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A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO DE 9 A 12 DE OUTUBRO 3277 TURISMO NO NORDESTE BRASILEIRO: CONCEPÇÕES DA POLÍTICA DO PRODETUR A PARTIR DAS DINÂMICAS TERRITORIAIS LUCIANA MACIEL BARBOSA 1 Resumo: O trabalho analisa o Nordeste brasileiro a partir do PRODETUR, política territorial para o turismo iniciada na década de 1990. A relevância da pesquisa está nas formas de produção de territórios, associados a atividades econômicas, culturais e sociais. Adota-se método dialético com abordagens quanto-qualitativas, considerando que o objeto da investigação é decorrente de várias determinações, sujeitos envolvidos e causador de impactos. O PRODETUR modificou territórios nordestinos, estruturou territórios e instigou outros a buscá-lo, a ponto do Programa, após duas décadas, migrar do regional para o nacional. Ações articuladas contribuíram para o crescimento das atividades turísticas nos territórios com ajuda de financiamentos internacionais e contrapartidas estaduais. Essas produções de fixos territoriais promoveram os fluxos de pessoas para as capitais nordestinas, apesar da crise econômica nacional. Palavras-chave: Turismo; Território; Políticas Públicas Abstract: The research analyzes the Brazilian Northeast from PRODETUR, territorial policy initiated in the 1990s. The relevance of research is the forms of production territories associated with economic, cultural and social activities. Is adopted as dialectical method with quantitative and qualitative approaches, because the research object is the result of several determinations, subjects involved and causing impacts. The PRODETUR modified northeastern territories, structured territories and urged others to get him, doing the program, after two decades, migrate from regional to national. Coordinated actions contributed to the growth of tourist activities in the territories with the help of international financing and State counterparts. These territorial fixed productions promoted the flow of people to the Northeastern capitals, despite the national economic crisis. Key-words: Tourism; Territory; Public Policy 1 Introdução A economia da região Nordeste do Brasil tem apresentado índices de crescimento superiores às estatísticas nacionais, embora, contraditoriamente, ainda se encontre entre as regiões de maior precariedade socioeconômica do país. As atividades vinculadas à agropecuária e aos serviços compõem os setores de maior representatividade na economia regional. Inserido no setor terciário, o turismo é considerado uma das principais atividades econômicas da região, e aliado a isso, também se configura como prática social, política, econômica, cultural e ambiental, promotora de intensas mudanças socioespaciais no Nordeste brasileiro 1 - Acadêmica do Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Estadual do Ceará. E-mail de contato: [email protected]

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A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO

DE 9 A 12 DE OUTUBRO

3277

TURISMO NO NORDESTE BRASILEIRO: CONCEPÇÕES DA POLÍTICA DO PRODETUR A PARTIR DAS DINÂMICAS TERRITORIAIS

LUCIANA MACIEL BARBOSA1

Resumo: O trabalho analisa o Nordeste brasileiro a partir do PRODETUR, política territorial para o turismo iniciada na década de 1990. A relevância da pesquisa está nas formas de produção de territórios, associados a atividades econômicas, culturais e sociais. Adota-se método dialético com abordagens quanto-qualitativas, considerando que o objeto da investigação é decorrente de várias determinações, sujeitos envolvidos e causador de impactos. O PRODETUR modificou territórios nordestinos, estruturou territórios e instigou outros a buscá-lo, a ponto do Programa, após duas décadas, migrar do regional para o nacional. Ações articuladas contribuíram para o crescimento das atividades turísticas nos territórios com ajuda de financiamentos internacionais e contrapartidas estaduais. Essas produções de fixos territoriais promoveram os fluxos de pessoas para as capitais nordestinas, apesar da crise econômica nacional.

Palavras-chave: Turismo; Território; Políticas Públicas

Abstract: The research analyzes the Brazilian Northeast from PRODETUR, territorial policy initiated

in the 1990s. The relevance of research is the forms of production territories associated with economic, cultural and social activities. Is adopted as dialectical method with quantitative and qualitative approaches, because the research object is the result of several determinations, subjects involved and causing impacts. The PRODETUR modified northeastern territories, structured territories and urged others to get him, doing the program, after two decades, migrate from regional to national. Coordinated actions contributed to the growth of tourist activities in the territories with the help of international financing and State counterparts. These territorial fixed productions promoted the flow of people to the Northeastern capitals, despite the national economic crisis.

