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UIVERSIDADE CADIDO MEDES PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SESU” ISTITUTO A VEZ DO MESTRE A PERSOALIDADE JURÍDICA DO IDIVÍDUO EM DIREITO ITERACIOAL: Contribuições do Realismo e da Filosofia Política Por: Jacqueline Gonçalves da Silva Orientador Prof. Francis Rajzman Rio de Janeiro 2010

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U�IVERSIDADE CA�DIDO ME�DES

PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SE�SU”

I�STITUTO A VEZ DO MESTRE

A PERSO�ALIDADE JURÍDICA DO I�DIVÍDUO EM DIREITO

I�TER�ACIO�AL:

Contribuições do Realismo e da Filosofia Política

Por: Jacqueline Gonçalves da Silva

Orientador

Prof. Francis Rajzman

Rio de Janeiro

2010

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U�IVERSIDADE CA�DIDO ME�DES

PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SE�SU”

I�STITUTO A VEZ DO MESTRE

A PERSO�ALIDADE JURÍDICA DO I�DIVÍDUO EM DIREITO

I�TER�ACIO�AL:

Contribuições do Realismo e da Filosofia Política

Apresentação de monografia à Universidade Candido

Mendes como requisito parcial para obtenção do grau de

especialista em Direito Internacional e Direitos Humanos.

Por: Jacqueline Gonçalves da Silva

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AGRADECIME�TOS

A todos aqueles que me ajudaram, direta ou

indiretamente, na coleta de material,

empréstimos e sugestões de livros, análises

de textos, etc. com o intuito de eu

apresentar um trabalho acadêmico o mais

enriquecedor possível para os estudos de

Direito Internacional e Relações

Internacionais.

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DEDICATÓRIA

Dedico este trabalho monográfico ao meu pai,

Olindo Messias da Silva, que tanto me ensinou

e me orientou durante os seus 69 anos de vida.

Meu eterno amor, com todo meu carinho e

muitas saudades.

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RESUMO

O que é ter personalidade jurídica internacional? O que é ser indivíduo como

sujeito de direito internacional? Como são vistos o Estado as Organizações

Internacionais frente ao Indivíduo como sujeitos de direito internacional?

Observa-se uma grande preocupação em se destacar e/ou se entender a pessoa humana

como sujeito de direito internacional. Pois, por muitas décadas coube ao Estado o único

papel de personalidade jurídica na esfera internacional, não permitindo, desta forma,

nenhuma dúvida quanto ao reconhecimento de sua subjetividade jurídica na área

internacional. ‘Os sujeitos de direito, num sistema jurídico, não são necessariamente

idênticos quanto à sua natureza ou à extensão de seus direitos’, haja vista que a

titularidade de direitos e deveres perante o sistema jurídico internacional estabelecido

não constitui um dado, mas sim uma invenção humana fadada a transformações. Os

sujeitos de direito internacional são, convencionalmente, eleitos, e suas particularidades

são merecedoras de análises. Tais eleições pretendem se tornar resposta às necessidades

sentidas pelas sociedades em decorrência de transformações sofridas ao longo do tempo.

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METODOLOGIA

A pesquisa será desenvolvida considerando-se duas etapas fundamentais: contexto

histórico acerca da evolução da titularidade de personalidade jurídica internacional,

levando-se em consideração as figuras do Estado e das Organizações Internacionais

como atores com jurisdição internacional frente à análise da pessoa humana cuja

estrutura jurídica internacional teve influências decorrentes de fatores sociais,

econômicos, políticos, filosóficos, culturais, religiosos e tantos outros que propiciaram a

criação e fortificação de sua natureza jurídica internacional.

Observações históricas acerca do Estado e das Organizações Internacionais serão

apresentadas com a finalidade de um maior esclarecimento do que seja ter personalidade

jurídica internacional. Tais observações serão de suma importância para a devida

comparação da personalidade jurídica internacional da pessoa humana.

Quanto à segunda etapa, será apresentada uma breve abordagem teórico-historiográfica

acerca da Teoria das Relações Internacionais, do Realismo nas Relações Internacionais,

bem como os principais fundamentos filosóficos com a finalidade de substanciar a

análise da figura do indivíduo como sujeito de direito internacional.

Para tal, alguns teóricos do Realismo e filósofos serão apresentados, a título de

fundamentação filosófica do Realismo, para colaboração teórica com o intuito de firmar

a entidade indivíduo como ator de direito internacional.

Dessa maneira, pretende-se consolidar a figura do ser humano como sujeito de direito e

deveres na esfera internacional.

Referências bibliográficas sobre direito internacional, história, política, relações

internacionais, filosofia serão abordadas a fim de fundamentar o trabalho monográfico.

Vale ressaltar que a abordagem apresentada será teórica, de natureza geral e

informativa, dando ênfase a figura do indivíduo na arena internacional.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 08

CAPÍTULO I - Considerações sobre Direito: uma abordagem teórica

acerca da personalidade jurídica da pessoa humana na esfera internacional 15

CAPÍTULO II - Considerações sobre Filosofia: uma abordagem teórico-

historiográfica acerca da Teoria das Relações Internacionais 29

CAPÍTULO III – Considerações sobre Política: uma breve abordagem

teórica acerca da formação do Estado Moderno com vistas a uma

sociedade civil igualitária frente ao fortalecimento do indivíduo

como entidade de direito internacional 51

CONCLUSÃO 56

BIBLIOGRAFIA CONSULTADA 63

ÍNDICE 66

FOLHA DE AVALIAÇÃO 68

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I�TRODUÇÃO

O presente trabalho monográfico tem como tema a personalidade jurídica do

indivíduo em direito internacional. Sua escolha resulta de sua atualidade e não

propriamente do fato do ser humano possuir personalidade jurídica e capacidade de agir.

A metodologia aqui adotada será, tão somente, uma abordagem teórica de

natureza geral e informativa, dando ênfase à figura do indivíduo na esfera internacional.

Baseando-se na referência histórica, será apresentado o reconhecimento do

sujeito ou titular de direito, através da perspectiva ex part principis, estabelecido na

possibilidade de agir com licitude e de exigir com pretensão, por parte do Estado, uma

conduta ou prestação baseada na lei ou derivada de ato jurídico.

Este estudo também versará, de forma simplificada, sobre a titularidade de

direitos e deveres apresentada no século XVI e na primeira metade do século XVII, que

tinham o Estado como sujeito único de Direito Internacional, tendo justificativa e

amparo à legitimidade estatal ofertados pela religião. Após a Paz de Westfália (1648)1,

determinou-se que o império seria governado por um príncipe, sem influência religiosa

na regulação da conduta humana. Surgindo mais tarde as organizações internacionais

com existência e vontade distintas daqueles que as criaram, compondo, assim, órgãos

deliberativos.

Uma exposição do ser humano com capacidade internacional e a proteção de

seus direitos fundamentais também se farão pertinentes neste trabalho. Pois, o ser

humano é o verdadeiro destinatário das normas jurídicas internacionais. 1 A Guerra dos Trinta Anos (1618-1648) provocada pela oposição da nobreza tcheca e alemã às

tentativas de centralização do poder imperial, complicou-se com questões religiosas _ rivalidades entre católicos e protestantes do Sacro Império _ e ambições territoriais dinamarquesas e econômicas da Suécia, e acabou se construindo em um novo episódio das divergências entre França e a Casa D`Áustria. Daí a interferência francesa no conflito: a princípio, limitando-se a fornecer auxílio financeiro e armas; mais tarde, participando abertamente com suas forças militares, até que a Paz de Westfália (1648) pôs fim às hostilidades e, por suas decisões, marcou o início da hegemonia da França na Europa.

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Este projeto de pesquisa visa demonstrar dois postulados de grande relevância

do Direito Internacional Público. Primeiro, que o particular é, no âmbito internacional,

titular de direitos_ Direitos Humanos_ e titular de obrigações _ Direito Penal

Internacional_; portanto, o particular é destinatário de normas do Direito Internacional.

Segundo, que o desenvolvimento e o enfoque do trabalho pertinente ao ser humano

como sujeito de Direito das Gentes apresentam vinculação estreita com o

reconhecimento e o tratamento ofertados à proteção de direitos humanos.

Uma outra vertente deste estudo, será a abordagem, sob à luz de uma análise

teórico-historiográfica, das duas acepções para a Teoria das Relações Internacionais:

uma estrita (precisa, restrita), onde a concepção de Estado-nação deu origem ao que

conhecemos hoje como Estado Moderno (século XVII), que se consolidou com o

Tratado de Westfália (1648) versus uma acepção ampla, que usa o termo relações

internacionais entre as diferentes unidades políticas: os Estados, as Organizações

Internacionais e os indivíduos, sujeitos de direito internacional.

A título de exemplo, apontamos aqui o historiador Raymond Aron2, que trabalha

com a acepção de relações interestatais, que são relações entre os Estados Modernos, ou

seja, relações internacionais.

A Primeira Grande Guerra Mundial é tida como um divisor de águas no que

tange às observações acerca das relações internacionais. Anteriormente à Grande

Guerra, o objeto de análise era mais filosófico (séculos XVII e XVIII). Por outro lado,

depois da Primeira Guerra a abordagem passou a ter um cunho científico.

Com o intuito de melhor entender e analisar essas reflexões acerca das relações

entre os Estados, é interessante buscar a compreensão desses dois tipos de

conhecimento, que auxiliam na busca do desenvolvimento do conhecimento das coisas

do mundo, a saber:

2 Raymond Aron é historiador e sociólogo francês.

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• Conhecimento Filosófico: busca o conhecimento da totalidade; é o sentido

último das coisas; seu processo é um encadeamento lógico do raciocínio, e só

tem compromisso com o pensamento pensado, isto é, com o pensamento

refletido, fruto de reflexões; este tipo de conhecimento tem o compromisso com

conceitos. Conceito filosófico-político acerca do Estado é apresentado sob forma

de indagação filosófica: O que é o Estado? O que é a democracia? O

conhecimento filosófico não tem comprometimento com a observação.

• Conhecimento Científico: é aquele que dá conta de observar os fatos. Portanto,

busca a verdade em conexão com o que acontece no mundo; nasce a partir da

observação da realidade, da observação sistemática, controlada. Esta é uma

forma de conhecimento que se realiza sob condições específicas, onde há a

necessidade das fontes, das provas.

Na verdade, pensar em relações internacionais nos séculos XVII e XVIII era

pensar no Estado; o Estado também continuou como elemento norteador das reflexões

do período que antecedeu a Primeira Grande Guerra. Refletir sobre a formação do

Estado era concebê-lo como um produto histórico, um produto da relação humana.

O Tratado de Westfália (1648) é o embrião bem definido do atual modelo de

Estado, definido por um conjunto das instituições, que são ocupadas pelos governos e

pelos homens.

Este modelo de análise filosófica, que mobiliza então o pensamento dos séculos

XVII e XVIII, é, como já afirmado anteriormente, o pensar o Estado; é a própria

indagação sobre o ‘por quê devo me submeter ao Estado?’, ‘Por quê deve-se criar um

Estado?’ E, por sua vez, o Estado, como criatura responsável em oferecer respostas a

estes questionamentos filosóficos, responde, garantindo a segurança e a prosperidade

aos indivíduos que nele habitam. Em contra partida, observamos um grande paradoxo

nessa relação entre Estado e indivíduo: Estado pacifica de um lado e guerreia de outro.

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Com o transcorrer dos séculos, entretanto, as Relações Internacionais, como

objeto de reflexão filosófica própria do século XVIII, têm como característica essencial

o ‘por quê pensar em relações internacionais? E a resposta a esta indagação é simples

‘por causa das guerras.’

Já as relações internacionais, como objeto de estudo do século XIX, passam a

ser elaboradas sob à luz da História Diplomática e do Direito Internacional. Os

historiadores procuram mostrar que os Estados sempre existiram. A História

Diplomática legitima o passado para as gerações futuras, auxiliando, desta forma, a

formação da memória de um povo, enquanto o Direito Internacional procura dar solução

aos problemas práticos.

Portanto, valemo-nos do presente estudo para destacarmos a real importância de

permearmos o pensamento político, através de análises das principais ideias de alguns

dos grandes e notáveis pensadores e filósofos políticos que, ao longo dos tempos, têm

influenciado a formulação e a aplicação de teorias políticas e jurídicas. Assim, com

maior dedicação à Filosofia Política, como campo privilegiado de reflexões neste

projeto monográfico, pois as exposições e análises a serem desenvolvidas acerca das

ideias de influentes filósofos políticos terão conexão com o ideal de formulação dos

sistemas jurídico, econômico, social, cultural e político, que corroboram para a

exposição do indivíduo como sujeito de direito internacional.

Outras considerações à construção desta monografia serão tomadas acerca dos

binômios política-direito e Estado-direito, como ponderações necessárias ao

reconhecimento do indivíduo como titular de direitos e deveres na arena internacional.

