slide - pre-modernismo e modernismo 16-10-10 - literarte

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PROFESSORAS: MS. FERNANDA DINIZ LENE ARAÚJO

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Muito bom,coneúdo bem explicativo.

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PROFESSORAS: MS. FERNANDA DINIZLENE ARAÚJO

O PRÉ-MODERNISMO No início do século XX, a literatura brasileira atravessava um

período de transição. De um lado, ainda era forte a influência das tendências artísticas da segunda metade do século XIX; de outro já começava a ser preparada a grande renovação modernista, cujo marco inicial no Brasil é a Semana de Arte Moderna(1922). A esse período de transição, chamamos Pré-Modernismo.

Didaticamente, esse movimento literário tem início em 1902 com a publicação da obra Os Sertões, de Euclides da Cunha e com a publicação da obra Canaã, de Graça Aranha. O Pré-Modernismo é um período de transição, pois ao mesmo tempo em que encontrávamos produções conservadoras como a poesia parnasiana e a poesia simbolista, encontrávamos as primeiras produções de caráter mais moderno, preocupadas com a realidade brasileira da época.

Principais características do Pré-Modernismo brasileiro:

- Ruptura com o passado- Denúncia da realidade- Regionalismo- Tipos humanos marginalizados

*A busca de uma linguagem mais simples e coloquial (Embora não se verifique na obra de todos os pré-modernistas, essa preocupação é explícita na prosa de Lima Barreto e representa um importante passo para a renovação modernista de 1922.)

Principais autores do Pré-Modernismo brasileiro:

• Euclides da Cunha • Lima Barreto • Monteiro Lobato • Graça Aranha • Augusto dos Anjos*

Euclides da Cunha= retratou a miséria do subdesenvolvido nordeste do país.

Lima Barreto= retratou a vida carioca urbana e suburbana do início do século XX.

Monteiro Lobato= retratou a miséria dos moradores do interior do sudeste e a decadência da economia cafeeira.

Graça Aranha= retratou a imigração alemã no Espírito Santo. Augusto dos Anjos*= apresenta uma classificação

problemática, não podendo ser apenas estudado como um autor pré-modernista. Sua obra apresenta elementos de várias estéticas, mas para fins didáticos costuma-se estudá-lo como pré-modernista.

EUCLIDES DA CUNHA (1866-1909)

Euclides da Cunha era engenheiro, mas se destacou no cenário brasileiro do começo do século XX como escritor. Era também jornalista e foi mandado a Canudos, na Bahia como correspondente do jornal “O Estado de São Paulo”, com a tarefa de registrar as operações do exército na revolta baiana.

O Livro Os Sertões localiza-se entre a sociologia e a literatura, tamanha a riqueza de detalhes e a preocupação em retratar a realidade da maneira em que ela se apresentava. É uma das primeiras obras a romper com a visão romântica do Brasil enquanto terra paradisíaca. Nesse livro, Euclides da Cunha construiu uma espécie de narrativa negativa de um povo massacrado pela miséria e pela injustiça social. Segundo o autor, a realidade da guerra era muito diferente da que o governo dizia. Aparentemente, o motivo desencadeador da revolta foi o fanatismo religioso e o cangaço, mas na realidade os profundos motivos foram o sistema latifundiário, a servidão e o abandono social da região.

O livro está dividido em três partes: na primeira, Euclides descreve a terra, o cenário em que se desenvolverá o enredo; no segundo, o autor faz uma descrição do homem, explicando a origem dos jagunços e cangaceiros. Destaca-se nesse momento a descrição do líder do movimento, Antônio Conselheiro. Na terceira parte, encontra-se a grande e talvez a maior riqueza do livro, o conflito. Somente depois de várias expedições é que os revoltados são vencidos. Dos mais de 20 mil brasileiros em Canudos, restaram apenas quatro: um velho, dois homens e uma criança na frente de um exército de 5 mil homens.

LIMA BARRETO (1881-1922)

Lima Barreto teve uma vida muito atribulada, principalmente por ser pobre e negro, numa época marcada por várias formas de preconceito. Ao contrário de Machado de Assis, que alcançou a notoriedade ainda em vida, Lima Barreto sofreu muito com o preconceito racial, com o alcoolismo e com as freqüentes crises depressivas.

Lima Barreto, sentindo as dores do preconceito e da pobreza, mostrou grande identificação com as pessoas marginalizadas da sociedade da época, com as quais sempre conviveu. Sua obra é uma literatura sobre o povo e para o povo, seus textos apresentam uma linguagem simples e direta, assemelhando-se à linguagem jornalística, panfletária. O que lhe causou muitas críticas.

O renomado autor soube como nenhum outro pré-modernista retratar com muito realismo a vida dos subúrbios cariocas e as desigualdades sociais do Rio de janeiro do início do século XX, uma época de grande desenvolvimento e transformações. Entre seus livros mais conhecidos, destacamos Triste Fim de Policarpo Quaresma. Nesse romance narrado em terceira pessoa, através de uma forte carga humorística, Lima Barreto conta a história do Major Policarpo Quaresma. O livro é uma caricatura da vida política brasileira no período posterior à proclamação da República.

Policarpo Quaresma é um fanático, uma espécie de Dom Quixote brasileiro. Um nacionalista convicto, Quaresma tenta evitar a todo custo a influência da cultura européia na cultura brasileira. Entre suas várias tentativas de preservar a cultura nacional o major chega a escrever uma carta ao Congresso Nacional. Veja com que objetivo:

“Policarpo Quaresma, cidadão brasileiro, funcionário público, certo de que a língua portuguesa é emprestada ao Brasil; certo também de que, por este fato, o falar e o escrever em geral, sobretudo no campo das letras, se vêem na humilhante contingência de sofrer continuamente censuras ásperas dos proprietários da língua; sabendo, além, que, dentro de nosso país, os escritores, com especialidade os gramáticos, não se entendem no tocante à correção gramatical, vendo-se, diariamente, surgir azedas polêmicas entre os mais profundos estudiosos do nosso idioma, usando o direito que lhe confere a Constituição, vem pedir que o Congresso Nacional decrete o tupi- guarani como língua oficial e nacional do povo brasileiro”.

Depois de muita confusão Quaresma é internado como louco. Ao sair do hospício seu nacionalismo parece ter diminuído um pouco, mas se lança em outra batalha, desejava reformar a agricultura do país.

Além da descrição política do país no início da República, a obra traça um rico painel social e urbano dos subúrbios cariocas na virada do século. Aposentados, profissionais liberais, moças casadoiras, carreiristas, donas de casa, o mulato ___ esse é o universo retratado por Lima Barreto em Triste Fim de Policarpo Quaresma. Destacam-se nesse conjunto, as personagens Ismênia, que, tendo sido educada para a o casamento, enlouquece quando abandonada pelo noivo; Olga, sobrinha de Policarpo, que difere da maioria das mulheres por ser mais independente; e o violonista e cantor de modinhas Ricardo Coração-dos-Outros, amigo de Policarpo.

MONTEIRO LOBATO (1882-1948)

Monteiro Lobato foi uma figura muito polêmica, ao contrário da impressão que a maioria das pessoas tem a seu respeito. Hoje, falar em Lobato é lembrar do escritor de livros infantis e criador do Sítio do Pica-pau Amarelo, mas sua produção não se limita a esse gênero. Monteiro Lobato foi um escritor que retratou como ninguém o atraso das regiões interioranas de São Paulo. Ele foi o criador de um dos símbolos do atraso e da ignorância do caipira, o personagem Jeca Tatu.

Lobato tinha um gênio muito forte, desde criança mostrou-se rebelde. Foi um dos primeiros a dizer que havia petróleo em terras brasileiras, chegando a ser preso por isso, durante o período da ditadura militar. Seu jeito explosivo foi responsável por um dos motivadores do movimento modernista. Monteiro Lobato, num artigo intitulado “Paranóia ou mistificação?”, faz duras críticas ao trabalho modernista da pintora Anita Malfatti.

Leia uma trecho do artigo: “Há duas espécies de artistas. Uma composta dos que

vêem normalmente as coisas e em conseqüência fazem arte pura, guardados os eternos ritmos da vida, e adotados, para a concretização das emoções estéticas, os processos clássicos dos grandes mestres (...)

A outra espécie é formada dos que vêem anormalmente a natureza e a interpretam à luz de teorias efêmeras, sob a sugestão estrábica excessiva. São produtos do cansaço e do sadismo de todos os períodos de decadência; são frutos de fim de estação, bichados ao nascedoiro (...) Embora eles se dêem como novos precursores duma arte a vir, nada é mais velho do que a arte anormal ou teratológica: nasceu com a paranóia e com a mistificação (...) Sejamos sinceros; futurismo, cubismo, impressionismo e tutti quanti não passam de outros tantos ramos da arte caricatural (...)”