Key-words: Tourism; Territory; Public Policy

1 – Introdução

A economia da região Nordeste do Brasil tem apresentado índices de

crescimento superiores às estatísticas nacionais, embora, contraditoriamente, ainda

se encontre entre as regiões de maior precariedade socioeconômica do país. As

atividades vinculadas à agropecuária e aos serviços compõem os setores de maior

representatividade na economia regional. Inserido no setor terciário, o turismo é

considerado uma das principais atividades econômicas da região, e aliado a isso,

também se configura como prática social, política, econômica, cultural e ambiental,

promotora de intensas mudanças socioespaciais no Nordeste brasileiro

1 - Acadêmica do Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Estadual do Ceará.

E-mail de contato: [email protected]

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Na região Nordeste, o turismo é promovido, em especial, por políticas públicas

e privadas, sendo o Estado o principal incentivador e planejador da atividade. As

práticas políticas fazem surgir novas configurações espaciais que, vinculadas ao

desenvolvimento da atividade turística, apresentam intensificação do processo de

urbanização núcleos receptores de turismo. A iniciativa privada, comunidades e

turistas compõem os sujeitos sociais do turismo, que com o Estado dinamizam as

relações sociais, econômicas e políticas do fenômeno incidentes no espaço

geográfico.

O planejamento do turismo no Nordeste, a partir das políticas públicas, ocorre

de maneira mais efetiva a partir da década de 1990, com o Programa de

Desenvolvimento do Turismo – PRODETUR/NE. A partir dessa política, a região

ganha destaque como resultado do reordenamento territorial para o

desenvolvimento da atividade turística regional.

Temporal, espacial e politicamente divido em fases de planejamento e atuação,

o PRODETUR inicia oficialmente as atividades em 1995, com o PRODETUR NE I,

finalizado em 2005; amplia a área de atuação para os Estados inseridos no Polígono

das Secas em 2002 com o PRODETUR NE II, apresentando Relatório Final em

2012 e em 2010 se reapresenta sob a denominação de PRODETUR Nacional,

abrangendo estados e municípios de todas as regiões brasileiras. As fases são aqui

analisadas não de forma linear, mas de maneira a entender a totalidade,

compreender as transformações e as contradições das políticas de turismo que

incidem em territórios nordestinos turistificados.

Para esta pesquisa, adota-se metodologia dialética com supostos do

materialismo histórico e abordagens quanto-qualitativas. Trata-se de uma pesquisa

documental. Dados e informações inerentes aos documentos do Banco

Interamericano de Desenvolvimento – BID, Banco do Nordeste do Brasil – BNB,

Secretarias de Turismo, Instituto de Geografia e Estatística – IBGE entre outros

importantes para a produção deste estudo. A base teórica que subsidia a análise

remete a conceitos das ciências geográfica, econômica, do turismo e outras ciências

sociais.

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2 – O Nordeste Brasileiro no contexto do turismo e do PRODETUR

Juntos, os Estados Alagoas, Bahia, Ceará, Maranhão, Paraíba, Pernambuco,

Piauí, Rio Grande do Norte e Sergipe apresentam área total de 1.554.387,725 km², o

que equivale a 18,3% do território nacional, sendo 877.565,831 km² inseridos no

semiárido (IBGE, 2010). A região Nordeste é ocupada por 53.081.950 habitantes,

com densidade demográfica de 34,15 hab/km² (op.cit).

A economia da região Nordeste registrou, no ano de 2014, maior dinamismo

que a nacional, conforme evidencia o crescimento anual do Produto Interno Bruto

(PIB) de algumas das principais economias da região, como Bahia, com aumento de

1,5% e Ceará com 4,4% (BCB, 2015).

O setor de serviços apresentou um dos maiores aumentos. A receita nominal

do setor terciário, o qual o turismo se encontra inserido, segundo a Pesquisa Mensal

de Serviços (PMS) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), cresceu

6,3% no trimestre encerrado em fevereiro de 2015 comparativamente a igual período

de 2014, com destaque para os segmentos serviços profissionais e administrativos,

13,6% e serviços prestados a famílias, 11,9% (op.cit). A esse último são inseridas as

atividades vinculadas ao turismo. Conforme o IBGE (2015), os serviços prestados a

famílias incluem os serviços de alojamento e alimentação, assim como atividades

artísticas, criativas e de espetáculos; atividades esportivas, de recreação e lazer

(exceto clubes)2.

