um jogo de lembranÇas: gÊnero, cultura e … · a família do meu marido, sobretudo minha sogra...

196
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO DOUTORANDA: ANA PAULA MENDES SILVA UM JOGO DE LEMBRANÇAS: GÊNERO, CULTURA E HISTÓRIA LOCAL NA PRÁTICA EDUCATIVA DE JULIETA PORDEUS GADELHA - (1950 2000). Professora - orientadora: Doutora Maria Arisnete Câmara de Morais Natal - RN Dezembro de 2016

Upload: vonhu

Post on 09-Feb-2019

217 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: UM JOGO DE LEMBRANÇAS: GÊNERO, CULTURA E … · A família do meu marido, sobretudo minha sogra Ana Paula Cavalcanti, pelas ... a bandeira e o hino de Sousa e o Literarte. Meu muito

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE

CENTRO DE EDUCAÇÃO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

DOUTORANDA: ANA PAULA MENDES SILVA

UM JOGO DE LEMBRANÇAS: GÊNERO, CULTURA E

HISTÓRIA LOCAL NA PRÁTICA EDUCATIVA DE JULIETA

PORDEUS GADELHA - (1950 2000).

Professora - orientadora: Doutora Maria Arisnete Câmara de Morais

Natal - RN

Dezembro de 2016

Page 2: UM JOGO DE LEMBRANÇAS: GÊNERO, CULTURA E … · A família do meu marido, sobretudo minha sogra Ana Paula Cavalcanti, pelas ... a bandeira e o hino de Sousa e o Literarte. Meu muito

UM JOGO DE LEMBRANÇAS: gênero, cultura e história

local na prática educativa de Julieta Pordeus Gadelha - (1950

2000).

Ana Paula Mendes Rodrigues Cavalcanti

Tese de doutorado apresentada ao Programa de Pós-

Graduação em Educação do Centro de Educação da

Universidade Federal do Rio Grande do Norte em

cumprimento às exigências para o título de Doutora em

Educação.

Professora orientadora: Doutora Maria Arisnete Câmara de Morais

Linha de Pesquisa: Educação, estudos sócio-históricos e filosóficos.

Natal - RN

Dezembro de 2016

Page 3: UM JOGO DE LEMBRANÇAS: GÊNERO, CULTURA E … · A família do meu marido, sobretudo minha sogra Ana Paula Cavalcanti, pelas ... a bandeira e o hino de Sousa e o Literarte. Meu muito
Page 4: UM JOGO DE LEMBRANÇAS: GÊNERO, CULTURA E … · A família do meu marido, sobretudo minha sogra Ana Paula Cavalcanti, pelas ... a bandeira e o hino de Sousa e o Literarte. Meu muito

BANCA EXAMINADORA

_______________________________________________________

Professora Doutora: Maria Lúcia da Silva Nunes (membro externo)

Universidade Federal da Paraíba

______________________________________________________

Professor Doutor: José Mateus do Nascimento (membro externo)

Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Norte

______________________________________________________

Professora Doutora: Maria Inês Sucupira Stamato (membro interno)

Universidade Federal do Rio Grande do Norte

______________________________________________________

Professor Doutor: Antônio Basílio Novaes Thomaz de Menezes

(membro interno)

Universidade Federal do Rio Grande do Norte

Page 5: UM JOGO DE LEMBRANÇAS: GÊNERO, CULTURA E … · A família do meu marido, sobretudo minha sogra Ana Paula Cavalcanti, pelas ... a bandeira e o hino de Sousa e o Literarte. Meu muito

Confesso que, muitas vezes, hesitei diante desse tema, indagando-me sobre sua relevância e se o mesmo correspondia às exigências acadêmicas de uma Tese. Que relevância teria a escrita dessa história? Indecisões... Desejos... medos... decisões... recuos... avanços... tensões... tudo isso era presença constante durante a elaboração desta escrita. (MORAIS, 2011, p. 147)

Page 6: UM JOGO DE LEMBRANÇAS: GÊNERO, CULTURA E … · A família do meu marido, sobretudo minha sogra Ana Paula Cavalcanti, pelas ... a bandeira e o hino de Sousa e o Literarte. Meu muito

AGRADECIMENTOS

A Deus, ser iluminado e que ilumina, o qual sempre tive respeito, admiração e,

acima de tudo, fé, por saber que um dia chegaria a este nível, nesta instituição.

Aos meus pais, que desde a minha infância, me proporcionaram uma excelente

educação escolar sonhando em um dia, ver mais uma filha formada, já que não

tiveram oportunidade. Eu os amo e agradeço por todas as conquistas da vida.

Ao meu esposo Davi Cavalcanti que tantas vezes, me viu ausente, sempre

cheia de leituras e escritas para a concretude deste trabalho. Mas que soube

ter a paciência e o apoio que eu mais precisava nos momentos mais difíceis e

cansativos, quando a escrita, as viagens e os percalços esgotavam minhas

forças. Amo-te infinitamente, você apareceu na hora certa em minha vida.

Ao meu filho amado Davi Filho que foi crescendo em meu ventre, à medida que

o trabalho foi avançando e que sofreu junto comigo, o cansaço, a insônia, a

ansiedade, sobretudo, na reta final deste trabalho. Você viverá conosco, todos

os frutos colhidos com esta vitória, pequeno príncipe!

Aos meus irmãos que tanto me ajudaram, com palavras de apoio e incentivo.

Principalmente, minha irmã Desterro Formiga e meu cunhado Antônio Formiga

(que é um irmão para mim), por todas as vezes que deixaram seus afazeres,

seus trabalhos, suas noites para ir comigo em busca das fontes nas casas de

tantas pessoas da cidade de Sousa. Se não fosse por vocês, com certeza, este

trabalho não teria nem iniciado. Eu os amo muito.

Aos meus amigos Clédia, Plínio, Lucicléa, Alana, Fernando, Lourdes Campos,

Gerlaine Belchior, Marta Lúcia pelo apoio profissional, incentivo e força durante

todo o meu doutorado.

A família do meu marido, sobretudo minha sogra Ana Paula Cavalcanti, pelas

palavras de apoio e incentivo, todas as vezes que nos encontrávamos.

A minha eterna e querida orientadora e amiga professora Arisnete Câmara, por

todas as vezes que me acolheu em seu grupo de pesquisa, desde o primeiro

Page 7: UM JOGO DE LEMBRANÇAS: GÊNERO, CULTURA E … · A família do meu marido, sobretudo minha sogra Ana Paula Cavalcanti, pelas ... a bandeira e o hino de Sousa e o Literarte. Meu muito

dia em que estive presente até as últimas aulas. Uma pessoa que sempre

sonhei em ser orientanda e eis que a vida me proporcionou esta conquista.

Obrigada por tudo professora, a senhora será, para sempre, minha grande

amiga.

Aos meus amigos do grupo de pesquisa Gênero e práticas culturais:

abordagens históricas, educativas e literárias da UFRN, Janaína Morais,

Francinaide Lima, Karoline Louise, Ana Luísa Castro, que me acolheram desde

quando cheguei, bem como, aos amigos: Nanael Simão, Maria Cláudia,

Valdenice Resende, Marilac de Castro, Berenice, Maria das Vitórias, Anderson

Tavares, Euclides, Dona Elione, Jaciara, Amanda Emerenciano, Amanda

Vitória, Larissa, Nilsinho e Débia. Que continuemos a trocar experiências.

Aos membros da banca examinadora nas pessoas de Lúcia Nunes, Charliton

Machado, Inês Stamato, Antônio Basílio, José Mateus e Olívia Morais que

dispuseram de um tempo dedicando-se à leitura deste trabalho e fazendo as

considerações necessárias para que o mesmo tivesse encaminhamento e

melhorias. Muito obrigada professores, o trabalho de vocês é valioso e

honroso, embora muitas vezes, não seja valorizado como deveria.

A família de Julieta Pordeus Gadelha, principalmente, a Zélia Gadelha Virgínio,

Cláudio Gadelha e Maria Alves Pinto (Maria de Lelê) pelo gentil acolhimento na

casa de Julieta e por todas as informações prestadas, além das fontes

oferecidas, que foram tão fundamentais para a concretude deste trabalho.

A irmã Aurélia que me recebeu em sua casa fornecendo informações sobre a

Escola Normal São José e me conduzindo à casa de Mirtes Arruda Fontes para

que me desse maior suporte.

A Evilásio Marques Pinto (seu Vila) e família pelo gentil acolhimento em sua

casa, com conversas calorosas, informações valiosas e por me ajudar tanto

nesta escrita oferecendo fontes preciosas que, me fizeram conhecer mais

sobre Sousa no passado.

A Mirtes Arruda Fontes, professor Jairo Ribeiro, Zélia Ribeiro, Gilda Gadelha,

Tânia Nóbrega pelo acolhimento em suas casas, com tantas informações e

fontes que compuseram este trabalho.

Page 8: UM JOGO DE LEMBRANÇAS: GÊNERO, CULTURA E … · A família do meu marido, sobretudo minha sogra Ana Paula Cavalcanti, pelas ... a bandeira e o hino de Sousa e o Literarte. Meu muito

A Malu Magliano pelas informações e fontes por e-mail, sobre a Escola Normal

São José, que me foram tão úteis.

Ao pessoal do Colégio Nossa Senhora Auxiliadora, nas pessoas de

Wandirleuza, Helena Cristina, Raudilene e Heberth por tantas informações

sobre a história daquele educandário, a bandeira e o hino de Sousa e o

Literarte. Meu muito obrigada, meus amigos.

Ao pessoal da Décima Regional de Ensino, nas pessoas de Socorro Antunes,

Gilmara e Rochael por ter aberto as portas de lá, me proporcionando vasculhar

as fontes para este trabalho. Fui muito bem recebida por vocês. Obrigada.

Page 9: UM JOGO DE LEMBRANÇAS: GÊNERO, CULTURA E … · A família do meu marido, sobretudo minha sogra Ana Paula Cavalcanti, pelas ... a bandeira e o hino de Sousa e o Literarte. Meu muito

Aos meus pais, que não tiveram acesso a educação em nível superior, mas

que em mim acreditaram, depositando todos os esforços. Vocês terão uma filha

doutora, de fato e de direito.

Ao meu marido Davi e ao filho Davizinho, que são a outra metade do meu

coração, dedico.

Page 10: UM JOGO DE LEMBRANÇAS: GÊNERO, CULTURA E … · A família do meu marido, sobretudo minha sogra Ana Paula Cavalcanti, pelas ... a bandeira e o hino de Sousa e o Literarte. Meu muito

RESUMO

A prática educativa parte de um conjunto de atividades realizadas que se transformam, muitas vezes, numa aprendizagem deixada para as pessoas não sendo, necessariamente, realizada no cotidiano da sala de aula. Assim, o presente trabalho tem como objeto de pesquisa a escritora sousense Julieta Pordeus Gadelha e como objetivo trazer a história e memória de sua prática educativa através de todo o legado cultural que deixou para o município de Sousa - Paraíba, tais como os livros, as publicações na Revista Letras do Sertão, a confecção da bandeira e a construção do hino do município, além da fundação do Centro Cultural e Memorial de Sousa Tozinho Gadelha. O recorte temporal por nós adotado remonta a década de 1950 a 2000, período em que começa sua trajetória de escritora, com crônicas que sobre a historiografia, os costumes e o cotidiano do município de Sousa concluindo com a inauguração do Centro Cultural e Memorial de Sousa Tozinho Gadelha, em homenagem a seu pai, no ano 2000. Para a concretude da pesquisa, as fontes tais como fotos, documentos da Escola Normal São José, livros diversos, além de entrevistas com familiares e colegas da época estudantil, foram necessárias. Percorremos os caminhos da metodologia através do referencial teórico de Peter Burke, baseado na Nova História Cultural, no conceito de práticas e representação utilizado por Chartier e nas categorias de análise gênero, prática educativa e história local que tomamos como base em diversos autores como Morais, Almeida, Scott, Libâneo, Julia, Bittencourt, Sousa, entre outros. Para além de uma conclusão, posto que ainda temos muito o que explorar, consideramos que Julieta Gadelha é uma mulher de várias facetas se destacando entre estas, a normalista, a escritora, a religiosa, a historiadora, a compositora e a artista no município de Sousa, Sertão da Paraíba pelas várias contribuições para a história daquele lugar através de publicações de obras como crônicas e livros, a construção do hino, o desenho da bandeira e a organização de um museu. Por isso, trazer para este trabalho, a memória e história de sua prática educativa, se torna importante para que o legado cultural deixado não caia na história dos silenciados pela história, nem no esquecimento para os sousenses.

Palavras - chave: Julieta Pordeus Gadelha - prática educativa - história local.

Page 11: UM JOGO DE LEMBRANÇAS: GÊNERO, CULTURA E … · A família do meu marido, sobretudo minha sogra Ana Paula Cavalcanti, pelas ... a bandeira e o hino de Sousa e o Literarte. Meu muito

ABSTRACT

The educational practice is part of a set of activities that become, often, a learning left for people not necessarily being carried out in the classroom everyday. Thus, the present work has the object of research the writer Sousa Julieta Pordeus Gadelha and aim to bring the history and memory of its educational practice through all the cultural legacy that left to the municipality of Sousa - Paraíba, such as books, Publications in the Letras do Sertão Magazine, the construction of the flag and the construction of the anthem of the municipality, as well as the foundation of the Sousa Tozinho Gadelha Cultural and Memorial Center. The time cut by us dates back to the decade from 1950 to 2000, when she began her career as a writer, with chronicles about the historiography, customs and daily life of the municipality of Sousa, concluding with the inauguration of the Cultural Center and Memorial of Sousa Tozinho Gadelha, in homage to his father, in the year 2000. For the concretion of the research, the sources such as photos, documents of the Normal School São José, diverse books, besides interviews with relatives and colleagues of the student era, were necessary. We follow the path of methodology through the theoretical reference of Peter Burke, based on the New Cultural History, the concept of practices and representation used by Chartier and the categories of analysis gender, educational practice and local history that we take as basis in several authors such as Morais, Almeida, Scott, Libâneo, Julia, Bittencourt, Sousa, among others. In addition to a conclusion, since we still have much to explore, we consider that Julieta Gadelha is a woman of several facets standing out among these, the normalist, the writer, the nun, the historian, the composer and the artist in the municipality of Sousa, Sertão da Paraíba for the various contributions to the history of that place through publications of works such as chronicles and books, the construction of the anthem, the design of the flag and the organization of a museum. Therefore, to bring to this work, the memory and history of its educational practice, becomes important so that the cultural legacy left does not fall into the history of those silenced by history, nor in the forgetfulness for the sousenses.

Key words: Julieta Pordeus Gadelha - educational practice - local history.

Page 12: UM JOGO DE LEMBRANÇAS: GÊNERO, CULTURA E … · A família do meu marido, sobretudo minha sogra Ana Paula Cavalcanti, pelas ... a bandeira e o hino de Sousa e o Literarte. Meu muito

SUMÁRIO

1. Por que escrevo sobre Julieta Pordeus Gadelha.....................................13

1.1 Caminhos que levam ao objeto.........................................................13

1.2 O desafio da sala de aula..................................................................23

O desejo de pesquisar sobre Julieta Pordeus Gadelha..........................29

Caminhos Metodológicos .............................................................................43

Julieta Pordeus Gadelha: a identidade de mulher e

escritora......................................................................................................68

3.1 A Escola Normal São José: instituição educacional onde estudou

Julieta Pordeus Gadelha.........................................................................83

3.2 O professor Virgílio Pinto de Aragão - Professor Senhorzinho.......101

Caminhos que configuram a prática educativa de Julieta Pordeus

Gadelha:....................................................................................................107

4.1 A atuação de Julieta Gadelha na Revista Letras do Sertão............109

4.2. Aspectos biográficos e sociais na obra Crônicas para mamãe ler, de

Julieta Pordeus Gadelha..................................................................................127

5. Antes que ninguém conte: a obra que marcou a trajetória de

historiadora local da escritora Julieta Pordeus Gadelha...........................139

5.1 Julieta Pordeus Gadelha e outras marcas do legado cultural deixado

ao município de Sousa - PB............................................................................168

6. Considerações finais.................................................................................181

7. Referências.................................................................................................186

Page 13: UM JOGO DE LEMBRANÇAS: GÊNERO, CULTURA E … · A família do meu marido, sobretudo minha sogra Ana Paula Cavalcanti, pelas ... a bandeira e o hino de Sousa e o Literarte. Meu muito

Tudo é recordação, quase tudo é uma saudade, cada uma no seu tempo, fazendo revigorar as boas lembranças de uma época engolida pelo progresso que vai confeccionando novas histórias...

(GADELHA, 1986, p. 167)

Page 14: UM JOGO DE LEMBRANÇAS: GÊNERO, CULTURA E … · A família do meu marido, sobretudo minha sogra Ana Paula Cavalcanti, pelas ... a bandeira e o hino de Sousa e o Literarte. Meu muito

13

CAPÍTULO I

1. POR QUE ESCREVO SOBRE JULIETA PORDEUS GADELHA.

1.1 Caminhos que levam ao objeto

O desejo de escrever sobre Julieta Pordeus Gadelha é antigo e nos

acompanha desde nossa vida acadêmica quando cursava a graduação em

Pedagogia pela Universidade Federal de Campina Grande, no período

compreendido de 2004 a 2008. Se por um sem número de motivos esse desejo

foi adiado, agora se concretiza por meio desta tese de doutoramento.

Esse desejo, entretanto, percorreu uma trajetória que leva ao objeto de

estudo do presente trabalho. Por isso, relatar como e por que escrevo sobre

Julieta Gadelha, faz parte de uma tentativa de tornar melhor a compreensão do

texto para o leitor.

Os fragmentos a seguir constroem uma tira de retalhos de uma história

cheia de significados, que alia história pessoal e profissional, pois, como diria

Hollanda, (1993, p. 61), faz-se necessário “utilizar minha experiência e minha

história pessoal como instrumento de trabalho”. Nesse sentido, descrevemos o

percurso vivenciado desde a infância até a graduação em Pedagogia, quando

tivemos o encontro com o objeto de estudo. Nesse percurso, aspectos

pessoais e profissionais são enfatizados na busca de justificar os motivos que

nos levaram a escrever sobre Julieta Pordeus Gadelha.

Trazemos dentro do coração, como uma caixa fechada, todos os

caminhos que percorremos, todos os lugares aonde chegamos, os

conhecimentos que obtivemos com as experiências vividas. Tornar essas

experiências de domínio público significa externar desejos guardados que hoje

fazem sentido quando dão encaminhamento à pesquisa.

Tudo começa na Infância, a partir da terceira série do Primeiro Grau,

quando nossa predileção pelas antigas aulas de Estudos Sociais, era visível.

Naquela época, década de 1990, “os Estudos Sociais nas séries iniciais,

Page 15: UM JOGO DE LEMBRANÇAS: GÊNERO, CULTURA E … · A família do meu marido, sobretudo minha sogra Ana Paula Cavalcanti, pelas ... a bandeira e o hino de Sousa e o Literarte. Meu muito

14

podiam ser caracterizados do mesmo modo que a Geografia e a História nos

níveis mais avançados.” (CALLAI, 2002, p. 15).

Em 1986, com a Resolução n°. 6, advinda da Lei de Diretrizes e Bases

da Educação - LDB n°. 5.692 de 1971, História e Geografia, que ainda utilizam

a denominação de Estudos Sociais, passaram a estudar conteúdos distintos.

No nosso contexto estudantil, Estudos Sociais era um componente curricular

relevante e de significados, pois, trabalhava, entre outras questões, sobre a

história local do município.

De acordo com a referida LDB, que regia a educação escolar na época,

o componente curricular de Estudos Sociais fazia parte de um núcleo comum

de ensino que se desmembrava numa tríplice composta por Geografia, História

e Organização Social e Política do Brasil, mais conhecida como OSPB.

(BRASIL, 1971, p. 399).

Ainda de acordo com a legislação brasileira, o parecer n. 853/71,

afirmava que o objetivo do componente curricular Estudos Sociais era “a

integração espaço-temporal e social do educando em âmbitos gradativamente

mais amplos” (BRASIL, 1971, p. 179). Dessa forma, as instituições de ensino

atendiam a proposta curricular vigente e a uma definição metodológica

baseada em círculos concêntricos em que “os conteúdos foram organizados

pelo que era mais próximo como a família e o bairro e se estendiam até o país

e o mundo” (SANTOS & SILVA, 1999, p. 20).

Na disciplina de Estudos Sociais da terceira série, estudávamos sobre a

história e composição do município onde residíamos, Sousa, localizado no

Sertão da Paraíba. Eram essas aulas que nos proporcionavam o conhecimento

sobre a história local, os costumes, os primeiros habitantes, os acontecimentos

religiosos e de cunho político, os monumentos hoje tombados pelo patrimônio

histórico.

Nas imagens a seguir, estão o Colégio Nossa Senhora Auxliadora, onde

estudávamos e logo abaixo, uma lembrança da terceira série do Ensino

Fundamental, quando conhecíamos sobre o município de Sousa - PB.

Page 16: UM JOGO DE LEMBRANÇAS: GÊNERO, CULTURA E … · A família do meu marido, sobretudo minha sogra Ana Paula Cavalcanti, pelas ... a bandeira e o hino de Sousa e o Literarte. Meu muito

15

Imagem I: Atual fachada do Colégio Nossa Senhora Auxiliadora - Sousa PB

Fonte: http://cnsaweb.com.br/estrutura/

Imagem II: Na Educação Infantil quando estudante do Colégio Nossa Senhora Auxiliadora. 1

Fonte: arquivo pessoal da autora Ana Paula Mendes R. Cavalcanti

1 O uniforme era composto por uma saia com três plissas em cada lado, na cor

de vinho e uma camisa branca. Estas eram as cores da bandeira do Colégio. Quando cheguei

Page 17: UM JOGO DE LEMBRANÇAS: GÊNERO, CULTURA E … · A família do meu marido, sobretudo minha sogra Ana Paula Cavalcanti, pelas ... a bandeira e o hino de Sousa e o Literarte. Meu muito

16

Estudante do Colégio Nossa Senhora Auxiliadora, uma instituição

escolar privada e tradicional, cuja direção era feita pelas irmãs da Congregação

das Filhas de Santa Teresa de Jesus, do Crato - Ceará, o gosto pelas aulas de

Estudos Sociais aumentava, à medida que, ao estudar sobre a história do

município de Sousa, ficávamos encantadas com as imagens dos livros, com os

personagens ilustres, com as narrativas em torno deles, com os patrimônios

históricos. A título de exemplo, podemos citar a Igreja Matriz de Nossa Senhora

dos Remédios, a Igreja do Rosário dos Pretos, a Praça do Aconchego, os

casarões antigos, o Sítio Arqueológico Vale dos Dinossauros, a Praça do

Milagre Eucarístico e tantos outros.

O gosto pelas aulas de Estudos Sociais era sempre acompanhado por

intensas leituras, que, aos poucos, foram fazendo parte do nosso cotidiano.

Durante as aulas, fazíamos inúmeras leituras a respeito dos pontos

culminantes existentes na história do município e essas leituras davam margem

para os necessários e relevantes estudos de campo. Com o objetivo de realizar

pesquisas a respeito do que líamos, os estudos de campo eram momentos em

que saíamos do Colégio e percorríamos esses lugares para conhecê-los e

interpretá-los a luz do que tínhamos como referência de leitura.

Ao realizar os estudos de campo, as aulas de Estudos Sociais aliavam o

saber e o fazer, através da vivência e contato com a história local. De acordo

com Neves (1997, p. 27),

[...] a construção do conhecimento a partir da vivência, portanto, do local e do presente, é a melhor forma de superar a falsa dicotomia entre a produção e a transmissão, entre a pesquisa e o ensino/divulgação, enfim, entre o saber e o fazer.

Nos estudos de campo, entrevistávamos pessoas relacionadas às

histórias das leituras, como os padres das igrejas seculares, parentes de

sousenses ilustres ou plantávamos árvores, como aconteceu com o estudo de

campo no Sítio Arqueológico Vale dos Dinossauros.

ao Ensino Médio, o uniforme foi modificado para calça e blusa de malha conservando as cores

da bandeira.

Page 18: UM JOGO DE LEMBRANÇAS: GÊNERO, CULTURA E … · A família do meu marido, sobretudo minha sogra Ana Paula Cavalcanti, pelas ... a bandeira e o hino de Sousa e o Literarte. Meu muito

17

Conhecíamos os lugares que acabávamos de estudar, sobretudo porque

o Colégio Nossa Senhora Auxiliadora ficava situado na primeira rua povoada

do município de Sousa, a Rua Professor Virgílio Pinto, que é conhecida pelos

seus patrimônios históricos.

Começávamos por ali, bem em frente ao colégio, nossos estudos de

campo. E a partir deles, forjava, em nosso imaginário, comparações entre as

imagens que víamos nos textos e o que representava, naquele momento, os

lugares que pesquisávamos a exemplo da arquitetura e das pinturas seculares

da Igreja Matriz de Nossa Senhora dos Remédios, o túmulo de Bento Freire de

Sousa, fundador do município, enterrado na Igreja do Rosário dos Pretos, o

coreto da Praça do Aconchego, os belos casarões antigos, o próprio Colégio

Nossa Senhora Auxiliadora, lugar de destaque na história da educação

sousense.

Parecia que todos aqueles lugares falavam, na verdade, eles nos davam

informações que iam reconstruindo a história de um município que, aos

poucos, íamos conhecendo melhor. Essa metodologia de leituras com estudos

de campo nos ajudava a valorizar a história do município, que era parte de

nossa história também. Nessa perspectiva, a História Local se configura como

uma:

Concepção teórico-metodológica que busca a construção histórica a partir de um recorte, de uma escala específica de investigação; desdobrando os meandros do lugar, levando em conta as ações dos sujeitos viventes no mesmo, considerados como agentes centrais para os processos de transformações históricas. (SOUSA, 2015, p.139)

As metodologias utilizadas para nossas aulas eram, nessa ordem,

leituras sobre acontecimentos históricos do município que percorriam uma

sequência cronológica linear, seguida de ilustrações e estudos de campo. Por

fim, ficávamos encarregadas de reescrever o que foi visto, desenhando ou

colando as imagens que retratassem os fatos históricos estudados.

Cabe salientar que, a maioria dos estudantes de História e Geografia,

das escolas brasileiras da década de 1990, conheceu essa metodologia de

trabalho, em que se destacava a quantidade de fatos e datas a serem

Page 19: UM JOGO DE LEMBRANÇAS: GÊNERO, CULTURA E … · A família do meu marido, sobretudo minha sogra Ana Paula Cavalcanti, pelas ... a bandeira e o hino de Sousa e o Literarte. Meu muito

18

memorizadas, refletindo uma visão linear não crítica da História. Uma das

formas de expressão dessa metodologia eram os livros didáticos, que, em suas

abordagens, também priorizavam os círculos concêntricos. Na atualidade, este

tipo de metodologia ainda pode ser encontrado em diversas salas de aula.

A abordagem da maioria dos livros didáticos utilizados no Ensino Fundamental se baseava na visão dos círculos concêntricos. De 1ª a 4ª série, sob a visão “integrada” dos Estudos Sociais, havia uma esvaziamento conceitual tanto na área de História quanto na de Geografia, em função da apresentação de “datas comemoráveis”. [...] (SANTOS &SILVA, 2002, p. 21)

Entre as leituras feitas, os registros sobre a história do município de

Sousa, abordados na obra Antes que Ninguém Conte da escritora sousense

Julieta Pordeus Gadelha, ganhou destaque, pois era essa obra, que o Colégio

Nossa Senhora Auxiliadora tomava como referência para nossas aulas de

História local. Este foi o primeiro contato que tivemos com Julieta Pordeus

Gadelha, nosso objeto de estudo. Segundo Chartier, (1988, p. 127), existe

uma “relação directa, imediata, entre o texto e o leitor, entre os sinais textuais

manejados pelo autor e o horizonte de expectativas daquele a quem se dirige”.

Além dessa obra, não foram adotados pelo colégio, outros livros

didáticos que descrevessem os aspectos culturais e antepassados de Sousa,

por isso, devido às narrativas reunidas no livro de Julieta Gadelha, crescia em

nós, uma subjetividade individual e uma relação de pertencimento a sua obra

que travava uma identidade cultural e social com nossa vivência de estudante.

Decifradas a partir dos esquemas mentais e afetivos que constituem a cultura (no sentido antropológico) das comunidades que as recebem, tais obras se tornam um recurso precioso para pensar o essencial: a construção de um vínculo social, a subjetividade individual, a relação com o sagrado. (CHARTIER, 1994, p. 9)

A cada leitura feita, crescia uma enorme admiração pelo seu trabalho

aliada a uma intensa curiosidade em saber mais sobre a autora. Nas festas

cívicas do colégio, seu nome era sempre enfatizado, era mencionada pelos

trabalhos que realizava, entre eles, o hino de Sousa e a construção de sua

Page 20: UM JOGO DE LEMBRANÇAS: GÊNERO, CULTURA E … · A família do meu marido, sobretudo minha sogra Ana Paula Cavalcanti, pelas ... a bandeira e o hino de Sousa e o Literarte. Meu muito

19

bandeira. Foi numa dessas festas de comemoração ao aniversário dos 50

(cinqüenta) anos do colégio, que tivemos conhecimento de que Julieta Gadelha

também fora aluna daquela instituição.

Crescemos ouvindo a escrita de Julieta Gadelha, sua trajetória de

escritora e cresceu junto conosco o desejo de conhecê-la. Ao percorrer as ruas

históricas do município de Sousa, seu trabalho sobressaía em nossa mente,

víamos suas informações nos lugares, era como se ela estivesse lá, nos

contando, viajávamos nas narrativas, uma vez que, “os leitores são viajantes:

eles circulam sobre as terras de outrem, caçam, furtivamente, como nômades

através de campos que não escreveram.” (CERTEAU, 1998, p. 251)

Por esse motivo, trazer à tona Julieta Pordeus Gadelha e sua prática

educativa através da história e memória e de todo o legado cultural que deixou

para o município de Sousa, tais como os livros, as publicações da Revista

Letras do Sertão, a confecção da bandeira e a construção do hino do

município, além da fundação do Centro Cultural e Memorial de Sousa Tozinho

Gadelha se configuram, para nós, reviver um contexto social esquecido ou que

ainda não tenha sido objeto de estudo de uma pesquisa com rigor científico.

Percebemos o legado cultural deixado pela escritora quando, nos

debruçamos sobre o conteúdo de seus livros e vislumbramos a identidade de

Sousa, caracterizada por forte religiosidade, muito patrimônio histórico, entre

outros aspectos que são esboçados por Julieta Gadelha com tanta precisão e

riqueza de detalhes.

Mais que todas as contribuições que as obras de Julieta Gadelha

trouxeram para a compreensão historiográfica do município de Sousa, nos

chamava atenção o fato de ser uma mulher a autora de tantas informações

contidas nas publicações.

Sempre fomos seduzidas pela história das mulheres, quando líamos

sobre biografias femininas, percebíamos a diferenciação entre os

comportamentos de gênero ditados pela sociedade em cada contexto histórico

lido e isso nos chamava muita atenção.

Page 21: UM JOGO DE LEMBRANÇAS: GÊNERO, CULTURA E … · A família do meu marido, sobretudo minha sogra Ana Paula Cavalcanti, pelas ... a bandeira e o hino de Sousa e o Literarte. Meu muito

20

Além disso, nos chamava atenção mais ainda o fato de que os livros

didáticos, tidos como referências para as aulas de História, eram, em sua

maioria, de autores masculinos. No nosso caso, era uma mulher quem havia

escrito.

Para Almeida, (1998, p. 45), “a História, como disciplina antiga e elitista,

sempre foi escrita por homens”. A título de exemplo, podemos citar os clássicos

autores Nelson Piletti e Claudino Piletti (1974-1999), Gianpaolo Dorigo (2000),

Claudio Vicentino (2000), que discutem sobre História Geral e História do

Brasil.

Como uma expressão maciça da sociedade, a condição feminina esteve

subjugada aos parâmetros masculinos. A ciência tem no seu cerne o caráter

eminentemente masculino. A título de exemplo, a Filosofia, considerada uma

ciência clássica e origem de grandes descobertas, teorias e discussões que

vieram modificar o mundo medieval, tem na sua origem nomes de autores

masculinos - Aristóteles, Platão, Humme.

No mundo científico, nos componentes curriculares, desde os primeiros

anos de estudo, aprendemos a conhecer e admirar obras de autores da

Filosofia (Aristóteles, Platão, Humme); Sociologia (Spencer, Karl Marx, Engels,

Althusser); Biologia (Darwin). Todas essas áreas do conhecimento, ao longo de

muitos anos desmereceram as aptidões da mulher para estudos tão

aprofundados, consideradas “sexo frágil”, debilitadas para o pensamento e a

resolução de problemas sociais.

Sobre este aspecto, Lopes e Galvão, (2001, p. 70) assinalam que:

Na história, os homens são mais citados. Fala-se, lê-se sobre Sócrates, os sofistas, Platão, Aristóteles, Quintiliano, Santo Agostinho; todos eles mestres. Ainda não eram professores, que vieram depois, quando foi preciso que uma doutrina fosse ensinada em alta voz, proclamada, confessada, apregoada. Mas esquece-se que as mulheres sempre ensinaram a vida e a morte. [...]

Na constituição do município de Sousa, desde a fundação, encontramos

jornalistas, médicos, advogados, professores que atuaram como escritores e

cronistas da história local, como Eládio Melo (1930), Virgílio Pinto (1950)

Page 22: UM JOGO DE LEMBRANÇAS: GÊNERO, CULTURA E … · A família do meu marido, sobretudo minha sogra Ana Paula Cavalcanti, pelas ... a bandeira e o hino de Sousa e o Literarte. Meu muito

21

(1960), Deusdedit Leitão (1945), Celso Mariz (1920), entre outros, que hoje têm

seus nomes lembrados nas principais ruas e avenidas da cidade. Todos esses

autores são referência na história local do município de Sousa.

Em meio a tantas representações masculinas na composição do

município de Sousa, sobretudo em revistas de circulação local, como a Revista

Letras do Sertão, por exemplo, fundada em 1951, em meio a tantas crônicas de

cunho histórico, político e econômico, escritas por autoridades e homens

escritores da sociedade da época, destacamos as publicações de Julieta

Gadelha que relatavam aspectos característicos do contexto social em que

publicava.

Portanto, ler as obras da autora Julieta Pordeus Gadelha, além de trazer

análises sobre um passado que ainda vive presente nos costumes, nas

pessoas, nas famílias, nos museus nos trouxe o gosto pelas narrativas

femininas ou pelas histórias contadas por mulheres.

Como o caminho se faz ao caminhar, as práticas de leitura vivenciadas

na infância acompanharam nossa trajetória estudantil e acadêmica,

principalmente. A predileção pela leitura nos tempos livres foi uma herança

adquirida no Colégio Nossa Senhora Auxiliadora, quando, no recesso de férias,

tínhamos como atividade a leitura de um livro paradidático.

Aos poucos, o gosto pelas leituras foi ficando mais refinado, com

preferência pelas culturas populares, pelas biografias de autores que muitas

vezes se representavam entre os personagens das obras.

No Ensino Médio, o contato com a Literatura Brasileira nos fez ter um

novo encantamento pelas narrativas. A partir delas, ficávamos entusiasmadas

com as histórias dos romances, com os cotidianos narrados que nos faziam

viajar a outras épocas, outros cotidianos. Porém, as que mais nos chamavam

atenção, eram as obras que discutiam a categoria gênero, as histórias sobre as

mulheres, as narrativas femininas.

Percebíamos que as mulheres tinham o destino sempre direcionado,

submetido à condição biológica de gênero, que dimensionava os papeis. As

que não seguissem o papel direcionado, que deturpassem os códigos da

Page 23: UM JOGO DE LEMBRANÇAS: GÊNERO, CULTURA E … · A família do meu marido, sobretudo minha sogra Ana Paula Cavalcanti, pelas ... a bandeira e o hino de Sousa e o Literarte. Meu muito

22

moral, penavam um castigo que vinha da sociedade. De acordo com Morais,

(2011, p. 236) “a literatura se nutre desses tipos de mulher. As personagens

que transgridem os códigos de moral pagam com a própria vida essas

transgressões, redimindo-se com a morte”.

Na literatura brasileira até o século XIX, mesmo sendo recheada de

romances caracterizados pela idealização da mulher, não vimos nos livros

adotados no Ensino Médio, obras literárias de autoras femininas, embora

muitas narrativas tivessem as mulheres, como personagem principal. É o caso,

por exemplo, do Romantismo no Brasil, representado nos livros didáticos por

autores clássicos como Gonçalves Dias, Álvares de Azevedo, Joaquim Manuel

de Macedo, José de Alencar, entre outros.

O encantamento pela literatura, adquirido desde as aulas do Ensino

Médio, nos fez criar também um encantamento pelas memórias revividas dos

cotidianos femininos, seus mundos, seus cotidianos, suas trajetórias de vida,

pois, “a memória revivida faz ressoar silêncios e omissões, levantando véus

daquilo que foi calado e sufocado”. (ALMEIDA, 1998, p. 12).

Educadoras, escritoras, médicas, advogadas, não importa o que foram,

mas sim, que não caiam no esquecimento, sobretudo, as mulheres que

contribuíram para a construção da história de um lugar, para a educação das

pessoas.

Por isso, ter Julieta Pordeus Gadelha, como objeto de estudo, vai ao

encontro de nossa condição de ser mulher, que mesmo vivendo no século XXI,

ainda sofre as amarras do preconceito do gênero, do “sexo frágil”, de ser

professora e de querer fazer a diferença entre as mulheres ainda submissas,

mesmo que seja dentro das nossas aulas e nas pesquisas científicas.

[...]. Infelizmente, as pesquisadoras do universo feminino também comprovaram que, por uma compreensível necessidade de manter sua intimidade ao abrigo de indiscrições, pois para isso sempre foram preparadas. (ALMEIDA, 1998, p. 46)

Acreditamos que essa pesquisa vem contrariar um legado herdado a

figura feminina que, vista em segundo plano, não teve a valorização e o

Page 24: UM JOGO DE LEMBRANÇAS: GÊNERO, CULTURA E … · A família do meu marido, sobretudo minha sogra Ana Paula Cavalcanti, pelas ... a bandeira e o hino de Sousa e o Literarte. Meu muito

23

reconhecimento de seus artigos, de suas obras, ou simples anotações em

diários, receitas. Muitos escritos foram até queimados com o intuito de ocultar

suas vidas, seus pensamentos e opiniões.

A esse respeito, destacamos a importância que teve nossa atuação

docente na trajetória acadêmica e profissional. Foi a partir dela que pudemos

ter o contato com o público e colocar em prática nosso entusiasmo pelas

leituras de mulheres, a valorização à história dos lugares que moramos, além

de outros aspectos que são mencionados nas experiências docentes no

Serviço Social da Indústria - SESI e na Universidade Federal de Campina

Grande - UFCG, campus de Cajazeiras - Paraíba.

1.2 - O desafio da sala de aula.

No ano de 2006, estudante do Curso de Pedagogia, fomos convidadas

para compor o quadro de Supervisão Pedagógica do SESI, do município de

Sousa - PB. Em virtude de já termos atuado nessa instituição em um programa

que desenvolvia atividades com fins educativos para crianças da classe

popular, e tendo desenvolvido um trabalho significativo, aceitamos o convite.

Essa experiência nos proporcionou a atuação no Programa Por um

Brasil Alfabetizado. O programa Por Um Brasil Alfabetizado é um nome

adaptado, pelo SESI, do programa Brasil Alfabetizado do governo federal que

teve início em 2003. “Voltado para a alfabetização de jovens, adultos e idosos.

O programa é uma porta de acesso à cidadania e o despertar do interesse

pela elevação da escolaridade.” (BRASIL, MEC/PROGRAMA BRASIL

ALFABETIZADO, 2010).

Na condição de supervisora pedagógica do Programa e atuando como

ministrante de formações iniciais e continuadas de professores conhecemos o

caráter filantrópico e assistencialista da educação, uma vez que, o programa

mesmo era composto por etapas que duravam apenas seis meses de

alfabetização e não tinham continuidade o que impossibilitava a elevação do

nível de escolaridade do estudante.

Page 25: UM JOGO DE LEMBRANÇAS: GÊNERO, CULTURA E … · A família do meu marido, sobretudo minha sogra Ana Paula Cavalcanti, pelas ... a bandeira e o hino de Sousa e o Literarte. Meu muito

24

Além disso, constatamos, através das visitas às salas de aula, que o

ideário de infantilização dos educandos permeava as práticas pedagógicas dos

professores. Alguns nem possuíam graduação, ou qualquer formação voltada

para o magistério, o que cristalizava o uso de práticas infantilizadoras.

Aliada a essa experiência, outra, não menos significativa, aconteceu

quando fomos contratadas para substituir um professor de História e Geografia,

na Escola de Suplência do Ensino Fundamental e Médio Francisco Carlos

Vasconcelos, da rede estadual de ensino, também no município de Sousa.

Na sala de aula do Ensino Médio, configurou-se num desafio ainda

maior, uma vez que, houve a necessidade, enquanto professora, de

desmistificar o caráter assistencialista, filantrópico e de suplência do ensino

oferecido aos estudantes, procurando adotar práticas diferentes, sobretudo

naquela sala de aula, quando as práticas metodológicas de aula expositiva,

leitura de texto e atividades escritas eram recorrentes e rotineiras.

Sabíamos das dificuldades que enfrentaríamos para ministrar aulas

exitosas desses componentes curriculares, uma vez que, naquela época

História e Geografia eram tidos como componentes caracterizados por:

[...] Um conjunto de informações na maioria das vezes desarticulado e que não atende a uma sequência que permita a compreensão daquilo que se quer ensinar. Ao trabalhar com noções da História e da Geografia, ao trabalhar com mapas, muitas vezes, faltam aos alunos aquelas habilidades iniciais que permitiriam que o trabalho não fosse apenas mecânico ou contemplativo. (CALLAI, 2002, p. 15)

O desafio foi tão forte que, várias vezes, nos indagamos: Como ensinar

História e Geografia, de maneira que se tornem relevantes para a vida dos

estudantes? Através desse questionamento, recorremos aos significados que

as antigas aulas de Estudos Sociais da terceira série nos proporcionaram:

conhecimento, valorização, estudos, fontes de pesquisas locais.

Nesse sentido, trabalhamos com metodologias que privilegiavam o

conhecimento sobre o nosso cotidiano, numa sequência gradativa, que

respeitava os estudos do bairro, cidade, estado, região e país. Forjava em

nosso imaginário, a necessidade de proporcionar àqueles estudantes, a

Page 26: UM JOGO DE LEMBRANÇAS: GÊNERO, CULTURA E … · A família do meu marido, sobretudo minha sogra Ana Paula Cavalcanti, pelas ... a bandeira e o hino de Sousa e o Literarte. Meu muito

25

oportunidade que havia tido desde a infância, de estudar e contextualizar o que

é nosso para, posteriormente, expandirmos para horizontes mais distantes.

Primeiramente, trabalhamos as questões históricas locais relacionadas

ao município de Sousa, tentando despertar a criticidade dos estudantes diante

dos conteúdos dos livros. Partimos do município sem deixar de estabelecer

uma ponte com os universos mais amplos, pois, segundo SOUSA (2015, p.

138), “a história local proporciona, através de análises de espaços com

recortes menores, novas possibilidades de redimensionar e de repensar a

própria história nacional”.