PROSA DE FICÇÃO – MONTEIRO LOBATO Em Urupês(1918), predomina a preocupação de

desenlaces deprimentes e chocantes: Lobato quis mesmo intitulá-lo Dez histórias trágicas. Já em Cidades mortas (1919), o desejo de reproduzir cenas e tipos de vistos nos vilarejos decadentes do Vale do Paraíba força a nota da sátira local, emergindo caricaturas que têm lá a sua comicidade. Por fim Negrinha, que toma o título do conto inicial, é uma livro heterogêneo onde reponta com maior insistência o documento social acompanhado do costumeiro sentimento polêmico e da costumeira vontade de doutrinar e reformar. (O Pré-Modernismo. SãoPaulo: Cultrix, 1973.p.68-69)

GRAÇA ARANHA(1868-1931) Graça Aranha é o autor de Canaã, que

juntamente com Os Sertões, dá início ao Pré-Modernismo brasileiro. Nessa obra Graça Aranha narra o processo de colonização alemã no Espírito Santo.

Canaã é um romance de tese que focaliza o confronto de idéias entre Milkau e Lentz, dois imigrantes alemães no estado capixaba. Milkau defende a integração harmoniosa entre as raças e dá inúmeras demonstrações de amor ao Brasil. Lentz ao contrário, defende a supremacia da raça ariana sobre o mestiço, visto como fraco e indolente.

Como sabemos, essa discussão étnica tomou proporções assustadoras nas décadas de 1930 e 1940, quando a Alemanha nazista, com suas teorias da supremacia da raça ariana, provocou a Segunda Grande Guerra.

Graça Aranha, com Canaã, foi um dos primeiros a tratar desse tema na literatura, assumindo nitidamente a postura humanista de Milkau, em defesa da miscigenação racial, do amor entre os seres humanos e da construção de uma Canaã.

AUGUSTO DOS ANJOS (1884-1914)

Augusto dos Anjos, como já foi visto, apresenta uma classificação problemática. Ele era conhecido como o autor do pessimismo, do mau gosto, do escarro e dos vermes.

Como o poeta, produziu textos de grande originalidade. Considerado por alguns como poeta simbolista, Augusto dos Anjos é na verdade representante de uma experiência única na literatura universal: a união do Simbolismo com o cientificismo naturalista. Por isso, dado o caráter sincrético de sua poesia, convém situá-lo entre os pré-modernistas.

A poesia de Augusto dos Anjos é caracterizada pela união de duasconcepções de mundo bem distintas: de uma lado, a objetividade do átomo; de outro, a dor cósmica, que busca descobrir o sentido da existência humana. 

Psicologia de um vencido

Eu, filho do carbono e do amoníaco,Monstro de escuridão e rutilância,

Sofro, desde a epigênese da infância,A influência má dos signos do zodíaco.

Profundissimamente hipocondríaco,Este ambiente me causa repugnância...

Sobe-me à boca uma ânsia análoga à ânsiaQue se escapa da boca de um cardíaco.

Já o verme – este operário das ruínas –Que o sangue podre das carnificinas

Come e à vida em geral declara guerra,

Anda a espreitar meus olhos para roê-los,E há de deixar-me apenas os cabelos,

Na frialdade inorgânica da terra!

AS VANGUARDAS EUROPÉIAS Ao se iniciarem os anos de 1900, a Europa enfrentava

a herança do final do século XIX, caracterizada basicamente por duas situações opostas, mas complementares: a grande euforia gerada pelos avanços técnicos - científicos e o pessimismo ocasionado pelas conseqüências desse avanço no processo burguês-industrial.

Tal antagonismo origina um clima propício para a efervescência artística. Preocupadas em dar uma nova interpretação para a realidade, surgem então, várias tendências artísticas de vanguarda.

FUTURISMOO primeiro manifesto futurista foi assinado

por Filippo Tommaso Marinetti e publicado em 1909. Apresentava como pontos fundamentais a exaltação da vida moderna, da máquina, da eletricidade, do automóvel, da velocidade e uma inevitável ruptura com os modelos do passado.

A estética da destruição (Trechos do Manifesto Futurista)

- Nós queremos cantar o amor ao perigo, o hábito à energia e à temeridade.

- Os elementos essências de nossa poesia serão a coragem, a audácia e a revolta.

- Tendo a literatura até aqui enaltecido a imobilidade pensativa, o êxtase e o sono, nós queremos exaltar o movimento agressivo, a insônia febril, o passo ginástico, o salto perigoso, a bofetada e o soco.

- Nós queremos glorificar a guerra – única higiene do mundo - , o militarismo, o patriotismo, o gesto destruidor dos anarquistas, as belas idéias de quem matam, e o menosprezo à mulher.

Umberto Boccioni, Carga de lanceiros, 1914-1915. Têmpera e colagem sobre papelão, 32x50 cm.

EXPRESSIONISMO O movimento expressionista surgiu em 1910, na

Alemanha, trazendo uma forte influência da arte do final do século XIX, preocupada com as manifestações do mundo interior e com a forma de expressá-las. Daí a importância da expressão, ou seja, da materialização, numa tela ou numa folha de papel, de imagens nascidas em nosso mundo interior, pouco importando os conceitos então vigentes de belo e feio.

Edvard Munch, O grito, 1893. Óleo, têmpera e pastel em cartão, 91 x 73,5 cm.

Psicologia de um vencido

Eu, filho do carbono e do amoníaco,Monstro de escuridão e rutilância,Sofro, desde a epigênesis da infância,A influência má dos signos do zodíaco.Profundissimamente hipocondríaco,Este ambiente me causa repugnância…Sobe-me à boca uma ânsia análoga à ânsiaQue se escapa da boca de um cardíaco.Já o verme – este operário das ruínas -Que o sangue podre das carnificinasCome, e à vida em geral declara guerra,Anda a espreitar meus olhos para roê-los,E há de deixar-me apenas os cabelos,Na frialdade inorgânica da terra!

(ANJOS, Augusto dos. Toda a poesia de Augusto dos Anjos. 2. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1978)

CUBISMONascido a partir das experiências artísticas

de Pablo Picasso e de Georges Braque, por volta de 1907, o Cubismo desenvolveu-se inicialmente na pintura, valorizando as formas geométricas (cones, esferas, cilindros, etc.) e revelando um objeto em seus múltiplos ângulos.

Pablo Picasso, As senhoras de Avignon, 1907. Óleo sobre tela, 243,9 x 233,7 cm.

hípica Saltos recordsCavalos da PenhaCorrem jóqueis de Higienópolis Os magnatasAs meninasE a orquestra tocaCháNa sala de cocktails. 

(ANDRADE, Oswald de. Poesias reunidas. Obras completas. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1974. v. 7, p. 129).

 

DADAÍSMO Em 1916, durante a Primeira Guerra Mundial, o

romeno Tristan Tzara espanta o mundo com mais uma vanguarda: o Dadaísmo, ou Dadá, a mais radical de todas as vanguardas.

Negando o passado, o presente e o futuro, o Dadaísmo é a total falta de perspectiva diante da guerra; daí ser contra as teorias, as ordenações lógicas, pouco se importando com o leitor. Necessário era criar palavras pela sonoridade, quebrando as barreiras do significado. Importante era o grito, o urro contra o capitalismo burguês e o mundo em guerra.

Raoul Hausmann, Tatlin em casa, 1920. Óleo e têmpera, 91 x 73 cm.

Pegue um jornal.Pegue a tesoura.Escolha no jornal um artigo do tamanho que você deseja dar a seu

poema.Recorte o artigo.Recorte em seguida com atenção algumas palavras que formam

esse artigo e meta-as num saco.Agite suavemente.Tire em seguida cada pedaço um após o outro.Copie conscienciosamente na ordem em que elas são tiradas do

saco.O poema se parecerá com você.E ei-lo um escritor infinitamente original e de uma sensibilidade

graciosa, ainda que incompreendido do público.  (TZARA, Tristan. In: TELES, Gilberto de Mendonça. Vanguarda

européia e modernismo brasileiro. 9 ed. Petropólis: Vozes, 1986. p.132 – fragmento)

SURREALISMO O Manifesto Surrealista foi lançado em Paris, em 1924,

por André Breton (1896-1970). Trata-se de um movimento de vanguarda iniciado no período entre guerras, ou seja, foi criado sobre as cinzas da Primeira Guerra Mundial e sobre a experiência acumulada de todos os outros movimentos. Entretanto suas origens estão mais próximas do Expressionismo e da sondagem do mundo interior, em busca do homem primitivo, da liberação do inconsciente, da valorização do sonho.

René Magritte, A condição humana, 1933. Óleo sobre tela, 100 x 81 cm.

O mar soprava sinosos sinos secavam as floresas flores eram cabeças de santosMinha memória cheia de palavrasmeus pensamentos procurando fantasmas “meus pesadelos atrasados de muitas noites

De madrugada, meus pensamentos soltos “voaram como telegramase nas janelas acesas toda a noiteo retrato da mortafez esforços desesperados para fugir.

  (MELO NETO, João Cabral de. João Cabral de Melo Neto –

Obra completa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1995).

