. Estudaremos a abordagemsistêmica ainda neste capítulo.

Chegamos, então, à quarta teoria do jor-nalismo descrita pelo professor Nelson Tra-quina. É a Teoria da Ação Política. Elaprosperou nas décadas de 1960 e 1970, emmeio à onda de protestos nos espaços uni-versitários, quando os jovens franceses ce-lebravam os famosos Três M: Marx, Mao eMarcuse. Aquela geração protestava contraa estrutura acadêmica conservadora reivindi-cando a modernização dos currículos, contraa guerra do Vietnã, contra as usinas nucle-ares, contra a sociedade estabelecida, contraas tradições em geral, contra os padrões e pa-radigmas da época. Queriam uma sociedadede paz e amor, onde fosse proibido proibir.

E o que esperavam do jornalismo os jo-vens de 60? Que ele fosse mais honesto,mais comprometido com os interesses da so-ciedade, que – na qualidade de Quarto Po-der - correspondesse às enormes expectati-vas da própria teoria democrática. Assim,

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em oposição à idéia reducionista e positi-vista da objetividade, surgiram estudos so-bre o conceito de Imparcialidade. Foi um pe-ríodo também influenciado pela visão socialde Antonio Gransci, pela problematização dalinguagem (com Roland Barthes em 1967) epela escola culturalista britânica (Hall e ou-tros, em 1978).

Pela nova ótica, o jornalista está a serviçoda sociedade, não de si mesmo ou da em-presa. Assim, as notícias são como são por-que a sociedade assim o quer. Com as novasmídias, com a televisão, com a ampla ex-posição aos veículos de comunicação, comos multi-meios, o público é mais exigentee pune o veículo com cartas de reclamação(hoje com e-mails) ou cancelando a assina-tura, ou mudando de canal, quando percebeque o veículo está subestimando sua inteli-gência (bem ao contrário da visão adornianapresente na Teoria Crítica). Para fidelizar oreceptor, para não perder mercado – muitomais que por amor a ideais considerados ro-mânticos – o jornal trata de indagar sobre osinteresses da sociedade, através de seus ins-titutos de pesquisa.

Tudo estaria perfeito se as empresas jorna-lísticas não vissem neste novo modelo a bre-cha para pesquisar também o gosto popularpelo espetáculo, pelo mórbido, pelo escan-daloso. Com um olho no público-alvo e ou-tro no Ibope, as empresas jornalísticas pas-sam a operar o marketing de resultado (ou"marketing de guerrilha") identificando tudoaquilo que pode, de algum modo, aumentaro alcance do veículo, seja em número de as-sinaturas, seja em aparelhos de TV ligado,pois essa pontuação será convertida em “mi-lhões” na tabela de faturamento do Departa-mento de Publicidade.

Nos anos 1990, o marketing de guerrilha

incluía até mesmo a distribuição de fascícu-los de enciclopédia, pacotes de semente, jo-gos de montar etc dentro dos jornais. De-pois surgiu o telemarketing que transformao telefone em ponto de venda. Com a In-ternet, na virada do milênio, os jornais seduplicaram, isto é, têm uma versão tradici-onal impressa para o dia seguinte, mas têmuma “segunda alma”, uma “outra vida” den-tro da rede mundial de computadores ondepodem exercitar sua versão eletrônica, con-correndo com a mídia do mesmo nome, prin-cipalmente com a TV.

Do ponto de vista do capital, até que tudosaiu bem, muito embora o pesado endivida-mento sobre algumas empresas que ousaraminvestir mais por um mercado maior, tantono impresso como no eletrônico, onerando-se em dólar. Quanto às Teorias do Jorna-lismo, continua sendo difícil justificar, prag-maticamente, porque as notícias são comosão. Os tempos mudam e as teorias vão ten-tando explicar os fatos à luz da mudança.“As teorias representam vários modos comoos observadores vêem o meio à sua volta,mas as teorias não são, em si mesmas, arealidade. Muitos teóricos esquecem esseprincípio. Com freqüência os estudantes sãoludibriados pela concepção de que a reali-dade pode ser vista nesta ou naquela teo-ria”, afirma Stephen W. Littlejohn, da Hum-boldt State University-EUA. 23

6 A Abordagem Sistêmica e aInformação Circular

Se é complicado definir, categoricamente, asmotivações da imprensa, talvez ajude estudaro contexto em que se dá o processo de comu-

23Cf. op. cit., p. 4.

