um coração, um cúpido e um beijo por um poema de amor em português

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Exposição Temporária UM CORAÇÃO, UM CÚPIDO E UM BEIJO POR UM POEMA DE AMOR EM PORTUGUÊS

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Exposição Temporia de poesia de amor

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Page 1: Um coração, um cúpido e um beijo por um poema de amor em português

Exposição Temporária

UM CORAÇÃO, UM CÚPIDO E UM BEIJO POR UM POEMA DE AMOR EM PORTUGUÊS

Page 2: Um coração, um cúpido e um beijo por um poema de amor em português

O Amor, Meu Amor Nosso amor é impuro como impura é a luz e a água e tudo quanto nasce e vive além do tempo.

Minhas pernas são água, as tuas são luz e dão a volta ao universo quando se enlaçam até se tornarem deserto e escuro. E eu sofro de te abraçar depois de te abraçar para não sofrer.

E toco-te para deixares de ter corpo e o meu corpo nasce quando se extingue no teu.

E respiro em ti para me sufocar e espreito em tua claridade para me cegar, meu Sol vertido em Lua, minha noite alvorecida.

Tu me bebes e eu me converto na tua sede.

Meus lábios mordem, meus dentes beijam,

minha pele te veste e ficas ainda mais despida.

Pudesse eu ser tu E em tua saudade ser a minha própria espera.

Mas eu deito-me em teu leito Quando apenas queria dormir em ti.

E sonho-te Quando ansiava ser um sonho teu.

E levito, voo de semente, para em mim mesmo te plantar menos que flor: simples perfume, lembrança de pétala sem chão onde tombar.

Teus olhos inundando os meus

e a minha vida, já sem leito, vai galgando margens até tudo ser mar. Esse mar que só há depois do mar.

Mia Couto, in "idades cidades divindades"

Page 3: Um coração, um cúpido e um beijo por um poema de amor em português

Se é Doce Se é doce no recente, ameno Estio Ver toucar-se a manhã de etéreas flores, E, lambendo as areias e os verdores, Mole e queixoso deslizar-se o rio;

Se é doce no inocente desafio Ouvirem-se os voláteis amadores, Seus versos modulando e seus ardores Dentre os aromas de pomar sombrio;

Se é doce mares, céus ver anilados Pela quadra gentil, de Amor querida, Que esperta os corações, floreia os prados,

Mais doce é ver-te de meus ais vencida, Dar-me em teus brandos olhos desmaiados. Morte, morte de amor, melhor que a vida.

Bocage, in 'Sonetos'

Page 4: Um coração, um cúpido e um beijo por um poema de amor em português

Adeus Já gastámos as palavras pela rua, meu amor, e o que nos ficou não chega para afastar o frio de quatro paredes. Gastámos tudo menos o silêncio. Gastámos os olhos com o sal das lágrimas, gastámos as mãos à força de as apertarmos, gastámos o relógio e as pedras das esquinas em esperas inúteis.

Meto as mãos nas algibeiras e não encontro nada. Antigamente tínhamos tanto para dar um ao outro; era como se todas as coisas fossem minhas: quanto mais te dava mais tinha para te dar.

Às vezes tu dizias: os teus olhos são peixes verdes. E eu acreditava. Acreditava, porque ao teu lado todas as coisas eram possíveis.

Mas isso era no tempo dos segredos, era no tempo em que o teu corpo era um aquário, era no tempo em que os meus olhos eram realmente peixes verdes. Hoje são apenas os meus olhos. É pouco, mas é verdade, uns olhos como todos os outros.

Já gastámos as palavras. Quando agora digo: meu amor, já se não passa absolutamente nada. E no entanto, antes das palavras gastas, tenho a certeza que todas as coisas estremeciam só de murmurar o teu nome no silêncio do meu coração.

Não temos já nada para dar. Dentro de ti não há nada que me peça água. O passado é inútil como um trapo. E já te disse: as palavras estão gastas.

Adeus.