A HERANÇA BRASILEIRA DAS VANGUARDAS

Conforme Maria Luiza Abaurre, a principal herança das vanguardas européias para a literatura brasileira, além da influência localizada que algumas delas exerceram sobre certos poetas e escritores, é o impulso de destruir os modelos arcaicos, desafiar o gosto estabelecido e propor um olhar inovador para o mundo. Ruptura e transformação: dois termos que definem bem o espírito da primeira geração modernista.

O MODERNISMO EM PORTUGAL (CONTEXTO HISTÓRICO – CULTURAL)

As primeiras manifestações modernistas começaram a surgir no período compreendido entre as duas guerras mundiais, período marcado por profundas transformações político-sociais em toda a Europa, não só em Portugal.

Didaticamente, o Modernismo português tem início em 1915, com o lançamento do primeiro número da Revista Orpheu, que inspirada pelos movimentos da Vanguarda Européia, desejava romper com o convencionalismo, com as idealizações românticas, chocando a sociedade da época.

Vários artistas participaram da elaboração da revista, entre eles destacaram-se: Fernando Pessoa, Mário de Sá-Carneiro e Almada Negreiros. Os escritores do Orfismo, como ficaram conhecidos, queriam imprimir à literatura portuguesa as inovações europeias.

Anos depois, em 1927, outra importante revista passa a ser divulgadora dos novos ideais modernistas – A Revista Presença, que teve como maior representante, o escritor José Régio.

Fernando Pessoa é a grande figura da produção modernista em Portugal. Pessoa criou vários heterônimos que apresentavam características particulares e que por isso escreviam textos bem diversos. Mas o que é um heterônimo? É um desdobramento da própria personalidade do autor, é a criação de outras pessoas. Heterônimo é diferente de pseudônimo, pois atinge uma maior complexidade, o pseudônimo é apenas a criação de nomes fictícios para uma mesma pessoa, heterônimo é mais que um nome diferente, é uma outra pessoa.

HETERÔNIMOS

Alberto Caeiro

Ricardo Reis

Álvaro de Campos

Existem outros heterônimos menos conhecidos. Como disse o próprio escritor, várias foram as personagens que o acompanharam desde a infância. Segundo ele sua tendência, sua necessidade era multiplicar-se:

“Multipliquei-me, para me sentir,Para me sentir, precisei sentir tudo,

Transbordei-me, não fiz senão extravasar-me”. Os heterônimos de Pessoa apresentavam uma biografia,

ou seja, tinham data e local de nascimento, profissão e diferentes visões de mundo.

ALBERTO CAEIRO Nasceu em 1989 e morreu

tuberculoso em 1915, era um homem simples do campo. Sua estatura era mediana, loiro, de olhos azuis, órfão e estudou pouco, até o primeiro ano.

Seus textos são marcados pela ingenuidade e pela linguagem simples, seus versos são livres e falam do amor à natureza e à simplicidade da vida no campo. Recusa qualquer explicação filosófica sobre a vida. Caeiro pensa com os sentidos, não com a razão, para ele a felicidade reside em não pensar.

O Guardador de Rebanhos “Sou um guardador de rebanhos.

O rebanho é os meus pensamentosE os meus pensamentos são todos sensações.

Penso com os olhos e com os ouvidosE com as mãos e os pésE com o nariz e a boca.

Pensar uma flor é vê-la e cheirá-la E comer um fruto é saber-lhe o sentido.

Por isso quando num dia de calorMe sinto triste de gozá-lo tanto.E me deito ao comprido na erva,

E fecho os olhos quentes,Sinto todo o meu corpo deitado na realidade,

Sei a verdade e sou feliz”.

RICARDO REIS - Nasceu em 1887, na cidade do Porto e

era médico. Era baixo, forte, moreno e um monarquista de formação. Seus textos caracterizam-se pelo estilo erudito e clássico. Enquanto Alberto Caeiro era sinônimo de sensibilidade, Ricardo Reis é extremamente racional. Sua linguagem é rebuscada e complexa. Usa com muita freqüência a mitologia clássica, principalmente a máximas horacianas do Carpe Diem (“aproveite o momento”).

Ode VI  

“Vem sentar-te comigo, Lídia, à beira do rio. Sossegadamente, fitemos o seu curso e aprendamos Que a vida passa, e não estamos de mãos enlaçadas.

(Enlacemos as mãos.) Depois pensemos, crianças adultas, que a vida

Passa e não fica, nada deixa e nunca regressa,Vai para um mar muito longe, para ao pé do Fado,

Mais longe que os deuses. Desenlacemos as mãos, porque não vale a pena cansarmo-

nos.Quer gozemos, quer não gozemos, passamos como o rio.

Mais vale saber passar silenciosamenteE sem desassossegos grandes (...)”

ÁLVARO DE CAMPOS - Nasceu em outubro de 1890. Era

engenheiro naval, alto, magro, cabelos lisos e assemelhava-se a um judeu português. Álvaro de Campos era o poeta do futuro, da velocidade, das máquinas, do tempo presente, identificado com a Vanguarda Européia. Seus textos são contraditórios: ora marcados por uma grande energia, ora revelando a crise dos valores espirituais e a angústia do homem de seu tempo, inadaptado às condutas sociais Enquanto Alberto Caeiro pensava com os sentidos e Ricardo Reis com a razão, Álvaro de Campos, pensava com a emoção.

Lisbon revisited  

“Não: não quero nada. Já disse que não quero nada.

Não me venham com conclusões! A única conclusão é morrer.

Não me tragam estéticas! Não me falem em moral! Tirem-me daqui a metafísica!

Não me apregoem sistemas completos, não me enfileirem conquistas

Das ciências (das ciências, Deus meu, das ciências!) –Das ciências, das artes, da civilização moderna!

Que mal fiz eu aos deuses todos?Se têm a verdade, guardem-na!

Sou um técnico, mas tenho técnica só dentro da técnica.

Fora disso sou doido, com todo o direito a sê-lo. Com todo direito a sê-lo, ouviram?

Não me macem, por amor de Deus! (...)”

FERNANDO PESSOA – ORTÔNIMO

Fernando Pessoa foi um dos escritores mais complexos da literatura portuguesa. Começou a se destacar como escritor a partir de seus inúmeros artigos publicados sobre as novas tendências modernistas em Portugal. Mas foi graças à criação de seus heterônimos que ganhou notoriedade mundial.

A produção ortônima de Fernando Pessoa apresenta características bem diferentes das encontradas em seus heterônimos. Fernando Pessoa “ele-mesmo” expressa um profundo sentimento nacionalista e um apego à tradição portuguesa. Sua produção literária é comumente dividida em: lírica e épica. O livro Mensagem é um exemplo da sua obra épica. Nele Fernando Pessoa, numa clara aproximação com Camões, vai abordar os grandes feitos dos portugueses da época das grandes navegações.

Veja um exemplo de sua obra lírica, através de um de seus poemas mais conhecidos:

Autopsicografia

O poeta é um fingidor.Finge tão completamente

Que chega a fingir que é dorA dor que deveras sente.

E os que lêem o que escreve,Na lida sentem bem,

Não as duas que ele teve,Mas só a que eles não têm.

E assim nas calhas de rodaGira, a entreter a razão,Esse comboio de corda

Que se chama o coração.

MODERNISMO NO BRASILPRIMEIRA GERAÇÃO

Tarsila do Amaral, Cartão do Postal, 1929, óleo sobre tela.

No começo dos anos 1920, o exército brasileiro vivia uma situação desanimadora: o treinamento era insatisfatório, os armamentos eram antigos, os soldos eram baixos. Os tenentes estavam entre os mais insatisfeitos. Foi em meio a essa situação que ocorreram várias revoltas militares, conhecidas como movimentos tenentistas.

Em julho de 1924, um grupo de tenentes, reivindicando maior representatividade política, voto secreto e justiça, deu início a uma revolta em São Paulo. Um mês depois, diante do avanço das tropas governistas, os revoltosos retiraram-se em direção ao interior.

Em outubro do mesmo ano, tropas no Rio Grande do Sul iniciaram outro levante comandado pelo capitão Luís Carlos Prestes e encontraram-se com os rebeldes paulistas, que naquele momento estavam combatendo em Foz do Iguaçu, no Paraná. Estava formada a Coluna Prestes que não conseguiu derrubar o governo, mas mostrou a crise política e o desejo dos oficiais de terem uma atuação política mais decisiva.

Na economia, o mundo encaminhava-se para o colapso, concretizado com a queda da Bolsa de Nova York, em 1929. O Brasil, que dependia em grande parte das exportações de café, sofreu um duro golpe e teve de enfrentar um período de grande instabilidade econômica.

O agravamento da crise econômica contribuiu para tornar mais tenso o clima político, que atingiu o seu auge nas eleições de 1930, quando o presidente Washington Luís rompeu com a política do “café-com-leite”.

A insatisfação com o controle paulista do poder uniu líderes políticos e militares de diferentes estados brasileiros. Formou-se então a Aliança Liberal. Getúlio Vargas concorreu com Julio Prestes, que venceu as eleições sob acusações de fraude. Como o caminho das urnas não dera certo, gaúchos e nordestinos organizaram uma marcha em direção à capital federal. Quando lá chegaram, depuseram o Presidente Washington Luís. Terminava assim a chamada República Velha, controlada pelos grandes proprietários rurais.