A política sem ou contra o direito é o caminho certeiro à corrupção e à ditadura; por

outro lado, o direito sem a política é o alicerce para a formação de atos injustos ou

regras sem autenticidades e, por isso mesmo, desprovidas de eficácia.

Com efeito, relembramos Aristóteles no que tange a uma característica

fundamental do ser humano, o ideal de natureza associativa, que faz da convivência

uma necessidade fundamental. Mas, ao mesmo tempo que é associativo, o ser humano é

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essencialmente livre, com suas aptidões, seus conhecimentos, suas preferências e suas

convicções, que configuram sua individualidade. A coexistência desses dois fatores

essenciais à pessoa humana _ o impulso associativo e a individualidade diferenciada _

leva a uma possibilidade permanente de conflitos, que podem perfeitamente ser

harmonizados e convertidos em fatores positivos por regras justas e eficazes para

disciplinar a convivência.

A fixação de objetivos sociais, o estabelecimento de prioridades e a criação e a

escolha de meios para atingir tais objetivos são tarefas da política, mas quando

desempenhadas com legitimidade implicam a existência concomitante de regras, que

reflitam as vontades e os interesses de todos os que participam da convivência e que

possam ser impostas à obediência de todos, preservando a dignidade inerente à condição

humana de cada um. O estabelecimento dessas regras sem agredir a liberdade e a busca

dos meios para assegurar sua eficácia são tarefas que incumbem primordialmente ao

direito. Sendo assim, direito e política devem coexistir na busca permanente de uma

sociedade justa, que preconize sempre a igualdade de condições para todos os membros

da sociedade.

Da mesma forma, a ideia de análise de Estado e direito deve ser fundamental no

que tange à busca de uma sociedade civil igualitária, onde os indivíduos, mais uma vez,

possam agir com licitude e exigir com pretensão do Estado uma conduta baseada em

atos jurídicos. É mister apontarmos que o direito serve para ordenar a sociedade. A ideia

de ordem repousa na ideia de estabilidade, assim como a política desassociada ao direito

é o caminho certeiro ao caos social, a sociedade desprovida de normas jurídicas

transforma-se num corpo essencialmente instável, fadado ao fracasso, por outro lado, a

sociedade juridicamente ordenada transforma-se no Estado.

A ideia de direito e a ideia de Estado estão, portanto, intimamente relacionadas.

Não há Estado sem direito e nem direito sem Estado. É essencial que se diga que Estado

e direito são coisas distintas, também é válida a menção do fato de que o direito não

surge do Estado, e sim o Estado nasce do direito. Portanto, o Estado, isto é, a sociedade

estável, é um produto do direito.

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Outro ponto de importância crucial para a observação da natureza do direito, do

Estado, dos indivíduos é a mobilidade contínua da sociedade, logo do Estado. A ciência

do direito reconhece a existência e a necessidade desse movimento constante do corpo

estatal. Daí a história do direito aponta que a família, em sua origem, foi um Estado

minúsculo, comprovando o caráter político da família, e portanto, o desenvolvimento do

Estado. A família, a gens, e a cidade, a polis, são as primeiras fases do desenvolvimento

do Estado.

Devemos sempre pensar que o movimento evolutivo das coisas do mundo é algo

inclusivo, ou seja, a evolução acrescenta paulatinamente algo ao que já existia sem, com

isso, excluir o que já existia. As unidades menores jamais desaparecem com a formação

das unidades maiores: a família está compreendida na gens _ e não absorvida por ela _

como unidade inferior (menor), assim como a cidade está compreendida no Estado,

como unidade superior (maior). As unidades inferiores não perdem nem sua estrutura

nem sua função. Há de se conceber esse movimento evolutivo para melhor entender a

estrutura, ou melhor, a natureza do Estado. A tentativa de negar a família para afirmar o

Estado é uma ação completamente equivocada e descabida. Sem os indivíduos não há

família, assim como sem família não há Estado. Da mesma forma é tão certo

reiterarmos que o Estado nasce do direito, assim como o Estado não emerge sem a

estrutura familiar. É de suma importância a tomada de consciência da complexidade e

da complicação do corpo estatal como diretriz básica para tentarmos chegar a um pleno

conhecimento da entidade Estado, o que não foi possível até o momento nem pelo

pensamento empírico3 nem sequer pelo científico. Haja vista que as duas formas de

pensamento, isoladamente ou em conjunto, não dão conta de responder a pergunta: o

que é o Estado? Estável é algo que está; a sociedade juridicamente ordenada se chama

Estado, portanto, o Estado está formalizado sob normas jurídicas estabelecidas com

vistas a manter a integridade da estrutura do Estado. Dizemos isso para tentar elucidar a

natureza do Estado, que se apresenta em constante movimento evolutivo, sem data de

término. Daí a complexidade e a complicação absurdas em se explicitar o que é o

Estado. E desta forma, podemos ter do Estado um conceito mais parcial do que inexato, 3 Pensamento Empírico: é o conhecimento do senso comum, ou seja, o conhecimento do dia-a-dia, do

'vivendo e aprendendo'.

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no sentido de que compreendemos nele apenas algumas estruturas que realmente o

compõem. Por conseguinte, ao pensarmos no Estado, devemos nos lembrar do

presidente da república, do governo, dos tribunais, dos municípios, das cidades, e

também da família, das associações, dos sindicatos, das sociedades, ou seja, de sua

variedade sempre crescente. Neste ponto, não obstante, é imprescindível mencionarmos

que se estas estruturas não estivessem compreendidas no Estado, não estariam,

tampouco, compreendidos os indivíduos nele; estes, quando concebidos no Estado, não

podem ser percebidos em uma singularidade abstrata do próprio Estado, porém na

variedade e complexidade reais dos grupos dos quais fazem parte. Daí a grandeza da

importância de se enxergar o Estado tal como ele vem se delineando com as suas mais

variadas estruturas menores, porém não menos importantes, ao longo dos séculos. E,

tentar entender a entidade indivíduo como sujeito de direito internacional é retroceder à

própria formação estrutural da complexa e complicada entidade Estado.

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CAPÍTULO I

CO�SIDERAÇÕES SOBRE DIREITO:

UMA ABORDAGEM TEÓRICA ACERCA DA

PERSO�ALIDADE JURÍDICA DA PESSOA HUMA�A �A

ESFERA I�TER�ACIO�AL

1.1 O Sujeito em Direito

1.1.1 Observações Introdutórias

Como já explicitado anteriormente, o objetivo deste capítulo é oferecer a exame

o tema relativo à personalidade jurídica da pessoa humana em Direito das Gentes.

A predileção por este primeiro tópico de análise resulta de sua própria atualidade, não

obstante a sedimentação do reconhecimento de que o ser humano possui personalidade

jurídica e capacidade de agir, sendo, portanto, sujeito pleno de Direito Internacional.

Sob outro enfoque de análise, a questão eleita oferta um forte e instigante desafio de

analisar, atenciosamente, dois temas fundamentais de Direito Transnacional: pessoas

internacionais e o indivíduo nas relações internacionais sob os aspectos políticos,

econômicos, sociais e o próprio estado de guerra.

Desta forma, não se vislumbra a realização de um trabalho completo e abrangente que

possa esgotar a matéria em um único capítulo, estamos longe disto. A abordagem,

porém, será ampla no sentido de se ter contato com as principais vertentes que

envolvem a questão da pessoa humana na esfera internacional com o intuito de melhor

analisá-la frente a um conflito armado, a uma guerra civil.

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1.1.2 Observações Históricas

O término da Segunda Guerra Mundial deixou assinalado a ferro em brasa na

consciência e na alma daqueles que vivenciaram aquele momento histórico, dentre

outros registros, as atrocidades cometidas no decorrer do conflito. Violações aos direitos

fundamentais do ser humano como a vida, a liberdade e a dignidade tornaram-se

práticas comuns, penalizando indivíduos não pelo que fizeram, mas, simplesmente, pelo

que eram.

Ainda naquele contexto, como decorrência de um processo de reflexão e de

grande esforço à não-repetência de fatos desumanos, foram reavivados o espírito

jusnaturalista e também o julgamento moral da imprescindibilidade de se estabelecer

um sistema internacional que defendesse e zelasse pela manutenção da paz mundial e

que ofertasse um processo de proteção aos direitos fundamentais da pessoa humana.

Ergue-se a Organização das Nações Unidas em 1945, e sob seu apoio, em 1948,

a Declaração dos Direitos do Homem, desencadeando, o processo de generalização e de

internacionalização dos direitos humanos.

Simultaneamente, e como consequência natural e necessária à implementação do

sistema de proteção geral, ressurge, nos dois planos teórico-doutrinário e da

jurisprudência internacionalista, o reconhecimento da subjetividade jurídica do

indivíduo perante as normas de Direito das Gentes, até então obscurecido pela

prevalecente corrente clássica (surgida com o Absolutismo), que julgava o Direito

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Internacional como um direito unicamente de relações entre Estados e suas entidades

derivadas.

Presencia-se, assim, neste contexto, a substituição, em matéria de capacidade

jurídica e de direitos humanos, do princípio da proteção diplomática, baseado no

exercício da competência dos Estados, pelo princípio da proteção internacional, que

busca tutelar os direitos dos indivíduos enquanto tais e não enquanto indivíduos

pertencentes a qualquer Estado.

1.1.3 O Sujeito ou Titular de Direito na Teoria Geral do Direito

“O desfecho inarredável é que os direitos exigem um sujeito ou titular a quem

pertençam, e que, de forma direta ou indireta, os exerça em relação a determinadas

pessoas ou em relação à generalidade dessas pessoas.”

E o reconhecimento dessa condição mostra, de forma incontestável da

perspectiva ex part principis, que ao ditar o direito positivo, promovendo uma

deliberação política, estabelece-se o rol daqueles aptos a adquirirem direitos e

contrairem deveres perante a ordem jurídica estabelecida pelos mesmos titulares de

direitos e deveres.

Ser sujeito de direito, assinala Paulo Nader, ‘consiste na possibilidade de agir e

de exigir do titular do dever jurídico uma conduta ou prestação criada por lei ou

derivada de negócio jurídico.’

No exposto acima, distinguem-se dois núcleos. O primeiro, da licitude, traduzido na

capacidade de exercitar o seu direito nos limites impostos pela lei. E o segundo, a

pretensão, espelhada no direito de exigir da parte oposta da relação jurídica a

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concretização da prestação, positiva ou negativa, por ela assumida no momento da

realização do ajuste convencional ou da obrigação geral decorrente de lei.

Desta forma, apresenta-se, de maneira transparente e inequívoca, a junção dos direitos

objetivo e subjetivo, sendo o último decorrente do primeiro, ou seja, o direito que o

Estado impõe aos seus administrados estabelece, entre eles, direitos e deveres exigíveis.

1.1.4 Os Sujeitos em Direito Internacional

Observando os ensinamentos expostos acima, quando enfocada a situação dos

titulares de direitos e obrigações na Teoria Geral do Direito, vimos que da subjetividade

jurídica internacional decorre a personalidade jurídica internacional, consubstanciada

num status ofertado a pessoas ou entidades de trafegarem pelo Direito das Gentes,

mediante elevação de deveres ou aquisição de direitos originários da própria ordem

jurídica _ como as normas imperativas de Direito Internacional Geral _ ou dos negócios

jurídicos bilaterais ou multilaterais.

Não constituindo exceção à regra geral do Direito, a qualificação de pessoa

internacional, que traz no seu bojo a de personalidade internacional, exsurge do próprio

sistema jurídico, que fixa os conteúdos e limites dos direitos e obrigações.

Segundo Guido Soares, a condição de pessoa internacional não deflui da

dedução lógica de ser destinatário de normas jurídicas internacionais. A constatação de

que pessoas, entidades ou fenômenos recepcionem, de forma expressa e nominal,

proteção ou até mesmo repúdio de normas integrantes do sistema jurídico internacional,

não denota sua capacidade de direitos e deveres perante estas.

A noção de sujeito no Direito Internacional Público, por exemplo, se aplica,

primeiramente, aos Estados. Mas, estes podem conceder, por efeito de convenções, certa

personalidade a coletividades não-estatais. Da mesma forma, os Estados podem conferir

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capacidade a pessoas morais com a finalidade de operarem certos serviços públicos

internacionais: as organizações internacionais. Finalmente, podem os Estados, por

acordo ou processo habitual, reconhecer direitos em favor de particulares ou impor-lhes

obrigações regidas pelo Direito das Gentes.

A diversidade de sujeitos, porém, não causa problema no plano teórico. Como

deliberou a Corte Internacional de Justiça em relação à Organização das Nações Unidas:

‘os sujeitos de direito, num sistema jurídico, não são necessariamente idênticos quanto à

sua natureza ou à extensão de seus direitos.’

