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115 Sitientibus, Feira de Santana, n. 41, p.115-137, jul./dez. 2009 UM NOVO ENIGMA BAIANO? SALVADOR DE TODOS OS POBRES Juarez Duarte Bomfim* RESUMO — No passado recente, o “enigma baiano” consistia em se tentar decifrar o porquê da não industrialização e desenvolvimento eco- nômico da Bahia. Entretanto, a industrialização tardia da área metro- politana de Salvador fez desta cidade a quarta região metropolitana mais rica do Brasil e, ao mesmo tempo, a campeã de desemprego entre as regiões metropolitanas brasileiras. Isso quer dizer que apesar de toda a riqueza gerada Salvador continua a multiplicar os seus pobres. Pergun- ta-se: estamos diante de um novo “enigma baiano”? Dentro desse quadro de pobreza urbana, as classes sociais mais pobres inventam inúmeros e engenhosos recursos como estratégias de sobrevivência na era do fim dos empregos e do adeus ao trabalho. PALAVRAS-CHAVE: Pobreza urbana. Estratégias de sobrevivência. Fim dos empregos. INTRODUÇÃO Ao longo da primeira metade do século XX, a antiga pro- víncia da Bahia (agora estado) vai perdendo a sua importância política e econômica para outras unidades constitutivas da nação brasileira, como os estados do sudeste, onde se desen- cadeia o processo de Industrialização para Substituição de Importações. *Prof. Assistente (DCHF/UEFS). Doutor em Geografia pela Universidade de Salamanca. E-mail: [email protected] Universidade Estadual de Feira de Santana – Dep. de Ciências Humanas e Filosofia. Tel./Fax (75) 3224-8097 - Av. Transnordestina, S/N - Novo Horizonte - Feira de Santana/BA – CEP 44036-900. E-mail: [email protected]

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Sitientibus, Feira de Santana, n. 41, p.115-137, jul./dez. 2009

UM NOVO ENIGMA BAIANO? SALVADOR DE TODOSOS POBRES

Juarez Duarte Bomfim*

RESUMO — No passado recente, o “enigma baiano” consistia em setentar decifrar o porquê da não industrialização e desenvolvimento eco-nômico da Bahia. Entretanto, a industrialização tardia da área metro-politana de Salvador fez desta cidade a quarta região metropolitanamais rica do Brasil e, ao mesmo tempo, a campeã de desemprego entre asregiões metropolitanas brasileiras. Isso quer dizer que apesar de toda ariqueza gerada Salvador continua a multiplicar os seus pobres. Pergun-ta-se: estamos diante de um novo “enigma baiano”? Dentro desse quadrode pobreza urbana, as classes sociais mais pobres inventam inúmeros eengenhosos recursos como estratégias de sobrevivência na era do fim dosempregos e do adeus ao trabalho.

PALAVRAS-CHAVE: Pobreza urbana. Estratégias de sobrevivência. Fimdos empregos.

INTRODUÇÃO

Ao longo da primeira metade do século XX, a antiga pro-víncia da Bahia (agora estado) vai perdendo a sua importânciapolítica e econômica para outras unidades constitutivas danação brasileira, como os estados do sudeste, onde se desen-cadeia o processo de Industrialização para Substituição deImportações.

*Prof. Assistente (DCHF/UEFS). Doutor em Geografia pelaUniversidade de Salamanca. E-mail: [email protected]

Universidade Estadual de Feira de Santana – Dep. deCiências Humanas e Filosofia. Tel./Fax (75) 3224-8097 - Av. Transnordestina,S/N - Novo Horizonte - Feira de Santana/BA – CEP 44036-900.E-mail: [email protected]

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Salvador e o Recôncavo baiano, que tinham sido os prin-cipais pólos da indústria têxtil brasileira na segunda metade doséculo XIX, ficam de fora do impulso industrialista provocadopela I Guerra Mundial. Ocorre, então, o fenômeno local deinvolução industrial ou desindustrialização.

Na vida pública, o rural predomina sobre o urbano, e oestado da Bahia, sendo estruturalmente de economia agrário-mercantil, alija-se do processo desenvolvimentista e modernizadordesencadeado no Brasil pelo governo de Getúlio Vargas. Aimagem que corresponde a este período é de uma sociedadeparalisada ou semi-paralisada, uma Bahia “inerte, imóvel, len-tamente adormecida e prisioneira de um passado que nãoparecia ir embora”.1

A oligarquia política que domina o estado era poderosa erelativamente rica no local de seu domínio; porém, esta oligar-quia era pobre no contexto de produção de mercado – comraras exceções em regiões prósperas, como a do cacau.

A partir da década de 1930, o Estado brasileiro passou adar prioridade a atividades que “estavam fora do universoeconômico da burguesia baiana”,2 e essa nova conjunturadebilitou as burguesias mercantil, financeira e agrária da Bahia.

Não possuindo um parque industrial e impossibilitada decomprar diretamente no exterior os bens dos quais necessita-va, a Bahia “se encerrava compulsoriamente no circuito docomércio interestadual, que providenciava a transferência derenda para o Centro-Sul”.3 Acrescente-se a isso o desequilíbrioprovocado pela diferença entre a arrecadação federal e osseus gastos e investimentos na Bahia, o que torna possível“decifrar” as razões da decadência econômica regional, pois opapel das regiões periféricas brasileiras vinha sendo o definanciar o sudeste brasileiro.

Completando o cenário, a cidade do Salvador, que já haviavisto a redução da sua importância como ex-capital do BrasilColônia a partir de 1763, agora assistia à cidade do Recifeassumir o centro das atividades econômicas regionais.