Getúlio Vargas tomou posse “provisória” em 3 de novembro de 1930. Começava a era Vargas, que se estenderia até 1945.

CONTEXTO LITERÁRIO A Semana de Arte Moderna (1922) é considerada o

marco inicial do Modernismo brasileiro. Contudo, ela não foi o começo das mudanças, mas o ponto culminante de um processo que se iniciara duas décadas antes, com as tentativas de renovação dos pré-modernistas, passando por vários eventos importantes, como publicações de livros exposições de pintura, críticas, conferências, etc.

Entre esses eventos, o que ganhou mais repercussão foi a exposição da pintora Anita Malfatti, em 1917, e a crítica contundente que Monteiro Lobato – escritor e crítico do jornal O Estado de S. Paulo – fez de sua obra. Com o artigo, intitulado “Paranóia ou Mistificação”, Lobato insinuava que a pintora, influenciada pelo expressionismo europeu, fosse paranóica ou estivesse mistificando artistas como Picasso – na opinião de Lobato, um pintor sem nenhum valor. Se por um lado a critica de Lobato acarretou consequências negativas para a vida artística e pessoal de Anita Malfatti, por outro lado ela provocou reações dos modernistas, que se uniram em torno das ideias de renovação, o que resultou, cinco anos depois, na Semana de Arte Moderna.

A estudante (1915-1916), de Anita Malfatti. Acervo do Museu de Arte de São Paulo

A SEMANA DE ARTE MODERNA

A semana ocorreu entre 13 e 18 de fevereiro de 1922, no Teatro Municipal de São Paulo, com participação de artistas de São Paulo e do Rio de Janeiro. O evento contou com a apresentação de conferências, leitura de poemas, dança e música. A mais agitada das noites foi a segunda, na qual houve conferência sobre poesia e declamação de poemas. Quando foi lido, por exemplo, o poema “Os Sapos”, de Manuel Bandeira, a platéia teve uma reação surpreendente, ora vaiando ora aplaudindo.

Na época, a Semana não teve grande repercussão na imprensa. Apesar disso, ela foi aos poucos ganhando importância histórica. Primeiramente porque representou a confluência das várias tendências de renovação que vinham ocorrendo na arte e na cultura brasileira antes de 1922 e cujo objetivo era combater a arte tradicional. Em segundo lugar porque conseguiu chamar atenção dos meios artísticos de todo o país e, ao mesmo tempo, aproximar, os artistas com ideias modernistas que até então se encontravam dispersos.

Os reflexos da Semana perduraram durante toda a década de 1920, atravessaram a década de 1930 e, de alguma forma, estão relacionados com a arte que se faz hoje.

Os Sapos Enfunando os papos,

Saem da penumbra, Aos pulos, os sapos. A luz os deslumbra.

Em ronco que aterra, Berra o sapo-boi: - "Meu pai foi à guerra!" - "Não foi!" - "Foi!" - "Não foi!".

O sapo-tanoeiro, Parnasiano aguado, Diz: - "Meu cancioneiroÉ bem martelado.

Vede como primo Em comer os hiatos! Que arte! E nunca rimo Os termos cognatos.

O meu verso é bom Frumento sem joio. Faço rimas com Consoantes de apoio.

Vai por cinqüenta anos Que lhes dei a norma: Reduzi sem danos A fôrmas a forma.

Clame a saparia Em críticas céticas:Não há mais poesia, Mas há artes poéticas..."

Urra o sapo-boi: - "Meu pai foi rei!"- "Foi!" - "Não foi!" - "Foi!" - "Não foi!".

Brada em um assomo O sapo-tanoeiro: - A grande arte é como Lavor de joalheiro.

Ou bem de estatuário. Tudo quanto é belo, Tudo quanto é vário, Canta no martelo".

Outros, sapos-pipas (Um mal em si cabe), Falam pelas tripas, - "Sei!" - "Não sabe!" - "Sabe!".

Longe dessa grita, Lá onde mais densa A noite infinita Veste a sombra imensa;

Lá, fugido ao mundo, Sem glória, sem fé, No perau profundo E solitário, é

Que soluças tu, Transido de frio, Sapo-cururu Da beira do rio..

A PRIMEIRA FASE DO MODERNISMO

O movimento modernista no Brasil contou com duas fases: a primeira foi de 1922 a 1930 e a segunda, de 1930 a 1945. A primeira fase caracterizou-se pelas tentativas de solidificação do movimento renovador e pela divulgação de obras e ideias modernistas.

Apesar da diversidade de correntes e ideias, pode-se dizer que, de modo geral, os escritores de maior destaque dessa fase defendiam estas propostas: reconstrução da cultura brasileira sobre bases nacionais; promoção de uma revisão crítica do nosso passado histórico e de nossas tradições culturais, eliminação definitiva do nosso complexo de colonizados, apegados a valores estrangeiros. Portanto, todas elas estão relacionadas com a visão nacionalista, porém crítica, da realidade brasileira.

Mário de Andrade, na conferência que fez em 1942 sobre a Semana de Arte Moderna, assim se referiu a esse período: “E vivemos uns oito anos, até perto de 1930 na maior orgia intelectual que a história artística do país registra”.

Várias obras, grupos, movimentos, revistas e manifestos ganharam o cenário intelectual brasileiro, numa investigação profunda e por vezes radical de novos conteúdos e de novas formas de expressão. Vejamos alguns manifestos e revistas de destaque:

REVISTA KLAXON

Capa da Klaxon de agosto de 1922

Recebe este nome do termo usado para designar a buzina externa dos automóveis. Primeiro periódico modernista, é consequência das agitações em torno da Semana de Arte Moderna. Inovadora em todos os sentidos: gráfico, existência de publicidade, oposição entre o velho e o novo.

 

MANIFESTO DA POESIA PAU-BRASIL

Escrito por Oswald e publicado inicialmente no Correio da Manhã. Em 1925, é republicado como abertura do livro de poesias Pau-Brasil, de Oswald. Apresenta uma proposta de literatura vinculada à realidade brasileira, a partir de uma redescoberta do Brasil. Defendia a criaçao de poesia primitivista, contruída com base na revisão crítica de nosso passado histórico e cultural e na aceitação e valorização das riquezas e contrastes da realidade e da cultura brasileiras.

MANIFESTO REGIONALISTA 1925 e 1930 é um período marcado pela difusão do

Modernismo pelos estados brasileiros. Nesse sentido, o Centro Regionalista do Nordeste (Recife) busca desenvolver o sentimento de unidade do Nordeste nos novos moldes modernistas. Propõe trabalhar em favor dos interesses da região, além de promover conferências, exposições de arte, congressos etc. Para tanto, edita-se uma revista. Vale ressaltar que o regionalismo nordestino conta com Graciliano Ramos, José Lins do Rego, José Américo de Almeida, Rachel de Queiroz, Jorge Amado e João Cabral, na 2ª fase modernista em 1926.

ANTROPOFAGIA

Tarsila do Amaral, Abaporu, 1928 óleo sobre tela

REVISTA DE ANTROPOGAFIA É a nova etapa do Pau-Brasil, sendo resposta a Escola da

Anta. Seu nome origina-se da tela Abaporu (O que come) de Tarsila do Amaral.

O Antropofagismo foi caracterizado pela assimilação (“deglutição”) crítica das vanguardas e culturas europeias, com o fim de recriá-las, tendo em vista o redescobrimento do Brasil em sua autenticidade primitiva. Contou com duas fases, sendo a primeira com dez números (1928 – 1929), sob direção de Antônio Alcântara Machado e gerência de Raul Bopp, e a segunda publicada semanalmente em 16 números no jornal Diário de São Paulo em 1929, tendo como secretário Geraldo Ferraz.

VERDE-AMARELISMO E ANTA Grupos formado por Plínio Salgado, Menotti del

Picchia, Guilherme de Almeida e Cassiano Ricardo em resposta ao nacionalismo do Pau-Brasil, criticando-se o “nacionalismo afrancesado”, de Oswald. Sua proposta era de um nacionalismo primitivista, ufanista, identificado com o fascismo, evoluindo para o Integralismo. Idolatria do tupi e a anta é eleita símbolo nacional. Em maio de 1929, o grupo verde-amarelista publica o manifesto "Nhengaçu Verde-Amarelo — Manifesto do Verde-Amarelismo ou da Escola da Anta".

A primeira geração do Modernismo contou com muitos escritores. Entre eles, destacam-se Oswald de Andrade, Mário de Andrade, Manuel Bandeira, Alcântara Machado, Menotti del Picchia, Raul Bopp, Ronald de Carvalho e Guilherme de Almeida.

OSWALD DE ANDRADE

A obra de Oswald de Andrade reúne todas as características que marcaram a produção literária do período. Escreveu poesia, romance, teatro, crítica e, em todos os gêneros, deixou registrada a sua vocação para transgredir, para quebrar as expectativas e criar polêmica.