1.2 Evolução Histórica da Subjetividade Jurídica Internacional: Os

Estados e as Organizações Internacionais

1.2.1 Os Estados

A cada fase histórica do panorama internacional correspondem diferentes

sujeitos de direito internacional. Isto porque o valor de subjetividade internacional

apresenta, no ensinamento de Celso D. de Albuquerque Mello, em paralelo às suas

dimensões sociológicas e lógico-jurídicas, a sua vertente histórica, autorizando-nos a

assertiva de que a composição do quadro dos entes, a quem a ordem internacional

atribui direitos e deveres, não se apresenta permanente e inflexível, variando, portanto,

através da evolução histórica. A titularidade de direitos e deveres perante a ordem

jurídica internacional não constitui, assim, um dado, mas sim uma invenção humana em

constante processo de mutação, construção e reconstrução.

Fortalecendo ainda mais a tese acima advogada, constata-se que a condição de

pessoa internacional é um arbitramento do ordenamento jurídico internacional,

elaborado pelo homem, que ressente de influências de vetores presentes na sua atividade

legiferante, ou seja, influências decorrentes de fatores sociais, econômicos, políticos,

culturais, religiosos e tantos outros.

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A questão da subjetividade jurídica internacional se confunde com a própria

origem do Direito das Gentes, cuja precisão ainda repousa no manto da

indeterminabilidade, decorrente das múltiplas e complexas relações entre sociedades

politicamente organizadas.

Dando prosseguimento à evolução histórica da subjetividade jurídica

internacional, é mister dizer que _ não obstante a constatação histórica de que as origens

deste ramo da ciência jurídica remonta à Antigüidade_ reside no século XVII o advento

do modelo estadocêntrico, clássico e realista, que fixou os Estados como sujeito único

de Direito Internacional.

O certo é que a religião ocupava lugar de destaque na vida europeia desde os

primórdios do que se convencionou determinar tempos modernos. A vinculação a um

ser superior, além de justificar e amparar a legitimidade do poder estatal, aprovava os

diversos atos e fases da vida do ser humano, iniciando com o nascimento e o batismo, e

findando com a morte e o sepultamento.

No início do século XVI, vislumbrava-se a imprescindibilidade da renovação da

crença na vida após a morte e, como dedução natural, na superação de uma Igreja

espiritualmente falida e insaciável de bens materiais, protagonizada pelas seguintes

opções: a Igreja Católica Romana do Ocidente e a Igreja Grega Ortodoxa do Oriente.

Reformistas, tanto protestantes quanto católicos surgiram a fim de levantar sua

bandeira político-religiosa, pregando suas ideias de justiça. Porém, a tolerância religiosa

era frágil. Em muitos países, incluindo o Sacro Império Romano, essa fragilidade da

tolerância religiosa resultava mais propriamente da fraqueza do que da força do Estado,

ou seja, ocorria quando o Estado não conseguia impor a uniformidade religiosa,

considerada fundamental para a sobrevivência política. As crenças conviviam até que os

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21

governos se tornassem fortes para impor a sua única fé em uma só pedra a seu povo. E,

nem sempre o catolicismo ou o protestantismo era a escolha reinante.

As rivalidades políticas, bem como as religiosas, de mais de um século _ do

século XVI à primeira metade do século XVII _, foram decididas em grandes batalhas,

até que em 1648 foi assinada a Paz de Westfália, que pôs termo às diferenças religiosas

e políticas que açoitavam a Europa e que se posicionavam como responsáveis pela

eclosão da chamada Guerra dos Trinta Anos (1618 a 1648).

A intitulada Paz de Westfália consagraria a regra de que, no território sob o

império de um príncipe, prevaleceria, com exclusividade, apenas uma ordem jurídica,

ou seja, a ordem jurídica adotada por aquele príncipe, afastando-se, com esta

determinação, a influência religiosa na regulação da conduta humana. É a consagração

do princípio da territorialidade do direito, que passaria a dominar toda a concepção

moderna sobre a eficácia _ existência e aplicabilidade _ das normas dos sistemas

jurídicos nacionais.

Fixado, assim, o postulado clássico do direito internacional, que, protegido no

princípio da igualdade jurídica entre os Estados, fez surgir os primeiros ensaios de uma

regulamentação internacional positiva ditada exclusivamente pelos Estados, erguidos à

forma de organização da sociedade que se apresenta, espontaneamente, no momento

histórico em que o poder de um governante se faz prevalecente e exclusivo sobre uma

determinada região _ território.

1.2.2 As Organizações Internacionais

Se os Estados foram, ao longo de significativo espaço de tempo, os

protagonistas únicos do cenário internacional, é sabido de todos que mais de trezentos e

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22

cinqüenta anos após a Paz de Westfália a estrutura estadocêntrica não corresponde à

realidade estabelecida com o desenvolvimento das relações internacionais.

O advento de problemas em nível global fez surgir a necessidade do

enfrentamento desses mesmos problemas também em escala mundial, impelindo os

Estados, dotados de personalidade originária, a uma aproximação inadiável com vistas à

atuação em cooperação, em benefício de suas populações na consecução de tarefas que

eles, isoladamente, enfrentariam dificuldades para realizar.

Surgem, assim, as Organizações Internacionais, também rotuladas de

Organizações Intergovernamentais, criaturas resultantes da vontade dos Estados que, à

semelhança das pessoas coletivas do Direito Interno, possuem existência e vontade

distintas daqueles que as instituíram e, como conseqüência lógica, compõem os seus

órgãos decisivos.

O advento da Liga das Nações em 1919 não ensejou a assimilação imediata

destas entidades como sujeito de Direito Internacional, prevalecendo a tese clássica,

realista ou estadocêntrica, que idealizava as relações internacionais meramente entre

Estados.

Somente com o surgimento da Organização das Nações Unidas – ONU,

formalmente constituída em 24 de outubro de 1945, com 51 Estados-membros, é que

ocorreu o reconhecimento, hoje pacífico, da personalidade jurídica derivada e da

capacidade de agir das Organizações Internacionais Públicas.

Em relação ao tema, é bastante elucidativo o enfoque ofertado por Antônio

Augusto Cançado Trindade que, advogando a tese acerca da importância da ONU como

elemento ensejador do reconhecimento da personalidade jurídica internacional das

Organizações Intergovernamentais, brinda-nos com a seguinte passagem:

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“Não há um dispositivo na Carta da ONU expressamente lhe atribuindo

personalidade jurídica internacional. A omissão dos redatores não foi, no entanto,

acidental, mas deliberada, para afastar das mentes dos delegados participantes da

Conferência de São Francisco a imagem fantástica de um super estado. Com efeito, a

Delegação belga chegara mesmo a propor uma emenda pela qual os Estados-partes

reconheceriam que a nova organização possuiria um status internacional, juntamente,

com todos os direitos que isto envolve, mas na ocasião chegou-se à conclusão de que tal

dispositivo seria supérfluo, pois estava implícito nos dispositivos da Carta tomada como

um todo.”

Na continuidade de seu discurso, Cançado Trindade ministra o ensinamento de

que para possuir personalidade jurídica internacional, as Organizações Internacionais

devem satisfazer a certos requisitos objetivos: criadas originalmente por um acordo

internacional entre Estados são dotadas de órgãos que expressam uma vontade distinta

da dos Estados-membros e possuem determinados propósitos a serem realizados no

exercício de suas funções e poderes.

Eliminada a dúvida até então subsistente nos meados do século XX acerca da

capacidade jurídica internacional dessas entidades, incontestável se apresenta a

importância dessas Organizações Internacionais como instrumento de influência no

cenário mundial, necessitando, desta forma, de manutenção de ajustes com outras

entidades de igual teor e com os próprios Estados. Ignorar tal contestação, seria

esquecer o óbvio, ou seja, a imensurável importância das Organizações Internacionais

na arena internacional.

1.3 O Ser Humano como Sujeito de Direito Internacional

1.3.1 Observações Históricas

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Como já exposto anteriormente, o status jurídico, consubstanciado na

capacidade de direitos e deveres internacionais e consagrado pelo ordenamento de

idêntica esfera, apresenta sua dimensão histórica quando circunstâncias diferenciadas

servem de instrumentos de influência no campo decisório do legislador responsável pela

elaboração de normas de Direito Internacional Público, levando-o a erguer determinada

entidade como sujeito de direitos e deveres.

Segundo o Professor Almeida-Diniz, o primeiro valor cristão, já demonstrado

por São Paulo em suas Epístolas imortais, é o que preside no ramo da ciência jurídica

sob estudo: a universalidade. Para o Apóstolo da gentilidade, a salvação operada por

Cristo não era de exclusividade judaica. Célebre frase extrai-se da Epístola de São Paulo

aos Gálatas, III, 28: “Não há judeu nem grego, não há escravo nem livre, pois todos vós

sois um só em Cristo Jesus.”

Diversas passagens do Antigo Testamento apresentam defesas dos Profetas em

favor dos humildes e contra os tiranos e arbitrários, construindo, desde então, o que

atualmente conhecemos como Direito de Insurgência.

Na Grécia, em Roma e na Idade Média registram-se ações, pregações e

documentos contendo os direitos do homem; tais registros formaram um esqueleto

jurídico baseado no respeito aos direitos naturais, na dignidade do ser, na

inviolabilidade da família e no direito de associação.

1.3.2 Posicionamento Doutrinário sobre o Ser Humano no Plano

Jurídico Internacional

A atribuição de personalidade jurídica internacional à pessoa humana constitui

objeto de acirradas controvérsias no plano teórico-doutrinário.

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25

Os defensores da exclusividade dos Estados e das pessoas coletivas que os

próprios Estados instituem, as organizações intergovernamentais, como atores do

cenário internacional e como corolários naturais pela negação desta condição ao ser

humano, elegem cinco categorias fundamentais a serem adimplidas como condição ao

reconhecimento de sua personalidade jurídica internacional, a saber: capacidade de

produzir atos jurídicos internacionais; capacidade de verem-se imputados fatos ilícitos

internacionais; capacidade de acesso aos procedimentos contenciosos internacionais;

capacidade de os Estados se tornarem membros e de participarem plenamente da vida

das organizações internacionais e capacidade de estabelecer relações diplomáticas

internacionais.

Alicerçado nas proposições acima destacadas, o ilustre Juiz da Corte

Internacional de Justiça, José Francisco Resek, posicionando junto a internacionalistas,

embora minoritários, reluta na aceitabilidade da pessoa humana como sujeito de direito

das gentes.

Rezek revela que os indivíduos são destituídos de força normogenética em nível

internacional, não se envolvendo, a título próprio, na produção de normas jurídicas

internacionais e nem guardando qualquer relação direta com estas, diferentemente dos

Estados e das Organizações Intergovernamentais.

Adicionalmente, a idéia de personalidade jurídica do indivíduo no Direito

Internacional exigiria que ele dispusesse da prerrogativa ampla de reclamar, nos foros

internacionais, a garantia de seus direitos, e que tal qualidade resultasse de norma geral;

o que não se verifica.

Por final, Rezek aponta o fato de que é falsa a ideia de que o indivíduo tenha

deveres diretamente impostos pelo Direito das Gentes, independente de qualquer

vínculo preexistente, nacionalidade ou residência, com um Estado componente do

cenário internacional.

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26

Em repulsa ao posicionamento do ilustre Juiz da Corte de Haia, o Professor

Guido Fernando Silva Soares defende a tese de que as eventuais limitações à capacidade

jurídica internacional da pessoa humana não descaracteriza a sua condição de sujeito

passível de direitos e obrigações internacionais. Segundo Guido Soares, há de se

reconhecer que, procedendo um exame das cinco categorias fundamentais transcritas, a

pessoa humana, atualmente, como pessoa abstrata, não tem quaisquer atributos para

firmar tratados e convenções, para instituir e compor uma organização internacional e

nem tampouco para apresentar-se, isoladamente, perante um Estado alienígena ou um

organismo internacional estrangeiro, deixando, desta forma, de preencher os requisitos

da primeira, quarta e quinta categorias.

Porém, sustenta Guido Soares, que não subsiste o argumento de que o indivíduo

se encontre afastado das idéias relativas à imputabilidade decorrentes de fatos ilícitos

internacionais _ segunda categoria _e de seu direito de acesso próprio aos Tribunais

Judiciais Internacionais _ terceira categoria. Uma revisão dos conceitos tidos como

absolutos pelo ilustre Juiz Rezek se faz, portanto, necessária e fundamental. A

consolidação dos direitos individuais redundou na consagração da subjetividade

internacional do homem sob o prisma da responsabilidade e dos deveres.