Eugénio de Andrade, in “Poesia e Prosa”

Page 5: Um coração, um cúpido e um beijo por um poema de amor em português

O Espírito Nada a fazer amor, eu sou do bando Impermanente das aves friorentas; E nos galhos dos anos desbotando Já as folhas me ofuscam macilentas;

E vou com as andorinhas. Até quando? À vida breve não perguntes: cruentas Rugas me humilham. Não mais em estilo brando Ave estroina serei em mãos sedentas.

Pensa-me eterna que o eterno gera Quem na amada o conjura. Além, mais alto, Em ileso beiral, aí espera:

Andorinha indemne ao sobressalto Do tempo, núncia de perene primavera. Confia. Eu sou romântica. Não falto.

Natália Correia, in “Poesia Completa”

Page 6: Um coração, um cúpido e um beijo por um poema de amor em português

Assim o Amor Assim o amor Espantado meu olhar com teus cabelos Espantado meu olhar com teus cavalos E grandes praias fluidas avenidas Tardes que oscilam demoradas E um confuso rumor de obscuras vidas E o tempo sentado no limiar dos campos Com seu fuso sua faca e seus novelos

Em vão busquei eterna luz precisa

Sophia de Mello Breyner Andresen, in “Obra Poética”

Page 7: Um coração, um cúpido e um beijo por um poema de amor em português

Soneto Não pode Amor por mais que as falas mude exprimir quanto pesa ou quanto mede. Se acaso a comoção falar concede é tão mesquinho o tom que o desilude.

Busca no rosto a cor que mais o ajude, magoado parecer aos olhos pede, pois quando a fala a tudo o mais excede não pode ser Amor com tal virtude.

Também eu das palavras me arreceio, também sofro do mal sem saber onde busque a expressão maior do meu anseio.

E acaso perde, o Amor que a fala esconde,

em verdade, em beleza, em doce enleio? Olha bem os meus olhos, e responde.

António Gedeão, in “Poesias Completas”

Page 8: Um coração, um cúpido e um beijo por um poema de amor em português

Amor o teu rosto à minha espera, o teu rosto a sorrir para os meus olhos, existe um trovão de céu sobre a montanha.

as tuas mãos são finas e claras, vês-me sorrir, brisas incendeiam o mundo, respiro a luz sobre as folhas da olaia.

entro nos corredores de outubro para encontrar um abraço nos teus olhos, este dia será sempre hoje na memória.

hoje compreendo os rios. a idade das rochas diz-me palavras profundas, hoje tenho o teu rosto dentro de mim.

José Luís Peixoto, in "A Casa, A Escuridão"

Page 9: Um coração, um cúpido e um beijo por um poema de amor em português

O Beijo Mata o Desejo

MOTE

«Não te beijo e tenho ensejo

Para um beijo te roubar; O beijo mata o desejo E eu quero-te desejar.»

GLOSAS Porque te amo de verdade, 'stou louco por dar-te um beijo, Mas contra a tua vontade Não te beijo e tenho ensejo.

Sabendo que deves ter

Milhões deles p'ra me dar, Teria que enlouquecer Para um beijo te roubar.

E como em teus lábios puros, Guardas tudo quanto almejo,

Doutros desejos futuros O beijo mata o desejo.

Roubando um, mil te daria; O que não posso é jurar Que não te aborreceria, E eu quero-te desejar!   

António Aleixo, in "Este Livro que Vos Deixo..."

Page 10: Um coração, um cúpido e um beijo por um poema de amor em português

Visão (A J. M. Eça de Queiroz)

Eu vi o Amor — mas nos seus olhos baços Nada sorria já: só fixo e lento Morava agora ali um pensamento De dor sem trégua e de íntimos cansaços.

Pairava, como espectro, nos espaços, Todo envolto n'um nimbo pardacento... Na atitude convulsa do tormento, Torcia e retorcia os magros braços...

E arrancava das asas destroçadas A uma e uma as penas maculadas, Soltando a espaços um soluço fundo,

Soluço de ódio e raiva impenitentes... E do fantasma as lágrimas ardentes Caíam lentamente sobre o mundo!