Publicou, dentre outras obras, Os condenados (1922), Memórias sentimentais de João Miramar (1924), Pau-Brasil (1925), Primeiro caderno do aluno de poesia Oswald de Andrade (1927), Serafim Ponte Grande (1933), A morta (1937), O rei da vela (1937), e Marco zero (1943-1946)

A POESIA Em seus poemas, Oswald de Andrade afirma uma imagem de

Brasil marcada pelo humor, pela ironia e também por uma crítica profunda e um imenso amor ao país, como atesta o lirismo de muitos de seus versos.

Seu conceito de nacionalismo era diferente daquele pregado pelos românticos e meso por certos grupos modernistas, como o Verde-Amarelismo e o Anta. Sem ser ingênuo e ufanista, Oswald defendia a valorização de nossas origens, de nosso passado histórico e cultural, mas de forma crítica, isto é, recuperando, parodiando, ironizando e atualizando a nossa história de colonização

Uma visão crítica da história do Brasil se manifesta na releitura de textos e eventos do período colonial do Brasil. Percebe-se na poesia de Oswald certa habilidade para desencadear efeitos de sentido com uma linguagem simples e ágil. Essa característica também será um aspecto definidor da sua prosa.

A descoberta

Seguimos nosso caminho por este mar de longoAté a oitava da PáscoaTopamos avesE houvemos vista de terraos selvagensMostraram-lhes uma galinhaQuase haviam medo delaE não queriam por a mãoE depois a tomaram como espantadosprimeiro cháDepois de dançaremDiogo DiasFez o salto realas meninas da gareEram três ou quatro moças bem moças e bem gentisCom cabelos mui pretos pelas espáduasE suas vergonhas tão altas e tão saradinhasQue de nós as muito bem olharmosNão tínhamos nenhuma vergonha.

A PROSA Os dois romances escritos por Oswald de Andrade,

Memórias sentimentais de João Miramar e Serafim Ponte Grande, trouxeram para a literatura brasileira uma estrutura inovadora. Os capítulos curtos formam um imenso mosaico em que a realidade nacional é flagrada em rápidos flashes, em técnica semelhante à poesia.

Memórias sentimentais de João Miramar conta a história de João Miramar, escritor, intelectual provinciano e filho de ricos cafeicultores. Considerado um livro de vanguarda, mantém o humor como lente pela qual a sociedade brasileira é examinada de modo impiedoso. A estrutura do romance, composto de 163 fragmentos, usa elementos da linguagem cinematográfica. Escrita com grande economia de linguagem, a obra é marca registrada da prosa do autor.

Já Serafim Ponte Grande radicaliza a abordagem feita em Memórias sentimentais de João Miramar. O enredo se constrói pelo incessante deslocamento geográfico da personagem principal, que embarca em um navio cujos tripulantes fundariam a sociedade ideal, em permanente estado de transformação. A história desafia o leitor: são 203 fragmentos organizados sem lógica aparente. Personagens aparecem e desaparecem repentinamente, o estilo flutua entre narração em primeira e terceira pessoas, cartas, diários íntimos, fragmentos apresentados sob forma de texto teatral, poemas, abaixo-assinados, etc.

É considerado um romance revolucionário e seu significado não se limita ao enredo, nasce principalmente da organização dada à obra pelo mais inquieto de todos os modernistas da primeira geração.

MÁRIO DE ANDRADE

Com apenas 20 anos e com o pseudônimo de Mário Sobra, publicou seu primeiro livro, Há uma gota de sangue em cada poema, no qual fazia críticas à carnificina produzida pela Primeira Guerra Mundial e defendia a paz. As inovações formais da obra desagradaram aos críticos de orientação parnasiana.

O autor teve um papel decisivo na implantação do modernismo no Brasil. Soube dar a substância teórica de que necessitava o movimento em algumas ocasiões decisivas: em 1922, meses após a Semana, publicou o seu “Prefácio interessantíssimo”, texto teórico que abre Paulicéia desvairada, sua primeira obra de poemas verdadeiramente modernista. Em 1925, quando se articulavam revistas e movimentos por todo o país, Mário lançou o ensaio A escrava que não é Isaura, no qual retomava e aprofundava suas considerações iniciais sobre arte moderna.

Entre 1924 e 1927, Mário de Andrade empreendeu uma pesquisa profunda sobre a cultura brasileira – o folclore, as lendas, os ritmos, a dança, os costumes, as variações linguísticas –cujos resultados contribuíram para a produção de obras decisivas em sua carreira, como Macunaíma (1928)

Da década de 1930 até 1945, Mário cultivou uma poesia que toma duas direções: a poesia intimista e introspectiva e a poesia social, de denúncia da realidade brasileira.

Aceitarás o amor como eu o encaro ?...

Aceitarás o amor como eu o encaro ?......Azul bem leve, um nimbo, suavementeGuarda-te a imagem, como um anteparoContra estes móveis de banal presente.

Tudo o que há de melhor e de mais raroVive em teu corpo nu de adolescente,A perna assim jogada e o braço, o claroOlhar preso no meu, perdidamente.

Não exijas mais nada. Não desejoTambém mais nada, só te olhar, enquantoA realidade é simples, e isto apenas.

Que grandeza... a evasão total do pejoQue nasce das imperfeições. O encantoQue nasce das adorações serenas. 

Na prosa, Mário escreveu contos publicados em Primeiro Andar (1926) e Contos novos (1946), crônicas reunidas em Os filhos da Candinha (1945), o romance Amar, verbo intransitivo (1927) e a rapsódia Macunaíma (1928). Em quase todas essas obras se destaca a preocupação coma descoberta e a exploração de novas técnicas narrativas e, ao mesmo tempo, com a sondagem do universo social e psicológico do ser humano das grandes cidades.

MACUNAÍMA: A REDEFINIÇÃO DO HERÓI NACIONAL

Publicado em 1928, Macunaíma, o herói sem nenhum caráter, é uma das obras pilares da cultura brasileira.  

Numa narrativa fantástica e picaresca, ou, melhor dizendo, “malandra”, herdeira direta das Memórias de um Sargento de Milícias (1852), de Manuel Antônio de Almeida, Mário de Andrade reelabora literariamente temas de mitologia indígena e visões folclóricas da Amazônia e do resto do país, fundando uma nova linguagem literária, saborosamente brasileira. 

Macunaíma - bem como Memórias Sentimentais de João Miramar (1924) e Serafim Ponte Grande (1933), de Oswald de Andrade - foram obras revolucionárias na medida em que desafiaram o sistema cultural vigente, propondo, através de uma nova organização da linguagem literária, o lançamento de outras informações culturais, diferentes em tudo das posições mantidas por uma sociedade dominada até então pelo reacionarismo e o atraso cultural generalizado.  

Nacionalista crítico, sem xenofobia, Macunaíma é a obra que melhor concretiza as propostas do movimento da Antropofagia (1928), criado por Oswald de Andrade, que   buscava uma relação de igualdade real da cultura brasileira com as demais. Não a rejeição pura e simples do que vem de fora, mas consumir aquilo que há de bom na arte estrangeira. Não evitá-la, mas, como um antropófago, comer o que mereça ser comido.  

O tom bem humorado e a inventividade narrativa e linguística fazem de Macunaíma uma das obras modernistas brasileiras mais afinadas com a literatura de vanguarda no mundo, na sua época. Nesse romance encontram-se dadaísmo, futurismo, expressionismo e surrealismo aplicados a um vasto conhecimento das raízes da cultura brasileira.  

MANUEL BANDEIRA

Manuel Bandeira compõe, juntamente com Oswald e Mário de Andrade, a tríade maior da primeira fase modernista, responsável pela divulgação e pela solidificação do movimento em nosso país.

Entre as inúmeras contribuições deixadas pela poesia de Manuel Bandeira, duas se destacam: o seu papel decisivo na solidificação da poesia de orientação modernista, com todas as suas implicações (verso livre, língua coloquial, irreverência, liberdade criadora, etc.) e o alargamento da lírica nacional pela sua capacidade de extrair a poesia das coisas aparentemente banais do cotidiano.

Partindo de temas até então considerados “pequenos” para a criação da “grande poesia”, tais como a própria doença, o quarto, as ações mecânicas do cotidiano, o jornal, a cultura popular, etc., Bandeira cria uma poesia rica em construção e significação, apesar de sua aparência quase prosaica. A evocação do passado e a morte como libertação são duas importantes temáticas trabalhadas pelo autor.

Profundamente

Quando ontem adormeciNa noite de São JoãoHavia alegria e rumorVozes cantigas e risosAo pé das fogueiras acesas.No meio da noite desperteiNão ouvi mais vozes nem risosApenas balõesPassavam errantesSilenciosamenteApenas de vez em quandoO ruído de um bondeCortava o silêncioComo um túnel.Onde estavam os que há poucoDançavamCantavamE riamAo pé das fogueiras acesas?

— Estavam todos dormindoEstavam todos deitadosDormindoProfundamente.

Quando eu tinha seis anosNão pude ver o fim da festa de São JoãoPorque adormeci.