Como reforço às ideias do Professor Guido Soares, dois exemplos são por ele

mesmo elevados em proteção à sua tese acerca da imprescindibilidade da relativização

de seus conceitos aqui expostos. O primeiro fato é a instituição da Corte Criminal

Internacional que, sediada na cidade holandesa de Haia e composta por 18 juízes, tem

por finalidade pôr termo com a impunidade internacional e prevenir novos crimes,

exercendo, assim, sua jurisdição sobre pessoas e não sobre Estados. O segundo fato é a

Comissão Européia de Direitos Humanos, cujo acesso dos indivíduos se faz de forma

direta, prescindindo de que seus direitos sejam monopolizados pelo Estado ao qual se

vincule por laço de nacionalidade ou residência, através do instituto que o Direito

Internacional rotula de proteção diplomática . Ademais, prossegue o autor, há normas

precisas em tratados internacionais que concedem plenos direitos aos indivíduos:

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27

Por final, conclui Guido Soares:

“Portanto, a nosso ver, na atualidade é indiscutível haver clara

atribuição da personalidade jurídica de direito internacional à

pessoa humana, com as restrições factuais e os condicionamentos

legais que a norma internacional pode estabelecer _ como, de

fato, estabelece para qualquer outra pessoa de Direito

Internacional que não seja o Estado, reconhecido como tal por

este Direito, inclusive as organizações intergovernamentais

constituídas pelos Estados.

Na esteira do reconhecimento da subjetividade jurídica internacional da pessoa

humana, Gerson de Brito Mello Boson sustenta que a capacidade jurídica de agir

pressupõe a personalidade, e não o contrário. A primeira é um desdobramento da

segunda que, por seu turno, se desdobra em capacidade processual de agir e esta última

também se desdobra em direito de postular perante instâncias internacionais.

Celso Duvivier de Albuquerque Mello tem seu posicionamento objetivo e

transparente ao reconhecer que no tempo presente ainda subsiste uma grande disputa

entre os doutrinadores do Direito Internacional sobre a questão da subjetividade jurídica

internacional da pessoa humana. Celso Mello alerta que o desfecho não se reveste de

importância nos limites do meio acadêmico, mas se apresenta de relevante questão

prática, pois da resposta que for apresentada dependerá a validade de uma série de

institutos e normas que se pretende introduzir de modo definitivo no Direito

Internacional.

Do Professor Celso Mello, destacamos:

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“Direito, seja ele qual for, se dirige sempre aos homens. O

homem é a finalidade última do Direito. Este somente existe para

regulamentar as relações entre os homens. Ele é um produto do

homem. Ora, não poderia o Direito Internacional negar ao

indivíduo a subjetividade internacional. Negá-la seria

desumanizar o Direito Internacional, e transformá-lo em um

conjunto de normas ocas sem qualquer aspecto social. Seria fugir

ao fenômeno da socialização, que se manifesta em todos os ramos

do Direito”.

Na verdade, podemos concluir que existem duas principais razões para o homem

ser considerado pessoa internacional: a) a própria dignidade humana, que leva a ordem

jurídica internacional a lhe reconhecer direitos fundamentais e a procurar protegê-los e

b) a própria noção de Direito, obra do homem para o homem. Em consequência, a

ordem jurídica internacional vai se preocupando cada vez mais com os direitos do

homem, que são quase verdadeiros ‘direitos naturais concretos.”

Ainda na defesa da capacidade internacional da pessoa humana, Antônio

Augusto Cançado Trindade, Presidente da Corte Interamericana de Direitos Humanos

preleciona que:

“O processo de generalização da proteção dos direitos humanos

desencadeou-se no plano internacional a partir da adoção, em

1948, da Declaração Universal dos Direitos Humanos. Era

preocupação corrente, na época, a restauração do direito

internacional em que viesse a ser reconhecida a capacidade

processual dos indivíduos e grupos sociais no plano internacional.

Para isto contribuíram de modo decisivo as duras lições legadas

pelo holocausto da Segunda Guerra Mundial. Já não se tratava de

proteger o indivíduo sob certas condições ou em situações

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circunscritas como no passado, mas doravante de proteger o ser

humano como tal.”

CAPÍTULO II CO�SIDERAÇÕES SOBRE FILOSOFIA:

UMA ABORDAGEM TEÓRICO-HISTORIOGRÁFICA

ACERCA DA TEORIA DAS RELAÇÕES

I�TER�ACIO�AIS

2.1 O Realismo nas Relações Internacionais: Panorama Histórico

A corrente realista acredita que as relações internacionais são determinadas pelas

relações de poder, contemplações contrárias as da corrente liberal-idealista, que acredita

que o aperfeiçoamento das instituições internacionais mediante a cooperação entre os

estadistas poderia ser a base para a paz.

As mudanças ocorridas na estrutura do sistema internacional no pós Segunda

Guerra Mundial confirmaram as concepções dos realistas, que tinham como pano de

fundo para assegurar as suas ideias a constante ameaça de guerra nuclear, proveniente

da rivalidade entre as grandes potências: Estados Unidos e União Soviética.

A corrente realista dá vida à disciplina Relações Internacionais propriamente

dita; é sua verdadeira matriz. É a pilastra central da Teoria das Relações Internacionais.

O pensamento político moderno de Thomas Hobbes e Nicolau Maquiavel, pensadores

que serão adiante abordados com mais detalhes, serviu de inspiração para a estruturação

da corrente realista.

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30

O realismo nas relações internacionais representa uma corrente de pensamento

político com identificação prática ocorrida nas décadas de 1930 a 1940, e retomada nos

anos 80. São quatro as etapas dos estudos de relações internacionais, considerando o

século XX, segundo Dougherty e Pfaltzgraff: Idealista, até a década de 30; Realista, até

a década de 50; Behaviorista, até a década de 60; Pós-Behaviorista, anos 60 e 70 e, do

fim dos anos 70, e, principalmente, nos anos 80, retoma-se o Realismo numa fase Neo-

Realista.

O objetivo aqui é explicar o realismo nas relações internacionais através dos

seguintes questionamentos: O que é o realismo nas relações internacionais? Quais seus

fundamentos filosóficos? Quais suas principais manifestações (Pensadores Teóricos)?

Ofereceremos suporte teórico-didático ao entendimento das ideias realistas, usando

também a base teórico-filosófica com o respectivo referencial histórico, bem como as

premissas e os princípios de alguns dos pensadores teóricos do Realismo do século XX.

Com isto, procuraremos elucidar ainda mais a figura do indivíduo como sujeito de

direito internacional.

2.2 O Que é o Realismo nas Relações Internacionais

2.2.1 O Realismo: um breve discurso sobre a relação indivíduo x estado

A transição ideológica do pensamento idealista para o realista pode ser

observada no pensamento de Reinhold Niebuhr, que abre o caminho teórico para a

reflexão do realismo.

Os interesses nacionais se definem por um círculo de políticos e intelectuais, e

portanto, a nação tem interesses defendidos pelas elites.

Para Niebuhr não se alcança a Paz Perpétua defendida por Kant. Deve-se

assumir que as relações ético-morais são de domínio do indivíduo. Não se pode esperar

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31

moral das relações entre sociedades porque são políticas de interesses. Para se atingir a

Paz deve-se: definir interesses nacionais e ouvir os demais Estados sobre seus interesses

nacionais a fim de estabelecer negociações. Portanto, a Paz é uma questão de interesse

nacional. Paz é, então, um processo político-diplomático permanente, um equilíbrio de

poder entre mais de um Estado. A Paz não pode resultar de ideias liberais a serem

impostas como política liberal.

Segundo Edward Carr, a política dos grandes projetos únicos para o futuro

político da humanidade desapareceu, pois se mostrou insuficiente e extremamente

liberal a ponto de gerar um caos internacional como a Crise de 30 e a própria Segunda

Guerra Mundial. É necessário, portanto, agir em prol da segurança nacional e da força

militar. Somente os Estados podem assegurar a Paz Internacional e não apenas

organismos como a Sociedade das Nações.

A Organização Mundial se estabelecerá no momento em que o Poder se torne a

chave da compreensão do mundo alicerçado pela segurança nacional e pela força

militar; reforça-se, assim, o papel do Estado. O realismo associa a imagem deste Estado

a um gladiador envolvido em combate perpétuo. O jogo é política e poder, sem

possibilidade de alteração, o que significaria um fracasso. Não existe harmonia de

interesses entre os Estados, e sim uma situação de competição constante, não

permitindo haver confiança mútua.

Há uma clara distinção entre os códigos de moral em relação ao indivíduo e ao

Estado (Homem do Estado). O Homem do Estado, enquanto defensor da Comunidade

Nacional, não está limitado em suas ações pelas normas éticas e morais que regem os

indivíduos. Em virtude da Raison d’État, ações inaceitáveis internamente são válidas na

política externa.

Os realistas consideram, concretamente, a política como uma luta pelo poder, de

acordo com o interesse de cada Estado, bem como vêem a prudência e a oportunidade

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como limites da ação; daí o pragmatismo realista. O realismo é pessimista, conservador,

empírico, pragmático, receoso dos princípios idealistas e respeitoso com as lições da

História.

A síntese das ideias realistas pode, portanto, ser encontrada no trinômio: Poder-

Interesse Nacional-Segurança, que são a estrutura e o fomento do equilíbrio de poder

entre os Estados, atores internacionais representativos de cada nação; o Estado é o ator

central das relações internacionais na concepção realista, mas não o único.

2.2.2 Quais os Fundamentos Filosóficos do Realismo: o indivíduo

perante o estado e a questão da soberania

O realismo como percepção política é uma matriz muito antiga. Há de se

destacar, no entanto, na tradição ocidental, nomes como Nicolau Maquiavel (1469-

1527), Thomas Hobbes (1588-1679) e Jean-Jacques Rousseau (1712-1778). A corrente

realista busca inspiração no pensamento político moderno, principalmente de Maquiavel

e Hobbes _ fontes também de nossa inspiração neste presente estudo. Aquele pensador

italiano e este filósofo inglês, respectivamente, ajudam a formar a matriz da teoria

política realista: possibilidade de redução do conflito e ampliação da cooperação; assim

como em Locke: há a possibilidade de conflito no estado de natureza, e até seu extremo

em Kant: Paz Perpétua.

A questão do princípio da soberania no pensamento político moderno também se

faz presente na produção intelectual nos séculos XVI e XVII em meio a impetuosos

discursos religiosos e caos políticos que marcaram o florescer da era moderna.

Maquiavel e Hobbes apresentam um discurso na necessidade de se manter centralizado

o poder das autoridades governantes num corpo político limitado fisicamente e

despersonificado de suas partes integrantes. A contribuição desses dois pensadores

políticos foi de extrema importância para o princípio da soberania no pensamento

político moderno sobre qualquer outra configuração de organização política.

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33

Em Hobbes, por exemplo, o pacto de união entre as pessoas e o soberano

estabelece a sociedade civil, libertando, assim, os indivíduos da condição de

beligerância desprezada por Hobbes. É esse mesmo pacto que propicia a sujeição ao

soberano, ou melhor, dever de obediência irrestrita, por parte dos súditos, ao soberano;

direito de reivindicar obediência, por parte do soberano, cujos poderes são inocultáveis

e inafastáveis:

“São estes os direitos que constituem a essência da soberania, e

são as marcas pelas quais se pode distinguir em que homem, ou

assembleia de homens, se localiza e reside o poder soberano.

Porque esses direitos são inocultáveis e inseparáveis”(HOBBES,

Leviatã, 1999, p. 41).

Com a finalidade de destacarmos ainda mais a questão da soberania, valemo-nos

dos conceitos a seguir:

Soberania do Estado: expressa a supremacia do Estado sobre os demais grupos sociais

internos ou externos com os quais se defronta e afirma a cada passo. Do ponto de vista

interno, tais comunidades são a igreja, a escola, a família, as associações, os indivíduos,

etc. Do ponto de vista externo, trata-se da comunidade internacional.

Soberania no Estado: expressa

• a determinação da autoridade suprema no interior do Estado;

• a determinação de uma hierarquia dos poderes do Estado e

• a justificação da autoridade (ou legitimidade) conferida ao sujeito ou titular do

poder supremo.

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34

Assim como Nicolau Maquiavel nos brindou com sua obra que é o retrato de sua

experiência política e das causas de Estado com as quais se envolveu em sua época,

Thomas Hobbes é identificado entre os principais autores do jusnaturalismo racional

nos séculos XVI, XVII e XVIII e como filósofo do absolutismo, ofertou-nos com sua

sistematização e conceituação sobre noções fundamentais que fornecem argumentos

consideráveis para a unidade do Estado, para o reforço do poder, para a manutenção da

sociedade civil. Seu jusnaturalismo racional radica-se no fato de o homem necessitar

adentrar e manter-se no estado civil de convívio.

“Eis o que concerne aos elementos e fundamentos gerais das leis

naturais e políticas. Para o que é do direito entre as nações, é a

mesma coisa que a lei natural; porque o que é lei natural entre

dois homens antes do estabelecimento da república, é, depois, o

direito dos indivíduos entre soberano e soberano” (HOBBES,

Elementos do direito natural e político, p. 237).

2.2.2.1 �icolau Maquiavel (1469-1527)

Maquiavel inaugura o pensamento político moderno, fechando o ciclo da

história do pensamento; é revolucionário na sua concepção teórica. Por vivenciar a

transição do século XV ao XVI, faz essa ruptura do pensamento antigo (Platão/Idealista

e Aristóteles/Realista) ao pensamento moderno europeu.