Tivemos aulas teóricas, cujo trabalho de Julieta Gadelha sempre

aparecia, através dos exemplos que ela colocava nas obras, através dos

contextos históricos do passado que ela nos fez conhecer com as obras

publicadas. Na parte prática, esse trabalho possibilitou a utilização de mapas,

legendas, imagens de diversas maneiras e vídeos. Nosso objetivo com estas

aulas eram:

[...] oferecer novas óticas de análise no estudo de cunho nacional, podendo apontar todas as questões fundamentais da história (como os movimentos sociais, a ação do Estado, as atividades econômicas, a identidade cultural, etc) a partir de um ângulo de visão que faz aflorar o específico, o próprio, o particular. (AMADO, 1990, p. 12)

O trabalho com o livro didático se tornava mais desafiador, pela sua

precariedade, se caracterizando por textos curtos e sem informações

relevantes. Os conteúdos que ele priorizava eram estudos de outras realidades

distantes da nossa, mapas sem cores nas legendas, informações distorcidas,

entre outros fatores. Para Santos e Silva, (2002, p. 21).

[...] poucos livros se preocupam com uma abordagem mais crítica dos conteúdos de História e Geografia. A justificativa utilizada gira em torno do aspecto cognitivo: os alunos não têm capacidade de compreender certas relações conceituais.

A relevância destas experiências aliadas à vida acadêmica aprofundou o

nosso encantamento pela história do município de Sousa, sobretudo, pelas

narrativas encontradas nas obras de Julieta Gadelha.

Page 27: UM JOGO DE LEMBRANÇAS: GÊNERO, CULTURA E … · A família do meu marido, sobretudo minha sogra Ana Paula Cavalcanti, pelas ... a bandeira e o hino de Sousa e o Literarte. Meu muito

26

As realidades daquelas salas de aula, o contato com outros professores,

sempre significativo e cheio de observação, fizeram com que atribuíssemos um

olhar crítico e reflexivo sobre a importância de buscar o conhecimento nos

principais autores, como Deusdedit Leitão (1945), Virgílio Pinto (1950) que

sempre reconstituíram essa história. Entre esses autores, o desejo de conhecer

e pesquisar sobre Julieta Gadelha sobressaía, pois foi essa escritora a fonte de

conhecimento e encantamento pelas narrativas em torno da história local

sousense.

À medida que nosso desejo aumentava, as oportunidades iam surgindo.

Em 2008, já graduada em Pedagogia, em virtude da aprovação para professora

substituta de Didática do Curso de Pedagogia, da Universidade Federal de

Campina Grande - UFCG, campus de Cajazeiras - PB, fomos contempladas

com a oportunidade de ministrar o componente curricular Metodologia do

Ensino de História de Geografia.

Na estrutura curricular do Curso de Pedagogia, as metodologias de

ensino eram compostas por quatro componentes curriculares que completavam

o quadro de Didática. Eram as seguintes: Metodologia do Ensino da

Matemática, Metodologia do Ensino da Língua Portuguesa, Metodologia do

Ensino de Ciências e Metodologia do Ensino de História e Geografia, que foi

nosso campo de ação.

Nessa oportunidade, procuramos mostrar às turmas, a importância de

conhecer a História local, a trajetória histórica dos lugares que vão ser

estudados, enfatizando a contextualização e, sobretudo, o que aqueles lugares

representam, qual a sua conotação simbólica para o povo que o habita.

Ao contrário da concepção tradicional de história, ao adotar uma prática referenciada na história local, o professor contribui no fortalecimento de uma identidade social coletiva e, consequentemente, no sentimento de pertencimento aos locais de vivências dos alunos superando a dicotomia existente entre a produção e a transmissão dos conhecimentos. (SOUSA, 2015, p. 139).

Com o desejo de tornar mais rico nossos estudos, visitamos feiras de

exposição realizadas no Centro Cultural Banco do Nordeste, em Sousa,

Page 28: UM JOGO DE LEMBRANÇAS: GÊNERO, CULTURA E … · A família do meu marido, sobretudo minha sogra Ana Paula Cavalcanti, pelas ... a bandeira e o hino de Sousa e o Literarte. Meu muito

27

oportunidade que nos proporcionou conhecer um pouco mais sobre a cultura

do cangaço no Nordeste.

Nas aulas de Educação Popular, além das discussões teóricas, levamos

as turmas para conhecer de perto, a realidade dos assentamentos rurais,

através de estudos de campo que germinavam intensos e relevantes trabalhos,

pois, através do estudo com a história local, “pode-se formular perguntas,

suscitar questões, estabelecer a relação entre prática e teoria”. (BARBOSA,

2005, p. 27).

Nesse sentido, proporcionamos às turmas, estudos de campo em

lugares considerados patrimônios históricos nos municípios de Sousa e

Cajazeiras, se destacando, entre eles, os mesmos lugares que havia visitado

na infância e isso nos fez dar um significado maior ao nosso desejo de estudar

como objeto de pesquisa, Julieta Pordeus Gadelha.

Foi com o espírito de mudança em torno das aulas teóricas, em que, na

maioria das vezes, “se reduzem a alguns exercícios que no momento da

realização envolvem os alunos, mas que no contexto do trabalho se perdem

em atividades soltas”, (CALLAI, 2002, p. 15) que, comprometida com a

qualidade da educação e das metodologias utilizadas, tentamos mostrar para

os estudantes em formação, que principalmente História, Geografia e os

demais componentes curriculares do Curso de Pedagogia, podiam ser

prazerosos, animadores e muito bem compreendidos, se estudados de forma

que incentivasse.

Do mesmo modo, na Geografia e na História, dentro da área de Estudos Sociais (da 4ª a 8ª série), amontoa-se uma quantidade de informações para que os alunos tenham acesso ao que acontece no mundo. Mas ao tempo em que obtêm as informações, os alunos desconhecem o meio em que vivem e não conseguem articular a noção de um espaço terrestre quer seja na sua globalidade, quer na sua dimensão do território nacional, ou do local, em que as paisagens apresentam um resultado da dinâmica das forças naturais e da ação do homem. (CALLAI, 2002, p. 15)

Num evento sobre educação e avaliação da aprendizagem, no município

de Cajazeiras, no ano de 2000, Luckesi colocou o quanto nós educadores, na

maioria das vezes, tornamos esses componentes, difíceis de ser assimilados

Page 29: UM JOGO DE LEMBRANÇAS: GÊNERO, CULTURA E … · A família do meu marido, sobretudo minha sogra Ana Paula Cavalcanti, pelas ... a bandeira e o hino de Sousa e o Literarte. Meu muito

28

pelos estudantes, pelo fato de estarmos acostumados a decorar fatos, datas,

nomes de pessoas, de rios e seus afluentes, sem compreender a importância e

a contextualização em que cada um desses fatos aconteceu ou qual o impacto

que isso deixou para a sociedade e o ambiente atuais.

Sobre esse aspecto, o mesmo autor, relata que:

[...]. No passado, como professor, eu também agi dessa mesma maneira. Esse modo de agir vem passando de geração em geração e nós educadores nos impregnamos dele, como se fosse adequado e correto. Nem mesmo prestamos atenção no seu significado cotidiano e na sua abrangência. Seguimos, em nossas práticas escolares, orientados ingênua e acriticamente por uma crença de senso comum, que nos domina; uma crença sub – reptícia que incorporamos em nosso inconsciente e que nos faz agir e reagir automaticamente. (LUCKESI, 2011, p. 237)

Mais que isso, ficamos acostumados a estudar com mais profundidade,

os contextos de outros lugares, outras regiões, deixando ao nosso contexto,

uma pequena parcela do estudo. Estudamos mais sobre a Região Sudeste do

que a História da Paraíba, por exemplo.

Por isso, mais uma vez, o nosso desejo de trazer a memória e história

da prática educativa de Julieta Pordeus Gadelha que através do legado

cultural, provocou em nós, uma valorização sobre a história de um lugar, do

município de Sousa, incentivando, inclusive, aulas com estudos de campo.

Percorremos essa trajetória, rumo ao que hoje apresentamos como

objeto de estudo. Todos os acontecimentos foram frutos de grandes encontros.

Encontro inicial entre a criança e a autora que lhe dava significados às antigas

aulas de Estudos Sociais; encontro entre a professora de nível médio e a

estudante do Curso de Pedagogia com as histórias do município que morava e

que precisava dar significado a essas histórias para que os estudantes

conseguissem interpretá-las.

E por fim, o (inacabado) encontro entre a pesquisadora, professora

universitária com a escritora que lhe atribui o maior dos significados: o de ser

mulher. É nesse sentido que flui a presente pesquisa.

Page 30: UM JOGO DE LEMBRANÇAS: GÊNERO, CULTURA E … · A família do meu marido, sobretudo minha sogra Ana Paula Cavalcanti, pelas ... a bandeira e o hino de Sousa e o Literarte. Meu muito

29

1.3 - O desejo de pesquisar sobre Julieta Pordeus Gadelha

Quantos sonhos e planos femininos, que sempre presos a regras prontas,

foram desconstruídos daquelas que tentassem fugir do destino naturalizado, da

cultura construída? A desconstrução dos sonhos constatava a fraqueza do

poder das mulheres no Brasil, o que as faziam levar uma vida de recolhimento

às ordens do conquistador do sexo masculino.

De acordo com Freyre, (2004, p. 207),

À exploração da mulher pelo homem, característica de outros tipos de sociedade ou de organização social, mas notadamente do tipo patriarcal-agrário – tal como o que dominou longo tempo no Brasil – convém a extrema especialização ou diferenciação entre os sexos.

Enraizadas desde o Brasil patriarcal, a exploração da mulher pelo

homem estabelecia uma acentuada diferença entre ambos. Ainda segundo

este autor, “também é característico do regime patriarcal o homem fazer da

mulher uma criatura tão diferente dele quanto possível. Ele, o sexo forte, ela o

fraco; ele o sexo nobre, ela o belo”. (FREYRE, 2004, p. 207)

Sobre a diferenciação entre os sexos na sociedade patriarcal sousense

Julieta assim descreve:

[...] as meninas nasciam para casar, sendo obrigadas, desde muito cedo, a aprender os trabalhos manuais a fim de se tornarem sinhazinhas prendadas; e os meninos eram reservados para a vida campestre, quando conseguiam resistir à vocação escolhida pelo pai ou padrinho, que terminava sempre optando pelo seminário ou uma faculdade na Corte ou na Capital Federal. (GADELHA, 1986, p. 58)

Como uma sequência que acompanhava todas as fases da vida, as

diferenças se manifestavam de variadas formas: na infância, através das

brincadeiras entre meninas e meninos; na adolescência, direcionando o

pensamento da menina ao casamento; na juventude, enveredando o estudo da

normalista como um passatempo até o noivo chegar de viagem e na vida

adulta, ditando as regras da boa esposa e mãe de família, da matriarca

submissa ao marido, acentuando a diferenciação dos sexos.

Page 31: UM JOGO DE LEMBRANÇAS: GÊNERO, CULTURA E … · A família do meu marido, sobretudo minha sogra Ana Paula Cavalcanti, pelas ... a bandeira e o hino de Sousa e o Literarte. Meu muito

30

Existe uma repartição desigual dividindo homens e mulheres, “com os

primeiros apropriando-se de uma parte gritantemente desproporcional dos

recursos materiais e simbólicos da sociedade” (SILVA, 2007, p. 92). Essa

repartição desigual que reflete uma inferioridade com relação à educação

feminina estende-se, obviamente, ao currículo.

Na educação escolar, consequentemente, o currículo que fora

direcionado às mulheres, era composto por componentes que estruturassem

sua função natural de ser esposa e mãe. Lopes e Galvão (2001, p. 69), nos

falam que “Na educação, podemos dizer que hoje há um reconhecimento de

que, tal como a história, ela é sexuada. Há claramente o reconhecimento de

que sempre houve (e há) uma educação para meninos e meninas [...]”. Sobre a

organização da família, “sem dúvida, está implícito que as disposições sociais

que exigem que os pais trabalhem e as mães cuidem da maioria das tarefas de

criação dos filhos [...]” (SCOTT, 1989, p. 15).

Por causa de um acesso tardio a educação e bem posterior ao acesso

masculino, os currículos escolares acabaram sendo formulados de maneira

que perpetuasse a condição de submissão feminina.

Detentores do poder econômico e político os homens apropriaram-se do controle educacional e passaram a ditar as regras e normatizações da instrução feminina e limitar seu ingresso em profissões por ele determinadas. [...]. Para viabilizar esse poder na educação escolar, elaboraram leis e decretos, criaram escolas e liceus femininos, compuseram seus currículos e programas, escreveram a maioria dos livros didáticos e manuais escolares, habilitaram-se para a cátedra das disciplinas consideradas mais nobres e segregaram as professoras a “guetos femininos” como Economia Doméstica e Culinária, Etiqueta, Desenho Artístico, Puericultura, Trabalhos Manuais, e assim por diante. (ALMEIDA, 1998, p. 35)

A dinâmica da inferioridade por parte do currículo se deveu a questão do

acesso. Foi o acesso a educação, de forma tardia e subjugado a condições

masculinas impostas que, aliado a outros fatores sociais, direcionaram a

mulher à instrução para trabalhos domésticos. Dessa forma, ainda de acordo

com esse autor:

O currículo educacional refletia e reproduzia os estereótipos da sociedade mais ampla. A literatura crítica concentrou-se em analisar,

Page 32: UM JOGO DE LEMBRANÇAS: GÊNERO, CULTURA E … · A família do meu marido, sobretudo minha sogra Ana Paula Cavalcanti, pelas ... a bandeira e o hino de Sousa e o Literarte. Meu muito

31

por exemplo, os materiais curriculares, tais como livros didáticos, que caracteristicamente faziam circular e perpetuavam esses estereótipos. Um livro didático que sistematicamente apresentasse as mulheres como enfermeiras e os homens como médicos, por exemplo, estava claramente contribuindo para reforçar esse estereótipo e, consequentemente, dificultando que as mulheres chegassem às faculdades de Medicina. (SILVA, 2007, p. 92)

Na Paraíba do início do século XX, embora a moça da elite que morava

na cidade tivesse acesso a educação escolar, com direito de estudar nas

escolas normais e/ou escolas de cunho religioso como o Colégio Nossa

Senhora das Neves, em João Pessoa e o Colégio Nossa Senhora Auxiliadora,

em Sousa, era nas escolas rurais que a diferenciação no currículo se dava de

forma mais acentuada.

À menina que nasceu num meio rural, cujos ideais devam estar limitados ao ambiente onde se agita, não interessará, por exemplo, aprender alta costura ou tocar piano. [...] o ideal dessa menina não vai além da aspiração de constituir um lar feliz e abastado ao lado de um companheiro amorável. (COSTA, 1941, p. 69)

Em livro publicado, na década de 1940, por Sizenando Costa, político e

escritor paraibano, muito influente no governo de Argemiro de Figueiredo, “[...]

estabelece propósitos distintos acerca da formação que homens e mulheres

deveriam ter no âmbito das escolas rurais” (PINHEIRO, 2006, p. 149).

Para os homens, caberia à incumbência de se tornar capazes, através

da educação, de “desenvolver com eficiência as indústrias locais”. As

mulheres, entretanto, deveriam estar “aptas para administrar um lar, dentro de

suas possibilidades, financeiramente equilibrado, com alegria e conforto”

(COSTA 1941, p. 17 APUD PINHEIRO, 2006, p. 149).

Apesar do cotidiano caracterizado por regras, muitas mulheres se

destacaram pelas atitudes que tiveram e profissões que exerceram, sobretudo

em contextos cuja vida social feminina era restrita. Foram escritoras,

jornalistas, professoras, advogadas que além de assumirem um lar e todas as

suas atribuições de boas mães e respeitadas esposas, se sobressaíram diante

de uma sociedade que vigiava e punia àquelas que fugissem do papel natural

de realização plena num casamento.

Page 33: UM JOGO DE LEMBRANÇAS: GÊNERO, CULTURA E … · A família do meu marido, sobretudo minha sogra Ana Paula Cavalcanti, pelas ... a bandeira e o hino de Sousa e o Literarte. Meu muito

32

Parecendo por fora submeter-se totalmente e conformar-se com as expectativas do conquistador, de fato “metaforizavam a ordem dominante” fazendo funcionar suas leis e suas representações “num outro registro”, no quadro de sua própria tradição. (CERTEAU, 1998 p. 18)

O Brasil está cheio destas mulheres, personagens que estiveram no

Movimento Feminista da década de 1960, mulheres que lutaram contra a

ditadura militar, sendo muitas delas torturadas e mortas, as escritoras que

denunciavam a condição social feminina em jornais e revistas.

Se hoje temos a possibilidade de conhecer a biografia e trajetórias

profissionais de mulheres é por causa das intensas publicações que vão sendo

feitas sobre gênero, mulheres e cotidianos femininos, sobretudo, nas linhas de

pesquisa dos Programas de Pós-Graduação.

Sobre este aspecto, Hollanda (1990), ao fazer uma avaliação sobre os

estudos que tinham a mulher como tema nas teses de Literatura, na década de

1990, afirma que:

Entre 1977 e 1989 foram produzidas no curso de Mestrado em Letras da PUC, Rio de Janeiro, 269 teses, das quais 19 abordaram o tema Mulher na Literatura, ou seja, 7,06% sobre o numero total de teses. Já no curso de Pós Graduação em Letras da UFRJ, das 437 teses de mestrados apresentadas entre os anos de 1973 a 1989, 41 referem-se à mulher, ou seja, 9,38% sobre o total dos trabalhos. As duas associações científicas mais significativas da área de letras foram fundadas recentemente. São a ANPOLL (Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Letras e Linguística) criada em 1984 e a ABRALIC (Associação Brasileira de Literatura Comparada ) em 1987. Nos encontros promovidos pela ANPOLL e pela ABRALIC, a incidência de apresentações e comunicações sobre a mulher é significativa, levando-se em consideração a pouca tradição dos estudos sobre a mulher. Nos cinco encontros da ANPOLL, 10.23% do total de trabalhos apresentados abordaram o tema mulher, incluindo-se aí aqueles apresentados no GT Mulher na Literatura. Analisando especificamente o último encontro, em julho de 1990, encontramos os seguintes números: Total de títulos de exposição: 277 Total de títulos apresentados no GT Mulher na Literatura: 27 Total de títulos sobre a mulher nos outros GTs: 9 Soma de títulos sobre a mulher: 36 % de títulos sobre a mulher: 13% % de títulos sobre a mulher excluindo-se os apresentados no GT Mulher na Literatura: 3.25% Nos Congressos promovidos pela ABRALIC nos anos de 1987, 1988 e 1989, dos 96 papers apresentados, 30 referiam-se à temática feminina.

Page 34: UM JOGO DE LEMBRANÇAS: GÊNERO, CULTURA E … · A família do meu marido, sobretudo minha sogra Ana Paula Cavalcanti, pelas ... a bandeira e o hino de Sousa e o Literarte. Meu muito

33

Há que considerar que a área de Letras tem tradição no Brasil, no que

tange ao estudo sobre as mulheres. Na nossa área, a Educação, o tema

relacionado a mulheres vem ganhando visibilidade, sobretudo nos programas

de Pós - Graduação em Educação, através das diversas linhas de pesquisa,

entre estas, a História da Educação.

A esse respeito, Morais (2011, p. 149) discorre sobre o crescimento dos

debates sobre gênero, em meados de 1998, dois anos após sua defesa de

tese, sobre leituras de mulheres no século XIX. A autora desabafa dizendo que

percebeu “que os debates acadêmicos sobre questões de gênero avolumavam-

se, apesar de certa resistência acadêmica, até se firmarem como eixos nos

congressos e seminários nacionais e internacionais”.

[...] Só recentemente e graças aos trabalhos pioneiros de intelectuais e militantes feministas, os projetos que se utilizam dessa categoria têm explicitado uma intenção de se afirmar como área de estudos nos centros de pesquisas e nas universidades. (ALMEIDA, 1998, p. 45)

Na atualidade, encontram-se diversos núcleos de estudos sobre

Mulheres, congressos, grupos de trabalho e fóruns sobre mulheres em outras

áreas do conhecimento, o que vem se aliar a Educação, no que tange a

visibilidade sobre mulheres. A título de exemplos, destacamos:

QUADRO I:

Núcleos de estudos, congressos, grupos de trabalho e fóruns sobre

mulheres.

Grupo Instituição Local

NEIM Núcleo de Estudos Interdisciplinares

das Mulheres.

UFBA - Universidade

Federal da Bahia

Neguem Núcleo de estudos sobre gênero e

pesquisa sobre a mulher.

Universidade Federal de

Uberlândia

Page 35: UM JOGO DE LEMBRANÇAS: GÊNERO, CULTURA E … · A família do meu marido, sobretudo minha sogra Ana Paula Cavalcanti, pelas ... a bandeira e o hino de Sousa e o Literarte. Meu muito

34

NEPEM Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre

a Mulher

Universidade de Brasília

NIEM Núcleo Interdisciplinar de Estudos

sobre a mulher e gênero

Universidade Federal do

Rio Grande do Sul

NEMGE Núcleo de Estudos da Mulher e

Relações Sociais de Gênero

Universidade de São

Paulo

NEMGeP Núcleo de Estudos sobre mulheres,

gênero e políticas públicas.

Universidade Federal de

Santa Maria - Rio Grande

do Sul.

HISTEDBR -

GT PB

Educação e educadoras da Paraíba no

século XX

Universidade Federal da

Paraíba

HISTEDBR -

GT PB

Projeto de

pesquisa:

Escritos para a educação: participação

de professoras na Revista de Ensino -

Paraíba (1932-1942)

Universidade Federal da

Paraíba

NEPGD Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre

gênero e Direito

Universidade Federal da

Paraíba

Grupo de

estudos:

Práticas educativas, memórias e

oralidades.

Universidade Estadual do

Ceará

Fontes: links das universidades citadas.

A Paraíba, por sua vez, também pode ser evidenciada como um Estado

marcado por trajetórias de mulheres de destaque, como palco de lutas de

mulheres pelo reconhecimento de seus direitos, ideias e valores, e,

consequentemente, de mecanismos de resistência contra papeis a elas

atribuídos. Entre esses destaques, podemos citar Anayde Beiris, Analice de

Caldas, Adamantina Neves, Eudésia Vieira, Olivina Carneiro da Cunha,

Page 36: UM JOGO DE LEMBRANÇAS: GÊNERO, CULTURA E … · A família do meu marido, sobretudo minha sogra Ana Paula Cavalcanti, pelas ... a bandeira e o hino de Sousa e o Literarte. Meu muito

35

Catharina Moura e tantas outras que, em seus modos de viver, de opinar, de

agir e de se expressar cravaram a marca de heroína, intelectual e artista.

Todas estas mulheres tiveram na educação, uma aliada para a

concretude de uma vida menos restrita as atribuições do lar e maior

possibilidade de exercer uma carreira. Muitas delas, já foram objeto de estudo

de pesquisas científicas, em nível de pós - graduação, da Universidade Federal

da Paraíba. O quadro a seguir, apresenta trabalhos que demonstram as

pesquisas sobre mulheres, educação e educadoras na linha de pesquisa

História da Educação - UFPB:

QUADRO II:

Alguns trabalhos sobre mulheres e educação nos colégios do Programa

de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal da Paraíba -

campus de João Pessoa.

Nome do

Autor

Título do Trabalho Defesa Orientador

(a)

Adriana Vilar

dos Santos

Educação, docência e memórias da

professora Maria Bronzeado Machado

(1940-1986).

24/02/2016

Lúcia Nunes

Raquel do

Nascimento

Sabino

Reminiscências da professora Clemilde

Torres Pereira da Silva: sua contribuição

às instituições - memória da Paraíba

(1942-2013).

15/02/2016

Charliton

Machado

Tatiana de

Medeiros

Santos

Maria Eulália Cantalice Cavalcante:

histórias e memórias de uma educadora

Guarabirense/PB (1920 - 1999).

29/04/2016 Lúcia Nunes

Page 37: UM JOGO DE LEMBRANÇAS: GÊNERO, CULTURA E … · A família do meu marido, sobretudo minha sogra Ana Paula Cavalcanti, pelas ... a bandeira e o hino de Sousa e o Literarte. Meu muito

36

Maria

Valdenice

Resende

Soares

A vida profissional de Neuza Medeiros

Alves (1931 -1997) no município de

Jacaraú - PB (1960-1990): educação,

moral e ordem social.

21/08/2012

Lúcia Nunes

Cristiane

Souza de

Menezes

Colégio estadual de Olinda: a educação

secundária no município de Olinda/PE

(1960 - 1984).

30/11/2015

Charliton

Machado

Rosângela

Chrystina

fontes de

Lima.

Cultura escolar do grupo escolar Dr.

Thomas Mindello: espaço de reinvenção

e disseminação de novas práticas

educacionais (1932 - 1950).

08/07/2015

Antonio

Carlos.

Isabelle de

Luna Alencar

Noronha

Práticas educativas de normalistas no

cariri cearense (1923 - 1971): cadernos

escolares - escritas femininas.

25/05/2015

Cláudia

Engler Cury

Márcia

Cristiane

Ferreira

Mendes

Memórias e Práticas Educacionais da

Educadora Argentina Pereira Gomes: o

seu legado no cenário educativo da

Paraíba (1916 - 1962).

22/02/2012

Lúcia Nunes

Viviane

Freitas da

Silva

Memórias da educadora Olivina Olivia

carneiro da cunha: práticas educativas e

envolvimento político e social na

Paraíba (1886 - 1977).

22/08/2012 Charliton

Machado

Wilson José

Félix Xavier

Razões e sensibilidades: um estudo

sobre a construção do imaginário da

docência feminina (1865 - 1917).

24/02/2015

Cláudia

Engler Cury

Maria das

Graças da

Cruz Barbosa

História e Memórias de vida professoral:

Maria do Carmo de Miranda nas

configurações do magistério (1960 -

1988).

21/08/2014

Maria Elizete

Wanderléia

Farias

Santos

Entre linhas, bordados e sabores:

memórias e histórias de educadoras do

Curso de Economia Doméstica em

Bananeiras PB (1960 - 1970).

20/08/2014

Lúcia Nunes

Page 38: UM JOGO DE LEMBRANÇAS: GÊNERO, CULTURA E … · A família do meu marido, sobretudo minha sogra Ana Paula Cavalcanti, pelas ... a bandeira e o hino de Sousa e o Literarte. Meu muito

37

Francymara

Antonino

Nunes de

Assis

Práticas educativas no Cariri paraibano:

histórias e memórias da educadora

Estelita Antonino de Souza (1947 -

1991).

31/03/2014

Charliton

Machado

Larissa Meira

de

Vasconcelos

Esculpindo corpos e formando hábitos:

uma abordagem histórico-educacional

sobre as construções de gênero na

imprensa paraibana (1913 -1932).

20/03/2015

Charliton

Machado

Fonte: link do Programa de Pós - Graduação em educação UFPB. Disponível em:

<https://sigaa.ufpb.br/sigaa/public/programa/defesas.jsf?lc=lc=lc=pt_BR&id=1906>. Acesso

em: 18/10/2016.

Assim como os trabalhos citados acima, também é vasta a produção

acadêmica do grupo de pesquisa Gênero e práticas culturais: abordagens

históricas, educativas e literárias, sob coordenação da professora doutora

Maria Arisnete Câmara de Morais. Fazemos parte do referido grupo onde

pudemos ter contato com publicações sobre trajetórias de mulheres

professoras e instituições de ensino da Paraíba e do Rio Grande do Norte.

Neste ínterim, tem destaque os trabalhos sobre as educadoras Izabel

Gondim (2003), Chicuta Nolasco Fernandes (2006), Sophia Lyra (2011), de

autoria de Maria Arisnete Câmara de Morais, o trabalho de tese de Edna Maria

Rangel de Sá Gomes intitulado Adelle de Oliveira: trajetória de vida e prática

pedagógica (1900 – 1940), de 2009; o trabalho de tese sobre A educação da

mulher norte - rio grandense segundo Júlia Medeiros 1920-1930 de 2005, de

Manoel Pereira da Rocha Neto; o trabalho de dissertação de Nanael Simão de

Araújo intitulado Professoras primárias do Seridó Norte - Rio - Grandense:

Maria José do Nascimento, Olívia Pereira e Theodora Valle (1927 - 1947), de

2016, entre outros.

Vinculado à linha de pesquisa Educação, estudos sócio-históricos e

filosóficos da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, nosso trabalho vai

de encontro a uma pesquisa que traz a história e a memória de uma mulher

Page 39: UM JOGO DE LEMBRANÇAS: GÊNERO, CULTURA E … · A família do meu marido, sobretudo minha sogra Ana Paula Cavalcanti, pelas ... a bandeira e o hino de Sousa e o Literarte. Meu muito

38

paraibana que, atuando na imprensa sousense, deixou para aquele município,

um vasto legado cultural.

Encontramos em Julieta Gadelha, uma forma de manifestação contra

estereótipos sociais femininos que desde muito tempo, foram incrustados em

nós, mulheres. E nesse encontro com a educadora vamos traçando as imagens

memorizadas de situações vivenciadas em que esses estereótipos femininos

foram se expressando na vida de muitas mulheres, que em algum momento,

fizeram parte de nossa vida.

A título de exemplo, rememoramos as antigas alunas de um curso de

especialização quando ministrávamos um componente curricular que, por

algum motivo, teve os horários adequados para a sexta-feira à noite. Ora,

sexta-feira à noite, era um momento em que a mulher deveria estar em casa,

cuidando da família, do lar e do marido, sobretudo, a mulher que já tinha tido

acesso a educação de nível superior. Para que dar continuidade?

Na metade da aula, eis que o pátio da instituição escolar encontrava-se

com uma quantidade considerável de maridos à espera de suas esposas que já

deveriam estar em casa naquele horário. Diante desta situação, tivemos que

terminar a aula porque as estudantes ficavam inquietas ao ver seus maridos lá

fora.

Durante nossa trajetória acadêmica, tantos outros casos poderíamos

mencionar nesse sentido. Entretanto, o exemplo citado nos serve para situar

um lugar que ainda é direcionado a mulher: o espaço do lar. Contrariando esse

lugar que nos foi direcionado, acentuamos, cada vez mais, o que significa para

nós, o encontro com a escritora.

O encontro com Julieta Gadelha revelou, ainda, traços de nossa

personalidade feminina, forte, menos submissa e mais batalhadora que mesmo

tendo sido criada e direcionada ao casamento, desde criança, optávamos, com

muito esforço, pela vida acadêmica, pela realização profissional antes da

pessoal.

Procurando sempre alterar os mecanismos de dominação masculina que

vinha numa ordenação social, buscamos “maneiras de fazer” como uma

Page 40: UM JOGO DE LEMBRANÇAS: GÊNERO, CULTURA E … · A família do meu marido, sobretudo minha sogra Ana Paula Cavalcanti, pelas ... a bandeira e o hino de Sousa e o Literarte. Meu muito

39

contrapartida. (CERTEAU, 1998, p. 41). Uma dessas maneiras encontramos na

docência.

Hoje, professora de educação em nível superior, percebemos ainda nas

alunas em formação inicial e no cotidiano social, como um todo, muitos sonhos

femininos direcionados.

Por esse e tantos outros motivos, o presente trabalho revela a memória

e o contexto social de uma época marcada ainda, pela submissão da mulher ao

homem. Mas revela, acima de tudo, mulheres que como Julieta Pordeus

Gadelha se tornam referência bibliográfica para contar a cultura de um povo,

para a história de um lugar.

Portanto, trazer a história e memória de sua prática educativa, as

contribuições culturais que trouxe ao município de Sousa, além de sua

representação enquanto mulher e contribuinte para a educação e história local,

se tornam aspectos relevantes para esta pesquisa.

As crônicas da escritora circulavam nas rádios de Sousa e foram tantas,

que deram embasamento para a junção num livro publicado em 1965,

intitulado, Crônicas para mamãe ler.

A escritora Julieta Pordeus Gadelha, também foi autora do Hino da

cidade, no ano de 1975. O hino que “hoje é cantando nas escolas e

solenidades locais e obrigatório na abertura das sessões da câmara de

vereadores” (ABRANTES, 2009). No ano seguinte, junto a Marcílio Mariz

Paiva, outro sousense, projeta a bandeira do município, ganhando

reconhecimento estadual, por isso.

Além disso, tem destaque na cultura sousense por ter reunido num livro,

as pesquisas realizadas em torno da construção do município de Sousa. Nele,

relata aspectos curiosos, pessoas ilustres que fizeram parte da fundação,

eventos sociais e cotidianos, além de (des) construções acerca da origem do

nome, que até hoje, causa certa dúvida entre os moradores. Intitulado Antes

que ninguém conte, de 1986, este livro relata a história do município de Sousa,

Page 41: UM JOGO DE LEMBRANÇAS: GÊNERO, CULTURA E … · A família do meu marido, sobretudo minha sogra Ana Paula Cavalcanti, pelas ... a bandeira e o hino de Sousa e o Literarte. Meu muito

40

desde o surgimento das primeiras sesmarias, das primeiras glebas de

terra; desde o surgimento do primeiro automóvel na cidade nos

primórdios do século passado quando nem estradas haviam, por aqui

rodavam carros Ford e motocicletas Harley-Davidson. Julieta retratou

em seu livro a invenção do cinema mudo e seu surgimento na cidade

por volta de 1918 com seu Chico Casimiro como exibidor debaixo de

um certo Tamarindo... Julieta também falou do Cangaço, da Nau

Catarineta, dos Autos de Natal, da cultura de Sousa em "Antes Que

Ninguém Conte", livro que ela lançou a um tempo atrás, mas que se

transformou num marco de registro da nossa história, como ponto de

referência da memória sousense. (ABRANTES, 2009)

Sobre o trabalho de memória da História de Sousa, no prefácio do livro

em questão, Julieta Gadelha menciona: “O afã dos antepassados para fixar os

rumos dos seus destinos, não foi um trabalho simples ou apenas um

acontecido como se o próprio destino se encarregasse de o fazer...”

(GADELHA, 1986, p. 5)

Por isso tendo Sousa como uma cidade que uma cidade histórica, desde

quando ouvíamos e estudávamos as narrativas em torno de sua fundação, os

inúmeros patrimônios históricos, as praças e igrejas seculares, e tendo uma

educação recatada num colégio tradicional e histórico de freiras, nos fizeram

ter um intenso interesse pela escritora Julieta Pordeus Gadelha.

Somando-se a todos os lugares que marcou presença, seja na

imprensa, através de crônicas enviadas às rádios, seja nas publicações dos

jornais de circulação da época, seja na memória de Sousa através das obras

que publicou, também mergulharemos num outro espaço que ocupou: o de

contribuir com os símbolos do município de Sousa, através da construção da

bandeira e do hino.

A pesquisa sobre a prática educativa de Julieta Gadelha possibilitou uma

compreensão de aspectos sociais, políticos, econômicos estruturantes próprios

da época, uma vez que, mergulhamos no contexto sousense, através de suas

obras. Nesse sentido, pudemos compreender as obras, na perspectiva de se

fazer história:

Page 42: UM JOGO DE LEMBRANÇAS: GÊNERO, CULTURA E … · A família do meu marido, sobretudo minha sogra Ana Paula Cavalcanti, pelas ... a bandeira e o hino de Sousa e o Literarte. Meu muito

41

Para se fazer história, ou para ler o mundo como um dispositivo historiador, parte, antes de mais nada, de uma disposição radical para ler, ver, ouvir e contar... o outro. Imersos em um presente que faz indagações, impõe questões, sugere temáticas, os pesquisadores atentos formulam problemáticas para a história: o que se fazia, por que se fazia, quem fazia, como se fazia alguma coisa em determinada época e em uma sociedade específica? (LOPES E GALVÃO, 2001, p. 16)

Contar sobre o outro do passado, mergulhadas num presente cheio de

indagações foi um aspecto importante para a análise da prática educativa de

Julieta Gadelha. Através da análise de suas obras, das histórias contadas nas

crônicas, pudemos perceber que “muito do que se foi permanece” (LOPES E

GALVÃO, 2001, p. 16).

Ao refletirmos sobre as inúmeras atuações de Julieta Gadelha e as

contribuições para vários ambientes educacionais, constatamos que seus

escritos foram voltados para sua terra natal.

A história de Sousa, nos escritos da autora em questão, não se

configura apenas em exaltar o município, atribuindo-lhe as mais variadas

características, mas trata-se de revelar um passado que, na maioria das vezes,

justifica o presente, através das ações de conhecidos ou anônimos homens do

povo que contribuíram para construção, para a mudança, para o crescimento

daquele município.

Page 43: UM JOGO DE LEMBRANÇAS: GÊNERO, CULTURA E … · A família do meu marido, sobretudo minha sogra Ana Paula Cavalcanti, pelas ... a bandeira e o hino de Sousa e o Literarte. Meu muito

A morte sempre espreitava uma residência, durante os nove meses

de espera de uma gestante. Existiam métodos incríveis de tratamento

de certas doenças, indo até as baratas abertas vivas e colocadas

sobre uma ferida ou panarício. Com o correr dos tempos, os serviços

médicos da região continuavam precários, passando a ser praticados

por curiosos e charlatães que também enriquecidos pela flora

regional, usavam garrafadas feitas de sumo de plantas, sementes,

raízes e outras variações saídas da mata. (GADELHA, 1986, p. 86)

Page 44: UM JOGO DE LEMBRANÇAS: GÊNERO, CULTURA E … · A família do meu marido, sobretudo minha sogra Ana Paula Cavalcanti, pelas ... a bandeira e o hino de Sousa e o Literarte. Meu muito

43

CAPÍTULO II

2. CAMINHOS METODOLÓGICOS

Este trabalho surge não só de um desejo antigo de escrever sobre

Julieta Pordeus Gadelha, mas também, da necessidade de trazer a história e a

memória da prática educativa desta escritora, pois, como postula Chartier,

(1991, p. 178), “toda reflexão metodológica enraíza-se, com efeito, numa

prática histórica particular, num espaço de trabalho específico”. Nesse sentido,

a sua biografia, bem como, a participação na sociedade letrada sousense e as

contribuições que deixou com os artefatos da cultura do município de Sousa,

tais como a bandeira e o hino, se constituem como itens dessa pesquisa.

Trazer a história e memória da prática educativa da escritora sousense

Julieta Pordeus Gadelha pressupõe um enfoque metodológico de pesquisa que

evidencie os traços de sua narrativa, onde se desenrolam as ações dos

personagens.

Mais que das intenções, eu gostaria de apresentar a paisagem de

uma pesquisa e, por esta composição de lugar, indicar os pontos de

referência entre os quais se desenrola uma ação. O caminhar de uma

análise inscreve seus passos, regulares ou ziguezagueantes, em

cima de um terreno habitado há muito tempo. (CERTEAU, 1998, p.

35)

Aliando o desejo de escrever sobre Julieta Pordeus Gadelha à

rigorosidade científica exigida pela academia, fomos percebendo que era

possível realizar uma pesquisa que atendesse “a cientificidade exigida pela

academia, mas que deixa transparecer aos olhos do leitor sua visão subjetiva e

apaixonada.” (DUARTE, 2003, p. 21).

Para este trabalho, escolhemos o enfoque metodológico da História

Cultural, que a partir da década de 1970, amplia os horizontes da pesquisa

historiográfica ao incluir novos objetos de estudo, novas fontes de pesquisa e

maneiras de analisar essas fontes. Para Burke, (2008, p. 44) “O interesse por

Page 45: UM JOGO DE LEMBRANÇAS: GÊNERO, CULTURA E … · A família do meu marido, sobretudo minha sogra Ana Paula Cavalcanti, pelas ... a bandeira e o hino de Sousa e o Literarte. Meu muito

44

cultura, historia cultural e “estudos culturais” ficou cada vez mais visível nas

décadas de 1980 e 1990” com efeitos e significados distintos nas disciplinas”.

Esse novo paradigma de pesquisa abriu possibilidades para o uso de

conceitos como práticas, representações e cultura que foram utilizados nessa

pesquisa para dar suporte à prática educativa de Julieta Pordeus Gadelha.

Desse modo, nos apropriamos do conceito de cultura, a partir de Peter Burke,

quando afirma que este termo, passou a ser usado no plural e em sentido cada

vez mais amplo (BURKE, 2008). Ainda segundo este autor:

[...] hoje, mais do que nas décadas passadas, os historiadores tendem a usar expressões como “cultura da imprensa”, “cultura de corte”, ou “cultura do absolutismo”. Os exemplos seguintes, tirados de títulos de livros publicados na década de 1990, devem bastar para revelar a tendência: “a cultura do mérito”, “a cultura da empresa”, “a cultura do jogo”, “a cultura do seguro de vida”, “a cultura do amor”, “a cultura do puritanismo”, “a cultura do absolutismo”, “a cultura do protesto”, “a cultura do segredo” e a “cultura da polidez”. [...] Estamos a caminho da história cultural de tudo: sonhos, comida, emoções, viagem, memória, gesto, humor, exames e assim por diante. (2008, p. 46)

Nessa perspectiva, cultura tem um conceito antropológico e

costumava se referir às artes e às ciências. Depois, foi empregado para descrever seus equivalentes populares – música folclórica, medicina popular e assim por diante. Na última geração, a palavra passou a se referir a uma ampla gama de artefatos (imagens, ferramentas, casas e assim por diante) e práticas (conversar, ler, jogar). (BURKE, 1991, p. 43).

Ainda segundo este autor, (1991, p. 65), a História Cultural sofreu forte

influência do Feminismo, uma luta pela independência do controle masculino

que estava “preocupada tanto em desmascarar os preconceitos masculinos

como em enfatizar a contribuição feminina para a cultura, praticamente invisível

na grande narrativa tradicional”. Segundo Scott (1989, p. 19), “[...] a história do

pensamento feminista é uma história de recusa da construção hierárquica da

relação entre masculino e feminino”.

Para o presente trabalho o termo cultura significou uma forma de

estabelecer a ponte entre o universo simbólico, as representações e as práticas

da escritora Julieta Pordeus Gadelha com o contexto histórico da cidade de

Page 46: UM JOGO DE LEMBRANÇAS: GÊNERO, CULTURA E … · A família do meu marido, sobretudo minha sogra Ana Paula Cavalcanti, pelas ... a bandeira e o hino de Sousa e o Literarte. Meu muito

45

Sousa - Paraíba. Portanto, a forma como a sociedade sousense tece a teia

cultural e compõe o contexto social de todos os espaços ocupados pela

escritora, são elencados nos capítulos dessa pesquisa.

Em consonância ao nosso objeto de estudo, através das obras de Julieta

Gadelha, tivemos a possibilidade de conhecimento sobre contextos históricos

de outras épocas, discursos ideológicos dos governos, opiniões de autores

sobre acontecimentos do município, fatos marcantes na história de Sousa - PB,

pois é “a análise das práticas que, diversamente, se apreendem dos bens

simbólicos” para produzir assim “usos e significações diferenciadas”.

(CHARTIER, 1991, p. 178).

Nesse sentido, nos apropriamos dos universos simbólicos, dos valores

culturais e identitários da sociedade sousense em tempos remotos,

estabelecendo uma relação entre presente e passado, pois, como assinala

Morais (2003, p. 27) “construir essa relação do presente com o passado é

tarefa do historiador; mais precisamente da historiografia. Como se dá essa

relação? Como escrever essa história? [...]”.

Com certa freqüência, aparecem no texto, outros conceitos advindos da

História Cultural, como práticas e representações. Para explicar o termo

representação, Chartier recorre às definições de Furetière (1727),

apresentando dois sentidos:

[...] as acepções correspondentes à palavra “representação” atestam duas famílias de sentido aparentemente contraditórias: por um lado, a representação faz ver uma ausência, o que supõe uma distinção clara entre o que representa e o que é representado; de outro, é a apresentção de uma presença, a apresentação pública de uma coisa ou pessoa. Na primeira acepção, a representação é o instrumento de um conhecimento mediato que faz ver o objeto ausente substituindo-lhe uma “imagem” capaz de repô-lo em memória e de “pintá-lo” tal como é. Dessas imagens, algumas são totalmente materiais substituindo ao corpo ausente um objeto que lhe seja semelhante ou não: tais os manequins de cera, de madeira ou couro que eram postos sobre um sepulcral monárquica durante os funerais franceses e ingleses. (CHARTIER, 1991, p. 184)

Page 47: UM JOGO DE LEMBRANÇAS: GÊNERO, CULTURA E … · A família do meu marido, sobretudo minha sogra Ana Paula Cavalcanti, pelas ... a bandeira e o hino de Sousa e o Literarte. Meu muito

46

O conceito de representação, nesse sentido, se trata de uma série de

significados atribuídos e atrelados a um sujeito ou instituição. Apresenta uma

realidade que, muitas vezes, está ausente ou distante, mas que é rememorada.