Hoje não ouço mais as vozes daquele tempoMinha avóMeu avôTotônio RodriguesTomásiaRosaOnde estão todos eles?— Estão todos dormindoEstão todos deitadosDormindoProfundamente.

MODERNISMO NO BRASIL SEGUNDA GERAÇÃO (PROSA)

Quando a literatura se volta para um retrato mais objetivo da realidade, quase sempre o romance é o gênero que ela privilegia. Nas décadas de 1930 e 1940, período em que o país e o mundo viveram profundas crises, não foi diferente. O romance brasileiro de então, encontrando no regionalismo uma de suas principais vertentes, ganha matizes ideológicos e se transforma num importante instrumento de análise e denúncia da realidade brasileira.

A Literatura Brasileira já apresentava uma tendência regionalista. Desde o Romantismo, a busca de traços particulares da realidade brasileira já estava presente em algumas obras, entretanto, neste período, a partir das conquistas da primeira fase modernista e das ideias socialistas, os autores dão um novo tom a esse regionalismo.

O livro A bagaceira(1928), de José Américo é considerado o primeiro romance regionalista do Modernismo. Mas seu valor deve-se mais à temática histórica da seca, dos retirantes e ao aspecto social do que aos aspectos literários.

Principais autores da prosa dessa segunda fase:

Rachel de Queiroz Graciliano Ramos Jorge Amado Érico Veríssimo José Lins do Rego

Quase todos esses autores voltaram-se basicamente para os temas do Nordeste, como a seca, o cangaço e o ciclo açucareiro. Com exceção de Érico Veríssimo que apresentou uma obra voltada para as relações do homem e a paisagem do Sul do Brasil.

RACHEL DE QUEIROZ(1910-2003) Rachel de Queiroz foi a primeira

mulher a se “eleger imortal” na Academia Brasileira de Letras. Suas obras regionalistas destacam-se pela reflexão sobre a figura feminina numa sociedade patriarcal.

Em seu livro O quinze, conta a história da luta de um povo contra a seca e a miséria, tema marcante da prosa modernista da segunda geração. A força da mulher nordestina também é tratada em toda sua obra. Entre as suas figuras femininas destacam-se: Conceição em O quinze e Maria Bonita em O Lampião.

GRACILIANO RAMOS (1892-1953)

Graciliano Ramos é considerado pela crítica literária o melhor ficcionista dessa segunda fase. Sua obra é marcada pela ausência de sentimentalismo e por um forte poder de síntese, refletida na linguagem direta e precisa. Entre seus livros destacam-se Memórias do Cárcere(1953) e São Bernardo(1934).

Memórias do Cárcere é uma narrativa autobiográfica que analisa as atrocidades cometidas pela Ditadura Vargas. Por suas ligações com o partido comunista Graciliano Ramos foi realmente preso durante um ano. Em São Bernardo, Graciliano Ramos ao contar a história de Paulo Honório, rico proprietário da fazenda São Bernardo, que se casa com a professora Madalena, personagem fortemente influenciada por idéias progressistas, faz uma reflexão sobre o processo de coisificação do ser humano, (“muitas vezes mais preocupado com o ter e do que com o ser”).

Em Vidas Secas(1938), obra de extrema notoriedade, o autor narra a história de uma família de retirantes que abandona sua terra atingida por uma forte seca. A família é formada por Sinhá Vitória, a mãe; Fabiano, o pai; seus dois filhos, denominados apenas como menino mais velho e menino mais novo e os animais: o papagaio e a cachorra Baleia.

ANÁLISE DA OBRA Publicado em 1930, o romance O Quinze, de

Rachel de Queiroz, renovou a ficção regionalista. Possui cenas e episódios característicos da região, como a procissão de pedir chuva que é um traço descritivo da condição do retirante.

Em O Quinze, primeiro e mais popular romance de Rachel de Queiroz, a autora exprime intensa preocupação social, apoiada, contudo, na análise psicológica das personagens, especialmente o homem nordestino, forçado à aceitação fatalista do destino. Há uma tomada de posição temática da seca, do coronelismo e dos impulsos passionais, em que o psicológico se harmoniza com o social. A obra apresenta a seca do nordeste e a fome como conseqüência, não trazendo ou tentando dar uma lição, mas como imagem da vida. Não se percebe uma total separação entre ricos e pobres, e esta fusão é feita através da personagem Conceição que pertence realmente aos dois mundos. Evitando assim o perigo dos romances sociais na divisão entre "bons pobres" e "maus ricos", não condicionando inocentes ou culpados.

ESTRUTURA DA OBRA – O QuinzeENREDO

A narrativa é recheada de amarguras. Bastaria a saga da família de Chico Bento para marcar o romance com as cores negras da desgraça. A morte está por toda parte. Está no calvário da família de retirantes, está em cada parada da caminhada fatigante, está no Campo de Concentração. Morte de gente e de bichos.

A história de amor entre Vicente e Conceição poderia ser o lado bom e humano da história. Não é, pois a falta de comunicação entre os dois, o desnível cultural que os separa constituem ingredientes amargos para um desfecho infeliz. É como se a seca, responsável por tantos infortúnios, fosse causadora de mais uma impossibilidade de ser feliz para quem tem consciência da miséria. É um romance de profundidade psicológica. A análise exterior dos personagens existe, mas sem relevo especial dentro do livro. A autora vai soltando uma característica aqui, outra além, sem interromper a narrativa para minúcias. O lado introspectivo, psicológico é uma constante em toda a narrativa. Ao mesmo tempo em que o narrador informa as ações dos personagens, introduz interrogações e dúvidas que teriam passado por sua cabeça, por seu espírito.

A obra O Quinze aborda a seca de 1915, descreve alguns aspectos da vida do interior do Ceará durante um dos períodos mais dramáticos que o povo atravessou. O enredo é interessante, dramático, mostrando a realidade do Nordeste Brasileiro e se dá em dois planos.

No primeiro plano enfoca o vaqueiro Chico Bento e sua família, o outro a relação afetiva de Vicente, rude proprietário e criador de gado, e Conceição, sua prima culta e professora. Conceição é apresentada como uma moça que gosta de ler vários livros, inclusive de tendências feministas e socialistas o que estranha a sua avó, Mãe Nácia que é representante das velhas tradições. No período de férias, Conceição passava na fazenda da família, no Logradouro, perto do Quixadá. Apesar de ter 22 anos, não dizia pensar em casar, mas sempre se "engraçava" à seu primo Vicente. Ele era o proprietário que cuidava do gado, era rude e até mesmo selvagem. Com o advento da seca, a família de Mãe Nácia decide ir para cidade e deixar Vicente cuidando de tudo, resistindo. Trabalhava incessantemente para manter os animais vivos. Conceição, trabalhava agora no campo de concentração onde ficavam alojados os retirantes, e descobre que seu primo estava "de caso" com "uma caboclinha qualquer". Enquanto ela se revolta, Mãe Nácia à consola dizendo:

"Minha filha, a vida é assim mesmo... Desde hoje que o mundo é mundo... Eu até acho os homens de hoje melhores."

Vicente encontra-se com Conceição e sem perceber confessa as temerosidades dela. Ela começa a tratá-lo de modo indiferente. Vicente se ressente disso e não consegue entender a razão. As irmã de Vicente armam um namoro entre ele e uma amiga, a Mariinha Garcia. Ele porém se espanta ao "saber" que estava namorando, dizendo que apenas era solícito para com ela e não tinha a menor intenção de comprometimento. Conceição percebe a diferença de vida entre ela e seu primo e a quase impossibilidade de comunicação. A seca termina e eles voltam para o Logradouro.

O segundo plano é, sem dúvida, a parte mais importante do livro. Apresenta a marcha trágica e penosa do vaqueiro Chico Bento com sua mulher e seus cinco filhos, representando os retirantes. Ele é forçado a abandonar a fazenda onde trabalhara. Junta algum dinheiro, compra mantimentos e uma burra para atravessar o sertão. Tinham o intuito de trabalhar no Norte, extraindo borracha. No percurso, em momento de grande fome, Josias, o filho mais novo, come mandioca crua, envenenando-se. Agonizou até a morte. O seu fim está bem descrito nessa passagem:

"Lá se tinha ficado o Josias, na sua cova à beira da estrada, com uma cruz de dois paus amarrados, feita pelo pai. Ficou em paz. Não tinha mais que chorar de fome, estrada afora. Não tinha mais

alguns anos de miséria à frente da vida, para cair depois no mesmo buraco, à sombra das mesma cruz."

Uma cena marcante na vida do vaqueiro foi a de matar uma cabra e depois descobrir que tinha dono. Este o chamou de ladrão, e levou o resto da cabra para sua casa, dando-lhes apenas as tripas para saciarem a fome. Léguas após, Chico Bento dá falta do seu filho mais velho Pedro. Chegando ao Acarape, lugar onde supunha que ele pudesse ser encontrado, avista um compadre que era o delegado. Recebem alguns mantimentos mas não é possível encontrar o filho. Ficam sabendo que o menino tinha fugido com comboeiros de cachaça. E a conclusão fatal:

"Talvez fosse até para a felicidade do menino. Onde poderia estar em maior desgraça do que ficando com o pai?"