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nicação de massa. Neste breve olhar sobre asteorias da comunicação vimos a ênfase quan-titativa no experimento de Shannon, onde jáestavam presentes os conceitos de redundân-cia, feedbak, linearidade, ruído, entropia etc.Mas foi a Teoria Cibernética que desenvol-veu, nos anos 1940, o princípio da circulari-dade da informação como processo comuni-cativo, incorporando as bases da Teoria Ge-ral dos Sistemas formulada, no final dos anos1930, pelo biólogo austríaco Ludwig VonBertalanffy, o qual, por sua vez, inspirou-senos estudos que o matemático e filósofo in-glês Alfred North Witehead realizou, na dé-cada de 1920, sobre uma filosofia fortementeorientada em termos de processo. Na décadade 1940, Bertalanffy tentou combinar os vá-rios conceitos do pensamento sistêmico e dabiologia organística em uma teoria formaldos sistemas vivos. Embora desconhecidono ocidente, antes de Bertalanffy um outropesquisador formulou uma abordagem sistê-mica que incluía também os elementos nãovivos. Foi o médico, filósofo e economistarusso Alexander Bogdanov, que deu nome àsua teoria de “Tectologia”, do grego “tekton”(construtor), o que pode ser traduzido comoCiência das Estruturas. Esta foi a primeiratentativa, na história da ciência, para chegara uma formulação sistêmica dos princípiosde organização que operam em sistemas vi-vos e não vivos, apresentada como CiênciaUniversal da Organização e definida como “atotalidade de conexões entre elementos sistê-micos”. Bogdanov distinguiu três tipos desistemas: Complexos organizados (onde otodo é maior que a soma das partes); Com-plexos desorganizados (onde o todo é menorque a soma das partes) e Complexos neu-tros (onde as atividades organizadora e de-

sorganizadora se cancelam mutuamente).24

A estabilidade e o desenvolvimento de todosos sistemas podem ser entendidos por meiode dois mecanismos organizacionais básicos:formação e regulação. A dinâmica da forma-ção consiste na junção de complexos por in-termédio de vários tipos de articulações. En-fatiza, em particular, que a tensão entre crisee transformação tem importância fundamen-tal para a formação de novos complexos. Po-demos perceber com mais clareza através deexemplos citados por Edgar Morin, quandotrata da interdisciplinaridade:

A noção de informação, originada da práticasocial, adquiriu um sentido científico, pre-ciso, novo, na teoria de Shannon, depois, mi-grou para a Biologia para se inserir no gene,onde foi associada à noção de código gené-tico. A Biologia Molecular muitas vezes es-quece que, sem essas noções de herança, có-digo, informação, mensagem de origem an-tropossociomorfa, a organização viva seriaininteligível. [...] Mais importantes são astransposições de esquemas cognitivos de umadisciplina para outra. Assim, Claude Lévi-Strauss não poderia ter elaborado sua antro-pologia estrutural sem os freqüentes encon-tros que teve em Nova York - nos bares, pa-rece - com R. Jakobson, que já havia elabo-rado a lingüística estrutural; além disso, Ja-kobson e Lévi-Strauss não se teriam conhe-cido se ambos não fossem refugiados da Eu-ropa: um escapara da Revolução Russa, algu-mas décadas antes, o outro deixara a França

24Blaise Pascal já afirmava três séculos atrás: "Umavez que todas as coisas são causadas e causadoras,ajudadas e ajudantes, mediatas e imediatas, e todasestão presas por um elo natural e imperceptível, queliga as mais distantes e as mais diferentes, consideroimpossível conhecer as partes sem conhecer o todo,tanto quanto conhecer o todo sem conhecer, particu-larmente, as partes". Cf. MORIN, op. cit. p. 116.