Os serviços vinculados ao turismo também têm representatividade nos

números de empregos formais no Nordeste, registrados pelo Cadastro Geral de

Empregados e Desempregados (CAGED). Dados de 2005 a 2014 (Gráfico 01)

mostram que é crescente a admissão de empregos em atividades vinculadas a

serviços de alojamento, alimentação, reparação, manutenção, redação, transportes

e comunicações, embora as demissões também se apresentem em crescimento,

2 No entanto, vale ressaltar que essa variável é bastante ampla, pois também inclui lavanderias,

tinturarias e toalheiros; cabeleireiros e outras atividades de tratamento de beleza; atividades funerárias e serviços relacionados; outros serviços pessoais (clínicas de estética, higiene e adestramento de animais domésticos, serviços de engraxates e carregadores de malas, etc.); atividades de apoio à educação e serviços de educação continuada (cursos de idiomas, de ensino de esportes, arte e cultura, cursos preparatórios para concursos, etc.).

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que pode estar refletida na sazonalidade dos serviços prestados. Essa informação

reflete a relevância do turismo para o setor e para a economia regional (Quadro 1).

Gráfico 01 – Evolução do Emprego por Subsetor de Atividade Econômica, 2005 a 2014 Fonte dos dados: CAGED (2005 a 2014) – Acessado em junho de 2015. Organização: BARBOSA

(2015)

Na contramão dessa conjuntura, o Nordeste acumula ainda secular dívida

social com precárias condições sociais. Representações quantitativas como o Índice

de Desenvolvimento Humano Municipal – IDHM dos Estados que formam a região

Nordeste mostram IDHM Baixo, variando de 0,631, em Alagoas, a 0,684, no Rio

Grande do Norte (PNUD, 2010). A região sustenta ainda extrema concentração de

poder sociopolítico, de riqueza e renda pelo descaso com educação, saúde e com

as periferias urbanas e áreas rurais.

A contradição, essencialmente capitalista, presente nas relações sociais,

políticas e econômicas entre as regiões brasileiras se desenvolvem de maneira

desigual e combinada, a comando de grupos hegemônicos. A profunda disparidade

entre Norte, Nordeste e Centro-Sul não é recente e impulsiona políticas públicas

para atenuação da desigualdade regional. Assim explica Oliveira (1981, p.37),

As contradições da reprodução do capital e das relações de produção em cada uma ou, pelo menos, nas duas principais “regiões” do país, sinal de uma redefinição da divisão regional do trabalho no conjunto do território nacional, começavam a aparecer como conflito entre as duas “regiões”, uma em crescimento, outra em estagnação. É nesse contexto, e tendo por objetivo explícito a atenuação ou pelo menos a contenção da intensificação das disparidades regionais, a correção dos “desequilíbrios regionais”, que nasce o planejamento regional para o Nordeste.

Muller (2000) explica que as políticas públicas são processos de mediação

social, que têm o objetivo de resolver desajustes entre os setores ou ainda entre um

TOTAL DE ADMISSÃO;

2005; 192753

TOTAL DE ADMISSÃO;

2006; 228782

TOTAL DE ADMISSÃO;

2007; 258569

TOTAL DE ADMISSÃO;

2008; 281873

TOTAL DE ADMISSÃO;

2009; 296821

TOTAL DE ADMISSÃO;

2010; 388614

TOTAL DE ADMISSÃO;

2011; 435278

TOTAL DE ADMISSÃO;

2012; 432596

TOTAL DE ADMISSÃO;

2013; 461201

TOTAL DE ADMISSÃO;

2014; 484091 TOTAL DE

DEMISSÃO; 2005;

161793

TOTAL DE DEMISSÃO;

2006; 205053

TOTAL DE DEMISSÃO;

2007; 231645

TOTAL DE DEMISSÃO;

2008; 250266

TOTAL DE DEMISSÃO;

2009; 262788

TOTAL DE DEMISSÃO;

2010; 321428

TOTAL DE DEMISSÃO;

2011; 379968

TOTAL DE DEMISSÃO;

2012; 392729

TOTAL DE DEMISSÃO;

2013; 420580

TOTAL DE DEMISSÃO;

2014; 442654

TOTAL DE ADMISSÃO

TOTAL DE DEMISSÃO

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setor e a sociedade global. O crescente interesse no planejamento e investimentos

em turismo no Brasil parte de experiências vistas economicamente como favoráveis

em territórios com realidades similares à brasileira. Cancún, Veracruz, Acapulco, são

destinos litorâneos mexicanos que investiram no turismo, desde a década de 1960

(BRANDÃO, 2012), como atividade rentável, capaz de gerar divisas e renda nos

lugares. Ações por meio de políticas públicas e intenso investimento privado

configuraram profundas mudanças para além da conjuntura econômica.