Ao chegarem no campo de concentração, são reconhecidos por Conceição, sua comadre. Ela arranja um emprego para Chico Bento e passa a viver com um de seus filhos. Conseguem também uma passagem de trem e viajam para São Paulo, desistindo de trabalhar com a borracha.

TÍTULO Evoca a terrível seca do Ceará de 1915. A própria família de Rachel foi

obrigada a fugir do Ceará: foi para o Rio de Janeiro, depois para Belém do Pará. Compõe-se de 26 capítulos, sem títulos, enumerados.

CLASSIFICAÇÃO O Quinze é um romance regionalista de temática social. Mas com uma

visão que foge ao clichê tradicional. Não há, na história, a divisão batida de "pessoas boas e pobres” e de "pessoas más e ricas". A autora registrou no papel a sua emoção, sem condicionar o romance a uma tese ou à preocupação de procurar inocentes e culpados pela desgraça de cada um ou mesmo do grupo envolvido na história.

TEMPO A autora situa a história do romance no Ceará de 1915. O fato histórico

importante da época era a própria seca, obrigando os filhos da terra, principalmente do sertão, a migrarem para o Amazonas ou para São Paulo, à procura de vida melhor. Não há avanços nem recuos. A história é contada de forma linear, valorizando o presente, o cotidiano das pessoas. O passado é evocado raramente, muito mais por Conceição. A passagem do tempo dentro do romance é marcada de maneira tradicional, obedecendo à seqüência de início, meio e fim.

CENÁRIO

O cenário do romance é o Ceará. Especificamente, a região de Quixadá, onde se situam as fazendas de Dona Inácia (avó de Conceição), do Capitão (pai de Vicente) e de Dona Maroca (patroa de Chico Bento). Há também, em menor escala, o cenário urbano, destacando a capital, Fortaleza, para onde migram os retirantes e onde mora Conceição.

LINGUAGEM

O sucesso do livro está atrelado à simplicidade da linguagem (a mais difícil das virtudes literárias!). Não há exibicionismo da autora no uso de palavreado erudito. Mesmo quando a dona da palavra é uma professora (Conceição), o diálogo flui espontâneo, normal, cotidiano.

Sua linguagem é natural, direta, coloquial, simples, sóbria, condicionada ao assunto e á região, própria da linguagem moderna brasileira. A estas características deve-se ao não envelhecimento da obra, pois sua matéria está isenta do peso da idade. Em O Quinze, Rachel usa o que lhe deu fama imediata: uma linguagem regionalista sem afetação, sem pretensão literária e sem vínculo obrigatório a um falar específico (modismo comum na tendência regionalista).

A sobriedade da construção, a nitidez das formas, a emoção sem grandiloqüência, a economia de adjetivos são recursos perceptíveis em todo o livro.

FOCO NARRATIVO

O Quinze é romance narrado na terceira pessoa, ou seja, o narrador é a própria autora. O narrador é onisciente, portanto sabe tudo sobre os personagens, por dentro e por fora. Conhece-lhes os desejos e adivinha-lhes o pensamento. O Discurso livre indireto Em vez de apresentar o personagem em sua fala própria, marcada pelas aspas e pelos travessões (discurso direto), o narrador funde-se ao personagem, dando a impressão de que os dois falam juntos. Isto faz com que o narrador penetre na vida do personagem, no seu íntimo, adivinhando-lhe os anseios e dúvidas.

RELAÇÕES INTERTEXTUAIS  O QUINZE(RACHEL DE QUEIROZ) E VIDAS SECAS

(GRACILIANO RAMOS)   - A migração dos personagens em busca de uma vida

melhor. - O simbolismo presente nos títulos das obras: O

Quinze – o título se refere a grande seca de 1915, vivida pela escritora em sua infância. Vidas Secas – título bastante sintético. Representa a vida sem fartura, sem água, sem alimento; realidade do povo nordestino do Brasil.

O juazeiro é a única vegetação verde citada nos textos. Os personagens são vaqueiros – ênfase para os chefes

de família. Os homens bebem quando vão à cidade. As pessoas soltam o gado quando abandonam suas

casas. A única alegria retratada é a Festa de Natal. As narrativas ocorrem durante o período da Ditadura

Vargas.

O QUINZE (RACHEL DE QUEIROZ) E A BAGACEIRA(JOSÉ AMÉRICO DE ALMEIDA)

O enredo baseia-se no êxodo da seca. Análise da vida dos retirantes. Relações de poder legitimadas pelo autoritarismo. Através das ideias do personagem Lúcio há uma

relação com o período da Era Vargas.

LETRAS DE MÚSICA – ÚLTIMO PAU-DE-ARARA / TRISTE PARTIDA

OBRA DE ARTE – RETIRANTES CANDIDO PORTINARI, Retirantes (Retirantes), 1944. Óleo s/ tela 190 x 180 cm. Col. Museu de Arte de São

Paulo Assis Chateaubriand São Paulo, Brasil.

A POESIA DE 30 A poesia e o romance de 30 tomaram rumos diferentes,

embora tenham conservado algumas características em comum. Os poetas de 30, interessados fundamentalmente no sentido da existência humana, no confronto do homem com a realidade, enfim, no “estar-no-mundo”, seguiram caminhos diferentes, que vão da reflexão filosófico-existencialista ao espiritualismo, da preocupação social e política ao regionalismo, da metalinguagem ao sensualismo.

A segunda geração modernista, livre do compromisso de combater o passado, manteve muitas das conquistas da geração anterior, mas também se sentia inteiramente à vontade para voltar a cultivar certos recursos poéticos que o radicalismo da primeira geração tornara objeto de desprezo, tais como os versos regulares, a estrofação criteriosa e as formas fixas, como o soneto.

CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE

Como cronista e contista, escreveu, entre outras obras, Fala, amendoeira, A bolsa e a vida, Quadrante 1 e 2 e cadeira de balanço.

Na poesia, é possível observarmos a presença de pelo menos quatro fases. Vejamos:

1. Fase gauche: consciência e isolamento Nessa fase são comuns o pessimismo, o

individualismo, o isolamento, a reflexão existencial, além de certas atitudes permanentes que se estenderão por toda a obra do autor, tais como a ironia e o uso da metalinguagem.

Poema de sete faces

Quando nasci, um anjo tortodesses que vivem na sombradisse: Vai, Carlos! ser gauche na vida. As casas espiam os homensque correm atrás de mulheres.A tarde talvez fosse azul,não houvesse tantos desejos. O bonde passa cheio de pernas:pernas brancas pretas amarelas.Para que tanta perna, meu Deus, pergunta meu coração.Porém meus olhosnão perguntam nada. 

O homem atrás do bigodeé sério, simples e forte.Quase não conversa.Tem poucos , raros amigoso homem atrás dos óculos e do bigode. 

Meu Deus, por que me abandonastese sabias que eu não era Deusse sabias que eu era fraco. 

Mundo mundo vasto mundose eu me chamasse Raimundo,seria uma rima, não seria uma solução.Mundo mundo vasto mundo,mais vasto é meu coração. 

Eu não devia te dizermas essa luamas esse conhaquebotam a gente comovido como o diabo.

2. Fase social Nessa fase, o eu-lírico de seus poemas manifesta

interesse pelos problemas da vida social, da qual estivera isolado até então. De certa forma, o gauchismo da primeira fase é deixado de lado. Essa mudança de postura diante da realidade observada nos poemas de Drummond relaciona-se ao contexto histórico, marcado pelo nazi-fascismo e a Segunda Guerra Mundial. No Brasil, viu-se ainda a Intentona Comunista (1935) e a ditadura de Vargas (1937-45). Em todo o mundo se verificava o crescimento de uma literatura social engajada numa causa política.

Percebe-se que muitos poemas são postos a serviço da causa revolucionária, transformada em instrumento de luta e de expressão da esperança e da solidariedade.

Mãos dadas  Não serei o poeta de um mundo caduco.

Também não cantarei o mundo futuro.Estou preso à vida e olho meus companheirosEstão taciturnos mas nutrem grandes esperanças.Entre eles, considere a enorme realidade.O presente é tão grande, não nos afastemos.Não nos afastemos muito, vamos de mãos dadas.Não serei o cantor de uma mulher, de uma história.Não direi suspiros ao anoitecer, a paisagem vista na janela.Não distribuirei entorpecentes ou cartas de suicida.Não fugirei para ilhas nem serei raptado por serafins.O tempo é a minha matéria, o tempo presente, os homens presentes,a vida presente. 

3) O signo do não Na década de 1950, a poesia de Drummond tomou

novos rumos. O período crítico de guerras, ditaduras e medo tinha passado. O mundo vivia então a Guerra Fria e o poeta acumulava o desencanto de sua aventura política pela poesia.

A partir de Claro enigma, a criação poética de Drummond começou a seguir duas orientações: de um lado, a poesia reflexiva, filosófica e metafísica – em que, com frequência, aparecem os temas da morte e do tempo; de outro, a poesia nominal, com tendências ao Concretismo, em que ressalta a preocupação com recursos fônicos, visuais e gráficos do texto.