Há de se mencionar que Maquiavel viveu em um período conturbado1, com as

sucessivas disputas de poder, de um lado os Savonarola, de Borgia, e de outro lado os

Médicis, embrenhando-se em guerras, com multiplicação de milícias privadas e com a

fragmentação da Itália em diversos focos de poder e autoridade. Maquiavel foi um

estrategista do poder, também foi diplomata atuante e grande pensador das causas

políticas de seu tempo. Na época de Maquiavel havia um intenso debate acerca das

formas de governo e, é parte desse diálogo a opção por Monarquia ou República, como

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forma de unificação da Itália. Daí, a ideia de um Príncipe; figura que abarca os atributos

necessários para comandar e reunir os italianos.

Quanto às formas de governo e à figura do príncipe, temos:

“Todos os Estados, todos os domínios que tem havido e que há

sobre os homens foram e são repúblicas ou principados. Os

principados ou são hereditários, cujo senhor é o príncipe pelo

sangue, por longo tempo, ou são novos. Os novos são totalmente

novos, como Milão com Francesco Sforza, ou são como membros

acrescentados a um Estado que um príncipe adquire por herança,

como o reino de Nápoles ao rei da Espanha. Estes domínios

assim adquiridos são, ou acostumados à sujeição a um príncipe,

ou são livres, e são adquiridos com tropas de outrem ou próprias,

pela fortuna ou pelo mérito” (MAQUIAVEL, O Príncipe, 1ª ed.,

1973, p. 11).

Quanto ao esfacelamento do território de Itália, temos:

“Jamais país algum viveu unido e próspero se não foi submetido

inteiramente, como a França e a Espanha, a um só governo:

república ou monarquia. E se a Itália não chegou a isso e não se

encontra igualmente unida sob a autoridade de uma só república

ou de um só príncipe, a única responsável é a Igreja. […] De

maneira que, não tendo sido jamais bastante poderosa para tomar

conta da Itália, … a Igreja foi a responsável deste país jamais se

encontrar unido sob a autoridade de um só chefe, tendo

permanecido dividido entre um grande número de príncipes e

senhores. Daí essa profunda e essa extrema fraqueza que

transformaram a Itália na presa não somente das grandes

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potências bárbaras, mas de quem quer que se aventurasse a

invadi-la” (MAQUIAVEL, Discurso sobre a Primeira Década de

Tito Lívio, …....)

A preocupação central de Maquiavel está baseada no que efetivamente os

homens fazem e podem fazer ao estarem em contato com o poder. Em seu próprio livro

O Príncipe, escrito entre 1513 e 1514, Maquiavel aponta claramente essa questão do

poder, onde repassa a experiência de política e de poder como forma de orientação para

a condução do Estado e do governo:

“Não tratarei das repúblicas, pois em outros lugares falei a

respeito delas. Referir-me-ei somente aos principados e,

retomando o raciocínio anterior, discutirei de que forma podem

ser governados e mantidos” (MAQUIAVEL, O Príncipe, 1ªed.,

1973, p.13).

O que se pode esperar do príncipe? O que se pode desejar do poder? Como

administrar o poder? Quais as técnicas e as formas de manter o poder estável? Que

características definem a manutenção do poder? Estas são as questões que envolvem o

pensamento de Maquiavel e que ajudam a estabelecer parâmetros para a atuação

política.

A análise de Maquiavel não leva em conta a ação moral do príncipe, mas suas

táticas para manter a união e o poder, ou seja, para manter o Estado e desenvolver sua

política de governo. Maquiavel destaca o domínio da política, separando-a da moral e

da religião. O príncipe deve ser um homem político, despido da ética cristã.

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Maquiavel define a política como a luta pela conquista e manutenção de poder:

sociedade é uma arena, onde uma minoria domina e uma maioria luta para não ser

dominada. Maquiavel destaca o domínio da política, separando-a da moral e da religião.

A política para Maquiavel tem a sua própria ética. O príncipe, portanto, deve ser um

homem político, despido da ética cristã.

Segundo Maquiavel, não há paz sem guerra, e de acordo com esta constatação, o

príncipe deve lançar sua preocupação incessante ao fato de que a qualquer momento

enfrentará batalhas com o único objetivo de manter sua hegemonia territorial e

ideológica. Boas leis e boas armas são os grandes pilares sobre os quais os grandes

Estados se erguem:

“Os principais fundamentos de todos os estados, tanto dos novos

como dos velhos ou dos mistos, são boas leis e boas armas. Como

não se podem ter boas leis onde não existem boas armas, e onde

são boas as armas costumam ser boas as leis, deixarei de refletir

sobre as leis e falarei das armas.

Digo, portanto, que as armas com que um príncipe defende seu

estado ou são próprias, ou mercenárias ou auxiliares ou mistas.

As mercenárias e auxiliares são inúteis e perigosas. Quem tem o

seu estado baseado em armas mercenárias jamais estará seguro e

tranquilo, porque elas são desnudas, ambiciosas, indisciplinadas,

infiéis, valentes entre amigos e covardes entre inimigos, sem

temor a Deus nem probidade para com os homens”(Maquiavel, O

Príncipe, 2ed., 2001, p. 57).

Assim, o príncipe não abre mão de alinhar política e guerra; os dois movimentos

caminham juntos para a manutenção do poder do Estado. Poder e força são coisas

distintas para Maquiavel. Em outras palavras: o poder necessita de força para construir-

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se e estabilizar-se. A força é, portanto, algo que não se nega ao poder, sob pena de se

fragilizar e de tombar diante do inimigo.

A obra de Maquiavel revela os assuntos de Estado, na guerra ou na paz, a um

caminho com base nas necessidades mais imediatas do governante na estruturação e na

condução do poder. Em virtude dessa preocupação direcionada, Maquiavel constrói uma

teoria política representante de uma orientação para um governo político da sociedade

em seus aspectos mais quotidianos.

O maior deslize, digamos assim, de Maquiavel foi romper com a retórica cristã,

baseada na moralidade tradicional da Igreja, ao assumir o príncipe como alguém que

não precisa estar obrigado a ser adepto ou mesmo exemplo da virtude cristã. Ao se

distanciar da moralidade cristã no campo político, Maquiavel assegura à figura do

príncipe virtude suficiente para saber administrar as diferenças e os interesses que o

cercam para manter-se no poder e construir a estabilidade do governo. Desta forma,

Maquiavel não faz apologia do fato de que a posse do poder exige atos que não são

congruentes com a moralidade cristã, mas também não se mostra preocupado em

justificar que um bom príncipe, na maioria das vezes, tem de agir de um modo não

cristão para a conquista, manutenção e expansão do poder, advogando desta forma, que

há vícios que são verdadeiras virtudes, pois sua preocupação não está em ser ou pregar a

moral, mas em falar e ensinar política, cujo sistema de valores nada tem a ver com os

códigos morais cristãos. Dito isto, podemos afirmar que para Maquiavel a virtú do

príncipe não é a mesma virtude apregoada pela Igreja, constituindo-se somente em uma

habilidade mundana de administrar o poder e suas instabilidades. O comportamento do

príncipe deve valer-se daquilo de que as pessoas mais costumam buscar para tecer seus

comentários sobre as outras, como piedade, fé, integridade, humanidade e religião, que

são qualidades de grande valia para que um príncipe seja admirado, podendo isso fazer

parte de seu caráter ou não:

“Logo, deve um príncipe cuidar para que jamais lhe espape da

boca qualquer coisa que não contenha as cinco qualidades

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citadas. Deve parecer, para os que o virem e ouvirem, todo

piedade, todo fé, todo integridade, todo humanidade e todo

religião. Não há nada mais necessário do que parecer ter esta

última qualidade. Os homens, em geral, julgam as coisas mais

pelos olhos que com as mãos, porque todos podem ver, mas

poucos podem sentir. Todos vêem aquilo que pareces, mas

poucos sentem o que és; e estes poucos não ousam opor-se à

opinião da maioria, que tem, para defendê-la, a majestade do

estado (MAQUIAVEL, O Príncipe, 2ed., 2001, p.85).

Essa habilidade do príncipe, descrita de modo tão inovador e revolucionário,

consiste em que se chama de virtú. Segundo Maquiavel, sem virtú um príncipe não

resiste no poder. Mais importante do que a fortuna é o governante estar de posse da

virtú, pois a fortuna e a tradição podem não ser elementos garantidores do poder:

“Aqueles que, somente pela fortuna, de cidadãos particulares se

tornaram príncipes fazem-no com pouco esforço, mas com muito

esforço se mantêm. E não encontram dificuldade no caminho

porque passam voando por ele: mas todas as dificuldades surgem

quando chegam ao destino” (MAQUIAVEL, O Príncipe, 2ed,

2001, p.27).

O poder é percebido em pleno movimento, em pleno realismo tal como se

apresenta. Sua análise de poder no que efetivamente é e de acordo com o que se pratica

em sociedade. Não há em sua obra um viés teórico idealista. Sua doutrina política parte

da experiência, da vivência e da convivência políticas para estruturar-se como teoria,

num processo claramente indutivo, realista.

2.2.2.2 Thomas Hobbes (1588-1679)

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Thomas Hobbes nasceu na Inglaterra, de origem humilde, destacando-se como

filósofo do absolutismo. Escreve Leviatã ou Matéria, forma e poder de um estado

eclesiástico e civil, publicado em 1651, onde o poder laico deve garantir o direito dos

indivíduos de professarem a fé que quiserem.

Hobbes não pensa na construção do Estado; sua problemática é a Guerra Civil,

haja vista que ele vivencia a Revolução Inglesa de 1640. O Estado, segundo Hobbes,

obriga os indivíduos a agirem segundo a razão. Na verdade, Hobbes pensa o Estado;

Hobbes é o pensador da política; ele enfrenta a questão central da política: “Por quê os

governados devem obedecer aos governantes?”, “Por quê os indivíduos têm de se

submeter às ordens do Estado?” Hobbes tem um ideal com o Leviatã: elaborar uma

ciência da política. Hobbes trabalha na possibilidade de um pensamento científico, ou

seja, um pensamento racional do Estado. Ele acredita que se realmente quisermos

conhecer o Estado, a sociedade, devemos conhecer o homem. Hobbes é um pensador

individualista: a base da sociedade é o indivíduo. O homem é um misto de paixões e

razões e, baseado nessas paixões, Hobbes elabora uma hipótese para conhecer a razão

do Estado: os indivíduos viviam em estado de natureza e fizeram um pacto social, e

com isso, criaram a sociedade e, consequentemente, o Estado. De acordo com a

abordagem hobbesiana, os homens tendem a viver segundo suas paixões, e não pela

razão. As paixões levam a traição, a cobiça, a inveja e a raiva. E, como resultado final,

temos: guerra permanente, que expõe os homens àquilo que eles mais temem: a morte

violenta e o estado de anarquia. Daí, os homens fazem um pacto: entregam seu poder a

esse terceiro, que não participa do pacto: o Leviatã, Estado soberano que detém o poder

máximo. Por conseguinte, os indivíduos fazem uma troca, pois anseiam por segurança:

seu poder pela proteção do Estado. Em Hobbes, a entrega do poder é irreversível e não

há nenhuma possibilidade de aceitar a rebelião. Segundo Hobbes, a função do Estado é

pacificar as relações entre indivíduos, as relações sociais. E o que pacifica as relações

entre os Estados? O Pacto Social.

Para Hobbes é importante uma sistematização e conceituação de noções

fundamentais que venham oferecer argumentos consideráveis para a unidade do Estado,

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para o reforço do poder e para a manutenção da sociedade civil. Suas ideias sobre o

Leviatã, o Estado, o homem artificial, ganham maior força quando focadas nos

objetivos de unificação, pacificação e reintegração da sociedade. O Leviatã é o eixo das

reflexões empreendidas na área da política por Hobbes, apesar do seu pequeno

envolvimento prático no campo político, segundo afirma Norberto Bobbio.2

O estado de natureza hobbesiano corresponde à situação pré-cívica de convívio

humano, em que a liberdade era a lei maior. E, na esteira da liberdade, está

caracterizada a igualdade de todos na vulnerabilidade à violência, em face da ausência

de autoridade soberana para regular o uso da força, o egoísmo de cada indivíduo na

busca de seus fins pessoais para alcançar a sobrevivência.

O Leviatã é o monstro legendário, que ilustra a figura artificial do Estado, criada

pelo homem para substituir o estado de natureza, belicoso, em que se vivia antes de sua

existência. O homem não somente é capaz de reproduzir, imitar a natureza, mas também

de aperfeiçoá-la, melhorá-la, dar-lhe um fim mais nobre, e capacitá-la.

O pacto de união entre as pessoas e o soberano cria a sociedade civil, oposta ao

estado de natureza, cuja beligerância Hobbes oprime. É esse pacto que cria a sujeição ao

soberano: dever de obediência irrestrita, total ao soberano por parte dos súditos; direito

de reivindicar obediência, por parte do soberano, cujos poderes são inocultáveis e

inafastáveis:

“São estes os direitos que constituem a essência da soberania, e

são as marcas pelas quais se pode distinguir em que homem, ou

assembleia de homens, se localiza e reside o poder soberano.