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ocupada pelos nazistas. [...] um poderosoantídoto contra o fechamento e o imobilismodas disciplinas vem dos grandes abalos sísmi-cos da História (inclusive uma guerra mun-dial), das convulsões e revoltas sociais, que,por acaso, provocam encontros e trocas quepermitem a uma disciplina disseminar umasemente da qual nascerá uma nova disciplina.(MORIN, 2003, p. 108 - 109) 25

Assim como Bogdanov, outros cientistasutilizavam, em sua época, os termos “sis-tema” e “pensamento sistêmico”, mas foramas concepções de Bertalanffy de um sistemaaberto e de uma Teoria Geral dos Sistemasque desenvolveram o pensamento sistêmicomoderno como um movimento científico deprimeira grandeza. Com o forte apoio sub-sequente da cibernética, as concepções depensamento sistêmico e de teoria sistêmicatornaram-se partes integrais da linguagem ci-entífica estabelecida e levaram a numerosasmetodologias e aplicações novas como a en-genharia de sistemas e a análise de sistemas.

Estudando a teoria de Bertalanffy, Nor-bert Wiener a entendeu como uma “lógicada mente”, uma abordagem unificada dosproblemas de comunicação e controle, pro-pondo, então, um novo nome: Cibernética,do grego Kybernetes (timoneiro). Logo a Ci-bernética ganhou espaço próprio nos estudoscientíficos, pois os ciberneticistas não eramnem biólogos, nem ecologistas. Eram mate-máticos, neurocientistas, cientistas sociais eengenheiros. Concentravam-se em padrõesde comunicação, especialmente em laços fe-chados e em redes, o que derivou em teo-rias afins, todas relacionadas com o funcio-namento de sistemas, como a própria Teo-ria das Redes (aplicada atualmente por Pierre

25Cf. MORIN, 2003, p. 108 - 109.

Levy et al no estudo do hipertexto), a Teo-ria dos Gráficos, a Teoria dos Compartimen-tos, a Teoria do Caos (que comporta a noçãode entropia), a Teoria dos Jogos (desenvol-vida por Neumann para explicar o compor-tamento dos jogadores supostamente “racio-nais” para obter o máximo de ganhos como mínimo de perdas mediante adequadas es-tratégias contra o outro jogador), a Teoriados Autômatos com entrada (input) e saída(output) que pode ser aplicada no sistemade aprendizagem pelo modelo de tentativa eerro e que foi a base da Máquina de Turingcapaz de imprimir a combinação binária de“1” e “0” numa fita, ao infinito, conforme jávimos antes. Também surgiram, daí, a Teo-ria da Decisão (baseada na Teoria Matemá-tica que trata de escolhas entre alternativas),a Teoria da Fila (destinada à otimização dearranjos em condições de aglomeração) etc.

A partir da Teoria Geral dos Sistemas,os ciberneticistas desenvolveram os concei-tos de realimentação, auto-regulação e auto-organização. Como também já vimos, osestudos cibernéticos estavam ligados à pes-quisa militar norte-americana interessada naprecisão de canhões anti-aéreos. Além deNorbert Wiener e Claude Shannon, os mi-litares contavam com outros matemáticos eengenheiros renomados, como o já citadoJohn Von Neumann e Warren McCulloch.As pesquisas conduziram a estudos relaci-onados com os mecanismos neurais subja-centes aos fenômenos mentais e o desafioera expressá-los em linguagem matemáticaexplícita, criando uma consciência exata damente, essa parte do corpo humano ainda tãodesconhecida.

A abordagem sistêmica, sendo estrita-mente interdisciplinar, permite integrar asvárias especialidades que caracterizam a ci-

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ência moderna mediante a interligação dacomplexa rede de dados, técnicas e estru-turas teóricas de cada campo, aproximando-nos da meta da unidade da ciência, além deser um importante meio para alcançarmosuma teoria exata nos campos não físicos oumorfogenéticos (como veremos no estudo doJornalismo Literário Avançado).

A este propósito, o físico indiano AmitGoswami, professor de Física na Universi-dade do Oregon e de Física Nuclear Teó-rica na Universidade de Calcutá, propõeum novo paradigma científico que prevê umsalto “quântico” em relação ao cartesianismoque separa a realidade em mente (o âmbitoda religião) e matéria (o âmbito da ciência)propondo, assim, uma janela visionária paraa espiritualidade. Para Amit o paradigma se-paratista newtoniano – baseado em Descar-tes - saiu-se vitorioso no universo capitalistaporque foi bem sucedido na explicação docosmo sem Deus, sem consciência. Hoje,porém, a situação de mal-estar que caracte-riza o ser humano a partir de qualquer abor-dagem filosófica, só poderá ser vencida como intercâmbio entre a ciência e a espirituali-dade. 26