Ao escrever os livros sobre a história do município de Sousa - Paraíba,

além de inúmeras crônicas sobre o cotidiano daquele lugar, Julieta Pordeus

Gadelha traz uma representação do passado sousense, que não é, em

nenhum momento, neutra, pois toda representação parte de um ponto de vista

do autor, cheio de crenças, valores culturais, significados, contexto social e

econômico.

Todas as contribuições culturais que deixou para o município de Sousa

se configuram em práticas educativas à medida que informa, instrui e alimenta

os leitores com fontes que representam a constituição de um lugar. São

práticas “que visam a fazer reconhecer uma identidade social, a exibir uma

maneira própria de ser no mundo, a significar simbolicamente um estatuto e

uma posição”. (CHARTIER, 1991, p. 183). Assim conhecemos a Julieta

Pordeus Gadelha, representada em suas práticas.

Ao nos debruçarmos sobre o legado cultural deixado pela escritora

percebemos uma heterogeneidade de significados, composto por crenças,

valores, conceitos, preconceitos, visão crítica, posicionamento e aspectos

sociais que fazem parte de um jogo de representações elencados nos seus

modos de ser e fazer educação.

Como uma pessoa que fazia parte de uma determinada classe social - a

dominante, de uma determinada raça - a branca e um determinado gênero - o

feminino, além das implicações sociais, Julieta Gadelha parte de pontos de

vista e considerações que eram decorrentes das características acima

elencadas, permitindo que ela pensasse de uma maneira e não de outra.

Nesse sentido o conteúdo de sua escrita está carregado de significados

e representações que advém de suas práticas, da cultura em que esteve

inserida. Sobre as práticas culturais, Chartier (1990, p. 135), nos afirma que:

“[...] a história das práticas culturais deve considerar necessariamente essas

Page 48: UM JOGO DE LEMBRANÇAS: GÊNERO, CULTURA E … · A família do meu marido, sobretudo minha sogra Ana Paula Cavalcanti, pelas ... a bandeira e o hino de Sousa e o Literarte. Meu muito

47

intricações e reconstituir trajectórias complexas, da palavra proferida ao texto

inscrito, da escrita lida aos gestos feitos, do livro impresso à palavra leitora”.

Sobre o termo práticas, Burke (2008, p. 78) afirma que “é um dos

paradigmas da Nova Historia Cultural”, relacionado a uma infinidade de

estudos e interesses como a maneira de sentar-se a mesa, as práticas do

consumo, as práticas de obediência, de escrita, da linguagem, da coleção.

O que fica evidenciado no conceito de práticas é que foi utilizado numa

perspectiva de pesquisa mais específica, menos generalizada e também,

menos clássica, ou seja, “a história das práticas religiosas e não da teologia, a

história da fala e não da lingüística, a história do experimento e não da teoria

científica”. (BURKE, 2008, p. 78)

Nesse sentido, trazer a história e memória da prática educativa de

Julieta Pordeus Gadelha não diz respeito somente à prática pedagógica trata-

se, pois, de adentrar nos contextos de outros espaços sociais de que fez parte,

como os jornais, as revistas, as rádios, os livros publicados, a construção da

bandeira e a composição do hino do município de Sousa. Por isso, a prática

educativa é vista como “um fenômeno social, uma atividade humana

necessária à existência e funcionamento de todas as sociedades”, segundo

Libâneo, (1994, p. 16).

Assim, fundamentada na perspectiva da Nova Historia Cultural, nos

propomos trazer a história e a memória de Julieta Pordeus Gadelha,

principalmente, através de suas obras, pois, nos conteúdos das mesmas,

percebemos as memórias sousenses narradas que dão suporte a estudos

sobre a história local do município, nas salas de aulas e a pesquisadores em

geral, tornando-se, dessa forma, uma prática educativa.

As maneiras de se fazer educação estão imbricadas nos gestos, nos

costumes, nos papeis sociais, nos códigos culturais, de tal forma que

constatamos que nada escapa a educação.

É só olhar em volta... se ninguém, nem nada, escapa à educação, então há uma dimensão educativa instalada na sociedade. A escola é instituição que educa e instrui, mas cada sociedade cria, e cada uma a seu tempo, maneiras de educar homens e mulheres, crianças, jovens e adultos. (LOPES, 1994, p. 21)

Page 49: UM JOGO DE LEMBRANÇAS: GÊNERO, CULTURA E … · A família do meu marido, sobretudo minha sogra Ana Paula Cavalcanti, pelas ... a bandeira e o hino de Sousa e o Literarte. Meu muito

48

Durante o percurso de construção deste trabalho, inúmeras foram as

inquietações que apareceram, à medida que rastreávamos as fontes e

conhecíamos mais sobre nosso objeto de estudo. As perguntas de pesquisa

surgiram quando estabelecemos uma relação mais aprofundada com o objeto

de estudo. Para Lopes, (1994, p. 21):

A inserção do historiador e sua relação com o objeto tornam inevitáveis certas perguntas. Perguntas, para ele, certas. Interrogar o objeto para que ele revele, na sua fragmentação, sua inteireza ou sua totalidade possível.

Nesse sentido, algumas indagações foram necessárias, fruto de

curiosidades e vontade de conhecer mais sobre a autora principalmente porque

se trata de um trabalho inédito, pois, nunca antes deste, houve algum que

tenha falado ou discorrido sobre Julieta Gadelha com maior profundidade e

caráter científico. Entre tantas perguntas de pesquisa, selecionamos: Qual a

trajetória histórica percorrida pela escritora Julieta Pordeus Gadelha? De que

forma Julieta Pordeus Gadelha contribui para o município de Sousa? Que

aspectos de sua biografia foram estruturantes para a composição do legado

cultural que deixou? O que representam os conteúdos das obras publicadas?

Foram indagações como essas que nos moveram a seguir com a

presente pesquisa, que, por diversas vezes, foi origem de um medo incontido

que intrigava sempre que íamos desvelando nosso objeto de estudo, pois uma

questão nos problematizava: qual a memória e história da prática educativa de

Pordeus Gadelha? Parafraseando Lopes, quando nos momentos de angústia,

indagávamos: “Conseguirei ao menos compor um corpus que dê possibilidades

de respostas ao meu problema?” (1994, p. 20).

Para análise destas práticas fizemos o uso de diversas fontes que se

tornaram indispensáveis para adentrar nos caminhos percorridos pela escritora.

Esse percurso foi possibilitado através de idas a bibliotecas, arquivos públicos

dos municípios de João Pessoa e Sousa, sebos culturais, casas de familiares e

pessoas de convivência da educadora.

Na busca das fontes, sobretudo no trabalho de diálogo com elas, o

processo de escansão nos deixava angustiadas. Ter as fontes, porém,

Page 50: UM JOGO DE LEMBRANÇAS: GÊNERO, CULTURA E … · A família do meu marido, sobretudo minha sogra Ana Paula Cavalcanti, pelas ... a bandeira e o hino de Sousa e o Literarte. Meu muito

49

estabelecer uma relação entre essas e o objeto de estudo, de modo que desse

significado ao texto, era um desafio que nos intrigava constantemente.

Ir às fontes; vasculhar os arquivos. Começa aquilo que é sonho e que é pesadelo. Fantasias e medos, volúpias acadêmicas que se repetem cotidianamente: “aquele” livro de atas, um livro de ocorrências, registro de faltas e punições, diários íntimos, fotografias, quero tudo... não terei nada. (LOPES, 1994, p. 20)

A partir de então, iniciamos o trabalho de busca, seleção e divisão das

fontes, de modo que pudéssemos estabelecer as categorias de análises.

As primeiras fontes que tivemos contato e as mais importantes para a

caracterização do objeto foram obras de sua autoria. Os livros Antes que

ninguém conte e Crônicas para mamãe ler nos deram as iniciais noções de

representação sobre Julieta Pordeus Gadelha. Parafraseando Morais, (2003, p.

24), foi “examinando seus livros - o que ela transparecer e o que pude perceber

-, ela foi tomando corpo.”

Através dos seus textos, pudemos conhecer como pensava, o que

discutia, quais as reminiscências da época em que escreveu sobre o município

de Sousa, pois, “face a um texto, é historicamente produzido um sentido e

diferenciadamente construída uma significação”. (CHARTIER, 1990, p. 121)

No livro, Antes que ninguém conte, percebemos o gênero historiográfico

ao narrar sobre fatos do município de Sousa: os primeiros habitantes, os

monumentos históricos, as pessoas ilustres, a vida política, social e econômica

de um local intensamente conhecido na Paraíba, como a “Cidade Sorriso”

expressão que remete à cidade numa época de prosperidade com as usinas de

algodão como grande contribuição para a economia local.

Na obra Crônicas para mamãe ler, de cunho memorialístico, além de

narrar histórias e aspectos curiosos ocorridos em Sousa e na Paraíba, Julieta

Pordeus Gadelha conta memórias pessoais sobre sua vida, desde a estudantil

até as opiniões sobre os novos modelos de comportamentos da juventude e

roupas femininas. Entre tantas histórias pessoais narradas no livro, como a ida

a cidade de Cajazeiras, em virtude dos 100 (cem) anos de emancipação

Page 51: UM JOGO DE LEMBRANÇAS: GÊNERO, CULTURA E … · A família do meu marido, sobretudo minha sogra Ana Paula Cavalcanti, pelas ... a bandeira e o hino de Sousa e o Literarte. Meu muito

50

política; o fato de ter um grilo em seu quarto, dando a denominação de

seresteiro ao inseto; selecionamos a crônica Minha Segunda Morte (À Sônia

Gadelha) em que relata a dor que sofreu com a morte de sua tia.

Na crônica Minha Segunda Morte (À Sônia Gadelha) – Julieta faz várias

menções à vida pessoal, na infância, na casa dos pais. Uma delas se refere ao

que considera de segunda morte, crônica dedicada a sua tia, em ocasião de

seu falecimento. A autora lamenta a dor da morte e escreve sobre o quanto é

triste perder alguém que ama situação que denomina de segunda morte:

Um poeta falou que tôda criatura humana morre duas vêzes. A segunda morte acontece antes da primeira: morre uma metade da gente. Perde-se alguém ou alguma cousa muito amada. Sente-se que o coração foi dividido em duas partes e arrancado do peito uma delas; sente-se que a alma foi espezinhada e bipartida por uma dor incomparável.

Eu já morri a minha segunda morte, a minha segunda vez. Arrancara-me bruscamente a metade do meu coração, deixando-me o peito aberto, sangrando e copiosamente as lágrimas escarlates da tristeza. (GADELHA, 1965, p. 50)

Na condição de leitora, estivemos mergulhadas nas narrativas, nos

surpreendendo com algumas delas ou nos encontrando em outras que já eram

do nosso conhecimento. À medida que as leituras avançavam, iam se

transformando em práticas significativas, dando margem à criação de sentidos

e significados, pois, como assinala Chartier (1990, p. 123).

[...] a leitura é prática criadora, actividade produtora de sentidos singulares, de significações de modo nenhum redutíveis às intenções dos autores de textos ou dos fazedores de livros: ela é uma caça furtiva, no dizer de Michel de Certeau. Por outro lado, o leitor é sempre, pensado pelo autor, pelo comentador e pelo editor como devendo ficar sujeito a um sentido único, a uma compreensão correcta, a uma leitura autorizada.

Sendo prática criadora ou pensada pelo autor, as obras da escritora,

foram as principais fontes de análise dessa pesquisa. De acordo com elas,

procuramos compreender os contextos sociais em que esteve inserida, seu

cotidiano, o cotidiano sousense, a classe social, os aspectos culturais e de

gênero presentes em Julieta Pordeus Gadelha.

Page 52: UM JOGO DE LEMBRANÇAS: GÊNERO, CULTURA E … · A família do meu marido, sobretudo minha sogra Ana Paula Cavalcanti, pelas ... a bandeira e o hino de Sousa e o Literarte. Meu muito

51

A título de exemplo, na crônica Absolvo Pedro o poeta, de 1965 em que

escreve sobre a condenação do ex governador da Paraíba, Pedro Gondim, sua

posição política na década de 1960, simboliza para nós uma prática educativa

porque revela a opinião de uma mulher escritora frente à condenação do poeta.

A autora utiliza-se de uma analogia para expressar sua opinião política a

respeito da condenação do então governador do Estado da Paraíba que teve,

“em 7 de fevereiro de 1967, o mandato cassado e os direitos políticos

suspensos por dez anos pelo presidente Costa e Silva” (ZENAIDE, 2002, p.

10):

Pedro, o Governador, é o mesmo poeta Pedro que não nos dá tanto para vivermos materialmente, porque quer nos oferecer tanto ou mais do que queremos e para que possamos viver espiritualmente. Ninguém vive, ninguém pode viver sem um adorno de poesia porque a vida já é bastante amarga para que a suportemos sem um realce, seja de lirismo, seja de realidade que deleita, pois é menos triste a realidade contada num poema do que acontecida e narrada na sua mais veemente expressão da verdade sofrida. [...] E se em mim o emocional supera tudo, eu absolvo Pedro, o poeta, diante do tribunal apaixonado que condena Pedro, o Governador!...(GADELHA, 1965, p. 41- grifos da autora).

Acreditamos que, pelo fato de sua família também estar ligada a política,

pois seu pai foi prefeito do município de Sousa por dois mandatos, a crônica foi

fruto de uma relação política e de amizade entre Julieta Pordeus Gadelha, sua

família e o então governador da época, Pedro Gondim.

Esta relação fez com que a família de Julieta Pordeus fosse convidada

pelo governador para um evento contra o câncer, que aconteceu na capital do

estado da Paraíba, João Pessoa. O convite endereçado à família de Julieta

mostra que além da presença no evento, as atrações seriam a própria Julieta

Gadelha e irmãos, através do grupo musical, Conjunto Regional de Sousa, do

qual fazia parte, conforme podemos perceber nas imagens abaixo:

Page 53: UM JOGO DE LEMBRANÇAS: GÊNERO, CULTURA E … · A família do meu marido, sobretudo minha sogra Ana Paula Cavalcanti, pelas ... a bandeira e o hino de Sousa e o Literarte. Meu muito

52

Imagem III: Convite da Rede de Combate ao câncer endereçado à família de Julieta

Pordeus Gadelha para comparecimento a um coquetel.

Fonte: acervo pessoal da escritora Julieta Pordeus Gadelha.

Page 54: UM JOGO DE LEMBRANÇAS: GÊNERO, CULTURA E … · A família do meu marido, sobretudo minha sogra Ana Paula Cavalcanti, pelas ... a bandeira e o hino de Sousa e o Literarte. Meu muito

53

A luta de combate ao câncer na Paraíba, principalmente na capital João

Pessoa, já existia desde quando o médico Napoleão Laureano, na década de

1950, vinha empreendendo forças para a construção de um hospital público

que atendesse às pessoas acometidas por essa doença. O próprio médico

Napoleão Laureano tinha câncer e em estágio terminal de vida, com as forças

debilitadas durante o ano de 1951, ainda fazia apelo para a construção do

hospital.

Em conseqüência dos esforços despendidos, desde que aqui chegou, o doutor Laureano não tem mais forças. Ontem passou a noite em claro, chamando a cada minuto pela esposa, que não o abandonava. Amanheceu melhor e voltou a ser o homem estóico. Declarou: O povo compreendeu o alcance do movimento que encabecei. Agradeço mais uma vez a colaboração de todos, em meu nome e de todos os cancerosos do Brasil. (JORNAL A UNIÃO, 1951 apud JORNAL O BE A BA DO SERTÃO, 2012).

No dia 24 de fevereiro de 1962 é inaugurado o Hospital Napoleão

Laureano no município de João Pessoa, depois de várias empreitadas de

empresários, políticos e militantes na busca pela arrecadação de verbas. No

ato solene de abertura comparece o então governador da época, Pedro

Gondim.

Na imagem do convite não é possível localizar a data do coquetel,

porém, se estava no governo de Pedro Gondim, acreditamos que tenha

ocorrido na década de 1960.

Em 03 de junho de 1965, outro convite é endereçado ao pai de Julieta

Pordeus Gadelha, seu Tozinho, vindo do diretor do Colégio Estadual de

Campina Grande informando que “por ordem do governador Pedro Gondim”,

um carro será enviado a Sousa a fim de conduzir as meninas até João Pessoa.

Ainda segundo o convite, um recital acontecerá no dia seguinte, as 16

(dezesseis) horas.

As palavras elencadas no convite deixam margem para acharmos que o

recital seria feito por Julieta Pordeus Gadelha e sua irmã, Criseuda Gadelha.

Em conversa com familiares, fomos informadas de que as irmãs se

apresentavam em eventos sociais, chegando a fazer parte de uma banda de

música no município de Sousa. Além disso, mais uma vez, fica evidenciado o

Page 55: UM JOGO DE LEMBRANÇAS: GÊNERO, CULTURA E … · A família do meu marido, sobretudo minha sogra Ana Paula Cavalcanti, pelas ... a bandeira e o hino de Sousa e o Literarte. Meu muito

54

estreito laço que sua família tinha com o governador do estado da Paraíba,

Pedro Gondim.

Imagem IV: convite endereçado à família de Julieta Pordeus Gadelha

Fonte: acervo pessoal da escritora Julieta Pordeus Gadelha.

Após as análises das duas imagens, passamos a compreender melhor a

crônica Absolvo Pedro o poeta, publicada em 1965, ocasião em que a escritora

se coloca diante da condenação do governador. Além disso, na campanha para

governador do estado da Paraíba, em 1960, Pedro Gondim teve como vice o

sousense André Avelino de Paiva Gadelha, conhecido por Zabilo Gadelha, o

que estreita os laços entre a família de Julieta Gadelha e Pedro Gondim. Sobre

este aspecto político, Zenaide (2002, p. 29), informa que:

Page 56: UM JOGO DE LEMBRANÇAS: GÊNERO, CULTURA E … · A família do meu marido, sobretudo minha sogra Ana Paula Cavalcanti, pelas ... a bandeira e o hino de Sousa e o Literarte. Meu muito

55

Para vice-governador, foi escolhido o industrial André Avelino de Paiva Gadelha, popularmente conhecido por Zabilo Gadelha, lá de Sousa. Zabilo Gadelha era o rei do algodão no sertão. Ele e o irmão, José de Paiva Gadelha. Pedro Gondim não tinha dinheiro. Mas Zabilo Gadelha tinha. E dinheiro limpo, dinheiro bom, de algodão. Não era dinheiro de obras públicas federais. Também isso deu certo.

Imagem V: recepção a Pedro Gondim no município de Sousa - PB feita pelo

empresário José de Paiva Gadelha. Felinto da Costa Gadelha, pai de Julieta Pordeus Gadelha

é o último, da esquerda para direita. Não sabemos a data em que ocorreu a recepção.

Fonte: rede social.

Existe uma representação na escrita de Julieta Gadelha. Representação

de uma classe social a que pertenceu, representação de uma religião a que fez

parte, representações que nos dão as percepções da sociedade sousense nas

obras analisadas não sendo, de forma alguma, discursos neutros.

Analisamos os conteúdos das obras publicadas pela escritora no sentido

de visualizar as representações sociais que estavam presentes ou a ordem

Page 57: UM JOGO DE LEMBRANÇAS: GÊNERO, CULTURA E … · A família do meu marido, sobretudo minha sogra Ana Paula Cavalcanti, pelas ... a bandeira e o hino de Sousa e o Literarte. Meu muito

56

estabelecida e transmitida pela autora, através do discurso emitido, pois, como

postula Chartier (1994, p. 8) “as obras, os discursos, só existem quando se

tornam realidades físicas, inscritas sobre as páginas de um livro” [...].

O conhecimento da cultura sousense está presente nas obras de Julieta

Gadelha, além dessas obras expressarem como vivia e pensava a autora, suas

relações sociais e as posições pessoais sobre os conteúdos de suas

publicações. “[...] Traço, segundo minha percepção, todo um percurso dos

vestígios da existência dessa escritora sinalizada nos arquivos, nos livros que

ela publicou e nos livros que ficaram por publicar.” (MORAIS, 2003, p. 24)

A nossa expectativa, enquanto leitora das obras de Julieta Gadelha, deu

significados plurais, móveis:

As obras - mesmo as maiores, ou, sobretudo, as maiores – não têm sentido estático, universal, fixo. Elas estão investidas de significados plurais e móveis, que se constroem no encontro de uma proposição com uma recepção. Os sentidos atribuídos às suas formas e aos seus motivos dependem das competências ou das expectativas dos diferentes públicos que delas se apropriam. (CHARTIER, 1994, p. 9)

No entanto, para o processo de amadurecimento do objeto de estudo,

realizamos visitas à casa de Julieta Pordeus Gadelha, no ano de 2014, que

estava com 86 (oitenta e seis) anos de idade. Fomos recebidas por sua irmã

mais nova Zélia Gadelha Virgínio e por sua cuidadora, Maria Alves Pinto,

carinhosamente conhecida como Maria de Lelê, que nos acolheram com muita

gentileza cedendo informações relevantes sobre sua vida pessoal e

profissional, através de conversas informais.

Elaboramos um roteiro de dúvidas e questionamentos para saber um

pouco mais a respeito do nosso objeto de estudo, porém, à medida que o

diálogo foi estabelecido, questões que não estavam no roteiro, iam sendo

contempladas.

Durante as visitas tivemos acesso ao acervo pessoal da escritora,

ocasião em que pudemos recolher outras fontes como fotos, documentos

pessoais, licença para habilitação de direção de veículo, carteiras para

entradas em clubes de futebol, rascunhos de textos publicados, livros que

Page 58: UM JOGO DE LEMBRANÇAS: GÊNERO, CULTURA E … · A família do meu marido, sobretudo minha sogra Ana Paula Cavalcanti, pelas ... a bandeira e o hino de Sousa e o Literarte. Meu muito

57

estavam prontos para publicação e nunca foram lançados, homenagens

prestadas por órgãos públicos, convites para se fazer presente em eventos de

cunho literário, entre outras fontes da vida de Julieta Pordeus Gadelha.

Ao conversar com sua irmã, Zélia Gadelha Virgínio, nos sentimos

privilegiadas, pois a mesma relatou que várias vezes, outras pessoas quiseram

escrever sobre Julieta, porém, não tiveram êxito. Além de sua irmã, a

cuidadora Maria de Lelê, nos prestou informações muito valiosas quanto à vida

de Julieta Gadelha, através de fotos e publicações.

As visitas foram fundamentais para a construção do objeto de estudo

desse trabalho, pois, a partir das informações colhidas, estabelecemos o

recorte temporal da pesquisa que inicia na década de 1950 até a de 2000.

A justificativa para a delimitação desse recorte temporal se fez em

virtude de que foi a partir da década de 1950, que Julieta Pordeus Gadelha

entrou para a imprensa sousense. No ano de 2000, entretanto, temos como

uma das últimas atuações de Julieta Gadelha na cultura sousense através da

fundação do Centro Cultural e Memorial Tozinho Gadelha, um museu em

homenagem ao seu pai em que apresenta a história de Sousa, através de fotos

e objetos.

Sua publicação inicial acontece na primeira fase de circulação da

Revista Letras do Sertão, entre novembro de 1951 a julho de 1961 com a

crônica intitulada Igual Desdita, na edição de número 6, em março de 1953.

A Revista Letras do Sertão era um meio de comunicação dos sertanejos

que a idealizaram, um grupo de intelectuais sousenses, pertencentes às

famílias tradicionais e elitistas do município. Os conteúdos veiculados foram os

mais variados, desde a política, passando por assuntos do cotidiano, a

historiografia do município até aspectos da vida pessoal dos autores.

Na referida revista, Julieta Pordeus Gadelha publicava crônicas, que às

vezes eram lidas nas rádios, sobre assuntos diversos. Ao escrever, a autora

rememora aspectos contextuais de épocas remotas, aspectos que repercutem

e dão sentido a Sousa na contemporaneidade, como a política, por exemplo.

Page 59: UM JOGO DE LEMBRANÇAS: GÊNERO, CULTURA E … · A família do meu marido, sobretudo minha sogra Ana Paula Cavalcanti, pelas ... a bandeira e o hino de Sousa e o Literarte. Meu muito

58

Por ser um órgão de divulgação dos acontecimentos sousenses, a

Revista Letras do Sertão, também foi adotada, neste trabalho, como fonte de

pesquisa. De acordo com seus organizadores, a revista foi denominada “órgão

de divulgação literária”, (MATOS, 2004, p. 12), mas na prática, ultrapassou a

pretensão de literatura e abarcou aspectos sociais do cotidiano sousense.

Imagem VI: Primeira edição da Revista Letras do Sertão, novembro de 1951.

Fonte: arquivo pessoal de Eilzo Matos.

Page 60: UM JOGO DE LEMBRANÇAS: GÊNERO, CULTURA E … · A família do meu marido, sobretudo minha sogra Ana Paula Cavalcanti, pelas ... a bandeira e o hino de Sousa e o Literarte. Meu muito

59

No período de sua publicação, década de 1950, a Paraíba passava por

um momento de grande efervescência cultural e política, marcado “pela

pulverização de contestações sociais e políticas, advindas de diversos setores,

estudantes, trabalhadores urbanos, partidos de esquerda, camponeses”.

(ARAÚJO, 2002, p. 21).

Como participante da imprensa e aludindo ao contexto histórico e

político de Sousa, na época, Julieta Pordeus Gadelha (1986, p. 58), assim

escreve: “Ainda havia a ausência do respeito pela pessoa humana, os seus

direitos eram desacatados para se satisfazerem às exigências individuais,

vivendo a classe média e dos pobres à mercê das discriminações dos “chefes”.

A partir das análises extraídas do recorte temporal, pudemos perceber

as tramas políticas montadas na Paraíba durante estes conturbados anos, e

quais as falas e posturas assumidas por Julieta Gadelha dentro do contexto

social, político e cultural sousense visibilizadas através das publicações.

Muitas de suas falas e posturas foram expressas nas páginas dos livros,

às vezes como resposta ou desabafo diante de uma situação narrada

configurando a representação de uma classe social ou religião a qual pertencia,

aludindo ao simbolismo, expresso através de um código cultural.

Tais demandas não podem necessariamente serem explicadas pela razão, ou pela lógica dos fatores político-sociais, mas ao contrário, se enquadram no universo das paixões e das sensibilidades, no universo do simbólico, do mítico. (ARAÚJO, 2009, p. 10)

Salientamos, entretanto, que a delimitação desse recorte temporal, não

significa que aspectos de outras épocas não sejam mencionados. Muitas

vezes, para a compreensão do assunto, foi preciso que aspectos que

antecederam os fatos fossem citados, sobretudo, porque no livro Antes que

ninguém conte, fala sobre o município de Sousa, desde quando era habitado

pelos dinossauros, há milhões de anos.

Realizamos ainda, pesquisas na instituição de ensino Colégio Nossa

Senhora Auxiliadora - CNSA, local em que estudamos e tivemos as primeiras

leituras sobre as obras de Julieta Pordeus Gadelha.

Page 61: UM JOGO DE LEMBRANÇAS: GÊNERO, CULTURA E … · A família do meu marido, sobretudo minha sogra Ana Paula Cavalcanti, pelas ... a bandeira e o hino de Sousa e o Literarte. Meu muito

60

A justificativa para as pesquisas na referida instituição se deu em virtude

de que o CNSA, foi, no passado, a Escola Normal São José, educandário

religioso em que estudou Julieta Gadelha. A Escola Normal São José

funcionou a partir de 1939 e representava a educação da juventude elitista

sousense. Essa escola teve como fundador e diretor, o professor Virgílio Pinto

de Aragão, o professor Senhorzinho, tio de Julieta Gadelha.

No Colégio Nossa Senhora Auxiliadora, tivemos acesso a outras fontes,

tais como fotos e homenagens prestadas ao professor Senhorzinho, pela

contribuição à educação do município de Sousa.

Nas pesquisas realizadas nesta instituição, revisitamos o Memorial dos

50 anos do Colégio Nossa Senhora Auxiliadora, fundado em 2005, em ocasião

da comemoração do Jubileu de Ouro. Fomos gentilmente recebidas pela

secretária da instituição, Wandirleuza Pinheiro Sarmento, que nos permitiu

acesso ao Memorial.

Ainda tivemos uma conversa com a irmã Aurélia Maria Gonçalves Grecy,

que atuou como diretora daquele educandário. Madre Aurélia, como é

conhecida, também foi nossa diretora, durante os anos em que estudamos

naquela instituição de ensino, de 1990 a 2000.

Durante a conversa, madre Aurélia nos cedeu aspectos relevantes sobre

a fundação do Colégio e o processo de transição entre Escola Normal São

José e Colégio Nossa Senhora Auxiliadora, enfatizando a intensa participação

do professor Virgílio Pinto para a abertura da Escola Normal. Esses aspectos

foram relevantes para as partes constituintes da pesquisa.

À medida que realizávamos nossas pesquisas, buscando fontes e

ouvindo pessoas, vários nomes foram citados. Em todos os locais,

especificamente, foi citado o nome de Evilásio Marques Pinto, seu Vila, filho do

professor Virgílio Pinto de Aragão. Era sempre citado como uma pessoa que

além de guardar o acervo desse professor que muito contribuiu para a

educação sousense.

Dessa forma, na terceira viagem que fizemos ao município de Sousa,

visitamos seu Vila que, educadamente, nos recebeu em sua residência. Seu

Page 62: UM JOGO DE LEMBRANÇAS: GÊNERO, CULTURA E … · A família do meu marido, sobretudo minha sogra Ana Paula Cavalcanti, pelas ... a bandeira e o hino de Sousa e o Literarte. Meu muito

61

Vila nos apresentou diversos aspectos importantes sobre o professor Virgílio

Pinto de Aragão, nos cedeu fotos, emprestou livros e nos presenteou com

outras fontes, como um folheto publicado em homenagem aos 110 anos da

morte do professor Senhorzinho.

Naquela ocasião, tivemos acesso à pesquisa intitulada Roteiro de uma

cidade perdida em sua história: Sousa, de autoria de sua filha Lucíola Marques

Pinto, já falecida. O trabalho dessa escritora esboça traços da educação de

Sousa, através da fundação da Escola Normal São José, sob a

responsabilidade do professor Virgílio Pinto de Aragão. Outro livro de sua

autoria, também a nós oferecido, foi Professor Virgílio Pinto de Aragão, uma

homenagem que fez ao seu avô, em que relata as experiências docentes, a

intensa participação em eventos culturais sousenses, além das homenagens

póstumas.

No acervo de seu Vila, também tivemos acesso a fotos da Escola

Normal São José e histórias curiosas daquele educandário.

É necessário destacar o quanto estes documentos foram importantes

para a compreensão de aspectos que contam a história de Sousa,

especificamente, da educação, através da memória do professor Virgílio Pinto

de Aragão.

Em seguida, realizamos a pesquisa documental na Décima Regional de

Ensino do Estado da Paraíba, no município de Sousa, através da análise de

informações extraídas de arquivos, como diários de classe, pareceres e outros

documentos encontrados. Encontramos, nesta pesquisa, diários de classe de

professores da Escola Normal São José e do Colégio 10 de julho, instituições

de ensino que estavam sob a direção do professor Virgílio Pinto.

Na Décima Regional de Ensino da cidade de Sousa fomos muito bem

recebidas pela gestora, Maria do Socorro Antunes Pereira Ferreira, pela

secretária Gilmara Alves Formiga e por Rochael, secretário que nos ajudou

com os arquivos do almoxarifado, já amarelados pelo tempo. Foi muito

importante ver os diários de épocas tão remotas que deviam ter grande

significado na mesa dos educadores que os manejavam!

Page 63: UM JOGO DE LEMBRANÇAS: GÊNERO, CULTURA E … · A família do meu marido, sobretudo minha sogra Ana Paula Cavalcanti, pelas ... a bandeira e o hino de Sousa e o Literarte. Meu muito

62

O encontro com as fontes e arquivos selecionados nos proporcionou

maior aproximação com o objeto estudado, o problema agora seria o que fazer

com cada um (a) delas (es).

A partir do momento em que um objeto passa a ser estudado, que se vai a campo, que se colhe o material em fontes previamente detectadas e selecionadas, mas ainda assim de natureza e qualidade desiguais, coloca-se uma questão: o que fazer de tudo isso? Como entender esse material? Como fazer dele um todo coerente que possa informar-nos, depois, sobre esse todo? (LOPES, 1994, p. 20)

A partir de um contraponto entre o trabalho de pensamento e do trabalho

de categorização conseguimos extrair do diálogo com as fontes, nossas

categorias de análise.

Por todas as leituras e interpretações das fontes, os caminhos desta

pesquisa nos levaram as categorias de prática educativa, história local e

gênero.

A categoria prática educativa foi visualizada porque está relacionada ao

legado cultural deixado pela escritora Julieta Pordeus Gadelha, na condição de

que, à medida que oferece a Sousa o estudo sobre sua história local, contribui

com a educação daquele lugar. Trazer estas contribuições, através das suas

práticas, se constitui como parte deste trabalho. Não só a prática pedagógica,

mas todos os lugares em que fez educação seja nas publicações das crônicas

e dos livros sobre a história do município ou ao construir a bandeira e o hino.

Prática educativa, para nós, ultrapassa a prática pedagógica que é

estabelecida em sala de aula por agentes da educação. Ao escolher prática

educativa como categoria de análise, estamos considerando que as obras de

Julieta Gadelha, além do hino e da bandeira do município de Sousa

ultrapassam os muros escolares e se tornaram referência para a reconstrução

histórica daquele lugar, para as escolas e pesquisadores, de maneira geral.

As práticas são sempre regidas e direcionadas através das normas

estabelecidas. No caso do município de Sousa, os aspectos da cultura religiosa

católica, a efervescência política, com muitos dos habitantes representantes da

política local e nacional, além de festas tradicionais e monumentos seculares

Page 64: UM JOGO DE LEMBRANÇAS: GÊNERO, CULTURA E … · A família do meu marido, sobretudo minha sogra Ana Paula Cavalcanti, pelas ... a bandeira e o hino de Sousa e o Literarte. Meu muito

63

foram condicionantes para o estabelecimento de normas e condutas que,

adquiridas pela escritora Julieta Pordeus Gadelha, formularam as bases de sua

escrita.

É importante salientar que as normas fazem parte da cultura da classe

dominante que, ao ser inculcadas, vão sendo naturalizadas como boas e

desejáveis. “A posição que emerge como dominante é, apesar de tudo,

declarada a única possível”. Na prática, é como se as “posições normativas

fossem o produto de um consenso social e não de um conflito” (SCOTT, 1989,

p. 21).

A prática educativa de Julieta Pordeus, através das obras e crônicas, do

hino e da bandeira do município de Sousa, além da fundação do Centro

Cultural e Memorial Tozinho Gadelha representam a própria autora e todas as

normas e comportamentos que lhe foram direcionados. Por isso, trazer a tona a

história e memória de Julieta Pordeus Gadelha implica em saber quem ela foi,

como cresceu, qual o estilo de vida lhe foi ensinado desde criança, as crenças,

os valores que adquiriu, as convivências pessoais que teve, os espaços

públicos que frequentou, as amizades, a classe social... tudo fez parte de uma

conjuntura de formação pessoal que repercute na profissional e na escrita.

Quando a escrita de Julieta Gadelha se torna referência para os

conteúdos de história local, seja em Estudos Sociais (como foi o nosso caso na

infância do Colégio Nossa Senhora Auxiliadora), seja no componente curricular

de História em outras instituições, contribui para a educação do lugar, no

sentido de haver, inclusive, o sentimento de pertencimento. Nesse sentido,

para Pereira (2011, p. 3) “Ao trazer à tona acontecimentos, personagens e

lugares comuns ao estudante, possibilita sua aproximação com a disciplina

(História) e faz com que perceba a relação dialética entre passado e presente”.

A categoria história local se deu em virtude de Julieta Pordeus Gadelha

se configurar como uma historiadora local ao escrever sobre o município de

Sousa através das inúmeras publicações que tivemos acesso. Segundo Sousa

(2015), a história local é uma concepção não recente que rompe com a ideia de

que a história é, exclusivamente, global e teleológica. Ela se constitui como

uma das vertentes da Nova História:

Page 65: UM JOGO DE LEMBRANÇAS: GÊNERO, CULTURA E … · A família do meu marido, sobretudo minha sogra Ana Paula Cavalcanti, pelas ... a bandeira e o hino de Sousa e o Literarte. Meu muito

64

[...] filiadas à “Nouvelle Histoire”, nas suas vertentes do cotidiano, do imaginário e das mentalidades coletivas, e a História Social Inglesa, ao recuperar a experiência social de outros sujeitos históricos até então relegados pela historiografia tradicional, elegeram como objeto de estudo não mais os grandes temas, mas, sobretudo, os micro-temas, tendo como referência a História Local. (CORREA, 2002, p. 11)

A história local parte de uma vivência em sociedade que é contada

através da relação com o passado. Segundo Samuel (1989, p. 220) a história

local “dá ao pesquisador uma ideia muito mais imediata do passado. Ele a

encontra dobrando a esquina e descendo a rua. Ele pode ouvir seus ecos no

mercado, ler o seu grafite nas paredes, seguir suas pegadas nos campos”.

Nesse sentido, toda vivência da escritora Julieta Pordeus Gadelha no

cotidiano letrado sousense lhe deu as bases para a escrita local do município

de Sousa. Foi a partir dos ambientes em que esteve inserida, com as pessoas

com as quais conviveu e todos os contextos em que marcou presença, seja na

música, nas rádios, na Revista Letras do Sertão, em Sousa ou em outros

municípios da Paraíba que ela conta uma história local sousense,

possibilitando aos leitores, a contextualização do passado.

A sua escrita nos deu a possibilidade de “contextualizar essa vivência

em uma vida em sociedade e articular a história individual a uma história

coletiva” (BITTENCOURT, 2009, p. 165). Até quando conta sobre suas

memórias, a escritora Julieta Pordeus Gadelha parte de um contexto que nos

permite visualizar aspectos de um passado que vai sendo apresentado.

A categoria gênero estabelece uma relação direta com a educação que

lhe foi, culturalmente, direcionada. Neste trabalho, não foi considerada como

um aspecto do determinismo biológico, mas como um modo social de relação

entre os sexos. Nesse sentido, o gênero se confira como uma categoria que

“incorpora um modo de construção social que uma dada cultura estabelece ou

elege em relação a um dos sexos” (LOPES 1994, p. 28). O gênero se constitui

como “uma forma primeira de significar as relações de poder” (SCOTT, 1989,

p. 21)

Page 66: UM JOGO DE LEMBRANÇAS: GÊNERO, CULTURA E … · A família do meu marido, sobretudo minha sogra Ana Paula Cavalcanti, pelas ... a bandeira e o hino de Sousa e o Literarte. Meu muito

65

A categoria gênero é muito recente e também faz parte da vertente da

História Cultural, adotada neste trabalho, enquanto perspectiva metodológica.

Sobre este aspecto Scott (1989, p. 19), nos afirma que:

As preocupações teóricas relativas ao gênero como categoria de análise só apareceram no final do século XX. Elas estão ausentes na maior parte das teorias sociais formuladas desde o século XVIII até o começo do século XX. De fato, algumas dessas teorias construíram a sua lógica sob analogias com a oposição masculino/feminino, outras reconheceram uma “questão feminina”, outras ainda preocuparam-se com a formação da identidade sexual subjetiva, mas o gênero, como o meio de falar de sistemas de relações sociais ou entre os sexos, não tinha aparecido. [...]

Mesmo sendo mulher e estudante normalista, Julieta Gadelha

transcendeu o destino esperado para as mulheres de sua época: a realização

na docência e no casamento. Acabou não seguindo nenhum destes.

Embora não tenha casado, não tenha tido filhos e fosse uma mulher que

escrevia crônicas para jornais e revistas, participava de programas nas rádios,

publicava livros e fazia parte da vida pública de Sousa, Julieta Gadelha

demonstrava ser uma mulher recatada, fiel aos costumes e ao modelo de vida

feminina que deveria seguir uma mulher de sua época.

Com a categoria gênero revelamos traços de um cotidiano feminino que

se configura para nós, revelar nossos próprios cotidianos de mulheres,

educadoras, batalhadoras por um reconhecimento social e profissional que não

nos diminua a condição de “sexo frágil”.

Continuamos encontrando mecanismos de resistência, embora a

condição social da mulher tenha sido modificada. Na atualidade, ainda

prevalece a mesma distribuição desigual de forças.

Os mecanismos de resistência são os mesmos, de uma época para outra, de uma ordem para outra, pois continua vigorando a mesma distribuição desigual de forças e os mesmos processos de desvio servem ao fraco como o último recurso, como outras tantas escapatórias e astúcias, vindas de “imemoriais inteligências”, enraizadas no passado da espécie, nas “distâncias remotas do vivente”. (CERTEAU, 1998, p. 19)

De todas as fontes analisadas fica a concretude de que Julieta Gadelha

teve uma trajetória de infância e juventude voltada para a leitura e a pesquisa

sobre a história local fazendo com que enveredasse para a escrita falando

Page 67: UM JOGO DE LEMBRANÇAS: GÊNERO, CULTURA E … · A família do meu marido, sobretudo minha sogra Ana Paula Cavalcanti, pelas ... a bandeira e o hino de Sousa e o Literarte. Meu muito

66

sobre sua terra, sua gente, dando aos moradores de Sousa e região, uma nova

visibilidade sobre os aspectos que caracterizam o passado sousense.

Foi na escrita, através das obras publicadas e das crônicas da Revista

Letras do Sertão, que Julieta Pordeus Gadelha demonstrou sua prática

educativa, através de homenagens a Sousa, contando e rememorando

aspectos de um passado que ainda vem à tona, através dos costumes, das

festas tradicionais, dos patrimônios históricos. São as representações de sua

prática educativa, através das obras, que esboçaremos nos próximos capítulos,

pois, para nós, a prática educativa se configura como uma atuação em outros

espaços que vão além da prática pedagógica, do cotidiano da sala de aula.

Consideramos que Julieta Pordeus Gadelha faz parte dos nomes de

sousenses que ajudaram a (re) construir a história do município, nos deixando

uma compreensão mais aprofundada sobre o que temos na atualidade. Por

isso, pretendemos que este trabalho ultrapasse a perspectiva biográfica, que é

imprescindível para a construção e compreensão de toda memória e história da

autora, mas que não permaneça somente nela.

A intenção é que atinja o ambiente educacional sousense contando a

história e memória de Julieta Pordeus Gadelha e, com ela, a história do

município de Sousa.

Page 68: UM JOGO DE LEMBRANÇAS: GÊNERO, CULTURA E … · A família do meu marido, sobretudo minha sogra Ana Paula Cavalcanti, pelas ... a bandeira e o hino de Sousa e o Literarte. Meu muito

O coração, depois da morte de seu dono, deveria ser guardado em cristal, numa solução de saudade e reconhecimento, hermeticamente fechado e lacrado, em cujo vaso houvesse um rótulo assim: “aqui jaz um coração que muito amou; ou que muito perdoou”. (GADELHA, 1965, p. 98).

Page 69: UM JOGO DE LEMBRANÇAS: GÊNERO, CULTURA E … · A família do meu marido, sobretudo minha sogra Ana Paula Cavalcanti, pelas ... a bandeira e o hino de Sousa e o Literarte. Meu muito

68

CAPÍTULO III

3. JULIETA PORDEUS GADELHA: a identidade de mulher e escritora

Julieta Pordeus Gadelha nasceu no dia 23 de maio de 1928, filha do

casal Felinto da Costa Gadelha e Noemi Pordeus Gadelha. Seu pai, Tozinho

Gadelha, como era conhecido, foi proprietário de padaria, tabelião do município

de Sousa - PB, exercendo, também, a função de prefeito por dois mandatos,

sendo nomeado em agosto de 1939 ficando até julho de 1940 e eleito em

outubro de 1955 a 1959.