Um indicador importante para compreender a estagnaçãoeconômica baiana da época é o baixíssimo crescimento demográficode Salvador entre 1920-1940, apenas de 0,2% (Tabela 1). Isso

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a coloca como a capital brasileira que apresenta as menorestaxas anuais de crescimento populacional no período citado.

Os produtos que eram sustentáculos da economia agro-exportadora baiana entram em crise, e o próprio capital finan-ceiro baiano passa a ser investido em atividades mais rentá-veis, no então considerado eixo dinâmico da economia brasi-leira: São Paulo.

O “enigma baiano” é a expressão cunhada pelo governa-dor Otavio Mangabeira frente ao “mistério” da contradiçãoeconômica e social manifestada entre - de um lado - a situaçãode existência de grandes riquezas naturais no estado e - dooutro - a pobreza material dos homens; o problema do quadrode miséria e de penúria do seu povo.

Intrigava-me, desde muito, o que chamei o enigmabaiano: porque razão a Bahia, cujas qualidades e

Ano Salvador Taxa anual de crescimento em

década 1620 21.000 - 1872 129.109 - 1890 174.412 1,6% (1872-1890) 1900 205.813 1,7% 1920 283.422 1,6 % 1940 290.443 0,16 % 1950 417.235 3,7 % 1960 655.735 4,8 % 1970 1.007.195 4,7 % 1980 1.501.981 4,1 % 1990 2.072.058 2,9 % 2000 2.443.107 1,8 %

Fonte: HEROLD, Marc W. Disponível em:<http://www.espacoacademico.com.br/042/42cherold.htm>.CONDER. Painel de Informações da Região Metropolitana de Sal-vador, 1992; PMS/SEPLAM/FMLF/GERIN-SISE, 2003.

Tabela 1 - Salvador: Taxa anual de crescimento em década

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riquezas eram, em geral, tão celebradas, se man-tinha, todavia, em condições de progresso indiscu-tivelmente inferior ao que resultaria, em boa lógica,de semelhante conceito, assim tivesse ele a proce-dência que se lhe atribuía? 4

O professor Marcos Alban resume esse fenômeno a que,em “síntese, o ‘enigma baiano’ consistia na não industrializa-ção da Bahia, ou melhor, no porquê dessa não industrializa-ção”.5

Essa situação de letargia começa a mudar com a desco-berta de petróleo (1939) na bacia do Recôncavo baiano, ainstalação da refinaria e a criação da empresa estatal PETROBRÁS(1953) e, ainda, com a expansão do movimento industrialbrasileiro para o nordeste.

O impacto dos investimentos industriais com a criação doCentro Industrial de Aratu (CIA, em 1967), do Pólo Petroquímicode Camaçari (COPEC, a partir de 1972), e mais recentementeo Complexo Ford (2001), as novas formas de atividades comer-ciais e de serviço que o acompanharam, os programas deconstrução de rodovias e a modernização da administraçãoestadual geraram as condições do rápido desenvolvimentourbano de Salvador e o surgimento de novos vetores de cres-cimento.

Essas transformações fizeram de Salvador a quarta regiãometropolitana mais rica do Brasil e, ao mesmo tempo, a campeãde desemprego entre todas as regiões metropolitanas pesquisadasregularmente pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia eEstatística).6 Apesar de toda a riqueza gerada, Salvador con-tinua a multiplicar os seus pobres. Estamos diante de um novo“enigma baiano”?

A INDUSTRIALIZAÇÃO TARDIA E METROPOLIZAÇÃODE SALVADOR

Principal pólo da indústria têxtil brasileira na segundametade do século XIX, Salvador fica de fora do impulso industrialistabrasileiro após a I Guerra Mundial e sofre o fenômeno de

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involução industrial ou desindustrialização entre os anos 1920-1940.

Por volta de 1940, na área que hoje compreende a RegiãoMetropolitana de Salvador (RMS), quase uma em cada quatropessoas da população economicamente ativa se encontravaempregada em atividades primárias, proporção que declinoupara uma em cada vinte, em 1970.

A situação econômica desfavorável começa a mudar coma expansão do movimento industrial brasileiro para o nordeste.A descoberta de petróleo no Recôncavo baiano, a criação darefinaria (RLAM) e da empresa estatal PETROBRÁS represen-tarão um impulso desenvolvimentista significativo para o esta-do da Bahia.

O surgimento da PETROBRÁS coloca a Bahia num póloprivilegiado da produção nacional de energia, e faz emergir umproletariado numeroso e relativamente bem pago residente nacapital. Os escritórios regionais da PETROBRÁS e das firmasprestadoras de serviços fixaram-se em Salvador, bem comomuitos dos seus empregados, inclusive os da área de produçãoe refino, devido à falta de condições apropriadas nos pequenoscentros urbanos do Recôncavo.

No plano regional, a criação da SUDENE (Superintendên-cia de Desenvolvimento do Nordeste), em 1959, e a políticafederal de incentivos fiscais para investimentos no nordeste(através do Banco do Nordeste do Brasil, BNB) completarão oquadro de expansão capitalista que se inicia.7 Esse é umperíodo desenvolvimentista no Brasil.

A população de Salvador passou para 442.142 habitantesem 1950, que sentiu os primeiros impactos do fluxo migratórioque se intensifica. Em 1960, serão 649.453 habitantes.

A urbanização acelerada da capital da Bahia está direta-mente relacionada com a mudança da base econômica regionalagrário-exportadora para a acumulação de base industrial. Aindustrialização tardia de Salvador e municípios de entorno(Região Metropolitana de Salvador) contribuirão sobremaneirapara atrair um forte movimento migratório campo-cidade, ge-rando concentração espacial de habitantes em Salvador.