 

um ausente

Tenho razão de sentir saudade,tenho razão de te acusar.Houve um pacto implícito que rompestee sem te despedires foste embora.Detonaste o pacto.Detonaste a vida geral, a comum aquiescênciade viver e explorar os rumos de obscuridadesem prazo sem consulta sem provocaçãoaté o limite das folhas caídas na hora de cair.

Antecipaste a hora.Teu ponteiro enlouqueceu,

enlouquecendo nossas horas.Que poderias ter feito de mais grave do que o ato sem continuação, o ato em si,o ato que não ousamos nem sabemos ousarporque depois dele não há nada?

Tenho razão para sentir saudade de ti,de nossa convivência em falas camaradas,simples apertar de mãos, nem isso, vozmodulando sílabas conhecidas e banaisque eram sempre certeza e segurança.

Sim, tenho saudades.Sim, acuso-te porque fizesteo não previsto nas leis da amizade e da naturezanem nos deixaste sequer o direito de indagarporque o fizeste, porque te foste.

  4) Fase final: tempo de memória

A produção poética de Drummond das décadas de 1970 e 1980 dá amplo destaque ao universo da memória. Nela, ao lado de temas universais, são retomados e aprofundados certos temas que nortearam toda obra do escritor, tais como a infância, Itabira, o pai, a família, a piada, o humor, o cotidiano e a auto-ironia.

Itabira

Cada um de nós tem seu pedaço no pico do CauêNa cidade toda de ferroas ferraduras batem como sinos.Os meninos seguem para a escola.Os homens olham para o chão.Os ingleses compram a mina.

Só, na porta da venda, Tutu caramujo cisma naderrota incomparável.

MURILO MENDES

Sua obra de estréia, Poemas, veio a público somente em 1930 e nela já se notavam alguns dos traços que iriam marcar sua poesia futura: a dilaceração do eu em conflito, a presença constante de metáforas e símbolos, a inclinação para o surrealismo e os contrastes entre abstrato e concreto, lucidez e delírio, realidade e mito.

Posteriormente o autor enveredou por um caminho bastante particular, conciliando poesia religiosa com as contradições do eu, com a preocupação social e com o sobrenatural surrealista. Criou assim, um conceito particular de religiosidade, unido à arte e a um senso prático da vida – erotismo, democracia e socialismo

Em sua concepção religiosa, elementos contrastantes, tais como: finito e infinito, visível e invisível, matéria e espírito, não se excluem. Para ele, essas polaridades confundem-se no Corpo Místico, em Deus e apenas passam por uma experiência terrestre.

Poema espiritualEu me sinto um fragmento de DeusComo sou um resto de raizUm pouco de água dos maresO braço desgarrado de uma constelação. A matéria pensa por ordem de Deus,Transforma-se e evolui por ordem de Deus.A matéria variada e belaÉ uma das formas visíveis do invisível.Cristo, dos filhos do homem és o perfeito. Na Igreja há pernas, seios, ventres e cabelosEm toda parte, até nos altares.Há grandes forças de matéria na terra no mar e no arQue se entrelaçam e se casam reproduzindoMil versões dos pensamentos divinosA matéria é forte e absolutaSem ela não há poesia. 

CECÍLIA MEIRELES

Primeira mulher a alcançar destaque no cenário da poesia brasileira, Cecília Meireles escreveu vários livros de poesia em que desenvolveu as tendências da corrente espiritualista da segunda geração. Na sua obra destacam-se Espectros (1919), Baladas para El-Rei (1925), Viagem (1939), Vaga música (1942), Mar absoluto (1945), Retrato natural (1949), Romanceiro da Inconfidência (1953), Canções (1956) e o livro de poesias infantis Ou isto ou aquilo (1964).

Sua sensibilidade manifestava-se na valorização da intuição e da emoção como formas de interpretar o mundo. O lirismo delicado que caracteriza sua poesia está intimamente ligado a imagens da natureza (a água, o mar, o ar, o vento, o espaço, a rosa, etc.) e do infinito, compondo uma atmosfera de sonho e de fuga.

Dotada de um forte rigor formal, o trabalho de Cecília Meireles apresenta preocupação com a seleção vocabular e com o verso curto. A efemeridade das coisas e a fugacidade do tempo – temas explorados pela tradição clássica, especialmente pelo Barroco – são também abordados pela poetisa e constituem um dos pontos altos de sua poesia.

 

Retrato 

Eu não tinha este rosto de hoje, assim calmo, assim triste, assim magro, nem estes olhos tão vazios, nem o lábio amargo.

Eu não tinha estas mãos sem força, tão paradas e frias e mortas;eu não tinha este coraçãoque nem se mostra.

Eu não dei por esta mudança, tão simples, tão certa, tão fácil:

— Em que espelho ficou perdidaa minha face?

 

VINÍCIUS DE MORAES

Vinícius além de ser compositor conhecido da MPB, foi também um dos mais importantes escritores da segunda geração do Modernismo brasileiro. Cultivou poesia, crônica e teatro.

Nas obras iniciais, Vinícius aproximou-se de temas trabalhados por outros autores da sua geração, como a religiosidade e a angústia associada à oscilação entre matéria e espírito.

Aos poucos, porém, seu interesse voltou-se para aspectos do cotidiano e para o relacionamento amoroso. Nos seus inúmeros poemas de amor, a influência da poesia camoniana é muito forte e pode ser observada na tentativa de analisar o amor, na preferência pelo soneto como forma poética e no uso freqüente de antíteses para expressar as contradições próprias desse sentimento.

Soneto da separação De repente do riso fez-se o pranto Silencioso e branco como a bruma E das bocas unidas fez-se a espuma E das mãos espalmadas fez-se o espanto.

De repente da calma fez-se o vento Que dos olhos desfez a última chama E da paixão fez-se o pressentimento E do momento imóvel fez-se o drama.  De repente, não mais que de repente Fez-se de triste o que se fez amante E de sozinho o que se fez contente.  Fez-se do amigo próximo o distante Fez-se da vida uma aventura errante De repente, não mais que de repente.

INTERTEXTUALIDADE

• “Poema Sete faces”, de Carlos Drummond de Andrade e “Com licença poética”, de Adélia Prado.

Com licença poética Quando nasci um anjo esbelto,

desses que tocam trombeta, anunciou:vai carregar bandeira.Cargo muito pesado pra mulher,esta espécie ainda envergonhada.Aceito os subterfúgios que me cabem,sem precisar mentir.Não sou tão feia que não possa casar,acho o Rio de Janeiro uma beleza eora sim, ora não, creio em parto sem dor.Mas o que sinto escrevo. Cumpro a sina.Inauguro linhagens, fundo reinos- dor não é amargura.Minha tristeza não tem pedigree,já a minha vontade da alegria,sua raiz vai ao meu mil avô.Vai ser coxo na vida é maldição pra homem.Mulher é desdobrável. Eu sou.

• Poema “Vou-me embora pra Pasárgada”, de Manuel Bandeira; “Canção do Exílio”, de Gonçalves Dias; “Canto de Regresso à Pátria”, de Oswald de Andrade.

Vou-me Embora pra PasárgadaManuel Bandeira

Vou-me embora pra Pasárgada

Lá sou amigo do rei

Lá tenho a mulher que eu quero

Na cama que escolherei 

Vou-me embora pra Pasárgada

Vou-me embora pra Pasárgada

Aqui eu não sou feliz

Lá a existência é uma aventura

De tal modo inconseqüente

Que Joana a Louca de Espanha

Rainha e falsa demente

Vem a ser contraparente

Da nora que nunca tive [...] 

Canção do exílio (Gonçalves Dias)

Minha terra tem palmeiras, Onde canta o Sabiá;

As aves, que aqui gorjeiam, Não gorjeiam como lá.

Nosso céu tem mais estrelas, Nossas várzeas têm mais flores, Nossos bosques têm mais vida,

Nossa vida mais amores. Em  cismar, sozinho, à noite,

Mais prazer eu encontro lá; Minha terra tem palmeiras,

Onde canta o Sabiá. Minha terra tem primores,

Que tais não encontro eu cá; Em cismar –sozinho, à noite– Mais prazer eu encontro lá; Minha terra tem palmeiras,

Onde canta o Sabiá. Não permita Deus que eu morra,

Sem que eu volte para lá; Sem que disfrute os primores

Que não encontro por cá; Sem qu'inda aviste as palmeiras,

Onde canta o Sabiá. 

Canto de regresso à pátria Oswald de Andrade

Minha terra tem palmaresOnde gorjeia o mar

Os passarinhos daquiNão cantam como os de lá

Minha terra tem mais rosasE quase que mais amores

Minha terra tem mais ouroMinha terra tem mais terra

Ouro terra amor e rosasEu quero tudo de lá

Não permita Deus que eu morraSem que volte para lá

Não permita Deus que eu morraSem que volte pra São Paulo

Sem que veja a Rua 15E o progresso de São Paulo