Porque esses direitos são inocultáveis e inseparáveis” (HOBBES,

Leviatã, 1999, p. 150).

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Hobbes apresenta um conceito de lei como algo inerente à atividade do Estado,

de caráter imperativo e necessário para criar obediência entre os súditos:

“(…): A lei civil é, para todo súdito, construída por aquelas

regras que o Estado lhe impõe, oralmente ou por escrito, ou por

outro sinal suficiente de sua vontade, para usar como critério de

distinção entre o bem e o mal; isto é, do que é contrário ou não é

contrário a regra” (HOBBES, Leviatã, 1999, p. 207).

O soberano, um homem ou uma assembleia, possui poderes tão extensivos que a

faculdade de fazer leis, de revogá-las, de aboli-las também se encontra dentro do rol de

suas possibilidade de ação. A lei é apenas um instrumento utilizado pelo soberano para

conduzir o Estado. Para Hobbes, portanto, a lei serve ao soberano de acordo com as

necessidades e os sentidos que ele próprio define como certos em seu Estado:

“O soberano de um Estado, (…), não se encontra sujeito às leis

civis. Dado que tem o poder de fazer e revogar as leis, pode

quando lhe aprouver libertar-se dessa sujeição, revogando as leis

que o estorvam e fazendo outras novas; por consequência já antes

era livre” (HOBBES, Leviatã, 1999, p. 208).

Hobbes é um filósofo, cujo pensamento central se faz acerca da máxima

concentração do poder, da máxima unificação do poder, da máxima integração do poder

na pessoa do soberano. Os homens, em estado de natureza, encontram-se em plena

liberdade, agindo de acordo com seus instintos e desejos, sem limites. Tais limites que,

na verdade, eram julgados por cada indivíduo, juiz de sua própria causa, de sua própria

ética, de sua própria defesa. Dessa ilimitação surge a necessidade de auto-defesa, de

cada indivíduo lutar pelo que é seu, em face do outro, do que se origina o bellum omnia

contra omnium: o homem é o lobo do próprio homem. E, por tal motivo, o estado de

natureza não pode oferecer paz nem tampouco prosperidade, motivo pelo qual se cria a

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sociedade para que seja liderada em prol da unificação e da contenção das diferenças e

contendas pessoais. O estado cívico constitui a paz entre os homens e a possibilidade de

convívio entre eles. Portanto, a manutenção da sociedade civil é algo a ser perseguido,

almejado. Para Hobbes, a anarquia é o pior momento no qual os homens podem se

inserir: é a dissolução, a destruição, a guerra, ou seja, o retorno ao estado de natureza,

cuja condição inóspita e belicosa expõe os homens em estado de auto-destruição.

2.2.2.3 Jean-Jacques Rousseau (Pensador do século XVIII)

Rousseau é o filósofo dos sentimentos, das paixões humanas, e é o que o homem

tem mais de sublime, segundo Rousseau. É o filósofo de uma nota só; prefere discutir o

homem, que é o objeto de estudo de seu pensamento. Portanto, Rousseau se insere na

filosofia socrática, quando diz: “conheça-te a ti mesmo”.

E não seria nem um pouco distante apresentar o indivíduo como alicerce básico da

filosofia rousseauniana. Na verdade, o homem em estado de natureza se insere no ponto

de partida da filosofia de Rousseau, pois o homem em estado natural refletia uma

nostalgia dos sentimentos mais profundos: sadio; íntegro; reto; divino, sem necessidades

inatas, perversas. Rousseau vê no homem o que há de superior e não o homem marcado

pela máscara, mentira, envolvido em rede de relações justificada por uma superestrutura

que ele próprio criou.

O homem em estado de natureza serve como parâmetro para relacionar com o

homem contemporâneo. O homem em estado de natureza era uma idéia metodológica,

ou seja, um referencial ou um ideal antropológico, uma vez que ninguém tinha como

saber realmente como era o homem em estado de natureza. Segundo Rousseau, o

homem em estado de natureza caracteriza-se pela suprema igualdade.

Rousseau pregava a ignorância, cuja marca é o amor pela virtude e não pelo

artificialismo, ou melhor, ignorância refletia a pureza e a modéstia, qualidades

contrárias a tudo que não torna o homem melhor. Por outro lado, Rousseau advogava

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que a fundação dos males do mundo era alicerçada pelas letras, artes e ciências que

causam todos os males sociais, que nascem da arrogância e soberba do homem. Assim,

Rousseau expunha que ao lado da propriedade, as letras, as artes e as ciências são o

fundamento da hierarquia, da desigualdade, que fazem emergir o poder como básico.

Para Rousseau, a desigualdade nasce com a propriedade; a desigualdade marca a

vida em sociedade. Rousseau acredita numa antítese radical, onde a natureza é contrária

à cultura (‘Kultur’-Produção). Então, o homem ergue o muro da Razão para justificar o

estado degradado pela vida civil.

Rousseau advoga que a Razão deve ajudar o indivíduo a descobrir em si o seu

potencial de superioridade; o papel da Razão é o de ajudar o homem a criar novas

instituições sociais diferentes das que existem atualmente; a Razão, então, é o espírito

cicatrizado pelo mal. Segundo Rousseau, a reformulação das instituições sociais deve

propiciar todas as condições para o desenvolvimento humano, que só é possível na

liberdade, que por sua vez leva o homem à virtude.

Por conseguinte, Rousseau apresenta o Contrato Social. Segundo ele, o estado

de natureza de Hobbes é senão uma projeção da sociedade na qual viviam os indivíduos.

Para Rousseau, o homem sai do estado de natureza quando ele diz: isto é a minha

propriedade; é a ideia de propriedade, que faz com que o homem saia do estado de

natureza no qual ele nasceu. Então, os homens fazem o pacto social para terem

propriedade.

Qual o teor do Pacto, então? Os indivíduos assinam um contrato e entregam todo

seu poder ao povo, politicamente organizado.

Rousseau parte da concepção de que o homem nasce livre, esta é a ideia

principal. Logo, o Pacto é factível; é a construção de um novo modelo social, que não

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esteja pautado nos estigmas dos sentimentos, que não seja apoiado na pura Razão. O

próprio homem criou uma estrutura que o aprisionou em uma rede de intrigas, e o Pacto

servirá para quebrar esta cadeia.

De acordo com a filosofia de Rousseau, a plenitude do homem só é resgatada

mediante ao processo de interiorização. A Razão de Rousseau é apenas um instrumento

para se resgatar, alcançar a plenitude, a liberdade, ou seja, a virtude e a interiorização do

homem.

O esquema de modelo social rousseauniano é então direcionado à comunidade; é

a vida movida pela justiça ao invés dos instintos; há um relacionamento moral entre os

indivíduos e não mais um impulso físico e impulso do direito do apetite. Rousseau

acredita na chamada consciência global, que esteja aberta à comunidade. Rousseau

sustenta que a vida interiorizada faz com que se tenha acesso integral à pessoa humana,

a um novo homem com consciência global, aberto à comunidade e jamais egoísta.

Rousseau é o filósofo do ‘dever’; mundo em que o homem reconhece a voz do

‘dever’; o homem atinge ao máximo a capacidade de nobreza, pois enxergando-se, o

homem enxerga o homem, e por conseguinte atinge a consciência global.

Princípio norteador do modelo social é, portanto, a vontade geral, amante do

bem-comum. A vontade geral é o princípio que garante o bem-comum _enquanto

finalidade do Estado _, que legitima o poder e, como consequência, garante as

transformações sociais, que levam à nova estrutura social.

De acordo com a doutrina filosófica de Rousseau, a vontade geral e amante do

bem-comum é o sentimento através do qual um ser humano tende ao bem. Pois, vontade

particular gera interesses corporativos, privados, e não pode ser entendida como motor

do corpo social. Logo, é a vontade geral, como proposta ao interesse comum de todos,

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que deve ser o motor do corpo social. Em suma, vontade geral é impessoal e visa ao

interesse geral dos indivíduos.

A origem da vontade geral implica em renunciar a própria responsabilidade e

delegar a sua tarefa a outros; não é a sujeição ao terceiro; é fruto de um pacto entre

iguais, que continuam sendo tais; é a união entre iguais. É o momento de renúncia, de

alienação dos seus direitos individuais em prol da comunidade: sai o indivíduo para dar

lugar a um corpo moral e coletivo, ou seja, o povo.

Segundo Rousseau, é da renúncia que esse corpo moral e coletivo extrai a sua

unidade, o seu eu comum, a sua vida e sua vontade. Para Rousseau, a vontade geral não

é a soma da vontade dos indivíduos, é uma realidade que brota da renúncia de cada um

em prol do bem-comum de todos. A vontade geral transcende a vontade do particular e

só brota da igualdade, da liberdade. Rousseau é categórico ao afirmar que o Pacto se dá

entre iguais, e não entre chefes ou Deus, mas sim entre os homens.

O Contrato Social insere Rousseau no seio dos Contratualistas e apresenta um

caráter prescritivo. Rousseau, desta forma, rompe as cadeias inerentes às instituições

sociais do homem e restitui a liberdade.

Rousseau advoga pela necessidade total de socialização, coletivização e afirma

que a vontade geral só se materializa no interior do Estado e, só o Estado a materializa.

2.2.2.4 Maquiavel, Hobbes e Rousseau: síntese de suas concepções

políticas acerca do indivíduo e do estado

Nos fragmentados das obras, O Príncipe, Leviatã, Do Contrato Social, dos três

autores acima, Maquiavel, Hobbes e Rousseau, respectivamente, buscou-se explorar

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suas concepções políticas que fundamentaram o que se consolidou como o Estado

Moderno. No cerne do pensamento filosófico maquiavélico, hobbesiano e

rousseauniano, entre outros aspectos, repousa uma compreensão antológica acerca do

indivíduo e de sua condição natural. Como consequência dessa análise da condição

natural do indivíduo e de suas implicações no convívio social é que nasce o Estado com

suas leis e formas de governo.

No que tange ao pensador Maquiavel, o poder político é necessário e justificado

à medida que se mostra virtuoso, ou seja, ser um governante (príncipe) virtuoso é saber

realizar as funções que lhe são próprias. Maquiavel deposita na figura do príncipe

virtuoso o princípio da soberania de uma nação, isto significa que ser um bom

governante, um bom príncipe é saber aproveitar as ocasiões que surgem para seu

benefício.

Quanto a Thomas Hobbes, este vai mais além com sua observação quanto à

natureza do Estado: deposita num pacto social o princípio da soberania de uma nação,

pois o homem em estado de natureza _ ou seja, anterior à ideia de Estado _ não vive

uma vida pacífica; há guerras de todos contra todos, isto é, há guerras permanentes, e

por conseguinte, o estado de natureza não impõe limites ao homem, uma vez que todos

os indivíduos têm direito a tudo, não há limites impostos pela natureza. A ideia de

Estado é que impõe limites ao homem através das leis que salvaguardam a

sobrevivência e a conservação do indivíduo dentro do Estado. Para Hobbes o Estado

visa a salvaguardar a segurança do homem, e por tal motivo o indivíduo se junta em

sociedade.

Também Jean-Jacques Rousseau deposita no contrato social o princípio da

soberania de uma nação, porém se diferencia de Hobbes à medida em que desvincula a

soberania do poder exercido por quem governa. O modelo social de Rousseau está

direcionado à comunidade; Rousseau concebe uma consciência global que esteja aberta

à comunidade: uma vida interiorizada faz com que se tenha acesso integral à pessoa

humana, ou seja, um novo homem com consciência global, aberto à comunidade e,

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portanto, jamais egoísta. Rousseau é o filósofo do 'dever': mundo em que o homem

reconhece a voz do dever, é quando ele atinge ao máximo de sua capacidade de

nobreza, enxergando-se, enxergando o outro homem, em suma, atingindo à consciência

global.

Sobre estes três grandes pilares da filosofia política, começa, então, a nascer o

Estado Moderno que conhecemos hoje. Com o auxílio da força do príncipe, passando

pelo medo da guerra de todos contra todos, para, enfim, erigir-se como expressão maior

da vontade geral o Estado Moderno e, como consequência desse nascimento, a

necessidade de se entender o indivíduo, a sociedade, o movimento das relações sociais,

das relações interestatais, das Relações Internacionais, sem nos esquecermos, da

necessidade de análise do Direito Internacional como elemento norteador para a

exposição dos sujeitos de direito internacional.