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Um conjunto de fatores contribuiu para esse célere cres-cimento de Salvador, mudando a paisagem e aumentando a suacomplexidade e heterogeneidade. O Pólo Petroquímico de Camaçarie o Centro Industrial de Aratu (CIA) criaram um setor operárioquantitativamente e qualitativamente expressivo em Salvador,como um fato novo na sua história urbana, após um longoperíodo de declínio.

Posto que Salvador era um local de moradia e de consumoda quase totalidade da mão-de-obra empregada no CIA e noPólo Petroquímico, esse forte fator econômico vai caracterizartoda a estrutura de empregos e a realidade sócio-econômicada capital.

Porém, a expansão do setor industrial na RMS não con-segue absorver o amplo contingente de desempregados emarginalizados sociais que caracteriza a paisagem da Salvadorcontemporânea. O sociólogo Francisco de Oliveira aponta trêsfatores para a existência desse “exército de reserva de mão-de-obra”:8

1. a Rodovia Rio-Bahia, apressando o colapso da indústriaremanescente e deixando de lado os contingentes populacionaise de força de trabalho desempregados, dando surgimento a umestado de pobreza crônica, isto é, um exército de reserva“prévio” à onda de industrialização que se acelera nos anos1960;

2. a implantação da PETROBRAS, que se constituiu em umenclave, não modificando sensivelmente a estrutura produtivalocal, mas influindo poderosamente na concentração de rendae na criação e distribuição de alguns serviços que vão apro-veitar parcela do contingente desempregado;

3. a política de industrialização patrocinada pela SUDENE,baseada nos incentivos fiscais, que transferiu recursos e atraiuinvestimentos oligopolistas para o Nordeste, em espaços ondepreviamente já havia uma “espantosa” concentração de rendae da riqueza, e que, consequentemente, não alterou o quadrooriginal, pois a expansão capitalista no setor industrial temcaracterísticas de produção de bens intermediários (petróleoe seus derivados) e, secundariamente, de bens de consumodurável e de capital, com utilização intensiva de capital e altosgraus de concentração e centralização.9

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Ainda, segundo Oliveira, a implantação da estrutura indus-trial na Região Metropolitana de Salvador não “exigiu” a “su-peração” das formas mais atrasadas de produção, seja naagricultura – que gera a emigração – seja no próprio terciáriourbano: dissolve-as, mas não incorpora o exército de reservaque se forma, pois esse complexo industrial funciona como umenclave, não interagindo com a estrutura produtiva prévia, edá lugar a um intensíssimo processo de concentração de ren-da, o qual por sua vez cria uma demanda por serviços que vaiser, em parte, “satisfeita pela utilização intermitente de fraçõesdo exército industrial”:10 biscateiros, empregadas domésticase trabalhadores autônomos.

O surgimento de um parque industrial na Região Metropo-litana de Salvador criou novos empregos apesar da tecnologiaavançada usada nas indústrias emergentes. Isso indica que osubemprego, a pobreza e a “marginalidade” existente em Sal-vador não podem ser explicados apenas como decorrência daincapacidade da industrialização de recriar os pontos de tra-balho que ele supostamente destrói ao penetrar numa econo-mia urbana tradicional.

Entre 1940 e 1970, portanto, acelerou-se consideravel-mente a urbanização da economia da (atual) Região Metropo-litana de Salvador. Já em 1970, a população economicamenteativa empregada nos setores não-primários encontrava-se concentradanas atividades de serviços: quase 80% da população urbanaeconomicamente ativa estava empregada no setor terciário. Arecuperação parcial das funções industriais afetou a estruturaocupacional da região, aumentando a contribuição relativa doemprego no setor secundário para o emprego total, a despeitoda tecnologia avançada usada nas indústrias emergentes.11

Essa expansão do emprego no setor industrial deu-se aomesmo tempo em que persistiam as funções de Salvador comopólo comercial e de serviços para a região Nordeste brasileira.Essa expansão acoplou-se ao crescimento das atividades liga-das ao turismo na área. Ao mesmo tempo persiste, na RMS, eparticularmente no município de Salvador, um setor terciárioamplo e baseado no uso intensivo de mão-de-obra, dada aconstelação local de fatores, porquanto um conjunto conside-rável de atividades se desenvolvem no âmbito doméstico.

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O perfil de Salvador como centro de produção terciáriareafirmou-se na década de 1990. Segundo Pesquisa de Empre-go e Desemprego (PED), Salvador possuía em torno de 86%de sua população ocupada alocada no setor terciário, emjaneiro de 1998. Destes, 60% dos ocupados eram trabalhado-res assalariados, enquanto 25% eram trabalhadores autôno-mos, 5%, empregadores, e 11%, domésticos.12

Conforme Vilmar Faria, a organização das atividades pro-dutivas em Salvador pode ser caracterizada pela heterogeneidadeestrutural dessas atividades, “que não quer dizer dualismosestanques, nem ponto de transição entre um passado tradici-onal conhecido a um futuro moderno dado por antecipação”.13

Ao contrário, a heterogeneidade estrutural, que é resultado deum processo particular de desenvolvimento, é decorrente dospadrões possíveis de integração de uma área urbana na divi-são do trabalho existente. Heterogeneidade estrutural que nãose esgota no plano da organização das atividades econômicas,mas que envolve e é envolvida pela heterogeneidade de outrosplanos, do espacial ao cultural.

Na atualidade (2005), Salvador detém os seguintes indi-cadores: quarta região metropolitana mais rica do Brasil ecampeã de desemprego entre todas as regiões metropolitanaspesquisadas regularmente pelo IBGE. Salvador continua amultiplicar os seus pobres enquanto os cientistas sociais ten-tam “decifrar” esse fenômeno sócio-urbano. Relembrando apergunta inicial: estamos diante de um novo “enigma baiano”?