Antero de Quental, in "Sonetos"

Page 11: Um coração, um cúpido e um beijo por um poema de amor em português

Seus Olhos Seus olhos - que eu sei pintar O que os meus olhos cegou – Não tinham luz de brilhar, Era chama de queimar; E o fogo que a ateou Vivaz, eterno, divino, Como facho do Destino.

Divino, eterno! - e suave Ao mesmo tempo: mas grave E de tão fatal poder, Que, um só momento que a vi, Queimar toda a alma senti... Nem ficou mais de meu ser, Senão a cinza em que ardi.

Almeida Garrett, in 'Folhas Caídas'

Page 12: Um coração, um cúpido e um beijo por um poema de amor em português

Cinismos

Eu hei de lhe falar lugubremente Do meu amor enorme e massacrado, Falar-lhe com a luz e a fé dum crente.

Hei de expor-lhe o meu peito descarnado, Chamar-lhe minha cruz e meu Calvário, E ser menos que um Judas empalhado.

Hei de abrir-lhe o meu íntimo sacrário E desvendar a vida, o mundo, o gozo, Como um velho filósofo lendário.

Hei de mostrar, tão triste e tenebroso, Os pegos abismais da minha vida, E hei de olhá-la dum modo tão nervoso,

Que ela há de, enfim, sentir-se constrangida, Cheia de dor, tremente, alucinada, E há de chorar, chorar enternecida!

E eu hei de, então, soltar uma risada.

Cesário Verde, in 'O Livro de Cesário Verde

Page 13: Um coração, um cúpido e um beijo por um poema de amor em português

O Amor É uma Companhia

O amor é uma companhia. Já não sei andar só pelos caminhos, Porque já não posso andar só. Um pensamento visível faz-me andar mais depressa E ver menos, e ao mesmo tempo gostar bem de ir vendo tudo. Mesmo a ausência dela é uma coisa que está comigo. E eu gosto tanto dela que não sei como a desejar.

Se a não vejo, imagino-a e sou forte como as árvores altas. Mas se a vejo tremo, não sei o que é feito do que sinto na ausência dela. Todo eu sou qualquer força que me abandona. Toda a realidade olha para mim como um girassol com a cara dela no meio.

Alberto Caeiro, in "O Pastor Amoroso" Heterónimo de Fernando Pessoa

Page 14: Um coração, um cúpido e um beijo por um poema de amor em português

Não Sei se é Amor que Tens, ou Amor que Finges

Não sei se é amor que tens, ou amor que finges, O que me dás. Dás-mo. Tanto me basta.             Já que o não sou por tempo,             Seja eu jovem por erro. Pouco os deuses nos dão, e o pouco é falso. Porém, se o dão, falso que seja, a dádiva             É verdadeira. Aceito,             Cerro olhos: é bastante.             Que mais quero?

Ricardo Reis, in "Odes" Heterónimo de Fernando Pessoa

Page 15: Um coração, um cúpido e um beijo por um poema de amor em português

Esperança Tantas formas revestes, e nenhuma Me satisfaz! Vens às vezes no amor, e quase te acredito. Mas todo o amor é um grito Desesperado Que apenas ouve o eco... Peco Por absurdo humano: Quero não sei que cálice profano

Cheio de um vinho herético e sagrado.   

Miguel Torga, in 'Penas do Purgatório'

Page 16: Um coração, um cúpido e um beijo por um poema de amor em português

Poeta Pede a Seu Amor que lhe Escreva

Meu entranhado amor, morte que é vida, tua palavra escrita em vão espero e penso, com a flor que se emurchece que se vivo sem mim quero perder-te.

O ar é imortal. A pedra inerte nem a sombra conhece nem a evita. Coração interior não necessita do mel gelado que a lua derrama.

Porém eu te suportei. Rasguei-me as veias, sobre a tua cintura, tigre e pomba, em duelo de mordidas e açucenas.