Experiências como essas incentivaram o Governo Brasileiro a olhar o turismo

como alternativa econômica para o País. O Nordeste, por suas características

naturais, apresenta condições favoráveis para o desenvolvimento da atividade, por

ter similaridades a outros destinos tropicais subdesenvolvidos e, portanto, adequado

para a concorrência no mercado global. Essa conjuntura contribuiu para impulsionar

o Estado a organizar políticas como Programa de Desenvolvimento do Turismo –

PRODETUR para a região Nordeste, em meados da década de 1990.

As políticas, inclusive as de turismo, são passiveis de mudança de foco, sendo

determinadas, muitas vezes, não por necessidades reais da sociedade, mas por

jogo de interesses políticos. O turismo implanta-se no Nordeste com promessa de

geração de emprego e renda, com entrada de divisas para os países, e com

possibilidade de valorização de patrimônios históricos, culturais e naturais, o que

nem sempre acontece, daí a relevante da reflexão sobre as transformações e

dinâmicas das políticas públicas de turismo nos territórios nordestinos, como o

PRODETUR.

Os interesses do Governo comungam, muitas vezes, com os de grandes

grupos empresariais nacionais e internacionais vinculados ao turismo. Estes

implantam fixos como hotéis, restaurantes e parques aquáticos e dinamizam os

fluxos em espaços artificializados e comercializados para o lazer.

Entre as principais formas de investimento e materialização da atividade

turística no Nordeste, está a implantação dos resorts, a partir da valorização do

turismo de luxo no país. Coriolano e Almeida (2007), a partir de uma visão crítica,

definem esses fixos espaciais como:

São meios de hospedagens com configurações espaciais elitizadas, localizadas preferencialmente em áreas naturais preservadas e, muitas vezes, distantes de áreas urbanizadas. Verdadeiros enclaves nas

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comunidades onde se instalam; formam um mundo isolado e utilizam uma variedade de estratégia para reter o turista, sem dar-lhes chances de sair desses ambientes, para divertimentos e consumos fora das dependências.

São enclaves construídos pelo trabalho humano com características

faraônicas de padrão internacional que destoam da conjuntura local. Historicamente,

muitos resorts apresentam conflitos com as comunidades onde se alocam, uma vez

que, muitas vezes estas são expulsas de suas antigas moradias, ou não são

absorvidas como mão de obra do empreendimento.

O Nordeste é a região brasileira com maior concentração de resorts. Dados

do Relatório de Tendência Resorts 2013, realizado pela BSH Travel Research e

divulgado pela Associação Brasileira de Resorts, o Nordeste possui 48,3% do total

de resorts no Brasil, com 53 empreendimentos, seguida das regiões Sudeste, com

37 resorts; Sul com 17; Centro-Oeste com 8 resort e a Norte com 2

empreendimentos desse porte.

Dessa forma, há forte vinculação dos resorts às regiões litorâneas, como o

Nordeste brasileiro, que apresenta extensa zona costeira, cultura de hospitalidade e

receptividade aos turistas, atrativos turísticos naturais relevantes para o mercado

internacional, mão de obra barata, além de facilidades legais para instalação dos

empreendimentos e incentivos indiretos de políticas de turismo, como o

PRODETUR. Tais fatores contribuem para a concentração desses fixos e para o

reconhecimento da região nordestina como produto turístico internacional.

2.1 – O Programa de Desenvolvimento do Turismo do Nordeste para o Brasil

Para este trabalho foi investigado o turismo na região Nordeste do Brasil na

relação com o PRODETUR com apresentação das práticas políticas nas diferentes

fases de atuação do programa, desde a década de 1990. A relevância do

PRODETUR para estruturação do turismo no Nordeste impulsiona os estudos

geográficos deste trabalho que o analisa enquanto política territorial precursora de

ações para o fomento da atividade turística planejada para a realidade nordestina e

que posteriormente é ampliada para outros territórios brasileiros.