Da união desse casal, nasceram doze filhos que seguiram profissões

diferentes, entre elas, médicos, professores, advogados e um frei.

Imagem VII: Família de Julieta Pordeus Gadelha. (Julieta é a segunda, da direita para a

esquerda).

Fonte: arquivo pessoal da escritora Julieta Pordeus Gadelha.

Page 70: UM JOGO DE LEMBRANÇAS: GÊNERO, CULTURA E … · A família do meu marido, sobretudo minha sogra Ana Paula Cavalcanti, pelas ... a bandeira e o hino de Sousa e o Literarte. Meu muito

69

Por ordem de nascimento, os filhos do casal são: Maria do Socorro

Gadelha Camarão, José Pordeus Gadelha, Ananias Pordeus Gadelha, Tereza

Pordeus Gadelha, Cláudio Pordeus Gadelha (frei Batista), Julieta Pordeus

Gadelha, Criseuda Pordeus Gadelha, Expedito Pordeus Gadelha, Valdiza

Pordeus Gadelha, Joanette Gadelha Simões Pimenta, Zélia Gadelha Virgínio.

Julieta Gadelha é, portanto, a sexta filha do casal.

Através das obras ficamos sabendo que na infância, era uma menina

curiosa, sonhadora, travessa como atesta em suas reminiscências, a intensa

vontade de ver as estrelas e a lua, à noite, sempre sendo contestada pela sua

mãe:

– Mamãe, quando poderei ver as estrêlas e a lua? – Quando as galinhas criarem dentes!... Apressava-me a examiná-las no galinheiro e mais uma desilusão tomava o lugar de um doce sonho. Corria atrás das infelizes vítimas até cansá-las para o exame dentário. A gritaria no galinheiro chamava a atenção de mamãe que corria em socorro das galinhas. Escondia-me e ouvia quando ela, depois de uma olhadela se afastava resmungando: – Basta um calangro para elas se assombrarem e fazerem alarme. Eu ficava triste com o resultado do exame dentário e voltava para dentro de casa onde encontrava mamãe à máquina de costura. Sentava-se ao lado e me punha a imaginar: – As galinhas não têm nem sinal de dentes... Talvez... e o galo? Nem reparei! Ah! mas o negócio é com as galinhas. Mas... – Mamãe, o galo voga? – Hum? que galo, menina, para que? (GADELHA, 1959, p. 12)

Em diálogo com Zélia Gadelha Virgínio, sua irmã mais nova, nos foi

relatado que sempre brincava em casa, antes de escurecer o que corrobora

com os versos citados, quando menciona a intensa vontade de ver a lua e as

estrelas.

Eu adorava as estrelas e sentia um louco desejo de vê-las, realmente, junto à lua. Mas mamãe não consentia. Nunca deixou que os meus olhos presenciassem o anoitecer. Para mim, quase uma cousa fantástica, privilégio dos adultos. (GADELHA, 1959, p. 12)

Em todas as fontes, percebemos um forte apego aos seus pais, irmãos,

à cidade de Sousa, à casa onde morou, seja nas obras que escreveu ou nas

mensagens deixadas nas fotos da autora, como esta, escrita no verso da foto

da casa em que residia com seus pais.

Page 71: UM JOGO DE LEMBRANÇAS: GÊNERO, CULTURA E … · A família do meu marido, sobretudo minha sogra Ana Paula Cavalcanti, pelas ... a bandeira e o hino de Sousa e o Literarte. Meu muito

70

Imagem VIII: Mensagem deixada no verso da foto de sua casa. Fonte: arquivo pessoal da escritora Julieta Pordeus Gadelha.

Em sua “Souzinha de açúcar”, a autora rememora o lugar onde viveu

com seus pais e irmãos, a casa onde morou localizada a Rua Professor Virgílio

Pinto, no centro da cidade de Sousa. Forjamos em nosso imaginário de

escritora, o pensamento de que as palavras dedicadas na foto à sua cidade

natal representam um forte saudosismo presente em Julieta Gadelha,

sobretudo, quando se ausentava. Ao que parece, Julieta estava em Patos e

escrevendo sobre sua casa no verso da foto, a denomina de “minha casa

querida do meu coração”.

Quem de nós, em algum momento da vida, não se pegou olhando as

imagens do passado, através de fotos e rememorou o quanto os lugares ali

representados, têm significados, falam através das lembranças deixadas?

Pensamos que com Julieta não fora diferente ao rever a imagem da sua casa.

Page 72: UM JOGO DE LEMBRANÇAS: GÊNERO, CULTURA E … · A família do meu marido, sobretudo minha sogra Ana Paula Cavalcanti, pelas ... a bandeira e o hino de Sousa e o Literarte. Meu muito

71

Imagem IX: residência onde morou Julieta Pordeus Gadelha localizada na Rua Professor Virgílio Pinto, no Centro da cidade de Sousa - PB.

Fonte: arquivo pessoal da escritora Julieta Pordeus Gadelha.

A imagem fala... Vemos Julieta Gadelha ali presente, brincando na

meninice com seus irmãos, vivenciando cenas que iria escrever futuramente

sobre a cidade de Sousa do seu tempo. Foram alguns dos espaços de sua

casa, o cenário para as leituras de infância, debaixo da laranjeira, no pé de

bogari, como relata em suas reminiscências:

Aprendi a ler nos versos de Casemiro de Abreu e decorei “Meus oito anos”, poema que despertou tôda a minha sensibilidade. Havia no quintal uma laranjeira que nunca deu fruto e que era uma sugestão para a leitura musicada daqueles versos. Mas havia o problema das

borboletas azuis. Ah! no pé de bogari só pousavam as amarelas... E

no final de tudo havia um pranto copioso e profundamente sentido. Adormecia debaixo da laranjeira raquítica e sonhava com Casemiro de Abreu, sofria como o poeta, sentia saudades sem saber de quem e as quais me pesavam na realidade. (GADELHA, 1959, p. 12)

Através de suas publicações percebemos a subjetividade de Julieta

Gadelha, fruto de uma educação que lhe possibilitava sonhar e imaginar o

mundo que via nas leituras de infância. “São reminiscências que dizem

respeito a familiares, pessoas de seu convívio, mas que juntas tecem a trama

da configuração que se constrói neste texto” (MORAIS 2011, p. 238).

Page 73: UM JOGO DE LEMBRANÇAS: GÊNERO, CULTURA E … · A família do meu marido, sobretudo minha sogra Ana Paula Cavalcanti, pelas ... a bandeira e o hino de Sousa e o Literarte. Meu muito

72

Num dos textos, intitulado Reminiscências, publicado na Revista Letras

do Sertão no ano de 1959, edição de número 18, Julieta Gadelha se diz

satisfeita por guardar na memória, fatos de sua infância, acontecimentos,

“vários casos que o tempo, essa esponja invisível dos acontecimentos, não

conseguiu apagá-los”. Segundo a autora, “esses fatos permanecem indeléveis

na retina dos meus olhos, como chapas fotográficas.” (GADELHA, 1959, p. 27)

Um dos fatos é contado na crônica Minha primeira farda, publicada em

junho de 1957, na Revista Letras do Sertão, edição de número 15. Na crônica,

a autora enfatiza sua expectativa para o uso da farda, dizendo que quando

tinha cinco anos, foi matriculada numa escola, porém, o uso da farda às

meninas de sua sala, não eram obrigatório. Este aspecto contrariava a menina

Julieta Gadelha, que não se encantava com as letras e sim, com o uso da

farda. Segundo ela, aguentou um mês ou mais de sacrifício até que criou

coragem e lançou, para sua mãe, um plano de mentira em que dizia só ser

aceita pela escola, quando estivesse devidamente fardada.

Nessa crônica ainda, Julieta Gadelha relata a ansiedade que sentia na

espera para vestí - la. “Eu estava encantada e não arredava o pé de junto da

máquina que, cada ponto que dava, para unir as partes da fazenda, parecia

também unir o meu plano ao meu sucesso.” (GADELHA, 1957, p. 27).

Quando fala sobre o momento em que vestiu a farda, apesar da

ansiedade vivenciada anteriormente, a menina Julieta Gadelha, decepciona-se,

pois ficara horrorosa:

Vestiram-me o “gibão”, calçaram-me as “lanchas”, fizeram tranças nos meus cabelos e ataram laços de fita azul. Eu não cabia em mim de tanto contentamento. Terminada essa tarefa de preparativos, corri ao espêlho. Olhei-me por alguns instantes... Duas grossas lágrimas caíram dos meus olhos decepcionados. Então, gritei para o espêlho como se êste fosse culpado: - Horrorosa, viu? E não fui à escola! (GADELHA, 1957, p. 28)

É perceptível o apego que a escritora, ainda menina, demonstra para

com o uso da farda, apesar da roupa não ter saído conforme ela sonhava. Nos

dois textos em questão, Reminiscências e Minha primeira farda, Julieta

Gadelha apresenta características de uma criança que buscava a realização de

Page 74: UM JOGO DE LEMBRANÇAS: GÊNERO, CULTURA E … · A família do meu marido, sobretudo minha sogra Ana Paula Cavalcanti, pelas ... a bandeira e o hino de Sousa e o Literarte. Meu muito

73

sonhos. Mesmo que estes não tenham sido conforme ela planejava, ainda

assim, havia a tentativa. Talvez estas tenham sido à base de sua formação e

personalidade de mulher que se configurou, futuramente, como escritora da

história local.

Na transição de infância para adolescência, Julieta Gadelha vivencia

momentos de religiosidade. Como membro de uma família tradicional

sousense, de religião católica apostólica romana, sua trajetória da vida,

apresenta insígnias que demonstram traços de sua formação religiosa. Uma

das imagens a nós apresentada remonta a sua Primeira Eucaristia.

Imagem X: Primeira Eucaristia de Julieta Pordeus Gadelha e irmãos.

Fonte: arquivo pessoal da escritora Julieta Pordeus Gadelha.

Page 75: UM JOGO DE LEMBRANÇAS: GÊNERO, CULTURA E … · A família do meu marido, sobretudo minha sogra Ana Paula Cavalcanti, pelas ... a bandeira e o hino de Sousa e o Literarte. Meu muito

74

Não soubemos a data em que ocorreu o sacramento, apenas que foi

junto com sua irmã, Criseuda Poudeus Gadelha. Na imagem, as duas são as

meninas maiores, sendo que Julieta está no lado esquerdo e sua irmã, no lado

direito.

Mais tarde, quando se tornara escritora, os traços de sua religiosidade

vão se evidenciando através das opiniões emitidas nas crônicas publicadas.

Apesar de demonstrar características de uma mulher recatada e católica, na

crônica Quarta - feira de cinzas, Julieta Gadelha escreve demonstrando

admirar o carnaval e lamenta quando o mesmo se finda, após três dias, na

quarta - feira de cinzas:

Ora, afinal para que a quarta-feira de cinzas, quando agora tudo é censura para a expansão dos nossos recalques? A quarta-feira de cinzas é o desmancha prazer daquilo que deveria se prolongar por mais uma dezena ou centena de dias. Três dias apenas não são suficientes para fazermos ciência, darmos publicidade dos nossos desejos adormecidos, incontidos, detidos pela censura humana. Três dias apenas não chegam para mostrarmos a nossa satisfação quando temos dever de prestar contas dos nossos atos à sociedade. (GADELHA, 1965, p. 35)

Foi com a referida crônica, que Julieta Gadelha teve o início ou “debut”,

como ela menciona, na Rádio Cultura Sousense, fazendo a leitura de textos. A

autora pede desculpas, logo no início do texto, explicando que é a crônica, um

dos gêneros literários mais difíceis:

Primeiro porque o cronista arrisca-se não à critica severa de um ou dois leitores, mas ao tribunal de censura geral, que pode concordar ou não com as opiniões de quem escreve. Depois, o espaço para a crônica é resumido, tendo o cronista de reduzir idéias e sacrificar pensamentos, caindo muitas vêzes no risco de não ser bem compreendido. (GADELHA, p. 35)

A nosso ver, as desculpas também foram pedidas por conta da quarta-

feira de cinzas marcar o início dos rituais da religião católica que vão culminar

com a Semana Santa, momento em que se rememora a crucificação e morte

de Jesus Cristo. Sendo a sociedade sousense caracterizada pela forte

presença da religião católica, era preciso tomar cuidado com as opiniões que

se emitiam a respeito, já que ela era uma pessoa pública que se expressava na

Page 76: UM JOGO DE LEMBRANÇAS: GÊNERO, CULTURA E … · A família do meu marido, sobretudo minha sogra Ana Paula Cavalcanti, pelas ... a bandeira e o hino de Sousa e o Literarte. Meu muito

75

imprensa local. “Peço de antemão, as devidas desculpas que para o futuro terei

de rogar aos que por acaso me ouvirem”. (GADELHA, p. 35).

Como membro da religião católica e discorrendo sobre a quarta-feira de

cinzas, corria o risco de ser incompreendida pelos leitores e ouvintes. Para

Chartier, (1991, p. 185) existem:

possíveis incompreensões da representação, seja por falta de “preparação” do leitor (o que remete às formas e aos modos de inculcação das convenções), seja pelo fato da extravagância de uma relação arbitrária entre o signo e o significado. [...].

Na mesma crônica, a escritora faz uma alusão à morte, ícone da

Semana Santa católica, simbolizada na quarta-feira de cinzas, através da cruz

que se faz na testa:

[...] Temos que lembrar que somos pó e ao pó tornaremos. E essa lembrança nos vem simbolizada na cruz que faremos na testa, com uma mistura de água e cinza, pelas mãos do padre que vai repetindo a sentença àquêles que fazem questão de passar o dia sob o horror daquela atroz lembrança: a morte. (GADELHA, p. 36)

Fica perceptível a cultura religiosa muito presente e marcante em Julieta

Pordeus Gadelha, sobretudo na escrita, nas crônicas, nas narrativas em torno

das igrejas e padres que contribuíram com a história de Sousa. Toda esta

cultura é fruto de uma vivência numa família de religião católica, numa

educação escolar cuja instituição tem bases católicas, aliada a convivência

social com pessoas de mesmos costumes e crenças.

A formação e vivência que teve lhe deram suporte para a escrita.

Oriunda de uma família sempre presente nos eventos cotidianos sociais

sousenses, já que alguns membros ocupavam cargos de prestígio, Julieta

Gadelha em suas obras, alude a acontecimentos que fizeram parte de uma

Sousa do passado, não muito distante.

A título de exemplo, em 1958, quando seu pai exercia o segundo

mandato de prefeito municipal em Sousa acontece uma grande seca, que

atingiu os mais pobres. Na ocasião, seu Tozinho Gadelha distribuiu comida aos

flagelados da seca, como observamos nas figuras a seguir:

Page 77: UM JOGO DE LEMBRANÇAS: GÊNERO, CULTURA E … · A família do meu marido, sobretudo minha sogra Ana Paula Cavalcanti, pelas ... a bandeira e o hino de Sousa e o Literarte. Meu muito

76

Imagens XI e XII: distribuição de comida aos flagelados da seca de 1958. Fonte: arquivo pessoal de Julieta Pordeus Gadelha.

Page 78: UM JOGO DE LEMBRANÇAS: GÊNERO, CULTURA E … · A família do meu marido, sobretudo minha sogra Ana Paula Cavalcanti, pelas ... a bandeira e o hino de Sousa e o Literarte. Meu muito

77

Estes fatos fazem parte da história de Sousa e do arquivo de Julieta

Gadelha, como quem presta contas de um passado que nossa geração não

conheceu, mas tem a oportunidade de reviver, através de suas imagens.

Fazem parte, portanto, de sua história e memória, de sua prática educativa.

Outros autores que se consagraram como ícones, ao escrever sobre

uma determinada época, também tiveram em suas publicações, os

acontecimentos marcantes de sua vivência, os contextos e arranjos sociais

experimentados. É o caso, por exemplo, de Gilberto Freyre com a obra

Sobrados e mucambos, de 2004 e José Américo de Almeida, com a obra, A

bagaceira, de 1928 que tiveram os enredos baseados em acontecimentos

vivenciados desde a infância, pelos autores.

Assim como os autores, Julieta Gadelha também alude a contextos e

acontecimentos sousenses em que sua família foi participante. Além disso,

fazia parte de uma classe social inserida no cotidiano da leitura e da escrita, de

uma minoria que tinha acesso à educação escolar no município, sendo este,

um dos fatores que a fez se destacar como escritora local. Alguns textos e

imagens descrevem seu contexto familiar.

Na crônica O aparelho é bom mesmo, de 1965, Julieta Gadelha

apresenta objetos que ela descreve como sendo de seu cotidiano, tais como o

telefone, a máquina de escrever e um aparelho utilizado, pelos seus tios, para

encontrar botijas.

Em Sousa havia uma equipe fabulosa dêsses homens (caçadores de botijas), contando-se entre êles, dois tios meus: Pedro Gadelha e Murilo Pordeus. Para facilitar o seu trabalho e dispensar os sonhos e as aparições que muitas vêzes, eram considerados suspeitos, êles conseguiram um aparelho dêsses usados em minas para localizar metais. O aparelho indicava, infalivelmente, a existência de ouro em certos locais. [...] (GADEHA, 1965, p. 111)

Tanto o telefone quanto a máquina de escrever foram, no passado,

objetos de uma determinada classe social, pois eram insígnias utilizadas no

cotidiano por uma pequena minoria da população, considerados inclusive,

como recursos tecnológicos para a época em que a autora escreve a crônica:

década de 1960.

Page 79: UM JOGO DE LEMBRANÇAS: GÊNERO, CULTURA E … · A família do meu marido, sobretudo minha sogra Ana Paula Cavalcanti, pelas ... a bandeira e o hino de Sousa e o Literarte. Meu muito

78

Imagens XIII e XIV: O telefone, a máquina de costurar de sua mãe e a máquina de escrever,

objetos que pertenceram à casa e ao cotidiano de Julieta Pordeus Gadelha. Fonte: Centro Cultural e Memorial Tozinho Gadelha. Arquivo pessoal de Julieta Pordeus

Gadelha

Page 80: UM JOGO DE LEMBRANÇAS: GÊNERO, CULTURA E … · A família do meu marido, sobretudo minha sogra Ana Paula Cavalcanti, pelas ... a bandeira e o hino de Sousa e o Literarte. Meu muito

79

Além de todos os aspectos que a consagraram numa escritora da

história local sousense, na vida pessoal, Julieta Gadelha se tornou uma mulher

que enfrentava desafios. Um destes foi a licença para dirigir automóvel,

conseguida em 1966, quando estava com trinta e oito anos, conforme mostra a

imagem XV, da próxima página.

Em nosso imaginário, tentamos rever esta época em que às mulheres,

não era dada a devida confiança para dirigir automóvel. Se até hoje, sofremos

as amarras do preconceito de dirigir, imaginamos que talvez, na década de

1960, não tenha sido fácil para a escritora Julieta Gadelha. Esse fato nos

lembra das questões ligadas às desigualdade de gênero, ainda tão presentes

na cultura social brasileira.

As desigualdades de gênero, na época, foram fatores marcantes para

desenhar os traços dos papeis femininos e masculinos “fazendo com que se

efetuem mecanismos de produção e reprodução da discriminação”. (ALMEIDA,

1998 p. 40). Entre os papeis desempenhados, o de dirigir veículo não fazia

parte do cotidiano feminino.

Acreditamos que a condição social e formação intelectual de Julieta

Gadelha tenham lhe dado às bases para o enfrentamento deste desafio, pois o

acesso à educação na Escola Normal São José e a consagração como

escritora lhe possibilitaram a modificação sobre o destino e o modo de vida

direcionado às mulheres. Almeida afirma que “a educação exerce papel

determinante nas relações sociais, familiares, trabalhistas e entre os sexos,

acarretando modificações nas mulheres e no seu modo de vida” (1998, p. 40).

É a educação um dos fatores mais condicionantes das diferenças nas

relações de gênero, seja na primeira educação, a familiar ou a educação

escolar. Segundo estas duas, na maioria das vezes, o homem é o que está

condicionado aos desafios, entre eles, a direção veicular. É como se os

desafios, via de regra, estivessem para os homens, como um caráter fixo e

permanente da oposição binária. Por isso, assim como Julieta Pordeus

Gadelha, “precisamos rejeitar o caráter fixo e permanente da oposição binária,

precisamos de uma historicização e uma desconstrução autêntica dos termos

da diferença sexual [...]” (SCOTT, 1989, p. 18).

Page 81: UM JOGO DE LEMBRANÇAS: GÊNERO, CULTURA E … · A família do meu marido, sobretudo minha sogra Ana Paula Cavalcanti, pelas ... a bandeira e o hino de Sousa e o Literarte. Meu muito

80

Imagem XV: habilitação por 30 dias de Julieta Pordeus Gadelha.

Fonte: arquivo pessoal da escritora Julieta Pordeus Gadelha.

Outro fato, não menos importante que o da habilitação, é o da carteira

para entrada em clubes de futebol, datada de 1974. A carteira era do Atlético

Clube de Sousa, destinada a autoridades e permitia a entrada em jogos de

futebol, no referido clube. Julieta foi denominada de cronista na época, em

virtude de ter publicado um livro de crônicas.

Page 82: UM JOGO DE LEMBRANÇAS: GÊNERO, CULTURA E … · A família do meu marido, sobretudo minha sogra Ana Paula Cavalcanti, pelas ... a bandeira e o hino de Sousa e o Literarte. Meu muito

81

Imagens XVI e XVII: frente e verso da carteira para entrada em jogos do Atlético Clube de Sousa.

Fonte: arquivo pessoal da escritora Julieta Pordeus Gadelha.

Page 83: UM JOGO DE LEMBRANÇAS: GÊNERO, CULTURA E … · A família do meu marido, sobretudo minha sogra Ana Paula Cavalcanti, pelas ... a bandeira e o hino de Sousa e o Literarte. Meu muito

82

Nas imagens da carteira, podemos ver que Julieta Pordeus Gadelha é

chamada de cronista, denominação utilizada em virtude da publicação de

inúmeras crônicas na Revista Letras do Sertão, desde a década de 1950, bem

como da publicação do livro Crônicas para mamãe ler, de 1965.

A licença para dirigir assim como a carteira para entrada em jogos do

Atlético Clube de Sousa demonstra a personalidade de uma mulher que

ultrapassou as fronteiras de ser escritora, mérito que já lhe era dado por ser

reconhecida como cronista.

As marcas de muitas mulheres paraibanas, como Anayde Beiris, Analice

de Caldas, Adamantina Neves, Eudésia Vieira, Olivina Carneiro da Cunha,

Catharina Moura e tantas outras, que enfrentaram os desafios emanados pelo

preconceito de gênero e conseguiram deixar conquistas em suas histórias,

sobretudo, através de suas práticas educativas são elementos presentes,

também, em Julieta Gadelha.

Existe uma coisa em comum em todas as mulheres que enfrentaram os

desafios de gênero: a mudança através da educação. Seja uma mudança de

vida, como a rejeição a um casamento, por exemplo, a mudança nos cotidianos

escolares ou nos lares.

Julieta Pordeus Gadelha uma mulher que também esteve inserida no

ambiente intelectual sousense teve na educação familiar aliada à educação na

Escola Normal São José os incipientes para sua formação de escritora local,

para sua personalidade feminina. É sobre a educação escolar, através de uma

abordagem da Escola Normal São José, que falaremos a seguir.

Falar sobre a Escola Normal São José, mais que um local em que

Julieta Pordeus Gadelha esteve presente, enquanto estudante, significa

configurar um tipo de educação escolar que foi referência no município de

Sousa, marcando uma época.

.

Page 84: UM JOGO DE LEMBRANÇAS: GÊNERO, CULTURA E … · A família do meu marido, sobretudo minha sogra Ana Paula Cavalcanti, pelas ... a bandeira e o hino de Sousa e o Literarte. Meu muito

83

3.1 A ESCOLA NORMAL SÃO JOSÉ: instituição educacional onde estudou

Julieta Pordeus Gadelha.

Desde criança, Julieta Pordeus Gadelha estudou na Escola Normal São

José, uma instituição de ensino que educava e preparava os estudantes para a

formação docente. Foi fundada em 1939 com o nome de Colégio São José e

teve como diretor, o próprio fundador deste educandário, professor Virgílio

Pinto de Aragão - professor Senhorzinho, tio de Julieta.

No mesmo ano, amparado pelo Decreto n° 1414 de 30 de maio, passou

a funcionar no referido colégio, a Escola Normal, que formava professores,

utilizando a denominação Colégio São José - Escola Normal. Segundo Julieta,

“viu o Colégio São José coroado o seu incipiente êxito, pelo reconhecimento de

parte do governo do Estado, do seu curso normal em funcionamento, como

Escola Normal Livre” (GADELHA, 1986, p. 69). Para a escritora, esta foi uma

conquista alcançada pelos sousenses, como a “mais justa solução do problema

educacional sertanejo”.

Para a abertura do Colégio São José Escola Normal, no município de

Sousa, houve toda uma preparação uma vez que eram instituições

educacionais que representavam a instrução da elite, por isso, seus enormes

espaços, fachadas e janelas aludiam a uma classe social que lá estudava.

[...] As escolas normais, plantadas inicialmente nas principais cidades do país, buscam, desde suas fachadas, frequentemente solenes, indicar a todas as pessoas que por ali passam que são distintas dos demais prédios, que têm um objetivo especial. (LOURO, 2012, p. 455)

Page 85: UM JOGO DE LEMBRANÇAS: GÊNERO, CULTURA E … · A família do meu marido, sobretudo minha sogra Ana Paula Cavalcanti, pelas ... a bandeira e o hino de Sousa e o Literarte. Meu muito

84

Imagem XVIII: Colégio São José - Escola Normal

Fonte: Arquivo pessoal de Evilásio Marques Pinto, Seu Vila, filho do professor Virgílio Pinto de Aragão.

Na imagem acima, podemos perceber a arquitetura que lembra uma

enorme casa, com portas e janelas grandes denotando a ideia de espaço

reservado para atividades educativas necessárias à formação de professores.

Eram os colégios espaços educativos que se assemelhavam as casas, uma

vez que, suas raízes remontam os internatos, causando certa “intimidade entre

lugar onde se estuda e vive” (OLIVEIRA, 2006, p. 27).

Esta arquitetura se explica porque antes do funcionamento da Escola

Normal, existia no mesmo local, a Casa da Caridade, um internato que recebia

e educava meninas órfãs, que geralmente, eram deixadas na roda dos

enjeitados. O gerenciamento da casa ficava por conta das freiras que foram

“responsáveis pela educação das órfãs que ali eram deixadas.” (PINTO, 2008,

p. 100).

Em seu livro Antes que ninguém conte, Julieta Gadelha relatou que o

sobrado da Casa da Caridade foi uma doação do Padre José Antônio Marques

Page 86: UM JOGO DE LEMBRANÇAS: GÊNERO, CULTURA E … · A família do meu marido, sobretudo minha sogra Ana Paula Cavalcanti, pelas ... a bandeira e o hino de Sousa e o Literarte. Meu muito

85

Guimarães transformando-se em “orfanato erigido pelo benemérito Padre

Ibiapina”. O orfanato funcionou durante muitos anos até que as freiras foram

cedendo lugar para a abertura da Escola Normal. (GADELHA, 1986, p. 69).

Fundada e instalada em prédio pertencente ao vigário José Antônio Marques da Silva Guimarães, em 1868, a Casa da Caridade era especialmente destinada aos infelizes órfãos. Na “roda” do casarão iam sendo depositadas as crianças rejeitadas, os órfãos de pais vivos e mortos, aqueles em especial, que foram conseqüência de erros de uma sociedade que castigava os que assumissem as próprias faltas. (GADELHA, 1986, p. 92)

São muitas as histórias contadas por Julieta Gadelha sobre o que

precedeu a abertura do Colégio São José, entre estas, a forma de

gerenciamento das beatas e o destino dos (as) meninos (as) órfãos. Segundo

Oliveira, (2006, p. 29), nessa época, “moradia, escola, igreja compunham,

então, uma síntese inextricável, nos internatos dirigidos por religiosos”.

Recebidos na “roda” ou na porta, os meninos eram amparados pelas beatas, as mães, talvez, que haveriam de conhecer para o resto da vida. Os meninos, depois de uma certa idade, ficavam sob a responsabilidade do vigário, que arranjava uma casa – em geral do padrinho – ali acabando de crescer e trabalhando para o seu protetor. As meninas aprendiam trabalhos manuais e ficavam aptas no manejo da agulha, nos serviços domésticos, sendo habilidosas no preparo de bolos, doces e salgados. Da Caridade elas saíam somente para casar, quando não encontrava alguém que as quisesse adotar. (GADELHA, 1986, p. 92)

“Posteriormente, os internatos passariam a ser desativados, tornando

os colégios apenas casas de escola” (OLIVEIRA, 2006, p. 32). Não foi

diferente, portanto, com a Casa da Caridade no município de Sousa - PB. Aos

poucos, últimas beatas “foram morrendo, foram dispersando, a Caridade já não

recebia órfãs, até que fechou de uma vez. As últimas irmãs dezertaram os

quartos mal-assombrados cedendo lugar à atividade de um centro de ensino”.

(MARIZ, 1980 p. 207 apud GADELHA, 1986, p. 94). Em 1939 inaugura-se o

Colégio São José,

data em que despontava uma nova era no setor educacional e procurava-se libertar da dependência dos grandes centros culturais como Campina Grande, Mossoró-RN e João Pessoa na Paraíba para a conscientização de uma filosofia baseada na moderna pedagogia de ensino. (PINTO, 2005)

Page 87: UM JOGO DE LEMBRANÇAS: GÊNERO, CULTURA E … · A família do meu marido, sobretudo minha sogra Ana Paula Cavalcanti, pelas ... a bandeira e o hino de Sousa e o Literarte. Meu muito

86

De acordo com o tipo de educação que se apresentava na época e a

moderna concepção de ensino, baseada nos preceitos de uma Escola Nova ou

Pedagogia Renovada, que tinha como característica a adoção de processos

pedagógicos ativos, a “valorização da criança, dotada de liberdade, iniciativa e

de interesses próprios e, por isso mesmo, sujeito da sua aprendizagem e

agente do seu próprio desenvolvimento” (LIBÂNEO, 1994, p. 62), o Colégio

São José - Escola Normal se modificou para atender as essas novas

exigências educacionais.

[...] Foram abertos amplos salões de aula, de acordo com as normas de higiene escolar; construíram-se parques para educação física e áreas abertas para recreio e iniciação de clubes agrícolas escolares; dotou-se, enfim, o Estabelecimento de mobiliário novo e de material pedagógico á altura da moderna concepção do ensino. (GADELHA, 1986, p. 69)

Imagem XIX: Estudantes no interior do Colégio São José - Escola Normal

Fonte: Arquivo Pessoal de Julieta Podeus Gadelha

Page 88: UM JOGO DE LEMBRANÇAS: GÊNERO, CULTURA E … · A família do meu marido, sobretudo minha sogra Ana Paula Cavalcanti, pelas ... a bandeira e o hino de Sousa e o Literarte. Meu muito

87

Na imagem anterior, podemos ver o pavilhão em que as crianças eram

levadas para eventos festivos e para cantar o hino nacional em ocasiões

específicas, tais como o dia da bandeira. O pavilhão era um espaço aberto, ao

ar livre, ladeado das salas de aula e da sala da diretoria. Esta estrutura

arquitetônica, embora tenha sido modernizada, permanece até os dias atuais.

Entre as estudantes que aparecem na imagem, estão Julieta Pordeus

Gadelha (a quarta da esquerda para a direita, na fileira de baixo) e sua irmã

Criseuda Pordeus Gadelha, a primeira da mesma fileira. Ambas iniciam seus

estudos no ano de 1946. Nesta imagem do interior do Colégio São José -

Escola Normal, percebemos a amplitude dos espaços, além das janelas e

portas compridas que aludiam às novas exigências de cunho higienistas da

época.

Em 2 de janeiro de 1946, o Decreto-Lei de número 8.530 da Lei

Orgânica do Ensino Normal, em seu capítulo III, discorre sobre os tipos de

estabelecimentos de Ensino Normal:

Art. 4º Haverá três tipos de estabelecimentos de ensino normal: o

curso normal regional, a escola normal e o instituto de educação.

§ 1º Curso normal regional será o estabelecimento destinado a

ministrar tão somente o primeiro ciclo de ensino normal.

Page 89: UM JOGO DE LEMBRANÇAS: GÊNERO, CULTURA E … · A família do meu marido, sobretudo minha sogra Ana Paula Cavalcanti, pelas ... a bandeira e o hino de Sousa e o Literarte. Meu muito

88

Imagem XX: Fachada da Escola Normal Regional São José - Sousa PB

Fonte: arquivo pessoal de Evilásio Marques Pinto (Seu Vila)

A partir desta lei, o Colégio São José - Escola Normal passou a se

chamar de Escola Normal Regional São José, formando professores regentes

do ensino primário, em quatro anos. No capítulo II, dispõe sobre os ciclos e

cursos do Ensino Normal dividindo-os da seguinte forma:

Art. 2º O ensino normal será, ministrado em dois ciclos. O primeiro dará o curso de regentes de ensino primário, em quatro anos, e o segundo, o curso de formação de professôres primários, em três anos. Art. 3º Compreenderá ainda o ensino normal cursos de especialização para professôres primários, e cursos de habilitação para administradores escolares do grau primário.

Imagem XXI: diploma de Regente do ensino primário da Escola Normal Regional São José - Sousa PB.

Fonte: Gilda Gadelha, concluinte da turma de 1958.

Page 90: UM JOGO DE LEMBRANÇAS: GÊNERO, CULTURA E … · A família do meu marido, sobretudo minha sogra Ana Paula Cavalcanti, pelas ... a bandeira e o hino de Sousa e o Literarte. Meu muito

89

De formação religiosa católica, já que a Colégio São José - Escola

Normal foi fundada por iniciativa de vigários locais e baseada nos princípios do

operário São José, pai de Jesus, os estudantes eram preparados sob os

preceitos da fé cristã católica, através de inúmeras festividades religiosas,

como a primeira eucaristia, além de adotar o ensino religioso como disciplina.

Outro fator marcante que favorecia a direção espiritual católica era o fato

de estar localizada ao lado da Igreja de Nossa Senhora do Rosário, que na

época, era a igreja matriz da cidade. Todos estes fatores faziam do Colégio

São José um local, por excelência, para a educação da juventude.

O contexto social que vivia o município de Sousa na época da fundação

do Colégio Normal São José é caracterizado, através de inúmeras fontes,

como sendo de forte influência da religião católica e conservadorismo na

estrutura social. “Vivíamos em Sousa, na Década Quarenta, um clima de

distinção, religiosidade católica, apostólica, romana e muito conservadorismo

na sociedade [...]” (MATOS, 2004, p. 24).

A influência da Igreja Católica se dava através da presença dos vigários

e freiras nos assuntos de cunho social, político, cívico, nas festas tradicionais

atestando para que os rituais da Igreja fossem aceitos e praticados. Os

representantes da igreja, por consequência, eram muito respeitados e as

festividades, como os dias de Santos e padroeiros, cheios de significado e

muita devoção.

As crianças pediam benção aos sacerdotes, e os adultos tiravam o chapéu, ou o tocavam, para cumprimentá-los, numa demonstração de respeito. Ah! tempos dos obrigatórios divinos nas igrejas, das irmandades numerosas congregando homens e mulheres, celebrando os seus padroeiros. E mais os ofícios da Semana Santa, ao soar da matraca, quando proibido estava de tocar o sino. [...] (MATOS, 2004. p. 26)

Se a sociedade vivenciava todos os rituais consagrados pela Igreja

Católica, na educação oferecida pelos colégios não seria diferente. Sobretudo

no Colégio Normal São José, fundado por iniciativa de vigários, a educação

religiosa marca sua identidade institucional: uma educação de formação

católica que era ensinada desde a mais tenra idade.

Page 91: UM JOGO DE LEMBRANÇAS: GÊNERO, CULTURA E … · A família do meu marido, sobretudo minha sogra Ana Paula Cavalcanti, pelas ... a bandeira e o hino de Sousa e o Literarte. Meu muito

90

A imagem a seguir corrobora este tipo de educação religiosa, que era

oferecida pelo Colégio São José como, por exemplo, os propósitos de

obediência e fidelidade que são elencados no cartãozinho do Retiro Espiritual

do ano de 1942:

Imagem XXII: criança orando diante da Jesus crucificado.

Imagem XXIII: verso da imagem com os propósitos do retiro espiritual.

Fonte: arquivo pessoal de Maria de Lourdes Queiroga de Sena Magliano (Malu Magliano), filha de Isaura de Sena Moreira Queiroga, estudante egressa do Colégio São José, no ano de 1942.

Todos os rituais vivenciados pelos colégios de ordem religiosa faziam

parte de uma cultura escolar disciplinadora e bem aceita pela população,

sobretudo as elites, no sentido de formação não só de alfabetização, mas do

caráter. “A cultura escolar desemboca aqui no remodelamento dos

comportamentos, na profunda formação do caráter e das almas que passa por

Page 92: UM JOGO DE LEMBRANÇAS: GÊNERO, CULTURA E … · A família do meu marido, sobretudo minha sogra Ana Paula Cavalcanti, pelas ... a bandeira e o hino de Sousa e o Literarte. Meu muito

91

uma disciplina do corpo e por uma direção das consciências”. (JULIA, 2001,

p.22)

O altar da capela era uma parte do Colégio São José que representava

esta cultura religiosa, pois assim como na Igreja Católica, tinha a estrutura

arquitetônica voltada para as celebrações e orações que marcavam a formação

dos estudantes.

Imagem XXIV: Altar da Capela do Colégio Normal São José - Sousa PB

Fonte: Arquivo pessoal de Evilásio Marques Pinto (seu Vila).

Page 93: UM JOGO DE LEMBRANÇAS: GÊNERO, CULTURA E … · A família do meu marido, sobretudo minha sogra Ana Paula Cavalcanti, pelas ... a bandeira e o hino de Sousa e o Literarte. Meu muito

92

As próprias normas e práticas do Colégio Normal São José atentavam

para a educação que era cultivada, uma educação de referência na sociedade

sousense, marcada, sobretudo, por “um conjunto de normas que definem

conhecimentos a ensinar e condutas a inculcar, e um conjunto de práticas que

permitem a transmissão desses conhecimentos”. (JULIA, 1995, p. 10)

Entre as práticas, se destacavam os desfiles cívicos que tinham grandes

significados, sobretudo em 7 (sete) de setembro. Estas e outras atividades

realizadas para garantir a formação docente, a elegância do fardamento e dos

trajes em dias de festa, os corredores, as normas, o currículo, as fotos nas

paredes, o corpo docente, a localização dentro da cidade, geralmente na rua

da igreja matriz, além da ligação à religião católica, todas essas insígnias

faziam do Colégio Normal um lugar simbólico, de direção de destinos. Nessa

perspectiva, Almeida (1998, p. 40) afirma que:

[...] Os significados, as normatizações valorativas, as práticas e os símbolos, variam de acordo com as culturas, a religião, a economia, as classes sociais, as raças e os momentos históricos, formando redes de significações que se edificam e se relacionam integradamente.

As representações que escolas normais tinham, nessa época, eram

muitas. Entre elas, forjava a de que nestas instituições, carregadas de relações

de poder, a educação estaria garantida, sobretudo, a educação feminina, uma

vez que, os cursos normais estavam em voga como locais, por excelência de

formação de professores, sobretudo de mulheres professoras Aos poucos, as

escolas normais se enchem de moças.

As escolas normais se enchem de moças. A princípio são algumas depois muitas; por fim os cursos normais tornam-se em escolas de mulheres. Seus currículos, suas normas, os uniformes, o prédio, os corredores, os quadros, as mestras e mestres, tudo faz desse um espaço destinado a transformar meninas/mulheres em professoras. A instituição e a sociedade utilizam múltiplos dispositivos e símbolos para ensinar-lhes sua missão, desenhar-lhes um perfil próprio, confiar-lhes uma tarefa. A formação docente também se feminiza. (LOURO, 2012, p. 454)

Page 94: UM JOGO DE LEMBRANÇAS: GÊNERO, CULTURA E … · A família do meu marido, sobretudo minha sogra Ana Paula Cavalcanti, pelas ... a bandeira e o hino de Sousa e o Literarte. Meu muito

93

A feminização do magistério, nome atribuído à quantidade excedente de

moças nas escolas normais, também chegou a Sousa. Nesse sentido,

pudemos constatar que na primeira turma concluinte do Colégio São José, no

ano de 1942, o número de mulheres é bem superior ao de homens. Sobre este

aspecto, Gadelha (1986) relata que foram 19 (dezenove) alunos concluintes

desta turma, sendo 17 (dezessete) mulheres e 2 (dois) homens.

Imagem XXV: Primeira turma da Escola Normal São José.

Fonte: Acervo pessoal de Mirtes Arruda Fontes, estudante da primeira turma.

Os homens não aparecem na imagem da primeira turma do Colégio

Normal São José, porém, Julieta Gadelha os cita, quando menciona os

primeiros professores formados pela referida escola:

Os primeiros professores do colégio São José foram: Alzenir Rodrigues, Francisca Sena Moreira, Lucíola Marques Pinto, Maria do Carmo Cirilo, Maria Diniz Barbosa, Maria Guadalupe Marques Pinto, Maria Ivaní Pires de Sá, Maria do Socorro Douetes, Maria José Lopes Fontes, Maria Vanda Pires Ribeiro, Maria Zeneide Gadelha de Oliveira, Mirtes Arruda Fontes, Raimunda Cordeiro Cavalcanti, Teresa Pordeus Gadelha, Ananias Pordeus Gadelha, José Mariz Melo (GADELHA, 1986, p. 69 – grifos nossos).

Page 95: UM JOGO DE LEMBRANÇAS: GÊNERO, CULTURA E … · A família do meu marido, sobretudo minha sogra Ana Paula Cavalcanti, pelas ... a bandeira e o hino de Sousa e o Literarte. Meu muito

94

Julieta Gadelha foi estudante do Colégio Normal São José a partir do

ano de 1946, fazendo parte, portanto, da quarta turma. Na imagem que a

representa como estudante da referida instituição, destacamos o modelo do

uniforme adotado: camisa branca de mangas compridas, saia abaixo do joelho

e gravata da cor da saia.

Imagem XXVI: Julieta Pordeus Gadelha (a esquerda) e sua irmã Criseuda Pordeus Gadelha,

estudantes do Colégio São José - Escola Normal. Fonte: acervo pessoal da escritora.

O uniforme do Colégio Normal São José representava sua identidade,

pela beleza e seriedade que eram características fortes da instituição: Beleza

pela riqueza de detalhes como a saia cor de vinho, a blusa de mangas longas e

a gravata que formavam a elegância de um colégio que marcou época, nome e

Page 96: UM JOGO DE LEMBRANÇAS: GÊNERO, CULTURA E … · A família do meu marido, sobretudo minha sogra Ana Paula Cavalcanti, pelas ... a bandeira e o hino de Sousa e o Literarte. Meu muito

95

cravou o significado de empoderamento no município de Sousa. Seriedade

porque a saia comprida, que não marcava o corpo, isto porque a instituição era

religiosa, católica e educativa.

Em 1949 Julieta Gadelha forma-se pela Escola Normal São José para

atuar como regente do ensino primário, habilitação que era permitida pela

escola. De acordo com textos lidos, as formaturas da Escola Normal São José

eram sempre cheias de muita comemoração, com colações de graus e rituais

de entregas de canudos, bailes de formatura em que as moças exibiam seus

vestidos majestosos. Havia também nas formaturas pronunciamentos de

discursos, geralmente feitos por alguma autoridade ou pelo diretor Virgílio Pinto

de Aragão.