A seguir, para tentar compreender esse possível novo“enigma baiano”, recorreremos – entre outras fontes - a um jáantigo e, ao mesmo tempo, atualíssimo, livro lançado por cien-tistas sociais brasileiros no distante ano de 1980, “Bahia detodos os pobres”, como uma forma de homenagem e reconhe-cimento ao importante e pioneiro trabalho desenvolvido poresses ilustres acadêmicos.

SALVADOR DE TODOS OS POBRES

Como já foi dito, o Centro Industrial de Aratu e o PóloPetroquímico criaram uma numerosa classe operária em Sal-

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vador, sendo este um fato novo na sua história urbana, apósum longo ciclo de descenso.

Apesar disso, ocorre algo semelhante à chamada “urba-nização sem industrialização”, cujos efeitos são as altas taxasde crescimento populacional com um provável destino “margi-nal” para os contingentes da população não absorvíveis pelomercado de trabalho.

Os condicionantes dessa realidade são muitos: o primeirodeles é que a criação de um complexo industrial de tecnologiaavançada ocorre fora dos limites do município de Salvador, nasua Região Metropolitana, e assim como a capital da Bahiatorna-se “cidade dormitório” e local de realização do consumodo contingente operário empregado, também é abrigo de umimenso contingente populacional formado por migrantes quesão atraídos a Salvador, mas não conseguem se inserir nomercado formal de trabalho.

Não conseguem se inserir no mercado de trabalho porquea tecnologia de vanguarda empregada na industrialização baianarecente é poupadora de mão-de-obra, com empresas altamen-te informatizadas, automatizadas e robotizadas.14 Isso leva aque mesmo ampliando a planta industrial e aumentando aprodutividade, haja redução do número de trabalhadores empregados,como ocorreu em décadas recentes na Região Metropolitanade Salvador.15

Disso decorre que o desemprego em Salvador, como emtodo o restante do mundo na era da globalização, possa sercaracterizado como desemprego estrutural, resultado da inelasticidadeda oferta de emprego. Novas relações de trabalho emergem,e a heterogeneidade estrutural da organização do trabalho emSalvador faz da cidade um locus privilegiado dessas (nem tão)novas relações sociais: subemprego, trabalho autônomo, em-prego temporário, desemprego, terceirização16 e assim pordiante.

Surpreende ao visitante da cidade de Salvador a criatividade,a flexibilidade e a adaptação da população pobre à realidadede exclusão social e marginalidade que a atingem, e, comoforma de driblar essas adversidades, os mais pobres criaramaquilo que os sociólogos chamam de “estratégias de sobrevi-vência”.

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ESTRATÉGIAS DE SOBREVIVÊNCIA DAS CLASSESPOPULARES

Podemos considerar, por exemplo, que não há fronteirasentre as frações na ativa e na reserva de força de trabalho.A combinação de formas diversas de rendimentos, formasdiversas de consumo, formas diversas de cooperação se arti-culam e conformam, a rigor, uma estratégia de sobrevivênciados mais pobres, pois na heterogeneidade do bairro pobre ouno Centro Histórico de Salvador se mescla a homogeneidadeda força de trabalho: são operários, biscateiros, trabalhadorespor conta própria, donas-de-casa e empregadas domésticas,empregados e desempregados.

A vida no domicilio de baixa renda se articula de uma formaque o trabalho de cada um dos seus componentes facilite o dosoutros. É comum que as crianças trabalhem em conjunto coma mãe, “que fica em casa cuidando dos meninos menores,enquanto os mais crescidos, com mais de oito anos, vão vendernas praias ou na rua os alimentos preparados em casa”.17

Entre as formas diversas de cooperação destaca-se aque-la que o economista Paul Singer classifica de “Produção Do-méstica”, que é o “conjunto de serviços que os membros dodomicílio se prestam mutuamente”,18 especialmente a atividadede dona-de-casa, que cozinha, limpa objetos, repara, lava epassa roupa, faz compras, cuida de crianças pequenas; tam-bém a autoconstrução de moradia, sua expansão e reparo,tarefa dos membros masculinos dos domicílios de baixa rendanas cidades brasileiras.

O salário percebido pelos membros do domicílio que estãoempregados constitui o substrato material da Produção Domés-tica, sendo este um modo complementar da produção do ca-pital, cujo circuito passa pela produção de valores de uso noâmbito doméstico, barateando assim o custo da força de tra-balho e reduzindo a pressão por salários mais elevados sobreos capitalistas; como também passa a ser menor a demandasobre o Estado por serviços públicos tais como creches, res-taurantes populares, apoio à terceira idade etc.

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Complementando o trabalho que se articula ao nível dodomicilio, vigora entre os mais pobres um sistema de solida-riedade entre vizinhos para a realização de serviços não pagossob forma monetária, mas que envolve certo compromisso deretribuição. “Solicita-se a ajuda de vizinhos para construir oumelhorar uma casa. Uma vizinha lava a roupa de outra que saipara trabalhar”,19 cuida das crianças e realiza pequenos ser-viços gratuitos para a vizinhança etc.

Estes serviços prestados entre vizinhos, embora não con-tribuam diretamente para a composição do orçamento domés-tico, articulam-se ao trabalho familiar representando gastosque se deixam de fazer e que certamente não poderiam serfeitos caso não se contasse com a solidariedade.

A economia urbana, exemplificada em Salvador, é capita-lista, segundo a classificação usada por Paul Singer, sendo osoutros modos de produção complementares ao capitalismo o de“Produção Estatal”, “Produção Simples de Mercadoria” e de“Produção Doméstica” (este último já descrito acima).