Vale salientar que a época de estruturação do PRODETUR/NE outros três

programas de turismo: PRODETUR Sul, PRODETUR JK e Proecotur também foram

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idealizados para execução nas demais regiões do país. No entanto, conforme MTUR

(2008), somente o PRODETUR/NE contava com recursos de financiamento

internacional, sendo o único realmente implantado.

Com o PRODETUR destinos turísticos nordestinos são dotados de

infraestrutura básica e de outros fixos importantes para aumento dos fluxos nos

territórios, tais como: infraestrutura de acesso (estradas turísticas, ferrovias, pontes,

rodovias, túneis e viadutos, orlas fluviais, lacustres e marítimas); terminais

rodoviários, ferroviários, aeroviários, fluviais, lacustres e marítimos; centros de

cultura, museus, casas da memória, centros de convenções, centros de apoio ao

turista, teatros, centros de comercialização de produtos artesanais e mirantes

públicos; centro de qualificação de mão de obra para os setores de gastronomia,

hotelaria e turismo; parques ecológicos, temáticos e de exposições e rodeios;

pórticos e portais; sinalização turística; restauração de edifícios, monumentos e

conjuntos históricos; despoluição de praias, incluindo-se ações de urbanização,

saneamento e limpeza (MTUR, 2014). Planos de Manejo, Planos de Uso Público,

Planos Diretores também são contemplados entre as ações da política que requer

parcerias interinstitucionais pela abrangência de temas que envolve o

desenvolvimento do turismo.

Financiados com recursos do Banco Interamericano de Desenvolvimento – BID

e coordenados pelo Banco do Nordeste, o PRODETUR/NE I e PRODETUR/NE II

apresentam semelhanças quanto a área de abrangência. Para a primeira fase, a

política abrange, previamente, os polos turísticos: Costa do Descobrimento,

Chapada Diamantina, Litoral Sul, Costa do Descobrimento e Salvador e Entorno na

Bahia; Costa das Dunas no Rio Grande do Norte; Costa das Piscinas na Paraíba;

Costa dos Arrecifes em Pernambuco; Costa dos Corais em Alagoas; Costa dos

Coqueiros em Sergipe; Costa do Sol no Ceará; Costa do Delta no Piauí; São Luís e

entorno no Maranhão. Já para a segunda etapa, o PRODETUR amplia a área de

influência territorial e passa a englobar toda a área pertencente ao chamado

Polígono das Secas, incluindo, portanto, o Vale do Jequitinhonha (Minas Gerais) e

Capixaba do Verde e das Águas (Espírito Santo).

Ao final dos programas, Relatórios de acompanhamento do BID (2005, 2012) e

do Tribunal de Contas da União (BRASIL, 2004, 2005) analisam a política no

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Nordeste brasileiro, indicando os gastos, avaliando os resultados alcançados em

quase 20 anos de política e apontando recomendações.

Foram identificadas críticas e denúncias por parte da sociedade civil no

tocante às interferências no patrimônio histórico-cultural de várias cidades, assim

como questões ambientais. As demoras para efetividade das ações planejadas e as

descontinuidades das equipes gestoras também foram apontadas como questões

negativas para o desenvolvimento do programa.

Crescimento do emprego formal vinculado ao turismo; aumento na

participação do Produto Interno Bruto de Serviços no PIB Total, que atingiu 71% na

Região Nordeste em 2011; e o crescimento da movimentação nas capitais que

receberam recursos do Programa, que chegou a 29.599.300 passageiros em 2011

(BID, 2012), foram estatísticas positivas que impulsionaram a continuidade do

Programa para uma terceira fase, agora nacional.

O PRODETUR Nacional amplia a área de atuação da política, voltando-se para

Estados e Municípios de todo o Brasil. Assim como amplia os acordos de

empréstimos com os bancos internacionais BID (já financiador das etapas

anteriores) e com o Banco de Desenvolvimento da América Latina (CAF). As

Secretarias do Turismo de cada unidade da federação e municípios são as

responsáveis pelo gerenciamento do programa. Em 2015, os Estados nordestinos

Ceará, Pernambuco e Sergipe apresentaram, respectivamente, cerca de 32%, 53%

e 2% de execução. Já Bahia, Salvador e Paraíba ainda se encontram em processo

para estabelecimento de contrato com o BID3. Fortaleza é o primeiro município

nordestino a fazer parte do Programa, em 2012, com financiamentos da CAF.