Imagem XXVII: Julieta Pordeus Gadelha em traje para receber o canudo no baile de formatura da Escola Normal São José.

Page 97: UM JOGO DE LEMBRANÇAS: GÊNERO, CULTURA E … · A família do meu marido, sobretudo minha sogra Ana Paula Cavalcanti, pelas ... a bandeira e o hino de Sousa e o Literarte. Meu muito

96

Fonte: acervo pessoal da escritora Julieta Pordeus Gadelha.

Imagem XXVIII: Julieta Gadelha de beca para a placa de formatura da Escola Normal

São José Fonte: acervo pessoal da escritora Julieta Pordeus Gadelha

Nas imagens acima, Julieta Gadelha veste trajes diferentes. Na primeira,

está vestida para receber o canudo, na colação de grau, seguida do baile de

formatura. Na segunda, a foto com a beca, era para a placa de formatura que

ficava pendurada nas paredes do colégio.

Era comum na época, oferecer as fotos de datas especiais, geralmente,

comemorações de casamentos, formaturas, bailes de debutantes para

parentes, namorados ou amigos. No caso da primeira foto, em que Julieta

Gadelha usava o vestido para receber o canudo, oferece para seu irmão

Cláudio Gadelha, “com dedicação e carinho”.

Page 98: UM JOGO DE LEMBRANÇAS: GÊNERO, CULTURA E … · A família do meu marido, sobretudo minha sogra Ana Paula Cavalcanti, pelas ... a bandeira e o hino de Sousa e o Literarte. Meu muito

97

Imagem XXIX: Julieta Gadelha oferece foto de sua formatura ao irmão Cláudio Gadelha.

Fonte: acervo pessoal da escritora Julieta Pordeus Gadelha.

Vimos os oferecimentos em quase todas as fotos dos bailes de

formatura a que tivemos acesso. Nas fotos oferecidas estavam representadas

a consideração e a lembrança daquela pessoa que não pôde estar presente,

mas era especial para o formando.

Os bailes de formatura da Escola Normal São José ficaram conhecidos

pelas exibições dos vestidos das professorandas, como eram chamadas,

sendo alguns modelos confeccionados pelas avós ou outros familiares, como é

o caso de Gilda Gadelha que em 1955, teve seu vestido confeccionado pela

sua avó, Donana Gadelha.

Page 99: UM JOGO DE LEMBRANÇAS: GÊNERO, CULTURA E … · A família do meu marido, sobretudo minha sogra Ana Paula Cavalcanti, pelas ... a bandeira e o hino de Sousa e o Literarte. Meu muito

98

Imagem XXX: Gilda Gadelha com o modelo confeccionado por sua avó Donana Gadelha.

Fonte: acervo pessoal de Gilda Gadelha.

Muitas foram às marcas deixadas pela Escola Normal São José, que

mesmo tendo sido desativada, em 1957, permanece na memória e história dos

sousenses. Mesmo não existindo mais, na Paraíba, muitos colégios da mesma

época “passaram a ser a regra na educação pública e privada, até os nossos

dias”. (OLIVEIRA, 2006, p. 32). É o caso do Colégio Normal São José,

instituição de ensino que ultrapassou fronteiras ficando no legado cultural

sousense.

Page 100: UM JOGO DE LEMBRANÇAS: GÊNERO, CULTURA E … · A família do meu marido, sobretudo minha sogra Ana Paula Cavalcanti, pelas ... a bandeira e o hino de Sousa e o Literarte. Meu muito

99

Em 1958, passou a funcionar no mesmo prédio daquele educandário, o

Colégio Nossa Senhora Auxiliadora, sob a coordenação das filhas de Santa

Tereza de Jesus, uma congregação religiosa de origem no Crato - Ceará.

Mais precisamente em 19 de março de 1958 acontece a abertura oficial

do Colégio Nossa Senhora Auxiliadora, conforme vemos na imagem abaixo

onde as autoridades seguem em desfile, ladeadas das estudantes daquele

colégio. Entre as autoridades presentes, está o ex - prefeito do município de

Sousa, Felinto da Costa Gadelha (de roupa branca), pai de Julieta Gadelha.

Imagem XXXI: Abertura oficial do Colégio Nossa Senhora Auxiliadora, em 19/03/1958.

Fonte: Livro Jubileu de Ouro - Colégio Nossa Senhora Auxiliadora

Estudamos no Colégio Nossa Senhora Auxiliadora, a partir do ano de

1990 e vivenciamos, naquela instituição, vários momentos que se

assemelharam aos que viveram Julieta Gadelha. Foram momentos religiosos,

apresentações em datas comemorativas, festas de formatura... Foi lá que

ouvimos falar, pela primeira vez, no nome de Julieta, foi lá que conhecemos

seu trabalho de escritora. Foi lá que conhecemos também Virgílio Pinto de

Page 101: UM JOGO DE LEMBRANÇAS: GÊNERO, CULTURA E … · A família do meu marido, sobretudo minha sogra Ana Paula Cavalcanti, pelas ... a bandeira e o hino de Sousa e o Literarte. Meu muito

100

Aragão, contribuinte para a educação sousense, como a própria sobrinha

Julieta Gadelha, muito menciona em seus escritos.

Como pesquisadora que tem a intenção de contribuir com a história

local, através do presente trabalho, acreditamos que falar sobre Virgílio Pinto

de Aragão, ainda que de forma breve, é tornar viva sua memória e todo o

legado deixado à educação sousense. Como diretor e professor de duas das

instituições de ensino mais renomadas que Sousa conheceu no século XX, a

Escola Normal São José e o Colégio 10 de Julho, Virgílio Pinto coloca sua

marca na educação sousense.

Page 102: UM JOGO DE LEMBRANÇAS: GÊNERO, CULTURA E … · A família do meu marido, sobretudo minha sogra Ana Paula Cavalcanti, pelas ... a bandeira e o hino de Sousa e o Literarte. Meu muito

101

3.2 O professor Virgílio Pinto de Aragão - Professor Senhorzinho

Imagem XXXII: Professor Virgílio Pinto de Aragão Fonte: Livro Jubileu de Ouro Colégio Nossa Senhora Auxiliadora - Sousa PB

Com acesso à educação e sempre cercada de pessoas que faziam parte

da cultura letrada, principalmente seu tio, o professor Senhorzinho, as práticas

educativas de Julieta Gadelha revelam que ela teve muita influência desse

mundo da leitura e escrita, chegando a fazer parte de rodas literárias de

intelectuais da época.

Lendo biografias e memórias de muitos escritores a exemplo de Raquel

de Queiróz (2010), Graciliano Ramos (2006), Magda Soares (2005), Sophia

Lyra (2011), temos percebido que o contato com os livros é sempre incentivado

por alguém da família e acaba se tornando ponto de partida para o gosto pela

leitura e escrita.

Page 103: UM JOGO DE LEMBRANÇAS: GÊNERO, CULTURA E … · A família do meu marido, sobretudo minha sogra Ana Paula Cavalcanti, pelas ... a bandeira e o hino de Sousa e o Literarte. Meu muito

102

Com a escritora Julieta Gadelha não foi diferente, pois é perceptível em

suas memórias, o apreço e admiração que tinha pelo seu tio, o professor

Virgílio Pinto, talvez seu maior incentivador:

A mania de boa leitura, dos clássicos portugueses, a simpatia por Camilo Castelo Branco, nunca o transformou numa pessoa sisuda, circunspecta ou antipática, quanto mais conhecimento, mais se estendia a ânsia de passar para os outros o valor do conhecimento. (GADELHA, 2000, p. 01)

São muitas as homenagens escritas por Julieta Gadelha, dirigidas ao

seu tio. Entre tantas, selecionamos a crônica Êsse meu tio, extraída do livro

Crônicas para mamãe ler, no ano de 1965. Por ser professor da cadeira de

Língua Materna no Colégio São José e apaixonado pela gramática, o professor

Senhorzinho não tolerava que ocorressem erros gramaticais em sua frente. Na

crônica, a autora narra este fato:

Certa vez, com intuito de homenagear o professor, os rapazes, num certo sábado, realizaram uma serenata, à porta do mestre. Cada um cantaria um número. O repertório escolhido não dava motivo para censura, foi mesmo selecionado à capricho. Mas alguém não foi bem sucedido na sua vez de cantar, dando início a grande serenata. A canção dizia: “Pai Nosso, que estais no céu... etc. Não permiti por favor, etc... Com esta frase ficou encerrada a serenata. O professor abriu a porta e se apresentou, naquele seu jeito muito conhecido de estirar o dedo na direção da pessoa a quem deseja repreender: não permiti o quê!! Quem lhe ensinou semelhante barbaridade? Fique sabendo que não há imperativo negativo”... E lá se foi toda uma aula em plena madrugada, puxada à regra de gramática e piscar de estrelas. [...] (GADELHA, 1965, p. 108)

O professor Virgílio Pinto fazia jus aos cargos de direção e docente que

ocupava no Colégio São José sendo lembrado, até hoje, como O mestre, por

fazer da educação sousense, sua bandeira de luta. Além da qualidade de

mestre, suas virtudes de exímio escritor da Revista Letras do Sertão,

administrador do Colégio São José e Ginásio 10 de Julho ocupam a história

local.

Na convivência com o professor Senhorzinho, Julieta Gadelha entra para

o grupo de intelectuais escritores, publicando na Revista Letras do Sertão - LS.

A referida revista foi fundada em 1951, pelo escritor Deusdedit Leitão.

Considerada um “meio de divulgação literária, que honrou Sousa enquanto

Page 104: UM JOGO DE LEMBRANÇAS: GÊNERO, CULTURA E … · A família do meu marido, sobretudo minha sogra Ana Paula Cavalcanti, pelas ... a bandeira e o hino de Sousa e o Literarte. Meu muito

103

circulou, LS registra na história da cultura paraibana, o esforço, o desempenho

interiorano, a sua vida literária” (MATOS, 2004, p. 12).

No dia 10 de julho de 1954, dia do centenário da cidade, o professor

Senhorzinho funda, em Sousa, o Ginásio 10 de Julho. De acordo com Julieta

Gadelha, (1986, p. 70), com esta fundação, o “professor havia realizado seu

maior sonho”, pois se tratava do primeiro ginásio do município, com aulas que

iam desde o Jardim da Infância ao Ensino Médio científico.

Ali funcionaram conjuntamente a Escola Normal São José e o Ginásio com vários cursos a começar do Jardim de Infância ao Científico. Vale salientar que, para a criação de qualquer escola de nível médio na década de 50, era preciso uma infra-estrutura compatível com o ensino da época ou sejam [sic]: área coberta para recreação, auditório, biblioteca, cantina, campos de esporte, quites de física, química e biologia, e um sem número de apetrechos cujos Diretores se contorciam para adquirirem essa ferramenta de trabalho. (PINTO, 2005 - homenagem em virtude dos 110 anos de Virgílio Pinto de Aragão).

O nome Ginásio 10 de Julho foi uma homenagem à emancipação

política do município de Sousa que aconteceu na mesma data. O professor

Virgílio Pinto aproveitou a ocasião de festa para inaugurar o ginásio,

presenteando os moradores de Sousa com grandes desfiles que marcaram o

momento trivial na educação sousense, conforme vemos na imagem a seguir:

Imagem XXXIII: desfile cívico do Ginásio 10 de Julho pelas ruas da cidade de Sousa.

Page 105: UM JOGO DE LEMBRANÇAS: GÊNERO, CULTURA E … · A família do meu marido, sobretudo minha sogra Ana Paula Cavalcanti, pelas ... a bandeira e o hino de Sousa e o Literarte. Meu muito

104

Fonte: Arquivo pessoal de Evilásio Marques Pinto (seu Vila)

O Ginásio 10 de Julho funcionou nas dependências da Escola Normal

São José, até 1957, quando foi transferido, para uma sede própria, localizado

no bairro Alto do Capanema.

Imagens XXXIV e XXXV - Ginásio 10 de julho. Fonte: Arquivo pessoal de Evilásio Marques Pinto - seu Vila.

Page 106: UM JOGO DE LEMBRANÇAS: GÊNERO, CULTURA E … · A família do meu marido, sobretudo minha sogra Ana Paula Cavalcanti, pelas ... a bandeira e o hino de Sousa e o Literarte. Meu muito

105

As imagens revelam a grandiosidade do Ginásio 10 de Julho com

prédios espaçosos e arejados se caracterizando como um grande

empreendimento educacional no município de Sousa.

Como estudante egressa do Colégio Nossa Senhora Auxiliadora, não

podíamos deixar de reconhecer toda a obra feita pelo professor Virgílio Pinto

em prol da educação sousense. Seu nome é marca no município, fazendo

parte de ruas e escolas.

Como tio de Julieta Gadelha, professor Senhorzinho contribuiu muito

para a concretização de sua prática educativa. A princípio com a educação

escolar quando foi estudante da Escola Normal São José, fundada por ele.

Posteriormente, nos meios intelectuais, quando fazia parte do grupo de

escritores da Revista Letras do Sertão. Nesse sentido, é notória a parceria

entre os dois, não só enquanto tio e sobrinha, mas, sobretudo, pelo aspecto

intelectual que os une. Ele, o professor. Ela, a escritora.

Após um estudo sobre a biografia de Julieta Pordeus Gadelha temos

maior embasamento para a compreensão de sua escrita, por isso, com o

objetivo de trazer a memória e história de sua prática educativa, buscamos não

apenas caracterizar uma época, mas, mostrar que essa prática se faz em

diversos espaços onde se compreende o ensino, a contribuição à educação,

sobretudo, história da educação paraibana, particularmente em Sousa, Sertão

do Estado.

Page 107: UM JOGO DE LEMBRANÇAS: GÊNERO, CULTURA E … · A família do meu marido, sobretudo minha sogra Ana Paula Cavalcanti, pelas ... a bandeira e o hino de Sousa e o Literarte. Meu muito

Há algum tempo atrás, os cargos de responsabilidades eram entregues somente a homens. Hoje, no entanto, as fábricas, repartições públicas, ministérios, assembleias, etc... estão cheias de “saias” competentes, graças ao seu desenvolvimento cerebral. (GADELHA, 1955, p. 16).

Page 108: UM JOGO DE LEMBRANÇAS: GÊNERO, CULTURA E … · A família do meu marido, sobretudo minha sogra Ana Paula Cavalcanti, pelas ... a bandeira e o hino de Sousa e o Literarte. Meu muito

107

CAPÍTULO IV

4. CAMINHOS QUE CONFIGURAM A PRÁTICA EDUCATIVA DE JULIETA

PORDEUS GADELHA

Este trabalho, que tem como objetivo trazer a história e memória da

prática educativa da escritora Julieta Pordeus Gadelha, significa para nós uma

contribuição para a cultura de Sousa, pois, ao se debruçar sobre o legado

cultural deixado por ela, sobretudo as publicações, estabelecemos uma ponte

com o passado sousense, carregado de significados. A prática educativa de

Julieta Gadelha está representada por um legado de obras e crônicas, além da

autoria pela construção do hino e da bandeira de Sousa que alimentam e

norteiam a educação sousense, sobretudo quando traz a historiografia daquele

lugar. Nesse sentido, de acordo com Santos e Buriti, (2015, p. 1).

Educar ou praticar atividades de cunho pedagógico não se resume apenas ao exercício da docência em sala de aula. O ato de ensinar e suas formas são manifestados também em outras ocasiões e circunstâncias, como ensinar a amar uma cidade, educar os mais novos para que aprendam a valorizar vivências de outro tempo, cultivar nas gerações o reconhecimento de posturas, concepções e modos de fazer e dizer uma espacialidade.

A prática educativa advém de um conjunto de normas e textos

normativos que, historicamente, foram hierarquicamente sendo inculcados às

pessoas, sobretudo, às mulheres. Os conjuntos de normas, geralmente, estão

“expressos nas doutrinas religiosas, educativas, científicas, políticas ou

jurídicas e tipicamente tomam a forma de uma oposição binária [...]” (SCOTT,

1989, p. 21).

A educação escolar, tradicionalmente, se apropriou de textos normativos

e regras que remodelavam comportamentos. Principalmente na educação dos

colégios de ordem religiosa, cujos padres e freiras dirigiam, a formação foi

fortemente voltada à religião e seus preceitos. Nesse sentido Julieta Gadelha

demonstra, nos elementos constitutivos de sua escrita, os traços de sua

Page 109: UM JOGO DE LEMBRANÇAS: GÊNERO, CULTURA E … · A família do meu marido, sobretudo minha sogra Ana Paula Cavalcanti, pelas ... a bandeira e o hino de Sousa e o Literarte. Meu muito

108

formação representados no apego a Sousa, na forte presença de padres e

construções de igrejas, além de comportamentos direcionados às mulheres.

A prática educativa é aqui compreendida por um conjunto de fatores

sociais que, no caso de Julieta Gadelha, contribuíram para conhecer a

identidade de uma sociedade, marcada pelo tradicionalismo, pela forte

religiosidade, pelos costumes que condicionam e influenciam as pessoas até

hoje.

A prática educativa, portanto, parte de um conjunto de fatores sociais mais amplos que a condicionam, influenciam e direcionam fazendo com que os conhecimentos e as experiências de cada indivíduo se tornem meios para a transformação de uma localidade. (LIBÂNEO, 1994, p. 16)

Os fatores sociais são mencionados através da inserção de Julieta

Gadelha na vida cultural sousense a partir da publicação das obras que

escreveu como as crônicas para a Revista Letras do Sertão, iniciadas na

década de 1950, o livro Crônicas para mamãe ler, publicado em 1965 e o livro

Antes que ninguém conte, publicado em 1986. Por isso, tomamos estas obras

como base e referência para o nosso trabalho.

As obras foram lidas e delas extraídas os conteúdos que representam a

maneira como pensava, as reminiscências de sua infância, e principalmente, o

contexto social sousense apresentado. A autora mostra curiosidades, aspectos

religiosos, projetos arquitetônicos que permanecem no legado e na cultura

sousense até os dias atuais. Nesse sentido, se destaca como historiadora local

e marca sua prática educativa:

ao aproximar determinada época/fato/processo com a realidade mais imediata, pois, dessa forma, podemos descobrir como as pessoas se relacionavam, como viviam em grupo e estabelecer relações com o presente (SOUSA, 2015, p. 137)

Para uma melhor compreensão de sua escrita, apresentamos o início de

sua trajetória, através das publicações da Revista Letras do Sertão.

Consideramos que se faz necessário apresentarmos um pouco sobre a referida

revista e sua representação para, em seguida, traçarmos uma linha de

raciocínio sobre o que Julieta Gadelha publicou e como foi sua inserção nesse

meio literário.

Page 110: UM JOGO DE LEMBRANÇAS: GÊNERO, CULTURA E … · A família do meu marido, sobretudo minha sogra Ana Paula Cavalcanti, pelas ... a bandeira e o hino de Sousa e o Literarte. Meu muito

109

4.1 A atuação de Julieta Pordeus Gadelha na Revista Letras do Sertão

A Revista Letras do Sertão era um “órgão de divulgação literária”

idealizada por um grupo de intelectuais denominado de A Panelinha que se

reunia na antiga Sorveteria Flor de Lis ou no Éden Clube, na cidade de Sousa,

em fins da década de 1940. (MATOS, 2004, p. 20). Leitão assim recorda

(2000, p. 205) “uma das melhores lembranças que ainda guardo da minha

permanência em Sousa está intimamente ligada à “A Panelinha”, modesta

agremiação literária que tanto movimentou a juventude daquela cidade”

O contexto social e cultural pelo qual vivia Sousa, nos preâmbulos que

antecedem a criação da Revista Letras do Sertão, era de grandes choques de

interesses entre políticos e uma intensa ignorância intelectual por parte do

povo.

Assim é caracterizada a cidade de Sousa, quando se deu a criação de

Letras do Sertão, por um de seus colaboradores:

[...] De muito atraso material e social. Televisão não existia, e na cidade, em termos otimistas não havia mais de dez receptores de rádio. Poucas pessoas, além disso, interessavam-se em possuí-los. As contradições e choques de interesses, apesar de evidentes, passam impercebidos no dia-a-dia, extravasam somente nos períodos eleitorais. A história e o mundo, a rigor, conhecia-se através de livros, de relatos e explanações de pessoas requintadas, superiores, influentes, diferentes do comum dos mortais - padres, mestres, doutores, algo nesse nível, vistos sempre à distância. (MATOS, 2004, p. 24)

Se a história era conhecida através dos livros e de pessoas requintadas,

há que se destacar que na época, década de 1940, nem toda a população

sousense tinha acesso a eles, o que caracterizava uma grande distância social

entre o povo e a elite intelectual. Além disso, o mesmo autor enfatiza a forte

presença da Igreja Católica na sociedade sousense. Segundo ele, os “desvios

eram corrigidos com a doutrina social da Igreja, fundada no santo operário, São

José, o pai de Jesus”. (MATOS, 2004, p. 25)

Nesse contexto, o grupo A Panelinha também foi criticado por membros

da Igreja católica, que temiam que as reuniões fossem de caráter maçônico

Page 111: UM JOGO DE LEMBRANÇAS: GÊNERO, CULTURA E … · A família do meu marido, sobretudo minha sogra Ana Paula Cavalcanti, pelas ... a bandeira e o hino de Sousa e o Literarte. Meu muito

110

fazendo com que rumores chegassem aos ouvidos dos seus integrantes.

“Dizia-se que a sociedade tinha caráter maçônico e, como tal, passou a ser

combatida pela Igreja através dos sermões do cônego Oriel que fustigava o

comportamento daqueles jovens desviados”. (LEITÃO, 2000, p. 209)

Mesmo com críticas por parte de membros da igreja, tiveram

participação nas publicações da revista, alguns de seus representantes, como

frei Batista, irmão de Julieta Gadelha e monsenhor Gervásio Coelho. Além

destes, intelectuais locais como Cristiano Cartaxo, Virgílio Pinto de Aragão,

Firmino Leite, Marcílio Mariz, Eládio Melo, Deusdedit Leitão, nomes que são

consagrados na literatura e história local, tiveram intensas participações. Há

também, contribuições de outros intelectuais da Paraíba e do Brasil como João

Romão Dantas, Ariano Suassuna, Câmara Cascudo, Virgínius da Gama e

Melo, entre outros.

A carta convite de lançamento da revista, que solicitava “a colaboração

dos mais conhecidos beletristas paraibanos e de outros centros do país”, assim

menciona:

A direção da nossa revista tem como norma principal do seu programa servir ao sertão paraibano na divulgação de trabalhos literários que falem à alma de nossa gente e, para isso, contamos com a imprescindível colaboração dos nossos intelectuais que, de certo, não ficarão indiferentes à iniciativa dos que, mais uma vez, tentam servir à imprensa indígena. Sem filiação a nenhuma das escolas literárias que atualmente revolucionam os meios culturais do país e mesmo sem a menor inclinação para quaisquer dessas „igrejinhas‟, respeitaremos a opinião dos nossos colaboradores porque a nossa intenção é pura e simplesmente criar um veículo para manifestação da cultura e da inteligência sertanejas. (LEITÃO, 2000, p. 264)

A carta convite tem nas suas entrelinhas, a marca dos seus fundadores

que pretendiam exaltar a cultura sertaneja e caminhar com a intenção de

inauguração a Revista Letras do Sertão. Assim diz em sua página inicial:

“Fazemos obra desinteressada e quase nenhuma vaidade nos assiste:

verdadeiramente o nosso único e principal objetivo é proporcionar aos

intelectuais de nossa terra, ensêjo de publicarem seus trabalhos”. (Letras do

Sertão, 1951, p. 1)

Page 112: UM JOGO DE LEMBRANÇAS: GÊNERO, CULTURA E … · A família do meu marido, sobretudo minha sogra Ana Paula Cavalcanti, pelas ... a bandeira e o hino de Sousa e o Literarte. Meu muito

111

Fica claro no objetivo da Revista, o público a que ela teve acesso,

grupos composto por intelectuais sertanejos, paraibanos e de outros estados

do país.

Imagem XXXVI: Apresentação da primeira edição da Revista Letras do Sertão Fonte: Acervo pessoal de Evilásio Marques Pinto - seu Vila.

Page 113: UM JOGO DE LEMBRANÇAS: GÊNERO, CULTURA E … · A família do meu marido, sobretudo minha sogra Ana Paula Cavalcanti, pelas ... a bandeira e o hino de Sousa e o Literarte. Meu muito

112

Sendo assim, a inauguração de Letras do Sertão se deu em 2 (dois) de

novembro de 1951 em comemoração ao centenário do Dr. Silva Mariz,

respeitado intelectual sousense e conhecido médico no estado da Paraíba. A

referida revista chegou a passar por três fases distintas que foram desde a

inauguração até 1967.

Segundo Matos (2004), a primeira fase vai de 2 de novembro de 1951

até o número 22, de julho de 1961 se estendendo, portanto, durante dez anos.

Durante este tempo, Deusdedit Leitão, Alberto Xavier e Sérgio Fontes foram os

responsáveis pela direção e redação da revista. “Já em 1954 Alberto ficou

como único diretor de LETRAS DO SERTÃO e os seus colaboradores mais

próximos passaram a condição de redatores” (LEITÃO, 2000, p. 268).

Ainda de acordo com Leitão (2000), a revista teve a direção de Walter

Sarmento de Sá, de 1961 até 1963, quando encerra a primeira fase. Já para

Matos (2004), este marca a segunda fase da Revista Letras do Sertão:

Desta vez dirigida por Walter Sarmento de Sá, um colaborador entusiasta da realização, que colocou o seu prestígio de magistrado a serviço do periódico, para arrecadar fundos para as despesas de impressão, e para descobrir colaboradores e textos para publicação, compreende o período de outubro de 1961 a dezembro de 1963, e encerrou a sua circulação com o número 26, do mencionado mês e ano, tendo enfrentado os mesmos percalços do período ou fase anterior, editando apenas quatro números. (MATOS, 2004, p. 45)

De 1967 até 1968, volta a circular a Revista Letras do Sertão,

caracterizando a terceira fase, sob a direção de “Ana Lúcia Gomes Barreto N°

27 e Antônio Nóbrega Gadelha N°s 28, 29, 30 e 31” (MATOS, 2004, p. 46).

Em 1967 voltou a circular, com uma roupagem diferente. O seu reaparecimento resultou do esforço de um grupo de jovens que tentou manter “aquela chama bendita” para maior glória e renome da terra natal. Foi um gesto altaneiro que não logrou o êxito que esperava. [...] (LEITÃO, 2000, p. 269)

Os conteúdos veiculados pela Revista tratavam, na maioria das vezes,

sobre a história de Sousa, alguns textos apresentavam, inclusive, documentos

completos de doação de terras, arquivos das igrejas. Outros conteúdos

veiculados foram mais variados e iam desde a política, assuntos do cotidiano,

até aspectos da vida pessoal dos autores.

Page 114: UM JOGO DE LEMBRANÇAS: GÊNERO, CULTURA E … · A família do meu marido, sobretudo minha sogra Ana Paula Cavalcanti, pelas ... a bandeira e o hino de Sousa e o Literarte. Meu muito

113

Por sua vez, na oportunidade, historiadores locais pesquisam, comentam, exaltam e registram fatos da vida do município desde o seu surgimento como simples capela e orago, extraem de documentos velhos e “carunchosos” a verdade histórica. (MATOS, 2004, p. 28)

Julieta Gadelha entrou para a Revista Letras do Sertão, na primeira fase

de circulação. Sua publicação inicial acontece, edição de número 6, ano 2, em

março de 1959 com a crônica intitulada Igual Desdita.

Imagem XXXVII: Capa Revista Letras do Sertão, ano 2, edição de número 6 onde

Julieta Pordeus Gadelha tem sua primeira publicação.

Fonte: Evilásio Marques Pinto - Seu Vila.

Page 115: UM JOGO DE LEMBRANÇAS: GÊNERO, CULTURA E … · A família do meu marido, sobretudo minha sogra Ana Paula Cavalcanti, pelas ... a bandeira e o hino de Sousa e o Literarte. Meu muito

114

A crônica Igual Desdita, publicada por Julieta Gadelha, possui apenas

quatro estrofes e fala sobre uma desilusão amorosa:

Por uma estrada eu saio a caminhar Com passo firme e vagarosamente... Porém, no meio da estrada, a soluçar. Surge uma jovem, triste, à minha frente. No seu dorido soluço, a prantear, Apressa a marcha e tomba de repente. – Magoaste, amiga? Quem te faz chorar? Ela os olhos levanta docemente. E assim responde: “o amor que te roubei Hoje o perdi e choro sem conforto A ilusão que, ingênua, acalentei!...” E acarinhando a amiga desleal, Sinto com ela o seu cruel desgosto E convido-a a lamentar a sorte igual.

Talvez a crônica tenha sido escrita por causa de uma mágoa amorosa

da própria Julieta Gadelha, que não quis se identificar colocando a amiga como

a pessoa que sofreu o desgosto.

“A mocidade das escolas tinha acolhida generosa. Foi nesse ambiente

que surgiu o nome de Julieta Gadelha” (CARTAXO, 1965, p.1) compondo um

quadro de participação entre as 35 (trinta e cinco) mulheres que colaboraram

com a Revista Letras do Sertão, relatando aspectos da história local e de sua

vida pessoal, “versando assuntos diversos aqui e ali no cotidiano da vida

sertaneja” (Ibid, 1965).

Nas outras duas fases, a escritora também se faz presente, com a

publicação de outros textos. Para uma melhor compreensão, elaboramos um

quadro com títulos de suas publicações na revista:

Page 116: UM JOGO DE LEMBRANÇAS: GÊNERO, CULTURA E … · A família do meu marido, sobretudo minha sogra Ana Paula Cavalcanti, pelas ... a bandeira e o hino de Sousa e o Literarte. Meu muito

115

QUADRO III:

PULICAÇÕES DE JULIETA PORDEUS GADELHA NA REVISTA

LETRAS DO SERTÃO

Fases da Revista

Letras do Sertão

Número da

Publicação

Publicações de Julieta

Pordeus Gadelha

PRIMEIRA FASE:

novembro de 1951 a

julho de 1961

Número 6 Igual Deusdita

Número 7

Amor que nasce

Número 8

“Que Importa?”

Número 9

O Natal de Zelinha (conto)

Soneto

Número 10

Primeiro de Maio

Número 11

Modernismo

Número 12 Intelecto e casamento

Número 13 Em busca da vida ou da morte?

Número 14 Amigos

Número 15 Minha Primeira Farda

Número 16 Resignação, uma lição

Número 17 Atenção, Loteria Informa! O legado de um canário lutador

Número 18 Reminiscências

Número 19 Desembargadores sabem coar café

Número 20 Gratidão de Seresteiro

Número 21 Esse meu tio

Número 22 Quem quer ser meu pai ou minha mãe?

Fonte: Livro Letras do Sertão: sumário cronológico 1951/1968

Page 117: UM JOGO DE LEMBRANÇAS: GÊNERO, CULTURA E … · A família do meu marido, sobretudo minha sogra Ana Paula Cavalcanti, pelas ... a bandeira e o hino de Sousa e o Literarte. Meu muito

116

Fases da Revista

Letras do Sertão

Número da

Publicação

Publicações de Julieta

Pordeus Gadelha

SEGUNDA FASE:

Outubro de 1961 a

dezembro de 1963

Número 23 Inversão de valores

Número 24

Chá de Burro

Número 25

À base de caridade

Fonte: Livro Letras do Sertão: sumário cronológico 1951/1968

Bb Fases da Revista

Letras do Sertão

Número da

Publicação

Publicações de Julieta

Pordeus Gadelha

TERCEIRA FASE:

Março de 1967 a março

de 1968.

Número 26 O tolo risonho

Número 27

Eu vi o doutor chorando (a crônica de um momento)

Número 28

A face cruel da justiça

Numero 29 O santo e a chuva

Fonte: Livro Letras do Sertão: sumário cronológico 1951/1968. Autor: Eilzo Nogueira

Matos

Muitas foram as crônicas publicadas pela escritora Julieta Pordeus

Gadelha trazendo costumes, nomes e fatos, histórias de vida, pessoas que

deixaram seus registros nas ruas, praças e avenidas, caracterizando cotidianos

de outrora.

Entre as figuras ilustres de suas publicações na Revista, está o seu tio,

professor Virgílio Pinto de Aragão, a quem presta homenagem, dando-lhe

diversas características como na crônica intitulada Êsse meu tio, edição de

número 21, em que fala: “No batismo recebeu o nome de Virgílio; o que usa

nos documentos é Virgílio Pinto de Aragão, o nome de cartório. Para os amigos

e os de casa é Senhorzinho, professor Senhorzinho. (GADELHA, 1961, p. 12)

Page 118: UM JOGO DE LEMBRANÇAS: GÊNERO, CULTURA E … · A família do meu marido, sobretudo minha sogra Ana Paula Cavalcanti, pelas ... a bandeira e o hino de Sousa e o Literarte. Meu muito

117

Após a breve caracterização do tio, professor Senhorzinho, Julieta

Gadelha denota a importância de sua contribuição para a educação sousense:

“Aqui, todo mundo o tem como o pai da instrução em Sousa, pois desde muito

cedo dedicou-se à elevada missão de professor. Quem sabe ler, aqui, a êle

deve esse quinhão, essa herança benfazeja”. (Ibid, p. 12)

Após a morte do professor Senhorzinho, a escritora Julieta Gadelha,

publica uma crônica intitulada Tio Senhorzinho, em que menciona sua

participação na Revista Letras do Sertão:

Franzino e pequenino, tio Senhorzinho foi grande demais para Sousa. Há pouco, em “LETRAS DO SERTÃO, escrevi a minha primeira impressão sôbre êle. Era uma crônica cheia de humor que a êle próprio causou riso, comentou isso depois, comigo. Apesar do humorismo, não deixei de enaltecer a sua capacidade no Magistério, que exercia com alma apaixonada, cheia de calor. Foi êle quem deu a Sousa o valor intelectual no qual ela é conhecida. (GADELHA, 1965, p. 152)

Em outras publicações, na revista Letras do Sertão, relata aspectos de

sua vida pessoal, de suas reminiscências, como ela menciona. Ao falar de sua

meninice, Julieta Gadelha ressalta que não tinha os sonhos bons realizados,

como as outras crianças. No texto reminiscências, publicado na Revista de n°.

18, ela assim relata: “Pelas minhas recordações, pelas cenas que guardo da

minha meninice, pressinto que não tive uma infância como das outras crianças.

Uma infância repleta de sonhos bons realizados [...]” (GADELHA, 1959, p. 12).

A forma como escreve, carregada de significados e de saudosismo,

revela uma criança cheia de sonhos, muitos deles proibidos, como a vontade

de ver estrelas, ao anoitecer.

– Menino dorme com as galinhas! Dizia mamãe conduzindo-me à

cama antes que a noite chegasse com o seu manto negro, bordado de prata. Eu me conformava com aquilo, reprimindo aquele anelo e achando que, um dia, poderia conhecer as estrelas e a lua no seu esplendor celeste. [...] Eu tinha uma alma excessivamente sentimental e me sentia infeliz por essas pequenas cousas que pareciam um vago na minha vida. (GADELHA, 1959, p. 12)

Tolhida pela mãe na vontade de ver as estrelas e a lua à noite, a menina

Julieta Gadelha escreve como se comparasse a outras crianças de sua época.

Talvez as crianças que brincavam na rua a noite, não fossem as de sua classe

Page 119: UM JOGO DE LEMBRANÇAS: GÊNERO, CULTURA E … · A família do meu marido, sobretudo minha sogra Ana Paula Cavalcanti, pelas ... a bandeira e o hino de Sousa e o Literarte. Meu muito

118

social que se recolhiam cedo por conta da educação rígida que tinham,

sobretudo, as mulheres.

Acreditamos que o sentimentalismo presente na menina Julieta, tenha

sido um ingrediente necessário para a composição de sua escrita, sempre

carregada de fortes características memorialísticas e poéticas.

Pudemos perceber nos textos que tivemos acesso, publicados na

Revista Letras do Sertão, que seus conteúdos são marcados pelo saudosismo,

pelas memórias da infância, além de alguns episódios que lhe causavam

revolta e eram criticados pela autora.

Em O legado de um canário lutador, texto publicado no ano de 1959,

edição de número 17 da Revista Letras do Sertão, Julieta Gadelha demonstra

sua sensibilidade ao ver pássaros engaiolados enquanto escreve,

caracterizando-os “como vítimas involuntárias, predestinadas à escravidão”.

Há, enquanto escrevo, uma gaiola à minha frente. Encarcerados vivem dois lindos canários, sem dúvida, a mulher e o marido. Êles cantam, porém, no canto a gente sente que eles sofrem a angústia de um casal de homens a quem foi imposta a pena cruel de não poder ter descendência. Eu interpreto o cantar dessas avezinhas como um apêlo àquela que seria a sua D. Isabel, Princesa da Liberdade que, em vez de uma pena de ouro, usasse apenas os dedos no frágil, mas seguro fecho da portinhola. (GADELHA, 1959, p. 27)

Talvez O legado de um canário lutador tenha sido um texto não só de

desabafo, mas uma forma de protesto e denúncia contra os abusos aos

animais, já que a Revista Letras do Sertão era um órgão de divulgação

conceituado no meio intelectual. Há nas palavras de Julieta Gadelha, uma

tentativa de colocar a situação em que vivia os animais, como forma de

indignação, de abuso, sobretudo dos homens quando diz que “os canários são

vítimas eternas do sadismo da rapaziada”. (Ibid, p. 27)

Também percebemos que ela carrega, na crônica, traços de sua

formação voltada para a religiosidade ao mencionar que os canários eram, sem

dúvida, a mulher e o marido e que tinham a pena cruel de não ter

descendência. Era o apego e a valorização à família, tão presentes no discurso

da religião católica, que Julieta Gadelha seguia. Além disso, destacamos que

Page 120: UM JOGO DE LEMBRANÇAS: GÊNERO, CULTURA E … · A família do meu marido, sobretudo minha sogra Ana Paula Cavalcanti, pelas ... a bandeira e o hino de Sousa e o Literarte. Meu muito

119

para uma mulher escrever numa revista cuja maioria dos autores, era homem,

um texto em tom de indignação contra uma prática que até hoje é corriqueira

no Sertão, caracteriza como um desafio já que se trata da década de 1950.

A sociedade da época ainda tinha uma visão muito diferenciada entre as

relações de gênero. O sexo feminino, o “sexo frágil”, era considerado

direcionado para o casamento, para a criação dos filhos, no máximo, com

acesso à Escola Normal, sendo que em algumas vezes, a profissão sequer

chegava a ser exercida. Exemplo disso foi o relato de uma estudante egressa

da Escola Normal São José, formada no ano de 1955. A mesma nos informou

que apenas concluiu o curso, não chegando a exercer a profissão porque se

casou em seguida.

Mesmo com acesso a educação e ocupando alguns cargos no mercado

de trabalho eminentemente masculinos, a mulher lutava pelo acesso a

escolarização e o reconhecimento de seus direitos.

A sociedade da época apresentava posições antagônicas em relação à luta da mulher pela escolarização e pelo reconhecimento de seus direitos. Por um lado, considerava-se positivo o fato de a mulher estar ocupando espaços antes predominantemente masculinos. E o fator educação transformava a mulher em um ser digno de respeito e admiração. Por outro lado, a mulher que adquiria instrução e lutava por ocupar um lugar no mercado de trabalho, que expunha suas idéias, comportava-se mais livremente, mudando hábitos e comportamentos, era considerada um perigo para a família, para os homens, e, consequentemente, para a sociedade. (NUNES, 2006, p. 118)

Havia ainda na sociedade, uma preconceituosa visão sobre as mulheres

que reivindicavam seus direitos e consequentemente, com as que não se

casavam, com as feministas, principalmente. A própria imprensa contribuía

com tal preconceito acentuando a caracterização desse tipo de mulher como

feia, mal amada e não realizada, mesmo que casasse.

Era comum os jornais exibirem caricaturas de mulheres enfatizando que a mulher desejosa de participar das decisões políticas e exigente de seus direitos é feia, por isso, não arranja casamento, e consequentemente torna-se descontente, frustada e vingativa. (NUNES, 2006, p. 122)

Page 121: UM JOGO DE LEMBRANÇAS: GÊNERO, CULTURA E … · A família do meu marido, sobretudo minha sogra Ana Paula Cavalcanti, pelas ... a bandeira e o hino de Sousa e o Literarte. Meu muito

120

Em Sousa, na década de 1950, existia o preconceito à mulher. Em um

texto intitulado Intelecto e Casamento, publicado na Revista Letras do Sertão,

de número 12, em junho de 1955, Julieta Gadelha revela traços de seu apoio à

mulher escolarizada, intelectual e que ocupava cargos antes ocupados apenas

por homens. O texto é resposta a uma discussão iniciada numa viagem de

trem, entre Julieta e um amigo. “Naquela viagem de trem, aliás, péssima

viagem, começamos a nossa discussão. Talvez, para que eu lhe desse

atenção, você começou a falar alto, sobre o “sexo.”” (GADELHA, 1955, p. 15)

Sexo, no sentido que é utilizado na conversa, trata-se da divisão binária

entre os sexos masculino e feminino, aos papeis sociais que eram designados

ao homem e à mulher. Na verdade, o amigo de Julieta Gadelha criticava a

mulher que “se metia nas letras” ou ficava para “titia”, sendo, por isso,

desprezada pelos homens. Para ele, as que chegavam a se casar, eram

infelizes. Esta era uma opinião não somente sua, mas da maioria dos homens.

“Compreendi logo que você é um inimigo arraigado da mulher letrada” (Ibid, p.

15).

Para a opinião do amigo, Julieta Gadelha, (Ibid, p. 15) assim responde:

“Há verdade nisso? pergunto. Afirmo-lhe, mais uma vez que nem todos

pensam assim. Acho que só você e uns poucos. E se pensam assim talvez

seja porque se sentem diminuídos deante da capacidade cerebral de algumas”.

Segundo a narrativa da autora, a conversa chamara-lhe atenção porque

pendeu para a injustiça, o que fez com que pouco a pouco, ela participasse da

discussão. Para as afirmações do amigo, Julieta Gadelha defende que,

atualmente, a mulher não é mais forte que o homem, citando a maternidade

como exemplo e contrariando a posição de sexo frágil:

A maternidade poderia provar que a mulher é mais forte. Muitos médicos atestam que preferem intervir em mulheres pois estas suportam melhor as dôres. O homem, para passar uma noite acordado é preciso levar como companheira uma garrafinha de alcool, do contrário fracassaria. A mulher passa noites e mais noites acordada velando pelo filhinho doente. Não é preciso alcool para sustentá-la e a fadiga raramente lhe ataca. (GADELHA, 1955, p. 15)

Page 122: UM JOGO DE LEMBRANÇAS: GÊNERO, CULTURA E … · A família do meu marido, sobretudo minha sogra Ana Paula Cavalcanti, pelas ... a bandeira e o hino de Sousa e o Literarte. Meu muito

121

Mesmo a autora tendo defendido as mulheres, há uma parte na crônica

em que fala que “no casamento, a mulher não deve ser superior ao homem,

especialmente no grau de cultura”, ou seja, no nível de instrução. Esta parte

revela que ainda que tenham avançado intelectualmente, ocupado postos de

trabalho, a mulher ainda obedecia à configuração social de superioridade

masculina, principalmente no casamento, em que os princípios e conceitos

eram orientados por uma ideologia masculina.

Essa configuração social determinada pela divisão de gênero, “como um

produto cultural adquirido e transmitido nas estruturas sociais” (ALMEIDA,

1998, p. 43) em que o homem era o sexo forte, o belo sexo e a mulher, o “sexo

frágil”, foi herança da sociedade patriarcal brasileira.