Enche minha loucura de palavras ou deixa-me viver na minha calma e para sempre escura noite d'alma.

Federico García Lorca, in 'Poemas Esparsos'

Tradução de Oscar Mendes

Page 17: Um coração, um cúpido e um beijo por um poema de amor em português

Em Todas as Ruas te Encontro Em todas as ruas te encontro

em todas as ruas te perco conheço tão bem o teu corpo sonhei tanto a tua figura que é de olhos fechados que eu ando a limitar a tua altura e bebo a água e sorvo o ar que te atravessou a cintura tanto    tão perto    tão real que o meu corpo se transfigura e toca o seu próprio elemento num corpo que já não é seu num rio que desapareceu onde um braço teu me procura

Em todas as ruas te encontro em todas as ruas te perco

Mário Cesariny, in "Pena Capital"

Page 18: Um coração, um cúpido e um beijo por um poema de amor em português

Soneto de Mal Amar Invento-te    recordo-te   distorço

a tua imagem mal e bem amada sou apenas a forja em que me forço a fazer das palavras tudo ou nada.

A palavra desejo incendiada lambendo a trave mestra do teu corpo a palavra ciúme atormentada a provar-me que ainda não estou morto.

E as coisas que eu não disse? Que não digo:

Meu terraço de ausência    meu castigo meu pântano de rosas afogadas.

Por ti me reconheço e contradigo chão das palavras mágoa joio e trigo apenas por ternura levedadas.

Ary dos Santos, in 'O Sangue das Palavras'

Page 19: Um coração, um cúpido e um beijo por um poema de amor em português

Crepuscular Há no ambiente um murmúrio de queixume, De desejos de amor, d'ais comprimidos... Uma ternura esparsa de balidos, Sente-se esmorecer como um perfume. As madressilvas murcham nos silvados E o aroma que exalam pelo espaço, Tem delíquios de gozo e de cansaço, Nervosos, femininos, delicados, Sentem-se espasmos, agonias d'ave, Inapreensíveis, mínimas, serenas... _ Tenho entre as mãos as tuas mãos pequenas, O meu olhar no teu olhar suave. As tuas mãos tão brancas d'anemia... Os teus olhos tão meigos de tristeza... _ É este enlanguescer da natureza, Este vago sofrer do fim do dia.

Camilo Pessanha, in 'Clepsidra'

Page 20: Um coração, um cúpido e um beijo por um poema de amor em português

A Voz do Amor Nessa pupila rútila e molhada, Refúgio arcano e sacro da Ternura, A ampla noite do gozo e da loucura Se desenrola, quente e embalsamada.

E quando a ansiosa vista desvairada Embebo às vezes nessa noite escura, Dela rompe uma voz, que, entrecortada De soluços e cânticos, murmura...

É a voz do Amor, que, em teu olhar falando, Num concerto de súplicas e gritos Conta a história de todos os amores;

E vêm por ela, rindo e blasfemando, Almas serenas, corações aflitos, Tempestades de lágrimas e flores...

Olavo Bilac, in "Poesias"

Page 21: Um coração, um cúpido e um beijo por um poema de amor em português

Os Meus Versos Rasga esses versos que eu te fiz, amor! Deita-os ao nada, ao pó, ao esquecimento, Que a cinza os cubra, que os arraste o vento, Que a tempestade os leve aonde for!

Rasga-os na mente, se os souberes de cor, Que volte ao nada o nada de um momento! Julguei-me grande pelo sentimento, E pelo orgulho ainda sou maior!...

Tanto verso já disse o que eu sonhei! Tantos penaram já o que eu penei! Asas que passam, todo o mundo as sente...

Rasgas os meus versos... Pobre endoidecida! Como se um grande amor cá nesta vida Não fosse o mesmo amor de toda a gente!...

Florbela Espanca, in "A Mensageira das Violetas"

Page 22: Um coração, um cúpido e um beijo por um poema de amor em português

Poemas retirados de: http://www.citador.pt/poemas/os-meus-versos-florbela-de-alma-conceicao-espanca