2.3 Quais são suas Principais Manifestações, Pensadores Teóricos?

A crise do capitalismo liberal, que eclodiu em 29, o colapso da Sociedade das

Nações, a Segunda Guerra Mundial, a formação dos arsenais nucleares e a Guerra Fria

moldaram o ambiente internacional e propiciaram a elevação dos princípios realistas

como critérios válidos de análise da realidade das relações internacionais. A fim de

alcançar o entendimento dessa nova realidade, a comunidade acadêmica norte-

americana se voltou para a tradição realista europeia, que interpreta a luta pelo poder

como o cerne das relações internacionais. Com base, principalmente, nos ideais de

Hobbes, os realistas contemporâneos formularam um mapa teórico para determinar a

abordagem realista:

• Os Estados são os atores fundamentais das relações internacionais;

• O comportamento dos Estados no meio internacional é determinado pela lógica

da maximização do poder e

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• O espaço no interior do qual os Estados interagem é autônomo, isto é, a política

externa dos Estados obedece a regras próprias que fazem com que ela seja

separada da política interna.

2.3.1 Reinhold �eibuhr

O primeiro grande passo no sentido da instauração do realismo como visão

dominante nas relações internacionais foi dado por Reinhold Neibuhr, “o pai dos

realistas norte-americanos”. Neibuhr defende a tese segundo a qual a paz só pode

resultar do entendimento entre Estados que exprimam com clareza seus mais caros

interesses nacionais.

2.3.2 Edward Carr

Edward Carr formulou a mais contundente crítica do liberal-idealismo nas

relações internacionais. Carr em seu livro Vinte Anos de Crise – 1919-1939, demonstra

que as teses idealistas faziam parte da infância da ciência das RI’s. A grande

contribuição de Carr foi ter chamado a atenção para o fato de que os liberais-idealistas

não levavam em consideração a fundamental dimensão da luta pelo poder.

2.3.3 Hans Morgenthau

A escola realista das relações internacionais encontrou em Hans Morgenthau seu

mais legítimo representante. Em seus princípios do realismo, Morgenthau desenvolve a

tese segundo a qual a política internacional é presidida por leis objetivas e universais,

baseadas no interesse nacional definido como poder.

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2.3.4 Kenneth Waltz

Em resposta aos ataques que recebeu durante a década de 70, o realismo se

reformulou no que tange ao seu corpo teórico. Novos teóricos surgiram, porém o mais

notável seria Kenneth Waltz, que aparece como líder do Neo-realismo.

A principal mudança operada por Waltz é transferir da natureza humana para a

lógica do sistema internacional a motivação da luta pelo poder.

Morgenthau considera a luta pelo poder que se trava entre os Estados como uma

clara extensão da natureza má e egoísta do ser humano. Porém, segundo Waltz, a luta

pelo poder está além da vontade do homem, porque ela é nada mais do que o resultado

da desigual distribuição de poder ente os Estados. Waltz diz que os Estados travam a

mesma batalha para acumular mais poder, que consequentemente, provoca mudanças no

sistema internacional.

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CAPÍTULO III CO�SIDERAÇÕES SOBRE POLÍTICA:

UMA BREVE ABORDAGEM TEÓRICA ACERCA DA

FORMAÇÃO DO ESTADO MODER�O COM VISTAS A

UMA SOCIEDADE CIVIL IGUALITÁRIA FRE�TE AO

FORTALECIME�TO DO I�DIVÍDUO COMO E�TIDADE

DE DIREITO I�TER�ACIO�AL

“Todas as guerras são tentativas de promover novas relações entre os Estados e

constituir novos corpos, mediante a ruptura dos antigos Estados até um ponto em que

não possam mais manter-se em paralelo uns aos outros, necessitando, pois, sofrer

revoluções até que por fim, em parte pelo melhor arranjo possível da constituição cívica

interna, em parte pelo comum acordo e legislação no âmbito externo, seja criado um

Estado que, como uma comunidade cívica, seja capaz de sustentar-se automaticamente”

(KANT, Idéia de uma História Universal de um Ponto de Vista Cosmopolita,1784).

3.1 Introdução

A nova ordem da política internacional acarreta ao Estado profundas e latentes

transformações no âmbito econômico, político, social e jurídico, pois, com toda certeza,

os ataques de 11 de setembro mudaram o modo como os Estados pensam e fazem

política externa. Em meio aos impactos decorrentes da globalização, os ataques aos

Estados Unidos reforçaram a ideia de conceber os indivíduos como detentores de

direitos e deveres, ou melhor, de responsabilidades na arena internacional. E qual seria a

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alternativa do Estado para as conseqüências nocivas da nova ordem mundial? O Estado

tem de tentar lançar um novo olhar para o futuro e enxergar o indivíduo como parte

integrante da comunidade política democratizada.

3.2 Estado Moderno: da formação

O Estado Moderno se inicia com o fim da Guerra dos Trinta Anos (1618-1648),

tendo sido assinado o Tratado de Paz de Wesfália no ano de 1648, dando início,

portanto, ao sistema político moderno com a formação dos Estados-nação na Europa.

Desde que se desintegrara o Império Romano do Ocidente (século V), a Europa

Ocidental se organizara em reinos resultantes da fusão entre sociedades germânica e

romana. Esses reinos, geralmente de curta duração, na fase de transição do escravismo

ao feudalismo (séculos V ao X), assistiram à decomposição do Estado e da monarquia

centralizada como instituições políticas nacionais.

Essas transformações políticas correspondiam a modificações sócio-econômicas

que reduziram a sociedade a microcosmos estanques: o feudo, rural, autosuficiente,

agrário e onde todos se submetiam a um suserano, o senhor feudal. Assim, no século X,

os reinos apresentavam-se fragmentados territorialmente, descentralizados

politicamente, e onde o rei tinha poderes de direito, mas de fato não o exercia.

Entretanto, o Renascimento Comercial e Urbano, acompanhado da formação e

desenvolvimento da burguesia, contribuiu para modificar as estruturas políticas

existentes. Com efeito, a burguesia, ligada principalmente ao comércio, tinha suas

atividades dificultadas pelo feudalismo, marcado pela pluralidade de moedas e de

pedágios, pela multiplicidade de alfândegas, pela diversidade de leis, baseadas em

costumes locais, pela insegurança. Interessada em remover esses obstáculos e ampliar

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seus negócios a uma escala nacional, a burguesia forneceu auxílio à empresa de

centralização política e territorial realizada pelos reis. A aliança burguesia-realeza

proporcionou às Monarquias Feudais: recursos humanos através de tropas auxiliares,

funcionários para a administração que se criava e especialistas _ os legistas _ no Direito

Romano, usado como fonte para justificar o poder monárquico nascente e recursos

financeiros necessários para financiar o recrutamento de forças militares e a utilização

de armas de fogo.

A superioridade das monarquias sobre os senhores feudais acentuou-se, sendo

visível através dos seguintes fatos: os castelos feudais deixaram de ser invulneráveis

com o desenvolvimento da artilharia; a criação de exércitos profissionais, convertidos

em poderosos sustentáculos das monarquias, libertaram-nas da até então imprescindível

ajuda da nobreza feudal, cuja principal instituição militar, a cavalaria, tornou-se inútil

diante da infantaria com arcabuzes e mosquetes.

Assim, os monarcas feudais foram impondo sua autoridade sobre a nobreza

feudal, inclusive fazendo valer seus direitos como suseranos ou realizando casamentos

políticos, como o de Fernando de Aragão e Isabel de Castela, resultando na união de

dois reinos: Castela & Aragão.

Desse modo, a centralização monárquica, paralelamente ao aumento dos

domínios reais, ou seja, os territórios submetidos diretamente à autoridade do rei,

redundou no Estado Nacional com superfície territorial variável, englobando populações

dotadas de hábitos, tradições, línguas e certa consciência coletiva comuns; politicamente

centralizado nas mãos de um monarca cuja autoridade era de direito e de fato; dispondo

de complexo e numeroso corpo de agentes reais (burocracia); tendo moedas e impostos

reais necessários às crescentes despesas do Estado; possuindo um exército permanente e

subordinado diretamente à Monarquia.

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Essas transformações foram aceleradas entre os séculos XIV e XVI quando: a

crise no feudalismo nos séculos XIV e XV e a elevação geral dos preços no século XVI

arruinaram a nobreza feudal, ainda mais enfraquecida com guerras em que ela própria se

autodestruía, como a Guerra das Duas Rosas (1455-1485) na Inglaterra; o Humanismo e

o Renascimento operaram uma revolução intelectual, onde a livre crítica estimulava a

Razão em detrimento da Fé e da Força, abalando a ascendência da Igreja e da nobreza

feudal; os Descobrimentos Marítimos possibilitaram a Revolução Comercial,

propiciando a valorização dos bens móveis e a ascensão social e econômica da

burguesia; a Reforma rompeu com a concepção da universalidade cristã, fundamento

teórico da supremacia da Igreja e fortaleceu os sentimentos nacionais, identificados com

os reis, apresentados teoricamente como a encarnação viva da Nação.

3.3 O Estado: Engels

Engels resume sua análise histórica em relação ao Estado de maneira bastante

profunda e clara quando diz que o Estado é um produto do caráter inconciliável das

contradições de classe. ‘O Estado não é de modo algum um poder imposto de fora à

sociedade’; nem é a ‘realidade da idéia moral’, nem ‘a imagem e a realidade da razão’,

como afirma Hegel. O Estado é a confissão de que a sociedade se enredou em uma

contradição irremediável consigo mesma e está dividida por antagonismos

inconciliáveis, e que é impotente para resolvê-los. Para que esses antagonismos, essas

classes com interesses econômicos em confronto não se devorem a si mesmas e não

consumam a sociedade em uma luta estéril, faz-se necessário um poder situado

aparentemente acima da sociedade e chamado para amortecer o choque e mantê-lo nos

limites da “ordem”. E esse poder, nascido da sociedade, mas que se coloca acima dela e

dela se divorcia cada vez mais, é o Estado. Portanto, podemos afirmar que o Estado

surge no lugar, na hora e no grau em que as contradições de classe não podem,

objetivamente, conciliar-se.

3.4 Comunidade Política Democrática

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A busca por uma sociedade civil igualitária, justa e democrática poderá não ser

simplesmente uma utopia, mas, precisamente uma realidade se a comunidade política se

renovar, transformar-se, permitindo ser transformada em uma comunidade democrática,

com um ideal democrático: o bem-comum a todos os indivíduos. Os dois principais

elementos de nosso critério para o bem-comum se orientam para a democracia: o

primeiro significa não só mais numerosos e variados pontos de participação do interesse

comum, como também maior confiança no reconhecimento de serem, os interesses

recíprocos, fatores de regulação e direção social; e o segundo não só significa uma

cooperação mais livre entre os grupos sociais, como também a mudança dos hábitos

sociais, sua contínua readaptação para ajustar-se às novas situações criadas pelos vários

intercâmbios. E esses dois traços são precisamente os que caracterizam a sociedade

democraticamente constituída. Uma grande mudança de hábito social foi, sem dúvida, a

incorporação de um novo ator no cenário internacional da sociedade civil: o indivíduo,

que passa a ser a criatura jurídica de âmbito internacional.

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CO�CLUSÃO

4.1. Direito Internacional: direito do estado, direito do indivíduo

O aumento da complexidade das relações internacionais confere à questão do

direito internacional uma importância ímpar no cenário público internacional. As

relações técnicas, culturais, políticas, econômicas, e sobretudo, comerciais entre

indivíduos e Estados encontram-se, a cada dia, mais intensificadas. E que categoria de

direito daria conta de dirimir as diversas questões conflitantes dessas sociedades de

relações tão intensas? As categorias clássicas do direito internacional apontavam

esclarecimentos inadaptáveis à realidade do atual modelo de Estado. O direito

internacional apresentava essencialmente um direito entre Estados, estes reclamando

sempre para si o atributo do poder supremo, da soberania, eram os únicos sujeitos de

personalidade jurídica internacional. Esta representação, portanto, encontra-se

ultrapassada detentores de personalidade jurídica internacional.

Há, incontestavelmente, a estrutura do Estado, cuja realidade histórica se

disponibiliza em movimento, haja vista que a formação do Estado é um produto

histórico, um produto da relação humana. Mas, há um conceito de Estado, que já se

encontra definido, e cuja lista de condição se faz necessária para configurar a definição

de Estado: população, território e governo reconhecidos. Toda essa problematização

acerca do Estado, faz-nos lembrar no grande pensador do século XVIII, o Contratualista

Jean-Jacques Rousseau, cuja concepção acerca do Estado apontava que não há Estado

sem território; o Estado é um território, onde há população, nação e povo, cujas

definições apresentamos, a saber:

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População: conceito quantitativo; numérico.

Nação: conceito ideológico; julga-se por pertencer a tal nação por falar a mesma língua,

pertencer a mesma etnia, por exemplo.

Povo: conceito político, que não tem um significado de uma vez por todas; é flexível.

Há, incontestavelmente, a figura do Ser Humano, que também é aceita como

sujeito de direito internacional por alguns especialistas em direito. É válido retomarmos

mais uma vez a idéia de estarmos, há décadas, passando por transformações profundas

no que tange às relações sociais. As relações interestatais, cuja disposição se apresenta

de forma crescente e latente, levaram o mundo a repensar, por conseguinte, na estrutura

estatal e na posição dos indivíduos quanto aos seus direitos e às suas obrigações na

arena internacional.