Em romances regionalistas da década de 1930, como São Bernardo de

Graciliano Ramos, a personagem Madalena, esposa de Paulo Honório, é

professora normalista sendo considerada, algumas vezes, motivo de orgulho

do marido por ter estudado. Outras vezes, motivo de medo, já que Madalena

tinha ideias próprias, chegando a opinar nas conversas entre o marido e outros

fazendeiros, era uma mulher diferenciada de sua condição social feminina por

causa do acesso aos estudos que tivera. Além disso, Paulo Honório se sente

diminuído diante de sua condição social de homem rude, bruto, sem instrução

se comparado a Madalena, professora, culta e educada.

Madalena entrou aqui cheia de bons sentimentos e bons propósitos. A profissão é que me deu qualidades tão ruins. E a desconfiança terrível que me aponta inimigos em toda a parte! A desconfiança é também conseqüência da profissão. Foi este modo de vida que me inutilizou. Sou um aleijado. [...] (RAMOS, 1964, p. 176, grifos nossos).

O ideário de uma mulher intelectual como ameaça para o casamento

permaneceu na sociedade brasileira da década de 1955, quando foi escrita a

crônica e também, nos anos seguintes. A mulher, ainda que tivesse acesso à

educação escolarizada e fosse, por isso, diferenciada das que não tiveram

acesso, estava subjugada à condição masculina. Segundo Scott, (1989, p. 26)

“Uma afirmação de controle ou de força tomou a forma de uma política sobre

as mulheres. Nesses exemplos, a diferença sexual tem sido concebida em

termos de dominação e controle das mulheres”.

Page 123: UM JOGO DE LEMBRANÇAS: GÊNERO, CULTURA E … · A família do meu marido, sobretudo minha sogra Ana Paula Cavalcanti, pelas ... a bandeira e o hino de Sousa e o Literarte. Meu muito

122

Nesse ideário, para a sociedade da época, as mulheres deixaram de

“ser as procriadoras incultas para tornarem-se as futuras esposas educadas,

conhecedoras das necessidades do marido e dos filhos, alicerces da moral e

dos costumes, fiéis guardiãs do lar cristão e patriótico”. (ALMEIDA, 1998, p. 35)

Daí se explica toda a crítica feita, pelo amigo de Julieta Gadelha, à

mulher intelectual da época como um perigo para o casamento. Nesse sentido,

a mudança nas normas impostas à condição social feminina, segundo Scott

(1989, p. 21) “dependem da rejeição ou da repressão de outras possibilidades

alternativas” como fez Julieta, ao questionar a opinião do amigo.

Mesmo vivenciando as críticas do preconceito contra a mulher

intelectual, Julieta Gadelha enfrenta o amigo e elenca motivos para que a

mulher seja reconhecida como digna dos direitos conquistados, alegando as

qualidades que tem um matrimônio com uma mulher intelectual.

Há algum tempo atrás, os cargos de responsabilidades eram entregues somente a homens. Hoje, no entanto, as fábricas, repartições públicas, ministérios, assembléias, etc... estão repletas de “saias” competentes, graças ao seu desenvolvimento cerebral. Disse você ainda amigo, que a “obrigação única da mulher é a doméstica, e que jamais se casará com uma moça que goste de ler romance, especialmente, a tal da poesia”. Respondo-lhe, para concluirmos, que a mulher não é apenas para manejar panelas, cabo de vassoura, e cortar cêbolas. Não. Dentro do lar também é preciso uma dose de romantismo, poesia e inteligência para completar o ambiente de felicidade. Lendo e escrevendo, tôda mulher tem mais senso de entendimento, busca sempre a harmonia e a paz nas pequenas coisas (GADELHA, 1955, p. 16, grifos nossos).

As justificativas de Julieta Gadelha revelam uma escritora que não

mediu esforços para defender a mulher que estudava, que trabalhava fora de

casa, a mulher que ultrapassava os muros do lar. Para ela, esta também

poderia se casar, inclusive contribuindo para a harmonia no lar. “Penso que

não há perigo de desilusão matrimonial para a mulher que goste das lêtras,

tudo depende do “bilhête de cada uma””. (Ibid, p. 16)

Numa outra crônica intitulada Desembargadores sabem torrar café, de

1960, Julieta Gadelha relata sua experiência ao visitar o Tribunal de Justiça,

em João Pessoa - PB. Segundo a escritora, sempre teve muita curiosidade em

visitar aquele lugar, frequentado por homens, magistrados. Assim se justifica:

Page 124: UM JOGO DE LEMBRANÇAS: GÊNERO, CULTURA E … · A família do meu marido, sobretudo minha sogra Ana Paula Cavalcanti, pelas ... a bandeira e o hino de Sousa e o Literarte. Meu muito

123

“Pretextando assistir ao concurso para juiz de direito que ali se realizaria, e

para o qual eu tinha um irmão inscrito como candidato, mesmo sob sua reação,

consegui que êle me levasse até lá” (GADELHA, 1960, p. 2).

Sua presença feminina chamara a atenção dos magistrados que lhe

“olhavam de esguelha”, como quem perguntavam “quem era e o que estava

fazendo ali”. Teve tanto medo que sentiu repulsa, procurando “recuar,

caminhando de volta para as escadas” (Ibid, p. 2). Para Julieta Gadelha, aquele

ambiente sério, masculino e de gravidade, pois se tratava do setor de justiça foi

contrastado com o jeito “sereno e jovial” do presidente do Tribunal de Justiça.

“Se o presidente do Tribunal é tão sereno, jovial, nada há que temer”. Voltou,

então a observar os magistrados.

Porém, além da mobília e das fisionomias dos desembargadores, o que

mais chama atenção de Julieta é a conversa que os magistrados tinham

enfatizando que sabiam torrar e coar café.

Ouvi Magistrados conversando assuntos de donas de casa. Imaginem só!... Discutiam a maneira de se torrar e coar o “melhor café”, a expressão era deles. [...] Quem diria hem!!! no Tribunal, os Desembargadores discutindo tal assunto, quem sabe? para quebrar a rigidez do ambiente! Foi a minha maior emoção. (GADELHA, 1960, p. 3)

Nesta crônica, Julieta Gadelha demonstra sua admiração pelo fato de

homens magistrados da área jurídica, tão séria e rígida, conversarem assuntos

que são de mulheres, especificamente, de donas de casa. Se fazer parte da

magistratura, naquela época, era privilégio dos homens, imagine esses homens

conversarem sobre afazeres de mulheres? Percebemos, na crônica, as

“relações sociais fundadas sobre as diferenças percebidas entre os sexos”

(SCOTT, 1989, p. 21).

Na verdade são símbolos que caracterizam o gênero, que foram

culturalmente direcionados, atribuindo papeis “que evocam representações

múltiplas (frequentemente contraditórias)” (Ibid, p. 21)

Quando se inicia a segunda fase da Revista Letras do Sertão, a partir de

outubro de 1961, depois de dois meses sem ter sido publicada, a apresentação

Page 125: UM JOGO DE LEMBRANÇAS: GÊNERO, CULTURA E … · A família do meu marido, sobretudo minha sogra Ana Paula Cavalcanti, pelas ... a bandeira e o hino de Sousa e o Literarte. Meu muito

124

da Revista destaca o contexto de profundas crises sociais pelas quais passava

o Brasil da época, enfatizando, inclusive o discurso proferido pelo padre João

Cartaxo Rolim, no dia 1° de maio, dia do trabalho, em que diz que o Movimento

Operário não é comunista, foi o sindicalismo dos operários aproveitado pelos

comunistas como arma ideológica.

Esse contexto revela as características que antecederam o Golpe Militar

de 1964, quando os movimentos operários eram tidos como ações dos

comunistas. Foi nesse contexto que Julieta Gadelha publicou uma crônica em

que não destaca mais a mulher romântica, a mulher que se casa por amor e

sim, a mulher interesseira.

Na crônica Inversão de valores, publicação da edição de número 23, da

segunda fase de Letras do Sertão, a autora revela seu posicionamento diante

do amor por interesses das mulheres materialistas.

Nesse mundo de ideais sacrificados em benefício da corrupção e da ganância, a posição da mulher é mais triste ainda. Está crescendo assustadoramente o número de mulheres materialistas em relação ao amor, e este, por sua vez, está desaparecendo para ceder lugar ao interesse. (GADELHA, 1961, p. 19)

O amor materialista seria na verdade, uma reação feminina, pois, já

tendo sofrido diante do amor, com as atitudes dos homens, agora inverteram

os valores. Nas palavras de Julieta Gadelha, fica perceptível que este tipo de

amor “já foi muito explorado pelo sexo oposto; agora a mulher aderiu, e

aprendeu essa transação anti-sentimental que faz inverter a posição dos

valores” (Ibid, p. 19).

No texto em questão, Julieta menciona que este amor materialista é um

problema da mulher moderna. Nesse sentido, a autora afirma que as adeptas

ao conservadorismo, são consideradas pela sociedade, como retrógradas e

fora de seus direitos.

Nada vale hoje em dia e tudo depende do dinheiro. Isso de amor é cousa secundária. A mulher que permanece adepta da classe “conservadora” para aquela que só acredita no progresso do amor por meio do metal, não passa de retrógrada e fora dos seus direitos. (GADELHA, 1961, p. 20)

Page 126: UM JOGO DE LEMBRANÇAS: GÊNERO, CULTURA E … · A família do meu marido, sobretudo minha sogra Ana Paula Cavalcanti, pelas ... a bandeira e o hino de Sousa e o Literarte. Meu muito

125

Considerando que a crônica data de outubro de 1961, segunda metade

do século XX, os discursos sobre a mulher começavam a ser modificados dos

que a colocavam como abnegada do lar, e passavam a apresentar a mulher

“como vítima do poder masculino, a eterna oprimida por uma sociedade fálica e

patriarcal, a receptora passiva das imposições sociais, porém, detentora de um

certo potencial de resistência contra a opressão.” (ALMEIDA, 1998, p. 19)

Nesse momento em que as mulheres buscam autonomia de liberdade e

igualdade de direitos através dos movimentos feministas espalhados pelo país,

o conteúdo abordado por Julieta Gadelha nos parece ser uma expressão de

quem já convivia com situações em que as mulheres não viviam mais o amor

arranjado, o amor romântico e tinham coragem para experimentar situações

que lhes conviessem, inclusive do amor materialista.

Isso explica um pouco do contexto social pelo qual passava o país na

década de 1960, com os movimentos feministas reivindicando a liberdade

sexual e a igualdade de gênero.

A partir das décadas de 1960 e 1970, tomou forma, no Brasil, o que em outros países já existia sob o nome de movimento feminista. Esse movimento tinha por objetivo fundamental a conquista de direitos iguais aos dos homens para as mulheres, quer fosse no trabalho, na família, na religião, na educação. Foi uma luta que se espalhou por diversos campos e se fez de muitas formas. (LOPES & GALVÃO, 2001, p. 68)

Sobre os movimentos feministas que estavam aguçados no Brasil,

sobretudo na década de 1960, Scott (1989, p. 19) nos afirma que estão

embasados no pensamento de que é “uma história de recusa da construção

hierárquica da relação entre masculino e feminino; nos seus contextos

específicos é uma tentativa de reverter ou deslocar seus funcionamentos. [...]”.

Portanto, discutir ou encontrar situações como a relatada na viagem de

trem por Julieta Pordeus Gadelha, é comum em livros publicados por mulheres

naquela época. Trata-se se textos que através de situações específicas,

acabam retratando o contexto social vigente da época. Nesse sentido, os

acontecimentos narrados na vivência de Julieta Gadelha estão articulados a

uma história coletiva mais ampla, pois, “temos que tratar do sujeito individual

Page 127: UM JOGO DE LEMBRANÇAS: GÊNERO, CULTURA E … · A família do meu marido, sobretudo minha sogra Ana Paula Cavalcanti, pelas ... a bandeira e o hino de Sousa e o Literarte. Meu muito

126

tanto quanto da organização social e articular a natureza das suas

interrelações”. (SCOTT, 1989, p. 20)

Em outras publicações da Revista Letras do Sertão a que tivemos

acesso, Julieta Gadelha relata o apego que sempre teve à família,

principalmente, a sua mãe. Na edição de número 20 da revista, publica uma

crônica sobre sua infância, intitulada Gratidão de seresteiro em que relata uma

história engraçada da entrada de um grilo em seu quarto, denominando-o de

seresteiro.

Mamãe entrou em meu quarto de dormir, armada de um chinelo. – Que é isso, mamãe? – perguntei assustada, pensando que ela relembrava numa ação os tempos de quando fui menina rebelde e buliçosa que ela só conseguia acalmar surrando de chinelo.

– Procuro um grilo que não me deixa dormir! – disse com voz sonolenta e meio raivosa.

– Ah, não... a senhora pensa em matar o meu grilo, meu seresteiro?

(GADELHA, 1960, p. 23)

O apego demonstrado pela família é, mais uma vez, enfatizado no texto

Amigos, publicado no ano de 1956, edição de número 14 quando fala sobre a

dificuldade de se ter amizade verdadeira. No texto, Julieta Gadelha diz que os

amigos raríssimos, todos encontram na pessoa do pai, da mãe ou dos irmãos

(GADELHA, 1956).

Há quem confunda amizade com interesse. Possuir um amigo é raríssimo, entretanto tôda criatura a encontra na pessoa do pai ou da mãe ou do irmão, que são considerados amigos, fora de qualquer interesse material, quer no sentido de lucro, quer no desejo da fama. (GADELHA, 1956, p. 14)

É perceptível nas histórias relatadas nas crônicas a cumplicidade entre

Julieta Gadelha e sua mãe, uma vez que os diálogos são sempre cheios de

interrogações e explicações por parte da menina Julieta.

Tantas foram as crônicas escritas que em 1965, serviram de base e

conteúdo para a publicação da obra Crônicas para mamãe ler, ocasião em que

homenageia sua mãe. Sobre esta obra, de cunho memorialístico, trataremos

logo a seguir.

Page 128: UM JOGO DE LEMBRANÇAS: GÊNERO, CULTURA E … · A família do meu marido, sobretudo minha sogra Ana Paula Cavalcanti, pelas ... a bandeira e o hino de Sousa e o Literarte. Meu muito

127

4.2. Aspectos biográficos e sociais na obra Crônicas para mamãe

ler, de Julieta Pordeus Gadelha.

Imagem XXXVIII: capa do livro Crônicas para mamãe ler.

Fonte: acervo pessoal da autora Ana Paula Mendes Silva

Em 1965, Julieta Gadelha reúne algumas crônicas publicadas na Revista

Letras do Sertão, além de outros textos inéditos num livro intitulado Crônicas

para mamãe ler. Nessa obra, a autora apresenta traços memorialísticos e traz

aspectos curiosos e interessantes que compunham o perfil social do município

de Sousa, emitindo opinião sobre questões da época como a política, a

religião, as festas tradicionais.

Na apresentação do livro, ela justifica o porquê de escrevê-lo, alegando

que fora uma razão de ordem sentimental muito forte: um pedido de sua mãe

com apoio e incentivo de seu pai.

Page 129: UM JOGO DE LEMBRANÇAS: GÊNERO, CULTURA E … · A família do meu marido, sobretudo minha sogra Ana Paula Cavalcanti, pelas ... a bandeira e o hino de Sousa e o Literarte. Meu muito

128

Há muito que vinha sendo pressionada por insistentes apelos de minha mãe neste sentido: “Julieta, por que você não reúne estas crônicas em um livro, que possa levar ao público as coisas, os fatos e costumes de nossa gente?” – Eu sempre relutava... Os apelos de mamãe martelavam-me a cabeça como pensamentos maus, que eu afastava pensando estar em risco de cometer um grave pecado. Eu achava que era pura vaidade imprimir um livro quando não se tem a necessária bagagem para isso. Mas, depois, estive pensando comigo: – não é tão comum a gente fazer gravações particulares para os amigos e parentes, por que isto, sem vaidade nenhuma, lhes causa um prazer imenso? No meu caso, a vaidade seria unicamente de meus. Mas qual é neste mundo, o pai ou a mãe que não se enche de vaidade pelo que seus filhos realizam, seja lá de que maneira, aos olhos do público? Alguém já teve este pensamento: “surrem as mães, mas não batam nos filhos... êles são a sua vaidade!”

Por isso, só por isso mesmo resolvi publicar o meu livro, que não tem pretensões literárias, nem asas para voar alto.

Êle não pode estender-se além de cinqüenta quilômetros, além dos meus, de minha gente, de minha mãe... (GADELHA, 1965, apresentação do livro).

Fica na justificativa de Julieta Gadelha a constatação do que já

havíamos mencionado anteriormente, o apego a família, principalmente a sua

mãe, a maior incentivadora. Fica também constatado, o apego a Sousa, sua

terra natal, a sua gente, seus costumes, tudo é muito perceptível, à medida que

as crônicas vão revelando estes aspectos.

Na época da publicação do livro, Julieta Gadelha já fazia parte da roda

de escritores intelectuais do município de Sousa. Exemplo disso é a

participação de dois deles no prefácio: Cristiano Cartaxo, político do vizinho

município de Cajazeiras e Eládio Melo, professor da Escola Normal São José,

reconhecidos intelectuais dos meios literários da Revista Letras do Sertão.

Sobre a publicação do livro, assim escreve Eládio Melo, no prefácio do livro:

Os meios intelectuais sousenses estão em festa. Julieta Pordeus, a admirada intelectual contemporânea, que desfruta de largo prestígio em nosso setor literário, acaba de reunir, em livro, muitos dos belos contos que sempre escreve, com os quais, vêzes muitas, floriu as páginas de nossa revista “Letras do Sertão”, e de outras publicações do mesmo gênero. (MELO, 1965, p. 01)

O livro Crônicas para mamãe ler trouxe histórias carregadas de

simbolismo, ora apresentando costumes, modas da época em que foram

escritas, ora trazendo indignação, pessoas, aspectos sociais. A cada crônica

Page 130: UM JOGO DE LEMBRANÇAS: GÊNERO, CULTURA E … · A família do meu marido, sobretudo minha sogra Ana Paula Cavalcanti, pelas ... a bandeira e o hino de Sousa e o Literarte. Meu muito

129

lida, um pouco da autora foi sendo mais revelado. “O que fica dito, diz bem da

simplicidade e da sutileza com que foram tecidas as crônicas ora arrancadas

do silêncio em que estavam guardadas” (CARTAXO, 1965, p. 01).

Segundo Chartier, (1991, p. 182), a diferença está no sentido que se dá

à escrita dos textos:

[...] Os autores não escrevem livros: não, escrevem textos que outros transformam em objetos impressos. A diferença, que é justamente o espaço em que se constrói o sentido - ou os sentidos -, foi muitas vezes esquecida [...].

Os sentidos e os sentimentos estão muito presentes na obra Crônicas

para mamãe ler, de Julieta Pordeus Gadelha, já que traz sua memória e seu

passado nos textos cheios de narrativas em torno do cotidiano em que vivia.

Julieta Gadelha conta sobre curiosidades de Sousa e cidades

circunvizinhas. Um desses exemplos acontece na vizinha cidade de Pombal,

numa casa de construção inacabada, que sempre chamara atenção de todos

que por lá passavam.

A casa inacabada, segundo a autora, dava a impressão de negligência

da administração pública ou de castelo mal assombrado, mas se tratava de

uma casa que estava sendo construída para um casal morar, após o

casamento. A construção da casa havia parado após o rompimento da noiva,

pois não sentia mais amor.

Quem tiver oportunidade de passar por Pombal procure conhecer a “casa do desencanto”, na rua principal, na construção inacabada, que dá impressão de negligencia de administração pública ou de castelo mal assombrado. (GADELHA, 1965, p. 18)

Na crônica A casa do desencanto, Julieta Gadelha descreve a situação

em que se encontravam os noivos após o rompimento. Foi uma história que

nos chamou atenção pelo sentimentalismo trazido pela autora.

Além destas histórias, que mais parecem causos em que ficamos nos

perguntando se realmente aconteceram, muitas foram as curiosidades sobre o

cotidiano sousense daquela época em que ela escreveu o livro e que se fazem

presentes até hoje, como as campanhas políticas, os velórios, as festas nas

Page 131: UM JOGO DE LEMBRANÇAS: GÊNERO, CULTURA E … · A família do meu marido, sobretudo minha sogra Ana Paula Cavalcanti, pelas ... a bandeira e o hino de Sousa e o Literarte. Meu muito

130

casas das pessoas, os modos de se vestir, enfim, são cotidianos que vão

sendo contados e revistos na atualidade.

Em algumas crônicas de Julieta Gadelha, nos sentimos em Sousa da

nossa época de infância, com os mesmos costumes, as mesmas situações

corriqueiras. No texto intitulado “Sepultando os mortos”, a autora expressa sua

opinião quanto ao mal comportamento das pessoas nos velórios e enterros.

Para ela, há um fingimento em torno de algumas pessoas que visitam os

velórios e acompanham o cortejo, muitas vezes, em tom de “algazarra, em

comportamento de quem acompanha bloco de carnaval. Não achei analogia

mais apropriada” (GADELHA, 1965, p. 105).

Diante da leitura desta crônica, percebemos que Julieta Gadelha

apresenta traços característicos das cidades do interior em que, ocasiões como

essas, servem para muita gente se encontrar, inclusive políticos com eleitores,

na tentativa de garantir o voto:

Uns acompanham a procissão com propósito eleitoreiro. Sim, Senhor! Já ouvi de alguém que perder um enterro é quase perder um voto. Aqui vemos a política dos urubus, pois somente os urubus e seus semelhantes é que gostam de explorar a morte. E quando está próxima uma campanha eleitoral, os entêrros da época são muito concorridos. [...] (GADELHA, 1965, p. 105)

Em sua indignação com o real propósito que deveria ter um velório, a

autora vai narrando as diversas maneiras como as pessoas se apresentam e o

objetivo de cada uma delas na visita ao defunto e no caminho do cemitério:

Outros vão com espírito crítico: querem apenas olhar quem chora mais ou quem não chorou; quem fez cara feia; quem deu mais ataques, quem gritou e relembrou palavras, às vêzes insignificantes, do morto ainda em vida as quais, no momento, parecem tão cheias de significação. Há os que entram na casa onde está o féretro para apresentar os sentimentos enlutados. Antes vinham sorridentes, contando histórias engraçadas. No momento em que pisam dentro de casa, fazem um esfôrço e se cobrem repentinamente de uma tristeza fictícia, com o fito de demonstrarem o seu pesar pelo óbito. Abraçam os familiares do que deixa o mundo fingindo e até chorando com êles. Logo mais, no caminho do cemitério, se ajuntam aos que gostam de aproveitar a ocasião para discutir negócios, narrar histórias interessantes que divertem, criticar as caretas dos que pranteiam o defunto, etc... enquanto durar o percurso a sua última morada. (GADELHA, 1965, p. 105)

Page 132: UM JOGO DE LEMBRANÇAS: GÊNERO, CULTURA E … · A família do meu marido, sobretudo minha sogra Ana Paula Cavalcanti, pelas ... a bandeira e o hino de Sousa e o Literarte. Meu muito

131

Todos os comportamentos das pessoas que visitavam os velórios da

época de Julieta Gadelha, se repetiram nos que fomos na cidade de Sousa e

em cidades vizinhas, o que mostra que muito da cultura ainda prevalece. Além

disso, a crônica nos revela uma grande ousadia da autora em apresentar estes

comportamentos, inclusive de políticos, pois, ao ler à crônica, alguém podia se

sentir constrangido por ter os mesmos comportamentos.

Em cidades do interior do Estado, sobretudo no Sertão, como é o caso

de Sousa, as eleições e campanhas políticas costumam ser muito fervorosas,

com divisões escancaradas de partidos, palavras de injúrias entre os

candidatos.

Em uma das eleições, que não está datada no texto intitulado

Campanha Política, Julieta Gadelha mostra indignação ao perceber que tem se

tornado um jogo de maledicências, uma coisa vil, repugnante. Os comícios são

muito comuns até hoje na cidade e sobre eles, a autora enfatiza que pela forma

como estava sendo conduzida a campanha política, a presença de senhoras e

senhoritas, talvez fosse proibida.

Não está distante o dia em que se anunciará: “hoje, no bairro tal, às tantas horas, comício pro candidatura Fulano de Tal... Atenção! É proibida a presença de senhoras e senhoritas, bem como de menores de 18 anos”. (GADELHA, 1965, p. 105)

Nesse sentido, percebemos as questões de gênero novamente

imbricadas no texto, pois a política sempre fora no Brasil considerada uma

ação cultural para homens. Ainda que a mulher se fizesse presente nos

comícios das cidades do interior, como em Sousa, sua presença seria vetada

pela forma como estavam sendo conduzidos os mesmos. Nesse sentido, tem

forte ligação o gênero com as relações de poder, tendo em vista que a política

tem um caráter, eminentemente, masculino que dá ao homem o poder de

governar, de assumir um cargo político como se fosse uma ordem natural ou

divina.

O gênero é uma das referências recorrentes pelas quais o poder político foi concebido, legitimado e criticado. Ele se refere à oposição masculino/feminino e fundamenta ao mesmo tempo seu sentido. Para reivindicar o poder político, a referência tem que parecer segura e fixa fora de qualquer construção humana, fazendo parte da ordem natural

Page 133: UM JOGO DE LEMBRANÇAS: GÊNERO, CULTURA E … · A família do meu marido, sobretudo minha sogra Ana Paula Cavalcanti, pelas ... a bandeira e o hino de Sousa e o Literarte. Meu muito

132

ou divina. Desta forma, a oposição binária e o processo social das relações de gênero tornam-se, os dois, parte do sentido do poder, ele mesmo. Colocar em questão ou mudar um aspecto ameaça o sistema por inteiro. (SCOTT, 1989, p. 27)

Nessa época, o pouco tempo de conquista do voto pelas mulheres, que

se deu na década de 1930 e o cerceamento político eram suficientes para que

não fossem bem vistas em ambientes considerados masculinos, como o da

política. “Na concepção que vigorou no mundo civilizado ao longo dos séculos,

a culminância da existência feminina sempre se resumiu em amar, ser amada e

cultivar-se para a vida em sociedade” (ALMEIDA, 1998, p. 32).

Além do cerceamento das mulheres na política, também era comum na

época, como ainda é hoje, a imposição de códigos de vestuário.

Em 1964, chega ao Brasil, um modelo de traje de banho que causaria

muita polêmica, indignação e repúdio: o monoquíni. Quando se deu o

aparecimento desse tipo de roupa que se apresentava como novidade à moda

da época, deixando visível a parte do seio feminino, Julieta Gadelha escreve

uma crônica enfatizando o escândalo, a vergonha para as mulheres o uso de

tal peça de roupa, principalmente, a mulher católica.

A moda que excede todos os caprichos dos seus inventores, e reduz, às vêzes, a um baixo calão a moral das mulheres, tem agora um novo meio de desqualificar a mulher brasileira. É por intermédio da sumaríssima peça de banho que recebeu o nome de Monoquíni, e que está abalando tanto o belo sexo como o sexo dito forte, ávido de sensualismo.

[...] O pior de tudo é que o MONOQUINI, feito de uma só peça, deixa uma das mais secretas partes da anatomia feminina aos olhares da população estupefacta: os seios da mulher vão ser agora tão comuns quanto a barriga da perna, se o MONOQUINI tiver entrada na sociedade. (GADELHA, 1965, p. 55)

Analisando as palavras de Julieta Gadelha, que discorre sobre a

indumentária de banho, percebemos que a religiosidade exerce uma forte

influência em sua opinião, uma vez que, a mulher esteve sempre atrelada ao

símbolo culturalmente imbricado pela Igreja Católica como a imagem e

semelhança de Maria, mãe de Jesus. Nesse sentido, o corpo feminino com

uma parte íntima exposta, como o seio da mulher representaria “Um escândalo.

Page 134: UM JOGO DE LEMBRANÇAS: GÊNERO, CULTURA E … · A família do meu marido, sobretudo minha sogra Ana Paula Cavalcanti, pelas ... a bandeira e o hino de Sousa e o Literarte. Meu muito

133

Uma vergonha para a mulher brasileira, a mulher católica de nossa terra”

(GADELHA, 1965, p. 55).

Mesmo que na segunda metade do século XX, as mulheres tenham

buscado maior expressividade e condições de igualdade entre os homens,

através principalmente, do movimento feminista, a possibilidade de ter uma

parte íntima do corpo exposta por de uma peça de banho, causou espanto,

indignação e muita polêmica.

Em plena época de ditadura militar, em que se acentuava a força da

religião católica, várias foram as críticas vindas de padres e bispos ao traje de

banho, como as do cardeal do Rio de Janeiro, dom Jaime de Barros Câmara

que dizia que a sociedade brasileira “não aceitará esta indumentária porque o

encanto feminino, segundo as próprias mulheres, existe apenas na atmosfera

de reserva e sobriedade que as cerca” (CÂMARA 1964 apud BAHIANA, 2014

p. 131).

Em artigo publicado no jornal Estadão, Humberto Werneck (2014) relata

casos que aconteceram em Minas Gerais em que comerciantes expuseram a

peça na vitrine de uma determinada loja e juntaram-se senhoras a fazer

orações contra o traje demoníaco. Como que aludindo à polêmica da época,

em 1965 o cantor Roberto Carlos lança uma música intitulada Eu sou fã do

monoquíni, em que relata que “Um brotinho de monoquíni que antes só usava

biquíni vinha caminhando assanhada pra lá e pra cá”.

Julieta Gadelha fala sobre protestos que ocorreram contra o uso do traje

de banho e afirma que confia no engajamento da mulher paraibana na luta

contra o lançamento do monoquíni:

Não desconfio da capacidade da mulher paraibana, da coragem e valor dessas tabajaras em pegar o tacape da vergonha e do pudor, para protestar contra o lançamento do MONOQUINI no Brasil, especialmente aqui, no seu Estado.

As mineiras e paulistas estão ainda na liderança. Não vacilaram em mostrar do que são capazes, valentes pra valer! (GADELHA, 1965, p. 56)

É perceptível no texto, a indignação de Julieta Gadelha, uma vez que a

peça se tornara um objeto possível de ser utilizado entre as mulheres da

Page 135: UM JOGO DE LEMBRANÇAS: GÊNERO, CULTURA E … · A família do meu marido, sobretudo minha sogra Ana Paula Cavalcanti, pelas ... a bandeira e o hino de Sousa e o Literarte. Meu muito

134

sociedade brasileira. Nesse sentido, a escritora faz alusão a um tema

relacionado ao gênero que foi discutido em nível nacional, mas que tomou

corpo também na Paraíba. Nesse sentido, não escreve fazendo uma

“reconstituição de hábitos, gestos e amores como se estes nada tivessem que

ver com a organização mais ampla da sociedade, da economia, do Estado”

(BITTENCOURT, 2009, p. 166).

O livro Crônicas para mamãe ler, apresenta inúmeros textos de

características diversas, não sendo possível neste trabalho, uma apreciação e

análise de todos eles. Porém, para uma visão mais ampla e a título de

conhecimento, elaboramos um quadro com o sumário cronológico dos textos,

apresentando o conteúdo por eles abordado.

Com a leitura de todos os textos, percebemos que os conteúdos se

dividem em: aspectos sociais, que se subdividem em religião, política e gênero;

pessoas do cotidiano sousense; memórias; casos que podem ter acontecidos

em Sousa ou não, uma vez que, a autora não menciona o local em alguns

textos; casos sousenses e reflexão, em que a autora faz refletir sobre aspectos

da vida.

QUADRO IV:

SUMÁRIO CRONOLÓGICO DO LIVRO CRÔNICAS PARA MAMÃE LER

Título Conteúdo Página

O menino da cancela Reflexão 1

Dizem que... Reflexão 5

Desembargadores sabem coar café Casos 7

O herói e as flores Casos internacionais 11

Tanto de anjos como de demônios Casos 15

A casa do desencanto Casos 17

Campanha política Casos sousenses 21

A imprensa caminhando mal Casos sousenses 23

Page 136: UM JOGO DE LEMBRANÇAS: GÊNERO, CULTURA E … · A família do meu marido, sobretudo minha sogra Ana Paula Cavalcanti, pelas ... a bandeira e o hino de Sousa e o Literarte. Meu muito

135

O doutor a quem não se diz obrigado Pessoas do cotidiano

sousense

25

Pessimismo de Otavio Monjardim Pessoas do cotidiano

sousense

29

E a missa ficou nula Social – religioso 31

Quarta - feira de cinzas Social – religioso 35

A morte do leão inglês Casos Internacionais 37

Chá de burro Casos 39

Absolvo Pedro, o poeta Social – política 41

Comparação de matuto Social – política 45

Morreu o boêmio Pessoas do cotidiano 47

A minha segunda morte (À Sônia

Gadelha)

Pessoas do cotidiano

sousense

49

Gratidão de seresteiro Memórias 51

O monoquíni Social – gênero 55

Por quê não corta os cabelos? Social 57

Um flagrante da vida Social – caso da seca 59

Só para futuro remoto Casos 61

Batista, figura folclórica Pessoas do cotidiano

sousense

65

Angustia de um diálogo Casos 69

Carta a Firmo Justino Memórias 73

A arte de viver Social? Reflexões 77

Desceu para subir mais Casos. 82

Menino de rua Reflexão 83

Onde há igualdade Reflexão 86

Minha primeira farda Memórias 89

Poderíamos começar tudo de novo? Reflexão 93

Não comam coração Reflexão 97

O São João mais feliz da minha vida Memórias 99

As crianças e o cinema Social 103

Page 137: UM JOGO DE LEMBRANÇAS: GÊNERO, CULTURA E … · A família do meu marido, sobretudo minha sogra Ana Paula Cavalcanti, pelas ... a bandeira e o hino de Sousa e o Literarte. Meu muito

136

Sepultando os mortos Social 105

Êsse meu tio!... Memórias 107

O aparelho é bom mesmo Casos sousenses 111

O telefone e os recalcados Casos sousenses 115

Atire uma banda de tijolo... Reflexão 117

Paz na terra Reflexão 119

Cavalheiros do santíssimo Casos sousenses 121

O filho do sonho Reflexão 125

O presente de Raimundo Reflexão 127

O hábito faz o monge Memórias 130

O cego e o “guia de cego” Reflexão 127

Diranisa Pessoas do cotidiano

sousense

139

O legado de um canário lutador Reflexão 141

Mea culpa, meã maxima culpa! Social: religião 143

Contra Deus e a liberdade Social: política e

religião

145

Amor de mãe Reflexão 149

Tio Senhorzinho Memórias 151

Reminiscências Memórias 155

Amigos Reflexão 159

O mensageiro das emoções Pessoas do cotidiano

sousense

161

Quem quer ser meu pai ou minha mãe? Casos 163

Mensageiras do céu Casos 167

Inversão de valores Social: gênero 169

Mêdo de morrer Reflexão 173

Contra Papai Noel Reflexão 175

Fim de ano... balanço Reflexão 177

O que há de mais lindo Casos 179

Fonte: livro Crônicas para mamãe ler.

Page 138: UM JOGO DE LEMBRANÇAS: GÊNERO, CULTURA E … · A família do meu marido, sobretudo minha sogra Ana Paula Cavalcanti, pelas ... a bandeira e o hino de Sousa e o Literarte. Meu muito

137

Mais que uma contribuição para a cultura sousense o livro traz um pouco

de como foi a vida e cotidiano de Julieta Pordeus Gadelha. Através dele,

conhecemos mais sobre o contexto social de uma cidade, na época em que

escrevia e publicava, uma vez que, as crônicas trazem estes aspectos.

Porém, o livro de maior contribuição para a cultura sousense,

considerado de importante valor histórico e documental por críticos literários, a

exemplo de Firmo Justino e Deusdedit Leitão, foi Antes que ninguém conte. É

com esta obra que Julieta Gadelha se consagra como escritora local no meio

literário sousense e é dela que falaremos no próximo capítulo.

Page 139: UM JOGO DE LEMBRANÇAS: GÊNERO, CULTURA E … · A família do meu marido, sobretudo minha sogra Ana Paula Cavalcanti, pelas ... a bandeira e o hino de Sousa e o Literarte. Meu muito

No dia 8, a festa culminava com a procissão, onde se concretizava o desfile de vestidos e sapatos, com o julgamento dos rapazes que ficavam no patamar da igreja, elegendo os vestidos mais bonitos à medida que moças e senhoras iam subindo os degraus. (GADELHA, A Festa de Setembro, 1986, p. 97).

Page 140: UM JOGO DE LEMBRANÇAS: GÊNERO, CULTURA E … · A família do meu marido, sobretudo minha sogra Ana Paula Cavalcanti, pelas ... a bandeira e o hino de Sousa e o Literarte. Meu muito

139

CAPÍTULO V

5. ANTES QUE NINGUÉM CONTE: a obra que marcou a trajetória de

historiadora local da escritora Julieta Pordeus Gadelha

As bases educacionais de Julieta Pordeus Gadelha, tanto a familiar

quanto a educacional, lhe permitiram a formação de um caráter que está

imbricado em suas práticas. Assim, as características que lhe são peculiares

como a forte presença da cultura religiosa, o apego à família, o respeito ao

casamento, a história local de Sousa estão fortemente presentes nos textos.

Quando escreve sobre o município de Sousa, aludindo a história local,

Julieta Pordeus Gadelha se coloca na condição de partícipe dos lugares que

relata mesmo aqueles em que não esteve presente, mas que ouviu falar

através dos antepassados, são dados a devida importância, como se estivesse

vivenciado. A valorização à Sousa, sua gente, suas tradições, seus

monumentos seculares, nada escapa a riqueza de detalhes apresentada por

ela no livro Antes que ninguém conte que, “apesar de tratar de temas

cotidianos, não o faz de forma isolada dos contextos históricos e dos temas

tradicionais” (SOUSA, 2015, p. 137).

Page 141: UM JOGO DE LEMBRANÇAS: GÊNERO, CULTURA E … · A família do meu marido, sobretudo minha sogra Ana Paula Cavalcanti, pelas ... a bandeira e o hino de Sousa e o Literarte. Meu muito

140

Imagem XXXIX: Capa do livro Antes que ninguém conte de Julieta Pordeus Gadelha.

Fonte: arquivo pessoal da autora Ana Paula Mendes Silva.

O referido livro, de 1986, destaca-se como uma obra que retrata a

história local do município de Sousa, desde os primórdios com os dinossauros

como os primeiros habitantes, até os muitos aspectos que fazem parte da

cultura sousense nos dias atuais. Nesse sentido ao ler o livro foi “possível

aproximar determinada época/fato/processo com a realidade mais imediata,

pois, dessa forma, podemos descobrir como as pessoas se relacionavam,

como viviam em grupo e estabelecer relações com o presente” (SOUSA, 2015,

p. 137).

A obra Antes que ninguém conte foi a última e de maior destaque de

Julieta Gadelha, pois, através dela, a autora se torna ainda mais conhecida e

elogiada nos meios intelectuais.

Em visita aos seus familiares, em 2014, tivemos acesso a textos

publicados em jornais da época que discorriam sobre a importância do seu

livro. Entre eles, destacamos o que menciona detalhes da solenidade de

lançamento em 10 de julho de 1986, data em que marcou o aniversário de

emancipação política da cidade de Sousa. Infelizmente, não tivemos acesso ao

nome do jornal, pois estava apenas recortado o texto, sem nenhuma fonte que

pudesse nos dar pistas sobre, ao menos, quem o escreveu.

“SOUSA - Antes que ninguém conte” é o nome do livro da escritora Julieta Pordeus Gadelha (foto), lançado no último dia 10 de julho por ocasião dos festejos de aniversário de emancipação político-administrativa da cidade. A solenidade aconteceu no Forum Municipal com a presença de autoridades, professores, estudantes e gente interessada na cultura da terra. O livro foi formalmente apresentado e lançado pelo diretor do Banco do Nordeste do Brasil - BNB, Paulo Gadelha. (Texto escrito em Jornal – arquivo pessoal de Julieta Pordeus Gadelha)

O autor que escreve destacou a importância do livro e da linguagem

direta com que ele foi escrito e como tudo poderia ter sido esquecido, caso a

autora não escrevesse:

Page 142: UM JOGO DE LEMBRANÇAS: GÊNERO, CULTURA E … · A família do meu marido, sobretudo minha sogra Ana Paula Cavalcanti, pelas ... a bandeira e o hino de Sousa e o Literarte. Meu muito

141

[...] Pela sua importância e linguagem direta, pessoas, fatos e coisas são arrolados como “fotografias” de um cotidiano não muito distante. Julieta garimpa, segundo o critério de uma interprestação factual, lembranças e memórias de um passado que, inevitavelmente, sem o registro histórico estariam condenadas ao esquecimento. Felizmente, antes que isto acontecesse, Julieta conseguiu registrá-las.

Imagem XL: Apontamentos sobre o lançamento do livro Antes que ninguém conte de Julieta Pordeus Gadelha.

Page 143: UM JOGO DE LEMBRANÇAS: GÊNERO, CULTURA E … · A família do meu marido, sobretudo minha sogra Ana Paula Cavalcanti, pelas ... a bandeira e o hino de Sousa e o Literarte. Meu muito

142

Fonte: arquivo pessoal de Julieta Pordeus Gadelha. A fonte não apresentava o nome do Jornal, nem o nome do (a) autor (a).

Em 05 de agosto de 1986, o juiz e também escritor Firmo Justino publica

um texto no Jornal A União sobre o livro Antes que ninguém conte de Julieta

Pordeus Gadelha. Na publicação, Firmo Justino tece elogios sobre a autora

enfatizando a importância e os detalhes contidos nos livro sobre os fatos

históricos, acontecimentos sociais e políticos marcantes, assim escreve:

Coincidindo com os festejos comemorativos ao dia da cidade -, 10 de julho, a escritora sousense Julieta Pordeus Gadelha publica o seu terceiro livro, este Antes que Ninguém Conte, que tenho em mãos precioso repositório de fatos históricos, de acontecimentos sociais e políticos marcantes, de lembranças e de perfis individuais que fazem as delícias da crônica oral de nossa cidade de Sousa, em cuja produção se revela, mais uma vez, a fina sensibilidade de Julieta, poetisa e cronista de quem os apreciadores da literatura temos o direito de exigir comparecimento espaçado em letra de forma. (JUSTINO, JORNAL A UNIÃO, 5/8/1986)

Page 144: UM JOGO DE LEMBRANÇAS: GÊNERO, CULTURA E … · A família do meu marido, sobretudo minha sogra Ana Paula Cavalcanti, pelas ... a bandeira e o hino de Sousa e o Literarte. Meu muito

143

Imagem XLI: Apontamentos de Deusdedit Leitão no Jornal A União sobre o lançamento do livro Antes que ninguém conte de Julieta Pordeus Gadelha.

Fonte: arquivo pessoal de Julieta Pordeus Gadelha.

Firmo Justino também destaca a importância do livro ser adotado e

estudado em todas as escolas de Sousa, para entendimento da história local:

[...] acho que o livro de Julieta deveria ser lido e estudado em todas as escolas de Sousa, objeto de debates, discussões e exposições, porque ele é, sem dúvida, a chave para abrir as portas de muitas passagens obscuras da nossa existência sousense, e encerra códigos para o entendimento de sua história, de sua economia, de sua política e de sua sociedade, como um todo. (JUSTINO, JORNAL A UNIÃO, 5/8/1986)

Page 145: UM JOGO DE LEMBRANÇAS: GÊNERO, CULTURA E … · A família do meu marido, sobretudo minha sogra Ana Paula Cavalcanti, pelas ... a bandeira e o hino de Sousa e o Literarte. Meu muito

144

Nesse sentido, também acreditamos que o mesmo deveria acontecer,

sobretudo no aproveitamento do componente curricular de História uma vez

que, “ao trazer à tona acontecimentos, personagens e lugares comuns ao

estudante, possibilita sua aproximação com a disciplina e faz com que perceba

a relação dialética entre passado e presente” (PEREIRA, 2011, p. 3).