A terceira fase do programa de turismo abrange número maior de espaços

não exclusivamente litorâneos, havendo assim investimentos em outros

geossistemas potencialmente turísticos. Áreas serranas, do agreste e do sertão

nordestino são apontadas como polos turísticos e áreas valorizadas para receber

investimentos e incentivos para o crescimento da atividade turística. Na busca de

financiamentos os estados ampliam a definição dos polos de turismo. O Ceará

3 Informação apresentada no III Encontro Prodetur Nacional, realizado de 27 a 28 de abril de 2015, na cidade do

Rio de Janeiro, promovido pelo BID.

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acrescenta três polos de turismo aos já existentes no Estado: Litoral Leste, Maciço

de Baturité e Serra da Ibiapaba.

Pernambuco insere os polos da Costa dos Arrecifes, Agreste e Vale do São

Francisco como áreas prioritárias. Sergipe insere os Polos da Costa dos Coqueirais

e do Velho Chico, em referência ao Rio São Francisco. Paraíba acrescenta o Polo

Costa das Piscinas. E o Estado da Bahia ampla as ações para zona turística da Baía

de Todos os Santos.

Tais propostas evidenciam a expansão da atividade turística em territórios

nordestinos para além de litorais. São incluídos, portanto, atrativos que podem

contribuir para geração de trabalho e renda nos diversos estados sob diversos

segmentos. Também reinventa as formas, funções e práticas existentes nos lugares,

transformando-as para o entendimento às necessidades do mercado turístico. A

urbanização turística4 ultrapassa no Nordeste os limites dos espaços litorâneos,

transformando as paisagens, deslocando a lógica do capital, vinculada ao turismo,

para outros territórios, com suas contradições sociais, econômicas e culturais.

3 – Considerações Finais

O modelo de desenvolvimento econômico brasileiro como vetor do

desenvolvimento, no contexto regional, nacional e internacional tem dado ao turismo

grande importância, apontando-o como atividade produtora de espaço, detentora de

territórios e dinamizadora de grandes e pequenas economias no contexto

internacional, nacional e local. A atividade turística traz a possibilidade de geração

de emprego e renda no Nordeste, entrada de divisas, e valorização de patrimônios

históricos, culturais e naturais, entretanto, também pode provocar impactos

indesejáveis.

O PRODETUR representa importante instrumento para o desenvolvimento

do turismo no Nordeste e no Brasil. Apesar de muitos destinos nordestinos

apresentarem atrativos naturais de grande relevância para o turismo, e os residentes

se mostrarem receptivos aos visitantes, isso não são condições suficientes para

4 Segundo Luchiari (s.d, p.2), a “urbanização turística coloca as cidades no mercado de paisagens naturais e artificiais. Algumas cidades chegam a redefinir toda sua vida econômica em função do desenvolvimento turístico, reorganizando-se para produzir paisagens atrativas para o consumo e para o lazer”.

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garantir o crescimento e a qualidade da atividade turística. Políticas sociais se fazem

necessárias para o desenvolvimento dos territórios

As infraestruturas básicas precárias na maioria dos destinos turísticos,

inclusive nas capitais, serviços que serve de apoio ao turismo sendo deficiente, não

havendo qualidade de vida dos residentes, segurança pública, e facilidade de

acesso nos núcleos receptores o lugar se configura como empecilho ao

desenvolvimento do turismo. A precarização da qualidade de vida urbanos nos

estados nordestinos mostra que ainda há descaso nas políticas públicas que não

minimizam os problemas sociais, não garantindo o atendimento às necessidades

humanas como direito da sociedade.

Ao implantar melhorias na infraestrutura, movimentação de divisas ajuda a

promover o crescimento da Região gera aumento de postos de trabalho e amplia

oportunidades de emprego e investimentos, estimula a qualificação da força de

trabalho que tem melhorado e se ampliado na região Nordeste.

O PRODETUR é qualificado como referência de planejamento regional e

territorial no Brasil. As estatísticas positivas do crescimento econômico do Nordeste

pelo turismo impulsionam Estados e Municípios do Norte e Centro-Sul a aderirem à

mesma política, visando resultados positivos também para suas realidades.

4 – Referência Bibliográfica

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