Não podemos compreender o processo decomunicação somente à luz do paradigmaseparatista. Matemáticos, engenheiros e ci-berneticistas explicam friamente o processotécnico da comunicação, mas trata-se de umaênfase quantitativa que nem sempre privile-gia os amplos espaços da intencionalidade,do contexto, das diversas influências que per-passam o processo comunicacional. É certoque do ponto de vista lógico uma redação dejornal é como uma caixa preta – conformea imagem proposta por Umberto Eco. Ela

26Cf. GOSWAMI, 2000, p. 12.

recebe todo tipo de dados e informações (in-put), durante o dia, e no outro dia toda aquelamontanha de dados sai (output) devidamenteorganizada e sistematizada para cumprir suafunção de informar. É um modelo matema-ticamente correto, técnicamente explicado.Entretanto, segundo a Teoria de Bertalanffy,esse sistema precisa ser alimentado, o que sefará através do planejamento da edição (queinclui as tarefas do pauteiro, a infra-estruturade apoio operacional) etc. O sistema tambémprecisa de retro-alimentação e isto virá coma resposta (feedbak) do receptor. Nem sem-pre essa resposta será linear como defendiauma antiga teoria conhecida como Teoria daAgulha Hipodérmica, que aplicava o modelomatemático de Shannon à comunicação demassa, imaginando que os meios agiam ins-tantaneamente sobre a mente do receptor di-rigindo sua conduta como se fosse um autô-mato.

Com o nível de informação dos dias atu-ais (basta lembrar que uma edição do NewYork Times contém mais informação do queaquela que as pessoas do séc. XVII conse-guiam ter em toda a sua vida) não seria tãofácil levar as pessoas a acreditarem na inva-são da terra pelos marcianos como fez OrsonWelles na Rádio Mercury Theater numatransmissão para o Dia das Bruxas de 1938,a partir da novela de H. G. Wells, Guerra dosMundos, ainda que não se possa subestimar opoder de persuasão da televisão, conforme osegmento de público atingido. Nem o talentode Spielberg conseguiu fazer da refilmagemde Guerra dos Mundos, exibido em julho de2005, um grande sucesso. O jovem de hoje– nascido e criado no computador e nos jo-gos interativos - não se interessa por enredosmenos complexos que Matrix, por exemplo.

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O que se observa, de fato, é que a maioriadas teorias tradicionais não dão conta de ex-plicar, satisfatoriamente, o processo comu-nicacional porque, fundamentalmente, nãoexiste uma comunicação direta entre emis-sor e receptor. O que existe é a intercomu-nicação de sistemas. Como descreveu Berta-lanffy, os sistemas são abertos e estão relaci-onados com inúmeros subsistemas, acima ouabaixo. Se conceituarmos a redação do jor-nal como um sistema de comunicação, vere-mos que trata-se de um sistema aberto a ou-tros sistemas que o alimentam com informa-ções (fontes), que asseguram sua sobrevivên-cia física (empresa), que corrigem seus des-vios (pesquisa, concorrência, mercado), queselecionam o que será publicado (repórteres,editores) etc. Podem ser vistos como sub-sistemas os demais vínculos de cada um des-ses sistemas com outros, como, por exem-plo, no caso da empresa, os fornecedoresde matéria-prima, os anunciantes, os bancosetc. Todavia, como já vimos que toda teoriaé parcial na medida em que não dá conta deexplicar totalmente a verdade dos fenômenos- e é isto que impulsiona o processo de co-nhecimento, através da pesquisa - tambéma Teoria Geral dos Sistemas é passível decrítica. Para Habermas (1987),27 por exem-plo, "a Teoria de Sistemas, ao concentrar-seexclusivamente sobre os mecanismos de re-gulação sistêmica, negligencia a questão da‘mudança no caráter da liberdade’, introdu-zido pela separação dos sistemas de ação domundo da vida e, sobretudo, a respeito dosimpulsos prático-morais de seus membros".

Certamente Habermas está se referindoaos variados graus de consciência individual,

27Cf. HABERMAS, Teoria de la Acción Comuni-cativa, Madrid: Taurus, 1987, p. 451.

isto que Nietzsche chamará de "vontade depotência", diante da realidade concreta. Comefeito, os graus de liberdade do indivíduo va-riam não apenas em decorrência da situaçãovivida, mas de sua formação ética, moral,cultural etc. Assim, não basta explicar, me-canicamente, o funcionamento dos sistemas.É necessário perceber a rica e incomensurá-vel variedade de sentidos que a ação do indi-víduo exerce no interior do processo.