Outro artigo foi escrito sobre a obra de Julieta Pordeus Gadelha, desta

vez pelo renomado escritor da época Deusdedit Leitão que fez um apanhado

das principais características encontradas no livro. Ao falar sobre o livro, o autor

assim relata:

Sousa reclamava um livro que retratasse a sua história, que evocasse os nomes dos que construíram o seu futuro, que reavivasse os fatos que marcaram o seu passado, dos quais pouco se sabia pela ausência de uma fonte bibliográfica que pudesse informar e atender o interesse dos que procuravam conhecer os grandes acontecimentos vividos ao longo de sua história (LEITÃO apud GADELHA, arquivo pessoal).

Também enfatiza as características da autora que escreve como

historiadora local. Segundo ele:

Cada página lida aumentava o meu contentamento por verificar que Sousa encontrara, na inteligência e no amor de Julieta, o historiador que lhe faltava para o definitivo registro dos episódios que engrandeceram a sua tradição. (LEITÃO apud GADELHA, arquivo pessoal).

Page 146: UM JOGO DE LEMBRANÇAS: GÊNERO, CULTURA E … · A família do meu marido, sobretudo minha sogra Ana Paula Cavalcanti, pelas ... a bandeira e o hino de Sousa e o Literarte. Meu muito

145

Imagem XLII: Apontamentos de Deusdedit Leitão sobre o lançamento do livro Antes que ninguém conte.

Fonte: arquivo pessoal de Julieta Pordeus Gadelha. Não tivemos a informação sobre o jornal em que o artigo teria sido publicado na época.

Pudemos perceber nos artigos publicados sobre o livro de Julieta

Gadelha que os autores valorizam o conteúdo da obra como sendo

fundamental para a cultura sousense, através do conhecimento do seu

passado. Nesse sentido, por toda a escrita do livro, consideramos que se

configura em uma das maiores marcas de sua prática educativa, pois, ainda

que não estivesse no cotidiano da sala de aula, disponibiliza o conhecimento e

a aprendizagem através do mesmo.

O domínio da escrita e da leitura proporcionou a Julieta Pordeus

Gadelha o acesso ao mundo literário, à inserção em revistas e a publicação de

obras. Nesse sentido, a formação na Escola Normal São José tem grande

Page 147: UM JOGO DE LEMBRANÇAS: GÊNERO, CULTURA E … · A família do meu marido, sobretudo minha sogra Ana Paula Cavalcanti, pelas ... a bandeira e o hino de Sousa e o Literarte. Meu muito

146

contribuição para o legado cultural deixado pela escritora na obra Antes que

ninguém conte. Ao mesmo tempo, a partir da obra, pôde contribuir através do

conteúdo de seu livro, dando o retorno para a educação escolar sousense, num

jogo de transferências culturais. Isso estabelece a relação existente entre

sociedade e educação o que faz com que uma tenha influência sobre a outra:

As transferências culturais que foram operadas da escola em direção a outros setores da sociedade em termos de formas e de conteúdos e, inversamente, as transferências culturais operadas a partir de outros setores em direção à escola [...] (JULIA, 2001, p. 37).

A obra Antes que ninguém conte serviu e serve de base, até hoje, para

as informações e pesquisas sobre o município de Sousa e ao ler, tomamos

conhecimento de acontecimentos curiosos como a notícia de uma botija

encontrada nos destroços da Igreja do Bom Jesus Eucarístico Aparecido, as

pinturas no interior da Igreja de Nossa Senhora do Rosário e a demora na

construção da Igreja Matriz de Nossa Senhora dos Remédios, além da

variedade de detalhes sobre acontecimentos que já conhecíamos como as

onze versões contadas sobre a história do Milagre Eucarístico. É uma

verdadeira escrita etnográfica sobre a cidade.

No corpo do livro, muitas informações vão sendo dadas sobre a história

do município de Sousa, como a criação da primeira capela, a justificativa para o

nome da cidade que até hoje causa discussão e dúvida, as disputas pela posse

de terras, as histórias curiosas da criação das igrejas seculares, as primeiras

instituições de ensino, destacando-se o Colégio São José, as pessoas ilustres,

os professores, os políticos, os magistrados, os aspectos curiosos que

aconteceram no município, as festas tradicionais, entre outros aspectos,

formam o leque de elementos que compõem a narrativa do livro:

Do “vapor” de Júlio Melo; Usina Propagador, de Dino Neves Pereira Gadelha, Usina Santa Teresa, que passou depois a Pires & Barros, nasceram André Gadelha Irmãos, Luiz Oliveira e Filhos, Augusto Braga, industrias que geram divisas, produzindo riquezas e levando o nome de Sousa ao cotonifícios e às indústrias têxteis do País. Aqui se instalou uma rede bancária, de portas abertas ao atendimento intermunicipal, trazida pela mesma trilha repisada pelo carro de Emídio Sarmento de Sá, dando início ao desenvolvimento comercial.

Das escolas dos antigos preceptores, surgiram os modernos estabelecimentos de ensino, preparando as gerações para a

Page 148: UM JOGO DE LEMBRANÇAS: GÊNERO, CULTURA E … · A família do meu marido, sobretudo minha sogra Ana Paula Cavalcanti, pelas ... a bandeira e o hino de Sousa e o Literarte. Meu muito

147

elevação moral, educacional e política, que vão substituindo os que hoje se encontram no leme da administração pública e da orientação política da terra, do Estado ou país. (GADELHA, 1986, p. 6)

Após breve apreciação sobre os primeiros passos do desenvolvimento

sousense, a autora justifica o motivo da escrita do livro, com as seguintes

palavras: “antes que parte ou tudo isso ficasse escondido para sempre, antes

que ninguém conte, eu o faço como posso, enfrentando todos os entraves das

lembranças mais antigas, dos documentos esquecidos e perdidos”.

(GADELHA, 1986, p. 6). Fica claro nas palavras de Julieta Gadelha, também, a

escolha do título do livro.

A leitura desta obra nos fez mergulhar nas memórias do passado

sousense, época da nossa infância, quando víamos um cenário rodeado de

histórias que eram representadas por vários lugares, por várias famílias, por

pessoas que se tornaram imortais.

Sousa, como unidade municipal autônoma dentro do Estado da Paraíba, no decorrer de sua existência preparou história, gravando as suas páginas com o carimbo da memória dos antepassados e através de documentos autênticos, que foram passando à posteridade, auxiliados pelo disse-me-disse que corre pelos séculos afora para completar a sua história.

De Bento Freire de Sousa até Nicodemos de Paiva Gadelha, atual administrador, o município viveu os seus dias de luta, de emoção, de alegria e de tristeza, de dificuldades, de estoicismo e de grandeza cívico-religiosa, preparando os heróis que fizeram colocar o nome de Sousa na história da Paraíba. (GADELHA, 1986, p. 5)

Desde criança, nas aulas do Colégio Nossa Senhora Auxiliadora,

aprendemos a ter apego e valorização pela cidade de Sousa, quando

conhecíamos sua história referenciada na obra Antes que ninguém conte, de

Julieta Gadelha. Porém, analisá-la, com profundidade científica, como agora

nesta tese de doutoramento temos o conhecimento das origens sousenses, de

sua cultura, tão rica e significativa.

A obra Antes que ninguém conte tem relevância histórica, educativa e

cultural para o município de Sousa, pois, os detalhes nela contidos remontam

uma Sousa que nem todos conheceram, mas revivem cotidianamente. É o

caso, por exemplo, do Vale dos Dinossauros, um sítio arqueológico que existe

Page 149: UM JOGO DE LEMBRANÇAS: GÊNERO, CULTURA E … · A família do meu marido, sobretudo minha sogra Ana Paula Cavalcanti, pelas ... a bandeira e o hino de Sousa e o Literarte. Meu muito

148

em Sousa como representação das pegadas de dinossauros que foram

encontradas naquele município em 1920.

O sítio serve de ponto turístico para a cidade, atraindo pessoas para a

visitação das pegadas. As escolas de Sousa trabalham sua história,

favorecendo idas, com os estudantes ao Vale dos Dinossauros, na tentativa de

compreender um pouco sobre os primeiros habitantes: os dinossauros.

Imagem XLIII: Trilha de pegadas de dinossauros, no Vale dos Dinossauros em Sousa Fonte: Agenda da cidade de Sousa do ano de 2014

O primeiro item discutido no livro de Julieta Gadelha menciona a

descoberta das pegadas de dinossauros, no município de Sousa, em 1920:

Muitos tipos de dinossauros habitaram as terras de Sousa, alguns já conhecidos da Paleontologia, mas outros que aqui deixaram as suas pegadas são espécies ainda desconhecidas. A descoberta dessa relíquia fóssil em Sousa ocorreu quando, em 1920, o engenheiro Luciano Jacques de Moraes, que era ligado à Inspetoria Federal de Obras Contra as Secas (IFOCS), realizava trabalhos à cata de recursos hídricos na região. Detectando alguns rastros de pré-históricos na bacia cretácia do Rio do Peixe, fez anotações, tendo publicado o achado geológico-paleontológico em seu livro “Serras e Montanhas do Nordeste”, em 1924. (GADELHA, 1986, p. 7)

Page 150: UM JOGO DE LEMBRANÇAS: GÊNERO, CULTURA E … · A família do meu marido, sobretudo minha sogra Ana Paula Cavalcanti, pelas ... a bandeira e o hino de Sousa e o Literarte. Meu muito

149

Além dos dinossauros, a autora narra a respeito dos povos indígenas,

que habitaram aquelas terras e dos colonizadores, de origem portuguesa, que

fizeram a fundação de Sousa, a exemplo Bento Freire de Sousa e José Gomes

de Sá. Aliás, é a partir de seu fundador Bento Freire de Sousa, a grande

confusão existente até hoje sobre a origem do nome da cidade, uma vez que,

há os que dizem que Sousa tem esta denominação como uma homenagem a

este fundador.

Segundo Julieta Gadelha, esta informação veio sendo transmitida de

geração em geração, porém no livro, há um texto intitulado Não foi homenagem

a Bento Freire, em que a autora menciona a respeito, alertando para a

confusão que foi gerada: “a razão do nome da cidade, que desde muito tempo

estabeleceu-se como uma homenagem ao fundador Bento Freire de Sousa, na

realidade, apesar de ser justo, gerou-se, talvez, de uma confusão”. (Ibid. p. 13)

Ao citar Deusdedit Leitão, explica a tal origem. O nome Vila Nova de

Sousa veio de uma recomendação do Governo de Pernambuco, que através

de alvarás e cartas régias, substituiu os nomes das vilas que comandava pelos

das localidades portuguesas. Assim como aconteceu em Villa Nova de Sousa,

uma denominação portuguesa, outras localidades do Nordeste que foram

“erectas em Vilas durante a vigência da Carta Régia de 17 de junho de 1772

tem o nome de uma povoação portuguesa pertencente ao Porto (LEITÃO, 1980

apud GADELHA, 1986, p. 14).

Dessa forma, o município de Sousa que se chamava Jardim do Rio do

Peixe, em 1801, foi elevado a Vila, passando a se chamar Villa Nova de Sousa,

pois “não havia em Portugal, nenhuma localidade com o nome de Jardim ou de

Rio do Peixe”. (Ibid, p. 14).

Em 1881, o vigário José Antônio Marques, escrevendo sobre a história

de Sousa, envia um relatório ao bispo de Olinda justificando a mudança do

nome para Villa Nova de Sousa e os motivos pelos quais os moradores locais

haviam denominado o lugar, inicialmente, de Jardim do Rio do Peixe:

Em 1801 a pequena povoação do Jardim do Rio do Pexe foi elevada a cathegoria de Villa com a denominação de Villa Nova de Sousa em onra ao Capitão Alexandre Pereira de Sousa expontaneo doador do seu patrimonio. [...] Os povoadores das terras deste Sertão com

Page 151: UM JOGO DE LEMBRANÇAS: GÊNERO, CULTURA E … · A família do meu marido, sobretudo minha sogra Ana Paula Cavalcanti, pelas ... a bandeira e o hino de Sousa e o Literarte. Meu muito

150

acertado natural que lhe deram o nome de Jardim do Rio do Peixe – Jardim pela belesa do seo solo, do Rio do Pexe porque tem suas agoas pluviais mixtas com argila vermelha, correntesa mansa entre planas varseas, e que não so athrae abundantes pexes, como os aguarda das vistas dos homens, e das aves aquáticas (MARQUES 1881 apud GADELHA, 1986, p. 14).

Toda a narrativa em torno da origem do município de Sousa, contada

pela escritora Julieta Gadelha, é acompanhada de documentos de escrituras,

trabalhos de paleontólogos, textos de escritores antigos, alguns vigários ou

seus descendentes que tiveram valorosa participação na fundação.

É com as narrativas, cheias de detalhes curiosos que Julieta Gadelha

traça toda a composição e criação do município de Sousa. Com sua devoção

baseada na religião Católica Apostólica Romana, vai apresentando os homens

que contribuíram com a história de Sousa, oriundos de Portugal e de religião

também católica, e nesse enredo, vai se identificando com as histórias

narradas, com os homens que a fizeram...

Quando menciona sobre o padre Luiz Correira de Sá, o pároco que

esteve presente quando se deu a construção da Matriz de Nossa Senhora dos

Remédios, no ano de 1814, além de relatar que era o político mais influente da

época, acrescenta que “também sabia dosar as responsabilidades para com a

Pátria e para com a religião a que servia, executando o trabalho ditado pelas

palavras de Cristo no Evangelho”. (GADELHA, 1986, p. 19)

É visível nas histórias dos municípios paraibanos, a figura de padres

com verdadeiros feitos heroicos e revolucionários. É o caso, por exemplo, de

Dom Adauto, que em 1894, quando a diocese paraibana se desmembra da de

Olinda, ficou responsável pela direção da nova sede paraibana desde 1894 até

1935, já aos 80 anos. Durante o cargo de diretor, foi responsável pela

educação de João Pessoa, criando o Colégio Diocesano (que passou a ser

chamado de Pio X, em 1911) e o Colégio Nossa Senhora das Neves, destinado

às jovens do sexo feminino, instituições de ensino que se consagraram na

tradição educacional das elites paraibanas. Para a instrução das classes

menos favorecidas, criou o Colégio São José, em 1905. (KULESZA, 2006)

Page 152: UM JOGO DE LEMBRANÇAS: GÊNERO, CULTURA E … · A família do meu marido, sobretudo minha sogra Ana Paula Cavalcanti, pelas ... a bandeira e o hino de Sousa e o Literarte. Meu muito

151

Com o padre Luiz Correia de Sá, não foi diferente. Ele é mencionado

diversas vezes no livro da escritora Julieta Gadelha seja pela influência política

que exercia, chegando a atuar na Revolução Pernambucana de 1817, seja pela

forte religiosidade marcada, principalmente, pela construção da igreja Matriz de

Nossa Senhora dos Remédios.

A Matriz de Nossa Senhora dos Remédios é um monumento que faz

parte do patrimônio histórico sousense “um dos templos católicos mais belos

da Paraíba”. Segundo Julieta Gadelha, a obra iniciada em 1814, pelo então

vigário Luis José Correia de Sá, foi paralisada durante 25 anos, levando mais

de oitenta anos para ficar pronta. (GADELHA, 1986 p. 32).

Imagem XLIV: Matriz de Nossa Senhora dos Remédios em estilo barroco - 1930

Fonte: Livro Além do Rio

Page 153: UM JOGO DE LEMBRANÇAS: GÊNERO, CULTURA E … · A família do meu marido, sobretudo minha sogra Ana Paula Cavalcanti, pelas ... a bandeira e o hino de Sousa e o Literarte. Meu muito

152

A autora conta sobre os vigários que estiveram à frente da construção

da igreja debruçando sobre as ações de vários deles na tentativa de erguê-la.

Destacamos, entre outros padres, Zacarias Rolim de Moura que segundo

Julieta Gadelha era teimoso, não aborrecia ninguém e conseguiu erguer as

duas torres utilizando-se de várias maneiras para conseguir arrecadar dinheiro

para a construção “desde as quermesses, rifas, concursos e filmes que ele

mesmo rodava num pequeno projetor.” (Ibid, p. 32)

Imagem XLV: Construção da Igreja Matriz de Nossa Senhora dos Remédios com as torres sendo erguidas, ano de 1942.

Fonte: Livro Além do Rio

O padre Cônego Oriel Fernandes deu à igreja as pinturas que ela têm

até os dias atuais, pois contratou um artista pernambucano a fim de realizar a

pintura da igreja, sendo dispensando em seguida, pelo próprio padre:

Page 154: UM JOGO DE LEMBRANÇAS: GÊNERO, CULTURA E … · A família do meu marido, sobretudo minha sogra Ana Paula Cavalcanti, pelas ... a bandeira e o hino de Sousa e o Literarte. Meu muito

153

Na lista dos vigários operosos está o Côn. Oriel Fernandes. Ele contratou um pintor pernambucano – Luis Correia – para realizar a pintura da igreja, mas este só conseguiu pintar dois painéis – o central e um outro visinho à capela – mor que, apesar da sua beleza, foi inexplicavelmente condenado e apagado. Intitulava-se “A visão de Ezequiel”, de difícil interpretação. A morosidade de Luis Correia foi irritando o padre Oriel Fernandes que chegou a dispensá-lo, não levando em conta que a arte não conta tempo, mas a perfeição. O painel central do forro, pintado por Luis Correia, em estilo clássico, choca-se com o restante da pintura que foi realizada por um casal de pintores profissionais, húngaros, os quais terminaram o trabalho na pressa exigida. Muito bonita a pintura, colorido exuberante, valendo ressaltar uma curiosidade: todos os rostos – anjos, santos e outros personagens têm as feições da esposa do pintor húngaro. (Ibid, p. 32)

Imagem XLVI: pintura do teto da Igreja Matriz de Nossa Senhora dos Remédios

Fonte: Livro Além do Rio:

Page 155: UM JOGO DE LEMBRANÇAS: GÊNERO, CULTURA E … · A família do meu marido, sobretudo minha sogra Ana Paula Cavalcanti, pelas ... a bandeira e o hino de Sousa e o Literarte. Meu muito

154

A Igreja Matriz de Nossa Senhora dos Remédios tem como

característica a sua grandiosidade em termos de espaço e beleza, com um

patamar composto por inúmeros degraus até a entrada e belíssimas torres em

sua frente, caracterizando o estilo barroco da construção. O teto da igreja é

decorado por belíssimas pinturas que retratam a imagem do céu, com anjos,

santos e outros personagens.

Page 156: UM JOGO DE LEMBRANÇAS: GÊNERO, CULTURA E … · A família do meu marido, sobretudo minha sogra Ana Paula Cavalcanti, pelas ... a bandeira e o hino de Sousa e o Literarte. Meu muito

155

Imagens XLVII e XLVIII: Fachada atual e Altar da Igreja Matriz de Nossa Senhora dos Remédios – Sousa PB

Fonte: PB atual portal de notícias on line.

Embora a Igreja Matriz de Nossa Senhora dos Remédios seja muito

antiga, datada de 1814 a construção inicial, em Sousa já havia outra igreja, a

de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos, também tombada pelo Patrimônio

Histórico e construída por Bento Freire de Sousa, fundador do município.

Segundo Gadelha, (1986, p. 30) “a Igreja do Rosário é o documento vivo mais

importante, a contar os primeiros dias da nossa cidade, falando do passado

que já conta mais de dois séculos”.

Page 157: UM JOGO DE LEMBRANÇAS: GÊNERO, CULTURA E … · A família do meu marido, sobretudo minha sogra Ana Paula Cavalcanti, pelas ... a bandeira e o hino de Sousa e o Literarte. Meu muito

156

Imagem XLIX: Igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos

Fonte: Samy Play Fotografia

A igreja do Rosário tem um valor cultural muito significativo para os

sousenses, pois, além de se tratar da primeira igreja construída, em seu altar,

está enterrado Bento Freire de Sousa. Quando criança, estudante do Colégio

Nossa Senhora, (que fica na mesma Rua da Igreja do Rosário), líamos sobre

sua história e achávamos interessante o fato de ter o fundador do nosso

município, enterrado no altar da igreja.

No livro, Julieta Gadelha relata sobre este aspecto ao tempo em que

lamenta a derrubada do altar-mor, para a substituição de outro, no ano de

1965:

Sob o altar-mor, derrubado para ser substituído, incompreensivelmente, por outro sem encanto e sem barroco, sem nada mesmo, sete palmos abaixo repousam alguns dos nossos benfeitores. Com Bento Freire, que ali foi sepultado, em cumprimento à sua última vontade, expressa em seu testamento, estão alguns dos padres que foram colaboradores da nossa formação religiosa, política e social. Debaixo daqueles ladrilhos de barro cozido está o nosso benfeitor - mor, o fundador do Município, ali está ele, certamente com o olhar voltado para as seculares paredes, inabaláveis, cobertas pelas mãos de cal, correspondentes ao número de vigários que por ali passaram. [...] (GADELHA, 1986, p. 30)

Page 158: UM JOGO DE LEMBRANÇAS: GÊNERO, CULTURA E … · A família do meu marido, sobretudo minha sogra Ana Paula Cavalcanti, pelas ... a bandeira e o hino de Sousa e o Literarte. Meu muito

157

Imagem L: Altar da Igreja de Nossa Senhora do Rosário após a reforma

Fonte: Livro Além do Rio

Em construção de estilo barroco, com apenas uma torre na frente, a

Igreja de Nossa Senhora do Rosário, também conhecida como Igreja do

Rosário dos Pretos, é caracterizada pelas pinturas feitas por negros escravos

que a frequentavam. As pinturas das paredes estavam cobertas por reboco

quando, em 1965, durante os trabalhos de limpeza que mandara realizar, o

então vigário da época João Cartaxo, foi comunicado de que “figuras

esquisitas, parecidas até com Rei Momo e demônios de asas”, haviam sido

encontradas. (GADELHA, 1986, p. 31)

Ali havia uma confraria de pretos, com seu respectivo compromisso aprovado, a qual celebrava anualmente a festa de sua padroeira. A tradição fala daqueles pretos freqüentando as cerimônias da Semana Santa, do Rosário, exibindo os “reizados”, e o Dia de Finados com penitências extravagantes de cilícios ou chicoteando-se com o azorrague, até fazerem o sangue escorrer, não só pelo corpo, mas também pelo chão, enquanto recitavam salmos e orações. Os pretos que faziam parte dessa confraria eram moradores das fazendas Poço das Pedras, Jerimum, Conceição e outras. (IBID, p. 31)

Page 159: UM JOGO DE LEMBRANÇAS: GÊNERO, CULTURA E … · A família do meu marido, sobretudo minha sogra Ana Paula Cavalcanti, pelas ... a bandeira e o hino de Sousa e o Literarte. Meu muito

158

Já que se tratava de uma igreja católica, imaginamos que as pinturas

tenham sido cobertas com reboco, porque concordando com a autora, “talvez

tivesse motivado escândalo no entender de quem a escondeu”.

O fato é que o vigário avisou o ocorrido ao prefeito municipal, Antônio

Mariz que, por sua vez, “fez a comunicação do achado ao Patrimônio Artístico

e Histórico, em Recife, que enviou a um professor da Escola de Belas Artes,

Fernando Barreto”.

Em parecer enviado ao Rio de Janeiro para que se processasse o

tombamento da Igreja junto ao Patrimônio Histórico, o professor avaliador

ressalta que:

[...] a recuperação e conservação das referidas pinturas da capela - mor devem ser realizadas pelo serviço técnico do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, visto o seu grande valor, não só artístico, mas também, como peça documentária única, talvez, em nosso país. (GADELHA, 1986, p. 31).

Ainda segundo Julieta Gadelha, quando descobertas na época, as

imagens se tornaram uma grande novidade na cidade, fazendo com que muitas

pessoas se dirigissem para lá a fim de ver de perto. Nas imagens, “havia anjos

negros, um franciscano, figuras estranhas e um colorido mais estranho ainda”

(IBID, p. 31).

Page 160: UM JOGO DE LEMBRANÇAS: GÊNERO, CULTURA E … · A família do meu marido, sobretudo minha sogra Ana Paula Cavalcanti, pelas ... a bandeira e o hino de Sousa e o Literarte. Meu muito

159

Imagem LI: Figuras encontradas nas paredes da Igreja do Rosário

Fonte: Livro Além do Rio

Até hoje, a igreja do Rosário dos Pretos é visitada por turistas ou

pessoas locais que querem reviver um pouco da cultura sousense. Em 2008,

quando professora de Metodologia do Ensino de História e Geografia, da

Universidade Federal de Campina Grande, também levamos nossos alunos

para conhecer e estudar sobre a historiografia do município de Sousa,

momento rico que gerou intensas discussões em sala de aula.

Page 161: UM JOGO DE LEMBRANÇAS: GÊNERO, CULTURA E … · A família do meu marido, sobretudo minha sogra Ana Paula Cavalcanti, pelas ... a bandeira e o hino de Sousa e o Literarte. Meu muito

160

Imagem LII: Igreja de Nossa Senhora dos Remédios e Igreja do Rosário em Sousa PB, na década de 1940.

Fonte: Livro Além do Rio

As igrejas são os monumentos históricos mais enfatizados por Julieta

Gadelha. Além das seculares Nossa Senhora dos Remédios e Nossa Senhora

do Rosário, destacamos, neste trabalho a Igreja do Bom Jesus Eucarístico

Aparecido, uma vez que sobre ela recai um suposto milagre, denominado de

Milagre Eucarístico.

O Milagre Eucarístico se tornou imortal no município de Sousa como

uma história que faz parte da cultura, sobretudo, da cultura religiosa católica.

No livro Antes que ninguém conte, Julieta Gadelha narra dez histórias

baseadas em relatos, sobre o referido milagre, contados pelas pessoas do

passado. Porém todos com o mesmo enredo:

A Igreja do Bom Jesus Eucarístico Aparecido existe para relembrar um fato extraordinário: o Milagre Eucarístico. A sua construção foi iniciada no ano de 1855, ou seja, ano em que foi assentada a pedra fundamental. Já corria, naquela época, a história de que, naquele local se dera o milagre do aparecimento da Hóstia que, por ocasião de uma missa, havia sido roubada por um preto, com propósitos excusos, mas que perseguido pelos fiéis, deixara cair a partícula num matagal ali existente, onde também existia uma grande lagoa, chamada do Carão. (GADELHA, 1986, p. 33)

Page 162: UM JOGO DE LEMBRANÇAS: GÊNERO, CULTURA E … · A família do meu marido, sobretudo minha sogra Ana Paula Cavalcanti, pelas ... a bandeira e o hino de Sousa e o Literarte. Meu muito

161

Os relatos sobre o Milagre Eucarístico são, em sua maioria, vindos de

escritores locais que tomavam como base o relato de pais ou avós sobre o

acontecimento:

Vários sousenses escreveram, cada um usando o seu estilo pessoal, a história do Milagre do Bom Jesus, e não são poucas as pessoas que falavam: “meu avô ou meu bisavô assistiu”, “minha mãe contava que meu avô falava”... (GADELHA, 1986, p. 34)

Segundo a autora o enredo era o mesmo em todos os relatos: ocorrido

durante uma missa, conta-se que um negro teria tirado a hóstia da boca, no

momento da comunhão2, sendo perseguido pela população pelo sacrilégio que

cometeu e por conta disso, jogado a hóstia num matagal causando espanto,

indignação e revolta nas pessoas ali presentes.

Numa cidade cuja religião católica era fervorosa entre as pessoas, um

ato como este chegava a ser considerado um crime e a população toda,

decerto, iria ser castigada conforme revela a crônica da escritora Inês Mariz:

“Deus vae nos castigar! Esta era a convicção generalizada”. [...] (apud

Gadelha, 1986, p. 34)

Ainda segundo os relatos apresentados no livro de Julieta Gadelha, o

Milagre Eucarístico se dera porque dois dias após o ocorrido, a hóstia teria sido

encontrada por um pastor, num matagal, com ovelhas ao redor, como se

estivessem venerando o alimento sagrado. A crônica da irmã de Julieta,

Criseuda Gadelha, escrita para a Revista Letras do Sertão, nos anos

cinquenta, assim relata:

Certo dia, para o lado onde é hoje a Igreja do Bom Jesus Aparecido, aparece um bando de ovelhas em grande berreiro, vindo a chamar a atenção do pastor, de nome Tinoco, que verificou, imediatamente sobre a relva a partícula sagrada, que ali se achava, nítida e perfeita. Não se fez demorar e levou ao conhecimento do vigário o singular acontecimento, resultando, em seguida, a procissão que fez recolher o “precioso achado”, à Igrejinha do Rosário, e onde jazera a hóstia foi erguido um edifício que ficasse na memória do povo a recordação do milagre [...] (GADELHA, 1986, p. 36).

2

Na religião católica, durante a missa, o momento da comunhão se caracteriza por uma

ou mais filas que são organizadas para que o padre distribua a hóstia aos fieis representando

da última ceia de Jesus Cristo, quando este distribuiu pães entre os discípulos.

Page 163: UM JOGO DE LEMBRANÇAS: GÊNERO, CULTURA E … · A família do meu marido, sobretudo minha sogra Ana Paula Cavalcanti, pelas ... a bandeira e o hino de Sousa e o Literarte. Meu muito

162

O enredo contado nos onze relatos apresentados no livro é o mesmo,

embora haja algumas lacunas, tais como: a exatidão quanto ao nome do

vigário da época, quem teria sido o pastor que encontrou a hóstia, entre outros

aspectos que se encontram em discordância ou em ausência nos relatos, como

confirma a autora Julieta Gadelha.

Dessa forma deve ter ocorrido a todos que escreveram a história do Bom Jesus Aparecido, preocupando-se tão somente com o sensacionalismo, a emoção do fato religioso, extraordinário, esquecendo-se, assim, de registrar nomes e datas. (GADELHA, 1986, p. 36)

Imagem LIII: Praça do Milagre Eucarístico.

Fonte: Jornal Sertão Informado.

O Milagre Eucarístico se tornou uma história viva que faz parte da

cultura sousense sendo transmitido para as gerações mais novas como uma

forma de manter acesa a chama da forte religiosidade, ainda presente na

cidade. Como representação, foi erguido um monumento numa praça: trata - se

de uma estátua de Jesus no alto com os cordeirinhos na grama em volta de

Page 164: UM JOGO DE LEMBRANÇAS: GÊNERO, CULTURA E … · A família do meu marido, sobretudo minha sogra Ana Paula Cavalcanti, pelas ... a bandeira e o hino de Sousa e o Literarte. Meu muito

163

uma hóstia consagrada. É a Praça do Milagre Eucarístico que fica próxima a

Igreja do Bom Jesus Eucarístico Aparecido.

Além de todas as igrejas que permanecem no legado religioso

sousense, descrito pela autora Julieta Gadelha, as festas tradicionais são as

que mais marcam a história e cultura daquele município. Nesse sentido e numa

tentativa de simplificar os elementos que mais nos chamaram atenção na

leitura do livro não podíamos deixar de mencionar a festa da padroeira Nossa

Senhora dos Remédios, a chamada de “Festa de Setembro”.

A Festa de Setembro, como é conhecida popularmente, uma vez que o

ápice da comemoração se faz no dia 08 de setembro, dia da padroeira, é

caracterizada pela chegada de parques de diversões, música ao vivo, comidas

típicas regionais que são vendidas nos stands espalhados ao longo da praça

da matriz, onde se pode encontrar rubacão, arroz de leite, galinha de capoeira,

carne assada, creme de galinha, espetinho de carne, além de doces, salgados,

enfim. Também tem a parte religiosa em que são celebradas missas

culminando o fechamento no dia 08 de setembro, com a missa da padroeira.

Parafraseando Joaquim Manuel de Macedo, no romance A Moreninha,

comparamos a Festa de Setembro ao sarau descrito pelo escritor como “o

bocado mais delicioso que temos”.

Um sarau é o bocado mais delicioso que temos de telhados abaixo. Em um sarau todo o mundo tem que fazer. O diplomata ajusta, com um copo de champanha na mão, os mais intrincados negócios; todos murmuram e não há quem deixe de ser murmurado. O velho lembra-se dos minuetes e das cantigas do seu tempo, e o moço goza todos os regalos da sua época; as moças são no sarau como as estrelas no céu. (MACEDO, 1972, p. 103)

Na Festa de Setembro não acontece diferente. É marcada, sobretudo,

pela elegância das roupas femininas, pelo luxo com que as pessoas desfilam

nos corredores da praça da matriz, pelo encontro dos jovens e casais de

namorados em frente aos parques de diversões.

A Festa de Setembro ultrapassa os anos, as décadas e se consolida

como a festa mais tradicional do município de Sousa, sendo mencionada em

várias crônicas, relatos saudosistas de quem um dia pôde vivenciá-la. Entre os

Page 165: UM JOGO DE LEMBRANÇAS: GÊNERO, CULTURA E … · A família do meu marido, sobretudo minha sogra Ana Paula Cavalcanti, pelas ... a bandeira e o hino de Sousa e o Literarte. Meu muito

164

relatos, destacamos os de Julieta Gadelha em que exalta o luxo do traje das

mulheres:

Um mês antes, o assunto das mulheres era “o vestido e o sapato da festa”. As costureiras acumulavam cortes e mais cortes de fazenda – que às vezes nem conseguiam dar conta – enquanto os figurinos passavam de mão em mão: o “Jornal das moças”, a “Vida Doméstica” e demais revistas, que eram folheadas cuidadosamente à cata de modelos. Um modelo não podia ser repetido. O luxo era a tônica, havia até quem mandasse vir sua indumentária de fora a fim de não coincidir com a de doutra pessoa. (GADELHA, 1986, p. 95)

Eram as mulheres, as atrações da festa, uma vez que, além dos trajes e

indumentárias, a elas eram direcionadas telegramas de rapazes interessados,

havendo também, os desfiles das misses, em que era escolhida a rainha da

festa. “Pelos idos de 1940, havia na Festa de Setembro, entre outras diversões,

“o telégrafo”, onde os rapazes mandavam telegramas para as garotas com

quem simpatizavam” (GADELHA, 1986, p. 96).

Julieta Gadelha menciona diversos aspectos que fizeram parte da festa

da padroeira no município de Sousa como os parques de diversões, os jogos, a

banda de música União Sousense que se apresentava no coreto, as barracas

de comidas, das mais sofisticadas, que ficavam em frente à Igreja de Nossa

Senhora dos Remédios, às mais humildes, que ficavam na periferia e vendiam

de tudo: “bolo frito, café, broa, cocada, cavalo de goma de Sá Maria Bárbara, o

suspiro de Sá Chiquinha, o pirulito de Piolho, o rolete de cana de seu Chico

[...]” (IBID, p. 96). Todos estes elementos compõem uma trama que fazem

parte de uma história que permanece no legado cultural sousense.

Desde criança, a Festa de Setembro nos encantava: crescemos ouvindo

os rumores das chegadas dos primeiros parques. Podíamos comprovar isso na

condição de estudante do Colégio Nossa Senhora Auxiliadora, que fica em

frente à praça onde os parques se instalam até hoje. Combinávamos com as

colegas de sala os locais de nos encontrarmos a noite, as roupas que

usaríamos... Os encontros eram sempre cheios de alegria, de muita conversa,

acompanhada de risadas a noite toda, de comparação entre as roupas...

Page 166: UM JOGO DE LEMBRANÇAS: GÊNERO, CULTURA E … · A família do meu marido, sobretudo minha sogra Ana Paula Cavalcanti, pelas ... a bandeira e o hino de Sousa e o Literarte. Meu muito

165

Imagem LIV: Festa da padroeira Nossa Senhora dos Remédios - década de 1960

Fonte: Livro Além do Rio.

Imagem LV: Festa da padroeira Nossa Senhora dos Remédios - ano de 2014. A foto foi tirada de cima da roda gigante do Parque Trairi que sempre esteve presente, no mesmo local,

na Festa de Setembro.

Fonte: Bruno Fontes Fotografia.

Page 167: UM JOGO DE LEMBRANÇAS: GÊNERO, CULTURA E … · A família do meu marido, sobretudo minha sogra Ana Paula Cavalcanti, pelas ... a bandeira e o hino de Sousa e o Literarte. Meu muito

166

O tempo foi passando e a festa da padroeira Nossa Senhora dos

Remédios permanece viva, esperada e vivenciada por todos os sousenses que

têm a oportunidade de prestigiá-la. É o tempo dos reencontros entre amigos

que foram morar em outra cidade, dos que ainda permanecem no município, é

um encontro de diversas gerações, de costumes que vão sendo passados às

crianças, aos jovens... É também, o tempo de reencontro com as lembranças

do passado, de reviver momentos e lugares que marcaram várias épocas,

cheias de significados.

Como se percebe é vasta a história contada pela escritora Julieta

Pordeus Gadelha no livro Antes que ninguém conte. Debruçar sobre ele,

fazendo das leituras um mergulho na história foi uma atividade prazerosa

durante a escrita desta tese de doutorado. “Conforme se sabe, todo livro é um

tempo e um espaço precisos, uma seqüência ininterrupta de referências e de

reverências, uma viagem sem volta” [...] (MORAIS, 2011, p. 242)

Selecionar os episódios que aqui foram elencados se tornou a tarefa

mais difícil, pois, nossa vontade partia do pressuposto de que tudo era

importante ser destacado, ser mencionado, ser comentado e conhecido pelos

leitores deste trabalho. Além disso, pelo saudosismo com que se lembra do

passado, a escritora Julieta Gadelha nos passava uma enorme curiosidade de

conhecer e discorrer sobre todos os textos, como ela mesma menciona: “A

minha vida é e será sempre uma sequência de saudades que desfilam com os

anos, acalentando as minhas gratas recordações” (GADELHA, 1965, p. 73).

Quando fala sobre as Festas na fazenda e na cidade, Julieta Gadelha

nos leva de volta ao passado quando as figuras ilustres, geralmente um

político, era muito bem recebido no interior. Ao mesmo tempo, reconfiguramos

este mesmo episódio, que ainda acontece na atualidade, com uma nova

roupagem, porém, ainda cheio de significados.

Uma festa na fazenda do ricaço atraía, de bom - gosto, os convidados da cidade e das redondezas que se deliciavam com petiscos regionais e com a alegria que se constituía de pífaros, zabumba, realejo e caixa.

Lá fora, no alpendre ventilado da casa grande, as redes brancas com varandas alvíssimas, acolhiam os convidados mais importantes do

Page 168: UM JOGO DE LEMBRANÇAS: GÊNERO, CULTURA E … · A família do meu marido, sobretudo minha sogra Ana Paula Cavalcanti, pelas ... a bandeira e o hino de Sousa e o Literarte. Meu muito

167

mundo político, social e religioso, os quais palestravam os acontecimentos mais recentes, balançando-se e tomando cafezinhos e chás, com biscoitos e bolos. Na casa grande, toda rodeada de cadeiras de couro, ou de bancos compridos de seis pernas, os demais convidados conversavam. Às vezes somente empolgavam - se ouvindo um eloqüente visitante, contando suas proezas de viagem, ou um filho da terra que voltava, depois de concluídos os estudos em outro Estado ou em outro país, descrevendo com todos os detalhes as maravilhas do “lá fora”, as dificuldades encontradas nas saudades da terra natal, os desencontros e contratempos nos poeirentos caminhos, a cavalo, para chegar até aqui... (GADELHA, 1986, p. 60)

A política ainda é, nos dias atuais, um evento que movimenta a

população sousense, com as presenças de candidatos em festas da cidade

fazendo com que gere muita polêmica. São as lembranças trazidas no livro de

Julieta Gadelha que nos fazem rememorar um passado sousense ainda tantas

vezes revivido na atualidade.

No jogo das suas lembranças, engendram-se concepções, pontos de vista próprios daquele espaço social que se incorporam ao texto presente. Leituras que mostram diferentes momentos das suas lembranças, como testemunhos da sua contribuição à construção da sociedade letrada brasileira, e também da própria história que ora se configura. (MORAIS, 2011, p. 241)

Todo esse jogo de lembranças se tornou um legado através das páginas

do livro que vai ficando para a posteridade como uma relíquia histórica preciosa

que configura uma época e assim constitui-se numa prática educativa.

Page 169: UM JOGO DE LEMBRANÇAS: GÊNERO, CULTURA E … · A família do meu marido, sobretudo minha sogra Ana Paula Cavalcanti, pelas ... a bandeira e o hino de Sousa e o Literarte. Meu muito

168

5.1 JULIETA PORDEUS GADELHA E OUTRAS MARCAS DO

LEGADO CULTURAL DEIXADO AO MUNICÍPIO DE SOUSA - PB.

O legado que Julieta Gadelha deixa para o município de Sousa não está

presente apenas na escrita, através das obras publicadas, Crônicas para

mamãe ler e Antes que ninguém conte e nas crônicas da Revista Letras do

Sertão. Ele ultrapassa os textos escritos e fica registrado nos símbolos do

município, como o hino e a bandeira.

Em 1975, Julieta Gadelha escreve o hino da cidade de Sousa, cravando,

mais uma vez, as marcas de sua prática educativa, uma vez que, o hino “hoje é

cantando nas escolas e solenidades locais e obrigatório na abertura das

sessões da câmara de vereadores” (BLOG DE EDILBERTO ABRANTES,

2009).

No hino de sua autoria, fez questão de destacar aspectos que fazem

parte da trajetória histórica da cidade de Sousa, marcada pela “moralidade,

romantismo, religiosidade e patriarcalismo” (SANTOS & BURITI, 2015, p. 1). As

estrofes “do progresso nasceu a riqueza em plena evolução” e “De sorriso a

cidade pólo” dizem respeito a uma cidade que despontou, entre outras do

Sertão, na economia algodoeira, posteriormente, nas indústrias, fazendo com

que tivesse evolução. Sendo intitulada, por isso, de “Cidade Sorriso”. São as

indústrias, características do desenvolvimento econômico de Sousa até hoje,

com destaque, atualmente, para os produtos laticínios da marca Ísis e dos

sorvetes Mareni, distribuídos na Paraíba e em outros estados:

De repente uma gleba de terra amanheceu florindo Refletiu-se a beleza e surgiu a Cidade sorrindo Do progresso nasceu a riqueza em plena evolução Era Sousa florindo o Sertão. Oh gentil colorida cidade Nós te amamos em teu florescer Centenária de olhar sem idade Tua face é o alvorecer.

Page 170: UM JOGO DE LEMBRANÇAS: GÊNERO, CULTURA E … · A família do meu marido, sobretudo minha sogra Ana Paula Cavalcanti, pelas ... a bandeira e o hino de Sousa e o Literarte. Meu muito

169

De sorriso a cidade pólo Foi um passe tua construção Uma fada regou o teu solo No albor da tua criação.

Nas estrofes do hino a cidade de Sousa aparece sempre com destaque

a beleza, as flores, o colorido, o sorriso intensificando o amor demonstrado na

escrita, o apego à Sousa, as pessoas de sua história, seus costumes, seus

fundadores, como Bento Freire de Sousa:

Bento Freire olhando de cima da verde planície Contemplando a sua obra prima Escutou a alegria dos gisos Que seu povo fazia brilhar. Na canção da Cidade Sorriso Para sua história exaltar. Oh gentil colorida cidade Nós te amamos em teu florescer Centenária de olhar sem idade.

Como autora do hino, acreditamos que sua prática educativa se torna

mais evidente, pois mesmo que nem todos os sousenses tenham tido acesso

as leituras de suas obras, o hino é mais conhecido por ser tocado em locais

públicos, inclusive nas escolas.

A letra do hino de Sousa deixa indícios sobre a sua história local,

contada nas obras de Julieta Pordeus Gadelha. Por isso, acreditamos que

conhecimento e estudo do mesmo nos ambientes educacionais, entre eles, o

escolar, reforça a noção de valorização de um lugar, de pertencimento a um

grupo identitário, a uma determinada cultura que não deve ser proporcionada

somente a uma camada esclarecida da população, mas também, às classes

populares no sentido de tornar mais forte a identidade social e a memória

coletiva das pessoas, sobretudo, dos estudantes.