A produção simples de mercadoria é realizada por produ-tores autônomos, possuidores dos seus meios de produção e,portanto, do seu produto, que assume a forma de mercadoria.20

A participação dessas atividades organizadas em moldes não-capitalistas na estrutura produtiva e ocupacional de Salvadoré considerada bastante significativa, para Carvalho & Souza.21

Entretanto, há um conjunto de atividades que tiveramimportância em épocas anteriores, e que tiveram um certo pesoem Salvador, e quase chegaram a ser destruídas pela expan-são da produção em moldes mais modernos e capitalistas,porém, sobrevivem marginalmente, principalmente em bairrospopulares. Entre essas atividades encontram-se ocupaçõescomo as exercidas por conta própria por engraxates, pescado-res, carroceiros, carregadores, bordadeiras e serzideiras, al-faiates ou vendedores de produtos alimentares a domicílio(verdureiros, peixeiros e similares). Representam um núcleoresidual, composto predominantemente por trabalhadores demais idade que, exercendo tais ocupações por mais tempo, nãoencontram condições ou motivações para retirarem-se dasmesmas.

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Por outro lado, um outro grupo de atividades vem manten-do uma elevada incorporação de trabalhadores, destacando-se o serviço doméstico assalariado, o artesanato tradicional,o pequeno comércio ambulante ou estabelecido, a prestaçãode certos serviços pessoais e uma parte das ocupações vin-culadas à construção civil e exercidas por trabalhadores au-tônomos.22

O serviço doméstico em Salvador é destaque entre asocupações urbanas não-qualificadas ou semi-qualificadas. Eleabrange as numerosas empregadas domésticas, lavadeiras efaxineiras, que trabalham muitas vezes em tempo parcial e queauferem rendas extremamente baixas, embora no caso dasassalariadas possa haver ganhos não-monetários (casa e comida)de certa significação. O emprego doméstico absorvia, no anode 1971, em Salvador, 8,6% da população ocupada e remune-rada, saltando para 11% em 1998, sendo o seu peso bem maisforte entre os estratos mais baixos da força de trabalho urbanae entre a parcela feminina dos mesmos.23

O mercado para esse tipo de ocupação é bastante favo-rável. A ampliação de camadas altas e médias com elevadonível de consumo leva esses “novos ricos” a contratarem pes-soal assalariado para a execução de serviços pessoais (limpe-za de roupas e da habitação, alimentação e cuidados comcrianças) no âmbito doméstico, o que assegura a essas cama-das um maior conforto e um menor custo do que o consumodesses mesmos serviços se prestados por empresas especializadas(lavanderias, creches, restaurantes).24

O setor de construção civil teve um boom na RegiãoMetropolitana de Salvador quando da construção e montagemdas modernas empresas do Pólo Petroquímico de Camaçari. Amigração de um grande contingente de trabalhadores de áreasdo interior da Bahia e de outros estados para a proximidadedos canteiros de obras preservou uma oferta bastante elásticade trabalhadores, mantendo baixo o custo da mão-de-obra. Orápido crescimento da capital, hoje metrópole, conserva essesetor como um dos mais dinâmicos e que mais emprega naeconomia soteropolitana, com o seu fluxo ou refluxo estandorelacionado à macro-economia nacional.

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O artesanato tradicional é exercido por costureiras, bordadeiras,doceiras, vendedores de comidas e, em menor escala, sapa-teiros, fabricantes de vassouras, desinfetante caseiro, de pro-dutos alimentares, vestuário e de outros pequenos objetos.São atividades predominantemente femininas e executadas,em muitos casos, na própria residência, por trabalhadores quededicam apenas uma fração do seu tempo à produção para omercado. Esses produtores artesanais competem com produ-tos industrializados, e são obrigados a depreciar os seuspreços para conquistar mercado, o que reduz ao mínimo a suareceita. A exceção a este quadro é a produção voltada para ummercado de mais alta renda, como a produção de objetoscerâmicos e artigos regionais de certa tradição, produzidospara atender aos turistas.

Como estratégia de sobrevivência desenvolve-se o micro-comércio local de “vendinhas” e quitandas, exercido por ven-dedores ambulantes, feirantes, barraqueiros e proprietários depequenos estabelecimentos que distribuem frutas, legumes,bebidas, cigarros e outros bens de consumo mais imediato,muitas vezes nas próprias residências Na realização dessepequeno comércio, os clientes são os próprios vizinhos, dosquais o “comerciante” também compra os produtos de quenecessita; é caracterizado pelo extremo fracionamento da vendados produtos a varejo, proximidade das residências e venda acrédito (fiado).

Analisando estratégias de sobrevivência em um bairropobre de Salvador, Ângela Ramalho Vianna25 traça uma tipologiadessas “estratégias” domiciliares, da qual faremos um breveresumo.

Geralmente, as “vendinhas” e quitandas são instaladas nopróprio domicílio do “vendeiro”, e prosperam graças ao traba-lho familiar. O trabalho pode ser dividido de tal forma que o“homem se encarregue das compras por atacado e a mulher eas crianças das vendas ao público, pois não é raro o homemter uma outra atividade”.26

Para montar uma venda desse tipo basta colocaruma bancada na janela de um dos cômodos dacasa e possuir quantidade de dinheiro suficiente