Feito o recorte crítico, é adequado reco-nhecer que o sistema (de comunicação) sedesarticulará (Teoria do Caos,) se não con-seguir entrar em contato com outro sistemade igual grandeza, o sistema de recepção damensagem, formado pelos leitores do jornal(ou telespectadores da TV etc). Do mesmomodo que o sistema de uma redação está li-gado aos sistemas das demais redações for-mando o sistema comunicacional, também osistema do receptor está interligado com osistema das representações sociais.

Ao abordar a “estética da recepção”, o fi-lósofo Hans Robert Jauss (1994), já citado,refere-se a uma valorização do receptor, naliteratura moderna, a ponto dele determinaro contexto de produção do discurso. Para seretro-alimentar e corrigir permanentementesua rota – como um sistema que se auto-regenera e por isto sobrevive – o sistema decomunicação precisa valorizar a opinião doseu receptor, respeitá-la, acatá-la, levá-la asério. Na mesma medida, cumpre ao sis-tema receptor organizar-se, dentro da soci-edade civil, para cobrar qualidade e ética dosmeios de comunicação.

Concluiremos, assim, que a Teoria Geraldos Sistemas, confirmando de certa forma,A Teoria da Ação Política, está a nos mos-trar que o bom êxito da comunicação não seencontra, separadamente, na emissão ou na

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recepção, mas na contextualização do pro-cesso. Sendo assim, se considerarmos que osistema do receptor está interconectado como sistema social de recepção, teremos que asnotícias devem ser como a sociedade quer enão como os jornalistas ou as organizaçõesquerem. Essa idéia de circularidade da in-formação está presente já na formulação deLazarsfeld28 sobre a importância dos forma-dores de opinião. Para ele a comunicaçãonão é um processo meramente vertical oulinear. Ela comporta uma horizontalidade(sistêmica) segundo a qual os formadores deopinião são o primeiro degrau na instânciade recepção da mensagem.

Na família ou no trabalho sempre encon-tramos alguém “explicando” as notícias dodia. E porque é preciso explicá-las? Por-que a mídia, no seu elitismo, apresenta-se decostas para o sistema do receptor. Os vá-rios segmentos de público que integram osistema social recebem de modo diferenci-ado a mensagem comunicativa. Cada pes-soa entende de um modo. Isto explica por-que, nas pesquisas eleitorais e nas apura-ções sobre o índice de popularidade do Pre-sidente da República, por exemplo, são asclasses menos favorecidas e menos letradasque demoram mais para se manifestar, en-quanto as classes mais altas são as primei-ras a reagirem (output) positiva ou negativa-mente por entenderem melhor o que estãorecebendo (input) do sistema de comunica-ção. Naturalmente os estrategistas de marke-ting político servem-se desse “hiato de com-preensão” para ganharem eleições ou corri-girem rotas (alimentação da imagem midiá-tica), enquanto há tempo.

28Cf. MATTELART, 1999, p. 47 - 48.

7 Bibliografia citadaABRAMO, C. A Regra do Jogo. São Paulo:

Companhia das Letras, 1988.

BARCO, L. Escola, um bem ou um mal?Trabalho de livre-docência apresentadoà ECA-USP, São Paulo, em 1989.

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HALIME, S. Os Novos Cães de Guarda.Trad. de Guilherme Teixeira. SãoPaulo: Vozes, 1998.

LITTLEJOHN, S.W. Fundamentos Teóricosda Comunicação Humana. Trad. deÁlvaro Cabral. Rio de Janeiro: Zahar,1982.

MATTELART, A. e M. História das Teoriasda Comunicação. Trad. de Luis PauloRouanet. São Paulo: Loyola, 1999.

MORIN, E. A Cabeça Bem Feita. 8.ed. Trad.de Eloá Jacobina. São Paulo: BertrandBrasil, 2003.

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OLIVEIRA, I. C. A de. Teorias da Comu-nicação. Para de Minas: Virtual BooksOnline M&M Editores, 2003. Disponí-vel em www.virtualbooks.com.br

TRAQUINA, N. Teorias do Jornalismo. v.1. Florianópolis: Insular, 2004.

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