Ao adotar uma prática referenciada na história local, o professor contribui no fortalecimento de uma identidade social coletiva e, consequentemente, no sentido de pertencimento aos locais de vivências dos alunos, superando a dicotomia existente entre a produção e a transmissão dos conhecimentos [...] (SOUSA, 2015, p. 139).

Page 171: UM JOGO DE LEMBRANÇAS: GÊNERO, CULTURA E … · A família do meu marido, sobretudo minha sogra Ana Paula Cavalcanti, pelas ... a bandeira e o hino de Sousa e o Literarte. Meu muito

170

Imagem LVI: Hino do município de Sousa - Paraíba. Fonte: Prefeitura Municipal de Sousa - PB.

Page 172: UM JOGO DE LEMBRANÇAS: GÊNERO, CULTURA E … · A família do meu marido, sobretudo minha sogra Ana Paula Cavalcanti, pelas ... a bandeira e o hino de Sousa e o Literarte. Meu muito

171

Imagem LVII: Hino do município de Sousa com a escrita original de Julieta Pordeus Gadelha.

Fonte: Acervo pessoal da escritora Julieta Pordeus Gadelha.

Page 173: UM JOGO DE LEMBRANÇAS: GÊNERO, CULTURA E … · A família do meu marido, sobretudo minha sogra Ana Paula Cavalcanti, pelas ... a bandeira e o hino de Sousa e o Literarte. Meu muito

172

Em 1976, junto a outro sousense Marcílio Mariz, Julieta Gadelha projeta

a bandeira do município de Sousa. Nela, mais uma vez, deixa estampados os

traços marcantes do município, trazendo aspectos que remontam e recria a

história, o passado tantas vezes falado em nas publicações.

Imagem LVIII: Bandeira do município de Sousa-Paraíba Fonte: Prefeitura Municipal de Sousa-PB

A bandeira tem as cores que representam a história do município de

Sousa, desde a fundação por Bento Freire de Sousa. Segundo Raudilene

Silveira, professora de Geografia do Colégio Nossa Senhora Auxiliadora, o

verde representa as matas nativas; o vermelho, as lutas para desbravar essas

terras sertanejas; o branco, a paz alcançada; o círculo, a hóstia do milagre

eucarístico (já mencionado anteriormente); a espiral azul, os caminhos

percorridos por Bento Freire para conseguir a doação das terras de D. Inácia

Dias D‟Avila e o S central, homenageia o fundador, o qual deu nome à cidade -

Sousa.

Estudamos a história de Sousa no Colégio Nossa Senhora Auxiliadora e

nos lembramos da valorização que as professoras davam à bandeira daquele

Page 174: UM JOGO DE LEMBRANÇAS: GÊNERO, CULTURA E … · A família do meu marido, sobretudo minha sogra Ana Paula Cavalcanti, pelas ... a bandeira e o hino de Sousa e o Literarte. Meu muito

173

município, sobretudo, pela construção ter sido pelas mãos de Julieta Pordeus

Gadelha, que no passado, também fora estudante daquela instituição. Nesse

sentido, o estudo dos símbolos do município, vivenciados “a partir da História

local, potencializava o entendimento mais crítico da realidade pelos alunos, nos

seus aspectos políticos, sociais e culturais” (SOUSA, 2015, p. 140).

Reiteramos que a prática educativa desta escritora se configura como

um legado que vai sendo transmitido de geração a geração, pelos sousenses.

E como se não bastasse todas as marcas de sua prática educativa

através das crônicas publicadas na Revista Letras do Sertão, dos livros e dos

aspectos simbólicos do município de Sousa, como a bandeira e o hino, no ano

de 2000 Julieta Pordeus Gadelha inaugura o Centro Cultural e Memorial de

Sousa Tozinho Gadelha. Com este centro, a autora homenageia seu pai,

Felinto da Costa Gadelha, além de fazer os visitantes viajarem no tempo ao

apresentar relíquias de família e imagens do município de Sousa, no passado.

Imagem LIX: Centro Cultural e Memorial de Sousa Tozinho Gadelha

Fonte: arquivo pessoal de Ana Paula Mendes Silva

Page 175: UM JOGO DE LEMBRANÇAS: GÊNERO, CULTURA E … · A família do meu marido, sobretudo minha sogra Ana Paula Cavalcanti, pelas ... a bandeira e o hino de Sousa e o Literarte. Meu muito

174

Em conversa com familiares, fomos informadas que a própria Julieta

Gadelha ficava no Centro Cultural para receber os visitantes.

O Centro Cultural tem um valor material e memorialístico para o

município de Sousa, pois se trata de um mergulho na história através das

imagens, móveis e objetos que configuram a cidade, numa outra época. Nesse

sentido, “a autora lega à posteridade detalhes de vida e hábitos passados,

numa exteriorização do seu pensar e do seu agir. Um verdadeiro tratado

sociológico” (MORAIS, 2011, p. 240).

Imagem LX: oratório da família de Julieta Pordeus Gadelha. Fonte: acervo da escritora Julieta Pordeus Gadelha.

Page 176: UM JOGO DE LEMBRANÇAS: GÊNERO, CULTURA E … · A família do meu marido, sobretudo minha sogra Ana Paula Cavalcanti, pelas ... a bandeira e o hino de Sousa e o Literarte. Meu muito

175

Imagem LXI: objetos que foram de seus pais, entre eles, o paletó e o chapeu. Fonte: acervo da escritora Julieta Pordeus Gadelha.

Imagem LXII: Fotos que trazem aspectos da trajetória histórica de Sousa expostas no Centro Cultural e Memorial Tozinho Gadelha.

Fonte: acervo da escritora Julieta Pordeus Gadelha

Page 177: UM JOGO DE LEMBRANÇAS: GÊNERO, CULTURA E … · A família do meu marido, sobretudo minha sogra Ana Paula Cavalcanti, pelas ... a bandeira e o hino de Sousa e o Literarte. Meu muito

176

Nas imagens acima, além de tantas outras que tivemos acesso durante

as conversas com familiares de Julieta Gadelha, vislumbramos um passado em

que as insígnias o representam. É o caso do oratório de família, uma parte da

religiosidade num canto da casa que as famílias utilizavam para fazer orações.

Além disso, a segunda imagem traz uma série de fotos de igrejas, padres e

pessoas que compõem a construção de Sousa.

Contudo, as imagens trazem uma forte religiosidade presente em Julieta

Pordeus Gadelha, característica que já foi demonstrada através de publicações

de sua autoria. Mas acima de tudo, contam uma história, cheia de significados

e linearidade, pois, a partir do momento em que conhecemos sobre a trajetória

sousense, compreendemos o papel de cada um dos personagens

apresentados no mural do memorial fundado por Julieta Gadelha.

Talvez sua intenção, com a fundação do memorial, fosse de fazer com

que esta história/trajetória não se perdesse ou que não ficasse somente nos

papeis, já que nem todos têm acesso aos livros, mas que se expandisse para o

concreto, o palpável, através dos móveis, dos objetos de decoração, das

relíquias de família, das imagens e mensagens imbricadas nas fotos antigas...

Com o Centro Cultural e Memorial de Sousa Tozinho Gadelha, Julieta

Gadelha demonstra, mais uma vez, sua valorização ao passado, a memória de

tudo o que foi construído, pois, ao expor as peças e imagens no museu, reforça

a escrita sobre o legado histórico sousense. Com o memorial, Julieta Gadelha

divide o que sabe estabelecendo.

No ano da fundação do Centro Cultural, a vereadora Maria do Socorro

Pinto Gadelha toma a iniciativa de registrar, na Câmara municipal de Sousa, os

votos de parabéns a escritora Julieta Pordeus Gadelha em face da instalação

do Centro Cultural Tozinho Gadelha caracterizando - o, nas suas palavras, de

“constituinte de canal entre o pretérito e o hoje, extraindo elementos de nossas

raízes, até então adormecidos, por demais necessários à formação de um

amanhã compromissado com o resgate de nossas memórias.” Conforme

mostra o documento abaixo:

Page 178: UM JOGO DE LEMBRANÇAS: GÊNERO, CULTURA E … · A família do meu marido, sobretudo minha sogra Ana Paula Cavalcanti, pelas ... a bandeira e o hino de Sousa e o Literarte. Meu muito

177

Imagem LXIII: Documento da Câmara Legislativa de Sousa em que Julieta

Gadelha é parabenizada pela criação do Centro Cultural e Memorial Tozinho Gadelha Fonte: acervo da escritora Julieta Pordeus Gadelha

A trajetória percorrida pela escritora sousense Julieta Pordeus Gadelha

nos dá base de sustentação para afirmar a relevância do nosso trabalho de

tese, sobretudo, por mostrar a sociedade sousense e paraibana quem é Julieta

Page 179: UM JOGO DE LEMBRANÇAS: GÊNERO, CULTURA E … · A família do meu marido, sobretudo minha sogra Ana Paula Cavalcanti, pelas ... a bandeira e o hino de Sousa e o Literarte. Meu muito

178

Pordeus Gadelha, nosso objeto de estudo. Tentamos, de maneira científica e

acadêmica traçar o seu perfil de mulher e a relevância de sua escrita, bem

como, dos símbolos do município de Sousa, a bandeira e o hino caracterizados

por nós, como uma prática educativa, já que deixa um legado cultural e

educacional para Sousa.

Salientamos o ineditismo deste trabalho em virtude da não existência,

antes deste, de outro que escrevesse sobre Julieta Pordeus Gadelha através

de suas memórias, suas reminiscências extraindo a forma como pensava,

como escrevia, como vivenciava, o cotidiano desde a infância. Talvez por falta

de oportunidade, outras pessoas não tenham escrito sobre ela. Segundo sua

irmã, Julieta não gostava de ser homenageada, embora tenha sido mencionada

e elogiada em jornais e revistas, conforme mostramos ao longo deste trabalho.

Não podemos deixar de destacar que em agosto de 2016, o evento

Literarte - Mostra de Literatura do Colégio Nossa Senhora Auxiliadora,

homenageou a escritora Julieta Pordeus Gadelha. O evento, que está em sua

terceira edição, trabalha com as obras da Literatura Brasileira e de outros

países fazendo com que os estudantes do Ensino Médio as representem

através de peças de teatro.

Em nota informativa sobre o Literarte, o site do Colégio Nossa Senhora

Auxiliadora diz que o evento:

Envolve todo o contexto artístico despertando a criatividade e a curiosidades dos alunos sobre literatura, e todas as expressões artísticas como dança, teatro, pintura e tudo mais que fluir diante da criatividade dos participantes. (Disponível em: http://cnsaweb.com.br/event/literarte/)

O fato da edição do Literarte 2016 homenagear Julieta Pordeus Gadelha

foi muito importante, pois, levar aos jovens o conhecimento sobre esta escritora

e todo o legado cultural deixado por ela para a história do município de Sousa

é, também, uma prática educativa. Além disso, sabemos o quanto a História

reservou o esquecimento às mulheres, fazendo com que muitas delas, nem

sejam lembradas mesmo tendo várias atitudes que marcaram o passado e a

composição de um lugar...

Page 180: UM JOGO DE LEMBRANÇAS: GÊNERO, CULTURA E … · A família do meu marido, sobretudo minha sogra Ana Paula Cavalcanti, pelas ... a bandeira e o hino de Sousa e o Literarte. Meu muito

179

Imagem LXIV: Cartaz do Literarte 2016 Fonte: site do Colégio Nossa Senhora Auxiliadora

É importante deixar para os sousenses a prática educativa desta mulher

que, certamente, ficará entre os nomes dos escritores daquele município, para

que não seja lembrada somente pelo hino que escreveu ou pela bandeira que

projetou, mas pela escrita dos aspectos históricos e memorialísticos sobre a

construção e o passado sousenses, além do apego, tão visível, àquele lugar.

Os livros, os artigos em jornais, a criação do hino e da bandeira, além do

memorial são elementos que compõem a prática educativa, deixada por Julieta

Pordeus Gadelha, que partiu em 2016. Em 07 (sete) de setembro, quando

concluíamos este trabalho de tese, fomos surpreendidas com a notícia de seu

falecimento.

Page 181: UM JOGO DE LEMBRANÇAS: GÊNERO, CULTURA E … · A família do meu marido, sobretudo minha sogra Ana Paula Cavalcanti, pelas ... a bandeira e o hino de Sousa e o Literarte. Meu muito

180

Imagem LXV: Corpo de Julieta Pordeus Gadelha sendo conduzido ao cemitério São João Batista após a missa na Matriz de Nossa Senhora dos Remédios em Sousa – PB.

Fonte: Jornal on line Diário do Sertão.

Faleceu nesta quarta-feira (07) na cidade de Sousa, a escritora Julieta Pordeus Gadelha. A missa de corpo presente foi realizada na manhã desta quinta-feira (08) na Igreja Matriz e o sepultamento aconteceu no cemitério São João Batista. Julieta compôs o hino do município de Sousa, e também escreveu o livro resgate “Antes que Ninguém Conte”, que relata a história da cidade sorriso da Paraíba. (ABRANTES, JORNAL DIÁRIO DO SERTÃO).

Talvez por ironia ou coincidência do destino, ela veio falecer, justamente,

no dia 07 de setembro, dia em que comemoramos a independência do Brasil.

Como escritora, que contribuiu para a história local sousense e paraibana,

partiu também, num dia histórico deixando para Sousa, todo um legado cultural

que tentamos elencar neste trabalho de tese, como uma prática educativa.

Page 182: UM JOGO DE LEMBRANÇAS: GÊNERO, CULTURA E … · A família do meu marido, sobretudo minha sogra Ana Paula Cavalcanti, pelas ... a bandeira e o hino de Sousa e o Literarte. Meu muito

181

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Pesquisar sobre Julieta Pordeus Gadelha, trazendo a tona sua história e

memória, utilizando suas obras enquanto fonte de trabalho, mais que revelar a

prática educativa elucidada nos conteúdos e na trajetória de escritora,

sousense, se configura, para nós, numa realização pessoal e profissional.

Pessoal por que se trata da efetivação de um trabalho que há muito tempo vem

sendo pensado, e por inúmeros motivos, ainda não tinha sido concretizado. El

também pelo fato de que tem como objeto de estudo, uma mulher que tem sua

marca na contação da história no município de Sousa.

Pesquisar sobre a prática educativa de Julieta Pordeus Gadelha tem o

significado de cumprir um trabalho acadêmico, que atenda as normas exigidas

para uma tese de doutorado, mas é também, uma forma de colocar a mulher

no cenário da pesquisa, rememorar e reavivar sua trajetória de pesquisadora e

contribuinte para a cultura de um lugar.

Não nos referimos somente a escritora, mas a mulher Julieta Pordeus

Gadelha que vai se configurando e representando inúmeras mulheres que

contribuíram para a história local, mas podem cair no esquecimento, caso não

sejam estudadas.

Aliada a realização pessoal, soma-se o fato de ser um trabalho inédito,

uma vez que, por mais que a autora tenha sido mencionada e até citada em

outros trabalhos, nenhum outro fora totalmente voltado para Julieta Pordeus

Gadelha, para sua biografia, suas obras, sua memória...

Ao ler, estudar e escrever sobre Julieta Pordeus Gadelha percebemos

uma mulher de várias faces. Entre estas, destacamos a Julieta normalista, de

formação pedagógica pela Escola Normal São José; a escritora de livros, de

artigos de revista que marcaram sua trajetória; a religiosa, ao expressar

diversas opiniões sobre a influência que tinha a Religião Católica Apostólica

Romana em sua vida; a compositora do Hino do município; a artista, que

desenhou a bandeira; a historiadora por contar a história local com tantos

detalhes, pela fundação do Memorial.

Page 183: UM JOGO DE LEMBRANÇAS: GÊNERO, CULTURA E … · A família do meu marido, sobretudo minha sogra Ana Paula Cavalcanti, pelas ... a bandeira e o hino de Sousa e o Literarte. Meu muito

182

Na escrita e nas outras atuações, Julieta Gadelha apresenta uma forte

relação com o município de Sousa, representada no legado que deixou. Este

legado poderá contribuir para outras pesquisas ou como referência para as

instituições de ensino.

Assim, mais que cumprir as exigências de um trabalho de tese, escrever

sobre Julieta Gadelha se tornou um trabalho prazeroso, desde o começo,

quando as inquietações e dúvidas, ainda eram recorrentes.

Para além das realizações, acreditamos que as perguntas de pesquisa

elencadas no início deste trabalho, foram respondidas, uma vez que, ao

conhecermos quem foi Julieta Pordeus Gadelha, também visualizamos os

conteúdos de suas obras sobre vários ângulos, como por exemplo, as questões

ligadas a gênero como um direcionamento dos papeis atribuídos a cada sexo.

Também vimos detalhes da história local, os fatos, os costumes, os

monumentos históricos, as pessoas que fizeram parte da fundação e

construção do município de Sousa, entre outros aspectos que fazem parte do

conteúdo de suas obras.

Embora algumas questões, como o gênero, merecessem maior

aprofundamento, talvez através de outras crônicas por ela publicadas,

acreditamos que neste trabalho, pudemos mostrar um pouco da Julieta

Gadelha que, contribuinte para a cultura sousense, apresenta uma prática

educativa cheia de aprendizagens, riquezas culturais e uma identidade com o

passado sousense.

Como uma mulher que foi nascida e criada num município do Sertão da

Paraíba, filha de uma família tradicional e conservadora, de preceitos baseados

na religião católica, Julieta Gadelha deixa os traços de sua personalidade na

escrita que vem recheada de normas de conduta de comportamento, sobretudo

o feminino, ainda que defendesse a mulher letrada e culta. São perceptíveis

nas crônicas de cunho memorialístico, as características de sua formação

pessoal.

Quando escreve sobre Sousa, sua cidade natal, a autora se debruça em

aspectos que compõem a história local com uma riqueza de detalhes e de fatos

Page 184: UM JOGO DE LEMBRANÇAS: GÊNERO, CULTURA E … · A família do meu marido, sobretudo minha sogra Ana Paula Cavalcanti, pelas ... a bandeira e o hino de Sousa e o Literarte. Meu muito

183

que se tornaram esquecidos pelo tempo. Outros até são lembrados atualmente

pelas escolas ou pelos locais que ficaram marcados, como o Milagre

Eucarístico, por exemplo, porém, as obras de Julieta Gadelha agregam valores,

sentimentalismos, uma sensação incontida de pertencimento e ao mesmo

tempo, de vaidade, por também, fazer parte da história daquele município, de

ser filho de Sousa. A cada história narrada, vamos nos encontrando, como se

vivenciássemos tudo de novo.

Encontramos, ao ler Julieta Pordeus Gadelha, os aspectos de outros

trabalhos de autores que também desenvolveram temáticas semelhantes, tais

como Almeida (1998) quando fala da educação das mulheres; Nunes (2005)

quando descreve sobre as mulheres dos romances São Bernardo e Vidas

Secas, de Graciliano Ramos; Morais quando escreve sobre Chicuta Nolasco

Fernandes (2006), Izabel Gondim (2003), Sophia Lyra (2011) acentuando suas

contribuições para a cultura e educação do estado do Rio Grande do Norte.

Todas estas autoras, entre tantas outras, (re)constroem cotidianos

femininos de outrora fazendo com que aconteça, entre os leitores, uma

valorização sobre a atuação e consequente, contribuição do feminino para a

educação de um lugar. Fomos nos alimentando, para a construção do nosso

trabalho, das fontes de referência destas autoras. Elas foram nossa fonte de

inspiração.

Acrescido ao que já foi dito, reafirmamos nossa realização de poder ter

discutido sobre gênero neste trabalho, sob a ótica da escrita de Julieta Pordeus

Gadelha. E também de mergulhar nas suas memórias, com narrativas tão ricas

e tão significativas, que nos permitiram conhecer muito mais sobre a Julieta

que tanto ouvíamos falar, que tanto admirávamos.

A prática educativa não morre, ela permanece como um legado

oferecido à posteridade, às gerações futuras. Nesse sentido, a prática

educativa da escritora Julieta Pordeus Gadelha não só será um legado, mas

uma fonte de contribuição para a cultura do município de Sousa, ainda tão

presente nas igrejas seculares, na Praça do Milagre Eucarístico, no Vale dos

Dinossauros, na bandeira, no hino, em tantas praças...

Page 185: UM JOGO DE LEMBRANÇAS: GÊNERO, CULTURA E … · A família do meu marido, sobretudo minha sogra Ana Paula Cavalcanti, pelas ... a bandeira e o hino de Sousa e o Literarte. Meu muito

184

Neste percurso de escrita pudemos traçar a escritora Julieta Gadelha

com um gosto de quem escreve sobre um objeto valioso, uma pedra bruta que

ainda precisava ser lapidada. Aos poucos, neste trabalho, fomos especificando

nossos objetivos, separando as fontes, agregando os relatos às imagens,

referenciando com os autores que nos deram embasamento teórico até compor

a estrutura que deu corpo, formando o início, o desenvolvimento e as

considerações.

Hoje, nosso trabalho está formado, porém, não acabado, pois o mesmo

deu margem para vários questionamentos, novas posturas e curiosidades que

foram sendo visualizadas à medida que líamos seus textos. Quantas crônicas

ainda queremos discutir! Quantas ideias se formaram em torno da Escola

Normal São José! Quanto mais sobre Julieta Pordeus Gadelha ainda queremos

aprofundar!

Pretendemos desenvolver, ao longo de novos trabalhos na academia,

através projeto de pesquisa que discuta as práticas educativas de mulheres na

Paraíba, sobretudo no interior, pois muitas ainda estão no anonimato.

Pensamos em pesquisas científicas que farão com que os estudantes também

adentrem no cotidiano da pesquisa sobre mulheres que deixaram marcas,

através de suas práticas educativas.

Por fim, compreendemos que as categorias gênero, prática educativa e

história local formaram uma tríade que possibilitou o estudo sobre a história e

memória de Julieta Pordeus Gadelha. Certa de que outros fatores foram

essenciais na composição dessa tríade, como a cultura religiosa, a classe

social e o acesso a leitura e escrita podemos fazer um apanhado mais

completo sobre a escritora e seu legado cultural.

A contribuição que queremos dar a Paraíba e, especificamente, ao

município de Sousa é que Julieta Pordeus Gadelha seja lembrada, através

deste trabalho. Sabemos que será mencionada, quando o hino municipal for

cantado ou a bandeira for hasteada ou estudados nas escolas, mas almejamos

ir além. Que ela não seja só lembrada, citada como uma pessoa que contribuiu

com a cultura, mas pela escrita com detalhes do passado, pelo amor à Sousa,

tantas vezes demonstrado e, sobretudo, por ser uma mulher a historiadora

Page 186: UM JOGO DE LEMBRANÇAS: GÊNERO, CULTURA E … · A família do meu marido, sobretudo minha sogra Ana Paula Cavalcanti, pelas ... a bandeira e o hino de Sousa e o Literarte. Meu muito

185

local em meio a tantos outros nomes de homens que são lembrados até hoje,

através da história, dos nomes nas ruas, praças e avenidas.

Como já dissemos anteriormente, este trabalho é inconcluso, ainda que

se apresente as considerações finais, pois não pretendemos engavetá-lo, como

quem já prestou contas às exigências para o título de doutor, pelo contrário,

pretendemos publicá-lo para que outras pessoas conheçam com mais

profundidade, a memória e história da prática educativa de Julieta Pordeus

Gadelha.

Page 187: UM JOGO DE LEMBRANÇAS: GÊNERO, CULTURA E … · A família do meu marido, sobretudo minha sogra Ana Paula Cavalcanti, pelas ... a bandeira e o hino de Sousa e o Literarte. Meu muito

186

REFERÊNCIAS:

ABRANTES, Edilberto. Antes que ninguém conte. Disponível em:

<http://academiadepoetassousenses.blogspot.com.br/2009/11/antes-que-

ninguem-conte.html>. Acesso em: 22/03/2013.

__________. Cidade de luto! Morre a compositora do hino de Sousa Julieta

Pordeus Gadelha. Confira! Jornal Diário do Sertão. Sousa PB. 08/09/2016. Disponível

em: <http://www.diariodosertao.com.br/noticias/cidades/146514/cidade-de-luto-morre-

compositora-do-hino-de-sousa-julieta-pordeus-gadelha-confira.html>. Acesso em:

08/09/2016.

ALMEIDA, Jane Soares. Mulher e educação: a paixão pelo possível. São

Paulo: Editora UNESP, 1998.

ALMEIDA, José Américo de. A bagaceira. 10 ed. Rio de Janeiro: José

Olympio, s. d. 173 p. (romance)

AMADO. Janaína. História e Região: reconhecendo e reconstruindo espaços.

In. SILVA, Marcos (Coord.). República em Migalhas: História Regional e

Local. São Paulo: ANPUH, Marco Zero, 1990. p. 7-15.

ARAÚJO, Marta Lúcia Ribeiro. O processo político na Paraíba: 1945-1964. In:

SILVEIRA, Rosa Maria Godoy (org.). Estrutura de poder na Paraíba. João

Pessoa: Ed. Universitária/UFPB, 1999.

ARAÚJO, RAILANE MARTINS DE. O governo de Pedro Gondim e o teatro

do poder na Paraíba: imprensa, imaginário e representações (1958-1965).

Dissertação de mestrado. Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa,

2009.

__________. A Paraíba no contexto da década de 1960: a posição do estado

frente as ligas camponesas. Disponível em:

<http://www.anpuhpb.org/anais_xiii_eeph/textos/ST%2002%20-

%20Railane%20Martins%20de%20Ara%C3%BAjo%20TC.PDF>. Acesso em:

22/05/2014.

Page 188: UM JOGO DE LEMBRANÇAS: GÊNERO, CULTURA E … · A família do meu marido, sobretudo minha sogra Ana Paula Cavalcanti, pelas ... a bandeira e o hino de Sousa e o Literarte. Meu muito

187

BAHIANA, Ana Maria. Almanaque de 1964. São Paulo: Companhia das

Letras, 2014.

BARBOSA, Vilma de Lurdes. Contribuições para pensar, fazer e ensinar

história local. Tese de doutorado em Educação. Programa de Pós-Graduação

em Educação. Natal: UFRN, 2005.

BITTENCOURT, Circe Maria Fernandes. Ensino de História: fundamentos e

métodos. 3 ed. São Paulo: Cortez, 2009.

BRASIL. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional de n°. 5692/1971.

Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l5692.htm>. Acesso

em: 02/07/2014.

BRASIL. Resolução n. 8/71, de 1° de dezembro de 1971, do CFE. Fixa o

núcleo comum para os currículos do ensino de 1° e 2° graus, definindo-lhes os

objetivos e a amplitude. Documenta - Rio de Janeiro, n. 133, dez.

BRASIL. Parecer n. 853/71, de 12 de novembro de 1971, do CFE. Núcleo -

comum para os currículos do ensino de 1° e 2° graus. A doutrina do currículo

na lei 5.692. Documenta - Rio de Janeiro, n. 132, Nov.

BRASIL, Ministério da Educação. Programa Brasil Alfabetizado. Disponível

em: <http://portal.mec.gov.br/expansao-da-rede-federal/194-secretarias-

112877938/secad-educacao-continuada-223369541/17457-programa-brasil-

alfabetizado-novo>. Acesso em: 22/05/2010.

BURKE, Peter. O que é história cultural? Tradução Sérgio Goes de Paula. 2.

ed. rev. e ampl. Rio de Janeiro: Zahar, 2008.

CALLAI, Helena Copetti (org.) O ensino em Estudos Sociais. 2. ed. Ijuí:

Unijuí, 2002. Coleção Ensino de 1 grau. Série Biblioteca do professor.

CARTAXO, Cristiano. Prefácio do livro Crônicas para mamãe ler. In:

GADELHA, Julieta Pordeus. Crônicas para mamãe ler. João Pessoa - PB: A

União, 1965.

CERTEAU, Michel de. A invenção do cotidiano: Artes de fazer. Petrópolis:

RJ. Ed. Vozes, 1998.

Page 189: UM JOGO DE LEMBRANÇAS: GÊNERO, CULTURA E … · A família do meu marido, sobretudo minha sogra Ana Paula Cavalcanti, pelas ... a bandeira e o hino de Sousa e o Literarte. Meu muito

188

CHARTIER, Roger. A História Cultural: entre práticas e representações.

Trad. de Maria Manuela Galhardo. Lisboa: Difel Editora, 1990.

__________. A Ordem dos Livros: leitor, autores e bibliotecas da Europa

entre os séculos XIV e XVIII. Distrito Federal: Editora Universidade de Brasília,

1994.

__________. O mundo como representação. In: Estudos Avançados, volume

5, n° 11. São Paulo, Janeiro/Abril, 1991. Disponível em:

<http://www.scielo.br/pdf/ea/v5n11/v5n11a10.pdf>. Acesso em: 25/03/2014.

CORREA, Sílvio Marcus de Souza. História local e seu devir historiográfico. In:

MÉTIS: história & cultura – v. 2, n. 2, p. 11-32, jul./dez. Caxias do Sul: RS,

2002.

FERRAZ, Augusto. Além do Rio: uma fotografia da paisagem urbana Sousa -

Paraíba. 2 ed. AGT Produções: Sousa Paraíba, 2011.

Freyre, Gilberto. Sobrados e mucambos: decadência do patriarcado rural e

desenvolvimento do urbano. São Paulo: Editora Global, 2004.

GADELHA, Julieta Pordeus. Intelecto e casamento. Revista Letras do Sertão.

Sousa - PB, edição 12, páginas 15 - 16, ano 1955.

__________. Amigos. Revista Letras do Sertão. Sousa - PB, edição 14, página

14, ano 1956.

__________. Minha primeira farda. Revista Letras do Sertão. Sousa - PB,

edição 15, página 12, ano 1957.

__________. O legado de um canário lutador. Revista Letras do Sertão.

Sousa - PB, edição 17, página 27, ano 1959.

__________. Reminiscências. Revista Letras do Sertão. Sousa - PB. Edição

18, páginas 12 - 13, ano 1959.

__________. Desembargadores sabem torrar café. Revista Letras do Sertão.

Sousa - PB. Edição 19, páginas 02 - 03, ano 1960.

__________. Gratidão de seresteiro. Revista Letras do Sertão. Sousa - PB.

Edição 20, páginas 23 - 24, ano 1960.

Page 190: UM JOGO DE LEMBRANÇAS: GÊNERO, CULTURA E … · A família do meu marido, sobretudo minha sogra Ana Paula Cavalcanti, pelas ... a bandeira e o hino de Sousa e o Literarte. Meu muito

189

__________. Êsse meu tio. Revista Letras do Sertão. Sousa - PB. Edição 21,

página 12, ano 1961.

__________. Inversão de valores. Revista Letras do Sertão. Sousa - PB.

Edição 23, páginas 19 – 20, ano 1961.

__________. Crônicas para mamãe ler. João Pessoa: A União, 1965.

__________. Antes que ninguém conte. João Pessoa PB: A União, 1986.

__________. Professor Senhorzinho - o Mestre. Jornal em homenagem ao

professor Virgílio Pinto de Aragão. Gráfica E. Rocha Marques Pinto, 2005.

Hollanda, Heloísa Buarque de. Os estudos sobre mulher e literatura no

Brasil: Uma primeira abordagem. Seminário “Estudos sobre Mulher no

Brasil - Avaliação e Perspectivas”. Fundação Carlos Chagas 27 a 29 de

novembro de1900. Disponível em:

<http://www.heloisabuarquedehollanda.com.br/os-estudos-sobre-mulher-

e-literatura-no-brasil-uma-primeira-abordagem-9/.> Acesso em:

15/11/2016.

Hospital Napoleão Laureano. A fundação. Disponível em:

<http://hlaureano.org.br/a-fundacao/historia/>. Acesso em: 24/10/2016.

Hospital Napoleão Laureano. Hospital Napoleão Laureano conta com apoio de

parlamentares. Disponível em:

<http://www.obeabadosertao.com.br/v3/hospital_napoleao_laureano_conta_co

m_apoio_de_parlamentares__6052.html>. Acesso em: 24/10/2016

JULIA, Dominique. A cultura escolar como objeto histórico. Revista Brasileira

de História da Educação. Volume 1, número 1, 2001. Tradução de Gizele de

Souza. Disponível em: <

http://www.rbhe.sbhe.org.br/index.php/rbhe/article/view/273>. Acesso em:

22/05/2015.

KULESZA, Wojciech Andrzej. Igreja e educação na Primeira República. In:

MACHADO, Charliton José dos Santos; SCOCUGLIA, Afonso Celso. (orgs.)

Pesquisa e historiografia da educação brasileira. Campinas, SP: Autores

Associados, 2006.

Page 191: UM JOGO DE LEMBRANÇAS: GÊNERO, CULTURA E … · A família do meu marido, sobretudo minha sogra Ana Paula Cavalcanti, pelas ... a bandeira e o hino de Sousa e o Literarte. Meu muito

190

LEITÃO, Deusdedit. Inventário do tempo: memórias. São Paulo: Editora

Empório dos Livros, 2000.

LIBÂNEO, José Carlos: Didática. São Paulo: Cortez, 1994.

LOPES, Eliana Marta Teixeira. Pensar categorias em História da Educação

e Gênero. Projeto História: São Paulo, 1994.

LOPES, Eliana Marta Teixeira; GALVÃO, Ana Maria de Oliveira. História da

Educação. Rio de Janeiro: DP&A, 2001.

LOURO, Guacira Lopes. Mulheres na sala de aula. In: PRIORE, Mary del (org),

História das mulheres no Brasil. Editora Contexto, 1997

LUCKESI, Cipriano Carlos. Avaliação da aprendizagem escolar: estudos e

proposições. São Paulo: Cortez Editora, 2011.

MACEDO, Joaquim Manuel de. A Moreninha. São Paulo: Editora Três, 1972.

MATOS, Eilzo. Letras do Sertão: sumário cronológico (uma aventura de

Sousa no mundo da cultura – novembro de 1951 – março de 1968). Sousa

Paraíba: Fundação Antônio Mariz, 2004.

MORAIS, M. A. C. Leituras de mulheres no século XIX. 1. ed. Belo

Horizonte: Autêntica, 2002. v. 1. 108p.

_______. Chicuta Nolasco Fernandes: intelectual de mérito. Natal: Editorial

A República, 2006. (Série Educação e Educadores do Rio Grande do Norte –

Vol. II).

_______. Isabel Gondim: uma nobre figura de mulher. Natal RN: Terceirize,

2003.

_______. Literatura e História: a intertextualidade na obra da escritora Sophia

Lyra. In: LEITE. Juçara Luzia; ALVES, Claudia (Orgs). Intelectuais e História

da Educação no Brasil: poder, cultura e política. Vitória: EDUFES, 2011.

_______. Entre o inventário de lembranças e aproximações de similitudes.

In: BARBOSA, Tatyana Mabel Nobre; PASSEGGI, Maria da Conceição. (Org.).

Memorial acadêmico: gênero, docência e geração. 1Ed. Natal: EDUFRN, 2011,

v. 1, p. 143-152.

Page 192: UM JOGO DE LEMBRANÇAS: GÊNERO, CULTURA E … · A família do meu marido, sobretudo minha sogra Ana Paula Cavalcanti, pelas ... a bandeira e o hino de Sousa e o Literarte. Meu muito

191

NETO, Manoel Pereira da Rocha. A educação da mulher Norte - Rio -

Grandense segundo Júlia Medeiros (1920 - 1930). 2005. Tese (Doutorado

em Educação) - Programa de Pós-graduação em Educação Universidade

Federal do Rio Grande do Norte. Natal - RN, 2005.

NEVES, Joana. História local e construção da identidade social. In: Saeculum:

Revista de História. João Pessoa: Editora Universitária/UFPB. nº. 3, Jan/Dez

1997. p. 13-27.

NUNES, Maria Lúcia da Silva. A Imprensa Paraibana e os Direitos da Mulher:

Textos Publicados no Jornal A União na Década de 1920. In: MACHADO,

Charliton José dos Santos; SCOCUGLIA, Afonso Celso. (orgs.) Pesquisa e

historiografia da educação brasileira. Campinas, SP: Autores Associados,

2006.

OLIVEIRA, Maria de Lourdes Barreto de Oliveira. Colégios e liceus na Paraíba

do Oitocentos: oficinas para mandos e ofícios da cidade. In: MACHADO,

Charliton José dos Santos; SCOCUGLIA, Afonso Celso. (orgs.) Pesquisa e

historiografia da educação brasileira. Campinas, SP: Autores Associados,

2006.

PALMEIRA, Balila. Destino Cruel. João Pessoa: Editora A União, 1993.

PEREIRA, Aldiceia Machado. A importância da história local para o ensino

de história: um olhar para o município de Duque de Caxias. Artigo

apresentado no Programa Integrado de Pesquisa e Cooperação Técnica da

Baixada Fluminense – PINBA. 17 e 19 de agosto e 01 de setembro de 2011.

PINHEIRO, Antônio Carlos Ferreira Pinheiro. A Era das escolas rurais

primárias na PB. In: MACHADO, Charliton José dos Santos; SCOCUGLIA,

Afonso Celso. (orgs). Pesquisa e historiografia da educação brasileira. São

Paulo: Unicamp, 2006.

PINTO, Lucíola Marques. Roteiro de uma cidade perdida em sua história:

Sousa. Campina Grande: EDUFCG, 2008.

PINTO, Evilásio Marques. Virgílio Pinto de Aragão (Professor Senhorzinho).

Jornal em homenagem aos 110 anos de nascimento de Virgílio Pinto de

Aragão. Gráfica E. Rocha Marques Pinto, 2005.

Page 193: UM JOGO DE LEMBRANÇAS: GÊNERO, CULTURA E … · A família do meu marido, sobretudo minha sogra Ana Paula Cavalcanti, pelas ... a bandeira e o hino de Sousa e o Literarte. Meu muito

192

RAMOS, Graciliano. São Bernardo. Rio de Janeiro: Record, 1990.

SAMUEL, Raphael. História Local e História Oral. In: Revista Brasileira de

História. História em Quadro Negro: escola, ensino e aprendizagem. São

Paulo: ANPUH/Marco Zero, v. 9, nº 19, set.89/fev.90. 1990. p 219-243.

SANTOS, Ana Soraya; SILVA, Euzeliz Nascimento da. (coord. e org.).

Metodologia do Ensino de Estudos Sociais para o Ensino Fundamental.

Fortaleza/CE: UVA-CETREDE, 1999.

SANTOS, Roberg Januário dos; BURITI, Iranilson. Eu sinto que essa vida já

me foge: a Pedagogia dos espaços nas tessituras de Sinhazinha Wanderley.

In: Revista de História e Estudos Culturais. Volume 12, Ano XII, número 2.

Julho - Dezembro de 2015. Disponível em: <

http://www.revistafenix.pro.br/PDF36/ARTIGO_6_SECAO_LIVRE_ROBERG_J

ANUARIO_DOS_SANTOS_E_IRANILSON_BURITI_FENIX_JUL_DEZ_2015.p

df >. Acesso em: 22/05/2015.

SILVA, Tomaz Tadeu da. Documentos de identidade: uma introdução as

teorias do currículo. Belo Horizonte: Autêntica, 1999.

SILVA, Francinaide de Lima. A Escola Normal de Natal (Rio Grande do

Norte, 1908- 1971). 2013. 163 f. Tese (Doutorado em Educação) – Programa

de Pós-Graduação em Educação. Universidade Federal do Rio Grande do

Norte. Natal, 2013.

SOUSA, Israel Soares de. Educação popular e ensino de história local:

cruzando conceitos e práticas. 2015. 238 f. Tese (Doutorado em Educação) -

Programa de Pós-graduação em Educação Universidade Federal da Paraíba.

João Pessoa PB, 2015.

WERNECK, Humberto. O tititi do monoquíni. In: O Estadão: cultura. 23 de

março de 2014. Disponível em: <http://cultura.estadao.com.br/noticias/geral,o-

tititi-do-monoquini-imp-,1144132>. Acesso em: 04/12/2015.

ZENAIDE, Hélio Nóbrega. Paraíba: nomes da nossa história. Pedro

Gondim. A União. Superintendência de Imprensa e Editora. 2002.

Page 194: UM JOGO DE LEMBRANÇAS: GÊNERO, CULTURA E … · A família do meu marido, sobretudo minha sogra Ana Paula Cavalcanti, pelas ... a bandeira e o hino de Sousa e o Literarte. Meu muito

Anexos

Page 195: UM JOGO DE LEMBRANÇAS: GÊNERO, CULTURA E … · A família do meu marido, sobretudo minha sogra Ana Paula Cavalcanti, pelas ... a bandeira e o hino de Sousa e o Literarte. Meu muito

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

DOUTORADO EM EDUCAÇÃO

DOUTORANDA: ANA PAULA MENDES SILVA

ORIENTADORA: DRA. MARIA ARISNETE CÂMARA DE

MORAIS

CONTRIBUINTES: DR. CLÁUDIO GADELHA

MARIA ALVES PINTO (Maria de Lelê)

Prezado (a) Advogado Cláudio Gadelha,

No âmbito da tese de Doutorado, em desenvolvimento na Universidade Federal do Rio

Grande do Norte/Natal - RN, com o objetivo de analisar a trajetória educacional de

Julieta Pordeus Gadelha, gostaríamos de solicitar sua participação para responder ao

questionário disponibilizado, com os seguintes pontos:

Questionário sobre a trajetória de Julieta Pordeus Gadelha

1. Nomes de seus pais e irmãos.

2. Data de Nascimento.

3. Nome de batismo.

4. Qual a colocação de nascimento em comparação com os irmãos (Primeira,

segunda, mais velha, caçula...).

5. Quem era seu pai; o que exercia e de qual família fazia parte.

6. Atividade econômica da família (algodão, café...)

7. Quem eram seus padrinhos de batismo?

8. Ela sempre morou em Sousa? Quando criança morou em alguma zona rural?

9. Se, quando cresceu, foi morar em algum outro município? Se sim, onde e

quando?

10. Morou sempre com os pais ou com outras pessoas? E em que rua?

11. Existe alguma fotografia deste lugar? (Foto da época)

12. Onde ela foi alfabetizada? Em alguma escola ou por alguém em particular?

Tem alguma foto dessa época, para que possa acrescentar em meu trabalho?

13. Quais as aulas que ela tinha nessa época? Como era o currículo da escola?

14. Onde costumava brincar? Em casa ou na rua? Quais as brincadeiras que

tinha? Quem eram seus amigos?

15. Ela fez Escola Normal? Onde? Qual o nome da escola? Era em regime de

internato?

16. Quando começa a lecionar? Em que escola, com qual idade e em que ano?

Page 196: UM JOGO DE LEMBRANÇAS: GÊNERO, CULTURA E … · A família do meu marido, sobretudo minha sogra Ana Paula Cavalcanti, pelas ... a bandeira e o hino de Sousa e o Literarte. Meu muito

17. Qual a série que lecionou? Quanto tempo passou? (Fotos e outros registros)

18. Quem eram seus alunos? Ainda vivem?

19. Fez curso superior? Em qual instituição? Em que ano? Lecionou na área?

(Diplomas, fotos)

20. Quem estudou com ela que possa me dar informações mais precisas de como

eram as aulas, a pessoa de Julieta?

21. Fale algum aspecto interessante e/ou curioso sobre Julieta Gadelha.

22. Aspectos curiosos da vida profissional de Julieta que possa me fornecer.

23. Existem impressos, poemas, crônicas, publicações, fotografias, diplomas que

ainda não tenho e poderiam me ser fornecidos.

Desde já, agradecemos sua valiosa contribuição no sentido de dispensar um pouco do

seu tempo para responder ponderadamente os questionamentos.

Com os melhores cumprimentos,

Ana Paula Mendes Silva

Doutoranda em Educação – UFRN – Natal

Maria Arisnete Câmara de Morais

Professora orientadora da UFRN – PPGED (Natal – RN)