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para comprar, de uma só vez, os artigos paravender. Aliás não há qualquer especialização quantoaos artigos: variam do botão à bebida, do remédioà refeição. A instalação não requer nenhum tipo deregistro ou pagamento de taxas, embora a vendade algumas mercadorias, como as que exigembalança para a revenda, esteja sujeita à fiscaliza-ção. Mas, no interior das favelas, a fiscalização éfrouxa e há meios de burlá-la: propina, esconder asmercadorias quando se anuncia o fiscal, ou estabe-lecer um acordo com os “pracistas” que represen-tam certas firmas (...) e têm CGC, emitindo, no atoda venda, uma nota fiscal que fica com o “vendeiro”como se este tivesse a licença para a revenda.Artigos deste tipo são adquiridos pelo vendeiro naporta de sua venda, onde o caminhão da firma vementregar a mercadoria semanalmente.27

Outros exemplos dessas estratégias de sobrevivência sãoa troca remunerada de serviços prestados a clientes que sãovizinhos de bairro (serviços de ajudante de pedreiro, cabelei-reiro, manicure, pedicure...), e os “salões de beleza” se pro-liferam numa rapidez maior do que as “vendinhas”, rivalizandocom os botecos. Quanto mais se intensifica a divisão do tra-balho social mais se diversifica a oferta de serviços nos bairrospopulares, e neles já se encontram vídeo-locadoras, lan housesetc.

Entre os mais pobres, moradores de favelas ou em cortiçosno Centro Histórico de Salvador (em terrenos ou casarõesarruinados invadidos), não existe a ideologia da casa própria;o sonho da realização da meta de conseguir a casa própria éaspiração das classes médias. Segundo Vianna:

O que se pode verificar é que, de um modo geral,a perspectiva de se tornar um ‘invasor’, com toda ainsegurança que há nessa condição, antes deestar ligada a uma vontade de ‘morar no que épróprio’, deve-se ao preço relativamente caro dosalugueis das casas e quartos na favela.28

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Existe um segmento de produtores simples de mercadoriascom uma situação diversa e privilegiada em relação aos demaiscomponentes da produção organizada em moldes “não-capita-listas” (terminologia empregada por Carvalho & Souza). É umsegmento composto por trabalhadores que prestam serviçospessoais especializados: encanadores, pintores, eletricistas,marceneiros; proprietários de oficinas mecânicas e elétricasautomotivas; trabalhadores altamente especializados na insta-lação ou reparo de certas máquinas, notadamente na área deinformática. Muitos desses trabalhadores autônomos exerce-ram suas ocupações em grandes empresas do setor capitalistamoderno, abandonando-as, posteriormente, para trabalhar porconta própria, quando se consideraram suficientemente capa-citados para auferir maiores vantagens na condição de autô-nomos.29

O trabalhador urbano por conta própria caracteriza-se porexercer uma grande diversidade de ocupação, porém se con-centram, principalmente, em comércio de mercadorias, em prestaçãode serviços, serviços de reparação de bens de consumo e dehabitação, na produção de mercadorias e na construção civil.

Os trabalhadores por conta própria podem ser classifica-dos, segundo José Reginaldo Prandi,30 por autônomos porconta própria regulares e irregulares.

Os trabalhadores por conta própria regulares assim sãodefinidos por sua situação de estabilidade ocupacional, en-quanto que os irregulares alternam sua situação de autônomoscom o assalariamento e o desemprego. Tanto um como o outro“dependem basicamente do dispêndio de sua própria força detrabalho, embora, em muitos casos, façam uso da força detrabalho de membros da família”,31 com os quais não constituemnenhuma relação suficiente para caracterizá-los como empre-gadores.

O trabalhador autônomo regular dispõe quase sempre deum capital mínimo, representado pelo pequeno estabelecimen-to comercial, a oficina de consertos, o veículo de transporte decargas ou passageiros etc, aos quais se acrescenta habilida-des para o trabalho, como no caso de profissionais liberais outécnicos especializados.

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Por sua vez, os trabalhadores irregulares quase nuncadispõem de instrumentos de trabalho de custo mais elevado edependem quase que exclusivamente de sua força física e dadisposição para realizar pequenas e diversificadas tarefas debaixa ou nula qualificação ocupacional. São os “biscateiros”,que, frequentemente, se sujeitam a trabalhar naquilo “queaparece”.32 O grupo dos “biscateiros” é composto também poraqueles trabalhadores assalariados que complementam a suarenda desempenhando trabalhos por conta própria irregulares.

DESEMPREGO CONJUNTURAL E ESTRUTURAL

Como explicar a taxa de desemprego na Região Metropo-litana de Salvador? A explicação técnica é simples e temorigens estruturais e conjunturais. A causa conjuntural é óbviae está relacionada à cíclica retração econômica ou, mais re-centemente, às baixas taxas de crescimento que alcançaramtodo o país.33

Para compreender as causas estruturais, é preciso con-siderar que o desemprego industrial na RMS aumenta precisa-mente porque as empresas da Bahia, frente à necessidade demanter a competitividade, reduzem os postos de trabalho. Odeclínio constante do nível de emprego na indústria de trans-formação, ou a baixa oferta de vagas em períodos de expansãoindustrial, permite supor que a principal causa do desempregonesse setor são as reestruturações competitivas. A automatizaçãoe a robotização reduzem a necessidade de operários industri-ais e aumentam a de técnicos e gestores. Isso afeta a estruturade emprego e diminui o número de empregos industriais.34 Ocurto espaço de parágrafos e páginas desse artigo é exíguopara discorrer mais sobre o fenômeno.

Devido a tudo isso, há uma crescente pressão sobre omercado de trabalho, em função do aumento de pessoas pro-curando ocupação, associada a uma inelasticidade desse mesmomercado, que não consegue absorver esse contingente.

A situação de pobreza leva crianças e adolescentes aoingresso prematuro e precário na atividade econômica. Porém,o baixo crescimento econômico e o quadro de escassez de

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empregos, em meio ao elevado excedente de mão-de-obra,tornam os jovens em idade legal de trabalhar um dos segmen-tos mais frágeis na disputa por um posto de trabalho em ummercado cada vez mais seletivo. No ano de 2002, eram 44,7%os jovens dispostos a inserir-se no mercado de trabalho regi-onal - portanto, quase metade da população jovem da RMSencontrava-se desempregada.35

O elevado estoque de desempregados na RMS tende atornar crônica essa situação para parcela significativa da PopulaçãoEconomicamente Ativa (PEA). Os dados da distribuição dosdesempregados, segundo faixas de tempo de procura de tra-balho, mostram que há um percentual considerável daquelesque apresentam tempo de procura de trabalho superior a seismeses (de 37,5%).

Estes números afetam, certamente, o perfil da ocupaçãoinformal na Região Metropolitana de Salvador. A maior dificul-dade de inserção dos homens e chefes de família determina umdeslocamento de parte desta população para atividades atéentão consideradas marginais e reservadas aos mais jovens,no seu primeiro contato com o mercado de trabalho, ou aosmais idosos, ou às mulheres, ou aos indivíduos com baixo nívelde qualificação e que não se encontram na posição de chefesde família.

O novo perfil de informalidade da estrutura de emprego naRegião Metropolitana de Salvador é resultado da rigidez dasituação de desemprego, configurado no desemprego de longaduração, e da intensa redução do nível de assalariamentoformal. No entanto, apesar da informalidade representar impor-tante setor na estratégia de ocupação local, não é capaz deabsorver toda mão-de-obra disponível, o que resulta no cres-cimento do desemprego de longo prazo, com destaque para oincremento do desemprego oculto pelo trabalho precário.

CONCLUSÃO

Na era da globalização, os cientistas sociais desenvolvemnovos conceitos para compreensão do fenômeno da marginalidade

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urbana como os de “exclusão social” e de “precarização dotrabalho”. Como dito anteriormente, a Região Metropolitana deSalvador encerrou a década de 1980 com, relativamente, menosempregados com carteira assinada do que em 1981.Consequentemente, aumentou o fosso entre os mais ricos e osmais pobres, concentrando a renda e aumentando a desigual-dade social.

Contudo, a cidade do Salvador continua a crescer. Cres-cimento e exclusão social mostram-se como as duas faces deuma mesma moeda. A crise do emprego agravou-se: em 1998a taxa de desemprego total era de 21,3%, sendo o desempregoaberto de 11,7% e o oculto de 9,6%.36 Em dezembro de 2005,a Região Metropolitana de Salvador continuava a registrar amais alta taxa de desocupação entre as seis principais RMsbrasileiras: 14,6% da sua População Economicamente Ativa(PEA).37

Dentro desse quadro, compreendem-se os inúmeros eengenhosos recursos, dia a dia inventados pelos mais pobrescomo suas estratégias de sobrevivência: a inevitável explora-ção do trabalho infantil, o aumento da prostituição juvenil, “acompra miúda, para cada dia, para cada refeição, para cadaprato”,38 o auxílio mútuo através do trabalho solidário e tantasoutras estratégias são testemunhos da capacidade de impro-visar e “se virar” cotidianamente renovada pelas camadas maispobres da população soteropolitana e brasileira em sua árdualuta pela sobrevivência, na era do fim dos empregos e do adeusao trabalho.39

A NEW BAIANO ENIGMA? SALVADOR OF ALL POOR

ABSTRACT — In the recent past the “Baiano enigma” consisted intrying to decipher why the non-industrialization and economic developmentof Bahia. However, the late industrialization of the metropolitan area ofSalvador has made this city the fourth richest metropolitan area in Brazil,while the champion of unemployment among metropolitan regions ofBrazil. This means that despite all the wealth generated, Salvador con-tinues to expand its poor. The question is: are we before a new “Baiano

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enigma”? Within this picture of urban poverty the poorest social classescome up with countless and ingenious resources as survival strategies inthe era of the end of jobs and of the farewell to work.

KEY WORDS: Urban poverty. Survival strategies. End of jobs.

NOTAS

1 MATTOSO, Kátia de Queiroz. A Bahia no século XIX. Uma pro-víncia no Império. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1992, p. 17,apud PINHEIRO, Israel de Oliveira. A política na Bahia. Atrasose personalismos. Ideação. Feira de Santana, n. 4, p. 49-78, jul./dez. 1999.

2 GUIMARÃES, Antonio Sérgio Alfredo. Formação e crise da hege-monia burguesa na Bahia. Dissertação de Mestrado, defendidana Pós-Graduação em Ciências Sociais da UFBA em 1982

(revista em 2003 pelo autor). Disponível em: <http://www.fflch.usp.br/sociologia/asagforma%E7%E3o%20e%20crise%20da%20hegemonia%20burguesa%20na%20Bahia.pdf.> Acesso em: 12 ago.2005.

3 RISÉRIO, Antonio.Uma história da Cidade da Bahia. Rio deJaneiro: Versal, 2004. p. 465.

4 A TARDE, 30.1.1951 apud GUIMARÃES, Antonio Sérgio Alfredo,op cit. Acesso em: 12 ago. 2005.

5 ALBAN, Marcos. O Novo Enigma Baiano, a Questão Urbana-Regional e a Alternativa de uma Nova Capital, p. 2. Anais do XIENANPUR. Disponível em http://www.flem.org.br/eventos/2005/07/NovoEnigmaBaiano-Alban/eve20050715NovoEnigmaBaiano-Artigo.pdfAcesso em: 22 nov. 2007.

6 Dados disponíveis em <http://www.ibge.gov.br/> Acesso em: 22dez. 2005.

7 OLIVEIRA, Francisco de. Elegia para uma re(li)gião. SUDENE,Nordeste e conflito de classes. 2. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra,1977, p. 94 passim.

8 Nos parágrafos seguintes optamos por manter essa categoriaexplicativa usada pelo Francisco de Oliveira, exército industrialde reserva, mesmo considerando a necessidade desse conceito

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sociológico “ser reavaliado” na era da globalização, segundoCOSTA, Maria Cristina Castilho. Sociologia: introdução à ciênciada sociedade. 3 ed. São Paulo: Moderna, 2005, p. 258.

9 OLIVEIRA, Francisco de. Salvador: os exilados da opulência, p.9-22. In: SOUZA, G. Adeodato de; FARIA, Vilmar (Orgs.). Bahiade Todos os Pobres. Petrópolis: Vozes, 1980.

10 OLIVEIRA, ibidem, 1980, p. 16.11 FARIA, Vilmar E. Divisão Inter-regional do Trabalho e pobreza

urbana - o caso de Salvador, p. 23-40. In: SOUZA, G. Adeodatode; FARIA, Vilmar (Org.). Bahia de Todos os Pobres. Petrópo-lis: Vozes, 1980, p. 36-37.

12 CODES, Ana Luiza; LOIOLA, Elizabeth; MOURA, Suzana. Pers-pectivas da Gestão Local do Desenvolvimento: as Experiênciasde Salvador e Porto Alegre. Disponível em: <http://nutep.adm.ufrgs.br/pesquisas/Desenanpur.html> Acesso em: 22 dez. 2005.

13 FARIA, Vilmar, ibidem, 1980, p. 39-40.14 Ver RIFKIN, Jeremy. El fin del trabajo. Nuevas tecnologías

contra puestos de trabajo: el nacimiento de uma nueva era.Barcelona: Paidós, 1996.

15 A Região Metropolitana encerrou a década de 80 com, relativa-mente, menos empregados com carteira assinada do que em1981. In:CODES, Ana Luiza; LOIOLA, Elizabeth; MOURA, Suza-na. Perspectivas da Gestão Local do Desenvolvimento: as Expe-riências de Salvador e Porto Alegre. Disponível em: <http://nutep.adm.ufrgs.br/pesquisas/Desenanpur.html> Acesso em: 22dez. 2005.

16 COSTA, Maria Cristina Castilho COSTA, Sociologia: introduçãoà ciência da sociedade. 3 ed. São Paulo: Moderna, 2005, p. 258.

17 VIANNA, Ângela Ramalho. Bahia de Todos os Pobres. p. 185-214. Petrópolis: Vozes, 1980, p. 208.

18 SINGER, Paul. A economia urbana do ponto de vista estrutural:o caso de Salvador. In: SOUZA, G. Adeodato de; FARIA, Vilmar(Org.). Bahia de Todos os Pobres. p. 41-69. Petrópolis: Vozes,1980, p. 47.

19 Idem, ibidem, 1980, p. 207-209.

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20 SINGER, Paul. A economia urbana do ponto de vista estrutural:o caso de Salvador. In: SOUZA, G. Adeodato de;FARIA, Vilmar(Org.).Bahia de Todos os Pobres. p. 41-69. Petrópolis: Vozes,1980, p. 47.

21 CARVALHO, Inaiá Maria Moreira de; SOUZA, G. Adeodato de. Aprodução não-capitalista no desenvolvimento do capitalismo emSalvador. In: SOUZA, G. Adeodato de;FARIA, Vilmar (Org.). Bahiade Todos os Pobres. p. 71-102. Petrópolis: Vozes, 1980, p. 75.

22 CARVALHO; SOUZA, 1980, p. 86.23 CARVALHO; SOUZA, 1980, p. 86-87.24 Idem, ibidem, 1980, p. 87.25 VIANNA, 1980.26 Idem, ibidem, 1980, p. 193.27 VIANNA, ibidem, 1980, p. 193-194.28 VIANNA, 1980.p. 199-200.29 CARVALHO; SOUZA, 1980, p. 90-91.30 PRANDI, José Reginaldo. Trabalhadores por conta própria em

Salvador. In: SOUZA, G. Adeodato de; FARIA, Vilmar (Org.).Bahia de Todos os Pobres. p. 129-165. Petrópolis: Vozes, 1980,p. 129-130.

31 PRANDI, 1980, p. 129-130.32 Idem, ibidem, 1980, p. 130.33 Brasil cresce menos que mundo desde 1996. Disponível em:

<http://www1.folha.uol.com.br/fsp/dinheiro/fi2303200607.htm> Acessoem: 23 mar. 2006.

34 O curto espaço de parágrafos e páginas desse artigo é exíguo paradiscorrer mais sobre o fenômeno.

35 <http://www.cutbahia.org.br/texto_tribuna.php?ID=29>. Acessoem: 22 mar. 2006.

36 CODES, Ana Luiza; LOIOLA, Elizabeth; MOURA,Suzana. Pers-pectivas da Gestão Local do Desenvolvimento: as Experiências deSalvador e Porto Alegre. Disponível em:<http://nutep.adm.ufrgs.br/pesquisas/Desenanpur.html> Acesso em: 22 dez. 2005.

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37 INDICADORES IBGE. Pesquisa Mensal de Emprego. Janeiro de2006. Disponível em: <http://www.ibge.gov.br/> Acesso em: 21mar. 2006.

38 VIANNA, ibidem, 1980, p. 213.39 Ver ANTUNES, Ricardo. Adeus ao trabalho? (ensaio sobre as

metamorfoses e a centralidade do mundo do trabalho). São Paulo:Cortez, 1995.

REFERÊNCIAS

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Recebido em:06/01/2009Aprovado em: 18/03/2009