E, logo, ser sujeito de direito é ser destinatário de direitos e deveres em um

plano de igualdade, tendo desdobramentos na exigibilidade de tais direitos ou na

responsabilidade de tais obrigações. Os direitos podem, então, ser exigidos pelos

indivíduos em várias esferas do direito internacional, especialmente no âmbito de

proteção da pessoa humana. As razões para que esse desenvolvimento processual seja

destacado na área de direitos humanos não é por acaso, mas por um interesse público

das sociedades políticas. Justamente por se tratar de ordem pública, de interesse comum

da humanidade, não causam espanto os exemplos de responsabilidade internacional

penal dos indivíduos terem sido por razões humanitárias. Entretanto, com o advento do

estado moderno, o direito das gentes transformou-se em um direito interestatal,

renegando suas origens ao consagrar somente os Estados soberanos como detentores de

personalidade jurídica internacional. Esta realidade, como se sabe, foi profundamente

alterada no século XX, com o advento ou o fortalecimento de novos atores

internacionais como as organizações intergovernamentais, as organizações não-

governamentais, as empresas transnacionais e os indivíduos. Alguns tratadistas

reconhecem no próprio indivíduo a personalidade jurídica internacional, vale dizer,

capacidade para ser sujeito de direitos e obrigações internacionais, em determinadas

situações. Na verdade, podemos concluir que existem duas principais razões para o

homem ser também considerado pessoa de direito internacional: a própria dignidade

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humana, que leva a ordem jurídica internacional a lhe reconhecer direitos fundamentais

e a procurar protegê-los. E, a própria noção de Direito, obra do homem para o homem.

Em conseqüência, a ordem jurídica internacional vai-se preocupando cada vez mais com

os direitos do homem, que são quase verdadeiros ‘direitos naturais concretos’.

4.2 Relações Internacionais: uma visão realista-filosófica

Ouvimos falar sempre que a distância entre os povos do globo está, a cada dia,

mais curta, mais espremida em virtude do mundo mais globalizado, internacionalizado.

O estudo das relações internacionais se faz de suma importância para a compreensão do

caldeirão de turbulências em que vivemos. As questões sobre Estado, política,

economia, agricultura, comércio, conflitos internacionais, e tantos outros tópicos,

tomaram uma proporção jamais vista. Os tempos são outros e tais assuntos vêm

impactando nas questões domésticas dos Estados de forma nunca antes sentida.

As teorias das Relações Internacionais têm a finalidade de desenvolver métodos

e conceitos que permitam compreender a natureza e o funcionamento do sistema

internacional, além de explicar os fenômenos mais importantes que moldam a política

mundial. Daí, busca-se a compreensão de um campo específico da atividade humana,

cuja característica é desenvolver-se para além das fronteiras nacionais, onde as relações

se processam nas margens da jurisdição dos Estados, a arena internacional. É preciso

uma teoria que dê conta de explicar a qualidade específica das ações ocorridas no

campo externo ao espaço doméstico dos Estados.

Edward Carr publicou em 1939, meses antes da Segunda Guerra Mundial, seu

livro Vinte Anos de Crise, onde afirmou que a preocupação normativa dos primeiros

acadêmicos de Relações Internacionais acabou por cegá-los. Segundo Carr, esses

acadêmicos concentravam-se no dever ser do mundo em vez de estudar como o mundo

de fato funcionava; Carr os chamou de utópicos ou idealistas. Do outro lado da moeda,

Carr intitulou o outro grupo de estudiosos das relações internacionais de realistas, que

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se interessavam em estudar o mundo como ele realmente era, com uma visão menos

utópica acerca da engrenagem que movimentava a vida política internacional.

Sob este panorama do dever ser dos idealistas versus o ser dos realistas, as

propostas eram, pelos idealistas, analisadas a fim de apresentar ao mundo a fórmula de

como mudá-lo para torná-lo mais pacífico. Por conta das propostas analisadas pelos

realistas, estes tinham interesse em estudar os meios à disposição dos Estados que

garantiriam sua sobrevivência. O advento da Segunda Guerra Mundial comprovou que

as idéias realistas acerca da garantia da sobrevivência do Estado davam conta de

explicar o novo panorama geopolítico que se formava.

Porém, o cenário da Guerra Fria exigiu uma maior previsibilidade quanto ao

cenário internacional por parte dos estudiosos das relações internacionais, surgia a era

da crítica científica. O final da década de 1960 e no curso da década de 1970, várias

questões se impuseram ao realismo como teoria dominante das relações internacionais,

cujas origens podem ser identificadas pela evolução da política internacional e pela

evolução da própria disciplina Relações Internacionais. É válido destacarmos no campo

de política internacional, a confirmação da União Soviética como superpotência

socialista frente aos Estados Unidos, como potência capitalista no cenário internacional.

E também devemos apontar o aparecimento de novos Estados após as descolonizações

ocorridas desde 1950 até os anos 1970.

O realismo tem a força de várias interpretações, diversidade e riqueza de

percursos históricos e de princípios básicos, sem nos esquecermos de pensadores

originais. As diferentes abordagens do realismo apresentam-no como realismo clássico,

uma vertente inglesa do realismo, neo-realismo e realismo neoclássico, surgido no curso

da década de 90 e presente até os dias atuais.

A contribuição do realismo ao estudo das relações internacionais é inegável,

também inegável é o fato de estudiosos do tema internacional terem buscado em autores

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como Maquiavel e Hobbes, por exemplo, embasamento teórico para compreender e

explicar a composição e o funcionamento do que venha a ser o cenário internacional.

Conceitos sobre Estado, anarquia internacional, sobrevivência, poder, auto-ajuda e

estado de natureza apresentam-se destacados na leitura dos realistas sobre esses

pensadores clássicos. Segundo a visão realista das relações internacionais, todas essas

influências conferem destaque à natureza do ser humano, sob o prisma do medo, do

prestígio e da ambição.

Ao buscar, então, sua inspiração no pensamento político moderno de Maquiavel

e Hobbes, a abordagem realista encontra subsídios para pensar o Estado, o indivíduo, a

guerra e todas as nuances que permearam esse mundo conflituoso da Idade Moderna

(séculos XV ao XVIII), que se caracterizou por uma série de transformações na

estrutura da sociedade europeia ocidental, enfrentando transformações em todos os

níveis da realidade social: jurídico-político, econômico, social e ideológico.

Maquiavel define a política como a luta pela conquista e manutenção de poder:

sociedade é uma arena, onde uma minoria domina e uma maioria luta para não ser

dominada. Maquiavel destaca o domínio da política, separando-a da moral e da religião.

A política para Maquiavel tem a sua própria ética. O príncipe, portanto, deve ser um

homem político, despido da ética cristã.

4.3 Estado Moderno: sua constituição

Quem poderia negar a influência das guerras nas constituições do Estado

moderno? Ao longo de grandes períodos da história temos que citar vários casos desse

tipo de influência: a constituição da França napoleônica, extinta pela guerra; a dos

Estados Unidos, promulgada em reação a uma guerra revolucionária e depois

transformada por uma guerra civil. As guerras têm o poder de revelar muito da estrutura

constitucional do Estado, uma vez que deixa exposta a anatomia do corpo político.

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Que estrutura têm as constituições das sociedades que entram em guerra? Por

quê determinada sociedade entre em guerra? À primeira vista são escassas as

informações sobre o porque um determinado povo guerreia; as sociedades entram em

conflito para proteger, para asseverar, para engrandecer o quê? A constituição não é

apenas o documento que manifesta as maneiras pelas quais determinada sociedade

reconhece os direitos à família, à propriedade, à terra, à segurança pessoal, ao comércio,

à etnicidade e ao compromisso religioso, e ao próprio governo; pelo contrário, a

constituição é tudo isso. As sociedades são constituídas de determinada forma, e essa

forma é a constituição. Os Estados, que conduzem as relações políticas da maioria das

sociedades nacionais, são também constituídos de determinado modo, que não se limita

a refletir-se em sua legislação – ele é a sua legislação.

Daí é grande a importância de mencionarmos o direito como referência na

formação do Estado moderno. Desta forma, os campos de força fundamentais do

Estado, a relação entre direito e guerra, entre legitimidade e violência, relações que

configuram a mais básica expressão do Estado de sua identidade e que, de fato, dão vida

ao Estado moderno podem ser analisadas e percebidas como pilares, isto é, como

estruturas essenciais à formação das sociedades modernas. Recapitulando as

considerações sobre direito deste estudo monográfico, entendemos que compreender o

sujeito em direito, os Estados e suas organizações internacionais, o ser humano como

sujeito de direito internacional é não somente mencionar, mas também analisar a própria

estrutura das sociedades ditas modernas.

O Estado possui duas funções primárias: distribuir as questões de maneira

apropriada através dos diversos métodos de alocação internos da sociedade,

determinando que tipos de problema serão solucionados por que tipos de forma e

defender esses padrões exclusivos de alocação por meio da afirmação de sua jurisdição

territorial e temporal em face dos demais Estados. Essas duas tarefas são,

respectivamente, a missão do direito constitucional e da estratégia. São, portanto,

indissociáveis a ordem constitucional e a estratégia, e o elemento comum entre as duas

reside na busca de legitimidade pelo Estado. E tal busca nos leva ao papel legitimador

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da História. A História é o meio pelo qual a legitimidade da estrutura constitucional

une-se ao êxito da estratégia do Estado.

Porém, essas funções eram a razão de ser do Estado-nação. Hoje, a regulamentação

dos mercados pelo Estado tornou-se impopular, muitos cidadãos encontram-se

completamente marginalizados na vida política de suas sociedades e as empresas

privadas e os organismos internacionais assumiram a iniciativa com relação ao

desenvolvimento internacional. São as empresas privadas, por exemplo, que

determinam se as políticas econômicas do Estado merecem confiança e crédito, sem os

quais nenhum Estado pode desenvolver-se. Ao mesmo tempo, são percebidas novas

necessidades de segurança que exigem ainda mais autoridade executiva, sigilo e receita.

A estrutura constitucional emergente dessa nova fase de transformação pode configurar-

se de inúmeras maneiras diferentes; tal formato constitucional deverá ser analisado sob

a maneira recorrente de como as transformações constitucionais do Estado interagem

com suas inovações estratégicas. E, daí, podemos e devemos nos indagar acerca das

novas demandas de legitimação que serão impostas ao Estado.

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�DICE

FOLHA DE ROSTO 2

AGRADECIMENTO 3

DEDICATÓRIA 4

RESUMO 5

METODOLOGIA 6

SUMÁRIO 7

INTRODUÇÃO 8

CAPÍTULO I

Considerações Sobre Direito 15

1.1 O Sujeito em Direito 15

1.1.1 Observações Introdutórias 15

1.1.2 Observações Históricas

1.1.3 O Sujeito ou Titular de Direito na Teoria Geral do Direito

1.1.4 Os Sujeitos em Direito Internacional

1.2 Evolução Histórica da Subjetividade Jurídica Internacional: os Estados e as

Organizações Internacionais

1.2.1 Os Estados

1.2.2 As Organizações Internacionais

1.3 O Ser Humano Como Sujeito de Direito Internacional

1.3.1 Observações Históricas

1.3.2 Posicionamento Doutrinário sobre o Ser Humano no Plano Jurídico

Internacional

CAPÍTULO II

Considerações Sobre Filosofia

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2.1 O Realismo nas Relações Internacionais: Panorama Histórico

2.2 O que é o Realismo nas Relações Internacionais

2.2.1 O Realismo: um Breve Discurso sobre a Relação Indivíduo X Estado

2.2.2 Quais os Fundamentos Filosóficos do Realismo: o indivíduo perante o Estado e a

Questão da Soberania

2.2.2.1 Nicolau Maquiavel (1469-1527)

2.2.2.2 Thomas Hobbes (1588-1679)

2.2.2.3 Jean-Jacques Rousseau (Pensador do Século XVIII)

2.2.2.4 Maquiavel, Hobbes & Rousseau: síntese de suas concepções políticas acerca do

indivíduo e do Estado

2.3 Quais são suas Principais Manifestações, Pensadores Teóricos

2.3.1 Reinhold Neiburh

2.3.2 Edward Carr

2.3.3 Hans Morgenthau

2.3.4 Kenneth Waltz

CAPÍTULO III

3.1 Introdução

3.2 Estado Moderno: da Formação

3.3 O Estado: Engels

3.4 Comunidade Política Democrática

CONCLUSÃO 56

BIBLIOGRAFIA CONSULTADA 63

ÍNDICE 66

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FOLHA DE AVALIAÇÃO

�ome da Instituição: Universidade Candido Mendes

Título da Monografia: A Personalidade Jurídica do Indivíduo em Direito

Internacional: contribuições do Realismo e da Filosofia Política

Autor: Jacqueline Gonçalves da Silva

Data da entrega:

Avaliado por: Conceito: