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GIROLAMO DOMENICO TRECCANI VIOLÊNCIA E GRILAGEM: INSTRUMENTOS DE AQUISIÇÃO DA PROPRIEDADE DA TERRA NO PARÁ BELÉM 2006 1

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GIROLAMO DOMENICO TRECCANI

VIOLÊNCIA E GRILAGEM:

INSTRUMENTOS DE AQUISIÇÃO DA PROPRIEDADE DA TERRA NO PARÁ

BELÉM2006

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T799v

Treccani. Girolamo Domenico. Violência e grilagem: instrumentos de aquisição da propriedade da terra no Pará / Girolamo Domenico Treccani. – Belém: xxxxx 2006.

p. 600. cm. 16x22

ISBN

1. Reforma Agrária - Brasil. 2. Posse da terra – Pará. I Título

CDD – 333.318115

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In memória de todos os trabalhadores (as) rurais, lideranças sindicais, religiosos (as) e advogados cujo sangue foi derramado pelo latifúndio no Estado do Pará. Em especial: Benedito Alves Bandeira, Virgílio Serrão Sacramento, Expedito Ribeiro de Souza, José Dutra da Costa (“Dezinho”), Arnaldo Delcídio Ferreira, Paulo César Fontelles Lima, João Carlos Batista, Irmã Dorothy Mãe Stang com os quais partilhamos de perto a luta em defesa da vida e da reforma agrária.

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Para Raimundinha e Pedro JorgeQue comungam com minha vida

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APRESENTAÇÃO

Ibrahim

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PREFÁCIO

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LISTA DE SIGLAS

ABRA: Associação Brasileira de Reforma AgráriaCEDENPA: Centro de Defesa e Estudo do Negro do ParáCNBB NORTE II: Conferência Nacional dos Bispos do Brasil Norte IICNBB: Conferência Nacional dos Bispos do BrasilCONTAG: Confederação Nacional dos Trabalhadores na AgriculturaCPT AT: Comissão Pastoral da Terra Araguaia TocantinsCPT NAC.: Comissão Pastoral da Terra NacionalCPT NORTE II: Comissão Pastoral da Terra Norte IICPT PA-AP: Comissão Pastoral da Terra Pará-AmapáIº CRAB: Iº Censo da Reforma Agrária no BrasilCSN: Conselho de Segurança NacionalDNTR: Departamento Nacional dos Trabalhadores RuraisFETAGRI PA-AP: Federação dos Trabalhadores na Agricultura PA-APGEBAM: Grupo Executivo Baixo AmazonasGETAT: Grupo Executivo Araguaia - TocantinsIBRA: Instituto Brasileiro de Reforma AgráriaIDESP: Instituto de Desenvolvimento Sócio-Econômico do ParáINCRA SR 01: Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária Superintendência Regional do ParáINCRA SRE 027: Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária Superintendência Regional Especial Sul do ParáINCRA: Instituto Nacional de Colonização e Reforma AgráriaITERPA: Instituto de Terras do ParáMST: Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem TerraNAEA: Núcleo de Altos Estudos da AmazôniaNEP: Núcleo de Estudos PopularesOAB: Ordem dos Advogados do BrasilPF: Polícia FederalPM: Polícia MilitarPNRA: Plano Nacional de Reforma AgráriaPRRA-PA: Plano Regional de Reforma Agrária do Estado do ParáSTR: Sindicato dos Trabalhadores RuraisTR. AS: Trabalhador Rural assassinadoUDR: União Democrática Ruralista

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LISTA DE TABELAS

Tabela 1: Data de concessão e confirmação das sesmarias no Estado do Grão ParáTabela 2: Sesmarias confirmadas nas diferentes regiões do Estado do Pará: área ocupada e tamanho médioTabela 3: Principais quilombos existentes no Estado do ParáTabela 4: População do Pará (1854-1862)Tabela 5: Leis que ampliaram o prazo para registrar ou medir terras no ParáTabela 6 Núcleos Coloniais constituídos no final do século XIX e começo do século XXTabela 7: Terras sob jurisdição federal no Estado do ParáTabela 8: Concessões de terras devolutas do Estado do Pará (1924 – 1976)Tabela 9: Projetos de Colonização criados no Estado do ParáTabela 10: Número de projetos e área ocupada: Região NorteTabela 11: Número de famílias assentadas na Região Norte (1970 e 1981)Tabela 12: Número, a área e as famílias assentadas em todo o Brasil de 1971 a 1981Tabela13: Programas de colonização e assentamento do Governo Federal no Brasil (1927-1994)Tabela 14: Número de estabelecimentos rurais no Estado do ParáTabela 15: PARÁ: Censos 1940-1996: número de estabelecimentos e área ocupadaTabela 16 : Esticamento da área dos imóveis da Gleba CidaparTabela 17: Empreendimentos de multinacionais que se estabeleceram no ParáTabela 18: Assassinato de trabalhadores rurais no Pará (1964-1998)Tabela 19: Conflitos de terra no Brasil: 1971-1976Tabela 20: Ano de começo dos conflitosTabela 21: Assassinatos de trabalhadores rurais no Brasil: 1964 – 1998Tabela 22: Conflitos agrários e Projetos de Assentamento - Estado do Pará (1970-1999). Tabela 23: Conflitos Agrários no Pará (1964-1999)Tabela 24: Trabalhadores rurais assassinados no Pará (1964-1999)Tabela 25: Chacinas cometidas no Estado do Pará:Tabela 26: Assassinatos de trabalhadores rurais durante os diversos governos paraenses (1964-1998)Tabela 27: Assassinatos de trabalhadores rurais no Estado do Pará (1964:1998) (Número por mês).

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Tabela 28: Desapropriações no Brasil 1965-1980Tabela 29: Ação fundiária no período dos governos militares (1964-1984)Tabela 30: Reforma Agrária na Nova República - I PNRATabela 31: Desapropriações de terras e assentamentos no governo Itamar Franco (1992/1994)Tabela 32: Áreas que podem ser desapropriadas, segundo a legislação em vigorTabela 33: Plano Regional de Reforma Agrária do Pará (1985-1989): metas e realizaçõesTabela 34: Áreas desapropriadas, compradas, arrecadadas e Projetos de Assentamento Pará (1985-1999)Tabela 35: Famílias Assentadas, por Região: período 1995 a 1997Tabela 36: Valores oferecidos pelo INCRA e o valor que o Juiz obrigou a pagarTabela 37: Processos em tramitação no ITERPA em junho de 1997

LISTA DE GRÁFICOS

Gráfico 1: Evolução do número de famílias envolvidas em ocupações de terra nos anos de 1991 a 1998Gráfico 2: Concessão de terras públicas no Estado do Pará (1924-1976)Gráfico 3: Evolução do número de despejos judiciais e expulsões nos últimos onze anosGráfico 4: Relação entre os assassinatos no campo e o valor de incentivos fiscaisGráfico 5: Relação entre número de assassinatos em conflitos de terra na Amazônia e os investimentos em Projetos aprovados pela SUDAM em % - 1964/1985Gráfico 6: Evolução dos números de pessoas reduzidas à condição análoga à de escravo no Brasil (1991-1998)Gráfico 7: Número de denúncias de trabalho escravo no Estado do Pará (1988-1998)Gráfico 8: Evolução do número de trabalhadores assassinados de 1964 a 1998 no Estado do ParáGráfico 9: Evolução das áreas desapropriadas no Pará (1985-1999)Gráfico 10: Evolução da criação de Projetos de Assentamento no Pará (1985-1999)Gráfico 11 Capacidade de assentamento e relação dos beneficiários nos Projetos de Assentamento no Estado do Pará

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LISTA DOS ANEXOS

Anexo 1: : Data de concessão e confirmação das sesmarias no Estado do Grão Pará

Anexo 2: Principais quilombos existentes no Estado do ParáAnexo 3: Número de famílias assentadas na região norte entre os anos 70 e 81.Anexo 4: PARÁ: Censos 1940-1996: número de estabelecimentos e área

ocupadaAnexo 5: Venda de TerrrasAnexo 6: Lista das Ações de Cancelamento de matrícula ajuizadas pelo

ITERPAAnexo 7: Composição societária da INCENXILAnexo 8: Assassinatos no campo: Brasil 1964-1998Anexo 9: Resumo dos conflitos agrários e Projetos de Assentamento -

Estado do Pará (1960-1999)Anexo 101: Evolução do número de trabalhadores assassinados de 1964 a 1998 no Estado do Pará: Anexo 11: Áreas desapropriadas, compradas, arrecadadas e Projetos de Assentamento Pará (1985-1999)Anexo12: Valores oferecidos pelo INCRA e o valor que o Juiz obrigou a pagarAnexo 13: Assassinatos de trabalhadores rurais no Estado do Pará: inquéritos e processosAnexo 14: Conflitos Estados do Pará: 1964:2000

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RESUMO

O Brasil apresenta um dos mais elevados índices de violência contra trabalhadores rurais, fato que tem sua origem na elevadíssima concentração de propriedade da terra. Para entender como isso aconteceu analisou-se como se deu o processo de ocupação do território, a formação e consolidação da propriedade privada da terra. A pesquisa histórica mostrou que, originariamente, todas as terras eram públicas, sendo propriedade dos soberanos portugueses em força das bulas papais, de tratados internacionais e do direito de conquista. A análise da legislação em vigor nos cinco séculos depois da ‘descoberta’, permitiu comprovar que a transferência das terras para o domínio privado privilegiou uma classe social em detrimento do conjunto da sociedade. Este processo deu-se de maneira ilegal pois desobedeceu à tramitação administrativa prevista em lei. Desde o tempo do Brasil Colônia, passando pelo Império e, atualmente, na República, a política fundiária dos governos marginalizou os camponeses impedindo-lhes o livre acesso a terra.

Este fenômeno agravou-se durante o regime militar quando a região amazônica passou a ser integrada ao processo de desenvolvimento nacional e considerada a válvula de escape dos conflitos fundiários não resolvidos nas outras regiões do País. Nos vinte e um anos de ditadura a União chamou a si a responsabilidade de promover a ocupação deste imenso território fazendo confluir para a região centenas de milhares famílias à procura da terra prometida nos Projetos de Colonização ou nas áreas desocupadas. Ao mesmo tempo, porém, esta mesma terra era oferecida e alienada para grandes empresas públicas e privadas fazendo com que o choque entre estas formas de ocupação descambasse numa guerra civil que vitimou centenas de trabalhadores.

Os meios que permitiram aos latifundiários de se apoderarem da terra foram: o uso da violência seja ela particular (contratação de pistoleiros) ou pública (intervenção do aparato repressivo do Estado ao serviço do latifúndio), a utilização da grilagem e as políticas públicas que concederam incentivos fiscais para acriação de investimentos agropecuário.

O Estado brasileiro, além de ser o autor das políticas públicas elitistas que favoreceram a concentração de propriedades (concessão de incentivos fiscais, alienação de enormes áreas para grandes empresas), continua hoje a mostrar-se omisso na apuração da violência contra os trabalhadores rurais e na proteção dos direitos dos mesmos. Enquanto o Poder Judiciário é sempre célere na expedição de liminares que protegem as propriedades é moroso e ineficiente em proteger a vida, coibir a violência e

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punir os responsáveis pelas centenas de assassinatos de trabalhadores rurais e seus aliados.

Nos últimos quinze anos, apesar do governo federal ter assumido publicamente o compromisso de mudar este quadro e ter elaborado, e elaborar vários Planos Nacionais de Reforma Agrária que se transformaram em lei, prometendo promover uma política de reforma agrária, sua resposta é muito aquém das reivindicações e das necessidades da imensa legião de sem terra. Só em pouquíssimos casos as áreas em conflito foram desapropriadas e/ou adquiridas para possibilitar a solução dos conflitos agrários. O conluio entre os detentores do poder político e os latifundiários faz desprezar o combate à grilagem, ação que, além de resguardar o patrimônio público, barataria os custos da reforma agrária permitindo-lhe alcançar a massificação que é necessária para mudar a atual situação de concentração de propriedade e instaurar a justiça social.

Comprova-se que a privatização das terras, sua transferência do domínio público para o particular, operou-se de maneira ilegal e contendo nulidades insanáveis que o simples decorrer do tempo não tem o condão de convalidar. Diante de tantas ilegalidades chega-se à seguinte conclusão: o fato de que a transferência de domínio não se efetuou de maneira legal faz com que parte considerável das terras hoje consideradas propriedade privada continuem a ser públicas. Este fato associa-se ao caos no qual se transformou o sistema notarial nacional. Urgem providências que não precisam de novas leis para serem adotadas, mas da vontade política de promover a redistribuição da terra.

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Sumário

SIGLASLISTASRESUMOAPRESENTAÇÃO (Dr. Ibraim José das Mercês Rocha)PREFÁCIO (Alfredo Wagner Berno de Almeida)1 INTRODUÇÃO 202 ASPECTOS HISTÓRICO-POLÍTICOS DA OCUPAÇÃO DAS TERRAS NO BRASIL. CARTA DE SESMARIA: A MÃE DO LATIFÚNDIO NACIONAL 272.1 Legislação Portuguesa 292.2 Implantação do sistema sesmarial no Brasil 312.2.1 Cláusulas contratuais 352.2.2. Tramitação administrativa 433. O PROCESSO DE OCUPAÇÃO DO PARÁ 463.1 A concessão de sesmarias no Pará 513.2 QUILOMBO: o grito de liberdade 603.3 Posse agro-ecológica: uma maneira diferente de uso e posse da terra e dos recursos naturais 644 REGIME DE POSSE E LEI DE TERRAS: A CONSOLIDAÇÃO

DA ESTRUTURA (LATI)FUNDIÁRIA DO BRASIL 674.1 Brasil Império: Regime de Posse 674.2 Regime da Lei de Terras 714.3 Estrutura agrária na República: 845 A OCUPAÇÃO DO PARÁ NOS SÉCULOS XIX E XX E A LEGISLAÇÃO ESTADUAL DE TERRAS 885.1 A Legislação fundiária paraense no final do século XIX e começo do século XX 936 SÉCULO XX: A “MODERNIZAÇÃO CONSERVADORA” SE

CONSAGRA NA LEGISLAÇÃO AGRÁRIA FEDERAL 1106.1 Burguesia Industrial: a velha oligarquia troca de roupa 1116.2 A organização dos trabalhadores força a primeira tentativa de mudanças estruturais 1146. Governos militares: mudar tudo para que tudo fique como antes

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6.3.1 Política agrária dos governos militares 1186.4 Estatuto da Terra: instrumento para realizar a reforma agrária ou engodo? 1366.5 Nova República: esperança frustrada na democratização do Estado

1396.6 Constituição Federal de 1988 1436.7 Brasil Novo 1476.8 Legislação Complementar à Constituição Federal de 1988 1516.8.1 Lei Agrária (Lei n.º 8.628, de 25/02/93) 1516.8.2 Rito Sumário (Lei Complementar n.º 76, de 06/07/93 e 88, de 23/12/96) 1536.9 A reforma agrária nos dias atuais 1566.10 Lei nº 9.393, de 19/12/1996: o ITR como instrumento de reforma agrária 1596.11 Lei nº 9.415 de 23/12/96: Intervenção do Ministério Público nos conflitos pela posse da terra rural 1607. O PARÁ NA SEGUNDA METADE DO SÉCULO XX 1637.1 A federalização das terras do Estado do Pará 1637.2 Projetos de colonização: a contra-reforma agrária como política de desenvolvimento 1757.3 Fazendas X Colonos: a empresa capitalista ocupa a Amazônia 1877.4 GETAT e GEBAM: instrumentos de controle social 1958 A GRILAGEM COMO FORMA DE ACESSO ÀPROPRIEDADE 1978.1 Belém – Brasília: Recrudescimento da indústria da “grilagem” 2008.2 Titulação certa num lugar incerto 2028.3 Formas mais comuns de grilagem 2068.4 Exposições de Motivos 005 e 006: a grilagem institucionalizada

2218.5 Instituto da recompra: um prêmio à grilagem 2228.6 Gleba Cidapar e Projeto Jarí: a mágica dilatação dos limites de um imóvel rural 2278.7 O combate da grilagem na legislação estadual 2328.8 Combate à grilagem: desafio para a sociedade e poder público 2349 INCENTIVOS FISCAIS: DESENVOLVIMENTO PARA QUEM? 245 10VIOLÊNCIA: TRISTE DIA A DIA DO TRABALHADOR RURAL 255 10.1 Os atores da Violência 259

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10.1.1 Os pistoleiros 26110.1.2 Polícia Militar 26410.1.3 Poder Judiciário 27410.1.4 Administração Pública 28810.1.5 Latifundiários 29010.1.6 União Democrática Ruralista (UDR) 29110.2 Violência e incentivos fiscais 29210.3 Evolução da estratégia de ocupação 29510.4 Os trabalhadores rurais e suas organizações 29710.4.1 Grito da terra: trabalhadores rurais apresentam suas propostas

29910.5 Trabalho Escravo: uma chaga ainda aberta 29910.6 Década de sessenta: a violência incorpora-se à vida dos trabalhadores 30610.7 A tragédia em números 30910.8 A geografia do terror 31310.8.1 Marabá: a oligarquia utiliza a violência para deter o avanço dosposseiros 31310.8.2 A generalização da violência 31610.9 Desmatamento e violência 32510.10 Origem da violência contra trabalhadores rurais 32810.11 A luta pela terra: a gestação de um ‘Novo Direito” 32911 REFORMA AGRÁRIA DO MITO À REALIDADE 33311.1 Primeiro Plano Nacional de Reforma Agrária 33511.2 Plano Regional de Reforma Agrária do Pará: metas e realizações

34611.3 Indenizações: qual o justo valor? 35711.4 Medida Provisória n0 1.577/97 (hoje 2.109-47/00) e o Decreto n0

2.250/97 35911.5 Reforma Agrária: uma política necessária 36711.6 Reforma agrária: uma política necessária 36812 LEGISLAÇÃO AGRÁRIA PARAENSE NA SEGUNDA METADE DO SÉCULO XX 37012.1 Lei de Terra do Estado: a tentativa de arrumar a casa 37413 CONCLUSÃO 37913.1 A herança maldita 379

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13.2 Combate à violência: defesa dos direitos humanos 38113.3 UrgênciA E NECESSIDADE DA REFORMA AGRÁRIA 385REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 391ANEXOS 420

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1 – INTRODUÇÃO

A Amazônia permaneceu durante muitos séculos uma região isolada do resto do Brasil, constituindo durante boa parte do período colonial uma unidade jurídica diretamente vilcula á Portugal. Desde o começo sua identidade oscilou entre realidades constrantastantes chegando a ser denominada de inferno verde, pela dificuldade de se ter acesso à mesma e pelas condições de vida que não favoreciam os colonizadores. Esta expressão, que bem reflete o medo e ao mesmo tempo a atração que a Amazônia sempre exerceu sobre os homens, foi utilizada pela primeira vez pelo brasileiro Alberto Rangel, que em 1904 escreveu um livro de contos com este título. Na apresentação deste livro Euclides da Cunha afirmava que: “A Amazônia é a última página do livro do Gênesis que ainda está sendo escrita". O próprio Euclides estava escrevendo um outro livro com o título de "Paraíso perdido". A realidade amazônica parece, ainda hoje, se balançar entre estes dois extremos: paraíso e inferno.

Desde o começo da ocupação os grupos sociais que se instalaram nesta região adotaram posturas diferentes: os índios e caboclos, conscientemente ou não, mostraram-se preocupados com a conservação da flora e fauna procurando colocar em prática um projeto de desenvolvimento que levasse em consideração toda a extraordinária biodiversidade da região; os colonizadores, os de ontem e de hoje, saquearam suas riquezas e transformaram suas terras em butim. Estas posições estiveram presentes em graus diferentes ao longo da história amazônica que caracterizou-se, e continua a se caracterizar, como fornecedora de matéria prima para os países desenvolvidos. Se no começo os colonizadores portugueses exploravam as drogas do sertão para abastecer o mercado da Europa, hoje as riquezas saqueadas pelas multinacionais são seus minérios, madeiras e substâncias medicinais. O potencial madeireiro do Estado do Pará é grande: “O potencial florestal do Estado é avaliado em 68 milhões de hectares de floresta densa, caracterizada pela grande variedade de espécies”. (PARÁ, 1996c:1). Hoje as multinacionais cobiçam o subsolo que apresenta enormes riquezas: "O Pará detém algumas das maiores reservas de importantes bens minerais onde se destacam a bauxita, com 93% das reservas nacionais, o ferro, com 51%, o manganês, 43%, a gipsita, 63%, o caulim, 56%, alem de uma infinidade de outras substâncias minerais. (PARÁ, 1985a:11-12). Estas riquezas, porém, não estão sendo exploradas para beneficiar as populações que aqui moram: "A Amazônia tem sofrido ao longo dos tempos um processo de espoliação permanente dos seus recursos naturais, associado invariavelmente ao empobrecimento e extermínio de populações nativas, indígenas ou não. A

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política governamental de fomento à exploração pura e simples de matérias primas regionais levou a um grave quadro de degradação ambiental e social na Amazônia, principalmente em função da total inexistência de retorno de qualquer tipo às populações locais por parte dos grupos que exploram a região“. (FÓRUM, 1991:57-58).

Do século XVI ao XX, graças às políticas que sempre privilegiaram a grande propriedade, a monocultura, à farta concessão de incentivos públicos, à utilização da grilagem e da violência, o latifúndio concentrou em suas mãos a propriedade da terra impedindo que a mesma fosse apropriada pelos trabalhadores rurais. Os interesses do mercado externo ditaram as regras de apossamento e exploração da Amazônia em detrimento não só da natureza, mas das próprias populações locais. Percebe-se que nesta região, e de maneira geral em todo o Brasil, reproduziram-se constantemente relações sociais autoritárias, conservadoras e excludentes das grandes massas populares do acesso à terra, ao poder e ao bem-estar econômico e social.

A questão agrária ganha, hoje, a dimensão de uma tragédia, pois a disputa pela posse da terra envolve milhões de pessoas em todos os recantos do Brasil. Apesar de ser um país continental, alguém ainda precisa morrer para ter um pedaço de chão onde possa viver e plantar. As causas da situação atual remontam à maneira com a qual, desde os tempos coloniais, foi tratada a apropriação das terras. Neste trabalho será analisada a política agrária adotada desde o tempo da colônia, e como ela, em total contradição com a legislação em vigor, favoreceu a concentração da propriedade, privilegiando uma determinada classe e contrariando os interesses da maioria do povo, das camadas sociais menos privilegiadas, que viram seu direito à propriedade, e à cidadania, negado. Enquanto para uns reconhecia-se a propriedade de enormes extensões de terra, outros tiveram suas pequenas posses, nas quais desenvolviam agricultura de subsistência, menosprezadas, passando a ser tratados como invasores.

A maneira com a qual o latifúndio apropriou-se do patrimônio fundiário estadual concentrando-o em suas mãos, é a origem dos atuais conflitos agrários, que fazem do Pará um Estado conhecido mundialmente pela violência no campo. Desde o começo, propriedade da terra e poder econômico-político, mantiveram-se nas mesmas mãos. O coronel, dono das terras, principal fonte de riqueza naquele tempo, era também o detentor do poder político. A propriedade da terra e poder político formaram um binômio que marcou profundamente a história paraense fazendo com que esta sociedade assumisse os traços antidemocráticos que a caracterizam ainda hoje. Estes cinco séculos gestaram a oligarquia latifundiária, dona dos engenhos de açúcar, fazendas e muitos escravos. Para favorecer a produção

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de açúcar, devido a altíssima cotação do açúcar no mercado internacional, uma Provisão Régia de 1570, concedeu isenção de impostos aos engenhos que fossem construídos nos dez anos seguintes. A política econômica, baseada na monocultura, fez com que o açúcar fosse o principal produto de exportação do país suplantando o ouro e a madeira que tinham sido os primeiros produtos procurados pelos portugueses. Segundo Varella (1998:73-74) o maior lucro, porém, não adveio das atividades produtivas: “A principal atividade econômica da colônia não era a agricultura, como se pregou durante muitos anos, mas sim o tráfico negreiro, que promovia altos lucros e a manutenção do sistema”. O mesmo autor (1982:73-84) afirma que o Brasil recebeu 60% dos escravos negros trazidos da África para a América e chegou a deter 38% de todos os escravos do mundo.

Para se poder compreender o hoje, é necessário analisar esta experiência histórica procurando evidenciar o substrato legal do processo de concentração da propriedade.

O presente trabalho procura mostrar como enfrentar a discussão da questão agrária, significa defrontar-se com a estrutura de poder político e sócio-econômico vigente no Pará e no Brasil. Se verá que, contestar o latifúndio foi entendido, sobretudo no período da ditadura militar, como um ataque ao Estado e por isso um atentado contra a segurança nacional, contra o ordenamento jurídico em vigor no País. Defender as grandes propriedades virou sinônimo de proteger o desenvolvimento nacional. O interesse de uma classe social foi protegido como se fosse o interesse nacional. Por isso Martinez (1987:7-9) afirma que: "As origens históricas do problema agrário, do modo como ele se apresenta hoje, coincidem com as origens históricas do modelo sócio-econômico do moderno capitalismo brasileiro (... que ...) caracteriza-se pela grande concentração, em poder de poucos, tanto da propriedade fundiária como também dos capitais industriais e dos financeiros, da renda em geral e do poder político”.

Apesar da Amazônia ter permanecido por alguns séculos uma entidade política separada do Brasil, estando ligada diretamente à coroa portuguesa - fato este que ensejou a aplicação de algumas legislações específicas, sobretudo no que diz respeito à terra e a mineração - sua realidade agrária é semelhante a do resto do país, pois os institutos jurídicos agrários básicos foram os mesmos. Por isso no primeiro capítulo mostrar-se-á como se deu o processo de colonização brasileira focalizando a legislação agrária em vigor. Procurar-se-á evidenciar como a situação presente é fruto desta herança maldita. A concessão de sesmarias para os amigos do rei privatizou um bem que, no começo, era público: a terra. Comprovar-se-á que era correta a posição de Caubet (apud PANINI, 1990:11) que dizia: "O

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direito institucionaliza as relações desiguais do mundo rural e forja um anti-Brasil legal que se situa a anos luz do Brasil real” (grifos nossos).

A política fundiária, apesar de existir uma legislação agrária formalmente avançada, sempre visou beneficiar quem detinha a propriedade da terra. Segundo Panini (1990:15-16): "No Brasil os instrumentos jurídico-agrários são elaborados, mantidos e aplicados como dogmas inquestionáveis e têm a precípua função de encobrir os interesses dos grandes proprietários e de sedimentar seus privilégios. (...) A lei agrária é um instrumento de proteção e manutenção do sistema latifundiário. (...) A reforma agrária prevista em lei, jamais tem sido concretizada. Qualquer alteração em favor dos camponeses tem decorrido, sempre, de iniciativas e das persistentes reivindicações dos mesmos" (grifo nosso). Duas frases do Dr. Paraguassu Éleres (no prelo, Cap. II:1) resumem bem a história da apropriação das terras no Brasil: “O Brasil é uma terra de posseiros. Desde os tempos imemoriais da colonização, do solo e da natureza brasileira têm se apropriado não os que chegam primeiro, os posseiros, mas os que detêm os recursos econômicos e os que têm o poder de fazer e manipular as leis” e “o regime de sesmaria é a mãe do latifúndio nacional”. (grifos nossos)

Em seguida descrever-se-á a apropriação das terras do Estado do Pará. Mostrar-se-á como este processo fez parte do fenômeno mais amplo de colonização da Amazônia, região sujeita a várias fases de ocupação. A primeira investida humana, a dos povos indígenas, conseguiu amoldar-se à região integrando-se à mesma. A segunda, a investida portuguesa, dominou a faixa de terras às margens dos inúmeros rios. A terceira se deu com a entrada do grande capital monopolista na década de 1960 e continua ainda hoje. F. Magalhães (1986:19) afirma que a Amazônia sofreu até hoje três investidas humanas: "A primeira, há milhares de anos, provocada pelo empuxe migratório da fase coletora, em busca de novas terras que oferecessem suporte alimentar, foi absorvida pela região, amoldou-se a ela, fundindo-se como parte integrante do sistema ecológico na qual penetrou. Seus descendentes estão hoje tão ameaçados em sua sobrevivência quanto o meio ambiente que os sustenta. A segunda, há quatro séculos, provocada pela procura de riquezas e lucros do nascente capital mercantil, consolidou-se e expandiu-se até controlar todo o âmbito regional. (...) Os rios permitiram a ocupação de todo o âmbito geográfico, mas esta ficou restrita às suas margens. A Amazônia de hoje é, econômica, social e culturalmente, o produto desta ocupação".

Analisar-se-ão, só superficialmente, as primeiras duas investidas enquanto será aprofundada, com maiores detalhes, a terceira fase, pois é sobretudo nos últimos trinta anos, que foi gestada a mudança radical da vida

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da população desta região dando origem a eclosão dos atuais conflitos agrários. Uma das causas deste fenômeno foi à intromissão muito forte do governo federal no processo recente de ocupação da fronteira. A incorporação da Amazônia ao resto do País foi efetuada a partir dos gabinetes dos tecnocratas do Planalto Central que desconheciam totalmente o espaço regional, sua história, suas múltiplas etnias e diversidade de grupos sociais (índios, caboclos, remanescentes de quilombos, ribeirinhos, pescadores, seringueiros, coletores de castanhas, etc. ...) e a maneira como a qual estes grupos relacionavam-se com a terra. As próprias relações jurídicas que se tinham consolidado ao longo dos séculos onde a posse da terra era legitimada pelo seu uso e não por um pedaço de papel que garantisse ao seu possuidor a propriedade do imóvel, foram totalmente ignoradas. Por isso, no sexto capítulo, apresentar-se-á a legislação federal deste último século e a política agrária adotada pelos diferentes governos federais durante a ditadura militar e nos anos seguintes, mostrando as conseqüências nefastas sobre a realidade amazônica desta política de federalização das terras, instrumento utilizado para favorecer a entrada na região das grandes empresas capitalistas. Para os militares e seus tecnocratas, importava unicamente o sistema legal vigente à nível federal ao qual a realidade regional deveria se adequar. Tudo o que não se encaixava no direito estatal era ignorado ou combatido como ilegal ou arcaico. Desconsideravam-se, desta maneira, todas as formas de uso e posse coletiva da terra e dos recursos naturais, características marcantes e elementos aglutinadores dos caboclos amazônicos. Esta política de ocupação do espaço, que considerava a região como um enorme vazio demográfico a ser desenvolvido, fez com que a União chegasse a anular as políticas agrárias estaduais intervindo diretamente no campo. Neste sentido, estão corretas as palavras do jornalista paraense Lúcio Flávio Pinto (1987:3), o maior especialista em assuntos amazônicos da atualidade, quando afirma que: "O Estado tem uma imensa responsabilidade sobre o que está acontecendo e ainda virá acontecer na Amazônia. Em nenhuma outra região brasileira a sua presença é mais forte".

Em seguida, será defendida a proposta de que cabe ao governo federal, em colaboração aos governos estaduais e municipais, que hoje, em força dos dispositivos constitucionais de 1988, ganharam uma maior autonomia e responsabilidade, criar novas condições de vida para as populações indígenas e caboclas da região que foram espoliadas de tudo o que tinham: terra, meios de sobrevivência, identidade cultural, social e política. Foram-lhes negados seus direitos, não foi reconhecida sua cidadania. Na virada do milênio a sociedade brasileira tem o dever histórico de resgatar esta dívida social.

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Depois de apresentar a experiência histórica de ocupação do espaço amazônico e a legislação paraense em vigor, analisar-se-á a política de incentivos fiscais, um dos principais instrumentos da política de desenvolvimento planejado, colocada em prática nas últimas três décadas evidenciando-se como esta política setorial só beneficiou uma determinada classe social e não a maioria da população.

No oitavo capítulo, será mostrado como a grilagem serviu para garantir e consolidar a propriedade da terra por parte de fazendeiros e empresas rurais. Segundo Asselin (1982:159): “A verdade, como este livro pretendeu demonstrar, é que a grilagem se constitui num instrumento privilegiado de incorporação das terras devolutas ao modelo de propriedade privada do sistema capitalista. Por isso, sempre foi praticada pelos latifundiários, comerciantes, industriais, banqueiros e tantos outros, representantes do capital monopolista nacional e estrangeiro. (...) O governo militar de 1964 encampou o projeto da implantação e da internacionalização do capital na Amazônia e, consequentemente, a política de incorporação de todas as terras ‘livres’, favorecendo a grilagem, a partir de projetos do capital monopolista ligado ao imperialismo”. (grifos nossos) A transferência de grandes áreas de terras públicas para particulares procedeu-se de maneira absolutamente ilegal quanto aos registros. Através do estudo dos casos da Gleba Cidapar, Jarí e dos processos de cancelamento de matrículas ajuizados pelo ITERPA, procurar-se-á comprovar a fragilidade dos controles institucionais sobre os Cartórios de Registros de Imóveis, co-responsáveis com a apropriação indevida das terras públicas. Manifestar-se-á também preocupação com a demora na tramitação destes processos judiciais, pois isso cria situações sempre mais difíceis de serem mudadas com o decorrer do tempo e favorece a violência contra os trabalhadores. O combate à grilagem, será também apresentado como uma forma de mudar a estrutura agrária distorcida presente no Brasil, barateando os custos da reforma agrária, pois, nos casos nos quais os detentores do imóvel não conseguirem comprovar sua legítima propriedade, o governo limitar-se-á a indenizar só as eventuais benfeitorias úteis e necessárias, isso caso os mesmos consigam comprovar sua boa fé. A discussão a ser travada em juízo não será, como é hoje, quanto deve ser pago, mas se deve ser pago algo superando desta maneira os obstáculos financeiros, que os executores dos sucessivos Planos Nacionais de Reforma Agrária sempre apresentaram como intransponíveis. A responsabilização civil e criminal dos oficiais de cartório pelas falcatruas cometidas será sugerida como um meio para coibir a prática da grilagem.

Se resgatará, em seguida, a história do sofrimento, a resistência e luta dos trabalhadores rurais. Se verá que a luta pela posse da terra, foi

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responsável pelas maiores atrocidades perpetradas contra os trabalhadores. Os requintes de crueldade, que serão apresentados, mostram o nível de perversidade alcançado pelo latifúndio, para defender seu domínio sobre a terra, fonte de seu poder. Procurar-se-á comprovar como a prática da violência pertence à essência do latifúndio. Se mostrará a responsabilidade do Estado que, em muitos casos, colocou sua polícia ao serviço do latifúndio ou se omitiu em apurar os crimes perpetrados contra os trabalhadores favorecendo, desta maneira, a impunidade que, por sua vez, foi fonte de nova violência. Só através da criação de uma Justiça Agrária especializada, o Estado pode ter condições de resolver os graves conflitos agrários.

O último capítulo foi dedicado à análise da Proposta de Plano de Reforma Agrária, apresentada em maio de 1985 pelo presidente Sarney e como, a partir daquele momento, se desencadeou um grande debate nacional sobre a questão agrária. Serão analisados os graves retrocessos impostos ao Plano Nacional de Reforma Agrária, seja de um ponto de vista sociológico, político que jurídico. Neste mesmo capítulo, serão apresentadas as metas do Plano Regional de Reforma Agrária do Pará da Nova República e os Planos posteriores avaliando seu desempenho. O que se pode observar é que um Plano definido como tímido pelas lideranças camponesas sequer chegou a ser implantado. Mais uma vez os anseios populares foram desconsiderados. Será defendida a idéia que a reforma agrária é um dos pré-requisitos essenciais, condição primeira para a democratização do país e do progresso econômico baseado na justiça social.

Se é verdade que se pode afirmar que, até hoje, as populações da Amazônia nunca foram consultadas sobre suas opções de desenvolvimento, precisa-se dizer que chegou o momento histórico para mudar esta situação, pois:

A Amazônia é o espaço do futuro: tem diante de si um amplo leque de alternativas de desenvolvimento que permitem prever diferentes horizontes e perspectivas para as próximas décadas e gerações. Esses futuros prováveis dependerão tanto de circunstâncias externas à região como de suas potencialidades e limitações. Em suma o futuro dependerá da forma pela qual os componentes políticos, econômicos, sociais e ambientais, dentro e fora da Amazônia, irão se articular nas próximas décadas, abrindo oportunidades ou aumentando

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os problemas para a região (BRASIL, 1991a:134).

Para possibilitar um futuro melhor serão comentadas as propostas que os trabalhadores rurais, através dos GRITOS DA TERRA BRASIL, apresentaram para a sociedade nos últimos dez anos: uma contribuição valiosa para a construção de uma sociedade mais justa e democrática.

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2 - ASPECTOS HISTÓRICOS-POLÍTICOS DA OCUPAÇÃO DAS TERRAS NO BRASIL. CARTA DE SESMARIA: A MÃE DO LATIFÚNDIO NACIONAL

A história do processo de ocupação do Brasil pode ser subdividida em quatro períodos: regime sesmarial (1500-1821), regime de posse(1821-1850),regime da Lei de Terras (1850-1889) e período republicano (1889 até os nossos dias).

Os doutrinadores são hoje unânimes em reconhecer, que a história do direito agrário e a estrutura agrária brasileira fincaram suas raízes no direito português, pois quando começou o processo de colonização não foi elaborada uma legislação específica para a colônia, mas passaram a vigorar no Brasil as leis lusitanas, que estabeleciam a maneira de adquirir, exercer, conservar e alienar as terras.

Ruy Cirne lima (1954:11), um dos maiores estudiosos da história do direito agrário brasileiro, resume bem esta situação numa frase hoje repetida por muitos doutrinadores: “A história territorial do Brasil começa em Portugal”. Por isso que se pode afirmar uma realidade aperentemente paradoxal: ainda antes do Brasil ser descoberto suas terras já pertenciam a Portugal.

Desde antes de sua descoberta e colonização pelos lusitanos as terras da futura Terra de Vera Cruz (como foi denominado o Brasil na Carta de Pero Vaz de Caminha ao rei) eram consideradas propriedade do rei, por direito de conquista, em força dos Tratados de Alcaçovas (1479) e de Tordesilhas (1494).

Este Tratado, cujo nome oficial era Capitulacion de la Repartition del Mar Oceano, foi assinado, em 7 de junho de 1494, por Dom João, rei de Portugal, e D. Fernando e Dona Izabel, reis de Espanha, Castela, Leão, Aragão, Granada, etc. Dividia o mundo com uma linha imaginária que corria do pólo Ártico ao pólo Antártico e concedia ao primeiro o controle sobre as 370 milhas ao oeste das Ilhas de Cabo Verde, além deste limite as terras pertenceriam à Espanha: "E tudo o que até aqui tenha achado e descoberto e daqui em diante se achar e descobrir pelo dito Senhor de Portugal e por seus navios, tanto ilhas como terra firme, desde a dita raia e linha dada na forma supracitada indo pela dita parte do Levante ou do Norte e do Sul dele, conquanto não seja atravessando dita raia, que tudo seja, e fique e pertença ao dito Senhor Rei de Portugal, e aos seus sucessores, para sempre". Este tratado foi ratificado pela Bula Pro Bono Pacis do Papa Julio II em 24 de janeiro de 1504. Para Demétrio (1998): "É o tratado de Tordesilhas, sem

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dúvida, o registro do primeiro fator latifundizante e que, dividiu o mundo antigo em dois imensos latifúndios, um, o rei de Castela e Aragão e o outro, no qual inclui-se o Brasil, coube ao rei de Portugal, latifúndios estes que tiveram por divisas, a simbologia dos meridianos".

Hely Lopes Meirelles (1995:455) sintetizou esta realidade com as seguintes palavras: “No Brasil todas as terras foram, originariamente, públicas, por pertencentes à Nação portuguesa, por direito de conquista. Depois, passaram ao Império e à República, sempre como domínio do Estado. A transferência das terras públicas para os particulares deu-se paulatinamente por meio de concessões de sesmarias e de data, compra e venda, doação, permuta e legitimação de posses. Daí a regra de que toda terra sem título de propriedade particular é de domínio público”. (grifos nossos).

As terras adquiridas através das armas e da diplomacia, eram-lhe, formalmente, reconhecidas como legitimamente suas, graças às declarações papais. A partir do começo do século XV, com o começo das grandes viagens de descoberta, os papas editaram diferentes bulas, as mais importantes das quais foram promulgadas em 1492 pelo Papa Alexandre VI: ‘Inter Coetera’ de 4 de maio e a ‘Exímiae Devotiones’ de setembro, determinando a divisão das terras conquistadas aos infiéis. Foi assim reconhecido o direito dos reis ibéricos na divisão territorial do mundo. Isto aconteceu devido à concepção medieval de que o mundo era dádiva divina, pois Deus era o criador e o único Senhor do universo. Cabia ao Vigário de Cristo, e chefe de toda a cristandade, conceder os favores divinos.

Este poder papal, além de seu embasamento teológico, encontrava sua justificativa legal na doação que, em 330, o Imperador romano Constantino Magno teria feito ao Papa Silvestre de todas as terras do Ocidente. O papa detinha assim não só o poder espiritual, mas também o poder temporal. A propagação da fé foi a motivação religiosa de uma campanha comercial e de expansão de domínios sem precedentes na história anterior da Europa. Os que se engajavam na evangelização dos gentios tinham seus pecados perdoados (como afirmavam várias bulas papais) e eram reconhecidos como senhores dos novos países. Se até 1515 os outros países europeus não se interessavam em brigar contra o expansionismo ibérico, com a subida ao trono de França de Francisco I, esta divisão do mundo começou a ser questionada pois o soberano francês afirmou que desconhecia: “la clause du testament d’ Adam qui m’exclut du partage du monde”.

A partir da conquista, no Brasil deixam de existir terras sem dono, todas elas incorporaram-se ao patrimônio da coroa portuguesa. Portanto só o

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rei poderia permitir ou impedir o acesso e a exploração a tudo o que existia na colônia. Isso fez com que o direito de propriedade, no Brasil, tivesse sua origem do desmembramento do patrimônio público; as terras eram assim originariamente públicas e, até hoje, elas podem ser consideradas propriedade de particulares só se estes comprovarem que as receberam a justo título. Esta observação histórica, de aparente pouco valor prático, tem, ao contrário, um enorme valor jurídico que merece ser aprofundado em seguida, pois em muitos casos, advogados de grileiros tentam obrigar o Estado a comprovar ser o dono de um determinado imóvel, quando ao contrário a eles cabe este ônus.

Estas considerações de ordem histórica e doutrinária nos permitem chegar a formular a seguinte afirmação: Considerando que, no Brasil, as terras eram originariamente públicas e que o direito de propriedade privada teve sua origem do desmembramento do patrimônio público, até hoje, um imóvel só pode ser considerados propriedade particular só se seus detentores comprovarem que as receberam a justo título, isto é através, do devido processo legal, obedecendo-se as normas em vigor naquele tempo. Entendemos que o ônus da prova sobre o valor dos documentos apresentados cabe aos particulares e não ao Poder Público.

Também Maia (1982: 11) adota a mesma posição: "Pode-se dizer que a propriedade, no Brasil, constituiu-se fundamentalmente do patrimônio público". A transferência das terras do patrimônio público ao particular sempre se caracterizou como a alienação de bem público integrante do patrimônio disponível, por isso sempre foi vinculado a um ato de disponibilidade pelo Estado a ser realizado obedecendo-se rigoprosamente a uma expressa autorização estatal ou a reconhecimento contemplado em lei.

2.1 Legislação Portuguesa

O direito fundiário lusitano originou-se na prática em vigor em algumas regiões portuguesas onde era costume sortear, entre os moradores, parcelas de terras para serem cultivadas durante um determinado prazo de tempo. Segundo Virgínia Rau através da Reconquista os portugueses, já a partir do século VIII, conseguiram ocupar terras antes em poder dos mouros. Estas ocupações, denominadas de presúrias, incorporaram-se ao patrimônio real por direito de conquista e eram distribuídas entre os conselhos municipais. Estes as poderiam transferir a particulares desde que as fizessem produzir. Não se admitia solo sem cultura, pois isso era considerado: “contra o interesse geral". Uma carta de 1273 do Conselho de Évora nomeou quatro sesmeiros para procederem a nova distribuição de terrenos garantindo a

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posse da terra a quem as cultivasse conforme estava prevsito pelos costume ou pelo foral.

Em 26 de junho de 1375, na cidade portuguesa de Santarém, Dom Fernando I institucionalizou esta prática dando-lhe força legal através da LEI DE SESMARIA. Consolidando preceitos antigos, leis esparsas e costumeiras deu origem a uma norma que pode ser considerada como uma das primeiras leis agrárias da Europa.

Já a ementa manifestava a necessidade de se explorar a terra: “Obriga a prática da lavoura e o semeio da terra pelos proprietários, arrendatários, foreiros e outros, e dá outras providências”. (BRASIL, 1983a:355)

A Lei determinava: “Todos os que tiverem herdades próprias, emprazadas, aforadas, ou por qualquer outro título, que sobre as mesmas lhes dê direito, sejam constrangidos a lavrá-las e semeá-las. (...) Se por negligência ou contumácia, os proprietários não observarem o que fica determinado, não tratando de aproveitar por si ou por outrem as suas herdades, as Justiças territoriais, ou as pessoas que sobre isso tiverem intendência, as dêem a quem as lavre, e semeie por certo tempo, a pensão ou a quota determinada. Durante esse tempo não poderão os proprietários tirá-los àqueles a quem assim forem dadas, nem mesmo, passado ele, poderão entrar na sua posse por autoridade própria. (...) Se os senhores das herdades não quiserem estar por este arbitramento [o valor do aluguel estabelecido pelos representantes reais], e por qualquer maneira o embargarem por seu poderio, devem perdê-las para o comum, a que serão aplicadas para sempre; devendo arrecadar-se o seu rendimento a benefício do comum, em cujo território forem situadas”.

Esta lei, apresentada como “drástica e violenta” pelos contemporâneos, determinava que os donos de terras ociosas deveriam lavrá-las, diretamente ou com seus próprios escravos, ou transferi-las a terceiros, que as tornassem produtivas em troca do pagamento da sexta parte do que iria ser produzido. O não cumprimento destas cláusulas implicava o confisco da propriedade, retornando a mesma ao patrimônio real. Nas Ordenações do Reino a atribuição de uma sesmaria era precedida da citação do dono da terra e de sua mulher (já naquele tempo, no caso das ações reais o casal era considerado desta maneira responsável pelo bem) aos quais o sesmeiro comunicava a necessidade de que fosse trabalhada a terra. Lhes era concedido um ano de prazo para fazer produzir o imóvel, caso não o fizessem, o uso da terra seria concedida a quem a pleiteasse.

O cumprimento, no Brasil, destes dispositivos legais teria impedido a concentração da propriedade da terra e favorecido o nascimento da

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propriedade familiar. Percebe-se que, na base do direito sesmarial, existia a determinação de promover, compulsoriamente, o aproveitamento do solo. Estes dispositivos legais mostravam a preocupação do rei de frear o êxodo rural, que tinha sua origem nas várias guerras de conquista, no processo de urbanização com os servos da gleba se transformando em artesãos nas cidades, e na ânsia de colonizar os novos países, que estavam sendo descobertos.

A legislação assim qualificava as sesmarias: ”datas de terra, casais ou pardieiros, que foram ou são de alguns senhorios e que já noutro tempo foram lavrados e aproveitados e agora não o são”. O Instituto das sesmarias foi previsto nas Ordenações Afonsinas (de 1446, liv. IV, Tít. 80, § 21 e 22), Ordenações Manuelinas (de 1514, no liv. 4, Tít. 67, § 8) e Filipinas (de 1603, no liv. 4, Tít. 43, § 9). As Ordenações Filipinas (1.603) consagravam, pela primeira vez, a preocupação com a preservação do meio ambiente, pois proibiam a caça e pesca nos períodos de reprodução das espécies, protegiam as espécies florestais, em especial as plantas frutíferas e regulamentavam o controle das queimadas.

É importante ressaltar como, implicitamente, estava sendo aplicado o princípio da função social da propriedade e colocada em prática a primeira lei de reforma agrária da história brasileira (infelizmente fadada ao fracasso como todas as outras posteriores). Naquele tempo, a propriedade privada não tinha o ranço absolutista, que posteriormente lhe foi reconhecido pelo Código Civil Napoleônico, que permitia ao dono do imóvel de usar como achasse melhor o que lhe pertencia (por isso alguém chegou a afirmar que a lei permitia até abusar do mesmo); ao contrário, a propriedade que não produzisse deveria ser confiscada sem direito a qualquer tipo de indenização, para ser entregue a quem fizesse um melhor uso dela. A instituição do sistema sesmarial não visava proteger o direito de propriedade individual sobre a terra, mas sim o interesse público. Desde o começo de sua história fundiária o Brasil adotou o princípio do cumprimento da função social da propriedade determinamdo-se o confisco das terras abandonadas e ociosas.

A origem da palavra sesmaria continua a despertar opiniões diferentes ainda hoje sem que os doutrinadores tenham conseguido apresentar uma resposta satisfatória. No começo sesmeiros eram os fiscais de confiança do rei que deveriam comprovar que as terras estavam sendo trabalhadas e arbitrar o valor que deveria ser pago pelos trabalhadores ao dono do título em caso não houvesse acordo. O fiscal tinha também a incumbência de confiscar as terras improdutivas e de expedir a carta de sesmaria em que era registrado o nome do senhor, as medidas da terra, o nome do cessionário, o prazo estipulado para explorar a terra e o preço

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combinado. Posteriormente passou a indicar o próprio beneficiário da concessão de terra.

A etimolgia da palavra “sesmaria” continua a constituir um enigma lingüístico pois várias teorias procuram explicar sua origem semântica sem que nenhuma delas, porém, tenha conseguido convencer todos os pesquisadores. Stefanini (1977:300) apresenta assim as principais teorias que procuram explicar a origem da palavra: “sesmaria teria vindo do latim caesinare ou caesimare de caesim, significando aos golpes, cindir, representando consequentemente o rasgo, o revolver da terra visando o plantio da semente; outra teoria vincula sesmaria ao verbo sesmar, afeto a adaestimare, arbitrar, calcular, avaliar; segundo outros estudiosos sesmaria procederia de sesma, que seria uma medida de divisão de terras, outros ainda ligam o vocábulo a uma derivação de sesmo que seria o lugar onde situar-se-ia o sítio; uma última corrente atribuía origem de sesmaria à derivação terminológica do latim siximum, ou seja, a sexta parte que o sesmeiro (recebedor de terras) deveria pagar ao Estado ou ao antigo senhor a título de renda dos frutos da terra”. Para Bueno (1999:13): "A palavra, de origem latina, era usada desde a Idade Média para definir o "sesmo" (ou sexta parte) do côvado" (antiga medida de cumprimento igual a 66 cm).

2.2 Implantação do sistema sesmarial no Brasil

Antes da chegada dos ibéricos na América latina a população ameríndia adotava uma agricultura itinerante e vivia de caça, pesca e da coleta de frutos. Quando as áreas destinadas ao cultivo chegavam ao esgotamento a tribo migrava para outra região. Por isso existia o uso coletivo das terras.

Inicialmente os portugueses implantaram no Brasil o mesmo modelo de colonização já consagrado durante várias décadas nas costas da África onde a coroa permitia que particulares estabelecessem feitorias. Um consórcio de comerciantes, liderado por Fernão Noronha, recebeu em arrendamento a exploração da nova colônia durante três anos podendo exercer o monopólio comercial. Em troca o consórcio comprometeu-se a mandar seis navios por ano para explorar as costas.

Com o aumento das ameaças exercida pelos outros povos europeus, de maneira especial França, Inglaterra e Holanda, que ocupar sua colônia americana, a coroa portuguesa decidiu intensificar o povoamento do Brasil.

Em 20 de novembro de 1530, Dom João III outorgou a Martim Affonso de Souza o direito de conceder sesmarias no Brasil. A Carta Régia de Dom João II lhes outorgou poderes para dar terras: “às pessoas que

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consigo levar e às que na dita terra quiserem viver e povoar, aquela parte das ditas terras, que lhes parecer, e segundo lhe o merecer por seus serviços e qualidades”. Mas foi só através da Carta Foral de 06 de outubro de 1531, que o regime de sesmaria foi oficialmente introduzido no Brasil. 1 Um ano depois o mesmo rei decidiu dividir a nova colônia em 14 capitanias hereditárias concedendo 50 léguas a partir da costa aos capitães, na sua maioria burocratas, comerciantes e integrantes da baixa nobreza. Esta iniciativa visava garantir o povoamento e a defesa do território conquistado e já tinha sido introduzida inicialmente nas possessões portuguesas de Madeira e Açores onde tinha dado bons resultados. No Brasil, onde as condições eram bem diferentes daquelas existentes naquelas pequenas ilhas oceânicas, resultou num desastre. A falta de adaptação das disposições lusitanas na nova colônia latino-americana, parece confirmar o desinteresse inicial dos portugueses para com a colonização do Brasil. Assim afirmava o cronista real Francisco d’ Andrade (apud LIMA, 1954:33): “tendose por esta causa [por ser o Brasil terra “bárbara e pobre” ao contrário das colônias asiáticas e africanas, muito mais facilmente exploráveis] pouca atenção no princípio a pouar esta terra, se daua a homens particulares quanta cantidade cada hum pidia nella, com nome de capitães e grandes poderes de jurisdicção, de civel e do crime (sic)”.

O Brasil era apontado como terra pobre que, porém, poderia gerar muita riqueza: o mito de ‘Brasil terra do futuro’ tem origem remota. Desta maneira se expressava D. João de Melo da Cunha (apud Costa Porto, 1965:23-24), numa carta ao rei: “uma terra que nam tem nenhum proveito e pode ter muito”. Sugeria também que a colonização deveria ser entregue a: “omens que comygo hão de ir são de muyta sustância e pessoas muy abastadas (sic)”. Também Gândavo (1995:3), ainda em 1576, apresentou a mesma opinião: “Minha intenção não foi outra neste sumário senão denunciar em breves palavras a fertilidade e abundância de terra do Brasil, para que esta fama venha à notícia de muitas pessoas que nestes Reinos vivem com pobreza, e não duvidem escolhê-la para seu remédio: porque a mesma terra é tão natural e favorável aos estranhos que a todos agasalha e convida com remédio, por pobres e desamparados que sejam. E assim cada vez se vai fazendo mais próspera, e depois que as terras viçosas se forem povoando (que agora estão desertas por falta de gente) hão de se fazer nelas grossas fazendas, e também se espera desta província que por tempo floresça tanto na riqueza [...]”. O desapontamento inicial dos portugueses foi bem

1 Já em 16 de janeiro de 1504, uma Carta Régia Manuelina, tinha beneficiado Fernão de Noronha com a concessão da primeira sesmaria em terras brasileiras, na Ilha de São Jorge (atual Fernando de Noronha).

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retratado por Freire (1950:369): “O Brasil foi como uma carta de paus, puxada num jogo de trunfos de ouro”. Por isso, nas primeiras décadas foi muito reduzido o número dos portugueses que trocou a possibilidade de enriquecer rapidamente nas “índias” (oriente) pelo desbravemento desta terra selvagem.

Os capitães detinham um poder meramente político, não podiam reter para si mesmos ou seus cônjuges e herdeiros a concessão de sesmarias; eram meros distribuidores das cartas de sesmaria, podendo reservar para si só 20% das terras, obrigando-se a distribuir o restante 80%, mas esta determinação não foi respeitada. Os capitães tinham o poder de administrar a região, arrecadar tributos, fundar vilas, arregimentar os colonos para servirem na milícia e doar as cartas de sesmaria. A Carta de doação entregue a Martin Afonso de Souza (apud SOUSA, 1983:9-10) dizia textualmente: “Somente as poderão haver por título de compra verdadeira de pessoas que lhe quiserem vender, passado s oito anos depois das terras serem aproveitadas; em outra maneira não” (grifos nossos).. A determinação de que passassem oito anos antes do capitão geral poder adquirir terra daqueles aos quais ele mesmo as tinha concedido, revela o cuidado real para evitar-se a especulação, a concentração de propriedade e preservar a moralidade administrativa. A história ensina porém que as boas intenções, também quando são solenemente esculpidas em leis ou cartas régias, pouca eficácia têm sem fiscalização e que esta depende da vontade política do governo. Na realidade comprova-se que o Estado coloca-se ao serviço da classe dominante “esquecendo” a lei quando esta se transforma em empecilho para o enriquecimento desta classe.

Em 1549, este sistema, que estava mostrando-se inadequado, foi revogado e as capitanias já concedidas foram paulatinamente resgatadas. A introdução no Brasil do sistema sesmarial mostrava, pelo menos nas palavras, e na vontade da coroa, que a ocupação da nova terra fosse feita através da posse efetiva e do cultivo. Por isso, o rei determinou que se fornecessem machados e enxadas aos que fossem povoar o Brasil. A carta do rei atribuiu a Souza a faculdade de conceder sesmarias: “somente na vida daqueles a quem der e não mais”. Contrariando, porém, este dispositivo legal as sesmarias concedidas no Brasil foram, desde o começo, a título perpétuo. Destinatários destas concessões gratuitas eram os homens de muitas posses e família, homens de cabedais, pois quem as recebia era obrigado a construir nelas torres ou fortalezas para defendê-las, bem como levar gente e navios às suas custas.

O Regimento de Tomé de Souza, de 15 de dezembro de 1548, em seu capítulo IX determinava (apud LIMA, 1954:36).: “as ditas pessoas

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[sesmeiros] se obrigarão a fazer cada hum em sua terra hua torre ou casa forte da feição e grandura que lhes decrarardes nas cartas (sic)”.

Um alvará de 09/01/1697, reiterado em 07/12/1697, determina que além do pagamento do dízimo os sesmeiros deveriam: "porem as taes terras dezempedidas dos Gentios brabos a sua custa, por serem pessoas poderosas e se acharem com posses promptos para logo as cultivarem de gados que hera a parte que se pedião" (sic) (grifos nossos). Apesar de seu fracasso as capitanias hereditárias condicionaram a estrutura fundiária do Brasil. Com a expansão das grandes lavouras canavieiras se consolidou uma estrutura social excludente baseada no tráfico de escravos em larga escala e no massacre dos povos indígenas.

Para garantir a rentabilidade dos enormes investimentos necessários para a consolidação de empreendimentos se devia produzir um grande volume de mercadorias. Isso fez com que se justificasse o nascimento de latifúndios e a utilização de mão-de-obra escrava. A indústria açucareira, primeira atividade econômica expressiva desenvolvida na colônia depois da pilhagem do Pau Brasil (cuja exploração durante as primeiras décadas da colonização foi tão intensa que obrigou o Poder central a editar, em 1605 o "Regulamento do Pau Brasil", proibindo o uso do fogo, criando um corpo de guardas florestais e castigando com pena de morte os infratores), instaurou um regime econômico e social no qual o senhor de engenho detinha o controle absoluto não só sobre os escravos, mas também sobre os brancos livres, donos de terras, que se, não queriam deixar apodrecer a cana no pé, se viam obrigados a entregá-la ao dono do engenho para que fosse moída. Este ficava com 50% do produto. Caso ele permitisse a alguém lavrar suas terras, além destes 50%, retia também o valor do aluguel. Esta situação perdurou por mais de quatro séculos, até a promulgação do Estatuto da Lavoura Canavieira (Decreto n.º 3. 855, de 21/11/1941).

Além de terem posses, os beneficiários deveriam ser christãos, como afirma o foral de Duarte Coelho (apud BAHIA, 1985:14): "Primariamente o capitão de dita capitania e seus sucessores darão e repartirão as terras dela de sesmaria a quaisquer pessoas, de qualquer qualidade e condição, que sejam cristãos, livremente, sem foro nem direito algum, somente o dízimo que serão obrigados a pagar à Ordem do Mestrado de Nosso Senhor Jesus Cristo de tudo o que nas ditas terras houverem" (grifos nossos).

Já a Carta Régia de 30 de julho de 1609 proibia o esbulho das terras indígenas. Só o Alvará Real de 10 de abril de 1680, reconheceu aos índios o direito de serem proprietários de terras. Outro alvará determinava também, que as que lhes tinham sido usurpadas deveriam ser-lhes devolvidas, alvarás estes ineficazes, pois nunca foram efetivamente postos em prática.

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Guimarães (1981:17) afirma: “Nenhum efeito prático resultaria dessa decisão da Metrópole, logo relegada ao esquecimento nos arquivos”.

Nem todas as terras poderiam ser concedidas em sesmaria, pois algumas áreas estavam reservadas para o uso público ou coletivo: estradas, acesso às fontes, área patrimonial concedida às Câmaras Municipais e terrenos de marinha.

Origem dos terrenos de marinha

Já a Carta Régia de 4 de outubro de 1678 determinava que os terrenos de marinha fossem reservados ao uso comum pois eram “regalia real”. A Carta de 12 de novembro de 1698 dizia que poderiam ser concedidos só pelo soberano e não pelas Câmaras Municipais. Um Ato de 10 de janeiro de 1732 determinava: “Não consintais se aproprie pessoa alguma das praias e mar, por ser comum para todos os moradores”. Uma Provisão de 11 de março de 1754 reservava uma faixa de terras para fins de utilidade pública na beira dos rios caudalosos. Uma Carta Régia de 13 de março de 1797 proibiu a concessão de terras junto às costas marítimas e às margens dos rios que as banham. O aviso régio de 18 de novembro de 1818 ampliou a faixa da coroa estabelecendo que da: “linha d’água para dentro sempre são reservadas 15 braças pela borda do mar para o serviço público, não entrarão em propriedade alguma dos confinantes com a marinha e tudo quanto alegarem para se apropriar do terreno é abuso e inatendível”. As 15 braças craveiras correspondem a 10 palmos, considerando que cada braça correponde 2,20 metros, desde o começo os 33 metros foi a medida pardão adotada para os terrenos de marinha. Em 14 de novembro de 1832 se chegou a definir: “hão de considerar-se terrenos de marinha todos os que, banhados pelas águas do mar, ou dos rios navegáveis, vão até a distância de 15 braças craveiras para a parte de terra”. O Decreto Lei n0 9.760, de 1946, que “dispõe sobre os bens imóveis da União”, utiliza a Linha de Preamar Média (LPM) de 1831 como referência para determinar as terras de marinha, mantendo sua medida em 33 metros.

Esta determinação visava preservar o interesse de toda a comunidade, o interesse público sobrepunha-se ao interesse privado. Se garantia o respeito à: servidão de passagem, e se o terreno estivesse localizado: “a margem de algum rio caudaloso que careça de barco para se passar, ficará reservada de uma margem dele meia légua para serventia pública”. Se reservavam também áreas: “para as igrejas ou vilas, minas de metais, estradas públicas e logradouros”. Em virtude do Alvará de 21 de

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agosto de 1578 estavam também previstas as áreas reservadas às aldeias dos índios convertidos ao cristianismo.

2.2.1 Cláusulas contratuais

Apesar de que, várias cartas afirmassem, que a terra era doada: ‘deste dia para sempre’ e que ao sesmeiro era facultado: ‘fazer o que bem lhe aprouver’. A concessão não era incondicionada, pois existiam cláusulas que, se desrespeitadas, levariam a sua caducidade:

a) Aproveitamento: As terras eram concedidas para serem lavradas para possibilitar o abastecimento; caso isso não acontecesse, voltariam a incorporar-se às terras devolutas e deveriam ser redistribuídas. Apesar de não podermos falar de abastecimento como principal preocupação no começo da ocupação colonial, era exigida a presença, a efetiva ocupação e aproveitamento da terra, que só era concedida na medida que pudesse ser utilizada. O Aproveitamento deveria se dar num prazo determinado: inicialmente, a legislação, determinava o prazo de cinco anos para o beneficiamento do lote. A Carta Régia de João III para Martin Affonso de Souza, de 1530, determinava que: ”dentro de dois anos da data cada um aproveite a sua e que se no dito tempo assim não fizer, as poderá dar a outras pessoas para que as proveitem na mesma condição”. Costa Porto (1965:120-121) enumera vários casos de pedidos de prorrogação de prazo para evitar que as sesmarias fossem retomadas. Segundo ele, sobretudo no primeiro século, as autoridades davam pouca importância ou fechavam os olhos diante do descumprimento dos prazos, mas a justiça, quando solicitada, reforçava o princípio e determinava a pena de comisso para quem não cultivava as terras. Precisa ressaltar porém que estas disputas judiciais se deram na faixa costeira, onde começou o processo de ocupação, não se tendo nenhuma referência histórica de que isso tenha acontecido na Amazônia. O alvará de 1785 reafirmava que o cultivo era uma condição essencial para a confirmação das sesmarias, sob pena de caducidade.

Costa Porto (1965:88) relata que quando o Ouvidor do Maranhão quis fazer cumprir esta determinação provocou: “imediata reação dos magnatas de Salvador que agiram rápido junto ao vice-rei, Marques de Angeja o qual representou junto à coroa contra o ato do Ouvidor (...) E El-Rei tornou sem efeito os atos do Ouvidor, o qual nada mais fizera do que aplicar os preceitos da carta de 1702”. Segundo Mattos Neto (1988:93) se o proprietário não explorasse a terra: “sofreria, como sanção punitiva, a perda da terra sem direito a qualquer indenização” (grifos nossos).

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A pouca aplicação deste preceito deveu-se, pelo menos em parte, ao fato que a caducidade das cartas não era declarada ex-ofício, mas só quando terceiros interessados provocassem o poder público e, com tanta terra a disposição, pelo menos nos primeiros séculos, não era comum alguém querer brigar por lotes já concedidos ou denunciar o não cumprimento desta cláusula. Apesar de Costa Porto (1973:43) fazer referência a um antigo documento do mosteiro de São Bento de Olinda (PE) no qual se declarava: “a caducidade de certa doação de sesmaria, ‘pelo incomisso de não haver [o morador] nunca usado dela, nem fazer benfeitoria alguma, nem tomar posse, nem entrar na terra’, deixando-a ‘deserta e pro derelicta’. Na prática, entretanto, poucos foram os casos de incomisso”. O próprio conceito de aproveitamento não era mais bem definido permitindo que poucas cabeças de gado justificassem a manutenção do imóvel.

b) Registro da carta. O Regimento dos Provedores, de 1549, determinava:

Os ditos provedores cada hum em sua provedoria fará fazer hum livro em que registrarão todas as cartas de sesmaria de terras e aguoas que os capitães tiverem dadas e ao diante derem e as pessoas [...] serão obriguadas a registrar as cartas das dytas sesmarias do dia que lhe forem dadas e hum ano e não as registrando no dito tempo as perderão (sic).

c) Medição e demarcação: desde o começo se exigia a medição e demarcação das terras para poder receber a confirmação das cartas, mas esta norma nem sempre foi respeitada. Uma Carta Régia de 03 de março de 1702 determinou que os sesmeiros demarcassem as áreas recebidas sob pena de caducidade do documento de concessão. Mas, como tantos outros dispositivos legais, ficou letra morta, dispositivo sem nenhuma eficácia. O pequeno número de moradores e a imensidão do território a ocupar, favoreciam a generosidade do rei: sempre tinha terra disponível para satisfazer os pedidos dos novos pleiteantes num país onde “sobrava solo e rareavam ocupantes”. VARNHAGEN (apud COSTA PORTO, 1973:43) calculou que nos fins de 1500 a população branca no Brasil fosse de cerca 25.000 habitantes. A própria legislação, que inicialmente não se preocupava muito com as dimensões das terras concedidas (se falava de “possibilidade de aproveitamento num determinado prazo”, sem, porém estabelecer parâmetros muito rígidos) passou a estabelecer limites. O Regimento dado por Dom João III a

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Tomé de Souza determinava: “não dareis a cada pessoa mais terra que aquela que boamente e segundo sua possibilidade vos parecer que poderá aproveitar”. Segundo Tenório (1984:33): “O princípio de que não se devia dar a uma pessoa tratos de terras superiores aos que ele pudesse aproveitar deixou de ser seguido. Tornou-se costumes que as pessoas mais afortunadas recebessem grandes sesmarias”. Tínhamos aqui o esboço da idéia de módulo rural, instituto consagrado na legislação posterior. No final do século XVII, o aumento da população obrigou o Poder Público a tomar medidas para que: “fique lugar de acomodarem outros pretendentes de igual merecimento”. (COSTA PORTO, 1965:139). Isto não proibiu que, em 1671, o governador de Pernambuco Sousa Coutinho, concedesse a três moradores de Olinda uma área, depois reunidas nas mãos de uma única pessoa, de 20 léguas quadradas. (COSTA PORTO, 1973:43). Depois de dois séculos sem muitos conflitos pela posse da terra começaram a aparecer os primeiros problemas e a coroa, que inicialmente pouco tinha mudado nas velhas regras de concessão de sesmarias, a partir dos fins do século XVII, baixou um sem número de leis, que, porém não levavam na devida conta a realidade da colônia podendo ser consideradas como meras: “ilusões gráficas” (COSTA PORTO, 1973:44). A Carta Régia de 03 de março de 1704 determinou a demarcação judicial das terras concedidas. O Decreto de 20 de outubro de 1753 proibiu, que as sesmarias fossem confirmadas sem que, previamente, tivessem sido medidas e demarcadas. O Alvará de 25 de janeiro de 1807 determinou que a carta fosse confirmada só depois: “de uma medição judicial julgada por sentença” (MEIRELLES, 1995:455 e 456). A Carta Régia de 07 de dezembro de 1667 previa a limitação da extensão das sesmarias fixada, pela Carta Régia de 27 de dezembro de 1695, em, no máximo, até cinco léguas quadradas de terra para os sesmeiros e dez para os capitães encarregados de distribuir as sesmarias. Este limite foi sucessivamente reduzido para três léguas (Carta Régia de 07 de dezembro de 1697) e duas léguas (em 1698), mas estas limitações nunca foram colocadas em prática. O tamanho tradicional era de “3.000 ‘braças craveiras’ (cada braça corresponde a 2,2 m) equivalentes a uma légua (6.600 m) que em quadro perfaz a superfície de uma légua quadrada, ou 43.560.000 m2 (4.356 ha, ou 900 alqueires goianos, ou 1800 alqueires paulistas)” (PARAGUASSU, no prelo: 5). A própria cobrança do foro impunha, que se conhecesse a exata dimensão da propriedade para poder estabelecer o valor do tributo que era calculado por légua. Todas estas determinações mostram quanto

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era grande a preocupação dos portugueses com a medição e demarcação das terras. A sistemática desobediência a estas leis não só gerou o caos fundiário, que todos conhecem ainda hoje, mas também joga uma sombra de suspeita sobre documentos desta época que não tenham obedecido fielmente à legislação em vigor. Apesar de não terem sido contestados no seu devido tempo por parte dos funcionários públicos encarregados de vistoriar o cumprimento da lei, talvez pela sua subserviência aos interesses da oligarquia agrária que detinha o poder, estes vícios maculam, e em alguns casos mais graves, invalidam, aqueles documentos.

Na maioria dos casos era difícil estabelecer a exata localização e dimensões das terras pleiteadas, pois as indicações relativas à localização eram bastante vagas (até onde conseguir aproveitar; toda a terra que se achar devoluta e sem dono; toda a terra e sobra que estiverem dentro das ditas confrontações; todas as terras que nestes meyos se acharem (PORTO, 1965:67) favorecendo o esticamento de seus limites. Um dos problemas que dificultavam a localização das cartas é que algumas faziam referência a acidentes geográficos, ou até a fatos históricos que possivelmente eram perfeitamente identificáveis pelos contemporâneos, mas desconhecidos posteriormente(uma carta de 1556 fala do passo: “onde mataram o Varela”); outras faziam referência a marcas tão artificiais que criavam problemas até para os contemporâneos pois faltavam as confrontações. O que já fazia parte da tradição passou a ter força de lei a partir da Carta Régia de 3 de março de 1702 que determinava a imediata demarcação dos lotes. Para solucionar os conflitos agrários entre sesmeiros e posseiros ou foreiros, que já começavam a se apresentar nas regiões mais densamente povoadas, como por exemplo, no sertão do Piauí, a Provisão Régia de 20 de outubro de 1753 de Dom José I, inspirada pelo Marques de Pombal, determinava que aos antigos sesmeiros seriam reconhecidas só as terras que cultivavam diretamente ou através de prepostos, excluindo-se as que eram trabalhadas por arrendatários ou foreiros e renovava a obrigação de demarcar as terras. A ordem régia baseava-se no princípio de que só os capitães donatários tinham o poder de repartir as sesmarias e não os sesmeiros. Quem já tinha recebido uma sesmaria só poderia receber outra em terras “incultas e despovoadas”. Para se ter certeza que as terras não tivessem sido concedidas anteriormente afixavam-se editais nas portas das igrejas e determinava-se uma investigação por parte do capitão-mor local ou das Câmaras dos distritos. O alvará de 5 de outubro de 1795, editado especialmente para

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o Brasil, além de bem retratar a caótica situação existente, consolidou a legislação esparsa e visava coibir: “os abusos, irregularidades e desordens que tem grassado, estão e vão grassando em todo o Estado do Brasil, sobre o melindroso objeto das sesmarias”. Seus 29 artigos eram bastante detalhados, tanto que passou a ser denominado de “Lei das Sesmarias”. Determinava a redução das terras a serem concedidas a meia légua quadrada, quando se localizassem perto de estradas, rios navegáveis ou cidades, e que a demarcação não fosse feita depois da confirmação, mas antes dela. O sesmeiro poderia sequer tomar posse e cultivar o imóvel sem a prévia demarcação (VIANNA, 1904:151). A condição passou assim, de resolutiva para suspensiva. O não cumprimento da cláusula que concedia dois anos para demarcar os imóveis comportaria em comisso. A fiscalização era exercida por um alguém nomeado pelo Provedor, numa lista tríplice apresentada pela Câmara Municipal. Esta determinação, porém, foi suspensa, sine die, pelo Alvará de 10 de dezembro de 1796, devido a uma dificuldade secular: a carência de “geômetras que possam fixar medições seguras”. O alvará falava da: “falta que há aí de geômetras, que possam fixar medições seguras e ligadas inalteravelmente a medidas geométricas e astronômicas, que só dar-lhes a devida estabilidade”. Como quem dominava a técnica de demarcação eram os pilotos dos navios (os únicos a saber usar a bússola e poder assim estabelecer o rumo correto das linhas a serem traçadas) e estes escasseavam, não era fácil proceder às demarcações: “o que tornou o regime jurídico das concessões de cartas de sesmarias sistematicamente desobedecido e as terras sesmariais sistematicamente intrusadas” (JUNQUEIRA apud COSTA, 1987-88:179). COSTA PORTO (1965:93) afirma que a carência de “geômetras” fazia encontrar métodos de medição sem dúvida pouco científicos: “o medidor enchia o cachimbo, acendia-o e montava a cavalo, deixando que o cavalo marchasse a passo. Quando o cachimbo se apagava, acabando o fumo, marcava uma légua”. Todas estas limitações legais em momento algum foram efetivamente respeitadas, nunca saíram do papel, pois contrariavam os interesses dos poderosos “homens de qualidade” (nobres e clero) e dos “homens de posse” (burguesia).

d) Pagamento de foro: Até a edição da Carta Régia de 1640, o solo era recebido gratuitamente, só pagava-se o dízimo sobre os frutos obtidos à

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Ordem de Cristo para a propagação da fé. 2 A partir daquela data, porém, se começou a cobrar um foro que incidia sobre o valor da terra e era determinado por uma Comissão levando em consideração o critério de: ”grandeza ou bondade da terra” e distância das terras das cidades. O valor estabelecido tinha que ser pago desde a concessão da sesmaria. Esta exigência era porém muitas vezes questionada e as autoridades locais concediam um “prazo de mora”, normalmente de cinco anos, para começar a cobrar só depois que as benfeitorias estivessem constituídas e dessem fruto. Esta cobrança estimulou ainda mais a ocupação de muitas áreas, sem nenhuma autorização do poder público. Verifica-se que as disposições legais transformavam a concessão de sesmarias, de fato, em instrumento de concentração de terra. Diante da evasão do pagamento de impostos as autoridades começaram a pedir fiadores.

e) Outra determinação importante era a confirmação por parte do rei. A concessão de cartas de sesmaria era inicialmente atribuição dos donatários e, a partir de 1549, dos Governadores Gerais. Posteriormente, com o aumento do território ocupado, o privilégio de atribuir sesmarias foi estendido aos Capitães Mores. Até aquele momento a falta de burocracia e a relativa facilidade de se conseguir a legalização fez com que as terras do sertão, longe da costa, fossem acessíveis também aos que não detinham muitos recursos. No começo do XVII século, através da Carta Régia de 28 de setembro de 1612, se exigiu a confirmação das cartas por parte do rei, sendo este, possivelmente mais um instrumento de controle real sobre a colônia que dificultava o acesso à terra aos mais pobres e de garantia de acesso à propriedade para os privilegiados. A Carta Régia de 23 de novembro de 1698 voltou a determinar que a confirmação da Carta de sesmaria era imprescindível. A dificuldade que os humildes colonos tinham de aproximar do rei e a burocracia reinol, constituíram-se num sério obstáculo à legalização da propriedade fazendo com que muitos ocupantes, sobretudo os mais pobres, deixassem de lado a possibilidade de adquirir o domínio pleno do solo, contentando-se em deter a posse. COSTA PORTO (1965:124) apresenta uma declaração interessante sobre as conseqüências desta exigência: “Alexandre de Moura, numa exposição de 17 de junho de 1614: ‘sendo os moradores tão pobres, não lhes é possível satisfazerem com esta condição, porque não tem com que mandar requerer confirmação; e como os mais deles são gente de pouca qualidade, nem conhecem

2 A Ordem de Cristo tinha sido criada em 1319 por João XXII. Com a conquista todo o território do Brasil estava sujeito à sua jurisdição. Em 1522 o papa concedeu ao rei de Portugal o título de Grão-Mestre desta Ordem.

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ninguém a quem se recomendem, nem são conhecidos’ sugere que a confirmação seja deferida pelos governadores gerais”. Nas capitais ao contrário:

“uma casta de potentados, conhecendo melhor o mecanismo da burocracia metropolitana, mantendo relações entre os meios oficiais, contando com prestígio e influência nos governos locais e na Corte, pedia terras e mais terras, legalizava-as, cumprindo as exigências de estilo, e, assim, adquiria-lhes o domínio legal, enquanto o sertanista modesto, enfrentando as distâncias e os perigos da interiorização, se limitava, simplesmente, a ocupar o solo, sem cuidar de outras garantias, além daquela resultante da mera posse. Em vez de situação de `direito`, simples situação de fato”. (COSTA PORTO, 1965: 175)

GARCIA (1958:18-19) afirma que os poderosos não respeitavam a lei beneficiando-se com a concessão de enormes extensões de terra: “Foi postergado o princípio sempre firmado de que não se devia dar a uma pessoa tratos de terra superiores aos que pudesse aproveitar. Tornou-se costume as pessoas mais afortunadas receberem grandes sesmarias, para depois repartí-las, por venda, entre os povoadores”. SANTOS (1983:45) também denuncia o favorecimento dos poderosos na concessão de sesmarias: ”O regime das sesmarias, normalmente concedidas por favoritismo dos agentes da Coroa Portuguesa e, depois, também por agentes dos governos imperiais do Brasil, gerou a classe privilegiada dos detentores de imensas terras que nem sempre eram razoavelmente aproveitadas e muitas vezes nem ao menos ocupadas”. Esta prática continuou nos séculos posteriores como comprovaram CAIO PRADO Jr. (em sua famosa "História Econômica do Brasil", São Paulo: Braziliense, 1963) e MAGALHAES (apud SODERO, 1968: 187) o qual relata que: "O abuso que há nesta capitania (RS) de terem alguns moradores tomado três, quatro sesmarias, com dez, doze e mais léguas de terras ... Um homem que tinha a proteção tirava uma sesmaria em seu nome, outra em nome do filho mais velho, outras em nome da filha e filho que ainda estavam no berço, e deste modo há casa de quatro e mais sesmarias, este pernicioso abuso se deveria evitar". MATTOS NETO (1988:95) confirma esta prática: “Pelo sistema sesmarial, a terra era concedida, apenas, aos amigos do rei (fidalgos arruinados e plebeus enriquecidos); os homens rústicos e pobres, por sua vez, não tinham outra alternativa senão apoderar-se fisicamente de qualquer pedaço de terra remota e distante dos núcleos de povoamento e zonas populosas” (grifos nossos). Comprova-se assim que, para favorecer a classe dominante, não se aplicava a lei.

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Se o beneficiário não respeitasse as cláusulas contratuais descritas acima seria codenado a perder a sesmaria (ver Carta Régia de 1682).

Desta maneira o Estado de um lado dificultava o acesso à terra por parte dos mais pobres e do outro favorecia as classes mais abastadas favorecendo a concentração da propriedade fundiária. O esforço da coroa portuguesa de controlar o acesso à terra através da edição de inúmeros dispositivos legais, fracassou. Consolidou-se, ao contrário, uma ´mentalidade latifundiária´ que levava os senhores a solicitarem cartas de sesmaria não só para seu próprio uso, mas também para arrendá-las ganhando, assim o pagamento do foro dos que não conseguiam a dádiva real.

Estas considerações levam a concluir que, de um ponto de vista jurídico, as sesmarias podiam ser consideradas como concessões revogáveis condicionadas à efetiva exploração da terra, isto é, um contrato enfitêutico a título perpétuo com cláusulas resolutivas. A própria Carta Régia de 20 de janeiro de 1699, que garantia a confirmação da carta de sesmaria aos que receberam muitas léguas e as povoaram e cultivaram, fala de: “cumprindo as obrigações do contrato”. O fato de não existirem na Terra de Santa Cruz propriedades privadas abandonadas, mas terras virgens, nunca exploradas até então, leva SODERO (1968:180) a afirmar que: "Desta forma juridicamente, não tivemos sesmarias, e sim datas e concessões da coroa, de que aquela foi usada como sinônimo" (grifos do autor).O encargo subjacente à concessão da sesmaria (aproveitar a terra) era assim uma limitação ao direito de propriedade pleno fazendo com que as mesmas ficassem sempre sujeitas à possibilidade de serem confiscadas e retornarem ao domínio da coroa com fundamento no descumprimento das cláusulas contratuais previstas em lei.

Pode-se afirmar desta maneira que, neste período, não se constituiu no Brasil a propriedade privada da terra, pelo menos nos moldes que este instituto tinha de absoluto como passou a ter posteriormente. Deste mesmo parecer é JONES (1997c:11) que escreveu: ”Do ponto de vista do direito pode-se concluir que durante toda a vigência deste instituto, apesar dos ajustamentos operados em função da dinâmica da economia Colonial e Mundial entre os séculos XIV e XIX, não ocorre no Brasil, a constituição da propriedade privada no sentido moderno de propriedade absoluta”. Apesar disso, na prática, a terra foi incorporada ao patrimônio de seus detentores, isto é, dos privilegiados que tinham acesso ao Poder. As propriedades registradas como tais, mas que não cumpriram com as exigências legais em vigor naquele tempo faz com que estes títulos sejam juridicamente questionáveis ensejando sua nulidade.

2.2.2 Tramitação administrativa

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Apesar das Ordenações não oferecerem uma “processualistica” específica para a concessão de cartas de sesmaria, a tramitação administrativa inicialmente era simples. Progressivamente, porém, assistiu-se a um processo de burocratização: o Alvará de 03 de março de 1770 determinava que a petição deveria mencionar o nome do pretendente, o lugar de residência, a situação geográfica da terra pedida, sua extensão e limites. O pedido deveria ser entregue ao ouvidor da capitania, que tinha a tarefa de mandar fiscalizar se as exigências legais (posse, cultivo e demarcação) tinham sido cumpridas. O pretendente deveria juntar uma certidão que comprovasse não ter recebido outra sesmaria anteriormente. Em seguida o ouvidor fazia publicar um edital informando da solicitação recebida para que, quem quisesse, pudesse se opor a esta pretensão. Estas informações eram remetidas ao governador que mandava passar a carta de concessão que era inscrita na Secretaria do Governo, na Casa da Fazenda e da Administração. Como a confirmação só podia vir de Portugal, para receber as sesmarias precisava pertencer ao seleto grupo que tinha acesso ao rei. Pode-se imaginar o tráfico de influências que isso representava e os problemas administrativos que advinham desta prática. Quem detinha recursos e conhecia alguém com trânsito na corte, gozava dos privilégios do poder.

GARCIA (1958:18) afirma que: “O regime de sesmaria tornou-se, assim, fonte de escândalos administrativos”. VIANNA (1904:151) apresenta a mesma avaliação: “Não havia um regimento próprio que as regulasse; guiavam-se na concessões por uma abreviada norma extraída das cartas dos antigos e primeiros donatários, deficiente e favorecedora de graves abusos”. As dificuldades na confirmação das cartas de sesmaria criadas pela burocracia ampliaram o número de posses.

O tamanho da terra ocupada efetivamente pelos sesmeiros cresceu também pelo fato de que não existia nenhum tipo de controle sobre as transferências de sesmarias. O que a lei proibia era o aforamento das terras recebidas, mas não sua venda. As negociações de cartas de sesmaria eram assim intensas e passaram a serem legitimadas pelo Alvará de 30 de outubro de 1783.

A partir do Alvará expedido por Dom João VI em 22 de junho de 1808, a confirmação passou a ser de competência da Mesa do Desembargo do Paço sediado na cidade do Rio de Janeiro. No mesmo ano, um Decreto de 25 de novembro, concedia aos estrangeiros a possibilidade de receber sesmarias, sem prever nenhuma restrição.

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Concluindo, pode-se afirmar que, se em Portugal o instituto era apropriado, pois visava fazer trabalhar terras abandonadas e com dimensões relativamente reduzidas, favoreceu de fato a criação de um sistema agrário baseado na média e pequena propriedade, promoveu, pelo menos parcialmente, a ocupação produtiva das terras destinadas à agricultura, seu simples transplante para o Brasil, sem nenhuma adaptação à nova realidade, sem se levar em consideração as peculiaridades locais, as diferentes condições ambientais e sua subordinação às exigências da colonização, mostrou-se inadequado, pois aplicava-se num país do qual mal se conhecia a costa e cujo interior estava sendo ocupado através de várias expedições. Isto fez com que cada sesmaria, deixando de lado qualquer preocupação com os aspectos sociais da propriedade, desse origem a imóveis com extensões enormes. FERREIRA (1951:83) afirma: “Com a extensão territorial imensa, que apenas se sabia que começava na costa marítima e cujos fins se perdiam no mistério e na lenda, à dádiva de terras de sesmarias tinha que iniciar, e assim aconteceu, a política territorial latifundiária. Cada sesmaria era um latifúndio”. COSTA PORTO (1965:56) bem resume os resultados obtidos pelo mesmo instituto jurídico nos dois países: “em primeiro lugar o conflito entre a lei e a realidade terminou, como sempre, deturpando a pureza do sistema, tornando-lhes os princípios básicos e fundamentais quase letra morta ou, quando aplicados, levados a consequências opostas àquelas do reino”.A terra, que em Portugal era considerada um “bem de produção”, foi aqui explorada predatoriamente e considerada unicamente como um “bem patrimonial”.

Apesar de ter sido mantido o mesmo nome, a mesma legislação, e serem fruto da mesma sociedade, baseada no privilégio de uma classe (também em Portugal as sesmarias não chegaram a abalar o sistema de propriedade que, ao contrário, seja lá que aqui foi fortalecido por este instituto) existem, porém, profundas diferenças entre o instituto reinol e o que foi aplicado no Brasil. Enquanto em Portugal existiam propriedades anteriores não utilizadas, aqui tínhamos terras virgens que, pelo direito de conquista, não tinham outro dono a não ser o próprio rei. As sesmarias foram utilizadas como meio de ocupação, colonização e defesa da colônia contra os estrangeiros. A necessidade de defender sua conquista fez com que os soberanos portugueses chegassem a tolerar o desrespeito à lei durante os primeiros dois séculos de colonização. Quando esta se consolidou foram promulgadas um sem número de leis para tentar voltar a disciplinar o acesso à terra, sem porém conseguir ordenar o caótico e desordenado processo inicial. Por isso acertadamente o professor de Direito Fundiário e Topografia Judiciária Dr. Paraguassu Éleres, ensina que as cartas de sesmaria podem ser

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consideradas “a mãe do latifúndio nacional”. Definição, quanto mais apropriada, pois nos 322 anos de sua existência no Brasil constituíram a base institucional e legal da concentração de propriedade.

Esta breve análise histórica mostra a justeza da seguinte afirmação de PANINI (1990:26) segundo a qual:

"Da política agrária do período das sesmarias resultou:1. formação de extensas propriedades, monoculturas de produtos

abastecedores do mercado europeu;2. mentalidade latifundiária, mantenedora de grandes glebas de

terra inexplorada;3. adoção de um modelo de agricultura estimulador de pratica predatória;4. manutenção de técnicas agrícolas baseadas em técnicas rudimentares;5. fortalecimento do poder político-econômico do sesmeiro, pela

concentração da propriedade da terra em suas mãos".

Esta mentalidade latifundiária fez com que o latifundiário não se contentasse em possuir as terras que poderia utilizar, mas sua satisfação, ontem como hoje, era aquela de: “olhar triunfante a linha do horizonte e ficar convicto de que toda a extensão territorial alcançada pelos seus olhos é terra sua. (...) É o vício que nos legaram as antigas legislações que, pela facilidade com que concediam grandes tratos de terras, acabou por forjar essa mentalidade”. (GARCIA, 1958:61).

O romancista José Lins do REGO (1960: 123) descreve com maestria as atitudes do velho José Paulino, o avô do protagonista do livro "Menino de Engenho": "O Santa Fé ficava encravado no engenho de meu avô. As terras do Santa Rosa andavam léguas e léguas de norte a sul. O velho José Paulino tinha este gosto: o de perder a vista nos seus domínios. Gostava de descansar os olhos em horizontes que fossem seus. Tudo o tinha era para comprar terras e mais terras. Herdara o Santa Rosa pequeno, e fizera dele um reino, rompendo os limites pela compra de propriedades anexas".Stédile (1997b:25) define este desejo de possuir grandes extensões de terras de: “megalomania rural”.

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3 - O PROCESSO DE OCUPAÇÃO DO PARÁ

Durante séculos os 25.000 Km de rios navegáveis da Amazônia constituíram as únicas vias de comunicação da região sendo o meio que permitiu a "conquista" da terra. Seus rios, igarapés, furos e paranás foram os únicos meios de escoamento da produção e trânsito do comércio. As poucas ferrovias e estradas de penetração eram utilixzadas para interligar um rio a outro.

Muito tempo antes que Pedro Álvares Cabral tomasse posse em nome do rei de Portugal do novo território que tinha “descoberto", centenas de nações indígenas já ocupavam esta terra, desenvolvendo suas próprias culturas e tradições; povos dos quais hoje, na maioria dos casos, só resta a lembrança do nome. 3

A pesquisa histórica relativa a este período é muito difícil, pois as fontes são precárias, faltam dados, documentos que nos permitam ter um conhecimento pleno daquela realidade, não nos possibilitando uma análise histórica mais objetiva e, como já dizia SEIGNOBOS: “Pas de documents, pas d’ historie”. Não obstante a precariedade das informações existentes, podemos afirmar que, a migração dos povos indígenas para a Amazônia intensificou-se cinco mil anos atrás através do Rio Amazonas e seus afluentes. Apesar de não sabermos com segurança o número de índios existentes no Brasil, e de maneira especial na Amazônia, no tempo da chegada dos portugueses e ser sem dúvida exagerada a afirmação de um missionário que dizia: “Se jogássemos uma agulha cairia na cabeça de um índio” (PREZIA, s/d:4), não se pode porém aceitar a idéia de vazio demográfico tantas vezes utilizada para justificar o saque das riquezas desta região. 4

3 Analisando as evidências arqueológicas recentes Roosevelt (Apud MORAN, 1990:5) acredita que já 12.000 anos atrás a Amazônia apresentava a presença humana. Lingüistas afirmam existirem 1.492 línguas indígenas no Brasil, 718 das quais faladas na Amazônia. 4 HEMMING apud FREIRE (1987:10) afirma existirem na Bacia Amazônica 3.625.000 índios antes do contato com os europeus. Desde seu primeiro contato com os europeus, quando em janeiro de 1500, o espanhol Vicente Yañez Pinzon chegou à foz do Rio Amazonas, por ele denominado de "Santa Maria de la Mar Dulce", os povos indígenas serviram como “mercadoria” a ser saqueada: já naquela ocasião 36 índios foram capturados para serem vendidos como escravos na Europa (Ver LEAL, 1991:3). Os historiadores ainda discutem se o local onde Pinzon teria desembarcado quando, em 26 de janeiro de 1500, “descobriu” o Brasil. Alguns falam ao norte de Cabo Orange (atual divisa entre o Brasil e a Guiana Francesa), outros no Cabo de Santo Agostinho (Pernambuco). (Ver BUENO, 1998, p. 11-19).

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A integração entre os índios e a floresta resultava num perfeito equilíbrio entre o homem e seu habitat. 5 Esta integração homem-natureza (que as tribos indígenas souberam preservar até os nossos dias) carece ainda hoje de um estudo aprofundado. A própria tecnologia da derrubada e queima da mata desenvolvida pelos índios e seu nomadismo favorecia a regeneração dos recursos naturais. 6 A posse da terra, as ferramentas e os frutos do trabalho, neste tempo, eram comunitários, pertencendo a toda tribo. Os índios não tinham noção de propriedade individual, no máximo, defendiam o território da tribo à qual pertenciam.

Todos conhecem sua triste sina: como seu contato com a civilização européia levou-os ao extermínio. 7 Desde o começo, a ocupação da

5 Segundo MEGGERS (apud HEBETTE, 1987:10) as tribos indígenas tinham conseguido alcançar um: "equilíbrio entre o tamanho da população e a capacidade de produção, a longo prazo, por parte do meio ambiente” 6 HEBETTE (1987:10), que por anos foi um dos pesquisadores do Núcleo de Altos Estudos da Amazônia da Universidade Federal do Pará tendo estudado profundamente o processo de ocupação do espaço amazônico, afirma que o "método da agricultura itinerante, apesar de suas deficiências, é o mais apropriado para o ambiente (da Amazônia)". Evidentemente não se pode pura e simplesmente pensar em transplantar para os dias de hoje este sistema de produção, fruto de um determinado estágio do processo de evolução técnica e social daquelas populações, mas o conhecimento de suas técnicas é com certeza muito valioso na produção de princípios agro-ecológicos para a agricultura amazônica. É o que se propõe o Grupo de Trabalho Novas Propostas para a Agro-ecologia na Amazônia ao qual o autor deste trabalho está integrado.7 OLIVEIRA (1983:176) afirma que Bento Maciel Parente, governador do Pará de 18/07/1621 a 06/10/1626, teria massacrado ou levado ao cativeiro mais de 500.000 (quinhentos mil) índios. A mesma autora reconhece que este número é exagerado, mas mostra a verdadeira guerra de extermínio empreendida por ele. Também WAGLEY (p. 63) repete esta grave acusação contra Bento Maciel Parente acreditando que seja um exagero, mas confirmando que: “não há dúvida em que tanto ele como seus homens massacraram muitos índios e fizeram muitos escravos”. Três foram as maneiras principais utilizadas para domesticar os índios: a) descimento: os índios eram convencidos a aceitar o aldeamento, sobretudo através da ação catequética dos missionários. Esta atividade foi regulamentada por uma lei de 10.09.1611 que responsabilizava os Capitães a dividir entre a coroa, os missionários e os colonos, os índios que aceitavam o aldeamento. Como aos colonos só cabiam 20% dos índios, começaram as disputas deles contra as ordens religiosas; b) resgate: índios que tinham sido feito prisioneiros de guerra por outras tribos e que destinavam-se a serem comidos pelos seus vencedores, eram comprados e utilizados como escravos. Já em 1570 uma Carta Régia permitia escravizar os índios resgatados do ataque das tribos antropófagas. Uma lei de 1611 determinava que os

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Amazônia foi marcada pela espoliação permanente dos recursos naturais, associada invariavelmente à violência, ao empobrecimento e extermínio de seus habitantes nativos que eram caçados para serem escravizados e utilizados na procura das “drogas do sertão”. 8.Além de perderem sua identidade cultural (as centenas de línguas9 foram substituídas pelo Nheengatu, uma variante do tupi falado no litoral brasileiro, que foi proibido a partir do Diretório de 07 de junho de 1755 quando nas escolas só podia se falar português e os índios foram obrigados a receber sobrenomes

“índios de corda” poderiam ser escravizados por dez anos: “em retribuição ao seu salvador que os livrou da morte”. Em 1626, quando os primeiros índios deveriam ter sido liberados, foram porém declarados escravos por toda a vida. Mais uma lei que ficava letra morta. (Ver LEAL, 1991:9). Em 1650 as tropas de resgate foram legalizadas e em 1655 o rei determinou que os missionários acompanhassem as tropas para julgar se o resgate tinha sido realizado conforme a legislação em vigor. A partir de 28.04.1688 o estado passa a ser o impulsionador dos resgates, pois, através da venda dos escravos, era arrecadado o dízimo; c) Guerra justa: guerra de represália pelas ações dos índios contra os colonos europeus ou missões. Segundo BRITO (p. 117) uma lei de 1653 determinava quando uma guerra era considerada justa: “quando os índios impedissem a pregação evangélica; deixassem de defender as vidas e propriedades dos colonos; estabelecessem alianças com os inimigos da coroa; impedissem o comércio e a circulação dos colonos; faltassem as obrigações impostas e praticassem canibalismo”. Segundo PEREGALLI (p. 29): “No Brasil, trezentos mil índios foram escravizados nestas guerras justas”. Tudo isso levou a extinção física e cultural dos índios. A utilização de índios para trabalhar nas obras da Capitania e sua captura realizada com a ajuda de missionários e de índios de outras tribos é assim descrita por um dos primeiros historiadores do Pará (BAENA, 1969:33): “[Manoel de Souza de Eça] Encarrega ao Capitão Pedro Teixeira resgate de escravos Indígenas bravios para o trabalho material da Capitania. Parte este Capitão da cidade com um religioso capucho, vinte e seis soldados e avultado número de Índios”. (grifo nosso). Os missionários, conhecedores da localização das aldeias indígenas, eram utilizados como guias: “o Padre Frei Christovaõ de Lisboa deveria indicar os sertões, de que convisse desembrenhá-los”. Idem, p. 34. CRUZ (1963:36). destaca a ajuda de Pe Vieira na consolidação do domínio lusitano: “A guerra pela posse da gleba amazônica não foi, contudo, vencida apenas pelas armas. Quando os soldados d’ El-Rei começavam a desesperar, combatidos por um inimigo ardiloso e pertinaz que era o índio, mais afeiçoado aos hereges, com quem mantinha de longa data comércio e amizade, apareceu, em socorro daqueles, o missionário católico. E, até onde não conseguia chegar o pendão real, chantou-se a Cruz de Cristo. Foi assim no Marajó, onde os neengaibas, somando cem mil guerreiros, tornaram-se submissos às prédicas e conselhos do grande Padre Antônio Vieira, fazendo as pazes com os lusitanos e quebrando, dessa forma, a aliança até então mantida com os flamengos e franceses. O valioso auxílio dos sacerdotes

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portugueses), os índios foram massacrados10. Um verdadeiro genocídio foi perpetrado fazendo com que dezenas de povos deixassem de existir. Já em 6 de junho de 1755, numa das suas cartas régias, Dom José I reconhecia: "Constatamos dolorosamente que milhões de índios foram suprimidos e extintos de sorte que foram reduzidos a um pequeno número nas suas aldeias" (HOORNAERT apud HEBETTE, 1987:12). 11

missionários, contribuiu para solidificar o prestígios dos colonos” (grifos nossos). A escravidão dos índios era expressamente condenada pelo papa Paulo III que em sua bula Sublimis Deus, de 1537, afirmava que: “Os índios (...) embora se encontrem fora da fé de Cristo, não devem estar privados nem devem ser privados de sua liberdade, nem do domínio de suas coisas, e mais ainda podem usar, possuir e gozar livre e licitamente desta liberdade e deste domínio, nem devem ser reduzidos à escravidão”. Ver BOFF apud ALVES (1995:42). As palavras do papa condenavam, mas a prática concreta da Igreja favoreceu a escravização dos índios fornecendo a base religiosa e ideológica, quando não militar, à conquista. FARAGE (p. 33) afirma que: “suas missões tornaram-se centro de suprimento de mão de obra para os moradores, no mais das vezes em franco descumprimento das exigências legais e, também, os missionários individualmente se engajaram no comércio regional, inclusive no tráfico clandestino de escravos índios”.8 Enquanto os holandeses, graças ao seu melhor desenvolvimento tecnológico e a uma concepção mais avançada de exploração das riquezas coloniais, não se dedicavam só ao extrativismo, mas também ao plantio de produtos a serem exportados, os portugueses, ao contrário, adotaram uma prática meramente depredadora e, através da coleta das drogas do sertão (cravo, canela, cacau, urucu, salsaparilha, baunilha, anil, uxuri, sementes oleaginosas, raízes aromáticas, etc.), procuravam substituir as especiarias das Índias para restaurar economicamente a metrópole. Uma consequência desta política foi a fome, pois o fato de se concentrar toda a mão-de-obra disponível na produção de gêneros para exportação fez com que a produção dos bens de subsistência, que não interessavam à Europa, fosse praticamente abandonada. Preocupado com a coleta predatória das drogas do sertão, o rei chegou a recomendar que se deixassem descansar as árvores de cravo durante dez anos, uma tal medida de preservação nunca foi porém cogitada em relação aos índios. Apesar dos portugueses não terem alcançado seu intento econômico, esta procura lhes permitiu porém a penetração, o conhecimento e a conquista de uma área imensa do vale amazônico garantindo-lhes sua posse. Nesta empreitada contaram com o grande apoio das ordens religiosas que não só amansavam os índios com a catequese, mas transformavam-se quando necessário, em capitães das expedições militares. Ver LEAL (1991:5-7) Segundo BARP (1997:59-60) a exploração das drogas do sertão foi a maneira encontrada pelos portugueses para obter o maior lucro possível num curto prazo de tempo utilizando a escassa mão-de-

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Os portugueses parecem ter incorporado a violência sistemática como método de conquista desde suas primeiras lutas pela independência. As práticas bárbaras de:

“matanças, saques, estupros, e formas diversas e generalizadas de brutalidade (e que para os praticantes, parecia ser coisa normal e corriqueira) que leva a concluir que dificilmente um povo formado numa tal prática histórica poderia entender as suas relações com outros povos a não ser sob a égide da subsunção desumana, cruel e sanguinária” (LEAL, 1991:27).

obra disponível. Dedicar-se á agricultura significaria elevar os investimentos em tecnologia, contratação de mão-de-obra, além de ter os prazos de retorno dilatados. Para coletar as drogas era suficiente investir na compra de um punhado de índios e de umas canoas. Outra grande vantagem deste sistema era sua grande flexibilidade e adaptabilidade às exigências do mercado mundial: quando um produto deixava de ser rentável, se podia coletar outro neste enorme e muito bem diferenciado armazém que era a floresta amazônica. BARATA (1915:308-329) nos descreve a origem dos diversos produtos exportados pelo Pará. O cacau , inicialmente colhido no mato, a partir de 1678 passou a ser cultivado e, já em 1687, o Pará exportava não só caroços, mas também chocolate para Portugal, sendo o principal produto de exportação durante muito anos. O segundo produto presente na pauta de exportações era o arroz. O café tinha sido trazido para a América Latina pelos holandês que o plantaram em Suriname em 1720. Os franceses o transplantaram clandestinamente em Caiena em 1723 e de lá foi trazido para o Pará por Francisco de Mello Palheta em 1727. Em 1732 já era exportado sendo o terceiro produto mais importante de nossa economia. A cana de açúcar era de produção espontânea nas áreas de várzea. O Pará exportava não só açúcar, mas também cachaça produzida em vários engenhos [CRUZ (1963:96-97) fala da existência, no Pará em 1751, de 24 engenhos reais, isto é de grande porte, e de um grande número de engenhos menores]. Com a entrada no mercado europeu do açúcar produzido nas Antilhas Holandesas, os engenhos paraenses não conseguiram mais competir e a produção de aguardente, apesar de ser proibida pela coroa, passou a ser o principal produto. O gado bovino foi introduzido em 1644 proveniente das Ilhas de Cabo Verde. Na ilha de Marajó, em 1783, tinha 153 fazendas de gado com mais de 226.000 cabeças. 9 BECKERMAN (144-145) afirma que a grande diversidade de línguas presentes na região amazônica é posssivelmente fruto de um grande período árido que aconteceu entre 5000 e 2000 anos atrás, que isolou os diferentes grupos indígenas.10 Segundo RODRIGUES (1999: 5) "A Língua Geral Amazônica, também chamada Nheengatu, (...) teve origem no Tupinambá, foi a língua dominante na penetração portuguesa da Amazônia. Em várias partes da região tornou-se a língua franca nas relações entre brancos e índios de diversas línguas e mesmo entre índios e índios, fosse em missões católicas ou em vilas e cidades que se desenvolveram das missões". Inicialmente a medida pombalina, que conseguiu extinguir a Língua Geral Paulista, teve pouco efeito na região amazônica onde o português passou a

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A história fundiária paraense, em termos jurídicos, teria começado em 5 de setembro de 1501, quando Fernando e Izabel, reis de Espanha, concederam uma carta patente para Vicente Yanes Pinzon nomeando-o governador das terras desde o cabo de Santo Agostinho até o rio Orenoco que ele tinha descoberto. Este documento não teve, porém, qualquer eficácia prática diante da posterior conquista portuguesa (MUNIZ, 1907:I). Com a divisão da colônia em Capitanias, João de Barros recebeu, em conjunto com seu sócio Aires da Cunha, as 50 milhas mais ao norte do Brasil, do Gurupi até o Amazonas (onde se localizam atualmente os estados do Pará, Maranhão e Amapá) através da Carta Régia de 1534. Não obstante fossem homens de muitos haveres, a capitania, como quase todas as outras, porém não prosperou. 12

3.1 A CONCESSÃO DE SESMARIAS NO PARÁ

Apesar do reconhecimento papal do direito dos portugueses sobre os territórios por eles descobertos, a consolidação da conquista exigiu dos lusitanos o uso das armas contra outros países europeus que tentaram ocupar a Amazônia. 13

prevalecer só no final do século XIX, começo do século XX quando chegaram na região milhares de nordestinos expulsos pela seca e atraídos pela coleta da borracha.11 O massacre dos índios foi testemunhado por contemporâneos que assim o descreveram: ”No espaço de 32 anos que há, que se começou a conquistar este estado (do Maranhão e Pará) são extinctos a trabalho e a ferro, segundo a conta dos que o ouvião, mais de 2.000.000 (dous milhões) de índios de mais de quatrocentas aldeias, ou para melhor dizer, cidades muito populosas (sic)” In FREIRE (1987:8-9). Este número pode parecer exagerado, mas consta de uma declaração de alguém que acompanhou de perto a conquista, o cônego Manoel Teixeira, irmão de Pedro Teixeira, que a escreveu pouco antes de morrer, em 5 de janeiro de 1654. A exploração dos índios era tão grande que os que recebiam salário ganhavam 200 reis por mês, isto é menos de 7 réis por dia, neste mesmo período um juiz ganhava 2.000 réis por dia. Este valor, que não era suficiente para comprar uma faca, nem mesmo um anzol, vigorou por mais de cem anos. Os índios que não se submetiam e tentavam fugir eram marcados com um ferro em brasa, escrevendo-se na sua própria carne o nome do “dono”. FREIRE (1987:46-47).12 BUENO (1998: 167-181) apresenta como esta expedição foi uma das mais bem preparadas pelos portugueses. CRUZ (1963:29) afirma que os donatários vieram ao Brasil com 10 navios de guerra e 900 mercenários, mas sua frota naufragou nas costas maranhenses inviabilizando o empreendimento. 13 Entre 1616 e 1648 os portugueses conseguiram garantir sua conquista com as armas retirando vários povos europeus que cobiçavam a Amazônia e estavam tentando se instalar aqui. Depois das expedições dos espanhóis Vicente Yanez

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Diante das dificuldades de garantir o domínio sobre esta região a partir da capital e entendendo a importância de ter o controle direto sobre o norte de sua colônia, os portugueses, através do decreto de 13 de junho de 1621, subordinaram o Pará diretamente à metrópole. Este fato, não levado na devida consideração por boa parte dos historiadores, teve uma importância muito grande, pois a coroa em vários momentos dispensou um tratamento diferenciado para as duas colônias latino-americanas. 14 Enquanto no Brasil, por exemplo, era estimulada a procura de ouro, no Grão Pará era desaconselhada. 15 Isso possivelmente porque os portugueses não queriam chamar a atenção da cobiça espanhola neste território, que juridicamente não lhes pertencia, pois, a linha do Tratado de Tordesilhas passava próxima a

Pinzon (janeiro de 1500), Diogo de Lepe (janeiro de 1500), Orellana (1540) que afirmou ter descoberto aqui o El Dourado, o capitão inglês Lawrence Keymis, em 1595, navegou nas costas do Amapá. Em 1599 os holandeses conseguiram se estabelecer no Xingu e dominar o território entre o Oiapoque (Amapá) e o Paru (Pará). Em 1616 tinham fundado uma colônia perto da atual cidade de Monte Alegre e outra perto da atual cidade de Gurupá implantando dois engenhos. Sua prática comercial lhes tinha garantido a colaboração de vários povos indígenas que foram brutalmente massacrados pelos portugueses. Além deles se tinham estabelecido: os franceses (na beira do Rio Tocantins e perto da atual cidade de Belém), ingleses (foz do rio Amazonas) e irlandeses (Gurupá). BAENA (1969:19-107) nos descreve detalhadamente as diferentes guerras empreendidas pelos portugueses para garantir seu domínio sobre a Amazônia. A retomada destes territórios: “foi acompanhada de um brutal etnocídio sobre o nativo” Ver LEAL (1991:5) e HOLANDA (1985:47).14 O Governador Bento Parente Maciel diante da exigência de pedir a confirmação das sesmarias por parte do rei afirmava: “quando se deu esta ordem, se limitou aos governadores que não pudessem dar as ditas terras e repartillas senão com obrigação de se pedir depois confirmação dellas a V. M. por cuja causa os moradores, avendo-as de vir a confirmar, as nãm querem aceitar, o que fica sendo em grande prejuízo e aumento daquella Província e Rendas Reaes (sic)” chegou a sugerir que a coroa portuguesa autorizasse: “os governadores a repartir as terras ‘na forma que se faz no Brasil’ pelo menos até duas léguas ... sem obrigação da dita confirmação” (grifos nossos). In COSTA PORTO (1965:124). Nesta mesma perspectiva BARREIRA (1979:68) afirma: “Já haviam decorrido mais de cem anos da colonização iniciada no resto do Brasil quando os lusitanos se dedicaram com empenho a garantir sua presença na Amazônia. A princípio tiveram-na como uma coisa à parte com relação ao resto do Brasil. Foi o que se chamou de Estado do Maranhão e Grão Pará, administrado diretamente por Lisboa. Tanto assim foi, que o Conselho Ultramarino - espécie de Ministério das Colônias - traçava para a região, política administrativa, econômica e até religiosa, independente daquela do resto do Brasil”.15 Uma Carta Régia de 1737 determinava que caso fosse encontrado ouro no Grão Pará deveria se declarar aquela área sob jurisdição do governo de Goiás.

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Belém e dividia ao meio a Ilha Grande de Joannes (Marajó). Entre as duas colônias tivemos assim uma diferença substancial: enquanto no Brasil as terras por direito eram de Portugal, no Grão Pará o foram antes de fato e depois de direito. 16 Apesar disso os principais institutos jurídicos foram os mesmos. No que diz respeito às cartas de sesmaria mantiveram-se as mesmas exigências de aproveitamento, medição, demarcação e confirmação. Neste sentido as terras das cartas não confirmadas deveriam ser "devolvidas" ao patrimônio público. 17 Só em 1823, com a adesão do Pará a independência, foi restabelecida a união nacional.

A partir de 1620, o Rei Felipe IV começou a conceder o controle das terras a seus fidalgos. Datam desta época as capitanias de Gurupi (9 de fevereiro de 1622, com vinte léguas de fundos concedida Feliciano Coelho de Carvalho); Caeté (hoje Bragança, Carta Régia de 25 de maio de 1622, que tinha cinqüenta léguas de frente por vinte de fundo, em favor de Álvaro de Souza); de Cametá (Carta Régia de 12 de dezembro de 1634); de Cabo Norte (hoje Macapá, Carta Régia de 12 de junho de 1637 doada a Bento Maciel Parente) e da Ilha Grande de Joanes (hoje Marajó, 23 de dezembro de 1665 doada a Antônio de Souza Macedo, mas que reverteu ao patrimônio da coroa em 1755) (MUNIZ, 1918:15).

Em 1676, provenientes dos Açores, 50 famílias (234 pessoas ao todo), estabeleceram-se no Pará dando origem aquele que pode ser definido como o primeiro projeto de colonização. As terras inicialmente mais procuradas localizavam-se nos arredores de Belém (Pinheiro, hoje Icoaraci, Val de Cães e Utinga), às margens do rio Guamá, perto da Casa Forte, do Rio Capim, dos rios Arari e Anajás, na ilha do Marajó e Gurupá. 18 Um dado

16 A consolidação do domínio português será consagrada no século XVIII pelos Tratados de Madrid (1750) e Santo Idelfonso (1777) que adotaram o princípio: Ut possidetis para estabelecer os limites entre as possessões portuguesas e espanholas. Só a partir deste momento se começaram a descobrir minas de ouro no Pará e no Amapá.17 Uma Provisão passada em 03/06/1726 pelo Rei Dom João a João Maya da Gama, Governador e Capitão Geral do Estado do Maranhão determina aos Ouvidores Gerais da Capitania de São Luiz e do Pará que: "procurem saber se os Donatários da Coroa de terras e Capitanias desse Estado tem tirado carta de confirmação em seos nomes, e se acharem que as estão possuhindo sem ella os desapossem, e tomem logo posse em Meu Nome" (sic). Sem confirmação a terra voltaria a ser do rei.18 A Casa Forte tinha sido construída em 1727 por Luís de Moura e localizava-se onde hoje existe a cidade de Ourém. Segundo Cruz cinco sesmarias foram concedidas, entre 1733 e 1743, nesta localidade. O Governador José da Serra, preocupado com a necessidade de garantir o acesso a terra para vários beneficiários, não acatou o pedido, feito em 1739, por Manoel Monteiro de Carvalho que tinha

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importante é que, apesar das proibições legais, existiram vários casos de pessoas que receberam mais de uma sesmaria, algumas vezes conseguindo a confirmação de várias delas. 19

Neste período só as terras administradas pelas Ordens Religiosas 20

(de maneira especial a Companhia de Jesus que tinha várias fazendas na Ilha do Marajó, em Vigia, Moju e Guamá) prosperavam graças ao trabalho catequético e a tratamento mais humano dispensado aos índios. A situação da província era, porém, de extrema miséria.

solicitado a concessão de uma sesmaria medindo três léguas dando só duas.19 Comparando os nomes citados por CRUZ (1963:70-72) com a lista de sesmarias elaborada por VIANNA (1904:151) percebemos que a concessão e confirmação de mais de uma sesmaria para uma única pessoa era um fenômeno bastante comum. CRUZ registra que Antônio da Costa Tavares recebeu várias sesmarias em Gurupá, no Guamá e no Capim (No índice geral das sesmarias organizado por VIANNA (1904:14-15), constam três concessões para ele: uma concedida em 20 de março de 1728, outra em 13 de julho de 1732 e outra ainda em 25 de janeiro de 1733, nenhuma delas porém foi confirmada e nenhuma foi concedida em Gurupá. Se era verdade que ele tinha terra naquela localidade só pode te-la adquirida de terceiros); Florentino da Silva Frade possuía grandes áreas no igarapé Paracauari, na cabeceira dos rios Tahuá e Atuá e no rio Anajás (VIANNA, 1904:49-50), fala de cinco sesmarias concedidas a ele, quatro no rio Anajás: uma concedida em 01/05/1757, outra em 24/06/1766 e confirmada em 28/07/1768, duas concedidas em 30/11/1777, e outra nas cabeceiras dos rios Tahuá e Atuá em 31/12/1792); Francisco de Mello Palheta recebeu uma sesmaria entre as bocas dos igarapés Arapijó e Guajará em 14/08/1731, confirmada em 20/03/1733 e uma no rio Ubituba, concedida em 07/02/1709 e confirmada em 10/02/1712 (VIANNA, 1904:55), Manoel Monteiro de Carvalho recebeu uma sesmaria no sítio São Marcos (30/01/1734 confirmada em 07/03/1734 e outra no Rio Guamá concedida em 18/07/1734 e confirmada em 02/03/1734 (VIANNA, 1904:119).20 MUNIZ (1918:16) e LEAL (1991:13) citam a presença das seguintes Ordens Religiosas no Pará: Companhia de Jesus, Capuchos das Províncias de Santo Antônio, da Conceição, da Beira e de Minno, de São José e da Piedade, Carmelitas Calçados e Mercedários Calçados. As lutas entre elas pela primazia na exploração da mão-de-obra escrava eram intensas e chegaram até a corte. No século XVIII os missionários possuíam 55 grandes fazendas de gado com 500.000 cabeças, além de engenhos, olarias e de enormes armazéns localizados perto da Alfândega (atual Avenida Castilhos França em Belém). Os Carmelitas Calçados, que já possuíam a fazenda Pernambuco, no Rio Guamá, receberam em doação a sesmaria de Pinheiro (hoje Icoaraci) onde erigiram uma olaria; os Mercedários eram proprietários da fazenda Val de Cães. Numa região onde: “não é rico quem tem muitas terras, mas aquele que tem a maior quantidade de índios, [os jesuítas se tornaram os] senhores dos índios e por consequência senhores de tudo”. (FREIRE, 1987:45 e 46). BAENA

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De 1725 a 1754 foram feitas 1.523 concessões de cartas de sesmaria. Em 1751 chegaram 96 povoadores voluntários, e, em 1769, chegaram outras 371 famílias, com 1.022 pessoas (MUNIZ, 1918:16-17). 21 A crônica falta de capitais e de mão de obra disponível obrigaram a metrópole a tolerar o descumprimento sistemático de suas ordens. Isso levou VIANNA (1904:151) a afirmar que: “a legislação de terra, apesar de várias

(1969:73 e 74) em várias ocasiões, fala das reclamações dos colonos contra os missionários que não lhes permitiam escravizar os índios: “Agravados os moradores com a falta de servos queixaõ-se decisivamente dos Regulares Missionários, que estavaõ exercendo com poder absoluto nas aldeias uma jurisdição política, que lhes naõ era permittida, e que dá a entender que aquellas Aldeas em vez de Missoens são Colonias dos mesmos Regulares” (sic). Numa outra ocasião, em 1660, os Vereadores do Pará chegaram a relatar aos colegas do Maranhão que: “os Missionários Jesuítas pela sua ingerência no governo dos Indianos tem concitado o ódio dos povos, e promovido gravame incomportável; e pedem que queiraõ ser seus Procuradores para obter do Capitaõ General o remédio a males taõ poderosos, asseverando que se a procuraçaõ for rejeitada elles e o povo se veraõ impellidos a abandonar os seus lares fugindo à derradeira miséria, que para todos a largos passos caminham (sic). Os conflitos com os jesuítas se agravaram e, em agosto de 1661, populares prenderam Padre Antônio Vieira, Superior e Visitador Geral da Missões, e os demais padres jesuítas e os levaram até São Luiz pedindo ao governador que fossem expulsos do Pará. DIAS (1970:177-193) apresenta um exaustivo balanço dos bens que foram sequestrados à Companhia de Jesus quando esta foi expulsa do Pará. A conversão deste imenso patrimônio em dinheiro correspondia a 330.381$360 réis. O mesmo autor acredita que nem todos os bens tenham sido escriturados. Só com o comércio das especiarias, sobre as quais detinham o monopólio (âmbar, baunilha, etc.), os jesuítas teriam auferidos, entre 1726 e 1756 o valor de 159.898$756 réis. VIANNA (1904:154) afirma que: “Os discípulos de Loyola eram os mais abastados criadores de gado na Ilha do Marajó, onde possuíam 134.465 cabeças de gado bovino, e 1.409 de gado cavallar. Além disto possuíam outros bens de fortuna, também valiosos: as fazendas Tabatinga e São Caetano, no município de Vigia, as de nome Burajuba, Jaguarari e Gecrié, e um cacoal no Moju, e uma fazenda no Rio Guamá”. A ação dos missionários foi de grande importância para a dilatação da fronteira pois as missões estabeleceram-se nos mais longínquos recantos da Amazônia. A Companhia de Jesus tinha conseguido implantar em várias regiões fazendas que eram um modelo de eficiência econômica e avanço tecnológico. Ver MAY (1988:86). Segundo MATOS (1982:58) os missionários criaram dois sistemas de utilização da terra: grandes estabelecimentos rurais administrados diretamente por eles e aldeias indígenas onde a posse era comunal: Desta maneira, os missionários deram à terra uma função não individualista e capitalista, como era marcado o

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providências e actos dos monarcas portuguezes, foi sempre em parte inobservada, confusamente compreendida e, em extremo, defeituosa” (sic). 22

A subida ao poder de Sebastião José de Carvalho e Melo, Marquês de Pombal, 23 propiciou uma nova fase de exploração da Amazônia que, de uma região periférica, tornou-se o centro das atenções lusitanas no intuito de: ”fazer da região, um espaço produtivo eficiente para o mercado colonial” (LEAL, 1988:1). O enorme território amazônico foi dividido, separando o Pará da província de São José do Rio Negro (atual Amazonas) e, para suprir à falta de braços e potencializar a exploração dos recursos amazônicos, em 7 de julho de 1755 foi criada a Companhia Geral do Grão Pará e Maranhão que tinha, entre suas tarefas, a incumbência de trazer escravos negros da África. 24 A Companhia permitiu uma nova fase na vida econômica da região na qual o Estado do Grão Pará: “conseguiu integrar a economia mundial”

espírito do latifúndio do donatário ou sesmeiro comum".21 Os povoadores voluntários eram na realidade degredados que seriam condenados a morte se regressassem para Portugal. Ver CRUZ (1963:9).22 Da mesma opinião é SANTOS (1982:26) que afirma: “Na Amazônia, como aliás no resto do Brasil, as sesmarias se tornaram latifúndios escravocratas, e a regra do retorno das terras incultas à Coroa jamais foi cumprida”. 23 Pombal se tinha formado em diplomacia na Inglaterra onde pudera ver de perto o desenvolvimento do capitalismo e o começo do processo de industrialização.24 Segundo OLIVEIRA (1983:200) em 1692 já tinham sido introduzidos os primeiros 145 escravos negros no Pará. MONTEIRO (2001:94) afirma que: “Nos seus 22 anos de existência, a Companhia chegou a introduzir 12.587 escravos negros”. O Centro de Estudos e Defesa dos Negros do Pará (CEDENPA) (1989:15) reconhece que: ”Até o momento não foi possível saber com segurança quantos negros africanos foram introduzidos [no Pará]. As estimativas registram em cerca de 54.000 negros africanos, apenas como um indicativo”. Em Belém existiam várias casas que compravam, vendiam e alugavam escravos: Bartolomeu José Vieira, Joaquim Maria Osório & Cia., João Valente de Almeida Feija, Antunes & Sobrinho e Antônio Rodrigues dos Santos. A introdução dos negros como mão-de-obra escrava nasceu do compromisso entre os missionários (que defendiam a segregação dos índios) e os colonos (que acreditavam poder viabilizar seus empreendimentos só se dispusessem de escravos). Sobretudo o jesuíta Antônio Teixeira defendeu a necessidade deste acordo que satisfazia as necessidades de todos. Segundo SALLES (1988:8) numa região onde “tanta era a terra inexplorada e possuída que praticamente não tinha valor: a riqueza era medida pelo número de escravos. Quando as leis da metrópole aboliram finalmente a escravidão do indígena – a escravaria africana tornou-se quase exclusivamente, a medida do valor desta riqueza”. Para favorecer a vinda e escravos africanos para o Estado do Maranhão e Pará foram editadas duas provisões régias, uma datada de 18 de março de 1662 e outra de 1 de abril de 1680.

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(DIAS, 1970:55). 25 Particular destaque foi dado a agricultura de exportação. O povoamento foi rápido e intenso tanto que neste período mais de 50 aldeias foram elevadas a categorias de vilas. Belém, que tinha 4.000 habitantes na primeira metade do século, passou a ter mais de 10.000 nesta época (DIAS, 1970:118).

Em 1904, o governador Augusto Montenegro, reconhecendo o valor histórico dos vinte volumes manuscritos guardados no Arquivo Público, mandou publicar, o terceiro tomo dos Annaes da Bibliotheca e Arquivo Público do Pará onde se mostra que de 1700 até 1835 foram expedidos na Província do Grão-Pará (que abrangia os atuais Estados de Pará, Amazonas, Maranhão e Piauí) 2.158 títulos sesmariais. Destes só 560, isto é cerca de 25,95% do total, foram confirmados (VIANNA, 1904:149).

Enquanto no Piauí a confirmação das cartas concentrou-se entre os anos 1721-1752, no Maranhão entre 1713 e 1756 e no Turiassu de 1789 a 1825, no Pará foram confirmadas não só um número bem maior de cartas (68,93% do número das cartas ocupando 52,33 % da área total), mas a confirmação deu-se ao longo de mais de um século (1702-1818). Para tanta terra distribuída só faltavam braços para trabalhar, braços estes que foram disponibilizados pela coroa portuguesa com a criação da Companhia Geral do Grão Pará e Maranhão.

A primeira sesmaria concedida no Grão Pará beneficiou Manoel Rodrigues Janella no Rio Moni no Estado do Maranhão em 26 de Abril de 1625 (Liv. 2, p. 22 v) tendo sido confirmada mais de um século depois em 4 de Março de 1727 (Liv. 3, p. 107 v) (VIANNA, 1904:123). Em 22 de Abril de 1825, foi confirmada a última carta expedida no Estado do Grão Pará em favor de Antônio José da Costa Ribeiro, que morava na região do Rio

25 O desenvolvimento capitalista, que necessitava sempre mais de matérias primas, conseguiu quebrar a política de sigilo que os ibéricos tinham mantido até então sobre a região e a abriram para as investidas das expedições científicas. A primeira delas, a do francês La Condamine, em 1742, começou ainda antes da subida ao poder de Pombal. La Condamine, além de aperfeiçoar o mapa existente, experimentou a utilização do curare e da borracha levando amostras para a Europa. Depois dele vieram os alemães Humboldt-Bonpland (1799), Spix, Martius, Natterer, Adalberto de Prússia, os franceses D’ Orbigny, Castelnau, Montravel e os ingleses Bates e Wallace (já no século XIX) que aprofundaram os conhecimentos científicos sobre a região, sua flora, fauna e riquezas. Ver LEAL (1991:21-23). Para implantar sua política modernizadora Pombal confiou o governo dos dois estados a seu estreitos colaboradores: seu sobrinho Joaquim de Melo e Povoas no São José do Rio Negro e seu meio-irmão Francisco Xavier de Mendonça Furtado, no Pará.

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Turiassu. (carta concedida em 17 de Novembro de 1819) (VIANNA, 1904:19).

Um caso a parte, que merece ser destacado, foi o da região próxima ao rio Turiassu que até 1850 pertencia ao Pará e foi posteriormente incorporada ao Maranhão. O processo de colonização começou só no final do século XVIII com a concessão de sesmarias cujo tamanho médio era bem superior ao das outras regiões e as confirmações prolongaram-se até 1825, quando o regime de sesmarias já tinha sido extinto no resto do Brasil. A análise destas concessões e confirmações permitiu elaborar uma tabela que mostra a Tabela 1: Data de concessão e confirmação das sesmarias no Estado do Grão Pará (Ver anexo 2)26

O período de maiores concessões e confirmações de cartas de sesmarias foi os vinte e cinco anos entre 1726 e 1750 quando foram concedidas 1339, isto é, 62 % das cartas. No mesmo período foram também confirmadas 368 cartas, que representam 65,71% do total. As primeiras cartas de sesmaria confirmadas tinham áreas relativamente pequenas, aquelas confirmadas nos últimos quarenta anos tinham áreas maiores.

No Pará, a primeira Carta de Sesmaria foi concedida em 29 de Novembro de 1700, a Antônio de Souza Moura que ocupava o Sitio Pacajó, localizado no Rio Carapanã, afluente do rio Tocantins, carta confirmada em 21 de fevereiro de 1702. (Liv. 4, p. 14) (VIANNA, 1904:27). 27

26 Um documento apresentado por José Manoel Batista para a CPI da Grilagem criada pela Assembléia Legislativa do Estado do Pará em 1999, afirma que existiriam numerosas outras Cartas de Sesmaria que não foram incluídas no Catálogo do Dr. João Palma Muniz por encontrarem-se na torre do Tombo em Lisboa (Ver PARÁ, 1999: 2.483). Na falta de melhores informações sobre esta controvertida matéria, que envolve a necessidade de ulteriores estudos históricos e jurídicos, e levando em consideração que o período de confirmação das mesmas esgotou-se através da Resolução n.º 76 de 17/07/1821 (contrariamente ao entendimento do signatário daquele documento, afirmamos que a Lei 601/1850 não permitia a "confirmação" das sesmarias, mas sim sua "revalidação" - Ver Art. 4º) mantemos como referência nesse estudo o volume publicado por VIANNA.27 Em 10 de setembro de 1627 foi concedida a primeira sesmaria para a Câmara Municipal de Belém relativa à primeira légua patrimonial da capital. A carta de doação foi assinada pelo governador e Capitão Geral no Estado do Maranhão, Francisco Coelho de Carvalho. O Governador do Estado do Pará, José Paes de Carvalho, concedeu a segunda e a terceira légua de terras para a capital através do Decreto n° 766, de 21 de setembro de 1899 e do Decreto n.º 712, de 2 de abril de 1900. Nestas duas últimas situações foram excluídas da doação os imóveis que já constituíam propriedades particulares. Todos estes documentos foram reproduzidos por MUNIZ (1904:94, 99 e 105).

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A última carta foi concedida em 29 de Abril de 1836 e beneficiou Manoel Alves Leyte que ocupava o Sitio Spirito Santo, na barra dos riachos Frecheiras e dos Campos (Liv. 5, p. 129) (VIANNA, 1904:108). A última carta confirmada foi expedida em favor de Pedro de Souza Leal Aranha no rio Gurupi, na região Bragantina (concedida em 10 de junho de 1817, Liv. 20, p. 66 v, e confirmada em 16 de março de 1818, Liv. 16, p. 49 (VIANNA, 1904:138).

De um ponto de vista geográfico as sesmarias concedidas e confirmadas no Pará foram distribuídas da seguinte forma: 28 Tabela 2: Sesmarias confirmadas nas diferentes regiões do Estado do Pará: área ocupada e tamanho médio

REGIÕES SESMARIASCONFIRMADAS

(unidade)

ÁREA

(ha)

TAMANHO

MÉDIO(ha)

BELÉM e seus arredores 34 125.965 3.705MARAJÓ e outras 68 606.294 8.916BRAGANTINA 18 151.371 8.410SALGADO 37 133.038 3.596RIO ACARÁ e seus afluentes 19 125.507 6.606AMAZONAS E XINGU 35 302.742 8.650RIO CAPIM e seus afluentes 35 213.159 6.090RIO GUAMÁ e seus afluentes 73 125.195 1.715RIO MOJU e seus afluentes 30 135.090 4.503RIO TOCANTINS e outros 37 170.328 4.603TOTAL PARÁ 386 2.088.689 5.411TURIASSU 8 117.612 14.702PARÁ E TURIASSU 394 2.206.301 5.600

MARANHÃO 87 998.928 11.482PIAUI 79 1.114.043 14.102TOTAL GRÃO PARÁ 560 4.319.272 7.713

Fonte: Autor utilizando dados de SILVEIRA (1994:124 e 183-211).

28 LAMARÃO (1980:103) sustenta uma versão bem diferente daquela defendida por Silveira, segundo ele: “No Norte, especialmente, foram as concessões geralmente maiores que as do sul, conforme ensina Messias Junqueira em seu livro: “O instituto Brasileiro das Terras Devolutas”.

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Pode-se ver como as regiões do rio Guamá e a Ilha do Marajó foram as beneficiadas com o maior número de confirmações. A Ilha de Marajó, onde predominaram as sesmarias destinadas às atividades pecuária, ostentaram o maior tamanho médio. As 42 sesmarias confirmadas com área acima de 10.000 hectares tinham uma superfície total de 742.722 ha.

A análise dos dados coletados por Silveira permite verificar, que foram confirmadas: 56 cartas de sesmaria com 2.178 ha (meia légua quadrada); 96 de 4.356 ha. (uma légua quadrada, esta medida pode ser considerada o "tamanho clássico" das cartas); 29 com 6.534 ha. (uma légua e meia); 94 com 8.172 ha (duas léguas); 11 com 13.068 ha. (três léguas); 21 com uma área de 17.424 ha (quatro léguas); uma com 39.204 (cinco léguas) e uma com 69.696 (dezesseis léguas).

SILVEIRA provou que, as sesmarias doadas no Pará eram menores das que foram concedidas no Maranhão e no Piauí, capitanias que, também, integravam o Grão Pará. A mesma autora sugeriu algumas das razões que fizeram com que no Pará não tenham existido numerosas sesmarias de grandes dimensões: a) a colonização se deu nas margens dos rios onde as sesmarias não poderiam exceder meia légua de frente; b) 19,3% delas destinavam-se à pecuária e 80,7% a agricultura (as que se destinavam à pecuária, a maioria localizada na Ilha do Marajó que concentrava 76% do total das sesmarias onde a atividade preponderante era a criação de gado, eram sempre maiores que as outras) enquanto no Maranhão 75% destinavam-se à pecuária e no Piauí 99%. Outro dado importante é que nenhuma sesmaria foi confirmada na capitania do Rio Negro (atual estado do Amazonas). Não se encontram cartas de sesmaria confirmadas além do médio Amazonas nem nos rios Tapajós, Jarí e Araguaia e no sul do Pará.

No Pará as terras incorporadas ao patrimônio particular através de cartas de sesmarias representaram cerca de 1,92 % do seu território atual.

Dados do censo de 1823, quando o Pará ainda não tinha sido incorporado ao Brasil, mostram que em vilas que se originaram das antigas aldeias missionárias (como, por exemplo, Arraiolos e Esposende) predominavam pequenas unidades familiares, enquanto naquelas nascidas de sesmarias (Ourém, Irituia e São Miguel do Guamá) prevaleciam médias propriedades que possuíam seis escravos cada uma. Estas considerações levaram SILVEIRA (1994:125-134) a uma conclusão importante:

“O problema fundiário do Pará não era o mesmo Brasil. Ambos resultantes de soluções políticas diferentes para os problemas econômicos. Com a predominância de uma economia de subsistência e apenas uma pequena produção mercantil, no Pará não se ensejara a formação do latifúndio, nos dois primeiros séculos de colonização portuguesa. O latifúndio só irá se formar no

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Vale Amazônico após a incorporação do mesmo ao Império Brasileiro e da desorganização de toda a economia de subsistência da região para a introdução da economia de mercado” (Grifos nossos).

Enquanto no resto do Brasil o regime de sesmaria foi suspenso em 1822, no Grão Pará isso se deu só em 29 de abril de 1836, isto é, em plena campanha para debelar a revolução cabana, a única no país que conseguiu ocupar o palácio do governador e constituir durante algum tempo um governo revolucionário. 29

Diante das dificuldades de ter acesso à coroa, a maior parcela das terras paraenses era ocupada através de posses primárias: “Antes da lei 601 de 10 de setembro de 1850, a propriedade territorial tinha por principal fonte entre nós a ocupação primária. Raros eram os indivíduos que, reconhecendo o poder senhorial do Estado sobre as terras devolutas, requeriam sesmarias” (CONSELHEIRO PAES DE ANDRADE, apud ATHIAS, s/d:43).

3.2 QUILOMBOS: O GRITO DA LIBERDADE30

Com a fuga dos escravos negros, sobretudo a partir de 1800, constituíram-se vários mocambos espalhados em várias regiões do estado ampliando as áreas ocupadas por posses. Neles os negros eram livres e dedicavam-se, sobretudo, ao extrativismo e à agricultura de subsistência. 31

Estudos do CEDENPA (1989:34) mostram como se deu e quantos foram os beneficiários do processo de progressiva libertação dos escravos negros no Pará: 11.273 menores foram beneficiados pela Lei do Ventre Livre, 27 velhos pela Lei dos Sexagenários e 10.500 escravos pela Lei Áurea.

29 Talvez por isso foi tão duramente reprimida pelo poder central que não poderia permitir que milhares de caboclos e cafuzos instituíssem uma nova ordem social.30 Em janeiro de 2000, ANDRADE, Lúcia e TRECCANI, Girolamo, publicaram um capítulo, de um livro coordenado por LARANJEIRA, onde apresentam a tramitação do reconhecimento deste direito na Assembléia Nacional Constituinte e as diferentes aplicações do mesmo.31 Muitos quilombolas (Manoel Barbeiro, Liberto Patriota, Joaquim Antônio, Antônio Pereira Guimarães, José Manoel Pereira Feio, Custódio Teixeira, João do Espírito Santo, Preto Félix, Francisco Oleira Sipião, Negro Cristóvão, Preto Belizário, Negro Côco) tiveram participação destacada na Cabanagem. Alguns deles se sentiram porém traídos pelos revolucionários pois, depois da conquista do poder, os cabanos não incluíram a libertação dos escravos entre seus objetivos e se rebelaram contra o governo revolucionário, sendo fuzilados por Angelin. Ver CEDENPA (1989:25-33).

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A partir da década de oitenta, grupos rurais, o movimento negro e entidades de apoio realizaram mobilizações para ver reconhecido o direito à terra tradicionalmente ocupada pelos quilombolas. Tanto que hoje o conceito jurídico está sendo reinterpretado gerando uma nova consciência grupal e a redescoberta das raízes histórico-culturais de centenas de comunidades. .32 O autoreconhecimento de uma comunidade como quilombola passa a ser instrumento de reivindicação de um território próprio.33

Com a aprovação da Constituição Federal de 1988, que em seu artigo 68 das Disposições Constitucionais Transitórias determina: “Aos remanescentes das comunidades dos quilombos que estejam ocupando suas terras é reconhecida a propriedade definitiva, devendo o Estado emitir-lhes os títulos respectivos”, os quilombolas estão se organizando para ver reconhecido seus direitos. Além das articulações municipais de Oriximiná, Alenquer e Óbidos já existem uma coordenação regional do Baixo Amazonas e uma Comissão Estadual Provisória foi criada em novembro de 1999 no VIII Encontro Raízes Negras realizado em Santarém. Várias comunidades já receberam seu título de reconhecimento do direito de propriedade, outras estão discutindo qual o melhor caminho: titulação coletiva ou individual. 34

Uma pesquisa realizada pelo Núcleo de Altos Estudos da Amazônia (NAEA) 35 da Universidade Federal do Pará apontou a existência de mais de 200 nomes de comunidades rurais no Estado do Pará. No Brasil, segundo pesquisa da Fundação Palmares, são mais de mil estas comunidades. Estes

32 CARVALHO apresenta a evolução do conceito de quilombo ao longo do tempo, entre elas aquela contida na resposta do rei de Portugal à consulta do Conselho Ultramarino em 02/12/1740: "Quando reunidos em número de cinco ou mais chamavam-se quilombos" (Ver MALHEIRO apud CARVALHO, 1998:36).33 Segundo ACEVEDO E CASTRO (1998:1) "O quilombo enquanto categoria histórica detém um significado relevante, localizado no tempo, e na atualidade é objeto de uma reinterpretação jurídica quando empregado para legitimar reivindicações pelo território dos ancestrais por parte dos denominados remanescentes de quilombos (...). No âmago, estão as questões chamadas de terra de preto ou terras quilombolas, associadas ao forte sentimento de fazer parte da história de um grupo identificado com um território. O processo de ressemantização da categoria quilombo, tanto política quanto juridicamente, contribui à afirmação étnica e mobilização política desses segmentos camponeses, particularmente, as "comunidades negras rurais".34 A Coordenação Estadual Provisória reúne representantes dos seguintes municípios: Acará, Alenquer, Ananindeua, Baião, Gurupá, Óbidos, Oriximiná, Santarém e Viseu.35 A pesquisa foi coordenada por Edna Castro e Rosa Acevedo

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dados mostram a necessidade do Poder Público investir mais neste reconhecimento do direito destas comunidades reparando a grave injustiça histórica perpetrada contra os negros.

A Assembléia Legislativa do Estado do Pará aprovou a lei 6.165, de 2 de dezembro de 1998, que dispõe sobre a Legitimação de Terras dos Remanescentes das Comunidades de Quilombo. Seu artigo 2º determina que: "Os títulos de que trata o artigo anterior serão conferidos em nome de associações legalmente constituídas, constando obrigatoriamente cláusula de inalienabilidade". Desta maneira se consagrou no texto legal estadual a obrigatoriedade da concessão de títulos coletivos. Graças à mobilização de várias entidades em janeiro de 1999 foi elaborada a proposta de regulamentação da lei que, tendo sido aceita pelo Governador Almir Gabriel, transformou-se no Decreto Estadual n.º 3.572, de 22 de julho de 1999 que delega ao ITERPA a possibilidade de expedir os títulos de reconhecimento de propriedade em favor das comunidades quilombolas. Em 16 de novembro de 1999 a presidente do ITERPA, Dra. Dulce Nazaré de Lima Leoncy, baixou a Instrução Normativa n.º 02 que regulamenta o processo administrativo. Cabe destacar que seu artigo 3º, I determina que a condição de quilombola pode ser apresentada através de uma declaração da comunidade. Isto mostra como o governo do Estado do Pará aceitou o princípio do auto-reconhecimento das comunidades como elemento constitutivo deste processo de legitimação.36

O Pará apresenta-se como o campeão de reconhecimento do direito destas comunidades: A Portaria INCRA/P/ n.º 307, de 22 de novembro de 1995, regula como se deve proceder para efetuar a medição e demarcação das áreas dos remanescentes. As pautas do Grito da Terra incorporaram esta luta e até dezembro de 1999 foram tituladas e criados os Projetos Especiais de Assentamento das áreas Quilombola: Boa Vista (Portaria INCRA/P/n.º 314, de 24/11/95, que tem 1.125,0341 ha e beneficiou 112 no município de Oriximiná), Pacoval (Portaria INCRA/SR(01)/n.º 88, de 18/11/96, que tem 7.472,8790 ha e beneficiou 115 famílias, Alenquer), Água Fria (Portaria INCRA/SR(01)/n.º 89, de 18/11/96, com 557,1355 ha que beneficiou 15 famílias em Oriximiná), Trombetas (O título foi entregue em 20/11/97 e o PA criado através da Portaria INCRA 046, de 19/05/98 com 80.877,0941 ha beneficiando 138 famílias), Itamauari (Cachoeira do Piriá) com 5.377,6020

36 Bem diferente é a proposta de decreto apresentado pela Casa Civil da Presidência da República em 26 de outubro de 1999 segundo o qual a governo federal só reconhece uma comunidade como remanescentes de quilombo só depois que a Fundação Palmares tenha "carimbado" a mesma através de um processo administrativo que culmina com um laudo antropológico.

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ha para 33 famílias entregue em 07/09/1998), Erepecuru (o título foi entregue em 20/11/98 sobre uma área de 57.584,8505 ha. Em 6 de setembro de 1999, através da Portaria INCRA (SR01) n.º 69, foi criado o Projeto de Assentamento Especial Quilombola com 75.250 ha, que beneficia 154 famílias nas comunidades de Pancada, Araçá, Espírito Santo, Jauari, Boa Vista do Cuminá, Varre Vento, Jarauacá e Acapú localizadas nos municípios de Oriximiná e Óbidos). As comunidades, apesar da ferrenha oposição inicial de alguns técnicos do INCRA, conseguiram o reconhecimento da propriedade coletiva da terra, que foi descorporada de áreas maiores que já tinham sido arrecadas pela União. Em julho de 1997 foi criado um Grupo de Trabalho composto por vários órgãos estaduais (SECTAM, ITERPA, SAGRI e SECULT), e representantes da sociedade civil (FETAGRI, ARQMO, CEDENPA, CPT) que, entre outros trabalhos, realizou um cadastramento de todas as áreas remanescentes de quilombo no estado do Pará. De 7 a 9 de maio de 1998 este grupo organizou o Iº Encontro das Comunidades Negras Rurais do Estado do Pará ao qual participaram dezenas de representantes de várias comunidades que comprometeram-se a lutar pelo reconhecimento de seu direito à terra. Em 20 de novembro de 1997 o Ex.mo Governador Almir Gabriel e o Dr. Ronaldo Barata, então Presidente do ITERPA, assinaram o “Título de Reconhecimento de Domínio que o Estado do Pará e o Instituto de Terras do Pará - Iterpa, outorgam a “Associação das Comunidades Remanescentes de Quilombos Bacabal, Aracuan de Cima, Aracuan do Meio, Aracuan de Baixo, Serrinha, Terra Preta II e Jarauacá”, no município de Oriximiná”, com uma área de 57.027,6216 ha. Já em 13 de maio de 1999 foi reconhecido o domínio para a comunidade de Abacatal (que tem uma área de 308,1991 ha para 53 famílias, no município de Ananindeua). Em 12/05/2000 o Estado do Pará e o ITERPA, presidido pela Dra. Dulce de Nazaré de Lima Leoncy Souza, reconheceram mais um título de domínio para a Associação do Erepecuru com 160.459,4072 ha. Em 28/07/00 o Governo do Estado do Pará e o ITERPA reconheceram o domínio da Associação das Comunidades Remanescentes de Quilombo de Gurupá: Gurupá Mirin, Jocojó, Flexinha, Carrazedo, Camutá do Ipixuna, Bacá do Ipixuna, Alto Ipixuna, Alto Pucurui (ARQMG) localizada no município de Gurupá, com 83.437,1287 ha, beneficiando 300 famílias. No mesmo município, em 20 de novembro de 2000, o ITERPA expediu um título de reconheceu o domínio sobre 2.031,8727 ha, para a Associação dos Remanescentes de Quilombo de Maria Ribeira (ARQMR). A Fundação Culturas Palmares entregou seu primeiro título no Pará, em 08/05/2000, para

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os remanescentes das comunidades de São José, Silêncio, Matar, Cuecê, Apui e Castanhanduba, com uma área de 17.189,6939 ha. 37

Tabela 3: Principais quilombos existentes no Estado do Pará (ver Anexo 3).

37 O Pará foi o primeiro Estado brasileiro a cumprir o dispositivo da Constituição Federal, hoje também o Estado da Bahia concedeu título de reconhecimento de propriedade a remanescentes de Comunidades de Quilombos. Em 30/01/199 o Instituto de Terras da Bahia -ITERBA expediu um título em favor da Associação Agro-Pastoril Quilombola de Mangal e Barro Vermelho, com uma área de 153,8043 ha, (localizada no município de Sítio do Mato). No mesmo Estado a Associação de Desenvolvimento Comunitário Rural Barra do Brumado recebeu o título expedido em favor dos Arraiais dos Negros de Barra e Bananal (município de Rio das Contas), com 1.339,2768 ha, beneficiando 74 famílias. Ainda na Bahia a Comunidade Rio das Rãs celebrou, em 28 de julho de 1998, com o INCRA um contrato de Concessão de Direito Real de Uso garantindo a posse de suas terras garantida (Ver DRU/Nº 001/98). No Maranhão depois de ter sido criado o Projeto Especial Quilombola Jamari dos Pretos (através do Decreto n.º 15.848, de 01/10/1997, com uma área de 13.980,2571 ha, localizado no município de Turi Açu, cujas terras estão sendo objeto de regularização fundiária), em 20 de agosto de 1999, foram expedidos títulos de domínio por parte do Instituto de Terras do Maranhão para as comunidades Santo Antônio dos Pretos (2.139,55 hectares), Eira dos Coqueiros (1.011,8271 hectares), Mocorongo (162,6254 hectares), todas elas localizadas no Município de Codó. No mesmo Estado o Decreto n.º 15.849, de 01/10/1997 declarou como prioritárias para fins de legalização, desapropriação e outras formas de acautelamento previsto na legislação pertinente as terras ocupadas por remanescentes de quilombos e comunidades negras tradicionais situadas nos imóveis rurais: a) Santa Maria, Piqui, Mata de São Benedito, Mocambo e Santa Rosa (Município de Itapecuru-Miri), b) Cipó e Jenipapo (município de Caxias), c) Finca Pé (município de Presidente Vargas), d) Itamatatiua e São Raimundo (município de Alcântara); e) Olho d´Agua (Município de Olinda Nova), f) Jamari dos Pretos (município de Turiaçu). Sempre no Maranhão o Decreto Presidencial 536, de 20 de maio de 1992, criou a Reserva Extrativista de Frexal, com 9.542 hectares, regularizando, desta maneira, uma antiga comunidade remanescente de quilombo. No Rio de Janeiro, em 13/03/99, foi expedido o Título da comunidade Campinho da Independência com 287,9461 ha, beneficiando 60 famílias. Em 03 de dezembro de 1999 a Fundação Palmares expediu um título de reconhecimento de domínio em favor da Comunidade de Curiaú, localizada no Município de Macapá, com uma área de 3.321,8931 ha. Totais: hectares no Pará: ITERPA: 301.229,3566;

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3.3 POSSE AGRO-ECOLÓGICA: UMA MANEIRA DIFERENTE DE USO E POSSE DA TERRA E DOS RECURSOS NATURAIS

Na segunda metade do século XVIII, começaram a se consolidar dois tipos diferentes de uso da terra: de um lado algumas grandes propriedades que produziam bens de exportação: café, cacau e borracha (utilizando mão de obra escrava), 38 e do outro, a revelia da lei que não as previa, pequenas posses familiares que eram as responsáveis pelo abastecimento dos centros urbanos. As fazendas constituíam uma organização social baseada no poder praticamente absoluto do senhor que, ao mesmo tempo, era patriarca da família, padrinho de muitos afilhados, dono do comércio, chefe político, delegado de polícia e juiz ao qual todos deviam obediência.

A partir da emancipação dos índios (1755) e do fim do regime do diretório (1798), vários núcleos familiares deixaram as antigas cidades da Amazônia adentrando-se no sertão e sobrevivendo graças à suas roças, caça e pesca. Os índios e os caboclos se localizavam normalmente na beira dos lagos, rios e igarapés onde praticavam uma agricultura de subsistência (cultivo de mandioca, arroz, milho e feijão) associada ao extrativismo animal (pesca e caça de animais silvestres) e vegetal (coleta de castanha, borracha, frutas, etc.). Apesar de manter um nível de vida frugal e modesto, conseguiram viver livremente usufruindo da terra e dos bens da natureza. A estes nativos se juntaram mais tarde os mestiços pobres, dando origem a um novo grupo social: o campesinato tradicional amazônico caboclo fruto da

INCRA: 95.979,9744; Fundação Palmares 17.189,6939: TOTAL PARÁ: 416.430,8976 ha (ITERPA: 303.261,2293 e 113.169,6683 pelo Governo Federal, dos quais 95.979,9744 pelo INCRA, 17.189,6939 pela Fundação Cultural Palmares) beneficiando 1.397 famílias. Total outros estados: 333.915,2893 ha. 5.667 Fam. Total Brasil: 750.346,1869 ha. 7.064 fam. O Pará detém 55,50% das terras tituladas e 19,77% das famílias. (Até 13/07/00 o Pará detinha 97,52% das terras tituladas e 69,29% das famílias). Atualmente, a nível federal, a competência para: “aprovar a delimitação das terras dos remanescentes das comunidades dos quilombos, bem como determinar as suas demarcações, que serão homologadas nediante decreto” compete à Fundação Cultural Palmares (ver art. 14, IV, alínea c) da Medida Provisória número 2.123-27, de 27/12/2000.38 A maior delas localizava-se na Ilha de Marajó no Rio Cururu e foi concedida a Manoel José Henriques de Lima em 1759 e confirmada em 1764. Destinava-se à criação de gado bovino e eqüino e tinha 69.696 ha, isto é 16 léguas quadradas. In SILVEIRA (1994:189). Esta medida era bem além do que era permitido pela legislação em vigor pois a Carta régia de 1698 permitia a concessão de, no máximo, duas léguas.

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miscigenação entre os diferentes povos indígenas destribalizados, os escravos negros africanos e, a partir do final do século XIX, os nordestinos. Estes grupos apropriaram-se dos costumes indígenas no que diz respeito ao uso da terra, caça e pesca (agricultura itinerante de corte queima e pousio que permite a constante regeneração da floresta, prática produtiva em harmonia com o meio ambiente regional) e deram origem a uma nova forma de se utilizar a terra: o trabalho familiar. Era a fase do extrativismo vegetal e animal, que explorava a floresta através de expedições feitas a partir dos grandes rios e seus afluentes. A terra, enquanto tal, não tinha praticamente nenhum valor, só valia o que se tirava da floresta. A fronteira agrícola era constantemente ampliada, novas áreas eram incorporadas ao patrimônio nacional. Reúnem-se aqui os elementos essenciais que originaram aquilo que o BENATTI definiu como posse agro-ecológica: casa (espaço físico destinado à moradia ao redor do qual existe a horta, o sítio, onde existe o plantio das árvores frutíferas e a casa de farinha), roça (local das culturas temporárias e permanentes) e mata (onde se desenvolve o extrativismo) Nesta realidade existem áreas de uso e posse comum (matas, rios, lagos, caminhos, praias, etc.) e áreas de posse e uso exclusivo da família (casa, quintal, horta). As primeiras podem ser utilizadas por todos, conforme um código de respeito estabelecido pela comunidade, mas não podem ser privatizadas nem alienadas ou incorporadas ao patrimônio individual de alguém (podem definidas como espaços abertos). As segundas incorporam-se ao patrimônio familiar (BENATTI, 1997:54-60). Quando, na segunda metade do século vinte, estas duas formas diferentes de uso e posse da terra entraram em atrito, começaram os graves conflitos agrários mundialmente conhecidos.

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4 - REGIME DE POSSE E LEI DE TERRAS: A CONSOLIDAÇÃO DA

ESTRUTURA (LATI)FUNDIÁRIA DO BRASIL

4.1 BRASIL IMPÉRIO: REGIME DE POSSE

Durante o período colonial coexistiram diferentes formas de apropriação da terra: ao lado das propriedades (sesmarias confirmadas) expandiram-se as posses ilegítimas (sesmarias caídas em comisso pelo não cumprimento das cláusulas resolutivas e posses estabelecidas em terras públicas sem nenhum consentimento por parte do Estado e, consequentemente, à revelia do ordenamento jurídico vigente). Entre estas últimas, podemos colocar as sesmarias não confirmadas, pois, com o decorrer do tempo esvaziava-se sua legitimidade. Estas terras eram devolvidas ao patrimônio público tornado-se terras devolutas.

Os 322 anos de vigência do regime sesmarial entregaram o Brasil nas mãos do latifúndio. Ao lado deste regime, porém construiu-se, desde o começo, um processo de ocupação espontânea das terras públicas. Estas ocupações ocorriam totalmente à revelia do sistema jurídico vigente criando um Brasil Real bem diferente do Brasil Legal. A propriedade camponesa nasceu da rebeldia à ordem constituída. 39 No Brasil, contrariando o que a história ensina ter acontecido no resto do mundo desde os tempos antigos até a idade contemporânea (Grécia e Roma antiga, Alemanha, Itália e Japão, modernamente), a propriedade camponesa não antecedeu o latifúndio, mas começou a vigorar quando este se enfraqueceu. Os posseiros começaram inicialmente a ocupar as áreas vazias, que existiam entre um latifúndio e outro, as terras de difícil acesso, ou cujo solo era de pior qualidade, as terras que se tinham tornado devolutas, em seguida as áreas de sesmarias abandonadas ou não totalmente exploradas. Se criaram assim brechas significativas no monopólio da propriedade da terra. A procura de gêneros de subsistência, que não eram produzidos pelos latifúndios, impulsionou a ocupação de terras. As primeiras leis que os protegiam foram anteriores ao século XIX, pois já em 1767 e em 1795 foram promulgadas duas leis protegendo: “Aqueles que não possuírem terras sem outro algum título, mais

39 SODERO (1985:64) afirma que: "A propriedade da terra em um País essencialmente agrícola como o Brasil de 1850, era o único bem patrimonial, que permitia ao seu detentor a obtenção de prestígio político, social e econômico. Ter terra significava prestígio, consideração, crédito, dignidades. Eram os barões do açúcar, que dominaram o cenário político e econômico do Segundo Império, até ascensão definitiva do café, que transferiu o centro econômico do País, do Nordeste, para as províncias do Rio de Janeiro e São Paulo.

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que o da diuturnidade de suas posses”. (Alvará de 05/10/1795, apud VARELLA, 1998:71). Desde o começo, o tempo e o trabalho sempre foram os grandes referenciais para os posseiros, pois o decurso dos anos consolidava as posses e seu abandono as entregava a um outro ocupante.

No começo do império levantaram-se proclamas contra as sesmarias, que tinham dado origem ao latifúndio e defendia-se o reordenamento do nosso sistema agrário. 40

Com a Resolução nº 76, de 17 de julho de 1822, Dom Pedro de Orleans e Bragança 41 acatou o pedido feito-lhe pelo lavrador mineiro José Manoel Dias e suspendeu o sistema de sesmarias, no qual o sesmeiro antes recebia o título para depois receber a terra e ser obrigado a explorá-la e começou a vigorar o sistema de posse, no qual o posseiro explorava e beneficiava a terra e só posteriormente a legalizava tendo assim reconhecido seu direito pelo poder público. O futuro imperador determinou que se esperasse a regulamentação desta matéria pela Assembléia Geral Constituinte: “Fique o suplicante na posse das terras que tem cultivado, e suspendam-se todas as sesmarias até a convocação da Assembléia Geral Constituinte”.

Esta decisão ganhou maior força através de uma Provisão em 22 de outubro de 1823 que, além de suspender a concessão de novas sesmarias, proibiu a confirmação das que já tinham sido concedidas. Através desta resolução termina o controle do Estado sobre as terras e a possibilidade legal de limitar-se o acesso à mesma.

40 José Bonifácio de Andada e Silva defendia a necessidade de se apoiar a pequena e média propriedade estabelecendo um tamanho máximo possível de ser ocupado. GONÇALVES CHAVES (apud LIMA, 1954:43) afirmava que o resultado produzido pelo regime de sesmarias tinha sido trágico pois favoreceu a concentração da propriedade: “Os abarcadores possuem até 20 léguas de terreno, e raras vezes consentem a alguma família estabelecer-se em alguma parte de suas terras, e mesmo quando consentem, He sempre temporariamente e nunca por ajuste, que deixe ficar a família por alguns annos. Ha muitas famílias pobres, vagando de lugar em lugar, segundo o favor e caprixo dos proprietários das terras e sempre faltas de meios de obter algum terreno em que fação hum estabelecimento permanente. Nossa agricultura está em o maior atrazo, e desalento, a que ella pode reduzir-se entre qualquer povo agricula, ainda o menos avançado em civilização (sic)”.41 Este ato precedeu de 52 dias a declaração da independência do Brasil. Podemos assim afirmar que o novo estado nasceu sem ter uma legislação específica e adequada à questão agrária a não ser o velho ordenamento jurídico português com suas leis, decretos, cartas régias, alvarás, provisões, resoluções e avisos que tinham criado um verdadeiro caos legislativo.

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O mesmo Dom Pedro, na qualidade de Príncipe Regente, em 21 de maio de 1821, tinha editado o primeiro decreto que regulamentava a desapropriação de imóveis determinando o pagamento prévio do bem.

O sistema de posse instaurado no Brasil determinava que, para ver reconhecido seu direito além da ocupação, o posseiro tinha que provar a cultura do terreno:

“Hei por bem ordenar-vos procedais nas respectivas medições e demarcações, sem prejudicar quaisquer possuidores, que tenhão effectivas culturas do terreno, porquanto devem elles ser conservados nas suas posses, bastando para título as reais ordens, porque as mesmas posses prevaleção às sesmarias posteriormente concedidas” (sic) (grifos nossos) (ARARIPE apud LIMA, 1954:48).

Apesar do proclama do imperador, a Constituição de 1824, que foi por ele outorgada, omitiu-se totalmente de tratar este assunto. Seu artigo 179, § 22 incorporou o ideal Napoleônico e burguês da propriedade absoluta afirmando imperiosamente: “é garantido o Direito de Propriedade, em toda a sua plenitude” (grifos nossos) consolidando e consagrando a estrutura agrária latifundiária vigente concentradora da propriedade. O direito de propriedade foi visto como algo de absoluto, intocável. Foi permitida, como exceção, a desapropriação por utilidade pública, desde que a terra e as benfeitorias fossem pagas previamente. Depois da Constituição a lei ordinária n0 422, de 9 de setembro de 1826, manteve a desapropriação por necessidade e utilidade pública.

Este reconhecimento do caráter absoluto da propriedade da terra a liberava de qualquer condição ou cláusula resolutiva. Criou-se, desta maneira, uma situação paradoxal: de um lado a Constituição garantia o direito pleno de propriedade, do outro precisava ser aprovada uma lei complementar que regulamentasse a matéria. Passaram-se trinta anos neste vazio de regulamentação infraconstitucional, até 1854, tempo durante o qual não existiam meios jurídicos que permitissem o reconhecimento das ocupações, normas que as limitassem e ordenassem estabelecendo a modalidade de seus registros. Desta maneira, favoreceu-se o regime do mais forte, da lei da selva (ou do estado hobbesiano que definia o homem como: homo, hominis lupus) onde quem tinha maiores condições poderia se apoderar de maiores quantidades de terras. Grandes e pequenos posseiros eram iguais perante a lei, mas esta isonomia legal revelou-se fictícia, pois os primeiros tinham muito mais condição de ampliarem suas já extensas posses. Além disso, não foi previsto nenhum mecanismo para reincorporar ao patrimônio público as terras que tinham sido subtraídas contrariando

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dispositivos legais vigentes. Desta maneira pode-se afirmar que este período caracteriza-se como o do império das posses (JONES, 1997c:12) 42 ou Período Áureo da Posse (MATTOS NETO, 1988:95), pois se de um lado era facultada a constituição das mesmas, do outro não existia, nenhum procedimento jurídico que as transformasse em propriedade.

Uma Lei, de 12 de agosto de 1834, alterou a Constituição conferindo às Assembléias Provinciais a competência para legislarem sobre casos e formas de desapropriação por utilidade pública e de estabelecer colônias.

Com o fim do regime de sesmarias a posse se expandiu dilatando a fronteira agrícola, o movimento de acesso à terra se ampliou enormemente e o apossamento se deu de maneira anárquica. Neste período prevaleceu o apossamento indiscriminado de terras públicas sem qualquer regulamentação por parte do Poder Público ou requerimento formulado á atividades administrativas. O humilde colono passou a ser o desbravador das áreas livres. 43 Numa época em que a fonte de riqueza era o monocultivo extensivo da cana-de-açúcar, os detentores de escravos tinham, porém, maiores possibilidades de ocupar mais terras e ampliar ainda seus domínios. Este período pode ser assim considerado como um período extralegal, pois não existia nenhuma regulamentação jurídica determinando as formas de aquisição da propriedade das terras. Foram 32 anos (até a vigência do Decreto-Lei n0 1.318 de 1854 que regulamentou a lei n0 601 de 1850) durante os quais foi suspensa a concessão de títulos dominiais expedidos pelo poder público. Este clima de incerteza gerou uma série de litígios judiciais e extrajudiciais criando uma situação ainda mais caótica. O fracasso da tentativa de democratizar o acesso à terra foi assim descrito por Lima:

42 JONES (1997a:81) afirma que: “ O império das posses foi, na verdade, o império dos latifundiário e dos potentatos locais: neste período eles não apenas consolidaram seu patrimônio territorial, mas sobretudo seu poder político local”. É neste momento, durante o período regencial, que recebem a patente militar de coronéis da Guarda Nacional.43 Segundo Assunção (1983:106): “Por intermédio desse novo sistema, surgiu a oportunidade, antes inexistente, para o lavrador humilde, desamparado e sem recursos, pudesse tornar-se legítimo proprietário, pela efetiva ocupação e cultivo, de pequenas glebas de terras, onde poderia formar uma lavoura de subsistência, para si e para a sua família. Era a vitória do pequeno agricultor sobre o senhor de engenhos ou fazendas, era o triunfo do humilde colono sobre o latifundiário protegido pela metrópole” (grifos nossos). O mesmo autor reconhece, porém, em seguida que este sistema desvirtuou-se, favorecendo a consolidação de novos latifúndios e concentrando a propriedade.

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”Depois de 1822, sobretudo, - data a abolição das sesmarias, - as posses passam a abranger fazendas inteiras e léguas a fio” (LIMA, 1954:54). 44

A estrutura agrária permaneceu assim invariada, a propriedade familiar produtora de bens de subsistência continuou a ser marginal, apesar dos esforços do governo de incentivar a instalação de projetos de colonização em favor dos imigrantes para viabilizar os quais, em 8 de outubro de 1848, foi promulgada a Lei n.º 514. 45

Nestes anos a efetiva ocupação da terra garantia seu domínio, pois as posses mansas e pacíficas adquiridas antes da vigência da Lei, eram passíveis de legitimação. Se começou aqui a ter os elementos essenciais do instituto da legitimação ainda hoje em vigor: posse mansa e pacífica, cultura e morada habitual.46

Colocar aqui a avaliação de Igor Tenório p. 35.

4.2 REGIME DA LEI DE TERRAS

A lei n.º 601 de 18 de setembro de 1850, conhecida como Lei das Terras Devolutas ou, mais simplesmente, LEI DE TERRAS, representou uma ruptura com o sistema sesmarial retirando a possibilidade de se receber a terra gratuitamente e impôs a compra como único meio de se apropriar da

44 Também Jones (1997a:132) faz a mesma avaliação: “ Se o antigo instituto sesmarial foi o instrumento que permitiu a concessão e o acesso privilegiados à propriedade territorial no Brasil, o “império das posses”, como é conhecido este período, foi ainda mais, porque reforçado pelas novas garantias constitucionais, permitiu a ampliação ao nível concreto, de tais privilégios. Esse período significou a transferência, de fato, do controle sobre as terras devolutas, que, embora formalmente, permanecendo na esfera do Estado, passou, na prática, para o campo de influência direta dos poderosos locais”. O mesmo autor afirma que, neste período, muito mais que as pequenas posses, se fortaleceram as grandes posses. Analisando os debates parlamentares que antecederam a promulgação da Lei 601/1850 se percebe como a luta se deu entre os antigos sesmeiros cujas cartas tinham caído em comisso e os grandes posseiros. Esta luta deu-se sobretudo em São Paulo onde os novos latifundiários do café chocavam-se com os antigos beneficiários das sesmarias.45 Os novos projetos de colonização foram feitos em favor de migrantes suíços (que chegaram em Nova Friburgo - RJ em 09/07/1845) e alemães (São Leopoldo - RS e Itajai - SC em 1855). O incentivo brasileiro às imigrações insere-se no contexto da crise social existente na Europa na Segunda metade do século passado quando cresceu o número de camponeses pobres que viam na emigração a possibilidade de melhorar sua vida.46 O regime de posse deu origem a dois institutos jurídicos existentes ainda hoje: legitimação de posse e usucapião.

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terra devoluta que passou a ser considerada uma mercadoria. A elaboração da Lei de Terras não foi fácil: o projeto inicial (Projeto n.º 94), apresentado no Senado ainda em 10 de junho de 1843 por José Rodrigues Torres, sofreu várias alterações até sua aprovação. 47 Mesmo depois de ter entrado em vigor, foram necessários quatro anos para que a lei fosse regulamentada.

Esta lei visava sistematizar a dispersa, anárquica e confusa legislação anterior e foi um dos instrumentos utilizados para, de um lado, garantir o acesso à propriedade aos que detinham os capitais necessários à sua compra e, do outro, frear o acesso à terra dos negros que progressivamente estavam sendo libertados.48 Martins afirma que quando a

47 A lei foi uma iniciativa proposta e aprovada por gabinetes liderados por conservadores com a ferrenha oposição dos parlamentares liberais. GUIMARÃES (1981:134), citando os Anais do Parlamento Brasileiro, Segunda Sessão de 1850, Rio de Janeiro, 1880, p. 732, afirma que um deputado chegou a alertar seus colegas sobre a gravidade das possíveis consequências desta lei: “Esta lei (...) só serve para pôr em conflito toda a propriedade do país, por isso (...) deve ser muito meditada, muito discutida, porque pode ser um presente funesto e muito fatal que se faça ao país”. Já ALMEIDA (1998) afirma que: "A Lei de 1850 disciplinou a forma de acesso à terras devolutas enfatizando o instituto da aquisição e enfraquecendo a vertente da posse apoiada na moradia e cultivo habituais. Praticamente impedia o livre acesso aos recursos naturais, em terras consideradas devolutas, ao fortalecer os instrumentos de compra e venda em detrimento da legitimação das posses pré-existentes. As grandes plantações, debilitadas pela queda dos preços do algodão e do açúcar no mercado mundial, tinham neste dispositivo legal uma possibilidade de reorganização e de soerguimento, porquanto ele impedia que a força de trabalho se consolidasse de maneira autônoma pelo livre acesso aos recursos básicos". As palavras a seguir, aplicadas ao Maranhão, bem pode ser adaptadas ao estado do Pará, levando-se em consideração que, alguns anos antes tinha passado também por uma revolução camponesa: a revolta cabana: "Os legisladores do Império tentaram resolver com dispositivos jurídicos a crise do sistema repressor da força de trabalho no Maranhão, que tivera na Balaiada sua expressão maior". (grifos nossos).48 O Brasil, último país da América Latina a decretar o fim da escravatura, o fez através de um processo gradual e progressivo que demorou mais de quarenta anos para se completar. Em 1848 entrou em vigor na Inglaterra o Bill Aberdeen, decreto que proibiu o tráfico negreiro. A partir daquele momento a Inglaterra passou a perseguir os traficantes de escravos no mundo inteiro. Em 04/09/1850 foi promulgada, no Brasil, a Lei Eusébio de Queiroz que proibiu o tráfico negreiro (a Lei de Terras foi promulgada quinze dias depois); em 28/9/1871 entrou em vigor a Lei do Ventre Livre, de autoria do Visconde do Rio Branco, que concedeu a liberdade aos que nasciam em cativeiro; em 28/9/1885 a Lei do Sexagenário (Lei Saraiva Cotegipe) libertou os que atingiam esta idade, e, finalmente, em 13/05/1888,

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terra era livre, os homens eram escravos; quando os homens foram libertados, a terra foi escravizada. Segundo ele (2000a, p. 1): “É sempre bom lembrar que a Lei de Terras foi aprovada quase que simultaneamente com a aprovação da Lei que proibiu o tráfego negreiro para o Brasil. A Lei de Terras foi uma condição para o fim da escravidão. Em todos os meus trabalhos eu disse que num país em que a terra é livre, como era no regime sesmarial, o trabalho tem que ser escravo. Num país em que o trabalho se torna livre, a terra tem que ser escrava, isto é, a terra tem que ter preço e dono, sem o que haverá uma crise nas relações de trabalho”. Além dos negros foram penalizados os imigrantes europeus e asiáticos que o governo brasileiro estimulava a vir se radicar no País. 49 Através de um artifício legal se criavam os pressupostos para uma expropriação artificial dois possíveis beneficiários do processo de ocupação primaria: a legislação relativa à propriedade se toena um fator de impedimento de acesso à terra para os pobres. Inviabilizava-se, desta maneira, a democratização da propriedade da terra. 50 Depois de ter derrotado a Revolução Praieira, que defendia a reforma

a Lei Áurea, que aboliu definitivamente, de um ponto de vista legal, a escravidão. Segundo MARTINS (2000:15): "O modo como se deu o fim da escravidão foi, aliás, o responsável pela institucionalização de um direito fundiário que impossibilita desde então uma reformulação radical da nossa estrutura agrária".49 É importante destacar que já em 1838 tinham sido apresentados dois projetos relativos ao favorecimento da imigração. Na discussão dos mesmos, vários parlamentares lembraram a conveniência de se conjugar a discussão relativa á terras públicas e o incentivo à migração. Ver HÉBETTE e ACEVEDO (1979:155).50 A possibilidade de se adquirir a propriedade plena da terra estimulava o interesse dos migrantes para o Brasil, ao mesmo tempo, porém, seu elevado preço os obrigava a assalariar-se durante alguns anos para acumular o capital necessário para a aquisição da terra. Entre 1850 e 1953 entraram no Brasil 4.838.337 imigrantes, 3 milhões dos quais entre 1880 e 1930 (PANINI, 1990:38). É interessante observar como o fluxo migratório para os EUA aumentou consideravelmente depois do Homeastead Act: se entre 1841e 1860 cerca de 4,3 milhões de europeus tinham migrado para os EUA, entre 1860 e 1880 este número cresceu para 5,5 milhões (GUIMARÃES, 1981:139). Através do Homeastead Act (de 1862) foram distribuídos lotes familiares com o tamanho de 65 ha, desta maneira enquanto nos EUA o livre acesso à terra favoreceu a imigração e a consolidação de uma rica agricultura baseada na propriedade familiar, no Brasil a concentração da propriedade da terra dificultou o desenvolvimento do país. As condições de trabalho não eram propícias para a rápida alforria deste jugo. Em lugar de se favorecer o acesso à terra, se estabeleceram contratos de parceria, que foram introduzidos inicialmente por Nicolau Pereira de Campos Vergueiro no interior paulista e espalharam-se depois pelo Brasil. Estes contratos eram extremamente leoninos penalizando os migrantes tanto que um Relatório do Presidente da Província do Rio de Janeiro (apud

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agrária: "veio a consolidação do latifúndio (...). Foi uma opção política consciente pela grande propriedade e contra a pequena, vista como ameaça à oferta de braços para a lavoura de exportação" (grifo nosso). 51

É importante observar que estes diplomas legais não caíram no vazio. Nestes anos se estava regulamentando uma série de atividades e direitos. É suficiente lembrar o Código Comercial (Lei n.º 556, de 25 de junho de 1850), o Registro Geral de Hipotecas (Lei Orçamentária n.º 317, de 21 de outubro de 1843), a Lei n.º 840, de 22 de janeiro de 1855 que exigiu a escritura pública para a compra e venda de imóveis, a Consolidação das Leis Civis (1858), e a Lei Hipotecária (Lei n.º 1.237 de 23 de setembro de 1864 52

que determinava, em seu artigo 8º, que a transferência de propriedade inter vivos, não operaria seus efeitos a respeito de terceiros senão pela transcrição e desde a data dela). Toda uma série de iniciativas legais que preparavam um novo Brasil, não mais baseado na escravidão, mas na liberdade. A partir do momento, porém, em que se começou a liberar os homens, se escravizou a terra, isto é se impediu seu livre acesso por parte de todos, reservando-a, mais uma vez, exclusivamente para quem tinha recursos. Até que a classe trabalhadora estava sob o regime de escravidão e a riqueza se acumulava através da exploração do trabalho forçado, a terra não tinha praticamente valor.53 No momento em que os homens começavam a serem libertos, a terra

SODERO, 1978:128) datado de 01/08/1859, denunciava que aos recém-chegados não eram reconhecidas adequadas: “garantias de liberdade, segurança e propriedade, sem as quais encontrarão aqui somente amarga decepção, em vez de melhoramento de suas fortunas”. Para facilitar a entrada de novos migrantes e a fundação de novas colônias foram celebrados vários contratos com particulares. Em 19/01/1867 o Decreto Imperial n.º 3.784 editou o Regulamento para as Colônias do Estado que possibilitava o aproveitamento das terras devolutas.51 BRASIL, 1999a:9.52 Esta Lei, que reformou a legislação hipotecária, foi regulamentada pelo decreto n.º 3.453, de 26 de junho de 1865, e revogada pelo decreto n.º 169-A, de 19 de janeiro de 1890. Deu início à fase publicitária da propriedade imobiliária no Brasil. Seu artigo 7º determinava que a inscrição de uma hipoteca deveria ser feita na comarca onde se situa o bem perante os Tabeliões criados elo Decreto n.º 482, de 14 de novembro de 1846. Só depois da transcrição no registro competente que a hipoteca opera efeitos perante terceiros (art. 8º).53 FAORO (apud BALDEZ, 1989:10) afirma: "A terra em si pouco ou nada valia no conjunto da empresa, valor relativo no século XVI, como ainda no século XIX: a riqueza necessária para a empresa, era o escravo. A terra começa a preocupar o jurista quando, no curso da história irrompe o trabalhador livre, que, pelo regime do assalariamento, deverá ser destinado, em face da nova organização social, ao mercado do trabalho".

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adquiriu valor e se fechou a possibilidade dela ser ocupada livremente por todos. Mais uma vez os latifundiários conseguiram mostrar toda sua força e o controle político que exerciam sobre o Estado.

Já a ementa da Lei n.º 601/1850 era significativa:

“Dispõe sobre as terras devolutas do império, e acerca das que são possuídas por título de sesmaria sem preenchimento das condições legais, bem como por simples título de posse mansa e pacífica: e determina que, medidas e demarcadas as primeiras sejam elas cedidas a título oneroso, assim para empresas particulares, como para o estabelecimento de colônias de nacionais e estrangeiros, autorizado o governo a promover a colonização estrangeira na forma que se declara” (grifos nossos).

A compra passou a ser o meio idôneo para a aquisição da propriedade. O artigo 1º da lei 601 era claro na sua exigência de se transmitir o domínio das terras exclusivamente através da compra e venda: “Ficam proibidas as aquisições de terras devolutas por outro título que não seja o de compra. Excetuam-se as terras situadas nos limites do Império com países estrangeiros, em zonas de dez léguas, as quais poderão ser concedidas gratuitamente” (Grifos nossos).

Este dispositivo visava possivelmente facilitar a ocupação das terras localizadas na fronteira, numa época na qual estas ainda estavam sendo consolidadas, uma ótica diferente daquela introduzida posteriormente quando, por motivos geo-político-militares, estas áreas passaram a ser consideradas de segurança nacional se olhando com suspeita a presença de estrangeiros e limitando o acesso aos particulares. 54 Ainda hoje, por determinação constitucional (Art. 20, § 2º da Constituição Federal de 1988), a presença na faixa de 150 km ao redor da fronteira, está sujeita a restrições.

A nova lei valorizava, sobremaneira, a cultura e a morada habitual tanto que possibilitava a revalidação das sesmarias e concessões que não tivessem sido demarcadas, nem confirmadas quando estas: “se acharem cultivadas ou com princípio de cultura, e morada habitual (...) embora não tenha sido cumprida qualquer das outras condições, com que foram concedidas” (Art. 4º) (grifos nossos). Desta maneira, regularizaram-se as terras que estavam em poder de sesmeiros sem que estes tivessem cumprido todas as obrigações que a legislação estabelecia anteriormente, mas só a relativa ao cultivo e morada habitual. A exigência da prévia demarcação, que

54 Segundo BORGES (1990:126): “A lei 601, de 1850, foi constantemente invocada em portarias, ordens, avisos e circulares, emitidas pelo Governo Imperial na busca da ocupação brasileira na faixa ocidental”.

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inicialmente era requisito indispensável para a concessão das cartas de sesmaria, deixa de ser feita. 55 Quem tivesse feito alguns roçados, derrubado e queimado a mata e realizado outras benfeitorias, mas não tivesse acompanhado as mesmas com cultura permanente e morada habitual ou não a tivesse medido no prazo estipulado, não teria direito a ver a sesmaria ou posse convalidada ou legitimada (Art. 6º e 8º). Segundo ALVES (1995:71): “A lei contempla inegavelmente a possibilidade de beneficiar o pequeno lavrador. A legitimação de sua posse, contudo, será de difícil acesso. Em última instância, o horizonte da lei visa o benefício dos grandes posseiros”. A utilização do termo legitimação mostra como, talvez implicitamente, se admitia que as mesmas não eram legítimas.

A simples derrubada ou levantamento de rancho, não implicava necessariamente a continuidade e perenidade do serviço não caracterizando, assim, a cultura efetiva exigida e amparada pela lei. 56

Também, as posses constituídas até então e onde o ocupante tivesse cultura e morada habitual mereciam a proteção legal. Tínhamos aqui o reconhecimento do usucapião que era assim regulamentado: era respeitada a posse que, sem ser perturbada, tivesse sido estabelecida cinco anos antes da demarcação, ou dez anos depois da mesma (Art. 8º , § 2º). O trabalho era mais valorizado que o título, que o papel.

A lei (art. 7°) previa que fosse estabelecido um prazo máximo para que os que tinham direito à legitimar sua posse podesse faze-lo, decorrido este prazo este direito seria considerado extinto (cairia em comisso, conforme diz o art. 8°).

55 ASSUNÇÃO, fazendo suas as considerações de Paulo Garcia, acha que a Lei 601 é uma "errata", isto é, veio consertar o que a legislação anterior tinha deixado confuso. De particular interesse é sua posição em relação à necessidade da medição na concessão das sesmarias (1983:108): "De fato para a concessão de uma data de sesmaria, a legislação pertinente exigia o cumprimento de três condições: medição, confirmação e cultura. Destas três condições, a medição era essencial, básica, indispensável. Era ato preliminar e somente depois de efetivada é que poderia apossar-se das terras. (...). Não obstante, a Lei de Terras autorizou, pura e simplesmente, a revalidação das concessões, que não poderiam, legalmente, ter sido autorizadas ou permitidas. Percebia-se, claramente, que a intenção do Governo Imperial não era de retirar a posse de ninguém. Interessava-lhe, sobretudo, legalizar essas posses. Sua preocupação era a de respeitar fielmente a posse daqueles que, sem título dominial legítimo, estivessem realmente empenhados em lavrar a terra (cultura efetiva) e nela residir com sua família (morada habitual)." 56 Comentando este dispositivo SODERO (1978:124) ressalta o valor que a lei dá ao trabalho: “O trabalho é o elemento que deverá caracterizar e fundamentar o direito de propriedade”.

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A partir daquele momento era, porém, proibido se apossar de terras públicas ou alheias. Quem fizesse isso, seria despejado perdendo todas as benfeitorias: “Os que se apossarem de terras devolutas ou alheias, e nelas derribarem (sic) matos, ou lhes puserem fogo, serão obrigados a despejo, com perda de benfeitorias e demais sofrerão a pena de dois a seis meses de prisão e a multa de 100$000 além da satisfação do dano causado” (Art. 2º).

Ocupar terra (públicas ou particulares) sem a licença de seu dono passou a ser considerado um crime. Os juizes municipais, que chegaram a ser chamados de: Conservadores das Terras Devolutas (Art. 87 do Regulamento n.º 1.318, de 30 de janeiro de 1854), eram obrigados a fiscalizar se as autoridades competentes denunciavam e puniam os infratores, e caso comprovassem a omissão das autoridades, deviam denunciá-las aos juizes de direito, para que fossem punidas com despejo, prisão e multa.57 Estes últimos, nas suas correições, deviam fiscalizar a ação dos juizes municipais (Art. 90 do Regulamento). A simples posse era considerada nociva ao interesse público e punida. É importante observar que o artigo 5º § 1º, estabelecia um limite máximo à área que poderia ser legitimada: “contanto que em nenhum caso, a extensão total da posse exceda a de uma sesmaria para cultura ou criação, igual às últimas concedidas na mesma comarca ou na mais vizinha”.

O preço cobrado pelas terras era muito alto, fora do alcance de quem não tinha capitais. A transferência se dava através de Escritura Pública. O Conselho de Estado chegou a afirmar claramente, ainda em 1824:

“Um dos benefícios da providência que a seção tem a honra de propor a Vossa Majestade Imperial é tornar mais custosa a aquisição de mais terras (...). Aumentando-se, assim, o valor das terras e dificultando-se, consequentemente, a sua aquisição é de esperar que o imigrado pobre alugue o seu trabalho, efetivamente por algum tempo, antes de obter meios de se fazer proprietário”. (PANINI, 1990:41).

Diante do elevado preço cobrado pela terra, o dobro daquele cobrado neste mesmo período nos Estados Unidos, 58 não foram feitas transações de

57 Este cargo era de aceitação compulsória, pois caso alguém quisesse esquivar-se sem apresentar motivos justificados, era punido com multa.58 A partir de 1862, através do Homestead Act, o governo dos EUA, para facilitar a expansão da fronteira, começou a doar 160 acres, isto é, 65 ha para os colonos. Outro dado importante da experiência americana é que, desde 1785, foi criado um sistema de levantamentos baseado nos meridianos e paralelos que permitia identificar com bastante precisão a localização dos imóveis que estavam sendo concedidos (Survay System). Nossa legislação, inicialmente calcada naquela em vigor nos EUA, não acompanhou porém seu desenvolvimento.

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vulto até 1858, quando se começou a permitir o pagamento a prazo. Apesar desta concessão, pouca terra foi negociada.59 A faculdade dada ao governo, de decidir quando as terras deveriam ser vendidas através: “de hasta pública, ou fora dela”, conforme determina o Art. 14, ensejava a possibilidade de corrupção.60

Apesar dos Arts. 7º - 8º e 9º, determinarem que deveria ser estabelecido um prazo para medir as terras adquiridas por posse ou por sesmaria, o Decreto n.º 1.318/1854 não fixou este prazo deixando que o mesmo o fosse, pelos Presidentes das Províncias (Art. 32). O não cumprimento desta determinação, possivelmente devido à escassez de agrimensores, fez com que, não se conseguisse chegar a identificar onde se localizavam as terras particulares e àquelas públicas. 61

O artigo 10 determinava a obrigação de separar (extremar) as terras públicas das particulares. Esta medida, que poderia dar à União, o conhecimento das terras ainda disponíveis, facilitando o planejamento das novas concessões e evitando futuros conflitos e podendo ser considerada o embrião do atual processo discriminatório, nunca foi posta em prática. Além das dificuldades objetivas de se discriminarem as terras, é, porém, necessário destacar que o controle político que a oligarquia agrária exercia sobre a administração pública impediu a concretização das exigências legais embutidas na Lei de Terras. Seja as discriminatórias que a fixação de prazos para legitimar as terras iriam coibir novos apossamentos, lesando seus interesses. No caso do Pará, por exemplo, os prazos para se legitimar títulos de posse foram sucessivamente estendidos, chegando-se até o limiar do segundo milênio com a possibilidade de se reconhecer valor, a documentos expedidos em meados do século passado.

A partir da Lei de Terras e da sua regulamentação, temos assim, pelo menos de um ponto de vista teórico, a clara divisão entre as terras que legalmente integram o patrimônio particular (as antigas sesmarias confirmadas e não entradas em comisso, as sesmarias e outras concessões do

59 Segundo GUIMARÃES (1981:134-135) entre 1859 e 1865 foram vendidos só 85.260 ha a um preço muito elevado. 60 GARCIA (1958:67) afirma: “Entendemos que residia aí um dos grandes vícios da Lei 601, já que se facultava ao Governo medidas que facilitariam proteção aos apaniguados. Através desse dispositivo, podia o Governo proteger escandalosamente seus afilhados, vendendo-lhes terras de primeira linha, que encontrariam melhor preço, se levadas à hasta pública”.61 Os encarregados pelas medições, denominados de Juiz Comissário de Medições, não podiam recusar sua nomeação pois, caso contrário, seriam punidos com multa de cem mil réis (Arts. 30 e 31 do Regulamento 1.318/1854).

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Governo Geral ou Provincial revalidadas, e as posses mansas e pacíficas legitimadas conforme previsto por estas leis), as terras públicas e as terras devolutas que também são estatais, podendo ser transferidas para os particulares a determinadas condições e através de atos administrativos. Sem o título, as terras não poderiam ser hipotecadas ou alienadas: “por qualquer modo” (Art. 11).

As terras vendidas deveriam ser antes demarcadas: “Fica o governo autorizado a vender as terras devolutas (...) fazendo previamente medir, dividir, demarcar e descrever a porção das mesmas terras que houver a ser exposta à venda (Art. 14) (grifo nosso). 62

Para facilitar a medição, descrição e divisão das terras foi criada a Repartição Geral das Terras Públicas. O trabalho de medição terminava com a elaboração de um termo de medição ao qual devia se anexar uma planta do imóvel elaborada pelo agrimensor. Estes autos eram remetidos ao juiz Municipal que emitia sua sentença e remetia ex-ofício para o Presidente da Província que expedia em favor do requerente o correspondente "Título de Domínio".

O Art. 19 da lei 601/1850, determinou que os recursos adquiridos com a venda das terras seriam, obrigatoriamente, empregados na medição das terras e na importação de imigrantes. 63 Tínhamos aqui, a retomada do controle das terras por parte do poder público: só o Estado podia conceder as terras vagas. Acabava, assim, a possibilidade do particular se apropriar das terras pela simples posse e trabalho. Os camponeses pobres, que antes da terra virar mercadoria fora de seu alcance, tinham sido impedidos de obter terra pela não concessão das Cartas de Sesmarias e pela violência, agora foram impedidos de ter acesso às terras virgens para obrigá-los, a se

62 O Art. 14 do Regulamento 1.318/1850 determinava a confecção de mapas acompanhados de memoriais descritivos do terreno. Mais uma vez destaca-se a insistência na perfeita identificação dos imóveis.63 Estas exigências baseiam-se no modelo de colonização defendido por WAKEFIELD (apud LIMA, 1.954:81) que afirmava: “Para que estes [os migrantes] não se possam tornar proprietários, demasiado cedo, preciso é, entretanto, que as terras sejam vendidas a preço suficientemente elevado, “at a sufficiently high price”. O produto total das vendas das terras deve ser incorporado a um fundo de imigração, destinado a custear o transporte para as colônias de trabalhadores das metrópoles”. Segundo Marx a proposta de Wakefield teria surgido quando o mesmo percebeu que a possibilidade de ter acesso à terra fez com que os fazendeiros que tinham trazidos colonos ficassem sem: “nenhum empregado para fazer sua cama ou para lhe levar água”. Por isso Wakefield propõe introduzir na Austrália o mesmo monopólio da terra, a servidão e escravidão existentes nas colônias de plantation do Novo Mundo. (Ver FRANK, p. 66).

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empregarem ao serviço do latifúndio e evitar que se tornassem produtores independentes.

O artigo 3º introduzia, por exclusão, a definição de terra devoluta: 64

a) as que não foram incorporadas ao patrimônio público como próprias;

b) as que não se acham a título legítimo em domínio de particulares, não foram havidas por sesmarias ou outras concessões do governo legitimadas por esta lei

c) as que foram concedidas como sesmarias que incorreram em comisso, mas foram revalidadas por esta lei ;

d) as que não forem posses legitimadas por esta lei.

É importante ressaltar, que as sesmarias caídas em comisso e não revalidadas, voltariam a incorporar-se ao patrimônio público.

Para permitir ao poder público saber quanta terra já tinha sido ocupada, o Art. 13 da Lei de Terras, determinava que o: “governo fará organizar por Freguesia, o registro das terras possuídas, sobre as declarações feitas pelos respectivos possuidores”. Por isso o decreto n.º 1318/1854, em seu Art. 97, obrigava os possuidores a qualquer título, a registrar suas terras perante os vigários das paróquias (estes registros passaram a ser vulgarmente conhecidos como Registros Paroquiais ou Registros do Vigário), que deveriam ter um livro de registro por eles aberto, numerado, rubricado e encerrado. 65 Todas as terras deveriam ser registradas, independentemente do tipo de título possuído: seja as propriedades, seja as sesmarias confirmadas, seja as que não o tinham sido, seja as posses, as terras de mineração, as terras comunais, etc. (Art. 91). Os vigários teriam que simplesmente transcrever a declaração (que era cobrada conforme o número de palavras, dois reais por letra, por isso, na maioria dos casos, era bem resumida, quase "telegráfica", e bem confusa, pois omitia detalhes importantes sobre a exata localização do imóvel), sem poder contestá-la ou corrigi-la. 66 Tínhamos,

64 Este conceito vigorou por quase cem anos tendo sido alterado pelo Decreto-Lei n.º 9.760, de 5 de setembro de 1946 que dispõe sobre os bens imóveis da União.65 Podemos afirmar que temos aqui o preanuncio da primeira Lei de Registro de Imóveis que será sancionada em 1864.66 O Art. 102 era categórico neste sentido: “Se os exemplares não contiverem as declarações necessárias, os vigários poderão fazer aos apresentantes as observações convenientes e instruí-los do modo por que devem ser feitas essas declarações, no caso de que lhes pareçam não satisfazer elas ao disposto no Art. 100, ou de conterem erros notórios; se porém as partes insistirem no registro de suas declarações pelo modo por que se acharem feitas, os vigários não poderão recusá-las” (grifos

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assim, registros que na maioria dos casos, eram extremamente vagos, onde sequer estava devidamente provada a posse 67 e que de maneira alguma poderiam ser revalidados como títulos de propriedade, como mais tarde alguém tentou fazer, apesar de estar expresso no Art. 94 do mesmo decreto: “As declarações de que trata esse artigo e o antecedente, não conferem algum direito aos possuidores” (grifos nossos). Esta matéria, não foi tratada de maneira unânime pelos Tribunais que se manifestaram de maneira contrastante prevalecendo, porém, a doutrina que não reconhece os títulos paroquiais como títulos de domínio. 68 Caso tivesse prevalecido a possibilidade contrária, se teria conferido aos particulares o direito deles mesmos, a revelia do Poder Público, criarem seu próprio domínio particular sobre terras que pertenciam ao patrimônio público. 69 Na realidade, o único

nossos).67 MAIA (1973:6) afirma que: “tais registros, logicamente, são documentos que não podem ser alçados à condição de títulos de domínio, constituindo mera declaração de posse, ou melhor, de intenção de possuir certo trato de terra no momento da declaração” (grifos nossos).68 O Tribunal de Goiás decidiu que: “As terras compreendidas no registro paroquial, cuja posse não tenha sido legitimada nos termos do decreto n.º 1.318, de 30/01/1854, ou em posterior usucapidas, continuaram como de propriedade do Estado, tanto quanto de propriedade do Estado, como consideradas devolutas”. (T.J. Goiás, Ap. Civil 5.141). O de São Paulo assim se manifestou: “Registro Paroquial, feito mediante simples declaração do interessado, desacompanhado de prova de domínio, não lhe confere direito algum. Constitui, quando muito, indício de posse, ou, mais precisamente, do ânimo de possuir, porque nem mesmo o fato material da posse - o corpus - tem a virtude de provar” (T.J. São Paulo Apelação 65.338 1954, In Revista dos Tribunais, vol. 255, p. 193-194). O mesmo Tribunal porém declarou: “embora não constitua título de domínio oponível contra particulares, produz efeito contra o Estado, que sucedeu à Nação no domínio das terras devolutas”. (Grifos nossos). A jurisprudência dominante acompanha o decidido pela Suprema Corte: “O Registro Paroquial não constitui título de domínio, como declaram claramente a Lei n° 601, de 18/09/1850 e o Reg. N.° 1.318, de 30/01/1854”. (Supremo Tribunal Federal, Acórdão de 13/04/1934). Estas jurisprudências são citada por MAIA (1973:7). DINIZ (1997:17-18) não reconhece a este registro a possibilidade de conferir o direito de propriedade: “O registro paroquial não operava a transferência da propriedade, nem era forma aquisitiva de propriedade imóvel, por ter objetivo estatístico, procurando fazer tão-somente um levantamento dos possuidores de terras, qualquer que fosse o título de sua propriedade, obrigando-os a fazer o registro dentro do prazo marcado”. (grifos nossos) 69 SANTOS (1986:29-30), depois de afirmar que este decreto, apesar de sua clareza, despertou: “a cupidez dos portadores de vocação para usurpar terras públicas” continuava indagando: “Em que época e baseado em que lei seria

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direito que geraram foi o de ter a preferência na aquisição da área possuída e a possibilidade, através de um procedimento administrativo deferido pelo órgão competente, de legitimar estas áreas. O Registro das Terras Possuídas limitava-se a uma simples descrição estatística, mais de que um verdadeiro cadastro imobiliário nos moldes existente em outros países. 70 Quem não cumprisse este dispositivo estava sujeito não a perda do imóvel, mas a simples pena de multa. De qualquer maneira, o registro requeria dinheiro para ser feito, sendo mais um meio de exclusão da grande massa de pobres.

Os institutos básicos da lei 601/1850: demarcação, registro das terras possuídas, discriminação e arrecadação das terras devolutas que voltariam a incorporar-se ao patrimônio público, fracassaram redondamente. Sem a discriminação das terras devolutas era impossível, de um ponto de vista jurídico, institucionalizar a estrutura agrária. JONES (1997a:143) afirma que:

“As terras devolutas, desconhecidas pelo Estado, mas evidentemente muito bem conhecidas pelas oligarquias locais, continuaram, entretanto, à mercê da ocupação desordenada, mas da legitimação privilegiada. Assim, ao

permitido a um indivíduo constituir para si próprio um domínio sobre imóveis baseado apenas em suas declarações? Para que isso acontecesse no tocante ao registro em questão, também não seria necessário que tal indivíduo tivesse o poder pessoal de revogar a regra geral, vigente à época, de que título legítimo de propriedade é somente aquele que, segundo o direito, era apto para aquisição e a transferência de domínio imobiliário? (ver Art. 25 do Decreto-Lei n.º 1.318/1854)”. 70 Da mesma opinião é MORATO (apud ASSUNÇÃO, 1983:110) que ainda em 01/05/1942, afirmava: “O Estado não discutia: o que estado queria era organizar uma estatística das terras apossadas, era saber que terras não tinham donos nem ocupantes para, em relação a essas, declarar dona a Nação. Isso ele o conseguia por via de exclusão: as terras que não eram do domínio particular por algum título legítimo e as que não eram levadas ao Registro do Vigário, essas tais, como não tinham donos nem pretendentes, se diziam devolutas, e pertencentes à Nação”. O mesmo MORATO e WHITAKER (apud MAIA, 1973:6) são categóricos em afirmar que: “o registro do vigário não confere ius in re, nem direito nenhum”. Sobre o valor do registro paroquial assim se manifestou TEIXEIRA DE FREITAS (apud Assunção, 1983:109-110): "Com esse registro nada se predispõe como pensam alguns para o cadastro da propriedade imóvel, base do regime hipotecário alemão. Teremos uma simples descrição estatística, mas não uma exata conta corrente de toda a propriedade imóvel do país, demonstrando sua legitimidade, e todos seus encargos". Para Miguel Maria SERPA LOPES (apud Assunção, 1983:110): " ... a verdade é que tais registros, de acordo com o art. 94 do Decreto n.º 1.318, de 1854, nenhum direito concediam ao possuidor e tão-somente podiam ser invocados para um efeito discriminativo das terras públicas em face das particulares".

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perpetuarem a desorganização fundiária, fundada na incerteza quanto ao domínio sobre o que seriam terras públicas ou privadas, ficavam, na prática, asseguradas as condições efetivas para a perpetuação do poder oligárquico, sobretudo ao nível local”. 71

Em lugar de obedecer à lei e submeter suas posses à regularização, o latifúndio apostou no caos, na desorganização fundiária para garantir seu poder. 72

As sesmarias para serem consideradas como títulos de domínio deviam ter sido regularizadas, antes de 1850, ou conforme determinava a lei 601/1850. Além das sesmarias confirmadas e as revalidadas são consideradas domínio pleno, também, as sesmarias que, apesar de não terem sido confirmadas, tenham sido mantidas como posse desde antes de 1877, isto é, quarenta anos antes da vigência do Código Civil, pois, em força da súmula 340 do Supremo Tribunal Federal foram adquiridas em virtude da prescrição quarentenária (“prescriptio longissimi temporis”).73 Neste caso, porém, não será a apresentação do Registro do Vigário, a consagrar o reconhecimento jurídico do direito de propriedade, mas a competente sentença judicial.

Já no final do século passado, alguns autores mais esclarecidos apontavam os efeitos perversos da concentração fundiária sobre a estrutura social e política do país. No final do império, o próprio governo chegou a remeter para o Congresso, uma proposta de revisão da Lei de Terras. 74 Hoje,

71 FAORO (apud JONES, 1997a:139) apresenta assim os donos do poder local: “O coronel tem capangas, elementos sem vontade própria, como os têm os subcoronéis (...). Em regra o compadrio une os aderentes ao chefe, enquanto goza da confiança do grupo dirigente estadual e enquanto presta favores, com o domínio do mecanismo policial, muitas vezes do promotor público, não raro na boa vontade do juiz de direito. As autoridades estaduais - inclusive o promotor público e o juiz de direito – são removidos, se em conflito com o coronel. Até a supressão da comarca, seu desmembramento, elevação da entrância são expedientes hábeis para arredar a autoridade incômoda”. 72 O relatório do Ministro da Agricultura, Comércio e Obras Públicas (apud JONES, 1997a:172), em 1886, apresenta a seguinte situação: “ Um grande número de sesmarias e posses permaneciam sem revalidar e sem legitimar, e as terras públicas continuavam a ser invadidas”.73 A Sumula 340 do Supremo Tribunal Federal determina: "Desde a vigência do Código Civil, os bens dominicais, como os demais bens públicos, não podem ser adquiridos por usucapião".74 O próprio imperador Dom Pedro II (apud SODERO, 1978:133) em suas Falas do Trono que abriram a primeira e a segunda Sessão da 20a Legislatura, em 03/05/1886

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a avaliação desta lei e de seus efeitos sobre nossa estrutura agrária, ainda divide as opiniões dos doutrinadores. 75 Alguns sublinham seus defeitos, outros, como Junqueira, a apresentam como uma das leis mais perfeitas que o Brasil já teve. 76 Apesar destas considerações, se de fato o governo quisesse democratizar o acesso a terra poderia legalizar as posses existentes sem cobrar por elas, pois, os potenciais beneficiários (negros, imigrantes), não tinham a menor condição de pagar qualquer valor. 77 A Lei n.º 601/1850, adotando a compra como único meio de acesso à terra, foi um instrumento

e 03/05/1887, chegou a apelar para que se fizesse a revisão da lei 601/1850 afirmando que: ”era necessária a adoção do projeto de reforma da lei de terra, votada pela Câmara dos Deputados e que pendia de decisão do Senado”. 75 "A legislação adotada no país, além de exercer papel preponderante na formação da estrutura (lati)fundiária brasileira, garante, sempre, a preservação das relações sociais estabelecidas" PANINI (1990:43)76 Para JUNQUEIRA (apud SANTOS, 1986:15) “Humana, liberal, conhecedora profunda da realidade brasileira, a Lei n.º 601, de 18 e setembro de 1850, é um formoso código de terras, que tanto mais se admira, mais lhe se aprofunda o espírito superiormente inspirado”. O mesmo autor (apud ASSUNÇÃO, 1983:86-87) salienta que: "Em face de um sistema tão harmonioso, como o da lei 601, este grande legislador de 18/09/1850, acharia impossível que o problema da propriedade territorial pública ainda pudesse ficar sem solução no Brasil. Pois ficou. E por motivos bem claros. A insuficiência de pessoal habilitado, tanto para o desempenho de Juiz Comissário, como para o exercício do emprego de Inspetor de Medição das terras vagas em 1854; a área assombrosamente elevada de posses por levantar e de terras devolutas por medir; a dificuldade de penetração do escasso pessoal burocrata nas zonas invioladas ainda; a nenhuma procura de terras devolutas, gerando-lhe desvalorização; tudo conspirou contra a Lei 601, de mecanismos teoricamente simples, e, portanto, perfeito”. COSTA PORTO (1973:45) comunga do mesmo entusiasmo de Junqueira mas acaba reconhecendo: “reeditando o exemplo da legislação lusitana, também a do Império, longe de solucionar o tumulto, talvez o tivesse agravado, permanecendo a confusão da Colônia, predominando, na prática, o expediente de mera ocupação ao arrepio e em conflito com a lei, sobretudo a medida que, saturando o litoral, se processava, tarda mas continuamente - a “marcha para o oeste”. Já COSTA (1987-88:183) afirma que: “Mesmo não solucionando todos os problemas, a Lei de Terras trouxe transformações no panorama da estrutura fundiária. Ela institucionalizou a pequena propriedade no Brasil. A propriedade da terra perdeu a característica de um privilégio, de um fator de desigualdade social, e passou a ser considerada mercadoria. Contribuiu para a democratização da estrutura social, reconhecendo a figura jurídica da posse e do posseiro admitindo-o num status social”. 77 Da mesma opinião é GUIMARÃES (1981:110-111) que afirma: “as terras virgens de qualquer estado não deveriam ser colocadas à disposição da população

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utilizado para favorecer a transferência e privatização das terras do estado, legitimando os latifúndios existentes, seja os que se tinham constituído através das sesmarias ou das posses. Ao mesmo tempo, os elevados preços cobrados faziam com que o acesso à terra, fosse um privilégio reservado, unicamente a quem dispunha de vultuosos capitais. A própria destinação dos recursos obtidos com a venda das terras, para facilitar a imigração e a colonização, reforçava os latifundiários que tinham a garantia de mão-de-obra barata que iria se colocar ao seu serviço. Esta lei, na medida em que impediu o acesso à terra, à grande maioria da população, favoreceu a concentração da propriedade e fechou a possibilidade de um desenvolvimento mais democrático, fortaleceu a manutenção do status quo. 78

4.3 ESTRUTURA AGRÁRIA NA REPÚBLICA:

Através do decreto n.º 451-B, de 31 de maio de 1890, o Governo Republicano Provisório, para legalizar e sanear as numerosas posses fundadas em títulos de propriedade não perfeitos, introduziu no nosso país, o Registro Torrens que garantia a quem efetivasse esta matrícula, um título que correspondia ao de propriedade, pois: “Ninguém poderá produzir contra ele, contrato ou ato, de data anterior a título, que não tenha sido também registrado” (Art. 40). Este dispositivo isentava o imóvel de qualquer dúvida sobre seu domínio. 79 Era a tentativa de solucionar a desordem fundiária, herdada do império pela via administrativa. Não se tem notícia da eficácia prática da introdução deste registro no nosso ordenamento jurídico, nem do cumprimento do que ele determinava, em seu primeiro artigo: “Todo imóvel, suscetível de hipoteca ou ônus real, pode ser inscrito sob o regime deste decreto. As terras públicas, porém, alienadas depois dele, serão sempre submetidas a esse regime, pena a nulidade da alienação, sendo o preço

pobre, pois assim se tornariam produtores independentes e não haveria mais braços para as lavouras dos latifundiários. A solução, então, consistia em aumentar os preços das terras para que elas não pudessem ser adquiridas com facilidades por esta população pobre”.78 FREIRE (1950:45) apresenta desta forma a vida no final do século passado: “A monocultura latifundiária, mesmo depois de abolida a escravidão, achou jeito de subsistir, em alguns pontos do país, ainda mais absorvente e esterilizante de que no antigo regime; e ainda mais feudal nos abusos, criando um proletariado de condições menos favoráveis de vida que o nosso escravo”.79 O Registro Torrens foi introduzido pela primeira vez na Austrália através da Lei de 27 de janeiro de 1858 e recebeu o nome do seu idealizador: Sir Robert Richard Torrens.

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restituído pelo Governo, com dedução de 25 por cento”. No Pará, possivelmente, não existem mais de cinqüenta Registros Torrens, apesar da Lei Estadual n.º 582, de 21 de junho de 1898: “mandar observar os decretos e regulamentos expedidos pelo Governo Provisório da União sobre o Registro Torrens” (LAMARÃO, 1980:111).

A carta constitucional de 1891 manteve o direito de propriedade absoluto (Art. 72, § 17) e, no seu Art. 64, através da emenda de Júlio de Castilhos, entregou aos Estados, as terras devolutas situadas em seus territórios, deixando para a União só as áreas de fronteira. 80 MENDONÇA (apud LAMARÃO, 1977:1) assim definiu a estadualização das terras: ”[Os Estados] receberam um espólio incerto nos limites e anárquico na titulagem”.

Esta medida pareceu reconhecer o fracasso da administração das terras por parte do poder central. Apesar desta mudança de jurisdição, a legislação em vigor continuou a exigir que a transferência do direito de propriedade do patrimônio público para o particular se desse através do competente iter administrativo.

As oligarquias locais passaram a se apropriar das terras, contando para isso com o aval dos governos estaduais.81 No Brasil inteiro nasceram,

80 O artigo 64 tinha a seguinte redação: “Pertencem aos Estados as minas e terras devolutas situadas nos seus respectivos territórios, cabendo à União somente a porção de território que for indispensável para a defesa das fronteiras, fortificações, construções militares e estradas de ferro federais”. A interpretação deste dispositivo em relação aos terrenos de marinha é, ainda hoje, fonte de discussões entre os jusagraristas paraenses. Alguns justificam as centenas de títulos expedidos pelo governo estadual nas ilhas e nas áreas de várzea entendendo que a Constituição manteve para a União só as terras expressamente elencadas pelo Art. 64, enquanto outros, cuja posição parece-nos mais correta, entendem que os terrenos de marinha continuaram sob jurisdição federal. Neste sentido se expressa BARRUFFINI (1998: 98): "A Constituição Federal de 1891, no tocante as terras de marinha, conservou-as como bens dominicais da União, e transferiu para o domínio dos Estados as terras devolutas situadas em seus respectivos territórios". Entendemos, acompanhando as afirmações de MAIA (2000: 68) e CAZETTA (no prelo: 2), que a questão já foi resolvida pelo Supremo Tribunal Federal quando, em 31 de janeiro de 1905, na Ação Originária n.º 8 cujos autores foram os Estados da Bahia e do Espírito Santo e Ré a União, a Suprema corte decidiu que: "Terra de marinha não é próprio nacional e não se inclui entre as terras devolutas. Terra de marinha é bem nacional" (grifos nossos).81 FOWERAKER (apud JONES, 1997a:162-163) escreveu que: “ Com o final do império, pela Constituição de 1891, a propriedade legal e o controle das terras devolutas passaram aos estados e, daí, para as oligarquias locais e proprietários de

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porém, numerosos movimentos populares, com forte conotação messiânica, que se contrapuseram a esta política. Verdadeiras guerras foram travadas tendo, entre suas motivações, o desejo de garantir a terra aos camponeses. A luta pela terra foi tratada como um caso de polícia, de fanatismo religioso ou simples bandidismo social onde os opositores do latifúndio eram considerados, como inimigos internos da pátria e da ordem constituída. 82

Apesar da resistência dos camponeses, em vários lugares do Brasil, a situação da terra no final do século XIX foi bem retratada numa carta que

terras”.82 A instalação da República não conseguiu introduzir uma significativa alteração na vida social brasileira. A maioria da população continuou vivendo numa situação de miséria. A fome, a seca e as injustiças dos coronéis-fazendeiros produziram, sobretudo no nordeste brasileiro, um clima favorável a eclosão de varias revoltas populares. O messianismo, presente nestes movimentos camponeses, tinha como componentes básicos a religiosidade e a revolta contra a miséria e a opressão. Em Canudos (Bahia: 1893-1897), por exemplo, 30 mil camponeses (os seguidores de Antônio Vicente Mendes Maciel, conhecido como Antônio Conselheiro, eram sem terra, ex-escravos e pequenos proprietários pobres) conseguiram manter a propriedade coletiva das terras e a produção comunitária (a comunidade tinha rígidas normas internas que proibiam a prostituição, a venda de bebidas alcoólicas e regulamentavam a divisão das colheitas e dos rebanhos); em Caldeirão (Ceará: 1936-1938), 300 seguidores do beato José Lourenço, inspirado no Padre Cícero Romão Batista, deram vida a uma comunidade onde todos tinham tudo em comum. Também o Cangaço (todo o nordeste brasileiro: 1870-1940), é apresentado como um sinal de revolta contra a apropriação das terras por parte dos latifundiários e contra os abusos cometidos por eles e pela polícia que estava ao seu serviço. Em Contestado (limites entre Santa Catarina e Paraná: 1912-1916) milhares de camponeses liderados por José Maria (Miguel Lucena Boaventura), defenderam suas terras contra os ingleses da Southern Brazil Lumber and Colonization Company. Era a luta de quem protegia sua terra e suas fontes de produção (os ricos hervais da região) contra os estrangeiros que, gozando dos benefício concedidos pelo governo, tentavam se apropriar destas mesmas terras para fins especulativos. O governo brasileiro, já naquele tempo, mostrava-se mais propício em defender os interesses de uma multinacional que “iria trazer o progresso” que os interesses de seus próprios cidadões. O massacre - cronistas falam de mais de três mil camponeses assassinados pela polícia militar- foi executado utilizando-se até aviões. Um bilhete encontrado no bolso de um morto bem relata esta situação (apud ALVES, 1995:95): “Governo da República toca os filhos brasileiros dos terrenos que pertencem à nação e vende para estrangeiros. Nós agora estamos dispostos a fazer prevalecer os nossos direitos”. O mesmo autor conclui a análise destes movimentos de revolta popular afirmando: “Não foi a monarquia que os militares combateram em Canudos e Contestado. Foi a ameaça ao latifúndio, a insurreição dos pobres do campo” (grifos

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André REBOUÇAS (apud SODERO, 1978: 139) escreveu em 12 de março de 1897 para Nabuco: “A nossa propriedade territorial está tão concentrada, tão mal dividida, tão mal distribuída que, neste vasto império, afora os sertões e os lugares incomunicáveis, não há terra para ser cultivada pelos brasileiros e estrangeiros”.

COSTA PORTO (1965:186-187) assim resume o resultado destes quatro séculos:

“Tudo quanto o sistema sesmarial podia produzir de nefasto, prejudicial e desastroso estava consumado, restando, quando muito, evitar os males quanto ao futuro, enquanto, de respeito ao que distribuíra - praticamente todo o litoral, - não havia mais remédio, herdando o Brasil republicano todos os vícios da Colônia e do Império, indiferentes os governos diante do problema fundiário brasileiro, grave, agudo, melindroso e cujos efeitos danosos já agora constituem um dos ângulos fundamentais da vida nacional em nossos dias, e cuja manifestação tem sido o drama do latifúndio e o tormentoso acesso à terra”.

Em 1920 cerca de 29 milhões de brasileiros, isto é, cerca de 90% de toda a população de um país ainda essencialmente agrícola, não possui a terra (ALVES, 1995:87).

A avaliação do desempenho dos estados na administração das terras que receberam não foi dos melhores. Segundo ZANATTA (apud JONES, 1997a:190):

“A experiência no trato das terras públicas tem demonstrado que uma significativa parte dos Estados, não soube dar a devida destinação às terras devolutas incorporadas ao seu patrimônio. Alguns conduziram-nas com próprios federais, com próprios estaduais e até com terrenos de marinha. Outros titularam a mesma área mais de uma vez, havendo também diversos casos de alienação por um Estado de terras devolutas pertencentes a outro (...). Mudou também de modo substancial, a sistemática de alienações de terras públicas: o que antes era para ser regularizado em função de morada habitual e exploração efetiva, deu lugar aos processos de aquisição de terras mediante requerimento”.

nossos). ALVES (1995:97). Euclides da CUNHA (s/d:351) mostra como esta experiência foi destruída: "Canudos não se rendeu. Exemplo único em toda a história, resistiu até ao esgotamento completo. Expugnado palmo a palmo, na precisão integral do termo, caiu no dia 5, ao entardecer, quando caíram os seus últimos defensores, que todos morreram. Eram quatro apenas: um velho, dois homens feitos e uma criança, na frente dos quais rugiam raivosamente cinco mil soldados".

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5 - A OCUPAÇÃO DO PARÁ NOS SÉCULOS XIX E XX E A

LEGISLAÇÃO AGRÁRIA ESTADUAL

Segundo Tavares Bastos, a população do Pará em meados do século passado era a seguinte:

TABELA 4: POPULAÇÃO DO PARÁ (1854-1862)

ANO POPULAÇÃO LIVRE

POPULAÇÃO ESCRAVA

TOTAL

1854 167.909 30.847 198.7561862 185.300 30.623 215.923

Fonte: TAVARES BASTOS (1937:198)

Como se pode ver teria 1 escravo cada 5 homens livres. Como, porém no vizinho Alto Amazonas a proporção era de 1 escravo para cada 45 homens livres, e, apesar de que as duas regiões apresentavam uma densidade populacional sem dúvida bem diferente, se pode, porém, desconfiar do número relativo ao Pará, pois o escravo era: uma raridade. Era difícil conservar a propriedade sobre um homem nas vizinhanças de florestas vastíssimas que permitiam a fuga para as nações vizinhas, onde o regime de escravidão já tinha sido abolido. Ainda mais que era difícil utilizar escravos na procura das drogas do sertão; sua ocupação era assim nos engenhos de cana de açúcar e a produção de alimentos.

Trazer braços para a província continuava a ser o grande problema. 83 A lei provincial n.º 13, de 12 de maio de 1838, que autorizava o governo a conceder o privilégio exclusivo da navegação na Bacia Amazônica, previa, no seu artigo 19, condições para estabelecer colonos na região. Para suprir a esta eterna necessidade, foram também incentivadas imigrações de colonos estrangeiros. Em dezembro de 1853, através da Resolução n.º 226, estimulou-se a colonização agrícola dirigida por particulares e empresas privadas. 84 Em 1885, foi criada a Sociedade Paraense de Imigração e, um ano depois, era promulgada uma lei que autorizava o governo a promover a

83 Segundo MUNIZ (1918:18) em 1820 a população do Estado do Pará era de 68.500 habitantes. Em 1860 Belém teria 30.000 habitantes, Breves 380, Gurupá, 50, Santarém 7.568, dos quais 24 escravos. No mocambo de Trombetas estariam presentes 2.000 pessoas.84 Em 1867 estabeleceram-se perto de Santarém 112 colonos norte-americanos, em 1871, também em Santarém, 18 famílias ingleses criaram uma colônia, em 1875 estabeleceram-se na colônia Santa Isabel de Benevides 87 famílias francesas, e, em, 1886, chegaram famílias açorianas.

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vinda de dez mil migrantes. Estas tentativas não tiveram, porém sucesso.85

Foram, sobretudo os nordestinos, que fugiam como flagelados e retirantes da seca, que adentraram-se mata adentro para explorar a borracha. 86 Entre 1855 e 1889, entraram no Grão Pará 18.173 migrantes, 17.166 dos quais cearenses. 87

Se até 1850 a exploração da borracha se dava prevalentemente nas áreas vizinhas a Belém e na Ilha do Marajó, a partir das últimas décadas do século passado se ampliaram os horizontes com a procura de novos seringais

85 MUNIZ (1918:36) afirma: “A ausência de um serviço bem organizado, com propaganda no estrangeiro, facilidades de passagens e fundos competentes para dar ao imigrante os primeiros auxílios, não só de manutenção como de encaminhamento de trabalhos, em um país em que os processos de agricultura não são compatíveis com os de países adiantados, contribuiu para a nulidade dos esforços feitos”. 86 A descoberta do processo de vulcanização por Good Year (1839) permitiu o nascimento de uma nova indústria que tinha como base a utilização da borracha fazendo com que se ampliasse enormemente sua procura. A necessidade do mercado mundial deu um impulso novo ao processo de ocupação da Amazônia brasileira expandindo seus limites geográficos (anexação do Acre) e aumentando consideravelmente o fluxo de migrantes. O contingente demográfico da Amazônia, que em 1820 tinha sido estimado em 137 mil habitantes, passou a 323 mil em 1870, 695 mil em 1900 chegando a alcançar 1.217.000 pessoas em 1910, no apogeu da extração da borracha. No Pará também registramos a mesma situação: em 1872 tinha 275.237 habitantes, em 1890 eram 328.455, em 1900 passaram para 445.356 e em 1920 pularam para 983.507. Estes números bem refletem como o desenvolvimento regional era subordinado aos interesses econômicos internacionais. Na realidade todo este aumento demográfico e territorial era estritamente controlado e subordinado ao avanço do capitalismo monopolista internacional. Não só o mercado era monopolizado, mas o próprio fluxo de migrantes se dava em navios de propriedade das companhias de navegação estrangeiras que, a partir de 1866 obtiveram a licença de navegar nos rios da Amazônia. O próprio “aviamento” era financiado por capitais estrangeiros. (Ver OLIVEIRA, 1983:223). Só nas décadas de 1960 e 1970, quando a Amazônia passou a representar a fronteira nacional, tivemos surtos migratórios desta magnitude passando de 2.601.519 habitantes em 1960 para 3.603.860, para 3.603.860 em 1970 e 5.866.673 em 1980. Tivemos assim, depois da estagnação dos anos 20-40 um aumento considerável de 125,5% entre 1960 e 1980 (a população de Rondônia, neste período cresceu 596,1%). O Pará passou de 1.550.350 habitantes em 1960, para 2.167.018 em 1970 e para 3.411.235 em 1980 com um aumento de 119%. Todos os números relativos à população da Amazônia e do Pará citados nesta nota tem como fonte os Anuários Estatísticos da FIBGE, In BENCHIMOL (1981:8).87 Em 1877, por exemplo, 860 migrantes cearenses estabeleceram-se na Colônia de Benevides. Em 1880 esta colônia já contava com 7.000 habitantes morando alguns

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e cauchais, sobretudo, devido às técnicas primitivas de extração. 88 A extração da borracha se de um lado proporcionou a prosperidade, o enriquecimento e opulência para um pequeno e seleto grupo de comerciantes que aviavam os seringueiros, 89 tanto que nunca antes se tinham visto tantas moedas de ouro em circulação, do outro provocou a crise da agricultura, pois todos os braços disponíveis estavam empregados neste empreendimento fazendo com que o Pará tivesse que começar a importar produtos alimentares que antes exportava. Nos seringais estabeleceram-se relações jurídicas, baseadas no Regulamento dos Seringais, uma verdadeira legislação não governamental que regulamentava as relações entre seringalistas e seringueiros obrigando, estes últimos a pagar suas dívidas aos primeiros. 90 A

no núcleo urbano e outros nos 672 lotes de terras demarcados pelo governo provincial, que, em 1881, estendeu até lá uma linha férrea com 30 km de extensão. Os lotes mediam, em média, 330 m. de frente por 660 de fundos, In MUNIZ (1918:42, 52 e 62). 88 OLIVEIRA (1983:224) afirma: “As estradas de seringueiras não possuíam uma disposição simétrica e as técnicas inicias de obtenção da goma pelo abate da árvore ou pelo arrocho em que a planta sofria golpes de cima abaixo e depois era amarrada fortemente com cipó, empobreciam um seringal e faziam, também, com que essas frentes se movessem cada vez mais. Onde encontrassem índios, suas aldeias eram assaltadas e sua população arregimentada para o trabalho de busca”. A borracha é extraída das serigeiras (‘hevea brasiliensis’) e do caucho (‘castilloa elastica’).89 Segundo ARAÚJO (1992:42) no seu período áureo, a borracha chegou a representar um sexto da renda nacional. 90 OLIVEIRA (1983:236) afirma que os seringalistas chegaram a pressionar o poder público para dar força de lei a este regulamento. Este sistema criou uma sociedade pouco estratificada: ao lado da imensa maioria que vivia numa situação de pobreza, existiam pouquíssimos ricos. Estes últimos eram grandes comerciantes que concentravam em suas mãos praticamente toda a renda produzida na região e controlavam os diferentes governos que se sucederam ao longo do tempo. Como a fonte da renda não vinha do controle sobre a produção, mas da comercialização dos bens produzidos, a burguesia local nunca se preocupou de investir na melhoria e desenvolvimento dos processos produtivos que continuaram praticamente inalterados ao longo do tempo. Segundo LOUREIRO (1992:41): "Obtendo lucro na esfera da comercialização, o capital comercial não se interessava em modernizar e inovar os processos de produção das atividades econômicas da área (como o faz a indústria). Seu lucro estava garantido pela comercialização de um produto que os outros fizeram, não interessava como. Este é ainda hoje o mecanismo de sustentação e controle da produção de castanha, borracha e outros produtos da região". Uma avaliação mais apurada deste sistema mostra suas mazelas sociais: "O sistema extrativo produziu uma estrutura social fundada na super-exploração dos trabalhadores diretos, na pequena diversificação da estrutura produtiva urbana e

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relação de exploração não se dava tanto em relação á posse da terra, mas sim através da apropriação do trabalho humano pelo sistema de aviamento. O historiador Carlos ROCQUE (apud LOUREIRO, 1992:33) assim define esta prática: "ato de aviar, diz do fornecimento de mercadorias a colonos, juteiros, seringueiros, balateiros etc. Venda a prazo para ser paga na safra".

Era o capital usurário comercial que determinava as regras da coexistência entre as diferentes classes sociais. A exploração da borracha marcou uma nova etapa de disputa entre os civilizados e os povos indígenas que voltaram a ter suas terras e suas vidas ameaçadas. Além disso, proporcionou a concentração da propriedade conforme relatava já em 1854, Sebastião do Rego Barros, presidente da província. 91

A situação dos povos indígenas se agravou a partir de 1861, quando a política indigenista deixou de ser executada pelo Ministério do Império e passou a ser de competência da “Repartição Geral das Terras Públicas”, órgão subordinado ao Ministério da Agricultura. Esta mudança foi prejudicial aos índios, pois seus interesses eram, diametralmente, opostos aos do ministério, que cuidava da política de terras e as terras em disputa na Amazônia eram, na grande maioria dos casos, terras indígenas.

Com a crise e o declínio da produção da borracha, a região, a partir de 1920, entrou num período de estagnação econômica e decréscimo

rural e portava os traços fundamentais de um sistema social altamente concentrador e conservador. Assim se formou uma sociedade na Amazônia com milhares de pobres, alguns poucos remediados e uma minoria rica". LOUREIRO (1992:35-36). 91 “O emprego quase exclusivo dos braços na extração e fabrico da borracha, a ponto de nos ser preciso actualmente receber de outras Províncias géneros de primeira necessidade, e dantes produzia-mos até para fornecer-lhes. Isto é certamente um mal; tanto mais porque os lucros avultadíssimos desta indústria, que absorve e aniquila todas as outras, longe de tenderem à criação da pequena propriedade, com a sua permanência e as suas vantagens, e a divisão da riqueza, se dão em último resultado acumularem esta em poucas mãos, e pela maior parte estrangeiras, acarretando a miséria à grande massa daqueles que atrás dela abandonaram seus lares ...” (grifos nossos). In BARATA (1915:320). O mesmo autor lamenta que ao redor das colocações onde viviam os seringueiros não se plantava nada, nem um pé de bananeira, tudo o que se comia era comprado no barracão. No meio da selva até as caixas de madeira para exportar a borracha eram importada do exterior. Os muitos alertas contra o perigo de se deixar enganar pelo brilho do lucro fácil produzido pela borracha deixando de lado a produção de outros bens, ficaram sem efeito.

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populacional. 92 Os antigos seringueiros se transformaram em camponeses.93

Logo em seguida, porém, nasceu um novo ciclo: o da castanha que em poucos anos ganhou destaque na pauta de exportações do estado. 94 A exploração dos trabalhadores continuou porém sempre grande. 95 Os castanhais, inicialmente livres, a partir de 1925 foram sendo arrendados, por safra anual, pelo governo estadual a políticos pertencentes ao partido dominante. Também os assim chamados castanhais do povo por ficarem a disposição de todos passaram a serem controlados. 96 Mais uma vez, o que

92 Segundo BENCHIMOL (1981:3) entre as décadas de 1920 e 1940 o Pará perdeu 38.863 habitantes. 93 COSTA (2000:28) mostra como: “Ao desmoronar, os seringais, fornecem os elementos para um vertiginoso crescimento do campesinato extrativista no Acre e no sudeste do Pará e para a formação de fortes estruturas camponesas agrícolas na região bragantina e no Médio Amazonas, ambos no Estado do Pará”. O mesmo autor (p.32-33) mostra como depois de 1910 assiste-se a uma redução absoluta do extraivismo na economia paraense (apesar da borracha continuar durante muitos anos a ser o principal produto de exportação) e ao aumento significativo da agricultura (que passa de 4,4% para 25,3% da Renda Interna Regional) e da produção animal (de 5% para 28,4%).94 A Castanha do Pará (Bertholletia excelsa) foi descoberta em 1669 pelos jesuítas Gonçalo Pres e Manoel Brandão. Estende-se nas margens do Rio Tocantins entre Baião e São João do Araguaia. No começo do século, depois do colapso da economia gomífera, a coleta da castanha, passou a utilizar a estrutura montada para a extração do látex para diminuir os efeitos da crise econômica então e curso. Esta nova fase do extrativismo vegetal prosperou sobretudo na região de Marabá (onde localizavam-se os castanhais mais densos: Araras, Caetetus, Cigana, Cuxiu e Antas) que se transformou na segunda maior cidade do estado. Se em 1919 se exportaram pouco mais de 5 mil hectolitros, em 1926 se exportaram 120.417 hectolitros.95 PATERNOSTRO (1945:83) afirma: “os arrendatários dos castanhais alugam os sertanejos para apanharem as castanhas. Em todo o vale do Tocantins usa-se o verbo ‘alugar’ em vez de ‘empregar’. Exprime com nitidez a situação em que se encontram os sertanejos, da classe dos parias da nossa civilização. Há mais de cem anos que trabalham numa pátria que não reconhece seus direitos, invalidam-se, morrem no serviço sem a menor assistência. Constituem um exército de doentes sociais”. (grifos do autor) 96 O que aconteceu com os castanhais do sul do Pará, no começo do século XX, já tinha acontecido no século anterior nos outros países da América Latina. Com o advento ao poder dos liberais, os governos republicanos negaram-se a reconhecer as terras comunais, que até então eram a base da economia indígena, e, em nome da liberdade, impuseram a todos o sistema privado de propriedade. Através de várias leis a propriedade coletiva foi repassada ao patrimônio público para depois ser vendida para fazendeiros e companhias privadas. Assim aconteceu no México

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interessava não era a terra em si, mas o que ela produzia. Esta primazia da produção, muitas vezes até em detrimento da especificação das medidas de superfície da terra, pode ser comprovada em vários registros de terras. 97

5.1 A LEGISLAÇÃO FUNDIÁRIA PARAENSE NO FINAL DO SÉCULO XIX E COMEÇO DO SÉCULO XX

O Estado do Pará, através do Decreto n.º 364 de 2 de julho de 1891, assinado pelo Governador Lauro Sodré, criou a Repartição de Obras

(1856), El Salvador (1882) e Bolívia (1868). Neste último país a metade das fazendas desapropriadas pela reforma agrária realizada em 1953 tinham-se constituído depois de 1880. (Ver MAY, 1988:16-18). Segundo EMMI (1999:15) até que os castanhais mantiveram-se públicos: "os trabalhadores da castanha puderam manter uma certa autonomia em relação ao capital comercial, aproveitando-se inclusive da concorrência entre os capitais particulares. A apropriação dos castanhais pelos comerciantes constituiu-se, portanto, numa forma de dominação dos trabalhadores". Isso só foi possível graças a cooptação do poder político por parte das famílias oligárquicas que conseguiram colocar o Estado ao seu serviço.97 MENDONÇA (1982:35) afirma: “Houve tempo a referência nem sequer se fazia à superfície, mas sim à produção: - uma sorte de terras com 100 “estradas de borracha”, um castanhal produzindo 3.000 hectolitros, um lote com 1.000 pés de cacau. O fato é que a terra, em si mesma, valia pouco. Continuava tão abundante e pouco disputada como ao tempo da concessão gratuita de enormes sesmarias. Ninguém preocupava-se em localizá-la e limitá-la. O que importava eram os produtos e como estes provinham do extrativismo, para alcançar os quantitativos indicados nos títulos eram geralmente abrangidas áreas imensas, cujo valor de certa forma até diminuía na medida em que aumentava a extensão, dado que esta dificultava a coleta difusa dos recursos florestais”. Também FERNANDES (1999:28) reconhece que: "O valor do seringal não reside nas terras que possui, mas na sua capacidade de produção de borracha". O Cartório de Registro de Imóveis da comarca de Breves registrou os seguintes assentos: “Livro n0 2-F, Folha n0 199, Matrícula n0 1.644: “Imóvel: Uma posse de terra denominada “SANTA LUZIA”, situada à margem direita do Rio Laguna, contendo seis estradas de seringueiras, madeiras diversas e com barracas de moradia para seringueiros”. No Livro n0 2-J, Folha n.º 155, consta a Matrícula 2.726: “Gleba denominada NOVO PORTO, situada à margem direita do Rio Pacajá, município de Portel, contendo duas estradas de seringueiras e uma casa assobradada”. Não é assim por acaso que uma das maiores grilagens de terras públicas denunciado pelo ITERPA se deu a partir de contratos de arrendamento que concediam a exploração de seringa e/ou castanha. Ver a petição inicial da Ação de Nulidade e Cancelamento da Matrícula, Transcrições e Averbações no Registro de Imóveis da gleba Curuá, com cerca de 4,7 milhões de ha, em nome da empresa Indústria, Comércio, Exportação e Navegação do Xingu Ltda. - INCENXIL, ajuizada pelo ITERPA, em tramitação no Tribunal de

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Públicas, Terras e Colonização cuja Diretoria tinha competência de: ”dar parecer sobre todos os requerimentos, processos e quaisquer atos concernentes às questões de terras que tenham de ser resolvidas administrativamente” (Art. 1º). 98 Os recursos contra as decisões adotadas pelo Diretor de Obras Públicas, não seriam mais interpostos perante o governo Imperial (como determinava o Art. 52 do decreto 1.318/1852), mas perante o governador (Art. 3º do decreto 364/1891). Desta maneira, se confirmava a responsabilidade do Estado pela administração das terras

Justiça do Estado, p. 1 e 5.98 Todas as citações da legislação agrária do Estado do Pará, a não ser que seja expressamente citada outra fonte, serão feitas da coletânea de LAMARÃO (1977). Ao longo de sua história fundiária o Estado do Pará teve os seguintes órgãos responsáveis pela administração de seu patrimônio: Diretoria da Repartição de Obras Públicas (Decreto 364/1891); Secretaria de Obras Públicas, Terras e Viação à qual estava subordinada a Repartição de Obras Públicas, Terras e Colonização (Decreto n.º 410/1891). Em 1900 a Repartição foi transformada em Inspetoria de Terras e Colonização (Decreto n.º 886/1900); em 1917 passou a ser Repartição de Obras Públicas, Terras e Viação (Lei n.º 1.630/1917); em 1918 Diretoria de Obras Públicas Terras e Viação (Lei n.º 1743/1918). Em 1931 foram criadas a Inspetoria de Minas e Castanhais que cuidava dos minérios e do extrativismo (Decreto n.º 416/31) e a Diretoria da Agricultura, Indústria e Comércio (Decreto n.º 412/31) com a competência de administrar as colônias agrícolas. Em 1933, através do Decreto n.º 1044/33, a responsabilidade de executar a política fundiária estadual foi confiada a três órgãos: Diretoria de Obras Públicas Terras e Viação (com a competência de administrar as questões fundiárias), Inspetoria de Minas e Castanhais (jazidas minerais e castanhais) e Diretoria da Agricultura, Indústria e Comércio (colônias). Em 1940 a Inspetoria de Minas e Castanhais foi extinta sendo substituída pelo Serviço de Cadastro Rural (Decreto n.º 3.594/40). A partir de 1945 as colônias foram colocadas sob a jurisdição do Departamento de Agricultura, subordinado ao Serviço de Colonização e Reflorestamento (Decreto n.º 229/45). Em 1954 foi restabelecida a Secretaria de Obras, Terras e Viação (Lei n.º 762/54). Em 1956 as colônias passaram a serem administradas pelo Departamento de Colonização, subordinado à Secretaria de Produção (Lei n.º 1.251/56) continuando porém a Secretaria de Obras, Terras e Viação a ter a competência de dar o despacho final nos processos (Art. 15 da mesma lei). A alienação de terras passou em seguida a ser de responsabilidade da Secretaria de Obras, Terras e Águas, que mais tarde será denominada Secretaria de Obras e Terras (SEOTE- Lei n.º 3.610/65) que foi extinta em 1966. Naquele ano foi criado o Departamento de Terras e Cadastro Patrimonial incorporando-o à Secretaria de Estado de Agricultura (SAGRI - Lei n.º 3.747/66) que, posteriormente, criou o Departamento de Terras, Colonização e Cooperativismo (Decreto-Lei n.º 150/1969). A Lei n.º 4.584 de 8 de outubro de 1975 criou enfim o INSTITUTO DE TERRAS DO PARÁ (ITERPA), órgão atualmente responsável

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públicas. Para evitar eventuais problemas com as medições de terras, o mesmo governador sancionou o decreto n.º 396, de 5 de agosto de 1891, suspendendo este serviço até a publicação de uma lei estadual que regulamentasse a matéria.

Assumindo a jurisdição sobre suas terras, o Governo do Estado encontrou em seu arquivo, 78 volumes manuscritos, contendo 22.415 registros paroquiais que tinham vindo das 65 freguesias, espalhadas nos diversos cantos do estado, 100 processos de medição e demarcação referentes a sesmarias (anteriores a 1850), 639 processos de medição e demarcação de posses do antigo Juiz Comissário, 754 processos de medição e demarcação de terras sujeitas a legitimação e 247 processos de terras devolutas, perfazendo um total de 24.155 registros. 99 Constavam nesta lista as freguesias de Mazagão (90 Registros) e Macapá (256 Registros), que nesta época pertenciam ao Pará e hoje estão incorporados ao Estado do Amapá, 100 por isso o total dos registros paroquiais incidentes sobre as terras que hoje pertencem ao Estado do Pará era de 22.069.

PINTO (1986a:2) afirma que:

"Em 1891, a titulação legal abrangia 13% dos 1.150.000 Km2 do Pará, passando para 30% em 1908 e 35% em 1912 (ou 400.000 Km2), segundo dados apurados por Palma Muniz durante o período de mais intensa titulação. Mas em grande parte dessa área a titulação ainda era precária e ocorrera mais uma manipulação cartorial do que uma ocupação física. Mesmo esta se restringia a uma extração e coleta dos recursos oferecidos pela floresta. Sendo um mundo

para: “gerir, administrar, alienar e preservar o patrimônio do Estado”, como ensina LAMARÃO (1980:12). O grande número de órgãos criados em menos de cem anos foi, sem dúvida, um obstáculo para permitir um planejamento mais adequado da política fundiária paraense.99 Estes dados foram coletados por MUNIZ (1907: V-VII) que afirmava também que os livros paroquiais na realidade eram 79 mas o Livro I da Freguesia de Alenquer, contendo 538 registros, foi extraviado. O engenheiro João de Palma Muniz foi um profundo conhecedor desta matéria por ter sido, no começo de nosso século, Secretário de Obras Públicas, Terras e Viação e organizador do acervo dos diferentes registros paroquiais e intendenciais. Os totais fornecidos por Muniz porém não correspondem aos totais aos quais se chegam computando os números por ele oferecidos na tabela por ele mesmo elaborada. Muniz afirma existirem não 22.415 registros, mas sim 22.611. 100 O Território Federal do Amapá foi constituído através do Decreto-Lei n.º 5.812 de 13 de setembro de 1943 assinado pelo então Presidente da República Getúlio Vargas. A Constituição Federal de 1988, no Art. 14 das Disposições Constitucionais Transitórias, o transformou em Estado.

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fechado que o extrativismo comandava, as árvores (que ofereciam látex, castanha, ouriço, amêndoas, cachos e óleos) e não propriamente o solo no qual estavam fincadas". 101

O Decreto 410, de 08 de outubro de 1891, que: “regula a alienação das terras devolutas situadas nos limites do Estado do Pará, e dá regras para a revalidação de sesmarias e outras concessões do Governo e para a legitimação das posses mansas e pacíficas”, adotou a mesma sistemática da lei de terras nacional. 102 Comentando este decreto assim se expressava MIRA (1981:72): “É de bom alvitre esclarecer que esse regulamento foi primoroso, e, como até hodiernamente qualquer mandamento fundiário pouco foi colocado em prática”.

Uma das preocupações do legislador foi: “dificultar a constituição das grandes propriedades e facilitar ao invés a democratização do solo, isto é, o seu retalhamento em pequenas posses” (Introdução do decreto). Para por em prática esta preocupação foi estabelecido o tamanho máximo das posses havidas como ocupação primária: “em terra de lavoura, 1.089 ha; em campos de criação, 4.356 ha, e em seringais 545 hectares”. (Art. 8º, § 2º). 103 Desde o começo, o Estado preocupava-se em garantir a terra para a agricultura familiar e evitar a concentração da propriedade. Apesar desta consideração é necessário observar que também no Pará: "Os legisladores fazem vista grossa para os territórios etnicamente configurados e tratam como devolutas e desocupadas as terras objeto da expansão colonial" (ALMEIDA, 1998). As

101 O conselheiro PAES DE ANDRADE (apud ATHIAS, s/d:44) quarenta anos depois da edição da Lei n.º 601/1850 afirmava que a área legalizada não chegava a um quarto dos imóveis ocupados. Entre as dificuldades ele destacava: a ignorância dos trabalhadores, o elevado preço das demarcações e o descaso do poder público. Estas dificuldades faziam com que os trabalhadores preferissem manter a precariedade e instabilidade de suas posses em lugar de legitimá-las. O mesmo acontecia com os beneficiados com a concessão de sesmarias que não tinham sido medidas e confirmadas. 102 SILVA e CARVALHO (86:46) avaliam desta maneira este decreto: “Inspirado na Lei de Terras vigente no Brasil desde 1850, que transformou definitivamente a terra em mercadoria, aquele dispositivo legal normatizava a alienação das áreas devolutas e revalidava as sesmarias em território paraense”.103 Neste mesma época o Estado do Rio Grande do Sul adotou limites ainda mais restritos para a concessão de suas terras para favorecer uma colonização que tivesse como base a pequena propriedade: a Lei n.º 28, de 05/10/1899 estabeleceu a concessão de áreas de, no mínimo 25 ha, e 50 hectares no máximo.

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terras já ocupadas pelos índios, ribeirinhos ou por comunidades quilombolas, são consideradas como disponíveis. 104

O decreto 410/1891 determinava que seriam revalidadas as sesmarias e outras concessões que, apesar de não terem sido demarcadas como determinava a legislação anterior, se achassem cultivadas em pelo menos um terço de sua extensão, e se o sesmeiro ou concessionário, ou seus legítimos sucessores, morassem nelas (Art. 3º, § 1º). As posses mansas e pacíficas com cultura efetiva e morada habitual, havidas por ocupação primária e que estivessem registradas segundo o disposto pelo decreto 1.318/1854 (registros paroquiais), as posses sobre as quais tivessem sido cobrados os respectivos impostos, aquelas havidas em hasta pública, partilha ou sentença judicial, as que tivessem sido estabelecidas, sem protesto e oposição, antes de 15/11/1889 e mantidas ininterruptamente desde então, seriam legitimadas (Art. 5º e seus parágrafos). As sesmarias ou outras concessões que não puderam ser revalidadas foram consideradas como simples posse para serem legitimadas, desde que o sesmeiro ou concessionário tivesse princípios de culturas e moradia. Quem ocupasse terras devolutas, depois deste prazo, teria que ser despejado, com perda das benfeitorias, sendo impostas as penas de desobediência ou resistência se: “o invasor continuar na posse” (Art. 10 e 11). Desta maneira, procurava-se manter o status quo e garantir ao Estado a possibilidade de planejar livremente sua política fundiária. Para que fosse feita a revalidação ou a legitimação, era necessário demarcar as terras no prazo a ser estabelecido no regulamento (Art. 7º). O Regulamento, publicado em 28 de outubro de 1891, estabeleceu cinco anos como prazo para a medição das terras sujeitas a revalidação e legitimação (Art. 42), prorrogável por mais um ano nos municípios, onde não tivessem sido terminados os trabalhos (Art. 43). As

104 Analisando a Lei n.º 439, de 13 de outubro de 1906, que pode ser considerada a primeira Lei de Terras do Estado do Maranhão, SHIRAISCHI (1998: 30) apresenta uma hipótese que deveria ser melhor aprofundada para verificar se o mesmo aconteceu no Pará: "Uma leitura de senso comum é de que esta primeira Lei de Terras apenas se preocupou em regularizar o domínio das terras apropriadas, quer seja por meio de cartas de sesmarias, quer por posses ou aquisições. Afastando-se destes instrumentos de interpretação de domínio do direito, é possível avançar no significado e na intenção dos legisladores, preocupados em prevenir a ocupação das terras devolutas pela numerosa ocupação camponesa dispersa no Estado, garantir a apropriação e o domínio das terras por um seleto grupo de cidadãos e em dirimir os conflitos existentes em favor destes grupos. Cria-se assim um verdadeiro aparato legal, já numa tentativa de excluir os segmentos de camponeses do acesso e uso das terras devolutas" (grifos nossos).

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sesmarias e concessões que não fossem revalidadas e as posses não legitimadas no prazo prescrito, incorreriam em comisso, sendo reconhecido para seus detentores, exclusivamente, o terreno efetivamente cultivado e ocupado (Arts. 17 e 18 do Decreto 410/1891). Expirado o prazo para medir e demarcar: “o governo providenciará para ter lugar a medição e a venda das terras devolutas que ficarem existindo, em virtude dos ditos comissos” (Art. 81 do Regulamento). Este artigo confirmava mais uma vez, a volta para o patrimônio público das terras que não tivessem sido legitimadas; não temos porém, registro de que os sucessivos governos estaduais tenham procedido desta maneira. Ao contrário, estes prazos foram várias vezes renovados. Esta prática permitiu que se chegasse às portas do segundo milênio com a possibilidade do Estado do Pará ser obrigado a reconhecer como legítimos, registros feitos séculos atrás, criando desta maneira, uma instabilidade administrativa que favorece os detentores de papeis em detrimento dos efetivos ocupantes das terras. Outro dado preocupante é que estes sucessivos adiamento não tiveram como base critérios técnicos, mas exclusivamente políticos: beneficiaram os que nunca se importaram com a legalização de suas terras esperando que elas se valorizassem para depois pleitearem seus direitos. 105

105 Apesar de ter se esgotado o prazo em 1933, na década de cinquenta o general Zacarias Assumpção voltou a permitir a possibilidade de legitimar as posses e as sesmarias. Quem não o fizesse no prazo de seis meses teria este direito caducado. O artigo 7º desta mesma lei n.º 913/54, reservava uma légua “junto a cada povoação de mais de cem habitantes, onde houver terras devolutas com produtos nativos coletáveis para serventia dos respectivos moradores”. Só através do Decreto n.º 1.054/96 a possibilidade de se reabrir o prazo para revalidar estes títulos foi definitivamente descartada. Tabela 5: Leis que ampliaram o prazo para registrar ou medir terras no Pará

LegislaçãoRegistrarArtigosFimRegulamento de 28/10/18911321892Lei n.º 82, de 15/09/18921815/09/1895Lei n.º 253, de 31/05/18951º31/12/1898Lei n.º 536, de 24/05/18981º31/12/1900Decreto n.º 886, de 16/07/1900213prazo fixado em leiLei n.º 750, de 25/02/19011º31/12/1902Lei n.º 841, de 31/10/19021º31/12/1904Lei n.º 894, de 04/11/19031ºFixar novos prazosDecreto n.º 1.577, de 05/12/19084°05/12/1909Lei n.º 1.108, de 06/11/19095º, § 6º, 7º (posses) e § 8º (sesmarias)31/12/1910Lei n.º 1.137, de 27/10/1910Único31/12/1911Lei n.º 1.358, de 10/11/19132º31/12/1914Lei n.º 1.501, de 28/10/19151º31/12/1917Lei n.º 1.741, de 18/11/19181º, único31/12/1919Lei n.º 2.069, de 14/11/19211º31/12/1924Lei n.º 2.789, de 21/10/19291°31/12/1930Decreto n° 357, de 08/05/19311º31/12/1932Decreto n.º 1.044, de 19/08/193322931/12/1933Lei n.º 913, de 04/12/19545º, par. único04/06/1955Decreto-Lei n.º 57, de 22/08/1969102, III31/12/1972Lei n.º 4.584, de 08/10/19752931/12/1976Lei n.º 5.295, de

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Não poderiam se hipotecar ou vender as terras legitimadas ou revalidadas se os terrenos não tivessem sido anteriormente demarcados (Art. 21). Este artigo, bem como os vários artigos do regulamento que tratavam da medição e demarcação das terras, mostrava a preocupação dos legisladores em evitar que fossem criados futuros problemas sobre limites. O laudo técnico do engenheiro ou agrimensor que executaria o trabalho tinha que ser acompanhado por um memorial descritivo, onde deviam constar as ocorrências da medição, a descrição dos marcos, a forma poligonal, a superfície e o perímetro, rumos, extensões, nomes dos confinantes. Todas as medidas deviam ser por anotação numérica e por extenso, literalmente e sem rasuras. Todos estes cuidados foram, porém, vanificados pela prática posterior. A sistemática desobediência a estes preceitos legais consagrados na legislação do século passado, é, ainda hoje, fonte de graves conflitos agrários. Se na medição das terras públicas fossem encontradas posses, seus detentores teriam preferência na compra das terras (Art. 18). Da mesma maneira se na medição de uma sesmaria ou de uma outra concessão revalidável fossem encontradas posses, constituídas há mais de cinco anos, sem protesto ou oposição, estas seriam legitimadas (Art. 41). Confirmava-se aqui, o direito a usucapião em terras particulares já previsto pelo artigo 5º, § 2º da Lei n.º 601/1850. Aos “reconhecidamente pobres”, não seria cobrado o serviço de medição e demarcação (Art. 20 do Regulamento).

O tamanho dos lotes, que deveriam ser vendidos, seria conforme o tipo de exploração e sua localização (Art. 91). Se a venda fosse a prazo antes de ser paga a segunda prestação, se deveria comprovar o efetivo aproveitamento da terra, caso contrário seria aplicada uma multa de 20$000 (Art. 91). O Art. 114 determina que: "Nas terras possuídas de que trata este regulamento não estão incluídas as marinhas, os terrenos reservados às margens dos rios navegáveis para servidão pública e os terrenos acrescidos, os quais continuarão sujeitos às disposições em vigor". Como se pode constatar os terrenos de marinha não estavam incluídos nas disposições do regulamento tendo legislação própria. 106

23/12/1985Art. 1º31/12/1995Fonte: Autor consultando a legislação coletada por LAMARÃO (1977).

Através do decreto 1.054, de 14 de fevereiro de 1996 declarou-se a caducidade destes títulos. 106 Este artigo tem uma importância muito grande pois o Estado expediu centenas (talvez milhares) de títulos sem levar em consideração o disposto em sua legislação. Uma análise mais aprofundada desta questão poderá levar ao cancelamento, retificação (ou ratificação por parte do Órgão federal competente) destes títulos.

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Única grande novidade foi a legitimação das posses mansas e pacíficas, através de um documento peculiar introduzido na nossa legislação agrária estadual, um título inédito no Brasil inteiro: o título de posse.107 Sua localização continua a ser difícil, pois a maioria deles tinha como referencia a frente de um rio ou igarapé e media "aproximadamente...".108 No levantamento realizado no Arquivo do ITERPA relativo ao Município de Gurupá (PA) foram encontrados mais de 30 referências ao "igarapé Limão" em localidades diferentes dentro do mesmo município. O elemento "produção" continuava a ser muito mais importante que a dimensão. Os castanhais, por exemplo, não eram identificados pela localização, mas pelo seu nome e sua produção ("produzindo x hectolitros de castanha"). Em seu depoimento à CPI das Terras na Amazônia, em 25 de maio de 2000 o Dr. Otávio Mendonça afirmou que: "São raríssimas as propriedades devidamente medidas e com seus limites demarcados de maneira correta, só 10% das propriedades existentes no Estado do Pará estão demarcadas corretamente".

Os artigos 119-138 do Regulamento determinavam como deveria se proceder na concessão deste título que deveria ser lançado num livro próprio (Art. 118). O prazo para que fossem apresentadas estas declarações era de um ano (Art. 132). Os registros de terras deveriam ser feitos na Repartição de Terras, localizada na capital, ou nas Intendências Municipais (Art. 116 do Regulamento). Eram previstos dois livros distintos: um no qual eram registradas as propriedades (cartas de confirmação de sesmarias e de legitimação de posses, cartas de sesmarias não demarcadas por licença do poder público e qualquer outro título de domínio como os definitivos de venda, expedidos pelo governo) e outro no qual seriam registrados os títulos sujeitos à legitimação e revalidação (Arts. 117 e 118). Ao permitir aos Intendentes Municipais a expedição de Títulos (Arts. 116 e 120), se realizava uma descentralização administrativa que visava desenvolver o interior do Estado. A municipalização da expedição dos títulos perdurou até a edição da

107 MENDONÇA (1982:37) chama a atenção sobre a originalidade e ineditismo deste instituto jurídico: “O Pará introduziu na sua legislação um instituto inédito no direito brasileiro: o título de posse, combinação originalíssima do fato, que era a posse, com o documento, que era o título. E como este se originava daquela, tornava-se evidente que a ela se subordinava e somente prevaleceria na medida em que a exercesse”. (grifos do autor) 108 Quando, na década de sessenta, as estradas substituíram os rios como referências, os lotes passaram a ser localizados no "km x" da rodovia. Isso fez piorar a situação pois os mesmos eram traçados em mapas cuja confiabilidade técnica era questionável causando uma confusão ainda maior.

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Lei n.º 1.108 de 06 de novembro de 1909, quando só o Estado voltou a conceder as terras (Art. 161).

Em 1892, a Lei n.º 82, de 15 de setembro, “estabelece disposições sobre a venda, revalidação, transferência e legitimação das terras devolutas exclusivamente pertencentes ao Estado”. O novo dispositivo legal repetia quase na íntegra o Decreto 410/892, salvo alguns acréscimos tais como: aumentava para três anos o prazo para registrar os títulos (Art. 18), aumentava para trinta e sessenta dias respectivamente os prazos para os terceiros interessados presentes ou ausentes do município protestar contra o pedido de legitimação das posses (Art. 23), determinava que uma faixa de três quilômetros em torno da sede dos municípios fosse preservada para a criação da légua patrimonial administrada pelo Conselho Municipal (Art. 29) e estabelecia o valor a ser cobrado pela demarcação das terras (Art. 36). O parágrafo único deste artigo mantinha a isenção do pagamento das despesas de medição e demarcação para: “os possuidores de um só lote de terrenos de lavoura ou de criação, reconhecidamente pobres, a juízo do governador, que não tiverem uma área superior a 50 hectares”. Quem já tinha recebido uma posse, não poderia pedir a legitimação de outra, alegando estar de posse dela por ocupação primária (Art. 191). Este dispositivo legal impedia que alguém acumulasse várias posses.

Todas as terras possuídas deveriam ser registradas na Inspetoria de Terras e Colonização, localizada na capital ou nas Intendências Municipais (Art. 179 do Regulamento) devendo declarar: “o artigo da lei em que se funda sua posse” (Art. 189). Caso a posse fosse primária seria necessário apresentar: “prova testemunhal valiosa da iniciação da posse e da efetividade da cultura e moradia” (Art. 190, § 2º e 4º). Os Títulos não registrados perderiam qualquer valor. É importante destacar o disposto pelo Art. 195: “O registro não confere aos registrantes outro direito, além daqueles que derivam de seus documentos ou do fato natural da posse”. Quando, nos dias atuais, alguém procura transformar em propriedade títulos como estes, está evidentemente tentando grilar terras públicas.A lei n.º 223, de 30 de junho de 1894, permitia a concessão gratuita de lotes de 25 ha. Graças à concessão destas terras e outras vantagens, cerca de 13.000 imigrantes espanhóis, portugueses e italianos chegaram ao Pará 109

109 A preocupação de povoar o Estado fez com que vários governadores adotassem medidas concretas que facilitavam a concessão de terras. A construção da Estrada de Ferro de Bragança favoreceu ainda mais esta política facilitando o acesso e permitindo o surgimento de novos povoados que fazem hoje a região Bragantina como a mais densamente povoada do Estado e que, antes de qualquer outra, deixou de ser prevalentemente extrativa, para ser tipicamente agrícola. Além dos núcleos

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Em 16 de agosto de 1900, o Decreto n.º 886, normatizava de maneira nova a questão agrária. Seus 220 artigos detalhavam os vários aspectos da matéria. Consideravam-se como terras públicas, as posses que não tinham sido legitimadas e as sesmarias que não foram revalidadas (Art. 2º).

Se a venda fosse a prazo (no máximo três prestações a serem pagas em três anos), depois do pagamento da primeira prestação seria entregue um Título Provisório, substituído por um Titulo Definitivo, quando fosse paga a última prestação e o lote tivesse sido demarcado (Arts. 37 e 38). O Decreto 886/1900 inovou na obrigação de comprovar a efetiva utilização da terra: antes de pagar a segunda prestação o requerente devia provar que tinha efetivamente aproveitado as terras, pois, caso contrário, perderia o direto não só à terra, como também ao que já tinha pago anteriormente (Art. 16; o Decreto 410/1891 obrigava ao pagamento de uma multa, mas o não aproveitamento não era punido com a perda da terra). Os lotes vendidos seriam registrados num Livro próprio da Secretaria da Inspetoria de Terras. O Requerimento de compra devia ser publicado no Diário Oficial e divulgado no município, onde se localizava o imóvel, para permitir eventuais

militares constituídos anteriormente: São João do Araguaia, Pedro II, Bom Gosto (Santarém), e dos núcleos civis: Tentugal (Bragança), Benevides e Araripe (Belém); no final do século XIX foram construídos vários outros núcleos, onde, em 1900, moravam 2.314 famílias. Apesar do § 5º do Art. 11 do Ato Adicional de 1831 conferir as Assembléias a faculdade de estabelecer colônias, a Província do Pará só no final do século começou uma política efetiva de implantação das mesmas. A tabela n.º 6 enumera os núcleos criados no final do século XIX e começo do século XX destacando o número de lotes e seu tamanho médio. Percebe-se que prevalecia o módulo de 25 hectares.

NOME DO NÚCLEO E DATA CRIAÇÃONÚMERO E TAMANHO DOS LOTESSanta Isabel de Benevides (1879)672 (217,8 ha)Castanhal (1889)(4,84 ha)Araripe (Americano) 68 lotes Marapanim (1894)307 (25 ha)Monte Alegre (1894)147 (25 ha)Benjamim Constant (Bragança) (1894)559 (25 ha)Jambuaçu

(Bragança) (1895)500 (25 ha)NOME DO NÚCLEO E DATA CRIAÇÃONÚMERO E TAMANHO DOS LOTESGranja Américo (1897)92 (25 ha)Inhangapy (1898)164

(25 ha)José de Alencar (Castanhal) (1898)218 (25 ha)Santa Rosa (Vigia) (1898)223Ferreira Penna (Castanhal) (1898)208 (25 ha)Anita Garibaldi (Curuçá)

(1898)403 (25 ha)Acará (1898)110 (25 ha)Alenquer (1898)102 (25)Santo Antônio do Prata (Maracanã) (1898) 479 (25 ha)Outeiro (Belém) (1898)14Salvaterra (1899)43 Ianetama (Castanhal) (1899)213 (25 ha)Couto Magalhães (Curuçá)

(1899)44Capanema (1909)278 (25 ha)Fonte: Autor utilizando dados de MUNIZ (1907)

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contestações. Só depois de receber o Título Provisório, o pretendente poderia se apossar do imóvel, pois, se o fizesse antes seria considerado como um invasor (Art. 15). O artigo 161 reafirmava uma disposição já contida em outros diplomas legais anteriores: na hora da medição caso fosse comprovado que toda a área da posse que se pretendia legitimar, estivesse completamente trabalhada, o requerente podia solicitar mais 150 ha do terreno contíguo, se isso não ferisse interesses do Estado ou de terceiros.

Os artigos 104 e 105 dispunham que os lotes coloniais seriam de 25 hectares e que o estado deveria vendé-los, cobrando não só do valor da terra como também de todas as despesas feitas com a demarcação e titulação. Estas disposições foram, porém, revogadas pela Lei n.º 824 de 14 de outubro de 1902, que autorizava o Governo a conceder gratuitamente, Títulos Definitivos de Propriedade, aos ocupantes dos diversos núcleos coloniais desde que: “1) O pretendente ocupe o lote há mais de um ano com morada habitual e cultura efetiva, de uma parte apreciável da área do lote; 2) tenha um bom comportamento, seja de bons costumes e viva em paz com seus vizinhos” (Art. 2º, par. 1º e 2º) (grifos nossos). 110 Cada beneficiário tinha direito a receber um único lote, comprovar, através de certidão expedida pela autoridade policial ou de segurança e por cinco vizinhos que era de “bons costumes”. O Art. 5º proibia a venda ou abandono do lote durante o prazo de um ano, pois, caso contrário, o título seria cassado. Nos núcleos coloniais deviam prever-se as áreas destinadas a praças e outros logradouros públicos, estradas, etc.

Em 1905, o governador Augusto Montenegro determinou que fossem remetidos para a Secretaria de Obras Públicas, Terras e Viação, todos os Livros de Registros de Posse e de Propriedade das Intendências Municipais e os respectivos processos. Foram arquivados: 211 livros de declarações de posse, contendo 26.498 registros e 91 livros de títulos de propriedade, contendo 2.813 registros perfazendo um total de 302 livros e 29.311 registros espalhados nas 51 intendências existentes. Subtraindo os registros de Macapá (6 livros de posse com 802 registros e 1 de propriedade com 37 registros) e Mazagão (5 livros de posse com 617 registros) tínhamos, nas 49 Intendências Municipais do Pará, um total de 290 livros, com

110 As colônias inicialmente beneficiadas foram: “Ferreira Pena, Santa Rosa, José de Alencar, Anita Garibaldi, Marapanim, Inhangapi, Benjamin Constant, Curuçá” (Art. 1º da Lei n.º 824/1902); “Outeiro, e Santo Antônio do Prata” (Art. 1º da Lei n.º 866/1903 que também autorizava ao governo a lotear as terras devolutas situadas à margem da estrada de ferro de Bragança, a partir do 2º Caripy até o rio Maracanã) e “Granja América” (Art. 1º da Lei n.º 928/1904).

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27.855 registros sendo 200 livros de posse, contendo 25.079 registros, e 90 livros de propriedade, com 2.776 registros (MUNIZ, 1907: XII-XIII).

As Cartas de Sesmarias, os Títulos Paroquiais, os Títulos de Posse (legitimados e não), os Títulos Provisórios e os Definitivos foram os principais documentos expedidos pelos órgãos fundiários, até o começo do nosso século. 111

Os títulos de posse, não constituíam domínio e deviam ser confirmados pela autoridade competente (hoje o Instituto de Terras do Pará - ITERPA), por isso seu registro no Cartório de Registro de Imóveis, feito comum em nossa história, constitui um evidente crime, também porque, seria um absurdo jurídico que alguém tivesse reconhecido como propriedade algo que tinha como base uma mera declaração.

No começo do século os governadores tiveram um intenso programa de titulação: Augusto Montenegro (1903-1908) expediu 1.927 títulos gratuitos nas 16 colônias então existentes no estado, enquanto João Coelho (1/2/1909/1/2/1913) concedeu 537 títulos. 112

Apesar de tanto afinco na elaboração dos instrumentos legais, o juiz Bendito MIRA (1981:75-76) assim avaliava, o efetivo resultado da ação governamental nas colônias:

“Na realidade, a filosofia da legislação foi altaneira, inobstante, como acontece hodiernamente, não se tem notícia do cumprimento, nem parcialmente desses preceitos, pelos quais, se cumpridos in totum, vislumbraríamos até mesmo na época, uma real Colônia Agrícola, mormente em se tratando das projetadas na Amazônia, onde as colônias agrícolas não passam de meros aglomerados humanos sem qualquer ascendência sócio-econômica, decorrente da falta de estrutura e adequado apoio”.

A Lei n.º 1.108, de 6 de novembro de 1909, “dá nova organização ao serviço de Terras”. Seu artigo 3º voltava a falar sobre a revalidação das sesmarias e da legitimação repetindo o disposto nas leis anteriores. O artigo 41 de seu Regulamento (Decreto n.º 1.686 de 23 de abril de 1910) determinava o despejo de todos aqueles que se tinham apoderado de posses

111 Segundo ÉLERES (1983:28): “Origem principal da titulação de terras no Pará nos primórdios da República, juntamente com as 2.500 Cartas de Datas de Sesmaria expedidas pelo governo real português, os Títulos Paroquiais, os de Posse - cerca de 57.000 ainda não legitimados até hoje - constituem em elemento importante da história deste Estado”. 112 É interessante destacar porém que nos mesmos núcleos coloniais tinham sido demarcados 3.678 lotes. Ver MUNIZ (1918:101)

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por ocupação primária depois de 16 de agosto de 1900. Quem já tivesse recebido uma posse não poderia requerer outra (Art. 168).

Para favorecer a ocupação do Xingu foi promulgada, em 6 de janeiro de 1911, a Lei n.º 1.235 que: “dispõe sobre as terras devolutas e outras dos municípios de Souzel e Altamira”. O Estado concedia a possibilidade de legitimar as posses até 4.356 ha. Os seringais e cauchuais seriam vendidos com um abatimento de 50% até o limite máximo de 15.000 ha. Os terrenos destinados à lavoura e criação seriam concedidos gratuitamente até 300 ha. Comparando com o resto do Estado (onde, na mesma época, eram concedidos gratuitamente lotes coloniais até 25 ha), evidenciava-se a intenção de incentivar a efetiva ocupação desta região de difícil acesso, por estar localizada entre o Rio Amazonas e o Estado de Mato Grosso. O Estado previa a reserva de terras para o aldeamento das tribos indígenas que moravam na área. O prazo para o registro destas posses foi inicialmente estabelecido em 31/12/1914. 113 O artigo 5º do Regulamento desta Lei (Decreto n.º 1.954 de 18/01/1913), que deveria se limitar a estabelecer a maneira como iria se executar a mesma, estendeu para os municípios de São João do Araguaia e Conceição do Araguaia os mesmos benefícios. No prazo de dez anos a contar do recebimento do título de posse deveria se proceder à demarcação da área para permitir sua legitimação, sob pena de comisso. A mesma política foi adotada para ocupar a fronteira com a Guiana onde foram concedidos, gratuitamente, lotes de até 100.000 (cem mil) ha com a única obrigação por parte dos beneficiários de trabalhar a terra (Lei n.º 1238/1911). Estes benefícios foram sucessivamente estendidos ao Alto Tapajós, Alto Xingu, Alto Tocantins, Rio Araguaia, Moju e Cairari, onde o Governo poderia conceder até 25.000 ha, desde que os beneficiários se comprometessem, no prazo de cinco anos, a cultivar as terras e demarcá-las. Se isso não fosse cumprido, o título provisório concedido caducaria, e as terras voltariam ao patrimônio do Estado (Lei n.º 1.601, de 27/09/1917, este benefício foi enfim estendido para todo o Estado pela Lei n.º 1.846, de 08/11/1919). A Lei n.º 1.423, de 09/10/1914 elevou para 100 ha o limite de concessão de terras nos outros municípios do Estado, favorecendo desta maneira, a política de democratização da propriedade do solo. O beneficiário teria o prazo de três anos para cultivar o lote e cinco para demarcá-lo. Apesar desta lei ter sido revogada pela Lei n.º 1.584, de 26/09/1917, a política implementada através dela continuou, pois, o novo dispositivo legal a manteve. Os beneficiários, que não deviam possuir outra terra, eram obrigados, no prazo de dois anos, a cultivar seu lote, recebendo um

113 Este prazo foi prorrogado posteriormente para 05/10/1920 pela Lei n.º 1.630 de 05/10/1917 e novamente estendido até 31/12/1921 pela Lei n.º 1.962, de 18/11/1920.

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Documento de Posse que deveria ser registrado na Repartição de Obras Públicas, Terras e Viação que iria posteriormente conceder o Título Definitivo. Como se pode perceber as inúmeras leis fundiárias promulgadas nestes anos têm em comum a obrigação de trabalhar a terra: era através do efetivo beneficiamento do solo que se adquiria o direito de receber um título de propriedade.

Diante da proliferação de leis regulando a questão agrária (mais de dez em menos de dez anos), sentiu-se a necessidade de formular: “novo regulamento consolidando os dispositivos das leis em vigor, de modo a facilitar aos ocupantes e compradores de terras o cumprimento das exigências legais” (Art. 14 da Lei 1.741, de 18 de novembro de 1918). Esta lei alterou também, as extensões máximas das terras a serem concedidas: uma légua quadrada (4.356 ha) para a pecuária, meia légua (2.178 ha) para a lavoura e um quarto de légua (1.089 ha) para o extrativismo. Só, porém, em 31 de janeiro de 1921, foi baixado o Decreto n° 3.791. O decreto consolidador previa que as terras devolutas: “somente podem ser adquiridas a título de compra, aforamento ou por concessão gratuita” (Art. 4º). As concessões gratuitas seriam vinculadas a Títulos Provisórios transformados em Definitivos depois da medição e demarcação (Arts. 59-61).

O artigo 17, § 1º deu, pela primeira vez em nossa legislação estadual, a definição de família agrícola: “Considera-se família agrícola, não só os indivíduos da família do pretendente, que vivem sob a sua dependência, como os agregados que, por sua conta, estejam empregados efetivamente na sua lavoura ou indústria”. Quem não tivesse outra posse poderia requerer a “Licença para Ocupação de terra devoluta” (LO) para áreas até 100 ha que poderiam ser legitimadas no prazo de dois anos. Neste prazo a licença era intransferível (Arts. 198-199 e 204-205).

Para fixar o homem no campo foram criadas Colônias Agrícolas, onde o trabalhador recebia Bilhete de Ocupação que lhe dava direito a receber um lote de 25 ha já discriminado que deveria beneficiar no prazo de dois anos. Se comprovasse ter beneficiado pelo menos um terço da área receberia um Título Definitivo Gratuito (Arts. 72 e 81). O Art. 177 determinava que: “Todos os possuidores de terras, qualquer que seja o título de propriedade ou possessão, dentro do território do Estado do Pará, são obrigados a fazer registrar as terras que possuírem, nos livros competentes da Diretoria de Obras Públicas, Terras e Viação, dentro dos prazos marcados no presente Regulamento”.

Apesar da multiplicação das leis regulamentadoras das diferentes formas de ocupação das terras, o que prevalecia nos municípios mais

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distantes da capital no final do século XIX e começo do século XX, era a simples posse, a apropriação direta e pessoal das terras. 114

A lei n.º 1.947, de 11 de novembro de 1920, previa a possibilidade de adotar: “contratos de aforamento perpétuo, mediante a taxa de foro anual de 2% sobre o respectivo custo” (Art. 2º). Os foreiros tinham a obrigação de discriminar os castanhais no prazo de cinco anos (Art. 3º). “A transferência a título de compra e venda, doação em pagamento, permuta ou doação, no todo ou em parte, dos terrenos aforados, só por consentimento prévio do governo pode ser efetuada, sob pena de nulidade, ficando o alienante do domínio útil (...), obrigado ao pagamento do foro correspondente à parte transferida e à taxa do laudêmio, na razão de 2% do valor da venda do domínio útil” (Art. 4º) (grifos nossos). O Art. 6º previa a concessão de castanhais para os Conselhos Municipais que os destinariam ao uso: “dos extratores sem recursos para a aquisição da terra”. Estes extratores seriam cadastrados anualmente e teriam que pagar 3% de seu ganho para os Conselhos. Estes recursos serviriam para custear as despesas com a fiscalização e a demarcação destes castanhais.

Em 1927 o governo paraense concedeu um milhão de ha à beira do rio Tapajós para o americano W. Reeves Blakeley que, por sua vez, os vendeu para Henry Ford que tentou instalar em Fordlândia aquele que poderia ser considerado o primeiro grande projeto amazônico: o plantio em larga escala de seringueiras, projeto este que fracassou. Um dos primeiros atos da Revolução de 1930 foi o decreto n.º 11, de 07 de novembro de 1930, sobre a locação de castanhais. Alguns de seus, Considerando, expressam bem a realidade de favorecimento pessoal e a promiscuidade entre política e controle dos castanhais em detrimento da defesa do patrimônio comum e merecem ser reproduzidos: “Considerando que certos cidadãos que fruíam prestígio político fornecido por uma lei que permitia a compra de terras com cupons e apólices da dívida do estado conseguiram passar para a sua fortuna particular a maior parte dos melhores castanhais existentes no Estado. Considerando mais que as rendas arrecadadas da indústria da castanha estavam até a vigência do governo deposto definhadas e exangues, sofrendo o Estado graves deficiências orçamentárias em benefício daqueles citados cidadãos, os quais, com o protecionismo da política malsã que era a marca

114 Descrevendo a criação de Conceição do Araguaia em 1898 e o processo de ocupação de suas terras impulsionado pela procura da borracha, IANNI (1978:40-41) afirma que: “Pouco se cuidava da legalização da posse. Naquele então, predominava o controle efetivo da terra, por meio de instrumentos privados de violência (...). Os documentos legais, mesmo quando não eram confusos ou precários, somente ganhavam efetividade com o controle direto da propriedade”.

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iniludível dos governos pré-revolucionários, lograram quase que açambarcar os copiosos lucros da referida indústria; Considerando que os múltiplos contratos favorecidos por aquele protecionismo, que foram lavrados entre o Estado e os ditos particulares não consultaram os interesses da coletividade, pois, prejudicavam profundamente a fortuna pública, além de cercearem a liberdade do comércio”. (grifos nossos).

Para EMMI (1999:78) foi nas décadas de '20 e '30 que começaram a nascer as grandes propriedades no Pará: "Nessa época intensificou-se a formação de latifúndios em várias regiões do Pará. Seja no Jarí, com José Júlio de Andrade; no Xingu, com José Porfírio de Miranda; ou ainda no Tocantins, com Deodoro de Mendonça. Nesses e em outros casos a apropriação da terra tornou-se decisiva para a consolidação de um controle local em moldes oligárquicos".

A revolução de 1930 denunciou o sistema de favorecimento iníquo, no qual se tinha tornado a concessão de exploração dos castanhais que tinha beneficiado alguns poucos atravessadores em prejuízo da coletividade e reformulou todo o sistema extinguindo, através do Decreto n.º 397 de 25 de julho de 1931, o aforamento perpétuo e permitindo que quem tivesse um título de exploração anterior, pudesse adquirir o domínio definitivo das terras. 115 Cada caso foi submetido à análise de funcionários de confiança do governador. O resultado foi que os desafetos da nova ordem ficaram sem nada, enquanto seus aliados políticos foram beneficiados. A mesma prática

115 Na tentativa de reordenar nossa legislação agrária o mesmo Magalhães Cardoso Barata extinguiu o aforamento perpétuo dos castanhais por considerar que: “não tem fundamento legal, visto desvirtuar do instituto de enfiteuse pela ausência formal de feição de contrato, teve por objetivo direto lesar o patrimônio do Estado...” (Considerando do Decreto n.º 397/31). No seu depoimento à CPI da Assembléia Legislativa do Estado do Pará em 18/03/91 o Dr. Ronaldo BARATA (1991), ex-superintendente do INCRA-PA, de setembro de 1985 a maio de 1989, e posteriormente, presidente do ITERPA (1995-1999 e 2000-...), citando um estudo de SILVA (1987:4) afirmou que o interventor federal Magalhães Barata: "Ao assumir o governo em 1930, cancelou todos os arrendamentos (de castanhais) e fez editar em 1931 o decreto 397, de 25 de junho, que extinguiu o instituto do aforamento da legislação de terras do Pará. Medida acertada, pois os castanhais eram fonte de riquezas incalculáveis, produto de exportação de primeira ordem, e, de certa forma, ainda constituem fator de enriquecimento e poder. (...) Castanhais se distribuíam aos correligionários, arrancando-os as vezes das mãos dos adversários. Ter castanhais era o mesmo que vencer eleições, controlar o poder político em áreas extensas, mandar e desmandar". Na década de trinta foram editados pelo interventor Magalhães Cardoso Barata 10 decretos só sobre a exploração dos castanhais e três sobre a exploração dos castanhais e outros produtos de origem extrativista.

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foi adotada durante a Segunda Guerra Mundial, quando a balata passou a ter uma enorme importância estratégica e sua exploração predatória e terrível, que levou à quase extinção desta sapotácea, foi controlada por alguns atravessadores.

Em 1931, o Interventor Federal do Estado do Pará, Joaquim de Magalhães Cardoso Barata, nos “Considerando” do Decreto n.º 184, de 12 de março, que visa: ”beneficiar os lavradores do Pará, isentando-os de impostos, taxas, selos e quaisquer ônus para aquisição de pequenos lotes de terras devolutas”, retratou bem a situação agrária existente: “Considerando que o Governo Revolucionário (...) tem por objetivo intensificar a agricultura e amparar as classes proletárias, há longos anos oprimidas pelos homens de governo e pelas leis que, longe de os favorecer em seu labor, os asfixiavam com os entraves materiais de impostos imoderados, na aquisição de pequenos lotes de terras, ao mesmo tempo que, prodigamente, concediam gratuitamente, a negocistas, bafejados pela politicagem, milhares e milhões de hectares de terras devolutas, (...) considerando que uma só concessão, deferida pelos governos paraenses da Velha República, de um milhão de hectares de terras devolutas, mais de duzentas milhas quadradas ...”. Apesar de tanto palavreado, para evitar um grave incidente diplomático com os Estados Unidos, não foi cancelada a concessão feita para Ford, que era a maior de todas. Este decreto, além de isentar do pagamento de taxas a concessão de títulos definitivos, concedia 25 ha para as famílias com até cinco membros e 50 a quem excedesse este número. Estes títulos poderiam ser transferidos só por sucessão e não por venda.

O Art. 57, do Decreto 1.044, 116 de 19 de agosto de 1933, permitia a venda de terras de castanhais, em lotes de até uma légua quadrada (4.356 ha), seu § 1º, para evitar a concentração de propriedade, determinava que: “Nenhum lote será vendido nas proximidades dos lotes de propriedade de parentes até o 6º grau, empregados ou prepostos de pretendentes à compra”. O artigo 51 apresentava o contrato de aforamento e previa as clausulas resolutivas que garantiam ao poder público o controle sobre as áreas concedidas: a propriedade continuaria a ser da prefeitura que, em caso de transferência, teria o direito de preferência. O foreiro teria que pagar anualmente o foro e, caso fosse inadimplente por três anos, perderia não só o direito sobre a terra como também sobre as benfeitorias. Em caso de transferência, além de pagar 2,5% de laudêmio, precisaria pedir previamente licença. O foreiro teria que beneficiar o lote no prazo de um ano e demarcá-lo no prazo de cinco anos. Em 1938, através do Decreto-Lei n.º 3.143 foi

116 Este decreto foi definido por MIRA (1981:84) como: “O maior monumento da história jurídico-fundiária do Estado do Pará”.

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regulamentado o sistema de arrendamento para exploração de produtos nativos. Suas normas, porém, foram constantemente desrespeitadas, sobretudo àquela que proibia o arrendamento de mais de um lote de uma légua quadrada para uma única pessoa. Poucos foreiros obedeceram ao disposto pela legislação, ao contrário a maioria transformou os castanhais em fazendas de criação de gado derrubando a floresta. O sistemático descumprimento destes dispositivos legais que permitiram a transferência indiscriminada dos castanhais, sua aglutinação e divisão, foi uma das premissas dos conflitos sangrentos que hoje assolam esta região e a transformaram numa das áreas de maior incidência de conflitos agrários do Pará. A solução destes conflitos é juridicamente fácil: desconstituição do aforamento violado, não só neste aspecto, mas também por ter descaracterizado a finalidade do imóvel. A dificuldade de se colocar em pratica esta solução não é jurídica (apesar do fato de que a demorada tramitação destes processos foi muitas vezes, invocada pelas autoridades competentes que afirmavam que o ajuizamento das ações de desconstituição, cumuladas com perdas e danos, inviabilizava a solução a curto prazo dos conflitos), mas sim política: qual governo terá coragem de enfrentar a todo-poderosa oligarquia, que, ainda hoje, controla política e economicamente aquela região?

Uma nova fase na nossa realidade fundiária começou em meados do nosso século. Com a construção da rodovia federal Belém-Brasília (BR 010) a terra passou a adquirir valor e transformou-se em mercadoria sempre mais cobiçada. A Amazônia passa a representar a “fronteira” para as demais regiões do país.

Enquanto no Pará no final da década de cinqüenta, começo da década seguinte se distribuíam grandes quantidades de terras públicas, em São Paulo, o governo estadual, preocupado com a concentração da propriedade, remetia um projeto de lei de reforma da estrutura agrária do estado incentivando a aquisição de terras até cinqüenta ha. Este programa não vingou, devido ao alto valor das terras paulistas que contrastava enormemente com o valor irrisório das terras paraenses.

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6 - SÉCULO XX: A “MODERNIZAÇÃO CONSERVADORA” SE

CONSAGRA NA LEGISLAÇÃO AGRÁRIA FEDERAL

No século XX, em várias ocasiões, foram apresentadas propostas de consolidar num único diploma legal, toda a legislação agrária nacional, sem, porém, lograrem êxito. 117

O Código Civil (entrado em vigor no dia 10 de janeiro de 1917), consagrou os institutos da compra e venda e do usucapião como formas de acesso à terra e manteve o traço absolutista da propriedade privada. O Código não reservou à agricultura um tratamento especial, apesar de contemplar vários institutos básicos do direito agrário como os de posse e propriedade no capítulo do Direito das Coisas. 118 No capítulo da Sucessão Hereditária, determinou-se a igualdade de todos os herdeiros na distribuição dos bens (Art. 1.775), favorecendo, desta maneira a pulverização das glebas. 119 Enquanto se gestava o nascimento de minifúndios, a partir da médias e pequenas propriedade, o latifúndio se consolidava, pois, as grandes propriedades davam origem a empresas ou sociedades anônimas evitando seu esfacelamento.

O tratamento dado pelo Código Civil à questão rural, na medida que privilegiou a defesa da propriedade privada em detrimento da posse, foi

117 Já em 14/12/1912 o deputado gaúcho Joaquim Luis Osório propôs a elaboração de um Código Agrário Nacional, apresentando um projeto de lei neste sentido. Vinte e cinco anos depois, em 25/09/1937, outro deputado gaúcho, Borges de Medeiros apresentou um Código com 185 artigos. No início da década de 40 o próprio governo federal nomeou uma comissão que elaborou um projeto de Código Rural Brasileiro publicado no Diário Oficial da União de 16/01/1943. Novos Projetos foram elaborados depois da vigência da Constituição Federal de 1946.118 Não só no Brasil o Código Civil foi elaborado sem levar em consideração a sociedade agrária que ainda predominava no País. BALLARIN MARCIAL (Apud SODERO, 1968: 10) afirma que: "O Código Civil espanhol de 1889, foi um corpo legal destinado a regular, como o Código de Napoleão, segundo a expressão de Ripert, uma sociedade de agricultores; todavia, a agricultura não é contemplada pelo Código como matéria especial, eis que toda as suas normas - ou a maior parte - são ditadas em caráter geral, sem atender à condição de agricultor, industrial ou profissional liberal de seus destinatários; apesar de tudo e por isso, não deixa de ter o Código numerosas normas que só são aplicáveis à Agricultura".119 Também na França: "o declínio da agricultura foi agravado pelo efeito das leis igualitárias de sucessão introduzidas pela Revolução de 1789; a crescente fragmentação das propriedades rurais acentuou ainda mais o predomínio tradicional da pequena fazenda, de difícil adaptação aos novos métodos de cultura" (ver "A França e a Agricultura", apud SODERO, 1968:11).

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insuficiente para regulamentar uma situação tão complexa e dinâmica. Sendo ele, ainda hoje, a base normativa que serve de referência à defesa dos direitos possessórios, e privilegiando a propriedade sem levar em conta sua função social, é potencialmente fonte de conflitos sociais.

6.1 BURGUESIA INDUSTRIAL: A VELHA OLIGARQUIA RURAL TROCA DE ROUPA

Foi da oligarquia rural brasileira, um grupo extremamente coeso, que conseguiu sobrepor seus interesses àqueles de toda a sociedade brasileira que, a partir de 1930, nasceu a burguesia industrial. 120 A crise econômica mundial de 1929, desencadeada pelo craque da Bolsa de Nova Iorque, que provocou a queda no valor e no volume dos nossos produtos, arrasou a tradicional economia baseada na agro-exportação (de maneira especial do café). Para defender os interesses do latifúndio, cresceu sempre mais a intervenção do governo federal na agricultura procurando direcionar este setor, através da edição de medidas especiais.121 No Brasil, ao contrário do

120 Na América Latina o antigo coronel (o dono todo-poderoso da casa grande) foi substituído por um novo tipo de latifundiário: “Na era do capitalismo moderno, o latifundiário não é mais o grande aristocrata rural conservador. É homem urbano, parte de uma nova burguesia agrária. É bem conhecido o grande número de políticos, advogados, doutores, comerciantes, negociantes de equipamentos agrícolas, proprietários de meios de transporte, exportadores, importadores e inclusive industriais que também são proprietários de grandes superfícies de terra de cultivo. Na verdade, pode ser que os seus principais interesses nem sejam agrícolas. Muitas vezes esses novos latifundiários se aproveitam das suas propriedades agrícolas e pecuárias para evitar impostos e usufruir de outros benefícios financeiros, que podem ser transferidos para outros negócios, ou como investimento para futura especulação da terra e necessidade de capital. No entanto eles têm muito poder, não apenas pelo controle da terra e de várias outras empresas e negócios, mas pelas suas relações com o capital internacional e pelo acesso e manipulação na política da sua própria nação”. MAY (1988:18-19). Apesar de concordar com esta análise acredita-se que esta modernidade alcançou uma pequena parte dos latifundiários brasileiros. Empresas que estabelecem relações trabalhistas avançadas nas suas indústrias foram acusadas da prática de trabalho escravo em suas fazendas como foi o caso da Wolkswaghen, dona da fazenda Rio Cristalino (Santana do Araguaia) ou da Bamerindus (São Geraldo do Araguaia e Piçarra). No Pará além de políticos, também bancos (Real, Bamerindus, Bradesco) e montadoras de carro (Wolkswaghen) são, ou foram até um passado muito recente, donas de fazendas.121 Os setores mais controlados foram o café, a cana-de-açúcar, a borracha e o cacau. Para evitar o crescimento da oferta e a consequente queda de preço se chegou a proibir o plantio de novos cafezais durante um certo número de anos. Alves afirma que o valor das exportações brasileiras caiu cerca de 60% entre 1928 e 1935

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que aconteceu em vários outros países do mundo, a industrialização implantou-se sem que se tenha alterado a estrutura agrária. Apesar de perder o controle total sobre o governo, a oligarquia agrária conseguiu manter parte de seu poder e de seus privilégios, impedindo que se operassem profundas revisões na legislação agrária e que os direitos sociais (de maneira especial a legislação trabalhista e o direito à sindicalização), conquistados na década de trinta pelos operários, fossem estendidos aos trabalhadores rurais. Só em 1963 com a promulgação do Estatuto do Trabalhador Rural (Lei n.º 4.214, de 02/03/1963) eles tiveram alguns direitos garantidos. 122

O anseio por reformas foi assumido pelo movimento tenentista, que além de combater o voto de cabresto, tão comum neste tempo de coronelismo, defendeu a necessidade da reforma agrária como instrumento de democratização da nação. A Constituição Federal de 1934 acolheu em parte estas aspirações. Concedeu à União a competência de legislar sobre : “as normas fundamentais do Direito Rural” (Art. 5º, XIX, letra c). O § 3º do mesmo artigo falava da competência federal de legislar sobre desapropriação, emigração, imigração, águas, floresta, caça e pesca. Facultava-se aos Estados a criação de uma legislação estadual supletiva ou complementar sobre as mesmas matérias. Nesta constituição o direito de propriedade não era mais absoluto, pois: ”não poderá ser exercido contra o interesse social ou coletivo, na forma que a lei determinar” (Art. 113, § 17). Era mantida a prévia e justa indenização em caso de desapropriação. Pela primeira vez também o, “usucapião pro labore”, em favor de quem ocupasse por dez anos um imóvel rural até dez hectares sem oposição, e desde que não fosse proprietário de outro imóvel rural ou urbano e o tivesse beneficiado através de seu trabalho, era elevado a nível constitucional (Art. 125). Determinou que só o Senado podia autorizar a venda de imóveis acima de 10.000 ha e fixou normas para a ocupação da faixa de 100 km ao longo das fronteiras, onde a concessão de terras e abertura de linhas de comunicação, deveria ser autorizada pelo Conselho Superior de Segurança Nacional. A necessidade de pedir a autorização do Senado para a alienação de grandes extensões de terra deveria evitar o exercício das influências pessoais que um indivíduo, ou um grande grupo econômico, pudesse vir a ter se a decisão

passando de 97 milhões de libras esterlinas para 33 milhões. O café, carro chefe de nossa economia, caiu de 5 libras de ouro em 1928, para 1,91 em 1931. A superprodução e a queda dos preços obrigou a queimar mais de 25 milhões de sacas de café. Ver ALVES (1995:101-102).122 Alguns direitos sociais aliás só foram formalmente garantidos com a promulgação da Constituição de 1988 (formalmente pois até hoje poucos estão sendo respeitados).

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pertencesse a um único governante. O interesse público era assim melhor salvaguardado.

Antes, porém, que estes dispositivos começassem a serem aplicados, veio o golpe do Estado Novo e a constituição em vigor ficou letra morta. A Carta Magna outorgada pelo regime ditatorial de Getúlio Vargas, em 10/11/1937, consagrou com maior ênfase o poder de intervenção do governo federal na vida econômica. 123 A faixa de fronteira foi ampliada para 150 km. O direito de propriedade voltou a ser plenamente defendido permitindo-se a desapropriação por necessidade ou utilidade pública mediante indenização prévia (Art. 122, § 14) (grifos nossos). Silenciou sobre usucapião.

Para disciplinar melhor o processo de colonização foram baixados os Decretos-Leis nos 2.009, de 09/02/1940, e 4.504, de 22/07/1942, organizando os núcleos coloniais e os núcleos coloniais agro-industriais.124

A Constituição promulgada em 18/09/1946 voltou a condicionar o uso da propriedade ao bem-estar social, o interesse geral passou a se sobrepor ao interesse particular. Pela primeira vez, falou-se da desapropriação por interesse social: uma gleba que não estivesse sendo corretamente explorada pelo proprietário poderia lhe ser retirada para ser entregue a quem a beneficiasse. 125 A partir daquele momento toda decisão

123 Foi criado o Conselho Nacional de Economia que deveria abrir inquéritos para apurar a situação dos diferentes setores da economia e propor as medidas oportunas.124 Datam deste período as primeiras tentativas de "desbravar" a região amazônica integrando-a ao país, através de processos de colonização dirigida nos Estados do Pará, Amazonas, Mato Grosso e Goiás. No Pará através do Decreto-Lei n.º 5.878, de 04/10/1943, foram entregues à Fundação Brasil Central, 151.000 hectares, divididos em lotes de 3.000 ha. Em 1961 o governo do Pará decidiu cancelar a doação que tinha feito para a FBC, criando uma série de disputas judiciais entre os detentores dos títulos expedidos pela Fundação (que na quase totalidade nunca chegou a ocupar estas terras) e o governo estadual. Também na década de quarenta foi criado o primeiro Projeto de Colonização Oficial Federal destinado ao assentamento de trabalhadores rurais: o de Monte Alegre.125 A introdução deste importante instituto na nossa constituição se deu através de uma emenda apresentada pelo senador udenista FERREIRA DE SOUZA (apud SODERO, 1980:79) que assim a defendeu: “Superpondo o bem comum ao bem individual, admite-se a expropriação das propriedades inúteis, das que poderiam ser cultivadas e não o são, daquelas cujo domínio absoluto chega a representar um os outros homens. (...) Não estamos mais nos velhos tempos da propriedade quiritária, nem naqueles em que se definia como direito de usar, gozar e dispor de uma coisa qualquer. Foram-se os tempos, a época em que a propriedade era considerada um atributo individual destinado à satisfação de prazeres ou necessidades individuais. Hoje, sociólogos e juristas estão de acordo em que a propriedade, se não era uma

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judicial que fosse chamada a apreciar lides agrárias, era necessário que se baseasse não só no direito de propriedade, como também na maneira de se utilizar a terra (“modus utendi”). O valor da indenização, além de ser justo e prévio deveria ser em dinheiro (Art. 141, par. 16). Este dispositivo inviabilizou a reforma agrária, pois o governo justificava sua omissão com a falta de recursos para pagar as desapropriações. Ainda mais que os tribunais se perderam em intermináveis controvérsias, para definir o que seria justa indenização. Outros dispositivos importantes que constavam nesta Constituição foram aqueles que isentavam do pagamento do Imposto Territorial Rural (ITR), a propriedade familiar, quando a área do imóvel não fosse superior a 20 ha e fosse cultivada só ou com a ajuda da família e o proprietário não possuísse outro imóvel (Art. 19 § 1º) e o que mantinha o usucapião pro labore ampliando a área de 10 para 25 ha e estendendo-o também a estrangeiros (Art. 56, § 3º).

Para regulamentar o princípio constitucional da função social da propriedade (Art. 147), já em 1947 começaram a serem apresentados no Congresso Nacional Projetos de Lei que visavam viabilizar a Reforma Agrária. 126 O próprio governo federal instituiu a Comissão Nacional de Política Agrária que chegou a formular as “diretrizes para a reforma agrária no Brasil”, sem, porém, conseguir grandes resultados devido ao custo das indenizações. Apesar de nenhum destes projetos chegar a ser aprovado, começaram a serem criados alguns instrumentos de intervenção na estrutura agrária nacional.

6.2 A ORGANIZAÇÃO DOS TRABALHADORES FORÇA A PRIMEIRA TENTATIVA DE MUDANÇAS ESTRUTURAIS

Na década de '50, as organizações de trabalhadores se fortaleceram sempre mais: Ligas Camponesas no nordeste; ULTAB (União dos Lavradores e Trabalhadores Agrícolas do Brasil) e MASTER (Movimento dos Agricultores Sem Terra), em 1960, no Rio Grande do Sul, e começaram a apresentar propostas concretas. 127 As lutas camponesas continuaram de um lado, a expressar-se através de ações isoladas de resistência armada e do

necessidade social, ela se tornaria um instituto quase tão injustificável. Eis a razão pela qual minha emenda evitou a expressão: “em toda a sua plenitude”, e que só se compreende no regime anterior, de propriedade absoluta”. 126 Entre 1947 e 1964 tramitaram no Congresso mais de 20 projetos de lei disciplinando a reforma agrária visando mudar a estrutura agrária nacional.127 Ver, por exemplo, a Declaração de Belo Horizonte de novembro de 1961 que defendia uma política agrícola e creditícia que favorecesse os trabalhadores rurais e uma reforma agrária radical que mudasse a estrutura agrária.

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outro, começaram a assumir uma conotação política chegando a questionar a própria estrutura de poder que favorecia o latifúndio. 128 A reforma agrária passou a ser uma bandeira de luta proposta por várias forças sociais, aglutinando ao redor de si as lutas pela terra que estavam acontecendo em várias regiões do país. Os primeiros anos da década de sessenta foram, assim, propícios para o avanço dos movimentos populares e a apresentação de propostas de reforma agrária. Toda esta mobilização desembocou na criação da CONFEDERAÇÃO NACIONAL DOS TRABALHADORES NA AGRICULTURA (CONTAG) em dezembro de 1963. 129

Neste período, não só no Brasil, mas em toda a América Latina, o sistema latifundiário estava em profunda crise, criando a possibilidade de mudanças radicais, não só a nível econômico, como também político. Para evitar o avanço das idéias comunistas que tinham prevalecido em Cuba, os governos dos países latino-americanos reuniram-se no Uruguai, sob a inspiração e o patrocínio da Aliança para o Progresso. O documento final, conhecido como Carta de Punta de l´ Este, propunha a mudança das estruturas agrárias dos diferentes países e a promoção da reforma agrária. 130

128 São da década de cinquenta os conflitos armados de resistências aos projetos de colonização ou às grilagens que prejudicavam os trabalhadores rurais em Governador Valadares (Minas Gerais), Formoso (Goiás), Clevelânida Industrial e Territorial - CITLA (Sudoeste do Paraná), Porecatu (Norte do Paraná). As ligas camponesas viam na luta pela terra um meio para as mudanças sociais mais vastas que levariam à implantação do socialismo.129 SANTOS (1986:239) afirma que: “O movimento sindical surgiu para quebrar o monopólio de poder do capital na regência das relações de produção, ao mesmo tempo em que articulava e organizava as aspirações coletivas por uma sociedade mais justa que as engendradas pelos regimes econômicos até então conhecidos”. 130 O artigo 60 afirmava: “Impulsionar, respeitando as particularidades de cada País, programas de reforma agrária integral, encaminhada à efetiva transformação onde for necessária a modificação das estruturas dos injustos sistemas de posse e uso da terra...”. In GUIMARÃES (1981:228). Manoel DIÉGUES JÚNIOR (apud SODERO, 1978:156), no Seminário Interamericano sobre Problemas de Reforma Agrária, realizado em 1963, escrevia: “A estrutura agrária que o Brasil apresenta, em nossos dias, não difere muito daquela que recebemos como herança da ocupação portuguesa. O que começou a implantar-se com a colonização (1534), não sofreu alteração substancial com o processo de independência (1822). Manteve-se, em suas linha gerais, a estrutura recebida de Portugal; e, ainda hoje, absorve dominantemente o sistema de exploração da terra no Brasil”. Um estudo elaborado pelo Comitê Interamericano de Desenvolvimento Agrícola (CIDA) (apud GUIMARÃES, 1981:243), editado em 1966 como resultado da Conferência de Punta de l´ Este, concluiu que: “a estrutura de tenência no Brasil constitui o fator determinante que afeta o desenvolvimento e o progresso da agricultura brasileira, e se a tenência da

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O governo João Goulart assumiu algumas das bandeiras dos trabalhadores rurais e, através do decreto 4.132 de 10 de setembro de 1962, regulamentou os casos de desapropriação por interesse social concretizando o ditame constitucional, dando o primeiro passo para criar as condições de se realizar a reforma agrária. A lei Delegada n.º 11, de 11/10/62, criou a Superintendência de Reforma Agrária (SUPRA), 131 órgão encarregado de colocar em prática a reforma. No dia 13 de março de 1964, diante de mais de 200.000 pessoas reunidas no Rio de Janeiro, assinou o decreto n.º 53.700 que desapropriava uma faixa de 10 (dez) quilômetros ao longo das rodovias e ferrovias federais para fins de reforma agrária. Este decreto na realidade, apesar de seu conteúdo político evidentemente revolucionário, era porém na prática quase que inexeqüível, devido aos altíssimos custos que isso implicaria pois continuava em vigor a necessidade de se pagar o preço das indenizações previamente e em dinheiro. Na mesma ocasião prometeu remeter ao Congresso Nacional um projeto de Reforma Agrária. Além das promessas e das mudanças legais, Goulart assinou decretos desapropriando terras nos Estados de Rio de Janeiro, Goiás, Minas Gerais e em alguns estados do nordeste. No final do mesmo mês Goulart foi derrubado por um golpe militar que teve nos latifundiários, adversários das mudanças na estrutura agrária, um apoio decisivo.

terra não constitui a relação causal, é pelo menos tão intimamente ligada à produção insuficiente, à pobreza e à fome que quase não pode restar dúvida quanto ao acerto do argumento (...). Nenhuma política agrária é capaz de produzir aquele drástico progresso que seria condizente com o crescimento da população brasileira, a não ser que trate primeiro de mudar radicalmente a sua estrutura agrária”. Foi neste período que CAIO PRADO JÚNIOR (1979:120) apresentou seus argumentos em favor da reforma agrária: a) a desconcentração da propriedade é fonte de justiça social; b) elevar os ínfimos padrões de existência de significativa parcela da população brasileira; c) permitir, que, aumentando o emprego e melhorando as condições de vida no campo, se evite o êxodo rural fazendo com que a mão-de-obra disponível na cidade tenha um maior poder de negociação; d) a produção agrícola nos livraria da dependência externa; e) extensão dos direitos trabalhistas aos assalariados rurais; f) evitar a especulação. A obra, apesar de ter sido publicada em 1979, reúne porém, ensaios do começo da década de sessenta. São argumentos e considerações que deveriam continuar a serem levados em consideração ainda hoje.131 A SUPRA incorporou duas instituições criadas anteriormente: o Instituto Nacional de Imigração e Colonização - INIC (que deveria promover a seleção e distribuição dos imigrantes e o programa nacional de colonização) e o Serviço Social Rural - SSR que visava melhorar as condições de vida dos camponeses.

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6.3 GOVERNOS MILITARES: MUDAR TUDO PARA QUE TUDO FIQUE COMO ANTES

Durante décadas, a sociedade aceitou que os militares tivessem uma larga autonomia e hegemonia dentro do aparelho do Estado. Sobretudo depois do golpe de 1964, as elites passaram a reconhecer a própria estrutura militar como um ator político privilegiado com poder de intervir quando achasse oportuno. Em lugar de serem os servidores da ordem constitucional instituída, os militares passaram a ditar as regras do comportamento social correto reprimindo todas as manifestações contrárias. As academias militares começaram até a forjar um plano global de desenvolvimento para o Brasil. 132 Graças ao apoio das elites, que viam seus privilégios estar sendo ameaçados pelo avanço das forças democráticas, os militares decidiram intervir para moralizar e desenvolver o País. Como de outras vezes na história, fez-se uma revolução de cúpula, para impedir algumas reformas de base, inclusive e principalmente a reforma agrária.

Na realidade, os governos militares manifestaram ser extremamente reacionários e centralizadores, fortaleceram o aparelho burocrático e intervieram em todas as esferas da vida econômica, social e política. Para isso, muniram-se de inúmeros órgãos ligados diretamente ao governo federal e cujas decisões eram centralizadas em Brasília com pouca ou nenhuma autonomia a nível local. Os governos estaduais e municipais tiveram suas atribuições reduzidas ou esvaziadas.

O golpe teve, entre suas justificativas, a finalidade de evitar uma revolução agrária que chegasse a colocar em risco o pacto de classes que ainda hoje sustenta o Estado brasileiro. Os militares perceberam a gravidade e explosividade da questão agrária e por isso se municiaram de um aparato legal que permitisse controlar os conflitos. A idéia de que a estrutura agrária semifeudal brasileira obstaculizava o desenvolvimento das forças produtivas, era comum não só aos teóricos de esquerda como também aos tecnocratas do regime militar. (MANTEGA, 1984:17) Por isso, quando estes últimos chegaram ao poder promoveram profundas mudanças. Segundo a Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (FIBGE) de 1970 a 1980 quase 18 milhões de brasileiros deixaram sua terra migrando, ou a procura de novas terras nas áreas de fronteira ou, a maioria, para a região sudeste procurando emprego na indústria (CADERNOS, 1986:23). Estas mudanças

132 Segundo BARRETO (1990:55) "As Forças Armadas tiveram privilegiado o seu papel de ator político importante e dotado de grande autonomia, definindo-se mais como vanguarda do que braço armado do Estado, se autoconcebendo como responsável, inclusive, pela definição de um Projeto Nacional para o Pais".

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não foram obra do acaso, mas de uma cuidadosa escolha política, imposta pelos militares que se aliaram à oligarquia agrária e à burguesia industrial para implementar seus planos.

Entre os instrumentos utilizados pelos governos militares para impor sua política, é necessário destacar as mais de seiscentas intervenções decretadas nos Sindicatos de Trabalhadores Rurais, a fim de enfraquecer o movimento sindical que ameaçava a sustentação do regime (PEREIRA, 1991:2).

6.3.1 Política agrária dos governos militares

Apesar do golpe, de 1º de abril de 1964, ter sido uma reação ás medidas tomadas pelo Presidente Goulart no campo da reforma agrária, foi justamente o primeiro governo militar (Humberto de Alencar Castelo Branco - 15/04/64 a 13/03/67), que se muniu dos instrumentos jurídicos indispensáveis para concretizar a reforma. Uma das medidas mais importantes foi sem dúvida a Emenda Constitucional n.º 10 de 9 de novembro de 1964, 133 de iniciativa do executivo, que introduziu a possibilidade de: “promover a desapropriação de propriedade territorial rural, mediante pagamento de prévia e justa indenização em títulos especiais da dívida pública, com cláusula de correção monetária, segundo índices fixados pelo Conselho Nacional de Economia, resgatáveis no prazo de vinte anos” (Art. 5º da Emenda que mudou o par. 1º do artigo 147 da Constituição Federal de 1946) (grifos nossos). As benfeitorias necessárias e úteis seriam pagas ainda em dinheiro. A Emenda determinava também que só poderiam ser desapropriadas as áreas previamente incluídas nas zonas prioritárias e dava à União a competência exclusiva para desapropriar para fins de reforma agrária. Baixou para 3.000 ha a necessidade de se pedir autorização do Senado para alienar imóveis e elevou para 100 ha a área que poderia ser adquirida através do usucapião pró labore. (Art. 156, §3º). Esta Emenda Constitucional representou um marco histórico, pois as constituições posteriores, pouco inovaram seu conteúdo. Poucos dias depois foi aprovado o Estatuto da Terra (Lei n.º 4.504 de 30/11/64).

Já o item 30 da Mensagem presidencial que encaminhava ao Congresso Nacional o Projeto de Lei, indicava o caminho a ser seguido para realizar uma reforma agrária democrática que viesse: “promover a justa distribuição da propriedade com igual oportunidade para todos”. 134 Uma preocupação era, porém, evidenciada nas “Considerações Finais” da

133 Esta emenda representou também o ato de nascimento do direito agrário como disciplina autônoma pois conferia à União a competência de legislar sobre o mesmo reconhecendo desta maneira sua autonomia legislativa.

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Mensagem: “Espera o Poder Executivo receber do Congresso Nacional o indispensável aval para esta decisão histórica, destinada a evitar a tensão social por abrir a milhões de brasileiros a oportunidade de integração ao progresso econômico e social do país (item 3º).“ (grifos nossos).

Depois de ter apresentado as definições de Reforma Agrária e Política Agrícola (Art. 1º), a lei estabelecia os requisitos essenciais para que uma propriedade cumprisse sua função social (Art. 2º) antecipando os critérios elevados a norma constitucional em 1988 (Art. 186). Enquanto o Estatuto priorizava: “o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores” (letra a) do par. 1º do Art. 2º, a norma constitucional coloca em primeiro lugar o “aproveitamento racional e adequado” (inciso I do Art. 186) numa evidente inversão de valores.

Apesar de reiterar várias vezes o ideal da justiça social e a necessidade do cumprimento da função social da propriedade (artigos 1º, 2º, 12, 13, 16, 18), quando definiu a “empresa rural” (Art. 4º, VI) ou dispôs sobre as áreas que deveriam ser desapropriadas (Art. 20) adotou uma posição meramente economicista esquecendo o social que tinha afirmado até então.

134 A Mensagem nº 33, de 26 de outubro de 1964 mostra-se porém muito mais preocupada com o desenvolvimento rural do que com a mudança da estrutura agrária quando fala da interdependência entre o campo e o meio urbano elencando as atribuições deste desenvolvimento: “a) suprir a base alimentar indispensável à intensificação da vida urbana e industrial; b) concorrer com produtos de exportação mais diversificados para ajudar o equilíbrio do balanço de pagamentos externos; c) criar, pela elevação do nível de vida no meio rural, um alargamento do mercado interno de consumo para absorver o crescimento da produção industrial do País; d) concorrer para que se estabeleça um equilíbrio nas migrações entre o campo e a cidade, tanto pela criação nas áreas urbanas de empregos para absorver a mão-de-obra liberada do campo pela introdução da tecnologia, como pela ampliação das fronteiras agrícolas para a colocação de parte da mão-de-obra anualmente acrescida pelo incremento demográfico; e) fixar, na vastidão do território nacional, núcleos de atividade permanente, concorrendo para a regularidade do trabalho no campo e para a progressiva absorção de técnicas que só a continuidade e a tradição agrária possibilitam” In BRASIL (1983a:8).

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Seu artigo 4º apresentou a definição de imóvel rural135 e suas diferentes modalidades:

a) propriedade familiar: imóvel explorado direta e pessoalmente pelo agricultor e sua família (estava presente aqui a base do módulo rural, que representou a unidade de referência do Estatuto) (inciso II);

b) minifúndio: imóvel com área inferior ao previsto na letra a). A área é insuficiente para promover o bem-estar, a subsistência e o progresso social e econômico (inciso IV)

c) latifúndio: imóvel inexplorado ou aquele cuja área exceda 600 vezes o módulo médio da propriedade rural (inciso V do Art. 4º, combinado com o Art. 46, § 1º, letra a).

d) empresa rural: empreendimento que explore econômica e racionalmente imóvel rural, dentro de condição de rendimento econômico (inciso VI). Estes empreendimentos não poderiam ser desapropriados (Art. 19, § 3º). O módulo rural previsto pelo Estatuto da Terra procurava harmonizar a relação entre a superfície do terreno, o bem-estar e a estabilidade econômica do proprietário (Art. 4º, II e III). Por isso o tamanho da área variava nas diferentes regiões e foi estabelecido levando-se em consideração: a fertilidade do solo, sua localização (se se situava perto ou longe de uma cidade, de uma rodovia, etc.), as culturas possíveis e o trabalho a ser exercido pela unidade familiar.

135 A definição adotada é aquela que privilegia o critério da “destinação”, isto é, considera-se rural: “O prédio rústico de área continua qualquer que seja a sua localização que se destine à exploração agrícola ...”. A celeuma sobre o conceito de imóvel rural, unidade básica do direito agrário, ainda hoje é grande entre os doutrinadores que se dividem entre os que, a partir do Estatuto da Terra e da atual lei de reforma agrária (Lei n.º 8.629/93) defendem o critério da destinação, como, por exemplo, os civilistas Maria Helena Diniz (1998:216), Caio Mário da Silva Pereira (1995:188), Arnoldo Wald (1998:345) e Nilton da Silva Combre (1997:25-27) e os agraristas Benedito Ferreira Marques (1998:45), Flávio Sant´Anna Xavier (1998:48), João Bosco Medeiros de Souza (1994:28), Pinto Ferreira (1998:177), Rafael Augusto de Mendonça Lima (1997:175) e Paulo Borges Tormin (1996:30). Outros autores, a partir da definição do Código Tributário Nacional (Lei n.° 5.172 de 25/10/1966), defendem o critério da localização José Carlos de Moraes Sales (1995), José Bonifácio Borges de Andrada e os constitucionalistas Tupinambá Miguel Castro do Nascimento (1989) e Celso Bastos (1990). Defendemos que devam se utilizar os dois critérios em âmbitos diferentes: o da localização quando de tratar de tributação (ex vi a decisão neste sentido do Supremo Tribunal Federal no Recurso Extraordinário n.º 93.850 – MG) e o da destinação quando se tratar de reforma agrária.

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O fato que, ao parceiro fosse reconhecido o direito de preferência, quando o proprietário quisesse vender o móvel, mostrou como se valorizava o trabalho e reconhecia-lhe o direito de ser fonte de propriedade da terra (Art. 93, § 3º).

Apesar do Estatuto condenar igualmente o minifúndio e o latifúndio, o primeiro deveria desaparecer, enquanto ao segundo era oferecida a possibilidade de se modernizar (créditos e outros incentivos) e transformar-se em empresa rural. 136

O Estatuto atribuiu ao INSTITUTO NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO AGRÁRIO (INDA), a tarefa de promover o desenvolvimento rural de setores do cooperativismo, sindicalização rural e eletrificação rural e ao INSTITUTO BRASILEIRO DE REFORMA AGRÁRIA (IBRA) a implantação da reforma agrária. Para isso tinha dois instrumentos: a desapropriação por interesse social, que visava a eliminação do latifúndio e do minifúndio e a cobrança de imposto progressivo (IMPOSTO TERRITORIAL RURAL - ITR) que obrigava os latifundiários a fazer produzir sua terra se não quisessem ser duramente onerados com este imposto. 137 Os tecnocratas militares viam: "a estrutura fundiária como obstáculo estrutural à modernização e à industrialização" (BRUNO, 1987:1). Se o Estatuto da Terra tivesse sido aplicado, o governo federal poderia desapropriar 77% da área rural, segundo dados do próprio INCRA (GUANZIROLI, 1984).

Uma das determinações importantes do Estatuto da Terra foi sem dúvida a criação do cadastro de imóveis rurais que, a partir da Lei n.º 5.868, de 14/12/1972, regulamentada pelo Decreto n.º 72.106, de 18/04/1973 passou a integrar o Sistema Nacional de Cadastro Rural. O Art. 2º da Lei afirma que: "Ficam obrigados a prestar declaração de cadastro (...) todos os proprietários, titulares do domínio útil ou possuidores a qualquer título de imóveis rurais (...)”. Ainda hoje bem poucos registros imobiliários fazem menção ao número de cadastro do imóvel no INCRA conforme determina a lei 138

136 A Mensagem n.º. 33 ( apud BRASIL, 1983a:7), que apresentava o ET ao Congresso Nacional, afirmava que: “ Estes últimos [os minifúndios] o aumento verificado, - mais de 75% - identifica uma inconveniente anomalia estrutural que cabe a uma reforma agrária corrigir”.137 A simples apresentação de um projeto de exploração para o IBRA era suficiente para que o imposto a ser pago pelo latifundiário caísse em 90% (Art. 50, § 50 e 12 do Estatuto da Terra).138 O artigo 22, § 1º e 2º, da lei n.º 4.947, de 6 de abril de 1966 determinava:

“Art. 22 ....................................................................................................................

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Uma das finalidades do cadastro é aquela de “Fornecer dados e elementos de informação necessários à formulação e execução dos Planos Nacional e Regionais de Reforma Agrária e de Colonização” (Art. 2º, I, letra b). A experiência destes trinta e cinco anos mostra o fracasso deste tipo de cadastro, pois, na maioria dos casos, as informações prestadas pelos proprietários são imprecisas, quando não absolutamente falsas.139 Estamos diante de uma situação absurda: de um lado o cadastro do INCRA é declaratório, isto é se baseia nas informações prestadas pelos ocupantes dos móveis, do outro os mesmos, sobretudo os detentores de imóveis com área superior a 1.000 hectares, não atualizaram suas declarações fazendo com que o governo não tivesse a possibilidade de conhecer a atual estrutura fundiária e, consequentemente, o grau de concentração da propriedade. Só a criação de Cadastro Técnico Nacional baseado em referências geodésicas, poderia de fato servir para elaborar a política agrária nacional. 140 O Congresso Brasileiro de Cadastro Rural, realizado em Belém de 8 a 11 de abril de 1997,

Par. 1º: Sem apresentação do Certificado de Cadastro, não poderão os proprietários, a partir da data a que se refere este artigo, sob pena de nulidade, desmembrar, arrendar, hipotecar, vender ou prometer em venda imóveis rurais.

Par. 2º: Em caso de sucessão “causa mortis”, nenhuma partilha, amigável ou judicial, poderá ser homologada pela autoridade competente sem a apresentação do Certificado de cadastro, a partir da data referida neste artigo”.A Lei n.º 5.868, de 12 de dezembro de 1972, regulamentada pelo decreto n.º 72.106,

18 de abril de 1973, criou o Sistema Nacional de Cadastro Rural. Seu artigo 26 determinava que em caso de sucessão causa mortis a partilha poderia ser homologada pela autoridade competente só depois de ter sido apresentado o Certificado de Cadastro do INCRA. O mesmo documento era exigido em caso de alienação e hipoteca. Além disso era necessário comprovar o pagamento do ITR relativo ao último lançamento expedido pelo INCRA (Art. 22 e 23).139 Também a revista "Produtor Rural" (2000:38) comunga com esta avaliação: "O cadastro técnico é o instrumento essencial para um moderno gerenciamento do espaço fundiário. Apesar de previsto na legislação há mais de 34 anos (no Estatuto da Terra), o Cadastro Rural nunca foi feito nos moldes tecnicamente adequados e como exige a legislação (o cadastro do INCRA não atende a legislação em vigor, pois é meramente declaratório e somente foram objeto de conferência as propriedades acima de 30 módulos rurais), o que contribuiu para originar a bagunça que hoje impera na estrutura agrária nacional" (grifos nossos).140 Nos últimos anos, depois do recadastramento de 1992 que resultou num grave fracasso pois, sobretudo na Região Norte, mais da metade dos imóveis não foi recadastrado, o INCRA começou a realizar um cadastro utilizando fotos de satélites. O Diretor do Departamento de Cadastro da Superintendência do INCRA do Pará (SR 01), um dos responsáveis por este projeto, informou que precisarão alguns anos para completar este trabalho.

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defendeu a idéia da criação do Cadastro Técnico Nacional integrado com as informações de todos os Institutos Estaduais de Terra, INCRA, IBAMA, CRPM, SPU e FUNAI. 141 Utilizando-se imagens do satélite LANDSAT poderia se ter uma atualização da situação dos imóveis a cada 18 dias. O INCRA, no final de 1999, voltou a declarar: "A fraude foi historicamente facilitada por algumas brechas institucionais, como, por exemplo, a inexistência de um cadastro único. Os órgãos fundiários, nos três níveis (federal, estadual e municipal) não estão articulados entre si".142

Para assegurar o acesso à terra o ET preconizava a utilização de alguns instrumentos:a) Legitimação de Posse: quem detivesse um lote até 100 ha, morasse nele e o beneficiasse, receberia uma LICENÇA DE OCUPAÇÃO válida pelo período de quatro anos, findos os quais teria a preferência para a aquisição do lote desde que tivesse capacidade de desenvolver a área ocupada. 143

b) Alienação com dispensa de Licitação: permitia a aquisição de áreas até 3.000,00 ha para quem as detivesse como posses mansas e pacíficas. Na realidade mais de que priorizar o reconhecimento do direito de posse é uma modalidade de transferência da propriedade das terras publicas para as particulares que possam se permitir pagar o preço exigido que, apesar de ser baixo para os grandes posseiros, era proibitivo para os pequenos. Reedita-se, um século depois, a doutrina de Wakefield. A dispensa da licitação traz embutida em si a possibilidade de favorecimento.c) A concessão com Dispensa de Licitação: é uma modalidade de reconhecimento de propriedade mais perversa ainda. Destinava-se a regularizar os títulos de imóveis com exploração indefinida, isto é, latifúndios na linguagem do Estatuto, com área até 600 vezes o módulo rural cujos proprietários: “Pessoas físicas ou jurídicas de direito privado, detentoras de áreas transcritas no registro imobiliário, com vícios insanáveis, cuja cadeia dominial tenha sido iniciada em 28 de junho de 1966”. (JONES, 1997a:306).

Apesar de destinar-se a implantação de projetos de relevante interesse nacional, esta modalidade só pode ser definida: “como um verdadeiro monumento jurídico à grilagem especializada, à ilegalidade e a

141 Na ocasião, entendendo que a democratização das informações ajudará a formular melhor a política agrária nacional, o autor apresentou uma moção que incluiu os representantes dos trabalhadores na discussão da elaboração do cadastro. Moção que foi aprovada pela plenária por unanimidade.142 BRASIL, 1999: 4.143 Ver Art. 29, § único da Lei n.º 6.383, de 7 de dezembro de 1976.

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fraude. Trata-se de uma verdadeira ‘obra prima’ do estelionato no campo da legislação fundiária” (JONES, 1997a:306).

As exigências do prévio cancelamento do registro (registro legalmente nulo devido aos seus vícios) e da autorização do Senado Federal, não retiraram seu caráter casuístico de grilagem especializada contrária aos interesses nacionais para acobertar a fraude.d) A Alienação com Concorrência Pública com Licitação: Venda de grandes extensões de terra (até 3.000 ha), muito utilizada no Pará e Rondônia, onde o proprietário se obrigaria a cumprir determinadas condições estabelecidas no Contrato de Alienação de Terras Públicas.e) Alienação com Licitação e Direito de Preferência: Mistura das condições anteriores onde existe licitação, mas quem ocupa a terra em direito de preferência na aquisição.f) Concessões especiais: concessão de terras públicas para empresas particulares de colonização.144

g) Doação de terras públicas para os municípios localizados na Amazônia Legal ou da faixa de fronteira constituírem seu patrimônio.h) Ratificação dos títulos concedidos pelos estados de maneira irregular por ter titulado áreas sob a jurisdição da União.

A reação dos latifundiários, que se sentiram traídos com a promulgação do Estatuto, foi imediata. Através de um manifesto, os ruralistas condenaram a proposta reformista do governo militar porque ela: "representa o ataque frontal ao direito de propriedade e o perigo de socialização no campo" (BRUNO, 1987:2). Além das entidades de classe como a Confederação Nacional da Agricultura e a Sociedade Rural Brasileira, também os militares da linha dura se colocaram frontalmente contra o Estatuto da Terra. Esta reação é explicada por BRUNO (1987:2) pelo fato que o Estatuto: "não deixou de ser uma tentativa de golpear a propriedade improdutiva e um setor da classe latifundiária retrógrada e

144 Esta modalidade é regulamentada pela Lei n.º 68.524, de 15 de abril de 1971, “Dispõe sobre a participação da iniciativa privada na implantação de projetos de colonização nas zonas prioritárias para a reforma agrária, nas áreas do Programa de Integração Nacional e nas terras devoluta da União na Amazônia Legal”; e pelo Decreto n.º 71.615, de 22 de dezembro de 1972, que Regulamenta o Decreto-Lei n° 1.164, de 1º de abril de 1971, alterado pelo Decreto-Lei n.º 1.243, de 30 de outubro de 1972, que fixa as normas para a implantação de projetos de colonização, concessão de terra e estabelecimento ou exploração de indústrias de interesse da Segurança Nacional, nas terras devolutas localizadas ao longo das rodovias na Amazônia Legal”.

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profundamente conservadora, avessa a toda e qualquer medida que viesse a "arranhar" seus privilégios".

Um segundo passo importante para modernizar o campo dado durante o governo Castelo Branco foi a promulgação da Emenda Constitucional n.º 18, de 10 de dezembro de 1965, que estendia à Amazônia Legal os incentivos fiscais que antes beneficiavam só o nordeste.

O segundo governo militar (Arthur da Costa e Silva – 15/03/67 a 31/08/69) priorizou a política de integração da Amazônia através da efetiva ocupação dos espaços vazios. Para esta difícil empreitada contou com o apoio decisivo das Forças Armadas.

Para agilizar a reforma agrária, o governo federal, através do Ato Institucional n.º. 09, de 25 de abril de 1969, retirou a palavra prévia do texto da Constituição Federal de 1967, que tratava do pagamento da indenização das terras desapropriadas, e através do Decreto-Lei n.º 554, editado no mesmo dia, criou um novo rito que possibilitou a efetivação da desapropriação por interesse social, no prazo de 72, horas das áreas declaradas como prioritárias para a reforma agrária. Estas áreas eram escolhidas levando em consideração a existência, numa determinada região, de latifúndios improdutivos e tensões sociais. Em caso de falta de acordo sobre o valor da indenização, o INCRA poderia depositar em juízo o valor, em TDAs, correspondente àquele declarado pelo proprietário para fins de pagamento do ITR (Art. 3º). Este decreto serviu de base a todas as desapropriações, até o advento da Lei Complementar n.º 76/93 que o revogou. Em 15 de maio de 1969, através do Decreto-Lei n.º 582, foi criado o GRUPO EXECUTIVO DE REFORMA AGRÁRIA (GERA) ao qual cabia "orientar, coordenar, supervisionar e promover a reforma agrária" (Art. 1º).

Na realidade, os entraves jurídico-políticos no processo de desapropriação e de indenização, não só protelaram, mas impediram na prática a realização da reforma agrária. Uma decisão muito discutida do SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, declarou a inconstitucionalidade do Art. 11 do Decreto-Lei n.º 554/69 abrindo espaço às negociatas. Os juizes passaram a arbitrar o justo valor partindo cada um de critérios próprios e fazendo prevalecer como justo o preço de mercado. Na realidade, a desapropriação, em lugar de ser uma penalização imposta a quem desobedeceu à lei durante anos, transformou-se num prêmio. 145 As leis que

145 O Art. 11 estabelecia: “Na revisão do valor da indenização, deverá ser respeitado, em qualquer caso, como limite máximo, o valor declarado pelo proprietário, para efeito de pagamento do imposto territorial rural, e eventualmente reajustado nos termos do § 3º do artigo 3º”. O Agravo de Instrumento (Ag) n.º

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previam a Reforma nunca saíram do papel, pois, apesar do governo dispor, a nível jurídico, de todos os instrumentos legais para realizar a reforma agrária no Brasil, nunca teve a vontade política de utilizá-los. Neste sentido, é suficiente um olhar superficial para perceber como a desapropriação por interesse social teve seu papel reduzido e diluído durante os governos militares. O Estatuto da Terra a mencionava em primeiro lugar entre os instrumentos para realizar a reforma agrária; o Decreto n.º. 55.891 de 31/03/65, a colocou depois das atividades de zoneamento, cadastro e tributação; o decreto n.º 582 de maio de 1969 minimizou ainda mais sua importância. Estes entraves legais associaram-se à tradicional falta de recursos humanos e financeiros do INCRA em executar as vistorias e as ações de desapropriação. Por isso, de 1965 a 1981, foram editados somente 124 decretos de desapropriação, isto é 8 por ano, quando os conflitos alcançavam uma média de 70 por ano (ALVES, 1995:131). O Estatuto foi, assim, utilizado somente quando os conflitos sociais se agudizam podendo transformar-se em conflitos políticos. 146

Dentro do próprio governo havia posições contrastantes, pois, enquanto o Ministro do Interior Costa Cavalcante (apud CNBB, 1977:80) afirmava em Porto Alegre em 04 de agosto de 1969 que: "A reforma agrária vai manter a atual estrutura fundiária, pois a política do governo é de realizá-la sem divisões de terras". O general Carlos de Morães (apud CNBB,

38.537 - MG decidido pelo Plenário do Tribunal Federal de Recursos em 06/12/79, publicado na Revista do TFR n.º 82, pág. 24 assim determinou: “Desapropriação, por interesse social, para fins de reforma agrária. Decreto-Lei n.º 554, de 25/04/1969, Arguição de inconstitucionalidade dos Arts. 3º, incisos II e III e 11. Na desapropriação, o proprietário há de receber indenização justa, pela perda do bem expropriado, inclusive em se tratando de desapropriação, por interesse social, para fins de reforma agrária. Não é possível adotar em lei, como critério decisivo a definir a justa indenização, o valor da propriedade declarado pelo titular, para fins de pagamento do imposto territorial rural. Inconstitucionalidade, apenas do Art. 11, do Decreto-Lei n.º 554/69, e não de seu Art. 3º, inciso II e III”. In BRASIL (1983a:618-619). Quatro anos depois o Supremo Tribunal Federal no Recurso Extraordinário (RE) n.º 100.045-7 - PE decidido pelo Pleno do STF em 16/06/83, publicado no Diário Oficial de 17/06/83 decidiu pela inconstitucionalidade deste artigo cuja vigência foi suspensa pelo Senado Federal. A desapropriação passou a ser encarada como uma modalidade de compra e venda sem ter nenhum caráter punitivo.146 PANINI (1990:88) afirma: “Assim, na prática, o instituto da desapropriação, em decorrência do princípio da função social da propriedade, passa a ser instrumento jurídico à disposição do estado para reprimir e neutralizar as organizações dos camponeses”.

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1977:81), presidente do IBRA, em 28 de agosto do mesmo ano: "defendia a intensificação da agricultura através de uma ampla modificação da estrutura agrária e de uma política de desenvolvimento agrícola original e objetiva, criticava os métodos utilizados até agora para enfrentar os problemas do campo, destacando a desapropriação por interesse social como instrumento básico para a consecução da reforma agrária".

Na realidade, enquanto no sul do país continuavam a se manter inalterados os fatores de expulsão dos trabalhadores rurais de suas terras (a modernização da agricultura com a disseminação das culturas da soja e trigo em larga escala e introdução de implementos agrícolas), na Amazônia os grandes proprietários reproduziam, em escala ampliada, o fenômeno da concentração da propriedade. Enquanto Castelo Branco achava que era possível introduzir as grandes empresas no campo sem acentuar as tensões sociais, o governo Costa e Silva transformou a questão agrária num problema militar. Seu Ministro do Interior, general Albuquerque Lima, era um dos maiores defensores da política de integração da Amazônia.

Um Decreto-Lei de 16 de setembro de 1969 estendeu os incentivos fiscais para a atividade pecuária determinando que as empresas agropastoris que realizassem investimentos na propriedade gozariam de isenção fiscal pelo prazo de dez anos. Cerca de trinta anos depois se constatam os efeitos desastrados desta medida que em lugar de progresso e desenvolvimento trouxe violência e desmatamento.

A CONTAG, que em 1968 a tinha mudado de direção tendo eleito como seu novo presidente o nordestino José Francisco da Silva, começou a cobrar uma nova política por parte do governo. 147 A CONTAG começava assim, a ser um canal de resistência e de apresentação de propostas alternativas à política oficial. A mesma entidade retomou a bandeira da reforma agrária promovendo 10 Encontros de estudo sobre este tema em quatro estados do nordeste.

O governo de Emílio Garrastazu Médici (30/10/69 a 15/03/74), fez muitos discursos sobre a valorização do homem do campo, a integração nacional, a redução das desigualdades regionais e sociais. A perspectiva era aquela de modernizar a agricultura para ampliar sua capacidade produtiva, aumentar o poder de compra do homem do campo para incorporá-lo ao mercado de consumo e permitir assim o desenvolvimento da indústria nacional. Atrás do discurso da integração e desenvolvimento nacional se escondia a velha ideologia da segurança nacional. Na verdade, o lema certo

147 SILVA (apud CNBB, 1977:82) afirmava: "Compreendemos a Reforma Agrária como um processo de redistribuição de rendas, baseado na redistribuição de terras, com a participação ativa dos interessados".

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deveria ter sido: integrar para explorar.148 Este discurso se traduziu, na prática, na criação do INSTITUTO NACIONAL DE COLONIZAÇÃO E REFORMA AGRÁRIA (INCRA), através do decreto n.º. 1.110 de 09/07/70, que tinha como prioridade a colonização e a expansão da fronteira. O IBRA desapareceu, depois de ter ficado alguns meses sob intervenção do governo devido às denúncias de corrupção.

Em 12/11/1970, o Brasil ratificou, através do decreto n.º 67.542, a Carta da Organização dos Estados Americanos que, em seu artigo 31 determinava a: “modernização da vida rural e reformas que conduzam a regimes equitativos e eficazes de posse da terra”.

O PLANO DE INTEGRAÇÃO NACIONAL (PIN) criado pelo decreto n.º. 1.106/70 apresentava a abertura de estradas, em particular a Transamazônica, como a solução para os nordestinos. 149 Esqueceu-se assim, a reforma agrária em favor da colonização. A colonização oficial foi o instrumento utilizado para transferir trabalhadores das áreas de tensão social do nordeste para a Amazônia. Ao priorizar a colonização, os governos militares escolheram incorporar novas terras ao processo de ocupação do território, em lugar de promover a desconcentração da propriedade nas

148 Assim se expressava o general MEIRA MATTOS (apud UZTARRIOZ, 1991:20) "Seria um desafio perigoso manter este vazio demográfico de dimensões continentais quando a comunidade internacional começa a se preocupar pelo problema da super população que se coloca em regiões como o Bangla-Desh ou Indonésia". A mesma posição era defendida pelo Ministro da Agricultura CIRNE LIMA (apud CNBB, 1977:87) que em dezembro de 1969 afirmava: "50% da população classificada como vivendo da terra, na verdade não vive, pois está marginalizada. Está muito distante do bem-estar social, mesmo por aquele vivido pelo mais modesto operário urbano. Fazer com que o homem do campo tenha acesso ao bem-estar e ao progresso econômico deve ser a maior preocupação da indústria". Quinze anos depois, em 1985, fazendeiros do sul do Pará expressam a "saudade" do bom tempo da ditadura militar e da política instaurada pelo presidente Médici: "Nós queremos que volte o respeito do mesmo tempo do militarismo. Ao menos respeito tinha, ao menos financiamento tinha, com juros acessíveis, né? (...) Nós não podemos ter esse tanto de invasão, porque no fim os fazendeiros vão largar isso aqui e quem vai tomar conta? Nós viemos aqui integrar a Amazônia para não entregar, esse foi o convite do Garrastazu Médici (L. COSTA, 1999:220 e 223)" (grifos da autora).149 O Ministro do Interior COSTA CAVALCANTI (apud CNBB, 1977:92) afirmou: "O nordeste ganhará tranquilidade social para grande parte de sua população que terá empregos na construção da Transamazônica, em cujas margens se fixará, auferindo os benefícios da fertilidade do solo e fugindo aos fantasmas eventuais da seca".

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regiões densamente povoadas. A expansão da fronteira dobrou o tamanho das terras utilizadas no Brasil. 150 Mais uma vez, as classes dominantes procuraram manter intacta a fonte de seu poder e criaram programas paliativos para evitar a agudização dos conflitos. Esta escolha só serviu para transferir a violência para os estados, onde os novos donos passaram a disputar a terra com os posseiros. 151 A colonização da fronteira foi apresentada como a solução para os problemas agrários enfrentados no País. Na realidade, porém:

"Os frutos da colonização oficial não corresponderam, nem de longe, às expectativas despertadas por uma propaganda irresponsável motivada por objetivos políticos ou puramente comerciais. Seria injusto atribuir ao INCRA todas as frustrações. Muitos dos fracassos registrados se devem muito mais à política agrícola global do Estado" (HEBETTE, 88:25).

Em 1971, foi criado o Programa de Redistribuição de Terras e de Estímulo à Agroindústria do Norte e Nordeste (PROTERRA), para promover o mais fácil acesso do homem à terra, criar melhores condições de emprego da mão-de-obra e fomentar a agroindústria nas regiões compreendidas nas áreas de atuação da SUDAM e SUDENE. 152

150 O presidente nacional do INCRA, Paulo YOKOTA (apud JONES, 1997a:220-221) elogiou o aumento do tamanho do Brasil através da incorporação de novas terras: “Nem todos os brasileiros possuem a clara consciência de que nestas três décadas, o Brasil dobrou efetivamente de dimensão. Desde 1500 a 1960, portanto em 460 anos, ocupou-se a metade litorânea, e alguns pontos isolados junto a alguns rios interiores (...). A partir dos anos ´70, a ocupação do Centro-Oeste e da Amazônia passou a ser sistemática e contínua. Aragarças, Jacareacanga, entre outros, eram pontos somente conhecidos pelos pioneiros da FAB, e ligados a alguns acontecimentos políticos. Hoje a ocupação entre Brasília e Cuiabá é sistemática”. 151 MARTINS (apud JONES, 1997a:193) relata um episódio envolvendo um posseiro que bem reflete a agudização dos conflitos na região do Araguaia: “Quando aqui cheguei tinha minha terra. E quem não tinha? Terra nestas bandas nunca teve dono, os donos chegaram depois, havia roças, criava umas cabeças de gado e até bode (...). Um dia apareceu (sic) os donos da minha terra, e não é que tentei resistir? E não é que me dei mal? Não é que teve de fugir depois de estrepar um filho da puta, o primeiro na minha vida, na ponta de um punhal? Uma desgraça”. 152 A avaliação da CONTAG em relação a este programa não foi porém muito positiva pois: “Na prática ficou evidenciado que o PROTERRA não passou de um mecanismo de crédito e incentivos financeiros fáceis e vultuosos para o latifundiário e como instrumento de liberação da mão de obra e seu aviltamento". SILVA e FERRI (1982:4).

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No mesmo ano, os Sindicatos de Trabalhadores Rurais tornaram-se órgãos assistenciais que, através do FUNRURAL, ofereciam assistência médica, odontológica e previdenciária para os trabalhadores. Foi um momento de atrelamento e cooptação das lideranças camponesas para evitar que se engajassem nas lutas de defesa dos direitos de sua classe.

A Constituição Federal de 1967, em seu Art. 4º, I, tinha incluído entre os bens da União: “as terras devolutas indispensáveis à defesa nacional, ou essenciais ao seu desenvolvimento econômico” (grifos nossos). Foi graças a este dispositivo constitucional que o governo militar teve a possibilidade jurídica de editar o Decreto-Lei n.º 1.164/71 que incorporou extensas áreas de terras não aproveitadas na Amazônia Legal ao processo de desenvolvimento nacional. Poder-se-á assim contestar a legitimidade da decisão tomada pelo governo federal devido ao clima de exceção na qual esta constituição e o decreto foram promulgados, mas dificilmente se pode aceitar a tese de que a União teria esbulhado as terras paraenses como se ouve falar. 153

153 A avaliação jurídica e política deste decreto foi objeto de apaixonadas discussões entre os que defendiam a legitimidade, legalidade e oportunidade do mesmo e os que entendiam que representou uma violação da Carta Constitucional e do princípio federativo. O Conselho de Segurança Nacional defendeu a constitucionalidade do 1.164/71 dizendo que o Art. 4º da Constituição Federal em vigor, a de 1967, arrolava entre os bens da União as: “áreas consideradas de interesse para a segurança e desenvolvimento nacional”. O Presidente exerceu assim sua prerrogativa constitucional ao declarar as áreas aos redor das 18 rodovias federais importantes para a segurança nacional. O que, porém, não explicou é porque estas estradas no meio da selva amazônica eram consideradas importantes para a defesa do país, nem a posterior política fundiária implantada pelo INCRA que vendeu estas terras a grandes grupos econômicos nacionais e internacionais em total desacordo com os princípios propostos pelo Estatuto da Terra. É interessante reproduzir um trecho de um estudo de MAIA (1975:13) que defendeu a tese da necessidade deste ato: “Em realidade, quando se vê, ainda agora, o que alguns Estados fazem com seu patrimônio devoluto, é fácil imaginar o que terá ocorrido naqueles remotos tempos. Dai se infere a oportunidade do diploma legal suso referido, pois, coerente com a filosofia que presidiu à elaboração do Estatuto da Terra, o referido diploma cometeu ao INCRA a tarefa de discriminar tais áreas e regularizar as posses legítimas (...). Pela sua importância o Decreto-Lei n0 1164/71 situa-se ao nível das leis 601, de 1850 e 4.504/64, pois alcançando uma área de mais de 1/3 do território Nacional, submete ao comando do Governo Federal o disciplinamento da ocupação de estratégicas porções do solo pátrio, vítimas, não poucas vezes, da voracidade de fabricantes de títulos, ou, na maioria dos casos, tão inaproveitados como se encontravam em 1891, quando passaram ao domínio das Unidades Federadas”. Associamo-nos aos que repudiam a necessidade política deste

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Com a vitória e o esmagamento da guerrilha do Araguaia em 1973, começou uma nova fase. 154 Os militares perceberam que estavam superestimando o valor revolucionário dos conflitos agrários. Os conflitos, que se acirraram a partir deste ano, começaram a ser tratados como caso de polícia e duramente reprimidos para esvaziar estas lutas. Os militares perceberam também que era suficiente combater os focos de problemas localizados, em lugar de alterar a estrutura agrária. Isso fez mudar radicalmente sua política agrária: a desapropriação, que era o instrumento principal para modificar a realidade agrária, passou em segundo plano, deixando lugar para a ocupação capitalista da fronteira. Cirne Lima, favorável ao deslocamento dos colonos do sul para a Amazônia, renunciou ao cargo em maio de 1973 denunciando o favorecimento que o governo, através do INCRA, estava dando às multinacionais. Quem assumiu seu cargo foi quem ele tinha denunciado, isto é, o presidente do INCRA, Moura Cavalcante. MARTINS (1982:15) descreveu desta maneira a nova situação:

"Em maio de 1973, começou a liquidação final das posições favoráveis à reforma agrária. (...) A adoção de critérios burocráticos, administrativos e empresariais, no processo de ocupação das novas terras, representava o banimento das cogitações em favor da redistribuição ou distribuição de terras àqueles que até ali tinham sua situação crítica reiterada e

ato de força, e da visão colonialista que emana dos tecnocratas do “Planalto Central”, considera-se porém o decreto perfeitamente constitucional (à luz da Constituição em vigor, a de 1967), comungando com o entendimento defendido em várias conversas pelo Dr. Carlos Lamarão, Procurador do Estado e que durante anos ocupou o cargo de Diretor do Departamento Jurídico do ITERPA.154 A Doutrina de Segurança Nacional, que passou a reger as decisões dos militares, estava baseada no conceito de conflito permanente e da guerra contra os inimigos internos que justificava o combate a todas as forças de oposição. No final dos anos setenta a guerrilha do Araguaia sacudiu o sudeste do nosso Estado. Cerca de 70 militantes do Partido Comunista do Brasil (PC do B) conseguiram resistir durante mais de três anos às investidas de mais de quinze mil soldados. Apesar de seu conteúdo eminentemente político de movimento armado de oposição à ditadura a guerrilha ajudou os trabalhadores a resistirem à apropriação de suas terras por parte das grandes empresas e latifundiários. Para debelar esse inimigo da segurança nacional o exército instaurou o terror na região, muitos camponeses foram torturados, outros compulsoriamente arregimentados e engajados para servirem de guia ao exército. Aos que se dispuseram a colaborar foram cedidos lotes de até 200 ha (sobretudo na OP 2 em São Geraldo do Araguaia). Segundo STÉDILE (1997b:16) o regime militar introduziu no campo: “a paz dos cemitérios” (grifos nossos).

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pateticamente invocada para justificar a intervenção federal crescente na questão fundiária, que era a dos trabalhadores do Nordeste".

A velha oligarquia latifundiária passou a se aliar com a nova burguesia industrial e a gestar um novo pacto social, onde os camponeses e os operários estavam novamente excluídos.

O governo de Ernesto Geisel (15/03/74 a 15/03/79) voltou a olhar para a Amazônia como fonte de recursos para o desenvolvimento. 155 Já no seu primeiro discurso o presidente da República destacou a necessidade de associar o desenvolvimento e a segurança nacional. A intervenção do governo visava estimular a entrada de capitais no campo, a produção e a comercialização. Mais uma vez, a preocupação era com a modernização capitalista do campo. Foi elucidativa, neste sentido, uma entrevista do Ministro da Agricultura, Alysson PAULINELLI (apud CNBB, 1977:120), ao jornal O Globo em 17/04/74: "O agricultor que pensava em termos de subsistência, vai ter que pensar em termos de mercado. Ele passa a ter que se organizar como uma empresa, preocupado não apenas com a produção, mas também com a comercialização".

A colonização dirigida foi, assim, substituída pela criação de pólos de desenvolvimento. A ênfase era agora dada à criação de médias e grandes fazendas pois era necessário "levar a mentalidade empresarial no campo". O próprio governo foi praticamente levado a reconhecer seu fracasso na colonização, onde milhares de colonos não conseguiram ser assentados, muitos receberam sementes estragadas ou impróprias para o cultivo e muitos trabalharam em lotes que depois descobriram não serem os seus. A mudança de rumo foi tão grande que chegou a preocupar os trabalhadores rurais que denunciaram: "Diante de tão radical modificação somos tentados a nos perguntar se não teria havido uma segunda intenção de abrir a Amazônia com o suor, o sacrifício e o sangue de pobres para a melhor implantação dos grandes e, evidentemente, mui rentáveis projetos agropastoris e agrominerais" (CONTAG, 1985).

Sua preocupação era verdadeira: a prática posterior mostrou como esta era a real intenção governamental. Milhares de posseiros depois de ter amansado a terra foram expulsos para dar lugar às grandes fazendas.

Em 25/09/74 foi criado o POLAMAZÔNIA que visava escolher áreas prioritárias e nelas orientar o processo de ocupação de modo ordenado

155 "No início do governo Geisel a Amazônia passou a ser concebida como fronteira de recursos e não mais como região problema. Ao mesmo tempo começou-se a falar na agricultura como fonte de divisas, não apenas como fonte de abastecimento do mercado interno". STÉDILE (1997b:16).

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e seletivo. Mais uma vez o governo procurava direcionar e conduzir a ocupação do espaço conforme os interesses do capital.

Foi este governo que, em 1976, deu o maior apoio as empresas rurais chegando a favorecer abertamente a grilagem como forma de se apropriar da terra. Através das Resoluções 005 e 006 do Conselho de Segurança Nacional, que adquiriram força de lei, se possibilitou a regularização das situações que favoreciam o desenvolvimento da região. O roubo das terras públicas passou a ser não só tolerado, mas recebeu todo o apoio institucional para se consolidar. Em 1977, para agilizar o controle sobre as terras, foi criada a Coordenadoria Especial do Araguaia Tocantins (CEAT), que, porém, não teve resultados expressivos.

Em 07 de dezembro de 1976, foi promulgada a Lei n.º 6.383 que prevê a discriminação das terras devolutas, um dos mais importantes institutos do direito agrário, pois, visa separar, extremar as terras públicas das particulares. O fundamento jurídico da discriminatória é o domínio eminente que o Estado tem sobre todos os bens que estão situados em seu território. O Estado não tem que comprovar o domínio sobre as terras, ao contrário, são os particulares que precisam comprovar que seus bens foram descorporados de maneira legítima do patrimônio público. As terras públicas se identificam assim através da exclusão das terras particulares. Pode ser feita administrativamente ou judicialmente: os artigos 2 a 17 apresentam o processo administrativo e de 18 a 23 o processo judicial. Estas ações permitiram o reconhecimento do direito de propriedade de milhares de pequenos posseiros, ao mesmo tempo, entretanto, consolidaram e legitimaram a grilagem especializada. Durante o regime militar foram discriminados cerca de 115 milhões de ha de terras, destes 2,7 milhões de ha na Amazônia. 156 É, porém, conveniente se perguntar se de fato foram realizadas ações discriminatórias separando o particular do público, depois

156 O presidente do INCRA, YOKOTA (apud JONES, 1997a:232) afirmou que: “Desde a criação do Estatuto da Terra o Brasil já discriminou 115 milhões de hectares, o que significa cerca de um terço da área de jurisdição Federal, sendo mais de 70 milhões de hectares só no governo João Figueiredo. Desta área, mais de 35 milhões de hectares localiza-se na região Centro-Oeste, preparando uma firme base documental para a expansão agropecuária” (grifos nossos). JONES (1997a:232) utilizando dados dos Censos Agropecuários do IBGE chega a um número muito parecido: 114.965.285 ha. Este fato fez com que os posseiros que se tinham estabelecido nos mais longínquos recantos do país tivessem sua terra integrada ao mercado nacional tendo que disputá-la com aqueles aos quais o governo tinha concedido a firme base documental da qual falou o presidente do INCRA no seu discurso.

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de um exaustivo trabalho de campo ou simples arrecadações sumárias (previstas pelo Art. 28 desta lei) cujo trabalho era realizado só nos Cartórios. No Pará o INCRA, que arrecadou 1,8 milhões de ha, a maioria das quais (1,2 milhões) localizavam-se nos municípios de Altamira e Itaituba, e o ITERPA utilizaram a ação discriminatória sem muito sucesso. A única ação discriminatória judicial ajuizada pelo INCRA no Pará, em 1975, até hoje não saiu do edital. Sem uma adequada preparação, os dois processos mostraram-se assim inadequados, pois, seus prazos exíguos e suas exigências burocráticas não proporcionaram alcançar os fins almejados. Apesar disso experiências recentes promovidas pelo ITERPA nos municípios de Tailândia (1997) e Moju (2000), mostraram que este instrumento pode garantir a efetiva localização de terras que podem ser resgatadas para o patrimônio público. 157 No Moju foram discriminados 127.379.1759 ha. Destes 29.770,5613 poderão ser arrecadados sumariamente e 28.711,0000 depois do ajuizamento das ações de cancelamento dos registros considerados irregulares. Foram localizados 155 posseiros em terra devoluta do Estado (destes 129 ocupando áreas até de 100 ha podendo ter seus imóveis regularizados através do processo e doação, os outros 26 através da compra), 230 posseiros em propriedades particulares (devido ao tempo de sua ocupação ser superior a 20 anos poderão solicitar usucapião extraordinário conforme o art. 550 do Código Civil) e 157 posseiros em imóveis cujos títulos terão que cancelados pelo ITERPA para depois terem seus terras regularizadas e 13 propriedades. O mesmo processo permitiu comprovar que a fazenda Alto Cairari, que tem como base uma Carta de Sesmaria confirmada em nome de Antônio das Neves Pinto e do Título de Legitimação expedido em favor de Manoel Bernardo da Silva tem registros irregulares pois: "... a sesmaria foi concedida à margem esquerda do Igarapé Oricurituba, que está situado a margem esquerda do Rio Paru, no município de Prainha158. Quanto ao título de legitimação, ficou comprovado que o

157 No segundo semestre de 1997 o ITERPA realizou uma ação discriminatória no município de Tailândia (município à beira da PA 150 que nasceu na década de setenta como fruto de um projeto de colonização oficial do ITERPA). O fato de ter discutido e preparado a mesma durante quase dois anos, ter realizado um curso de aperfeiçoamento com todas as pessoas que iriam executar esta tarefa e ter envolvido o Sindicato de Trabalhadores Rurais na escolha da área e na execução dos trabalhos, fez com que, esta vez, a ação discriminatória tenha sido um sucesso: mais de trinta mil hectares foram arrecadados para o patrimônio público e destinados ao assentamento de trabalhadores rurais.158 Em 26 de maio de 2000 a Dra. Dulce Nazaré de Lima Leoncy, então presidente do ITERPA, e o Dr. Ibraim José Das Mercês Rocha, protocolaram na Corregedoria

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mesmo está localizado no Baixo Moju, entre os Igarapés Camurituba e Urubu-Putaua, bem distante, portanto do polígono da discriminatória, onde os atuais detentores dos títulos estão assentados" (grifos nossos) (CAVALLERO, 2000:197). Vale destacar que o município de Prainha localiza-se a centenas de quilômetros daquele de Moju. Já a empresa Universal Comércio Indústria e Exportação, detentora de uma Carta de Sesmaria confirmada em nome de José Antunes Viegas, com 8.712 ha, ocupa na realidade 34.000 ha localizados bem longe do lugar de origem. Esta mesma Carta de Sesmaria serviu de base a uma propriedade registrada em nome de Dirceu Rodrigues Lopes, "com cadeia dominial diferente da Empresa Universal" (grifo nosso) (CAVALLERO, 2000:197). Foram registros irregulares como estes que permitiram ao município de Moju ter uma área cadastrada duas vezes superior à sua extensão territorial.

Apesar de ter declarado em março de 1979, que a agricultura era o setor prioritário de seu governo, na gestão do general João Batista Figueiredo (15/03/79 a 15/03/85), a produção de gêneros alimentícios foi menor que antes, o crédito agrícola foi reduzido e os preços foram achatados. Foram intensificados os esforços em favor da modernização capitalista do campo, que acabou, porém, gerando significativo empobrecimento dos camponeses.

O novo presidente continuava a considerar a questão agrária como uma questão de segurança nacional e os órgãos por ele criados (GETAT e GEBAM) foram subordinados ao Conselho de Segurança Nacional ou dirigidos por militares (MEAF). 159 A criação do MEAF fortaleceu a federalização e militarização da questão agrária. Na prática se revogava, através de um simples decreto, a determinação embutida na Primeira Constituição Republicana que entregou a gestão das terras para os Estados.

um pedido de cancelamento de matrículas, transcrições e averbações nos Cartórios de Registros de Imóveis e desmembramentos posteriores das comarcas de Moju e Igarapé Miri da fazenda Alto Cairari utilizando como referência jurídica a lei n.º 6.739/79.159 O Ministro do Ministério Extraordinário para Assuntos Fundiários, General Danilo Venturini, cumulou este cargo com o de Secretário Geral do Conselho de Segurança Nacional que, a partir de 1975 tinha centralizado em suas mãos todas as informações sobre conflitos agrários chegando a ser um órgão executivo, operacional, marginalizando o órgão fundiário oficial: o INCRA. MARTINS (1985:19) definiu o MEAF como : “o quartel da terra”. Segundo GUANZIROLI (1994:2): "O espírito que guiava este novo ministério (MEAF) continuou a ser a doutrina da Segurança Nacional, orientada para reprimir as tensões sociais, em vez de procurar eliminar as causas que geram estas tensões".

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Isso, teoricamente, deveria enfraquecer a velha oligarquia rural que tinha se apoderado das terras no último século graças à submissão dos governos estaduais aos seus interesses; na realidade, porém, serviu para abrir caminho à entrada das empresas capitalistas no campo. A as novas empresas passaram a conviver pacificamente com a velha oligarquia fundiária, adotando inclusive suas práticas, como aquela de utilizar trabalho escravo para a implantação das fazendas. Fazendeiros e empresas disputaram o espaço não tanto uns dos outros, mas dos trabalhadores rurais e dos povos indígenas. A ocupação territorial se deu, assim, num rígido esquema de segurança onde os aparelhos ligados aos militares tinham a predominância.

Através do Decreto-Lei n.º 1.767, de 01/02/80, foi criado o GRUPO EXECUTIVO DAS TERRAS DO ARAGUAIA TOCANTINS (GETAT), e, poucos dias depois o GRUPO EXECUTIVO PARA A REGIÃO DO BAIXO AMAZONAS (GEBAM), órgãos diretamente subordinado aos CSN. Através deles o governo prometeu reverter o quadro de violência que se estava criando e impulsionar a reforma agrária. O desempenho de GETAT foi assim avaliado por um documento da CPT AT (apud KOTSCHO, 1982:109):

“Consideramos o GETAT, como o primeiro responsável pela operação-limpeza da área sob sua jurisdição, expulsando posseiros e reservando as terras para latifundiários, empresas nacionais e multinacionais, indo contra os verdadeiros interesses do povo brasileiro, transformando este órgão num inimigo dos lavradores e num inimigo da própria nação brasileira. Exigimos a responsabilidade do Governo Federal para que os legítimos direitos dos lavradores da região sejam respeitados e efetivados legalmente”. 160

Em lugar de promover a reforma agrária o governo Figueiredo preferiu continuar a utilizar o instrumento da colonização. 161 Outro meio

160 VALVERDE (apud FERNANDES, 1999:77) relata que: "Não foram raras as intervenções de seus agentes armados, junto com pistoleiros e policiais, na expulsão de famílias de posseiros das terras que ocupavam. O GETAT foi, por isso, mais temido do que respeitado; era, para os camponeses pobres, mais um aliado dos fazendeiros (...) do que um órgão de justiça social".161 LARANJEIRA (apud LOPES, 1994:112) já tinha mostrado que tratam-se de dois institutos bem diferentes: “Colonizar não é reformar, considerando o âmbito diverso de atuação desses processos. Conceitualmente, a colonização não seria apta a atingir o foco das tensões que reclamam a reforma, concretamente os núcleos coloniais com sua áreas ex-públicas, ora privatizadas, não estão a corrigir quaisquer distorções fundiárias preexistentes - papel da reforma agrária. Isto porque a colonização cria a propriedade da terra, ao passo que a reforma agrária visa,

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muito utilizado foi a regularização fundiária que visava legalizar uma situação de fato, mas não reformava a estrutura vigente. Através dela, a cada família era reconhecida a propriedade de seu lote individual cujo tamanho máximo é o módulo rural regional, esquecendo que os caboclos, ao lado das terras de uso familiar, sempre detinham parcelas de terras de uso comum. O Presidente Figueiredo chegou a afirmar que seu governo teria distribuído mais de um milhão de títulos, número dificilmente acreditável.

6.4 ESTATUTO DA TERRA: INSTRUMENTO PARA REALIZAR A REFORMA AGRÁRIA OU ENGODO?

Apesar de muitas vezes ter sido apresentado como o instrumento legal que iria permitir a mudança da estrutura agrária brasileira, a verdadeira função do Estatuto da Terra era outra. Assim se expressa José de Souza MARTINS (1986a:61):

"O Estatuto da Terra, no meu modo de ver, é basicamente uma proposta de munir o Estado de instrumentos que lhe permitam administrar os conflitos sociais no campo e (...) permitir o controle e a administração das lutas pela terra. (...). O problema não é promover, quando for o caso, a redistribuição da terra, mas evitar que o problema da terra constitua mediações políticas que envolvam necessariamente uma redefinição do pacto político que sustenta o Estado."

Mais do que mudar a situação perversa que encontraram e introduzir a igualdade social dando origem a uma nova situação mais justa, os militares procuraram esvaziar o conteúdo político subjacente às lutas pela terra. 162

sobremaneira, a alterar os vícios fundiários consistentes no minifúndio e latifúndio. Pode-se entender a colonização como diligência paralela à reforma agrária, mas não substitutiva desta”. IANNI (1979: 44) partilha da mesma avaliação sobre a utilização da colonização na região amazônica: "A política de colonização oficial e particular, conforme ela foi formulada e posta em prática nesses anos, teve a conotação de uma contra-reforma agrária, (...) as burguesias de base rural, que apoiaram maciçamente o Golpe de Estado de 1964, para evitar precisamente a reforma agrária, continuaram a pressionar o poder estatal no sentido de desenvolver uma política agrária de contra-reforma (...). O que prevaleceu foi o interesse econômico e político da grande empresa de capital monopolista, que passou a estender-se por essa região com ampla proteção econômica e política do Estado" (grifos nossos). 162 MARTINS (1982:3 e 6) destaca a função de controle das tensões sociais do Estatuto: "O governo militar separava o problema social e econômico, representado pela concentração fundiária, da questão política, das mediações - os sindicatos, as ligas camponesas, os partidos e grupos políticos - que se interpunham entre os

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Esta avaliação é correta, pois leva em consideração, não tanto as promessas ou as palavras dos políticos e tecnocratas, mas como o Estatuto foi realmente implantado ao longo de vinte anos. Apesar do primeiro governo revolucionário, repetidas vezes, ter declarado seu interesse em promover a Reforma Agrária, pouco foi concretizado. Assim se expressava o presidente CASTELO BRANCO (apud CNBB, 1977:72) em Joinville em 10/11/66: "A reforma agrária é uma realidade que assinala o início de uma mudança de estrutura. Em 1980 o Brasil terá alcançado o resultado desta verdadeira revolução no campo que é fator de desenvolvimento econômico e bem-estar geral do povo brasileiro". O mesmo presidente tinha afirmado um ano antes: “Só faremos justiça ao trabalhador através do aumento da riqueza no País de forma a que haja mais para todos. Dividir miséria, como no passado, é um ato que contribuiria apenas para acentuar a pobreza geral” (Jornal “O Estado de São Paulo”, 31/03/65).

A análise do que foi realizado sob a égide deste diploma legal reforça a suspeita que, apesar de suas palavras, o Estatuto da Terra foi instrumento de consolidação das grandes propriedades capitalistas. Segundo JONES (1997c:16-17):

“Os resultados dos processos de discriminação, arrecadação e alienação ou reconhecimento de domínios sobre terras públicas, promovidos no período militar, que representaram a privatização de algo em torno de 115.000.000 de hectares (aproximadamente 37% das terras do país), não deixem dúvidas que foram negados, amplamente, os objetivos ou pretextos dos tecnocratas do governo, e, em particular, as exigências do preceito Constitucional de 1946. Não havia nenhuma intenção distributivista”.

trabalhadores do campo, entre as lutas camponesas, nelas se legitimando e o Estado, cuja composição se chocava com tais pressões. O governo militar entendia, portanto, que as medidas reformistas eram necessárias, mas que os grupos e as mediações políticas para concretizá-las eram desnecessárias e nocivas. (...) O Estatuto revela a sua verdadeira função: é instrumento de controle das tensões sociais e dos conflitos gerados por esse processo de expropriação e concentração da propriedade e do capital. É um instrumento de cerco e desativação dos conflitos, de modo a garantir o desenvolvimento econômico baseado nos incentivos à progressiva e ampla penetração do grande capital na agropecuária. É uma válvula de escape que opera quando as tensões sociais chegam ao ponto em que podem transformar-se em tensões políticas. O Estatuto está no centro da estratégia do governo para o campo e se combina com outras medidas de cerco e desativação dos conflitos, das reivindicações e das lutas sociais” (grifos nossos). Já GANCHO (p. 46), deu ao capítulo relativo à apresentação do Estatuto da Terra um título sugestivo: "ET: as boas intenções do inferno".

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LOPES (1994:11-112) reconhece o valor teórico do Estatuto, mas lamenta a falta de vontade de aplicá-lo: “O grande problema é que o Estatuto da Terra, mesmo com as desfigurações posteriores e suas deficiências, poderia ter trazido benefícios concretos ao meio agrário brasileiro, caso tivesse sido cumprido integralmente. Faltou decisão política”. (grifos nossos).

Se de um lado esta falta de vontade política impediu de realizar a reforma agrária negando o direito, os sonhos e as necessidades dos trabalhadores rurais, o apoio ostensivo aos interesses dos latifundiários manifestou-se, porém, de forma inequívoca na adoção das medidas de política agrícola. 163 O governo federal parecia ter esquecido que Reforma Agrária e Política Agrícola são duas faces inseparáveis da mesma moeda, isso apesar de ter colocado as duas bem perto uma da outra quando editou o Estatuto da Terra. 164

Para ajudar a responder à pergunta que foi colocada no começo deste capítulo se podem citar as afirmações de Souza que, inicialmente otimista sobre a qualidade técnica do Estatuto, repudiou a maneira como o qual foi utilizado. 165 Desperdiçou-se, assim, uma ocasião histórica de se realizar a reforma agrária. Mais uma vez o problema não foi de ordem legal - pois: “Leis existem, até em excesso, para não serem cumpridas e obedecidas” (LOPES, 1994:112) - mas político. A utlização do Estatuto foi uma política concentracionaista e não distribuitivista. A modernização conservadora do campo promovida pelo governo federal mostrou ser fruto de um projeto de

163 LOPES (1994:112) continua sua explanação afirmando: “Enquanto isso a política agrícola, o crédito agrário e os incentivos fiscais privilegiavam o grande proprietário em detrimento dos médios, pequenos e minis, dando amplitude à concentração da terra”.164 A definição de Reforma Agrária está contida no parágrafo primeiro do Art. 10 do ET, enquanto à de Política Agrícola está prevista no parágrafo segundo do mesmo artigo.165 SOUZA (1994:46 e48) afirmou inicialmente que o Estatuto da Terra: “É uma lei de bom nível técnico-legislativo e constitui instrumento hábil para os fins que se propõe: particularmente a reforma agrária”. O mesmo autor porém avaliando o resultado trinta anos depois da promulgação da lei afirmava: “A grande oportunidade foi perdida irremediavelmente, logo após a entrada em vigor do Estatuto da Terra, porque o momento político era favorável e a função social da terra era vista na pureza conceitual com que fora concebida. Tivesse sido possível o rigoroso cumprimento do Estatuto da Terra, certamente o Brasil não estaria passando pela crise que hoje o coloca entre os países de mais baixos indicadores sociais”.

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desenvolvimento baseado na manutenção da mesma estrutura agrária, que beneficiou os grandes grupos econômicos, favoreceu a concentração da propriedade, a exclusão dos trabalhadores e o êxodo rural. 166 A política adotada selou a aliança entre os militares e a oligarquia agrária que tinham mantido um evidente antogonismo durante todo o período republicano.

6.5 NOVA REPÚBLICA: ESPERANÇA FRUSTRADA DE DEMOCRATIZAÇÃO DO ESTADO

A Nova República nasceu despertando as esperanças do povo. O então candidato da Aliança Democrática, Tancredo Neves, tinha prometido nos palanques da campanha pelas DIRETAS JÁ que mobilizou milhões de pessoas no Brasil inteiro, que iria realizar a reforma agrária. 167 No começo do governo, através do Decreto n.º 91.214, de 30 de abril de 1985, as atribuições do Programa Nacional de Política Fundiária foram transferidas para o Ministério da Reforma e do Desenvolvimento Agrário, criado através da Lei º 7.319, de 11/06/85. O primeiro ministro foi o paraense Dr. Nelson de Figueredo Ribeiro.

166 ALVES (1995:119 e 120) afirma que: “O governo militar tem para o campo brasileiro um projeto cujas características básicas são: apoio à capitalização e rápida modernização de determinados setores, áreas e produtos agrícolas; intocabilidade do latifúndio de áreas mais antigas de ocupação e implementação do latifúndio nas áreas de expansão agrícola. (...) Opera-se, desse modo, uma modernização no campo, sem que se toquem as estruturas da organização fundiária. Ocorre o que veio a se chamar modernização conservadora, isto é, muda-se conservando”.167 A campanha das Diretas Já não teve paralelo na história brasileira e permitiu evidenciar a crise de legitimidade do regime militar. As “velhas raposas” da política, até então féis servidores do regime, perceberam que era necessário deixar o barco que ia afundando e procuraram alinhar-se com os novos ventos democráticos. Em lugar de viabilizar as Diretas-Já estes políticos preferiram apostar no Colégio Eleitoral traindo as esperanças populares suscitadas pela Emenda Dante de Oliveira. José Sarney, até poucos meses antes Presidente Nacional do Partido Democrático Social (o sucessor da antiga Aliança Renovadora Nacional - ARENA, partido de apoio aos militares), aliou-se a Tancredo Neves sendo escolhido como seu vice e Marcos Maciel, também senador do PDS, fundou o Partido da Frente Liberal - PFL, que, com o Partido do Movimento Democrático Brasileiro - PMDB, foram as bases da Aliança Democrática. Marcos Maciel, hoje vice-presidente da República no governo do socialdemocrata Fernando Henrique Cardoso, assumiu a Casa Civil e foi um dos mais ferrenhos adversários da reforma agrária. Inúmeras vezes sindicalistas denunciaram que quando os decretos de desapropriação chegavam na sua mesa para serem encaminhados para o Presidente da República eram engavetados. A ele atribui-se também um plano alternativo ao Plano Nacional de Reforma Agrária (O Plano de Metas) e o esvaziamento da Proposta de PNRA lançada em maio de 1985.

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Este foi também, o tempo no qual se começaram a fazer os primeiros balanços das atividades fundiárias dos governos militares. O Sistema Nacional de Cadastro fornece alguns números esclarecedores sobre a concentração da propriedade da terra no Brasil produzida pela política agrária adotada pelos governos militares:

"Enquanto 326 latifúndios por dimensão açambarcam aproximadamente 45 milhões de ha; 2,8 milhões de minifúndios se acotovelam para distribuir entre si uma área praticamente igual àquela: 47 milhões de ha.;de um total de 425,9 milhões de ha de áreas aproveitáveis, em torno de 44% (188,46 milhões de ha) é área aproveitável não explorada (cerca de 8,5 vezes o Estado de São Paulo). Destes 188,46 milhões de ha, aproximadamente 80% são áreas de latifúndio por exploração" RIBEIRO (1985:8).

A concentração da propriedade pode também ser medida pelo índice de GINI que, em 1980 chegou a 0,908, isto é, perto do índice de concentração absoluta. 168 Além da concentração da propriedade da terra assistiu-se à concentração da renda. 169

168 Segundo RIBEIRO (1985:8 e 9): "Um outro ponto importante a referir é o índice de Gini, que mede a relação entre o número de estabelecimentos e a área desses estabelecimentos e que dá sempre como resultado um número menor do que 1. Ele tem uma situação, no Brasil, que se agrava substancialmente, em todo o País (nos últimos anos). O índice de Gini, em 1970, no Brasil, era de 0,844; em 1980, passou para 0,908, aproximando-se portanto de 1. É impossível se chegar a 1, que seria a saturação total da concentração da propriedade. Um ponto importante: quando se passa a fazer esta análise ao nível de unidades da Federação, não se encontra uma só unidade em que o índice de Gini tenha permanecido pelo menos idêntico. Em todas o índice, de 1970 para cá, cresceu". Esta realidade de concentração da propriedade da terra não é um fenômeno exclusivo do Brasil. Toda a América Latina vive o mesmo drama. Segundo May 7% da população é dona de 93,8% das terras: “Esta exagerada concentração de terras nas mãos de poucos é ainda maior do que aparece nas estatísticas, pois frequentemente um único proprietário ou sua família possui várias fazendas”. MAY (1988:14). Segundo STÉDILE (1997a:2): “O Brasil é o segundo País do mundo de maior concentração. Perdemos apenas para o Paraguai, onde também são brasileiros os maiores proprietários”. Segundo JUNGMANN (apud CAI CONCENTRAÇÃO), Ministro Extraordinário de Política Fundiária no governo Fernando Henrique Cardoso, a concentração da propriedade da terra no Brasil caiu de 0,82, em 1992, para 0,78 em 1998. A região norte continua a ser aquela que apresenta a maior concentração. Esta tendência de queda reverte a tendência anterior de uma concentração sempre maior.169 Analisando os dados do Censo de 1980 fornecido pelo IBGE, se pode observar que: "Os 50% mais pobres da população trabalhadora no campo, reduziu em 33,5%

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Para mudar este quadro o governo José Sarney (15/03/85 a 15/03/90), anunciou o Plano Nacional de Reforma Agrária. A reação dos grandes proprietários de terra foi imediata: perceberam que precisavam se reorganizar. 170 Em agosto de 1985, foi criada em Goiânia (GO) a UNIÃO DEMOCRÁTICA RURALISTA (UDR) que, em 12 de julho de 1986, tornou-se uma entidade de caráter nacional. 171 Seu discurso se baseava na recusa a qualquer tipo de negociação que tivesse por base o PNRA, atacou duramente a intervenção do governo neste campo. Com um grande trabalho de marketing, em pouco tempo passou a liderar a batalha contra qualquer mudança na estrutura agrária. 172 A UDR chegou a ter 300 escritórios regionais espalhados pelos vários estados do País. Procurou dar aos latifundiários a nova identidade de produtores rurais. Através de campanhas

sua participação na renda rural de 1970 para 1980. Ao mesmo tempo, os 5% mais ricos do campo aumentaram em 86,5% sua participação, passando de 23,7% para 44,2% sua parcela de apropriação da renda". CABRAL (1992:17).170 Nos últimos anos da ditadura militar e o no começo da Nova República, aproveitando os espaços e as brechas deixadas pelo lento processo de democratização do regime, floresceram muitas organizações a favor e contra a manutenção da estrutura agrária vigente. O NEP (1988:8) afirma que: “As velhas organizações de direita que atuaram nos anos do regime militar, continuam vivas. Porém, marcadas demais pela sua atuação naqueles anos, cedem seu espaço às novas siglas. Novas organizações surgem para dar conta da mesma tarefa: financiar, contratar e organizar a repressão armada, clandestina e seletiva, ao movimento dos trabalhadores, e ainda, fazer agitação e propaganda política ideológica favorável aos seus interesses de classe. Puxando o cordão destas organizações, está a recente e conhecida UDR. Fundada oficialmente em maio de 1985, consta que já tem 218 sedes regionais e 2.340 mil sócios pelo país. Através de grandes leilões de gado em cada inauguração de sede, arrecada fundos para suas atividades públicas e secretas”. Não foi mera coincidência que foi o mês do anúncio da Proposta de Plano Nacional de Reforma Agrária da Nova República. “Para enfrentar essas novas condições de luta política, o patronato rural precisou recachutar velhas e forjar novas armas de luta. A antiga violência armada e a impunidade, a criação da UDR, o lobby moderno e as mobilizações de massa formaram o arsenal para uma nova batalha nessa já antiga guerra”. FREITAS (apud ALVES, 1995:227).171 TAVARES (1988,b:18) afirma que: "A nova entidade surgiu para fazer face a uma dupla relação: a pressão camponesa sobre os grandes proprietários e as desapropriações efetuadas pelo governo conforme sua política agrária".172 "A conquista da liderança da contra-reforma Agrária pela UDR se deu através de um processo de lutas. A entidade cresceu no vazio deixado pelas entidades tradicionais, organismos de cúpula desligados de suas bases espalhadas pelo interior do País. Seu espetacular crescimento revelou, portanto, a existência de uma crise de representação dos grandes proprietários rurais" TAVARES (1988,b:19)

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milionárias de propaganda e graças a grande cobertura dos meios de comunicação social, conseguiu ocupar sempre mais espaço atraindo a si, os médios e até pequenos proprietários, juntando-os ao redor de lutas comuns a favor de uma política agrícola que beneficiasse os produtores como: uma política de preço mínimo melhor, perdão das dívidas contraídas no tempo do Plano Cruzado etc. Uma das maiores façanhas que a UDR conseguiu, foi aquela de transformar a questão da reforma agrária num embate ideológico, onde existiriam duas posições: de um lado os comunistas, que defenderiam a coletivização ou socialização da propriedade e do outro, os liberais que defenderiam o sagrado princípio da propriedade privada. Graças a esta distorção os ruralistas conseguiram convencer o governo federal, e parte da opinião pública, que todos os imóveis ocupados por eles eram propriedades privadas legítimas, incontestáveis. Qualquer questionamento e modificação na estrutura agrária vigente seria assim um atentado não só contra um dos pilares básicos de nossa ordem econômica e social, mas contra um dos direitos fundamentais garantidos pela Constituição Federal: a propriedade (Art. 50, XXII).

Apesar do processo de democratização implantado no País com a Nova República, os militares continuaram a deter um grande controle sobre a elaboração da política de ocupação da Amazônia. O maior exemplo disso foi o Projeto Calha Norte que continuou a manter vivo o binômio segurança e desenvolvimento. 173 O projeto foi definido como ‘genocida e antiíndio’ por Dom Erwin Krautler, bispo do Xingu e ex-presidente do Conselho Indigenista Missionário. 174 A implantação deste programa, gestado pelo Conselho de Segurança Nacional à revelia do Congresso Nacional e de qualquer discussão em conjunto com a sociedade civil, mostrou como a Amazônia não estava ainda livre da tutela militar. Ainda mais que os

173 Este Projeto, proposto em novembro de 1992 pelo então Ministro do Exército Zenildo Zoroastro de Lucena, teve seus objetivos "traçados a partir de uma concepção de "guerra total" onde todos os interesses regionais, seja dos governos estaduais, os da iniciativa privada, dos índios, posseiros, garimpeiros, agricultores etc., são subordinados instrumentalmente a essa concepção" (BARRETO, 1990:67).174 O Secretariado Nacional da CPT (1993:54) o apresentou da seguinte maneira: "É de conhecimento público e notório que o Calha Norte é um dos principais agentes responsáveis pela destruição da Amazônia, tanto da devastação ambiental como do extermínio dos povos indígenas. A sua continuidade, portanto, representa uma ameaça à soberania dos povos indígenas sobre suas terras e à possibilidade de abertura de novos garimpos e desmatamentos".

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militares continuavam a deter o controle direto de milhões de hectares de terra. 175

Apesar das promessas e dos discursos, foi evidente que para a Nova República a Reforma Agrária não era prioritária, e que o governo Sarney não tinha nenhuma intenção de mudar a estrutura agrária brasileira. Isso foi confirmado pela análise dos outros planos divulgados neste mesmo período que mostram como a intenção do governo era simplesmente resolver situações críticas e distribuir terras, sem que isso mudasse substancialmente a estrutura agrária brasileira. 176

6.6 CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988

Uma das promessas da Nova República tinha sido aquela de realizar o reordenamento jurídico do país. A esperança de uma constituinte exclusiva foi, porém, frustrada e a tarefa de elaborar a Lei Maior foi confiado ao Congresso Constituinte eleito em 1986. 177 O embate entre as forças progressistas e reacionárias voltou a se dar no processo de elaboração da nova Constituição Federal. O tema da Reforma Agrária foi um dos mais

175 No governo Fernando Henrique Cardoso este programa teve uma sobrevida através do Projeto SIVAM, um programa milionário que, nos próximo anos, pretende instalar uma rede de radar e bases terrestres para controlar a fronteira. Programa que suscitou as investigações do Congresso Nacional devido às acusações de corrupção e suborno de funcionários públicos brasileiros por parte de multinacionais norte-americanas.176 Segundo MARTINEZ (1987:28-29): "A ação governamental não objetiva mudanças profundas e extensas na estrutura agrária. Pelo contrário, no Plano de Metas divulgado em julho de 1986 e nas medidas complementares ficou claro que a nova política agrícola adotaria outras prioridades. (...) É evidente que a intenção do governo se limita a uma reforma na distribuição de propriedades agrícolas que reduza as pressões dos excedentes humanos nas cidades e no campo, que hoje só alimentam a marginalidade e a miséria. Nos limites pensados pelo governo, a distribuição de um pouco de terra a uns poucos trabalhadores pode ser feita sem afetar a ordem social a ordem social e sem prejuízo para o sistema em geral, tanto do ponto de vista das terras como da mão-de-obra retirada do mercado. Portanto, o programa governamental com relação a questão agrária está mais voltado para a melhoria e o fortalecimento do sistema existente e tem muito pouco a ver com a distribuição de terra aos trabalhadores rurais, menos ainda de fazer isso em grande escala". 177 É bom lembrar que aquelas eleições foram realizadas sob o impacto do Plano Cruzado, um plano de estabilização econômica que tinha transformado todos os cidadãos em fiscais dos preços. O resultado eleitoral para os partidos do governo não poderia ser maior pois conseguiram eleger todos os governadores de estado e uma grande bancada de deputados.

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polêmicos. Foi o único capítulo que chegou a cair integralmente num buraco negro, isso mostra o interesse na disputa. 178

Os trabalhadores rurais foram possivelmente a classe que mais se mobilizou em vista da Assembléia Nacional Constituinte. Comissões de parlamentares foram convidadas a visitar áreas de conflitos, para conhecer de perto a trágica situação em que vivem milhares de pessoas. A Campanha Nacional para a Reforma Agrária conseguiu 1,2 milhões de assinaturas para a emenda popular que defendia o estabelecimento de um limite máximo de área, imissão imediata na posse do imóvel desapropriado, indenização pelo valor declarado para fins tributários e integralmente em TDAs.

Na primeira fase, o texto do relator da Subcomissão, Osvaldo Lima Filho, era favorável às posições defendidas pelos trabalhadores, mas a ausência, na hora da votação de sua proposta, do Deputado Benedito Monteiro (PMDB-PA) derrotou àquela proposta por um único voto. 179 Nas

178 Segundo SILVA (1989:176): “Pelo Regimento Interno da ANC imposto pelo Centrão, o impasse que passou a ser conhecido popularmente como buraco negro refere-se à falta de aprovação de um capítulo por insuficiência de votos por qualquer das partes, e não resolvido com a mediação de nova proposta do Relator. Em todo o processo constituinte de 1987/88, essa situação ocorreu apenas na votação do Capítulo III do Título VII que trata da Política Agrícola, Fundiária e da Reforma Agrária. Anteriormente haviam acontecido paralizações e desentendimentos sobre palavras, frases, itens e até artigos, mas apenas aqui aconteceu o verdadeiro “buraco negro” envolvendo todo um Capítulo, regimentalmente caracterizado”. O mesmo autor mostra como o placar das votações sempre foi muito apertado revelando a acirrada disputa entre progressistas e conservadores. Cada time escalou seus melhores oradores para a defesa de suas propostas: de um lado Mário Covas (PMDB-SP), José Richa (PMDB-PR), Plínio de Arruda Sampaio (PT-SP), José Genoino (PT-SP) e, para encaminhar a votação final, Fernando Henrique Cardoso (PMDB-SP), do outro Jarbas Passarinho (PDS-PA) e Bonifácio de Andrade (PFL-MG). Na última votação, aquela que definiu o texto do primeiro turno que manteve-se em seguida no texto final, a proposta defendida pelos progressistas ganhou no voto mas: “dentro da esdrúxula sistemática imposta pelos conservadores, a RA tinha ganho (268 votos contra 253), mas não levava ... Ganhava a minoria, perdera o Brasil. Como Sempre”. SILVA (1989:191). Segundo Sandra CAVALCANTI (PFL-RJ) (apud SILVA, 1989:190): “O texto do Centrão, se aprovado, envergonharia, pelo seu passadismo, os congressistas dos Estados Unidos de 1849”. 179 Benedito Monteiro tinha sido um dos idealizadores da ocupação das terras ao longo da Belém-Brasília por parte de trabalhadores rurais. Sua luta em favor da reforma agrária o fizeram alvo do regime militar que, para prendé-lo, organizou uma verdadeira caçada humana quando ele se tinha refugiado nas matas de Alenquer. Eleito deputado federal constituinte com um programa de defesa da reforma agrária, encontrava-se em Belém participando de um debate sobre reforma agrária a noite da

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outras fases da ANC os conservadores se fortaleceram sempre mais, o lobby da UDR também foi muito forte, conseguindo fazer aprovar uma redação mais retrógrada que o Estatuto da Terra e barrando todos os avanços conquistados pelas organizações de trabalhadores ao longo de décadas de luta pela reforma agrária.

Comentando o texto aprovado em 10/05/88, que foi praticamente mantido igual no texto definitivo, o juiz paraense Roberto SANTOS (1988:13), profundo conhecedor da nossa história e da realidade agrária, afirmou:

"A impressão que fica da leitura das normas aprovadas nessa primeira votação, é a de que o Estado tende a inviabilizar definitivamente uma reforma agrária legal de caráter massivo, rápido e generalizado, como vinham insistentemente pedindo os trabalhadores rurais. O Projeto institui, por outro lado, grandes entraves de ordem burocrática e procedimental à consumação dos atos de expropriação. Entrementes esvazia o conceito de "função social da propriedade", que outrora representava o conjunto de deveres e condições que legitimavam a continuação da propriedade privada, na medida em que basta a "produtividade" das terras que o respectivo proprietário fique isento da desapropriação, mesmo que possua vários latifúndios em distintas regiões" (grifo nosso). 180

Também Sônia Helena Novaes G. MORÃES (1989:73), coordenadora da assessoria jurídica da Associação Brasileira de Reforma Agrária (ABRA), manifestou o retrocesso do texto constitucional em relação á questão agrária afirmando que: "Analisar a questão da reforma Agrária na Constituição Federal de 1988 significa analisar seu espaço mais retrógrado e conservador" (grifos nossos).

Outros recuos importantes dizem respeito à indenização (além do pagamento antecipado, não se fala expressamente o que se entende por

votação do texto do relator da comissão. Grande foi o susto do Dr. Alfredo Wagner e do autor do presente trabalho quando o viram sentado na mesa defendendo os avanços do texto proposto pelo relator na hora que se sabia que o mesmo estava sendo votado pela comissão. Apesar de alguns deputados favoráveis à reforma terem fretado um avião para levar Benedito para Brasília, ele não chegou a tempo para votar sendo substituído por um deputado contrário à reforma.180 LOPES (1994:110) emite a mesma opinião: “Sem sombra de dúvida as paixões e os radicalismos ideológicos (...) criaram um dos maiores retrocessos inseridos na Constituição da República - produto do impasse: refiro-me as prescrições relativas à política fundiária, sobretudo à reforma agrária. Basta comparar a legislação anterior, o Estatuto da Terra e as normas constitucionais de 1967, com a Emenda n.º 1/69 e os Arts. 184 a 186 da Constituição de 1988”.

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indenização justa) e à utilização da expressão terra produtiva, pois isso introduz no processo de desapropriação enormes dificuldades de ordem técnica, legal e operacional, inviabilizando na prática a mudança da estrutura agrária brasileira.

Apesar destas graves limitações é importante ressaltar alguns avanços trazidos pela nova Carta Magna. Avanços estes que, apesar de não estarem inseridos no capítulo que trata de maneira específica a questão agrária, influenciam todos os aspectos da vida nacional e eles devem orientar todas as políticas nacionais. O Art. 30 apresenta os objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: “construir uma sociedade justa, livre e solidária, garantir o desenvolvimento nacional; erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais”. Este compromisso deve orientar toda a ação do governo e da sociedade. Isto quer dizer que na medida que as necessidades vitais (comida e casa antes de tudo) não estejam satisfeitas, o Estado passa a ser questionado por não garantir os direitos básicos que permitem a dignidade humana e, consequentemente, o acesso à cidadania por parte de todos. A constituição não pode ser considerada um mero conjunto de normas gerais programáticas, mas sim deve moldar o arcabouço jurídico nacional. Todas as leis até então em vigor que lhes sejam contrárias são inconstitucionais e as outras devem ser reinterpretadas. Os dispositivos pré-constitucionais relativos à propriedade privada que não estejam consoantes com o princípio básico do cumprimento da função social, são assim relativizados. As normas contidas no Código Civil não podem mais ser interpretadas à luz da constituição republicana de 1891 que consagrava o princípio do direito de propriedade absoluto, mas sim devem ser adequadas aos novos ditames constitucionais.

Outro grande avanço foi o fato da Constituição inserir a desapropriação entre as cláusulas pétreas, imutáveis (Art. 50, XXIV) e dedicar um capítulo específico as questões relativas à terra denominado: “Da Política Agrícola e Fundiária e da Reforma Agrária” (Arts. 184-191) inserido-o no Título VII que trata “Da Ordem Econômica e Financeira”. O Art. 184 disciplinou as normas gerais relativas a desapropriação de imóveis rurais que não estejam cumprindo sua função social declarando-a de competência privativa da União. A indenização deverá ser paga em TDA (terra nua) e dinheiro (benfeitorias úteis e necessárias). O volume total de títulos necessários para atender ao programa de reforma agrária deverá estar consignado no orçamento anual. Esta determinação parece ser mais um entrave à execução da reforma agrária, pois, diante da dinamicidade dos acontecimentos e dos conflitos sociais, é difícil prever o volume total de recursos a serem consignados. Uma interpretação literal do artigo 185, que

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veda a desapropriação das propriedades pequenas, médias e das produtivas, faz com que alguns juristas cheguem a afirmar que uma propriedade produtiva não possa ser desapropriada também, se for comprovada a prática de trabalho escravo ou se utilizar os recursos naturais de forma incorreta. Ainda mais que o Art. 185 diz expressamente que não se pode desapropriar uma propriedade rural caso o dono “não possua outra” permite ao possuidor de um imóvel urbano deter um imóvel rural insuscetível de ser desapropriado também se improdutivo. O único critério que norteou os constituintes parece ter sido o econômico fazendo com que o dispostos pelo artigo 186, que estabelece os requisitos a serem observados para que uma propriedade seja considerada cumpridora de sua função social, possa ficar sem nenhum efeito. Na realidade a interpretação mais correta é aquela que relaciona estreitamente os artigos 185 e 186 fazendo com que só as propriedades que cumpram contemporaneamente todos os dispositivos do artigo 186 possam ser consideradas produtivas:

“Art. 186. A função social é cumprida quando a propriedade rural atende, simultaneamente, segundo critérios e graus de exigência estabelecidos em lei, os seguintes requisitos:

I aproveitamento racional e adequado;II utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e

preservação do meio ambiente;III observância das disposições que regulam as relações de

trabalho;IV exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores (grifos nossos) (BRASIL, 1988b).

Os artigos 187-190 tratam da Política Agrícola, que deverá sempre ser compatibilizada com a Política Agrária, enquanto o Art. 191 trata do usucapião especial rural para os possuidores de imóveis até 50 ha. (desde que não possuam outro).

6.7 BRASIL NOVO

Durante a campanha eleitoral, Fernando Collor de Mello não apresentou uma clara proposta no que diz respeito à questão agrária, apesar de se dizer o candidato dos descamisados. No seu governo (15/03/90 a 02/10/92), assistimos a muitas promessas, mas poucas realizações. Sua cartilha neoliberal, baseada na competitividade e rentabilidade, levou a exclusão do bem-estar enormes massas de trabalhadores.

Segundo o Secretariado Nacional da CPT (1990:1):

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"As organizações dos trabalhadores rurais foram excluídas das recentes decisões tomadas pelo governo federal a respeito da Política Agrícola e Reforma Agrária. A própria escolha de Antônio Cabrera para Ministro da Agricultura mostrou a prática autoritária e personalista do Presidente Collor ao tratar a questão" (...) As medidas (anunciadas) não enfrentam ainda o problema da reforma agrária.(...). Diante dessas considerações, podemos concluir que temos aí mais um governo que mostra claramente a falta de vontade política de fazer reforma agrária (grifos nossos).

O Ministro da Agricultura e Reforma Agrária, Antônio Cabrera, um latifundiário paulista, dono de 29 propriedades rurais, começou dizendo que mandaria investigar as desapropriações feitas anteriormente, pois, algumas delas teriam sido malfeitas, em áreas impróprias, com desperdício do dinheiro público, para assentamento de lavradores sem vocação, e outras não teriam sido legais. Desde o começo mostrou assim sua disposição de defender os interesses dos grandes proprietários de terras.

Em maio de 1990 o ministro CABRERA (1990:12) afirmou que iria assentar famílias nos: "700.000 ha desapropriados no Pará". Na mesma ocasião disse: "É importante frisar que as terras invadidas não serão desapropriadas. A reforma agrária não tem a função de levar paz ao campo. Nada disto. Isto é atribuição do Ministério da Justiça". Mais uma vez a questão agrária, na ótica do governo, não era considerada como problema social, mas sim problema de polícia.

Além da retórica já conhecida deste discurso desenvolvimentista, nada foi feito. 181 Mais que as palavras contam os fatos: pouquíssimas áreas foram desapropriadas (no Pará foi desapropriada a fazenda Ipiranga de Curionópolis que se apresentava como empresa rural, com metade de sua área ocupada por capim); o INCRA, através da reforma administrativa, foi totalmente esvaziado, com centenas de técnicos colocados em disponibilidade (o quadro chegou a ser tão trágico que dos 20 procuradores do INCRA-PA só sobraram 4, não sendo assim de se estranhar que 3 áreas que tinham sido desapropriadas através de decreto presidencial, foram

181 Em setembro o então presidente do INCRA, José Reynaldo Vieira da SILVA (apud GOVERNO, 1990), prometeu assentar 500.000 famílias: "O governo Collor quer assentar 500.000 famílias até o final de seu mandato. A meta ultrapassa porém o simples assentamento: o governo deseja transformar o trabalhador rural num verdadeiro produtor, e através disso, fixa-lo à terra, melhorar a sua qualidade de vida, aumentar a oferta de alimentos no País. O objetivo, que transcende o campo para alcançar a cidade, que, em última análise, terá mais comida e menos imigrantes, segundo os responsáveis pela execução do projeto".

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perdidas, pois, não foi ajuizada a tempo a competente ação na Justiça Federal); falta de recursos e denúncias de corrupção prosperaram. 182

Em 23 de maio de 1991, uma nova promessa: "O Presidente Fernando Collor de Mello anunciou ontem, em inflamado discurso na praça desta cidade (Alta Floresta - MT), que em 10 dias o governo irá desapropriar 1 milhão de ha. para fins de reforma agrária" (DESAPROPRIAÇÕES, 1991:17).

Em 24 de janeiro de 1992, o presidente Collor aprovou a exposição de motivos n.º 22 que colocou a Reforma Agrária como uma das prioridades do governo federal. Nasceu assim o PROGRAMA DA TERRA que pretendia assentar 400.000 famílias de trabalhadores rurais em três anos. Este programa fazia uma avaliação da realidade agrária do Brasil e, mais uma vez, mostrava como a concentração da propriedade da terra estava se acentuando pois:

"Os estabelecimentos com mais de 1.000 ha compreendiam (em 1985) 0,9% das unidades produtivas e possuíam cerca de 44% da área total. Os estabelecimentos com menos de 100 ha somavam cerca de 90% mas detinham apenas 22% da superfície total dos imóveis. A dimensão do problema agrário brasileiro fica mais evidenciada quando pelas estatísticas se observa que propriedades com até 100 ha, apesar de possuírem a menor parte da área total e terem menos acesso ás facilidades de financiamento, ocupam mais de dois terços da mão-de-obra e fornecem mais da metade da produção agropecuária" (BRASIL, 1992c:2).

Podia-se perceber como a análise da situação era muito bem elaborada, só faltava coragem para executar o que depois era proposto.

O governo Collor caiu mostrando que durante sua breve existência o que mais interessava eram as promessas, o marketing político, as aparências mais do que as realizações concretas. Sua experiência pode ser considerada como uma das mais desastrosas. 183 A política agrária do governo limitou-se

182 No mês de março de 1991 o então Superintendente do INCRA-PA, Carlos Lamarão, denunciou várias irregularidades existentes no órgão. Diante da não apuração dos fatos e por não compactuar com isso, pediu demissão.183 O II CONGRESSO do DNTR da CUT (1993:17), avaliou desta maneira a política agrícola e agrária do governo Collor: "As ações do governo Collor foram marcadas principalmente pela contradição entre o discurso ideológico e a prática política. Foi prometido um amplo acordo social que favorecesse a estabilização econômica e a retomada do desenvolvimento econômico para "mudar a cara do país". (...) Collor esteve longe das reformas para um verdadeiro projeto de modernização da economia e do setor agrícola. Apesar do anúncio de metas

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a criar alguns Projetos de Assentamento de áreas desapropriadas na administração anterior. Uma sindicância feita pelo Presidente do INCRA, Osvaldo Russo, mostrou como durante o governo Collor teriam sido desviados quase 100 milhões de dólares em obras superfaturadas contratadas através de licitações fraudulentas (“Isto é”, 1993:13).

O governo Itamar Franco (02/10/92 a 01/01/94), apesar de ter nascido como fruto de uma ampla mobilização popular, 184 não mudou essencialmente a política neoliberal collorida. Em várias ocasiões o Presidente da República (apud LUNARDI, 1993:2) afirmou que: "A agricultura é o melhor caminho para o país vencer a fome e o desemprego". Na prática, porém, na execução da política agrária e agrícola, seu governo parecia estar marcado pela provisoriedade e falta de perspectivas e não adotou as medidas concretas e necessárias para viabilizar suas promessas. Em abril de 1993, o governo apresentou a “Proposta de Programa Emergencial de Reforma Agrária”. O Ministério da Agricultura, Abastecimento e Reforma Agrária, depois de reconhecer que:

“A terra no Brasil sempre foi fonte de privilégios (...) matriz de poder político e desigualdades sociais e regionais, estreitando sua relação visceral com a fome, a miséria e o desemprego.” Afirmava que: “A redefinição da reforma agrária, no Brasil atual, passa pela compreensão do papel e das possibilidades de desenvolvimento da agricultura familiar no nosso País”. (BRASIL, 1993b:3 e 7).

Este programa emergencial propunha-se a acrescentar as 100 mil famílias já assentadas outras vinte mil em 1993 e 100 mil em 1994. Programa muito bom na análise e nas propostas, mas que caiu, mais uma vez, no rol das promessas não cumpridas.

O primeiro ministro da Agricultura, Abastecimento e Reforma Agrária 185 foi Lázaro Barbosa, dono de sete fazendas que somam 24.300 ha, era ligado ao governador de Goiás, Íris Resende e aos empresários de

gigantescas para desapropriação de terras e assentamentos, o governo foi marcado pela ausência de medidas para a Reforma Agrária e apoio aos assentamentos. (...) Associado a isso, o agravamento da péssima distribuição de renda reforçaram a precária situação dos trabalhadores no campo" 184 A campanha pelo Impeachment do Presidente Fernando Collor de Melo por corrupção reeditou as grandes mobilizações populares da Campanha pelas “Diretas-Já” reacendendo a esperança de uma maior participação popular na condução da política nacional.185 O Ministério da Agricultura, do Abastecimento e da Reforma Agrária foi criado através da Medida Provisória n.º 309, de 19/10/1992, convertida na Lei n.º 8.490/92, de 19/11/92.

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armazenagem do Centro-Oeste, região onde foram descobertas as maiores fraudes neste setor. Depois dele começou uma ciranda de troca-troca de ministros, nada menos que 10 em 19 meses. Entre eles: Nuri Andraus, pessoa de confiança de Joaquim Roriz, governador do Distrito Federal cuja efêmera passagem pelo governo foi interrompida pelas acusações de irregularidades durante a sua gestão à frente da Secretaria de Agricultura do Distrito Federal, a acusação de sonegação de impostos e a um processo na justiça comum por homicídio de um fazendeiro, em 1975, na disputa por terras em Goiás e o senador José Eduardo Andrade Vieira (PFL-PR), dono do Banco Bamerindus, que possuía terras no sul do Pará e era famoso por ter sido denunciado pela prática de tortura e trabalho escravo contra trabalhadores rurais.

A dança dos ministros foi acompanhada pelas várias mudanças de Presidente do INCRA, o órgão que continuava a ser responsável pela política agrária federal. O mais identificado com as causas populares, Osvaldo Russo, segundo uma notícia publicada pelo Jornal "Folha de São Paulo" de maio de 1993, teria escutado mais de 20 mil trabalhadores em poucos meses. Parece, porém, que sua função fosse mesmo esta: escutar, escutar ... sem ter condições de resolver nada. As realizações concretas foram escassas pelo simples fato que, também neste governo, apesar das promessas, não tinha a reforma agrária como uma de suas prioridades.

Apesar de tantos ministros, promessas e discursos a avaliação da CONTAG (1995:27) sobre o desempenho da reforma agrária era expressado através das seguintes considerações feitas pelo documento de preparação ao V Congresso Nacional:

“A inoperância e o descaso para a questão da reforma agrária, historicamente demonstrada pelos sucessivos governos, fizeram desencadear entre os trabalhadores formas de luta para a conquista e resistência na terra. As ocupações ganharam significativa importância como medida legítima para garantir o acesso e a produção na terra, além de forçar a intervenção do Estado na solução dos conflitos, exigindo que fossem desapropriadas as áreas improdutivas, passíveis de reforma agrária”.

6.8 LEGISLAÇÃO COMPLEMENTAR À CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988

Depois da derrota na Assembléia Nacional Constituinte, a esperança dos trabalhadores e dos defensores da mudança da estrutura agrária passaram a ser as leis complementares à Constituição. Esperava-se que definissem critérios rígidos para a propriedade ser considerada produtiva, e determinassem o rito sumário para o processo de desapropriação, reduzindo

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o prejuízo sofrido pelos trabalhadores rurais no embate constitucional. Em 1993, depois de mais de quatro anos de muitas discussões, foram aprovadas a lei agrária e a lei que dispõe sobre o rito das desapropriações.

6.8.1 Lei Agrária (Lei n.º 8.628 de 25/02/93)

Em 25 de fevereiro de 1993, foi aprovada a lei n.º 8.628 (alterada pela Medida Provisória n.º 1.577/97), conhecida como LEI AGRÁRIA que conceituou, em seus artigos 4° e 6º, a pequenas e média propriedade. A ausência da definição de latifúndio por extensão, que segundo o artigo 20, I do Estatuto da Terra, era imóvel passível de desapropriação, mostra como a legislação em vigor elegeu o critério da produtividade e não aquele do tamanho do imóvel para a reforma agrária. Só podem ser desapropriadas as grandes propriedades improdutivas. A lei incorporou no seu bojo o conceito de função social da propriedade, por isso, segundo o Dr. Luís Edson FACHIN (apud ALVES, 1995:252):

“A propriedade imobiliária rural que não cumpra simultaneamente todos aqueles requisitos determinados como função social, deixa de ter proteção jurídica de qualquer espécie, nomeadamente a proteção processual. Nessa perspectiva, o exercício da propriedade no Brasil não é mais um exercício da propriedade segundo o Código Civil; agora é um exercício de propriedade segundo a lei agrária, pelo menos no plano conceitual o que não significa que os juizes estejam julgando assim. (...) O que significa, trocando em miúdos, que é possível defendermos, processo a processo, que não é admissível, juridicamente, conceder uma liminar de reintegração de posse numa propriedade nessas condições. Tal fato exigiria dos juizes uma averiguação “in loco” para comprovar o não cumprimento da função social, coisa que, geralmente, não é feita”. 186

186 FACHIN (2000:283) defende a idéia que: "Em face do teor da nova Constituição Federal, doravante cogita-se do direito de propriedade num diferenciado patamar opera-se, em verdade, a "constitucionalização" do direito de propriedade, o que tem forte significado em face da hierarquia existente na pirâmide formada pelo ordenamento jurídico". O Dr. Fernando MENDONÇA (s/d:1-2), Ex.mo Juiz de Direito da comarca de Imperatriz (MA), é da mesma opinião quando afirma: “O Deputado Federal REGIS de OLIVEIRA, ex-Desembargador do TJSP e ex-Presidente da AMB [Associação dos Magistrados Brasileiros], num artigo de fôlego, divulgado na Folha de São Paulo, em 28/04/91, intitulado: “A propriedade e os Sem Terra”, concluiu sobre a propriedade “somente pode merecer a garantia da liminar, em caso de esbulho, se estiver exercendo sua função. Como esta não está, não pode o magistrado conceder a medida liminar”. O elemento novo trazido pela tese do ilustrado jurista é de que a medida liminar possessória só deva ser deferida quando a propriedade seja produtiva no contexto do princípio firmado pelo

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Continuando esta linha de pensamento podemos afirmar que, nos processos possessórios, se no bojo da instrução processual, o juiz descobrir que uma propriedade é improdutiva ou descumpre qualquer outro requisito previsto no art. 184 da Constituição Federal, deveria expedir uma sentença declaratória de área passível de ser desapropriada por contrariar dispositivo expresso da Constituição Federal. Não se pode admitir, a não se que se viole o princípio da hierarquia das leis, consagrado tradicionalmente no ordenamento jurídico dos diferentes paises, que algum imóvel que desatenda a um dispositivo constitucional possa ser protegido jurisdicionalmente.187 Se o juiz não puder vistoriar pessoalmente todos os imóveis, objeto de demandas judiciais, poderia pedir que isso fosse feito pelos órgãos fundiários estaduais ou federais. Foi esta a orientação dada pelo Presidente do Tribunal do Paraná num documento remetido aos juizes daquele estado. Apesar deste avanço, até hoje, mais teórico que prático, a Lei Agrária, apresenta vários dispositivos que tendem a premiar o desapropriado, pois, não leva em consideração que com a estabilidade da economia, a partir de 1995, os preços das terras caíram e não tem porque continuar a preservar o valor atual dos imóveis desapropriados, sobretudo quando se leva em consideração que o mesmo não estava cumprindo sua função social. O artigo 19 da Lei n.º 8.629/92, determina como se dará a distribuição das terras desapropriadas que serão entregues aos beneficiários através de títulos de concessão de uso

constituinte de 88. A tese acima esposada encontra apoio no ordenamento jurídico nacional e na doutrina em construção, objetivando desmistificar a sacro santificação do direito de propriedade, havido pelo inconsciente coletivo, não como um direito oriundo da noção de posse-trabalho, mas apropriação cartorial de um domínio ficto, nem sempre legítimo e lícito”. Também o advogado de posseiros e Deputado Federal Aldo ARANTES (PC do B-GO) (apud FILGUEIRAS, 1997, p. 17), sustenta que o juiz que conceder uma liminar de reintegração de posse sem julgar o mérito, isto é se baseando única e exclusivamente na certidão do Cartório de Registros de Imóveis, sem tomar conhecimento se o imóvel merece a proteção legal, estaria violando a Constituição Federal de 1988 que só ampara o direito das propriedades produtivas. 187 FACHIN (2000:285) acrescenta que: "É defensável concluir que é incongruente com a norma constitucional e a mens legis deferir proteção possessória ao titular de domínio cuja propriedade não cumpre integralmente sua função social, inclusive (e especialmente) no tocante ao requisito de exploração racional. A liminar que seja deferida concedendo a reintegração de posse de imóvel nessa condição pode até atender a dogmática do Código Civil, mas se choca de frente com o novo texto constitucional".

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inegociáveis pelo prazo de dez anos (Art. 18). Atualmente existem mais de 20 projetos de lei em tramitação no Congresso para alterar esta lei.

6.8.2 Rito Sumário (Lei Complementar n.º 76, de 07.07.1993)

A Lei Complementar n.º 76, de 07/07/1993 (alterada pela Lei Complementar n.º 88, de 23/12/96), que dispõe sobre a Desapropriação de Imóvel Rural por Interesse Social para fins de Reforma Agrária, reafirmou a competência exclusiva da União neste campo e regulamentou os artigos 184-186 da Constituição Federal de 1988. Comparando-a com o texto constitucional, representa um notável avanço em favor dos interesses dos trabalhadores rurais e de todos aqueles que vislumbram na Reforma Agrária um instrumento de democratização das relações sociais no nosso País. Apesar disso ela continua refletindo as contradições existentes na Constituição Federal pois mantém seu viés economicista.

Analisando o texto podemos destacar três pontos fundamentais:• A afirmação da obrigatoriedade do cumprimento da função social para o

exercício da propriedade privada no campo;• Preservação dos interesses dos pequenos e médios proprietários cuja

terra não poderá ser desapropriada;• A definição de propriedade produtiva faz referência a questões

relevantes como tecnologia, meio ambiente, relações trabalhistas, etc. Seu artigo 6º, que afirma que é produtiva aquela propriedade que cumpre o requisito econômico de produção (80%) e produtividade (100%) sem fazer expressa referência a qualquer preocupação com o meio ambiente, dá um duro golpe à preservação ambiental. É urgente rever os índices técnicos e os parâmetros que definem uma propriedade produtiva que foram fixados pela última vez em 1980. 188

De um ponto de vista processual a Lei Complementar n.º 76/93 apropria-se de alguns aspectos do Decreto-Lei n.º 554/69 que até então regia a desapropriação por interesse social e que por esta lei é expressamente revogado (Art. 25). Seus pontos mais importantes são os seguintes:Institui o rito sumário. por isso a fase instrutória, sendo que visa debater só o

quantum da indenização e eventuais nulidades do ato administrativo, adotará este rito (Art. 6º).

A desapropriação é de competência privativa da União e será precedida do decreto que declara o imóvel de interesse social para fins de reforma agrária (Art. 2º).

188 A informação de que já passaram-se 17 anos desde a última “atualização” dos índices e parâmetros informadores do conceito de propriedade produtiva, foi obtida em: BURLE e TEIXEIRA (1997:6).

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• Antes da desapropriação, a autarquia competente deverá propor um procedimento administrativo para examinar se o imóvel é ou não improdutivo e avaliar as eventuais benfeitorias. O passo inicial é assim a vistoria e avaliação do imóvel por parte do INCRA que, se necessário, poderá requisitar força policial para entrar no imóvel.

• decreto declaratório terá validade por dois anos, contados de sua publicação.

• A petição inicial será instruída com cópia do decreto declaratório, certidão atualizada de domínio e de ônus real do imóvel; documento cadastral e do laudo de vistoria, além dos requisitos gerais previstos no Art. 82 do CPC.

• No prazo de 48 horas o juiz dará seu despacho e imitirá a União na posse do imóvel (Art. 6º). O desapropriado poderá levantar até 80% do valor depositado (Art. 17 da lei 76/97 e Art. 19, § 2º, “c”, da Lei n.º 4.504/64);

• No prazo de quinze dias será oferecida a contestação que não poderá versar sobre o mérito do interesse social (Art. 9º).

• Os assistentes técnicos indicados pelas partes e o perito judicial avaliarão o bem. Em caso de acordo o juiz o homologará através de sentença (Art. 10). (Art. 10).

• Caso seja necessária a audiência de instrução e julgamento, será realizada no prazo de quinze dias (Art. 11).

• A sentença será prolatada na hora ou no prazo máximo de trinta dias (Art. 12).

• A indenização das benfeitorias será paga em dinheiro e da terra nua em TDAs. (Art. 14).

• É obrigatória a intervenção do Ministério Público em qualquer instância (Art. 18, § 2º).

• sucumbente deverá pagar as despesas judiciais e os honorários advocatícios e dos peritos (Art. 19).

• Os imóveis desapropriados não poderão ser objeto de ação reivindicatória (Art. 21).

• Apesar dos decretos desapropriatórios ter prazo de validade de dois anos, o INCRA do Pará, durante o governo Collor, deixou caducar alguns deles. 189

189 Este prazo é mais de que razoável para que seja proposta a competente ação judicial, isto se o INCRA dispuser dos recursos humano e financeiros suficientes. Caso contrário poderá voltar a acontecer o que testemunhou-se no governo Collor quando o INCRA do Pará (SR 01), devido ao fato de muitos procuradores terem sido colocados “em disponibilidade”, perdeu a chance de ajuizar as ações relativas

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Os Títulos da Dívida Agrária deverão ter uma cláusula de preservação do valor real, e são resgatáveis no prazo de até vinte anos (Art. 184 da CF). Sua utilização deverá ser prevista em lei, devendo seu volume total constar anualmente no orçamento federal. Serão emitidos pelo Ministério da Fazenda que, a cada mês, atualizará seu valor. Serão remunerados com juros de 6% ao ano (Art. 8º do Decreto n.º 578/92).

O decreto expropriatório, sendo um mero ato administrativo, não transfere o domínio do bem para o estado. A desapropriação consuma-se com a sentença do juiz, que expedirá o respectivo título aquisitivo depois do pagamento da indenização. Não é, portanto, suficiente a edição de um decreto de desapropriação ou o depósito em juízo para fins de imissão na posse que só se consumará depois da decisão judicial. No momento em que, ao término do processo judicial de rito especial, o juiz determinar a transcrição em nome da União do imóvel desapropriado, se concretizará o disposto pelo artigo 530, I do Código Civil que apresenta os casos de aquisição originária de propriedade. Este título poderá ser levado a registro no Cartório de Registro de Imóveis.

Os inegáveis avanços trazidos por esta lei precisam, porém, serem aprofundados, pois, o fato de não se poder desapropriar propriedades produtivas, levam a ter de utilizar critérios técnicos para a definição dos índices de produtividade. A nova lei acaba, assim, com a lógica subjacente ao Estatuto da Terra que baseava-se no binômio minifúndio-latifúndio. Perdeu-se um instrumento importante que favorecia a desapropriação: a perda sumária (desapropriação das propriedades levando-se tão somente seu tamanho, como era o caso dos latifúndios por dimensão), mas pode-se agora questionar a efetiva exploração de todas as empresas rurais.

Infelizmente, o texto sancionado pelo Presidente Itamar Franco, não atendeu às reivindicações dos trabalhadores, ficando aquém do que estabelecia o Decreto-Lei n.º 554 de 25 de abril de 1969 e dificultando ainda mais a efetivação das desapropriações. Um dos artigos vetados pelo Presidente da República era aquele que previa a expropriação do imóvel rural que utilizasse mão-de-obra escrava. A CPT Nacional denunciou que em 1992 mais de 15 mil trabalhadores foram sujeitados a trabalho escravo na área rural. Esta prática é comum em vários estados do Brasil por inúmeros latifundiários que se valem até da exploração do trabalho de crianças. O inciso IV do artigo 186 da Constituição Federal diz textualmente: "A função social é cumprida quando a propriedade atende, simultaneamente (...) aos seguintes requisitos: IV - Exploração que favoreça o bem-estar dos

às fazenda Guampo e Lagedo da Missa (Conceição do Araguaia). deixando caducar assim os respectivos decretos.

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proprietários e dos trabalhadores" (BRASIL, 1988b:126). Assim a propriedade que desrespeita a liberdade dos trabalhadores chegando a escravizá-los não pode merecer o amparo legal. Ainda mais que este artigo poderia coibir o uso desta prática abominável e desumana e forneceria um grande estoque de terras utilizáveis para realizar a reforma agrária sem custos para a União.

6.9 A REFORMA AGRÁRIA NOS DIAS ATUAIS

Hoje, a agricultura é algo marginal na economia brasileira, pois representa pouco mais de 10% das receitas. Por isso, a reforma agrária para o governo, resume-se a resolver os conflitos sociais para evitar que se transformem em problemas políticos. Podemos denominar esta política como a de “apagar fogo”.

Fernando Henrique Cardoso (01/01/95 a ...) 190, durante a campanha eleitoral de 1994, afirmava que a agricultura seria um setor prioritário do seu governo. 191 Prometeu assentar 280 mil famílias nos quatro anos de seu governo e fortalecer este setor. A agricultura mostrou ser uma das principais âncoras do plano de estabilização monetária fazendo com que os preços dos produtos agrícolas permanecessem achatados. Em nome da modernidade e do livre comércio foram ampliadas as medidas de abertura do mercado nacional para as importações marginalizando ainda mais a agricultura familiar. A política econômica adotada repetiu o que já tinha acontecido durante o regime militar quando a política agrária e agrícola foram políticas dissociadas entre si: enquanto algumas dezenas de milhares de famílias são assentadas nos Projetos de Assentamento192, 400 mil pessoas foram expulsas do campo durante os primeiros dois anos do governo Fernando Henrique Cardoso e 800 mil assalariados rurais perderam o emprego (STÉDILE, 1997a:2) devido à abertura comercial abrupta que liberou a importação de vários produtos agrícolas. Apesar da sempre maior organização dos assentados, é difícil competir num mercado globalizado.

Nestes últimos anos reacenderam-se as lutas populares e o Brasil conheceu um aumento considerável de ocupações de terra como forma de pressionar o governo a realizar a reforma agrária. Este considerável aumento

190 Fernando Henrique Cardoso foi reeleito em 1998 para um segundo mandato presidencial que terminará em 01/01/2003.191 A agricultura era um dos cinco dedos que sintetizavam as prioridades do então candidato.192 Dados oficias, contestados pelo movimento sindical, falam do assentamento de 372.886 famílias assentadas entre 1995 e 1999 (destas 287.539 nos primeiros quatro anos de governo. Ver BRASIL, 1999d: 11).

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colocou o governo na defensiva e, mais uma vez, a competência para resolver estes conflitos sociais, deslocou-se do âmbito do Ministério Extraordinário da Política Fundiária, para aquele da Justiça voltando a ser tratado como um caso de polícia e de segurança. O aumento das ocupações e a resposta violenta dos latifúndios e das forças repressivas do Estado mostram que está em curso um acirramento das tensões sociais no campo.

ALMEIDA (1997b:26), analisando pesquisas realizadas por Singer e Yokota acredita que: “a diminuição brutal das oportunidades de trabalho nas cidades e no campo, pode estar induzindo parte dos desempregados, excluídos do mundo do trabalho industrial, a migrar para as áreas de origem para se reintegrar à produção agrícola de base familiar”.

Gráfico 1: Evolução do número de famílias envolvidas em ocupações de terra nos anos de 1991 a 1998.

14.72015.53819.092

20.516

30.476

63.080

58.266

76.482

0

10.000

20.000

30.000

40.000

50.000

60.000

70.000

80.000

Gráfico Comparativo das Ocupações 1991 - 1998 (Número de famílias)

1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998

FONTE: CPT NACIONALA alta taxa de desemprego registrada no governo FHC, a maior dos

últimos anos, favoreceu o considerável aumento da demanda por terra fazendo com que ALMEIDA (1997b:27) utilize a expressão: “explosão no campo” que cria “zonas críticas de conflito e tensão social”. A análise de YOKOTA (que foi presidente do INCRA de 1979 a 1984) (apud

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ALMEIDA, 1997b:2) chega a apontar a escolha da agricultura como âncora verde do Plano Real como fator de desemprego e tensão social: “Isto acabou desempregando só na safra de 1995/1996 mais de 400 mil trabalhadores rurais, que foram engrossar o caldo de cultura propício ao radicalismo”.

Mais uma vez, voltou-se a falar de operação desarmamento como a solução dos conflitos. 193

A avaliação do desempenho da política agrária do governo FHC por parte dos servidores do INCRA (CNASI, 1997:3), isto é, dos que conhecem de perto a realidade da reforma agrária e as dificuldades de realizá-la, é que a mesma representa um conjunto de ações pontuais e dispersas que se enquadram não numa política de reforma efetiva, mas entre as políticas de compensação:

“No governo FHC, essa reforma agrária assume contornos, não de uma reforma agrária na sua essência, mas de uma alternativa compensatória para fazer frente aos efeitos nefastos da política neoliberal que só tem causado desesperança, fome e miséria. É com essa visão que se processa a “reforma agrária” de FHC, representando apenas uma válvula de escape ao estado de tensão social existente no campo, marcado por ações pontuais e dispersas, em resposta as pressões da opinião pública, nacional e internacional, que volta e meia manifestam a sua indignação aos massacres de trabalhadores rurais sem terra, que se incorporaram ao cotidiano agrário brasileiro”.

Para fazer frente às pressões populares por reforma agrária e dar uma satisfação à opinião pública depois do massacre de Eldorado de Carajás, através da Resolução n.º 83, de 17/10/96 foi criada a Superintendência Regional do INCRA Sul do Pará (SR27E), com sede em Marabá e uma área de jurisdição de 330.636 km² (330,636 milhões de hectares). Sua instalação aconteceu em 17/11/96 e atua em 40 municípios do sul e sudeste do Pará, através das unidades avançadas de Tucurui, Conceição do Araguaia, São Félix do Xingu, São Geraldo do Araguaia e Tucumã.

193 A realização periódica destas operações tem mostrado que as mesmas são um instrumento de perseguição aos trabalhadores e suas lideranças. Nas operações anteriores, como naquela realizada no “Bico do Papagaio”(região compreendida entre o norte do Estado do Tocantins, Sul e sudeste do Pará e oeste do Maranhão) em 1987, trabalhadores foram presos e torturados, suas casas e sua produção foram queimadas. Os bispos do Sul do Pará e a Comissão Pastoral da Terra Norte II divulgaram notas de repúdio a esta tentativa de criminalizar os trabalhadores. Os resultados práticos destas operações de um ponto de vista de “desarmar” os pistoleiros foi sempre um fracasso total.

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Em 14 de janeiro de 2000 foi criado, através do Decreto n.0 3.338, o Ministério do Desenvolvimento Agrário com a competência de promover a reforma agrária e o desenvolvimento sustentável do segmento rural constituído pelos agricultores familiares.

6.10 LEI N.º 9.393, DE 19/12/1996: O ITR COMO INSTRUMENTO DE REFORMA AGRÁRIA

No final de 1996, o governo engajou-se numa luta corpo-a-corpo com os deputados, para garantir a aprovação da nova lei que regulamentaria o Imposto Territorial Rural. Em suas declarações aos jornais o ministro Raul Pinto Jungmann apresentava a proposta do governo de se aumentar as alíquotas do ITR como um valioso instrumento para permitir, não só, um aumento considerável na arrecadação dos impostos, como também para penalizar de tal maneira quem não produz, que seria inviável este continuar a deter o imóvel, favorecendo assim, a reforma agrária. Nos debates congressuais a proposta do executivo foi bastante modificada pois, caso contrário, não iria conseguir ser aprovada devido à férrea oposição da bancada ruralista. A maior alíquota passou de 4,5% para 20% penalizando, pelo menos teoricamente, quem não produz. A questão do ITR como instrumento de reforma agrária foi pregada já no tempo do Estatuto da Terra sem, porém, ser colocada em prática. Espera-se que esta vez o governo tenha a vontade política e a força necessária para que seja posta em prática. 194

194 CHIAVENATO (1996:26) diz que “Quanto aos latifundiários e aos impostos, tanto o INCRA como o Ministério da Agricultura e Reforma Agrária (MIRAD) constataram que, em 1988, 60% dos latifúndios por exploração e 96% dos latifúndios por dimensão sonegaram impostos. O Imposto Territorial Rural (ITR), que é cobrado das propriedades com mais de mil hectares, foi sonegado por 76% dos latifundiários. Em 1995, a Receita Federal estimava que receberia apenas 15% do valor total do ITR, isto é a sonegação seria de 85% do total a ser arrecadado”. VARELLA (1998:316-320) apresenta dados muito parecidos que mostram a falácia de quem apresentou o ITR como instrumento de reforma agrária: “O principal problema com relação ao ITR não é um cadastro atualizado das propriedades, mas sim a simples não cobrança do tributo. (...) Historicamente não se cobra o mesmo. Deste modo, em todos os níveis de propriedade, a taxa de inadimplência é muito grande, sendo os proprietários de maiores extensões de terra os grandes responsáveis pela evasão fiscal. (...) Com base apenas no ITR de 1994, apenas os 200 maiores proprietários do país, com mais de 50 mil hectares cada, deixaram de pagar cerca de R$ 200 milhões, sozinhos responsáveis por 50% do montante devido de ITR neste ano. (...) Considerando que a taxa de inadimplência desta faixa de propriedade é de 99,7%, não é de se assustar com a inefetividade do tributo no combate ao grande

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A Lei mantém a isenção para as pequenas glebas rurais exploradas pelo proprietário sozinho, ou com a ajuda da família, desde que não possua outro imóvel (Art. 2º). 195 Os imóveis declarados de interesse social para fins de reforma agrária continuarão a pagar o ITR até a imissão na posse por parte da União.

O contribuinte que desmembrar, anexar, alienar, suceder causa mortis, ceder direitos ou constituir reserva ou usufruto deverá comunicar isso ao INCRA no prazo de sessenta dias (Art. 6º) para que o cadastro do imóvel seja atualizado. Um dispositivo importante foi incluído no Art. 21 que obriga a comprovar o pagamento do ITR referente aos últimos cinco exercícios, todas as vezes que tiver qualquer alteração no registro. São considerados: “solidariamente responsáveis pelo imposto e pelos acréscimos legais (...) os serventuários dos registros públicos que descumprirem o disposto neste artigo, sem prejuízo de outras sanções legais” (parágrafo único do Art. 21) (grifos nossos). A responsabilização por atos que visam lesar o patrimônio público, deveria ser estendida a todas as outras irregularidades e não só às referentes ao ITR.

6.11 LEI N0 9.415 DE 23/12/96 INTERVENÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO NOS CONFLITOS PELA POSSE DA TERRA RURAL

Depois dos massacres de Corumbiara (RO) e Eldorado do Carajás (PA), o governo federal se viu obrigado a adotar uma postura mais propositiva no campo legislativo, apresentando propostas de modificação da legislação em vigor. Entre os instrumentos legais mais importantes está a lei que altera o parágrafo único do Art. 9º do Código Penal Militar (Decreto-Lei n.º 1.0001/69). Já em 1992 o deputado Hélio Bicudo (PT-SP) tinha apresentado um projeto de lei que transferia à Justiça Comum, o julgamento dos crimes cometidos no exercício de suas funções de policiamento pelas polícias militares do estados. A lei aprovada, apesar de mudar substancialmente a proposta de Bicudo, possibilitará que os policias militares autores destes crimes não tenham mais um foro privilegiado.

A Lei n.º 9.415, de 23 de dezembro de 1996, deu nova redação ao Art. 82, inciso II do Código de Processo Civil acrescentando que o Ministério Público tem que intervir: “nas ações que envolvam litígios coletivos pela posse da terra rural e nas demais causas em que há interesse público, evidenciado pela natureza da lide ou qualidade das partes (grifos nossos). O fato dos conflitos agrários serem uma fonte de insegurança e

latifúndio improdutivo”.195 Na Amazônia é considerada “pequena gleba rural” aquela até 100 ha. (Art. 2º, parágrafo único, inciso I).

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intranqüilidade para toda a sociedade, fez com que eles passassem a adquirir relevância para o interesse público. PAULA (1997:3) afirma que: “O interesse público, no caso, evidencia-se pela natureza da causa, reveladora de um conflito coletivo pela posse da terra rural, passível de solução material via reforma agrária, com a qual está comprometida à Nação por força dos dispositivos insertos na Constituição da República”.

Para se poder conhecer o âmbito da intervenção do Ministério Público será necessário definir qual a posse que merece o amparo legal, pois, é justamente a disputa pela posse agrária a razão desse enorme número de processos possessórios. A resposta a esta pergunta vem da análise de vários dispositivos legais consolidados ao longo do tempo:

• A Posse justa, isto é, aquela não violenta, clandestina ou precária (Código Civil Art. 489);

• Aquela possuída de boa fé (CC Art. 490);• A que cumpre sua função social (Art. 5º, XXII e XXIII e 185 da CF.

A constituição ampara a propriedade e, consequentemente, a posse que nela se alicerça);

• As propriedades produtivas (Art. 6º) que cumprem sua função social (Art. 13 da Lei n.º 8.629/93 que disciplina o processo de reforma agrária). Resumindo pode-se afirmar que merecem o amparo legal as posses

justas e de boa fé que não sejam passíveis de desapropriação para fins de reforma agrária. 196

Ao autor da ação cabe o ônus de provar que o imóvel ameaçado ou esbulhado está atendendo ao requisito fundamental que lhe irá garantir a proteção a seu direito: a finalidade social.

O Ministério Público não ira intervir colocando-se ao serviço de uma das partes, mas procurará exercer um papel de mediador que leve à solução efetiva do conflito, e não à simples conclusão da lide. 197 Como

196 PAULA (1997:6) é categórico em afirmar: “A posse, portanto, de terra rural de domínio da União, Estados ou Municípios, bem como aquela que não cumpre com os requisitos legais que evidenciam a função social da propriedade, não encontra respaldo para a proteção judicial, seja ela pleiteada via reintegração, manutenção de posse ou mesmo interdito proibitório (grifos nossos).197 Segundo PINTO (1997): “Aquele Poder [Judiciário] busca resolver, através de sentença judicial, a controvérsia concreta existente. E tem falhado sistematicamente. O judiciário acredita que, após a sentença definitiva, o conflito subjacente à ação também reste solucionado, como se as partes em contenda aceitassem, pacificamente, a decisão judicial. Ocorre que, sem intermediação do conflito, a sentença judicial, no mais das vezes, somente serve para deflagrar maior sectarismo

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fiscal da lei sua tarefa é aquela de coletar todas as provas que possam favorecer uma sentença mais justa, tais como: o título de propriedade é inquestionável? A propriedade é produtiva? Está respeitando todos os dispositivos relativos ao cumprimento da função social? Obedece as normas relativas ao meio ambiente e as disposições trabalhistas (Art. 186 da CF)? Espera-se que o Ministério Público possa de fato, intervir como mediador nos conflitos, apesar de que isso ainda não tenha acontecido mais de um ano depois da entrada em vigor desta lei.

da parte que não teve seus argumentos reconhecidos pelo Poder Judiciário. Em resumo: a sentença judicial, no geral, não encerra a contenda, ao contrário, por inúmeras vezes a agrava”.

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7 - O PARÁ NA SEGUNDA METADE DO SÉCULO XX

7.1 A FEDERALIZAÇÃO DAS TERRAS DO ESTADO DO PARÁ

Os diferentes ciclos econômicos que se sucederam ao longo dos séculos até o início da década de sessenta baseavam-se no extrativismo. Tiveram como conseqüência trágica a dizimação dos diferentes povos indígenas, mas não modificaram de maneira significativa a região amazônica.

Os dados dos Censos Econômicos (apud LOUREIRO, 1992:12-13) mostram como:

"Em 1950 estavam registrados no Estado do Pará 59.877 estabelecimentos rurais, que ocupavam uma área de 6.593.399 ha, que correspondiam a apenas 1,86% em relação ao total da área do Estado. (...) Portanto as terras registradas eram insignificantes e dentro delas havia um número expressivo de posseiros. O que ocorria é que não só a quase totalidade das terras não estava titulada sob a condição de propriedade privada, mas também o fato de que mesmo a exígua porção de terras assim tituladas, não estava ocupada produtivamente, na maior parte dos casos. Posseiros - agricultores, pescadores artesanais, caçadores de animais silvestres e outros - tinham nelas sua origem ou lá se haviam instalado sem disputa ou conflito".

Se se leva em consideração que mais da metade da área dos imóveis cadastrados era coberta de mata (50,7%), que 22,94% era destinado a pastagens, que 15,44 era terra inculta e que a área efetivamente ocupada por culturas temporárias ou permanentes não passava de 10,77% (daquele já inexpressivo percentual de 1,86% da área cadastrada), se pode afirmar que o extrativismo continuava a ser a principal atividade econômica da época.

Para a administração Getúlio Vargas, a Amazônia representava uma região problema, que precisava ser integrada no processo de desenvolvimento em curso no resto do país. Para favorecer isso foi criado em 1953 o Plano de Valorização Econômica da Amazônia que deu origem à Superintendência do Plano de Valorização Econômica da Amazônia (SPVEA). Para cumprir sua missão disporia de 3% do orçamento da União que a Constituição Federal de 1946 destinava à região. A SPVEA, porém, nunca recebeu o volume de recursos que lhes eram devidos e aplicou de forma desordenada os poucos que recebeu. O próprio fato de estar amarrada aos poderes locais a submeteu a injunções políticas que prejudicaram

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sobremaneira seu desempenho. 198 Uma das maiores obras gestadas pela SPVEA foi a ligação por terra entre a nova capital e Belém. Com a construção da Belém-Brasília, as estradas começaram a substituir os rios como meio de ocupação do espaço amazônico favorecendo um intenso fluxo migratório, sobretudo de nordestinos, que começaram a ocupar as faixas de mata existentes ao longo da rodovia. Só com o começo do processo de abertura das estradas federais (além da Belém-Brasília, a Transamazônica - BR-230 e a Pará-Maranhão) e estaduais (PA-70 e PA-150) a situação da região começou a mudar de maneira significativa. Uma das entrevistas com uma liderança sindical da região de Viseu transcrita por LOUREIRO (1997:77) reflete bem o papel das estradas na agudização dos conflitos agrários:

“Ninguém pode dizer que uma estrada não traz o progresso. Como é o caso da Pará - Maranhão, que eu vi nascer, que eu conheci antes mesmo dela estar aberta completa. Eu vim do nordeste e nós já estávamos nos lotes da margem dela quando ela foi verdadeiramente aberta, completa. A Pará Maranhão, no meu pouco entender, ela tinha que provocar conflitos”. (grifos nossos).

Depois de contar que ele e uma boa parte dos colonos tinham chegado ainda em 1961, isto é, anos antes da abertura da estrada, mostrava como ao redor da mesma hoje só existem fazendas: ”E por volta de 1965 começaram a aparecer grileiros querendo nos expulsar da terra, pra que no dia que estrada ficasse pronta, eles ficarem ou venderem a terra” (grifos nossos) LOUREIRO (1997:78).

Políticas públicas de desenvolvimento (obras de infra-estrutura e incentivos fiscais), grilagem e violência caminharam juntas:

“Então alguns colonos se interessaram em ficar, pra ver a fundo esta história. Outros se amedrontaram e foram se embrenhando nas matas. (...) Então, pra nós essa estrada não favorece nada, ela foi prejudicial. Porque antes, a gente transportava a produção em lombo de burro, pelo caminho que estava aberto. Quando abriram a estrada, nós fomos empurrados para dentro, pros confins do mato. Quer dizer - estrada pros fazendeiros foi aberta pelo governo, mas nós é que abrimos o mato, na força do braço, pra nós morar. E ainda tendo que procurar e lutar pela terra, porque antes, quando ainda não tinha estrada, a terra não era cobiçada era livre. E muitos companheiros perderam a vida nessa

198 Um estudo da própria SUDAM (BRASIL, 1988d:12) afirma que a SPVEA: “inviabilizou-se intrinsecamente como suporte institucional ao novo projeto de Estado para a Amazônia, principalmente por incorporar forte influência das oligarquias locais"

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procura de terra, nesta luta; muitas mulheres ficaram viúvas, com filhos pra criar, neste meio de mato e no meio da luta. Muitos desistiram, foram embora, procurar a proteção de parentes que estavam noutros lugares, geralmente nas cidades. É por isso que as cidades estão cheias, aqui no Pará e no resto do Brasil (...). Os que ficaram, foram cada vez mais pro meio do mato, sujeitos à febre, doença, fome (porque o colono planta num ano pra colher no outro; então, no primeiro ano, ele come o pão que o diabo amassou, o pão que o diabo injetou (sic) de comer). E é nesse primeiro ano da chegada que morre mais gente, principalmente as crianças, que não resiste. Então, pra nós, essa estrada ela foi, bem dizer, inútil; é difícil dizer, mas essa é a verdade (...). Então, quando o governo fala no progresso da estrada ele está falando, mas é no progresso dos fazendeiros e dos grileiros, que ficaram bem servidos, na beira da estrada asfaltada e que, mesmo assim, não produzem nada. Pra produzir um pouquinho, eles têm que receber ajuda do governo, senão não tem produção. É só guardando a terra pro futuro, como riqueza. E o governo não fala no desgraçado que teve que se meter no meio do mato” (grifo nosso) (Colono não identificado apud LOUREIRO, 1997:79-80).

Quem tem a possibilidade de visitar as comunidades rurais espalhadas pelo interior do nosso estado pode testemunhar a situação difícil em que viviam os que tiveram de se meter no meio do mato, descrita quinze anos atrás, pouco mudou. As famílias camponesas continuam vivendo sem assistência médica, escolas, transporte. Seu isolamento e marginalização é fruto muito mais de uma escolha política que privilegia o capital, de que da falta de recursos para suprir suas necessidades. 199

A abertura desta estrada, que demorou mais de quinze anos para ser concluída, foi realizada utilizando-se sobretudo mão-de-obra que vinha do nordeste. Cada vez que um trecho era concluído os trabalhadores ficavam desempregados, indo engrossar as levas de ocupantes das terras que iam sendo amansadas. O governo não se preocupou em legalizar logo as posses constituídas ao longo da estrada criando assim, os pressupostos dos conflitos futuros. O mesmo aconteceu ao longo da Belém-Brasília e da Transamazônica que se transformaram nos grandes corredores de penetração das frentes de ocupação da fronteira. Todas estas rodovias tinham sido planejadas para acolher pequenos lotes ao longo de suas margens e lotes

199 Enquanto os colonos eram abandonados ao seu destino, as empresas recebiam apoio do governo. É elucidativo, neste sentido, o depoimento prestado pelo prefeito de Viseu (apud LOUREIRO, 1997:192-193): ”Tudo para mim, como prefeito municipal era difícil. Mas, enquanto era difícil para mim, os tratores do DER eram colocados a disposição e passavam inverno e verão na fazenda do Mejer, abrindo estradas, fazendo serviços. E os colonos ficavam revoltados com isso...”.

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maiores nos fundos, mas na realidade aconteceu exatamente o contrário. 200

A ocupação pela pata do boi, passou a ser o lema para o desenvolvimento da região. 201

Em 1966 uma decisão do governo federal mudou a cara do Estado: a SUPERINTENDÊNCIA DO DESENVOLVIMENTO DA AMAZÔNIA (SUDAM) substituiu a SPVEA para dar novo impulso ao progresso da região.

A partir daquele momento, a Amazônia começou a sofrer uma série de iniciativas e de políticas de ocupação decididas pelo governo federal, sem qualquer participação da população local. Através do Ato Institucional n° 5, de 13 de dezembro de 1968, os militares prepararam o caminho para o reordenamento jurídico do país. O ato autoritário e a política que lhe sucedeu, baseada no binômio Segurança e Desenvolvimento, deveriam levar a construção do Brasil-Potência que a propaganda oficial tanto defendia. O que ocorreu de fato foi a sistemática e violenta repressão às forças populares e o fornecimento de favores fiscais para que as empresas se estabelecessem na região amazônica.

A partir da década de setenta a ação governamental desenvolveu-se obedecendo aos Planos Nacionais de Desenvolvimento nos quais eram estabelecidas metas de desenvolvimento que seriam alcançadas através de Planos Regionais. 202 Apesar de falar muito de eco-desenvolvimento, palavra

200 Na Transamazônica, por exemplo, os glebistas, nome dado pelo colonos aos detentores das glebas de três ou cinco mil hectares, ocupam hoje a faixa, enquanto os outros localizam-se nos fundos dos travessões e das vicinais. É por isso que uma das principais lutas do Movimento pela Sobrevivência da Transamazônica (MPST) é a abertura e conservação de novas vicinais. Uma proposta interessante foi apresentada na Ia Conferência Municipal de Uruará realizada de 10 a 13 de março de 1994 onde defendeu-se a idéia de que o INCRA cancelasse os contratos dos glebistas que ganharam as licitações na década de setenta sem tomar posse efetiva dos lotes, ou desapropriasse algumas fazendas para assentar os colonos perto da rodovia. O documento final (1994:27) afirmava: “Propomos a vistoria do INCRA nos lotes que não tem ocupação para que sejam repassados para as famílias sem terra, fazendo-se para isso um levantamento das áreas abandonadas. 201 Assim se expressa o antropólogo Alfredo Wagner de ALMEIDA (1984:38): "A ação governamental visa uma definição dos direitos de propriedade que propicie implantação de empreendimentos de grande exploração, quer seja para uma atividade econômica efetiva imediata, quer seja para atividades de fins especulativos".202 Na Introdução (apud BRASIL, 1992a:5) destes documentos estava presente uma avaliação crítica dos modelos de desenvolvimento adotados até então e se propunha uma nova política mais apropriada para a Amazônia em vista da:

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que se tornou o novo chavão moderno incorporado aos documentos oficiais, e insistir na necessidade de uma "reestruturação profunda no modelo de desenvolvimento e reversão completa da forma tradicional de ocupação e crescimento regional" (BRASIL, 1992a:5), 203 as políticas efetivamente executadas, pouco diferiram daquelas adotadas nos anos anteriores, quando se incentivava o desenvolvimento regional baseado na exploração dos recursos naturais (minérios e madeira) e na agropecuária. Os Grandes Projetos que instalaram-se no Pará em lugar de promover o desenvolvimento foram implantados como enclaves sem nenhuma ligação com o resto da região, expulsando os trabalhadores rurais das áreas tradicionalmente ocupadas por eles. A análise dos erros do passado, tão bem detalhada na parte introdutória destes documentos, era esquecida no momento de apresentar as políticas que deveriam reverter de fato este quadro, pois, os

"promoção do desenvolvimento econômico social de forma sustentada e compatível com as condições dos ecossistemas amazônicos". 1º PND 72/74; 2º PND 75-79; 3º PND75-79; 1º PND da Nova República 86-89. Em setembro de 1992 a SUDAM lançou o Plano de Desenvolvimento da Amazônia 92/95. Na sua "Apresentação" o Superintendente da SUDAM, Alcyr MEIRA (apud BRASIL, 1992a:3) afirmava que o documento: "é a expressão sintética do conjunto de ações que devem ser deslanchadas no sentido de promover o progresso regional". 203 Um dos recentes exemplos da utilização indevida do discurso ecológico para acobertar interesses exclusivamente econômicos foi a proposta de criação da "Fundação Brasileira para o Desenvolvimento Sustentável". Esta fundação, uma entidade sem fins lucrativos, deveria captar recursos junto a entidades nacionais e internacionais para financiar grandes plantios homogêneos, ao longo da ferrovia de Carajás. Inicialmente estava previsto plantar mais de um milhão de hectares de eucalipto para a produção de celulose nos 150 Km entre Marabá (PA) e Santa Inez (MA). As empresas interessadas (Aracruz Celulose, Companhia Vale do Rio Doce, Jarí, Indústrias de Papel Simão, Mannesman, Ripasa, VARIG, entre outras) contavam com o apoio do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). A Comissão Pastoral da Terra do Maranhão fez suas as palavras do sociólogo e engenheiro florestal Marcelo Sampaio Carneiro e avaliava assim o ecologismo deste empreendimento: "O mais cínico nisso tudo é essas empresas instituírem uma fundação que elas dizem "sem fins lucrativos" e para a qual os recursos públicos serão canalizados. Essas empresas é que se encarregarão de implantar e de fiscalizar seus próprios empreendimentos, cuidando para que o meio ambiente não seja degradado. Ou seja, mais uma vez em nosso país, teremos as raposas cuidando do galinheiro ..." CARNEIRO (1993:11). Piores são as consequências de projetos deste tipo: "Como repercussão imediata destes empreendimentos teríamos a expulsão de milhares de famílias camponesas e perigosos impactos ambientais, que fatalmente, atingiriam também as populações indígenas das regiões próximas”. CARNEIRO (1993:11-12).

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incentivos concedidos, apesar de receberem uma nova roupagem ideológica, permaneceram os mesmos. 204 Manifestava-se assim, a esquizofrenia governamental: de um lado os tecnocratas mostravam conhecer a realidade e as consequências nefastas da ação governamental anterior, do outro lado, porém, a política concreta colocada em prática era a mesma de antes. Para justificar sua atuação o governo federal utilizava a falácia de espaço vazio a ser ocupado.

Com a expansão da fronteira acentuou-se a disputa pela terra. 205 Os novos ocupantes entraram em conflito com a forma de ocupação preexistente que era ampla, apesar de imprecisa quanto aos seus limites e titulação. A questão da terra passou a ser o eixo central do processo de ocupação da Amazônia. Nesta disputa pelo controle do espaço o governo federal interveio com a pretensão de ordenar o processo; na realidade, porém, sua ação criou as condições para a apropriação privada das terras, até então prevalentemente devolutas, pelos detentores do capital. 206 A terra passou a ser vendida a grandes grupos econômicos a preços irrisórios. LOUREIRO (1997:183-184) afirma que o empresário norte-americano Daniel Ludwig teria adquirido as terras da Jarí pelo valor médio inferior a US $1 (um dólar) o hectare. Segundo BECKER (1991:18), nos anos setenta a estratégia de ocupação do espaço regional posta em prática pelo governo federal levou a uma: “superposição de territórios federais sobre os Estados”. Esta política,

204 Alguns Planos chegaram a aguçar a fantasia e o sonho dos amazônidas com suas promessas mirabolantes que porém não foram cumpridas. Ver, por exemplo, a seguinte afirmação: "A utopia dos Amazônidas vislumbra a Amazônia, no ano 2010, marcada por um modelo de desenvolvimento socialmente justo e ecologicamente adequado” In BRASIL (1991b:24).205 LEAL (1991:50) apresenta desta maneira o fenômeno da apropriação das terras paraenses no começo da ditadura militar: “logo se iniciou uma febril corrida as terras por grandes grupos econômicos. Embora seja certo que isto havia começado já antes do Golpe, com ele a situação se agravou. Em pouco tempo, no delta do Amazonas, uma área altamente estratégica para os próprios padrões da doutrina cultuada pelos militares como dogma de fé - a Doutrina da Segurança Nacional - já havia ao redor de um milhão e meio de hectares em mãos de proprietários estrangeiros, sem falar na Jary. O gigantesco processo de concentração fundiária que o Regime Militar estimulou, sobre a Amazônia, começou com o apossamento de grandes extensões de terras por grandes corporações de capital, e logo nas áreas mais críticas para a segurança da região”.206 Estes Planos relegaram a reforma agrária em segundo plano. O PDA 92-95 a contemplou no subprograma de organização agrária, desta maneira desapareceu até a expressão reforma agrária, o que contava era minimizar os conflitos e não atacar a concentração da propriedade.

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válida sobretudo para os estados amazônicos localizados na área de expansão da fronteira, fez com que o Estado do Pará perdesse a jurisdição

sobre mais de 80% de seu território. Através do Decreto no 1.106, de 15/07/70 (que federalizou 10 Km de cada lado das rodovias Transamazônica e Santarém-Cuiabá), do Decreto 1.164, de 01/04/71 (que ampliou para 100 Km esta faixa, abrangendo agora todas as rodovias federais construídas, em construção ou projetadas) e a implantação dos Grandes Projetos a União chamou a si a jurisdição sobre enormes áreas. 207 Só o Projeto Grande Carajás estende-se por 900.000 quilômetros quadrados, 208 permitindo o controle federal e a exploração da maior província mineral do planeta. A hidrelétrica de Tucurui formou um lago de 250.000 ha atingindo os povos indígenas Gavião, Parakanã, Guajajara e Krikati 209 e desalojou 4.500 famílias que até hoje não se beneficiam da energia gerada por ela. O pólo industrial de Barcarena tirou a terra de mais de 600 famílias que, na maioria dos casos, foram indenizadas com valores irrisórios ou, muitas, sequer foram indenizadas. 210 Ao lado dos projetos econômicos criaram-se outros

207 Na pressa de ter sob a sua jurisdição enormes áreas de terra o governo federal, em 1976, desenhou no mapa uma estrada que ligaria São Félix do Araguaia (MT) a Altamira (PA), estrada esta que até hoje não saiu do papel, e federalizou um trecho da PA 150 expropriando uma área de cerca de 20 milhões de ha sem nenhum ato formal de desapropriação.208 O PROJETO GRANDE CARAJÁS foi instituído pelo Presidente João Figueiredo através dos Decretos-Lei n.º 1.813, de 24 de novembro e 1.825, de 22 de dezembro de 1980. Os projetos que iriam receber os incentivos fiscais seriam avaliados por um Conselho Interministerial, no âmbito da Secretaria do Planejamento ligado diretamente ao gabinete do Presidente da República. Segundo HALL (1991:39-40): “A região do PGC, delimitada de maneira bastante arbitrária, cobre cerca de 900.000 quilômetros quadrados, área maior que a Grã Bretanha e França juntas, inclui partes do Maranhão, Pará e Goiás, e representa cerca de 10,6% da extensão territorial brasileira”. Este projeto foi extinto em 1991.209 Ver SANTOS e NACKE (1991:82)210 Segundo AIDA MARIA FARIAS, que foi Deputada Estadual pelo PT (1990-1994), e testemunhou de perto todo o sofrimento dos atingidos pela barragem de Tucurui tendo acompanhado o processo de negociação com a Eletronorte no final da década de setenta e começo da década de oitenta, só 3.100 famílias foram cadastradas e indenizadas pela Eletronorte, as outras 1.400 não receberam nada. O autor está acompanhando, como procurador dos atingidos, o processo que quatrocentas e quarenta e oito famílias ajuizaram contra a COMPANHIA DE DESENVOLVIMENTO DE BARCARENA (CODEBAR) e a COMPANHIA DO DISTRITO INDUSTRIAL (CDI). A Sentença prolatada 16 de fevereiro de 1996 pelo Dr. EDISON MESSIAS DE ALMEIDA, Juiz Federal da 1a

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instrumentos de controle federal sobre a Amazônia. O Projeto Calha Norte, por exemplo, ampliou de maneira significativa o raio da ação militar alargando mais uma vez a incidência de ações federais sobre o território paraense. Estes projetos agilizaram a integração capitalista da região ao mercado nacional e mundial, mas não foram fonte de melhoria da qualidade de vida das populações locais que foram totalmente alijadas do processo de discussão, planejamento, implantação e fiscalização dos mesmos. Mais uma vez prevaleceu a velha lógica: alguns se beneficiando da exploração das riquezas enquanto a grande maioria da população só teve que sofrer os prejuízos econômicos, sociais e ambientais.

Para viabilizar sua estratégia de integração nacional, a federalização das terras estaduais foi um instrumento importante, pois permitiu à União controlar o processo de ocupação. “Os escritórios loteadores [sediados em Brasília, São Paulo, Goiânia, etc.] tiraram o poder decisório dos governos estaduais” (ÉLERES, no prelo, cap. II:5). Graças a esta intervenção, era mais fácil solucionar os problemas criados pela forma irregular de titulação feita pelos governos estaduais, 211 tanto que, em 1976, o Conselho de Segurança Nacional chegou a estudar a possibilidade de elaborar um decreto-lei que declarasse indispensáveis à segurança e desenvolvimento nacional não só a faixa de 100 km de cada lado das rodovias federais, mas municípios inteiros. Esta política era também condição para reduzir o poder das oligarquias locais que até então controlavam o aparelho político local e favorecer os grandes grupos econômicos. 212 Para tentar preencher este vazio de poder

Vara, numa decisão inédita no Pará em disputas decorrentes da implantação de um Grande Projeto, reconheceu o direito da maioria dos autores à uma revisão do valor da indenização pois: ”As rés não lograram empecer esses argumentos fortíssimos que põem em relevo um fato jurídico de enorme repercussão social e sobretudo o caráter aviltante das indenizações pagas aos autores, sem falar nos que despojados de seus bens sem a contrapartida do pagamento indenizatório”. Ver Sentença do Processo n0 91.2239-0, p. 36. Referindo-se à instalação do distrito industrial, José de Souza MARTINS (1998), vereador de Barcarena, afirmou que: “A gente viu o progresso chegar em Barcarena e viu famílias perderem sua terra e aumentar a miséria”. 211 PINTO (1980:122) afirma que: “Nas discriminatórias que tem realizado (um processo até então inédito na Amazônia), o INCRA vem constando que a maior parte da titulação anterior à sua presença, de responsabilidade dos governos estaduais, é totalmente irregular” (grifos nossos). 212 MARTINS (1982:20) afirma: “A federalização e militarização das terras da Amazônia transformou-se na condição para que o desenvolvimento regional saísse das mãos da oligarquia, dos comerciantes e dos proprietários tradicionais, e abrisse espaço para o grande capital, cedesse terreno à acumulação dos grandes grupos

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foram criadas as áreas de segurança nacional onde o prefeito era nomeado pelo poder central (como por exemplo: Marabá, Santarém, Altamira, Itaituba ...) e órgãos militarizados para acompanhar a questão agrária (GETAT e GEBAM). 213

O então deputado federal, depois governador do Pará (1983-1986 e 1991-1994) e hoje senador (1995- ...), Jáder F. BARBALHO (1978:82) avaliava assim esta política: "Desapropriaram em favor do INCRA nossas terras, a título de implantar uma política agrária adequada e justa, e o que se assiste é apenas ao tumulto administrativo institucionalizado no setor, gerado acima de tudo pela omissão, a prejudicar nossa economia e criar um clima de tensão social que já registra fatos fatais".

A tabela abaixo mostra os diferentes instrumentos jurídicos utilizados pela União para estender seu controle sobre o território paraense:

Tabela 7: Terras sob jurisdição federal no Estado do ParáDESTINAÇÃO NÚM

.HA %

FAIXA DE FRONTEIRA 5.768.400 4,72ÁREAS DO DECRETO 1.164/71 63.544.200 52,04TERRAS INDÍGENAS 38 22.828.000 18,70ÁREAS DE CONSERVAÇÃO DA NATUREZA

13 3.342.000 2,74

ÁREA DO EMFA 1 3.907.200 3,20ÁREA DA AERONÁUTICA 1 148.617 0,12ÁREAS DO EXÉRCITO 8 2.849.100 2,34TERRENOS DE MARINHA E MARGINAIS

1.223.000 1,00

econômicos, cuja escala de operação e de interesse faz deles justamente os efetivos agentes econômicos da centralização do poder. (...) A política de incentivos desarticulou as relações de poder na Amazônia. Não só impediu o nascimento político de um campesinato baseado na luta pela terra, libertado enfim das relações tradicionais da dominação pessoal, do aviamento, da quarteação, mas destruiu as formas tradicionais do poder local ou as comprometeu seriamente, tornando-as vazias e sem sentido".213 Em 09 de março de 1977, o presidente do INCRA, Hélio Palma de Arruda, remeteu ao governador Aluisio Chaves o ofício n.º 173, ao qual era anexado o mapa das estradas federais construídas, em construção ou, simplesmente, projetadas. Se redesenhava assim, através de um simples mapa desenhado por um funcionário de ínfimo escalão administrativo, a jurisdição sobre as terras paraenses. O Ofício foi recebido da mesma maneira que o decreto 1.164/71: em silêncio.

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TOTAL ÁREAS SOB A JURISDIÇÃO DA UNIÃO

61 103.610.517 84,86

ÁREAS SOB A JURISDIÇÃO DO ESTADO

18.490.783 15,14

ÁREA TOTAL DO PARÁ 122.101.300 100

Fonte: PARÁ (1996a) 214

Ás áreas federais listadas acima devem ser acrescidas àquelas referentes as hidrelétricas programadas pela Eletronorte. Até hoje, foram estudadas ou inventariadas 09 áreas, além daquela de Tucurui cujo reservatório já foi inundado, que abrangem uma superfície de 2.873.000 ha. Outras 23 áreas estão sendo planejadas, sem, porém, que os estudos técnicos tenham apontado até agora a superfície a ser inundada. Além disso, várias áreas indígenas não foram ainda demarcadas, sendo possível que mais terra paraense passe sob a jurisdição federal.

Isso nos permite afirmar que a União controla, hoje, mais de dois terços do território paraense pois, apesar do Decreto 2.375/87 ter revogado o Decreto 1.164/71, foram porém ressalvadas as situações juridicamente constituídas que continuam sob a jurisdição do INCRA. O descaso dos governos estaduais anteriores ao atual fez com que as terras não arrecadadas ou não destinadas pela União continuem até hoje sob jurisdição federal. A porcentagem exata ocupada pela União é impossível de ser estabelecida com precisão pois, várias áreas cobertas pelos diferentes decretos são sobrepostas. Só depois de sua demarcação se poderá ter números confiáveis. Em outubro de 1995, o Governo Federal e o Governo do Estado do Pará criaram uma COMISSÃO DE ESTUDOS DAS ÁREAS DE JURISDIÇÃO FEDERAL NO TERRITÓRIO DO ESTADO DO PARÁ para “estudar a situação fundiária do Estado do Pará e elaborar propostas de diretrizes e soluções para os problemas identificados” (PARÁ, 1996a:1). A complexidade das

214 A tabela acima foi elaborada pelo autor baseando-se nos dados constantes no Relatório da Comissão de Estudos das Áreas de Jurisdição Federal no Território do Estado do Pará, In PARÁ (1996a). O autor da notável pesquisa legislativa e da elaboração dos mapas correspondentes a cada situação, foi o Dr. PARAGUASSU ÉLERES, advogado e agrimensor, Diretor do Departamento Técnico do ITERPA, professor da Universidade da Amazônia (UNAMA), membro da Equipe de Pesquisa Legislativa e Articulação Cartográfica do ITERPA e integrante daquela Comissão de Estudos. O Dr. Paraguassu é um profundo conhecedor da realidade agrária brasileira e estrênuo defensor do patrimônio fundiário paraense usurpado pelo governo federal.

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situações a serem analisadas e a dificuldade de elaborar mapas confiáveis que refletissem a realidade, dificultaram a elaboração do relatório final. É de qualquer maneira de se lamentar que este debate continue acontecendo no estrito âmbito dos gabinetes palacianos sem envolver, mais amplamente, a sociedade, que é a mais direta interessada neste assunto, nem o CONSELHO ESTADUAL DE POLÍTICA AGRÍCOLA AGRÁRIA E FUNDIÁRIA de Estado do Pará, órgão ao qual cabe: ”Propor diretrizes planos e programas de política agrícola agrária e fundiária” (Constituição do Estado do Pará, Art. 240, I). Louvável é a iniciativa do ITERPA de voltar a ter a jurisdição sobre as terras paraenses. Fazendo referência ao artigo 5º do Decreto 2.3375, de 24/11/87, que revogou o Decreto 1.164/71, o órgão de terras estadual, através dos ofícios n.º 336/97 PG-ITERPA, de 04/08/97 e n.º 061/98 DT-ITERPA, de 04/09/98, solicitou a devolução de 4.438,232,00 ha localizados na região Sudoeste (Cachimbo/BR 163).

Um fator de complicação, nesta difícil tarefa de resgatar para o patrimônio fundiário estadual as terras que tinham sido federalizadas, não é só sua localização, mas, também, a exata compreensão dos diferentes diplomas legais. O art. 5, b do Decreto 1.164/71 ressalvava: situações juridicamente constituídas, até a vigência deste Decreto-Lei, de conformidade com a legislação estadual respectiva". Já o 7º do Decreto 6.739, de 05/12/1979, detalhou como isso deveria ser interpretado: "Os títulos de posse ou quaisquer documento de ocupação, legitimamente outorgados por órgão do Poder Público Estadual, continuarão a produzir os efeitos atribuídos pela legislação vigente à época de suas expedições e configuram situação juridicamente constituída, nos termos do art. 5º, alínea b, do Decreto-lei n.º 1.164, de 1º de abril de 1971".

Apesar dos convênios celebrados entre INCRA e o Governo do Pará (como, por exemplo, os de 07 de janeiro de 1976 que estabelecia normas para regularização de ocupações, conclusão de alienações e retificação ou revalidação de títulos expedidos antes da vigência do Decreto-Lei n.º 1.164/71 em área abrangidas por esse diploma legal e o celebrado em 21 de março de 1977 que estabelecia normas para a regularização fundiária de áreas abrangidas pelo Decreto-Lei n.º 1.164/71 e legislação posterior) continuaram a existir várias situações de solução duvidosa.

Para LUCZYNSKI (56-62) a União possui terras em 80 municípios paraenses:

a) por ter desapropriado várias glebas (como, por exemplo o polígono de Altamira em 1970);

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b) pela presença das 38 áreas indígenas: Alto Rio Guamá (2.799 Km²), Amanayés (2.610 Km²), Anambé (79 Km²); Cuminapanema (20.597 Km²), Tembé (11 Km²), Turê-Mariquita (1 Km²), Arara II (46 Km²), Arara I (2.740 Km²), Arawete (9.950 Km²) Apiterewa (2.668 Km²), Bacajá (1.921 Km²), Báu - Menkranotires (49.130 Km²), Curuá (194 Km²), Cachoeira Seca (7.600 Km²), Paquiçambá (43 Km²), Kcatimeno (Km²), Kararaho (3.300 Km²), Trincheira (16.550 Km), Tuerê (6.400 Km²), Mãe Maria (624 Km²), Pakaranã (3.516 Km²), Kateté (4.391 Km²), Sororó (261 km²), Trocará (217 Km²), Kaiapó (32.840 Km²), Kaiabi (1.172 Km²), Mundurucu (19.650 Km²), Saicinza (1.255 Km²), Praia do Índio, Praia do Mangue, Tumucumaque (27.000 Km²), Paru de Leste (11.828 Km²), Nhamundá-Mapuera (10.495 Km²), Andirá-Maraú (Km²), Karajá (15 Km²), Kayabi-Sul (525 Km²), Paraná (3.600 Km²), Mararanduba (0,25 Km²);c) 13 Unidades de Conservação da Natureza: as Reserva Florestais de Gorotire (18.430 Km²), Mundurucânia (13.770 Km²), Tumucumaque (17.930 Km²), Caxiuanã (2.000 Km²), Parque Nacional da Amazônia (9.606 Km²), Florestas Nacionais do Tapajós (6.000 Km²), Tapirapé Aquiri (1.900 Km²), Saracá- Taquera (6.296 Km²), as reservas Biológicas do Tapirapé (1.030 Km²) e Rio Trombetas (3.850 Km²), Estação Ecológica do Jarí (2.073 Km²), Área de Proteção Ambiental Algodoal-Maindeua (23 Km²)215

d) 33 Áreas de alagação das usinas hidrelétricas programadas pela Eletronorte nos rios Tapajós, Teles Pires, Xingu, Iriri, Nhamundá, Trombetas, Mapuera, Paru do Oeste, Curuá, Maicuru, Paru do Leste, Jarí, Tocantins, Araguaia, Itacaiunas;e) Áreas afetadas pelo Decreto-Lei 1.164/71 e decretos posteriores;f) Áreas concedidas ao Estado Maior das Forças Armadas: Serra do Cachimbo (39.072 Km²);g) Áreas afetadas ao ministério do Exército: Cinzento, Aquiri, Mossoró, Limão, Cururéu, Juuena, Prata e Damião (totalizando uma área de 28.491 Km²);

Se acrescentarmos os municípios onde existem terrenos de marinha e terrenos marginais, este número aumenta consideravelmente. Mapa 1: Áreas sob jurisdição de órgãos federais no Pará

215 A estas devem acrescentar as criadas mais recentemente.

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Fonte: ÉLERES (1998)

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7.2 PROJETOS DE COLONIZAÇÃO: A CONTRA-REFORMA AGRÁRIA COMO POLÍTICA DE DESENVOLVIMENTO

Para evitar de promover a reforma agrária, que iria lhes trazer problemas políticos com a oligarquia latifundiária que garantia e legitimava seu poder, e, ao mesmo tempo, impedir que os conflitos sociais decorrentes da luta pela terra se transformassem em problemas políticos, os governos militares incentivaram uma migração interna sem precedentes em nossa história. Para cooptar segmentos da população rural que tinham sido expulsos de suas terras em outras regiões do país, foi desenvolvido um programa de distribuição de terras em regiões estratégicas. A migração foi estimulada, seja através de intensa propaganda sobre a distribuição de terras, seja oferecendo emprego nas grandes obras de infra-estrutura: Transamazônica (8.000 trabalhadores), Cuiabá - Santarém (2.000), Projeto Carajás (23.000 homens para a construção da vila, da ferrovia, estradas, etc.).

Uma nova fase para a Amazônia começou, com o Plano de Integração Nacional em 1970 que priorizou a colonização como instrumento de solução dos graves conflitos agrários do nordeste e quis favorecer a integração nacional. O regime militar dava a seguinte definição de colonização:

"Colonização é toda atividade oficial ou particular destinada a dar acesso à propriedade da terra e a promover seu aproveitamento econômico, mediante o exercício de atividades agrícolas, pecuárias e agro industriais, através da divisão de lotes ou parcelas, dimensionados de acordo com as regiões definidas na regulamentação do Estatuto da Terra, ou através das cooperativas de produção nele previstas" (Decreto 59.428 de 27/10/1966).

De um lado o governo federal promoveu uma grande onda de migração para ocupar e colonizar os espaços vazios e do outro incentivou a instalação de grandes empresas capitalistas.

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A fronteira passou a servir como válvula de escape dos conflitos sociais. 216 O mapa a seguir mostra como se deu a chegada dos migrantes até o Pará.Mapa 2: Migração rumo ao Pará

216 Segundo SILVA (1986:47): "Os projetos de colonização no Brasil sempre foram pensados politicamente como uma alternativa a uma reforma agrária que mudasse a estrutura da propriedade da terra nas regiões nordeste e centro-sul. Na medida em que se aguçavam tensões sociais, conflitos potenciais, pressões políticas e econômicas, a fronteira aparecia como o novo "Eldorado" para os pequenos agricultores. Hoje o que se vê é que a própria fronteira está se tornando uma região de conflitos sociais pela posse da terra". A CNBB (1977:156-157), na sua avaliação da política de colonização, evidenciava o conflito de interesses entre colonos e grandes empresas e como isso foi causa de conflitos: "O que podemos verificar até aqui é que o projeto de colonização da Amazônia surgiu (pelo menos em tese), principalmente, para dar evasão ao grande excedente populacional do nordeste, numa política de povoar e desenvolver áreas brasileiras até então vazias, dando condições razoáveis de vida a essa população nordestina, mas acabou por ir ao encontro aos interesses de grandes proprietários do sul, principalmente enriquecendo-os mais, e não solucionando o problema de excedente populacional rural. (...) Sistematicamente os posseiros vêm sendo expulsos de suas terras, cedendo lugar às grandes fazendas de empresas nacionais e multinacionais”. Da mesma maneira o relatório final do "Simpósio de Políticas para a Amazônia" (1984:9) realizado em Belém (PA), de 27 a 29 de novembro de 1984 onde parlamentares do PMDB apresentavam suas propostas para o governo de Tancredo Neves, fez um balanço da política de desenvolvimento levada em frente pelo governo federal para a Amazônia neste período: "O que se tem visto, sob o discurso do desenvolvimento regional é, na verdade, a utilização da região como válvula de escape, como foco de atração para toda uma massa de trabalhadores rurais sem terra, que é estimulada a se deslocar para a região e com isso minimizar a pressão em áreas onde a distribuição da terra está solidificada, onde a atividade econômica está muito mais intensificada. Sob o discurso do desenvolvimento regional, o que se tem visto é toda uma implantação de políticas de incentivos que, na verdade, acabam simplesmente se transformando em instrumentos de valorização do capital de determinados grupos econômicos" (Grifos nossos).

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Fonte: Autor

No final dos anos cinquenta, no Nordeste, uma massa sempre maior e mais miserável começava a adquirir uma consciência de classe e a se organizar aumentando a pressão sobre a terra, criando um clima de forte tensão social favorável ao desabrochar de ações revolucionárias isoladas. Por isso o governo federal incentivou os posseiros a se deslocarem para a Amazônia. Aqui entraram nas matas, construíram seus barracos, cultivaram o solo com suas culturas de subsistência. Não receberam nenhuma ajuda do Estado: não tinham assistência técnica, higiênica, médica, educacional. Milhares de famílias, nordestinas inicialmente, e do sul do País em seguida, foram atraídas para o sul do Pará à procura de terras e de trabalho nos grandes projetos e nos garimpos (Serra Pelada, Cutia etc.). Em 1971, o presidente do INCRA José de Moura Cavalcante anunciou que iria transferir, em cinco anos, 100.000 famílias de nordestinos sem terra, para as vastas terras sem homens da Amazônia. Esta promessa caiu no vazio. A população paraense, que entre 1920 e 40 ficou estagnada, cresceu vegetativamente entre 40 e 60, cresceu muito rapidamente entre 60 e 70 e ainda mais entre 70 e 80 quando a taxa de incremento demográfico foi o dobro da média do resto do País (5,0% contra 2,5%). Se em 1940 o Estado do Pará, o mais

densamente povoado da região norte, tinha 0,77 hab./Km2, em 1980 este

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número subiu para 2,77 hab./Km2. Em pouco tempo nasceram várias cidades, sobretudo nas encruzilhadas das estradas, como Redenção, Xinguara, Rio Maria. 217 Entre 1960 e 1980 aumentaram consideravelmente os residentes não naturais do Pará passando de 7% para 15% (PARÁ, 1985a). Para controlar o acesso aos Grandes Projetos foram criados cinturões de isolamento e instaladas guaritas de vigilância onde, em vários casos, nasceram novas cidades. 218

217 O aumento da população de alguns municípios paraenses na década de setenta mostra a dimensão do fenômeno migratório: Conceição do Araguaia (cuja população tinha decrescido de 11.001 habitantes, em 1920, para 4.715 em 1940, devido à crise da borracha) aumentou 311% (de 27.372 habitantes a 112.397), São Félix do Xingu 234% (de 2.331 habitantes a 7.785) e Altamira 214% (de 15.745 habitantes a 48.164). Neste mesmo período os municípios de Almeirim e Prainha, que sofreram a influência do projeto Jarí, também cresceram (178%: de 12.024 habitantes para 33.374 e 268%: de 12.327 habitantes para 45.397, respectivamente). Não só o Pará conheceu um considerável incremento demográfico na década de setenta, também Rondônia recebeu um grande fluxo de migrantes. O município de Cacoal cresceu neste época 5.536% passando de 1.193 indivíduos para 67.243. Ver OLIVEIRA (1983:288-291). Em agosto de 1976 só 50 lavradores moravam no entroncamento das rodovias que ligam Marabá a Conceição do Araguaia (PA 150) e desta para São Félix do Xingu (PA 279). Em outubro de 1978 nesta localidade, denominada Entroncamento do Xingu (hoje Xinguara), já tinha mais de oito mil moradores transformando-se numa das mais importantes frentes pioneiras da Amazônia. Um comerciante e antigo seringalista que desde a década de cinquenta morava em São Félix do Xingu, assim se expressava em 1975 quando começou a ser aberta a estrada que ligaria a cidade à PA 150 (Xinguara): “A estrada trará o desenvolvimento, mas também muito desassossego”. Sua previsão revelou-se acertada só pela metade: a corrida as terras de fato criou uma situação de muita violência, o desenvolvimento, porém, não acompanhou este processo. Um estudo realizado pelo BASA em 1975 analisando a concentração de propriedade e a falta de títulos de propriedade previa que: é possível que, em um futuro próximo, surjam focos de pressão e insatisfação. Ver PINTO (1980:187, 196-197 e 217).218 Em Tucumã, ao redor da guarita que protegia o projeto de colonização particular da Andrade Gutierrez, nasceu no começo da década de oitenta uma cidade que poucos anos depois deu origem ao atual município de Ourilândia do Norte. Esta localidade era inicialmente conhecida como Guarita. Analisando o Projeto Grande Carajás BECKER (1997:73) afirma que: “Parauapebas e a guarita são apenas alguns dos elementos da estratégia de controle do acesso ao território, que inclui um vasto cinturão amortecedor de conflitos planejado pela companhia em torno da cidadela”. O mesmo fenômeno aconteceu em Tucurui, ao redor da Vila Residencial, e no Garimpo de Serra Pelada onde nasceu a cidade de Curionópolis. Segundo PINTO

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Neste período, o Estado do Pará começou a vender seu patrimônio fundiário levando em consideração só o valor da terra nua sem calcular o valor da floresta. Por isso na década de '60, um hectare localizado na beira da rodovia federal Belém-Brasília era vendido entre 7 e 12 mil cruzeiros (valor da época), quando explorando só 20 tipos de madeira o comprador ganharia entre 550 e 600 mil cruzeiros (40 vezes o valor que ele tinha pago).

Assim um estudo de pesquisadores do IDESP descreve esta triste fase da entrega das terras paraenses para o latifúndio:

"O período que vai de 1959 a meados de 1964, caracteriza-se por uma desabalada corrida às terras estaduais, engendrando uma forte tendência à concentração fundiária, pela alienação das glebas devolutas, forjando-se uma complicada e discutível base cartorial. Até 1958, o Governo Estadual, através do então Departamento de Terras havia vendido apenas 384.370 ha. de terra. Durante o período 1959-63, foram vendidos 5.646.375 ha expandindo as áreas alienadas em 1.369%. No período subsequente (1964-76) foram vendidos 955.822 ha, totalizando, portanto, de 1924 a 1976. uma área de 6.986.567 ha. (sem contar com os 407.737 ha concedidos pelo setor de colonização do governo)" (SILVA e CARVALHO, 1986:48).

Neste mesmo período foram concedidos 262 títulos de aforamento, perfazendo uma área total de 898.298 ha. O gráfico a seguir, elaborado pelos mesmos autores, mostra bem as proporções desta vendas ao longo dos anos.

Gráfico 2: Concessão de terras públicas no Estado do Pará (1924-1976).

(1980:5-6) na década de setenta a SUDAM planejou construir centros de recepção e triagem de migrantes nas principais rodovias de acesso à região como se a construção de guaritas pudesse frear o fluxo de migrantes.

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59-6381%

6412%

24-585%

65-722%

Fonte: IDESP

ATHIAS mostra a mesma evolução das concessões de terras públicas de 1924 a 1976 fornecendo os números dos títulos concedidos e sua área:

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Tabela 8: Concessões de terras devolutas do Estado do Pará (1924 – 1976)PERÍODO NÚMERO

TÍTULOSÁREA MÉDIA

(ha)TOTAL DA ÁREA

VENDIDA(ha)

SIMPLES ACUMULADO

1924-28 123 315,20 38.769,6 38.769,61929-33 48 1.805,80 86.678,4 125.448,01934-38 47 1.351,90 63.539,3 188.987,31939-43 76 1.176,30 89.398,8 278.386,11944-48 42 225,60 9.475,2 287.861,31949-53 136 261,80 35.604,8 323.466,11954-58 368 165,50 60.904,0 384.370,11959-63 1.575 3.585,00 5.646.375,0 6.030.745,11964-68 267 3.148,95 840.771,1 6.871.516,21969-73 33 718,96 23.725,8 6.895.242,01974-76 29 3.149,13 91.325,0 6.986.567,0TOTAL 2.744 2.546,12 6.986.567,0

Fonte: ATHIAS (s/d:59)Destaca-se a concessão de 1.575 títulos com uma área superior a 5,6

milhões de hectares acontecida entre 1959 e 1963. Além disso, naqueles mesmos cinco anos o tamanho médio concedido foi o maior de todos os tempos, bem superior àquele concedido nos 35 anos anteriores que era de 478 ha. A esta tabela precisam ser acrescentados os 14.958 Títulos definitivos e os Bilhetes de Localização concedidos pelo setor de Colonização do Governo no período de 1960-76 que somam 407.737 ha (PARÁ, 1989:47).219

Pode-se perceber como: "A terra tem sido vista, via de regra, a partir de um ponto de vista meramente comercial: um grande negócio que o Estado pode e deve utilizar como fonte primordial para aumentar a sua arrecadação financeira" (SILVA, 1987:5).

PRADO (1987:121-122), além de lamentar a grande quantidade de terras concedidas neste período, afirma que: “Mais grave ainda, talvez, é que não são precedidas de levantamento topográfico e medição e se fazem com medições imprecisas e confrontações vagas em territórios em regra muito pouco conhecidos, e não raro até mesmo já ocupado por posseiros”.

219 Só na região Araguaia Tocantins foram emitidos, entre 1961 e 1964, 759 títulos, cada um com uma légua quadrada, isto é 4.356 ha, totalizando 3.306.204 ha.

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Pode-se avaliar a balbúrdia que daí resultou e a larga margem existente para abusos, ainda mais que cada concessionário de terras se achava no direito de se apropriar da área que bem entendesse, pois não custava nada incluir sua pretensão nos vagos e imprecisos títulos que registrava nos complacentes cartórios. Enormes latifúndios foram assim constituídos burlando a legislação vigente. Como não era permitido o deferimento de mais de um lote por pessoa, se começou a utilizar nomes de parentes, amigos e prepostos (conhecidos popularmente como testas de ferro) para aumentar as propriedades. Contrariava-se também a lei estadual n.º 762 de 10/03/51 que nos seus artigos 10 e 18 proibia a venda de terras devoluta acima de 100 ha para fins agrícolas. Para solucionar esta situação, totalmente irregular, o governador Alacid Nunes, através do decreto-lei n.º 57 de 02/08/69, regularizou estes títulos. Mas nenhuma lei posterior poderia dar valor a atos juridicamente nulos como aqueles. Ainda mais que a revalidação dos títulos antigos, antes prevista até 1972, continuou até 1995.

Se a ação fundiária do governo estadual foi nefasta e contrária aos interesses públicos privilegiando só um seleto grupo de amigos dos que estavam no poder, a intervenção do governo federal não pode ser louvada. Depois de séculos de abandono, nos últimos trinta anos, a presença e intervenção do Governo Federal na Amazônia têm sido muito fortes, muito mais que em qualquer outra região do Brasil. Por isso sua responsabilidade por tudo o que aconteceu é imensa. Na década de setenta, o governo federal apresentou a política de colonização como o grande instrumento de solução dos conflitos agrários, isso apesar dos projetos oficiais de colonização no Pará terem começado, ainda, na década de quarenta, sem ter alcançado os resultados pretendidos. Os números relativos aos diferentes projetos de colonização mostram com clareza como esta política foi adotada em detrimento das mudanças estruturais que poderiam acontecer se se colocasse em prática a reforma agrária prometida pelo Estatuto da Terra. Na tabela abaixo foram relacionados os diferentes Projetos especificando sua natureza, os hectares, as famílias assentadas, o decreto de desapropriação ou doação e a data de sua criação (entre parêntese os municípios atingidos na época da criação do projeto): 220

220 É necessário explicitar isso pois atualmente a Rodovia Transamazônica, no trecho Marabá-Itaituba, atravessa o território de 14 municípios (Marabá, Itupiranga, Novo Repartimento, Pacajá, Anapu, Senador José Porfírio, Vitória do Xingu, Altamira, Brasil Novo, Medicilândia, Uruará, Placas, Rurópolis, Itaituba) e não mais só sete como na década de setenta (Marabá, Itupiranga, Senador José Porfírio, Altamira, Prainha, Santarém e Itaituba)

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Tabela 9: Projetos de Colonização criados no Estado do ParáNOME HA FAM DESAPROPRIAÇÃO DATA

CRIAÇÃOPIC Monte Alegre

509.000 2.600 Área doada pelo Estado, Decretos: 4.350/27; 4.179/42 e 4.296/43

Dec. 8.671, de 30/01/42

PIC Guamá (Santa Isabel e Castanhal)

33.105 500

Altamira 2.795.250

6.000 Dec. 68.443/71 Resol. 128, de 06/09/78

Marabá 356.500 3.500 Port. 163, de 05/03/71 Resol. 130, de 06/09/78

Itaituba (Aveiro) 1.026.679

3.400 Dec. 68.443/71 Resol. 129, de 06/09/78

Projeto Agro-industrial do Pacal (Medicilândia)

15.300 150 1973

Fonte: Autor a partir de documentos do INCRA

A mesma política foi adotada não só no Pará, como também em toda a região amazônica como mostra a tabela a seguir:Tabela 10: Número de projetos e área ocupada: Região Norte:ESTADO N.º

PROJETOSÁREA TOTAL

(ha)ÁREA MÉDIA

(ha)%

RONDÔNIA

10 4.306.134 430.613 40,25

ACRE 5 702.802 140.560 6,57AMAZONAS

3 397.240 132.413 3,71

RORAIMA 1 200.000 200.000 1,87PARÁ 6 5.092.513 848.742 47,60NORTE 25 10.698.689 427.947 100%

Fonte: Autor a partir de dados publicados pelo INCRA (1983:8-9).

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O Pará detinha não só uma área bem maior que os outros estados, mas o tamanho médio dos seus diferentes projetos era quase o dobro da média regional.

A comparação dos dados relativos aos assentamentos efetuados pelo INCRA entre os anos de 1970 e 1981 na região norte nos mostra como o Pará, que inicialmente foi o estado onde se concentravam os assentamentos, passou a perder importância regional na estratégia de ocupação dos espaços vazios, sendo suplantado, a partir de 1974, pelo Estado de Rondônia. Os dois Estados juntos receberam 89% dos assentados que se deslocaram para a região.

A tabela 11 (anexo 3) mostra o número de famílias assentadas na região norte entre os anos 70 e 81.

A política de priorizar a colonização da Amazônia, de expandir a fronteira agrícola em lugar de promover a reforma agrária é comprovada pelos números oficiais relativos aos projetos de colonização no Brasil. Analisando estes dados oficiais, pode-se ver como a Amazônia concentrou 67,30 % de todas as famílias assentadas na década de setenta e 84,06% da área destinada a este fim.

Tabela 12: Número, a área e as famílias assentadas em todo o Brasil de 1971 a 1981

REGIÃO N0

PROJ.

HA % N0

FAMÍLIAS%

NORTE 25 10.698.689 84,06 54.245 67,30NORDESTE 26 819.302 6,44 14.718 18,26SUDESTE 18 159.214 1,25 2.071 2,57SUL 23 123.305 0,97 4.855 6,02CENTRO-OESTE 13 927.313 7,28 4.713 5,85BRASIL 105 12.727.823 100 80.602 100

FONTE: Autor utilizando fornecidos por BRASIL (1983b:8-9; 15; 56-57; 63; 112-113; 115; 144-145; 151; 173; 177).

Os dados disponíveis continuam a ser precários, comparando os que foram divulgados pelo INCRA em 1981, com aqueles divulgados pelo mesmo órgão em 1983 existem várias divergências.221 O que preocupa é que

221 Na Introdução (apud BRASIL, 1983b:VII) aos dados publicados em 1983 se afirmava: “Até o presente momento, a dispersão das fontes de dados e suas

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esta divergência, não se dá somente entre dados relativos à famílias assentadas, onde, controlar o que foi efetivamente implantado era uma tarefa de fato difícil, mas existem divergências também no número de hectares desapropriados. Por exemplo, o documento de 1981 afirma que O PIC de Monte Alegre tem 530.000 ha enquanto o de 1983 diz serem só 509.000 ha; Itaituba aparece inicialmente com 1.970.000 ha e depois com 1.026.679 ha. Esta diferença de 964.321 ha, representa uma área maior que aquela desapropriada no Estado do Pará durante os cinco anos do governo Sarney e, possivelmente, dificultou o trabalho de quem tinha a tarefa institucional de planejar as atividades de política agrária nacional.

A tabela a seguir mostra o desempenho dos diferentes planos de colonização e assentamento realizados nos últimos sessenta anos. Pode-se constatar como, apesar das palavras e promessas, os recentes anos de regime democrático, sequer conseguiram alcançar as metas dos governos anteriores sendo necessário passar urgentemente a colocar em prática os programas tão badalados pela propaganda oficial.

Tabela 13: Programas de colonização e assentamento do Governo Federal no Brasil (1927-1994)PERÍODO TIPOS DE

PROGRAMANÚMERO DE PROJETO

NÚMERO DE FAMÍLIAS

HECTARES UTILIZADOS

1927-1963 Colonização 127 53.515 6.181.933Média anual

4 1.486 171.720

1964-1984 Colonização e Assentamentos

263 162.610 23.723.720

Média anual

12 7.743 1.129.700

1985-1994 Colonização e Assentamento

850 141.922 8.125.428

constantes divergências não permitiam consultas com a necessária rapidez e precisão (...). Chama-se a atenção para o fato de que estes dados poderão divergir dos anteriormente divulgados, prevalecendo porém, as informações apresentadas por esta publicação. Portanto, este documento representa o ponto de partida para a sistematização dos dados da colonização oficial”. Apesar disso em números casos este documento apresentava dados com “Até” incluindo assim dados que o próprio órgão reconhecia existirem registros de dados que poderiam ser repetidos pois se desconheciam as informações corretas ano a ano.

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sMédia anual

85 14.192 812.542

Fonte: INCRAOs projetos de colonização, como por exemplo a Transamazônica,

passaram normalmente por duas fases: no começo, até 1974, o INCRA criou as condições necessárias para a instalação dos colonos através da realização de algumas obras de infra-estrutura como a construção de estradas, abertura de vicinais, demarcação de lotes, construção de núcleos habitacionais com escolas, postos médicos etc. Neste período, muita propaganda foi feita para estimular a vinda de famílias para os projetos de colonização. A partir de 1974 o INCRA diminuiu sua presença, e, apesar do seu planejamento inicial, a ocupação da Amazônia, sobretudo na década de oitenta, fugiu à férrea lógica dos burocratas governamentais e ao seu controle acontecendo de uma maneira desordenada: a colonização espontânea começou a se sobrepor à colonização dirigida. Dezenas de famílias passaram a se localizar nos travessões a trinta-quarenta quilômetros da rodovia principal (hoje existem famílias que moram a mais de 100 quilômetros da margem da rodovia). Somando-se o abandono em que foram relegados pelo governo federal que não completou as obras básicas de infra-estrutura (de maneira especial as vicinais para os que moravam mais longe, os armazéns, postos de saúde, etc.); a falta de atenção ao tipo de solo cuja fertilidade decrescia rapidamente exigindo a utilização de adubo químico depois do terceiro ano, o que tornava o projeto economicamente inviável; o não acesso à assistência técnica, fizeram com que boa parte destes projetos fracassassem e muitas das famílias assentadas vendessem o lote que tinham recebido passando a morar nas cidades que iam surgindo. Analisando o crescimento das cidades amazônicas nos últimos anos se pode ver como a colonização não alcançou o êxito esperado.222 Quem não foi para as cidades foi atraído para trabalhar nas

222 SAWYER (1986:49), estudando a urbanização da fronteira, isto é o crescimento acelerado de núcleos urbanos na Amazônia nos últimos trinta anos, afirma que isso é devido: “a concentração da propriedade da terra e a expulsão dos trabalhadores permanentes, parceiros e colonos, pelos motivos acima expostos [modernização da agricultura e a necessidade de se ter acesso aos serviços básicos essenciais], combinados com os efeitos da legislação trabalhista, restringe o acesso à terra, deixando a residência urbana como única alternativa para a população sem terra”. PRADO (1979:120), ainda na década de sessenta, alertava sobre a necessidade de que nas áreas de fronteira se evitasse de criar a mesma situação de concentração de propriedade: ”No que se refere as terras devolutas, os governos se limitam a

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grandes fazendas onde, porém, tinha péssimas condições de trabalho e eram frequentes as denúncias de utilização de trabalho escravo. Um dos objetivos alcançados pela colonização, além da distribuição de terras para povoar a fronteira, foi criar bacias de mão-de-obra. A mobilidade do trabalho favorece as empresas e fazendas que, interessadas em investir o menos possível e sem ter que arcar com os onerosos encargos trabalhistas, contratam mão-de-obra só para determinadas atividades (sobretudo as derrubadas) e em determinados períodos do ano (verão). O próprio campesinato a incorporou como uma estratégia para a sua reprodução e sobrevivência, pois, o trabalho sazonal e eventual lhe permite auferir uma renda que lhe garante manter seu vínculo com a terra. A mobilidade gera, porém, sérios prejuízos aos trabalhadores: maior instabilidade e exploração. A forçada resocialização imposta aos migrantes dificulta sua organização sindical e política.223

Na década de oitenta, apesar de ter perdido a importância que tinha na década anterior, a política de colonização continuou. O INCRA, em junho de 1991, apresentava o seguinte quadro relativo à colonização no Estado do Pará:

"Os projetos de colonização abrangem a extensão de 3.539.252 ha de terras adquiridas por desapropriação, doação e arrecadação. A clientela beneficiária deste processo de ocupação de terras é de 22.925 famílias e acham-se distribuídas nos Projetos Integrados de Colonização (PIC) de Altamira, Itaituba, Monte Alegre, e no projeto Tucumã, sendo que este é oriundo da iniciativa privada, mas recentemente foi transferido para o âmbito oficial (Portaria MIRAD 1.176/88). Em decorrência da execução dos projetos técnicos de cada área de colonização encontram-se em registro as seguintes atividades principais implementadas:

a) parceleiros assentados: 22.925;b) parcela rurais medidas: 23.421;

distribuí-las praticamente de forma graciosa e sem outra obrigação (que nas velhas doações dos sesmaria do nosso tempo de colônia ao menos existia o imperativo do aproveitamento, sob pena da perda da concessão) ao primeiro requerente que se apresente ou aos participantes e amigos da situação política dominante, sem nenhum critério de ordem econômica e social digno deste nome”. 223 Durante vários anos, empresas agro-industriais não reconheceram a legitimidade dos sindicatos e dificultaram o processo de sindicalização de seus empregados demitindo os que procuravam os sindicatos. Dois casos famosos são aqueles da CRAI (empresa de propriedade do Banco Real, tem plantação de dendê no município de Tailândia) e da Marborges (que não assina convenção coletiva com o sindicato desde 1995, localiza-se no município de Moju), empresas que demitiram dirigentes sindicais estáveis e vários assalariados cujo único crime era procurar se organizar.

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c) parcela rurais tituladas: 13.645;

d) estradas vicinais construídas: 4.593 Km2" (BRASIL, 1991:30).

O mesmo documento mostra o resultado alcançado através dos outros instrumentos utilizados para adquirir terra. Um deles foi a regularização fundiária:

"Através dos 9 projetos que tratam das ações fundiárias (Paragominas, Tomé Açu, Altamira, Santarém, Cachimbo, Marabá, Conceição do Araguaia, São Geraldo do Araguaia e Tucurui) já foram desenvolvidas atividades de regularização 6.105.733 ha de áreas cobertas com titulação definitiva e provisória, sendo 3.317.370 ha de áreas provenientes de discriminação, 2.077.682 ha de áreas oriundas de arrecadação sumária e 710.681 ha objeto de desapropriação". (BRASIL, 1991:31).

Através da discriminação de terras o governo federal conseguiu 13.613.375 ha no Pará, enquanto através da arrecadação sumária se apropriou de 14.966.628 ha (BRASIL, 1991:33-34).

Poucos dias antes de promulgar a Constituição que no seu artigo 51 das Disposições Constitucionais Transitórias determina a revisão de todas as doações, concessões e vendas de terras o governo Sarney adquiriu o Projeto de Colonização da Andrade Gutierrez localizado em Tucumã (PA) por 26 milhões de dólares. Um prêmio (o preço foi bem acima do valor de mercado das terras) para um dos maiores projetos de colonização particular no Pará, que, como vários outros, tinha fracassado. Como se pode ver o estoque de terras nas mãos do INCRA-PA é considerável.

7.3 FAZENDAS X COLONOS: A EMPRESA CAPITALISTA OCUPA A AMAZÔNIA

No final de agosto de 1973 o governo trouxe 20, entre os maiores empresários do sul do País, para visitar a Amazônia. Na verdade sobrevoaram a região para tomar conhecimento da mesma, ver de perto seu enorme potencial e foram incentivados a investir nela. Os militares declararam a intenção de: "apoiar a formação de grandes consórcios empresariais na Amazônia, em propriedades em torno de 100 mil hectares" (CNBB, 1977:114) Foi feita, assim, aquela que poderíamos chamar de opção pelos ricos, isto é instaurou uma política elitista que favoreceu os grandes grupos econômicos, transferindo-lhes vultuosos recursos, seja através da isenção de impostos, ou através de investimentos em grandes obras de infra-estrutura. A agropecuária foi privilegiada, pois o governo

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acreditava que a criação de gado para corte apresentava inúmeras vantagens comparando com a agricultura de sobrevivência.224 Foi para viabilizar este tipo de empreendimentos que se concederam enormes extensões de terras para os fazendeiros fazendo com que, nestes últimos 30 anos, os estabelecimentos agropecuários triplicassem concentrando a terra nas mãos de poucas empresas. 225

Milhares de hectares de floresta foram devastados, levando em consideração exclusivamente o interesse econômico imediato, depredando o meio ambiente, substituindo a floresta virgem por capim (Ver PINTO, 1987:3-8).

A avaliação dos dados dos Censos relativos ao Estado do Pará é extremamente significativa, pois mostra como evoluiu o processo de ocupação das terras paraenses nos últimos sessenta anos:

Tabela 14: Número de estabelecimentos rurais no Estado do ParáANO ESTABELECIMEN

TOSÁREA (ha)

1929 26.907 9.830.2801940 58.135 10.082.0271950 59.877 6.593.3991960 83.180 5.253.2721970 141.442 10.754.8281975 186.954 16.166.7331980 223.762 20.448.4221985 254.503 23.532.050

1995-96

206.404 22.520.229

224 As vantagens do gado (na ótica economicista dos militares) são as seguintes: a) o gado se auto reproduz; b) exige um mínimo de capital e pouca mão de obra; c) permite receber incentivos fiscais; d) justifica a apropriação de enormes extensões de terra pois a pecuária extensiva, bem mais que a agricultura de subsistência, precisa de terra para se implantar e ser rentável.225 O tamanho de algumas propriedade chega a ser assustador para os colonos que têm sua pretensão de receber 100 ha preterida: “A terra dele [Mejer] tem um tamanho que choca quem chega lá, porque, só de frente são 30 a 35 Km; os fundos devem dar um outro tanto. A fazenda se chama Irmãos Coragem. A outra margem do rio Piriá, nós ocupávamos na mesma condição dele, como posseiros, só que nós queríamos ganhar a nossa vida, com uma área modesta, pequena, mas suficiente, enquanto que outros, como ele queriam ficarem ricos”. (Líder rural de uma comunidade da gleba apud LOUREIRO, 1997:197).

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Fonte: FIBGE Sinopse Preliminar do Censo Agropecuário 1985 vol. 4 n.º 1 e Censo Agropecuário de 1995-96

Pode-se observar como foi, sobretudo nas décadas de '70 e '80, que cresceram de maneira muito grande o número de estabelecimentos e a área ocupada enquanto no último censo este número reduziu-se de maneira significativa. Enquanto desapareceram 44.381 estabelecimentos com área até 100 ha, isto é cerca de 20,77% do total dos estabelecimentos desta faixa e 11% a menos de área, os imóveis acima de 5.000 aumentaram em 55 unidades (13,12%).226 O detalhamento das últimas décadas, por estrato de área, ilustra as mudanças que aconteceram:

Tabela 15: PARÁ: Censos 1940-1996: número de estabelecimentos e área ocupada (ver Anexo 4).

De acordo com a tabela no decorrer de todo o período 1940/96, aumentou a concentração das propriedades. Em 1996, os estabelecimentos que compunham o estrato inferior a 100 ha, representavam 82,01% do total, ocupavam apenas 19,21% da área, enquanto que aqueles pertencentes ao estrato acima de 5.000 ha, e que representavam 0,21 % do total dos estabelecimentos, concentravam 31,70 % da área ocupada. Um dado mais assustador tinha-se comparando a área total ocupada pelos 204.886 estabelecimentos até 2.000 ha (que representavam 99,26% do total dos imóveis), que era de 12.630.095 ha (56,07% da área) com àquela ocupada

226 A diminuição do número de imóveis não é um fenômeno só do Pará. Também ao nível de Brasil, pela primeira vez, o número total de estabelecimentos e de área utilizada diminuiu. Segundo TEIXEIRA e HACKBART (1999:2): "Os 5.801.809 estabelecimentos agrícolas registrados pelo censo agropecuário de 1985, foram reduzidos em 941.944 na contagem de 1995-96, resultando em 4.859.865 estabelecimentos, abrangendo 353.6 milhões de ha, ou seja, 21.3 milhões de ha a menos que em 1985. Essa diminuição da área agrícola equivale a 61% da área total plantada com grãos na safra 1997/98 (...). Do número, acima registrado, dos estabelecimentos extintos, 906.283, ou 96% do total, apresentavam áreas inferiores a 100 ha, sendo que, nesse extrato de área, a maior redução se deu com os estabelecimentos até 10 ha, onde desapareceram 662.448 estabelecimentos, o que significa 70.3% do total dos estabelecimentos extintos e 28% do número de estabelecimentos que restaram nesse limite de área. De acordo com o ex-Secretário Nacional de Política Agrícola, Sr. Guilherme Dias, desse número de pequenos estabelecimentos extintos, pelo menos 400 mil desapareceram nos dois primeiros anos do governo FHC".

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pelos 1.313 estabelecimentos com mais de 2.000 ha (0,64%), que era de 9.890.133 ha (43,93%). 227

Estes dados confirmam a grande concentração da propriedade da terra nas mãos de poucos. Além disso, os cadastros do INCRA mostram que as benfeitorias e o aproveitamento das terras agricultáveis apresentam índices inexpressivos.

Os dados censitários mostram também um considerável aumento do número de proprietários nos últimos anos. Uma possível explicação para este fenômeno pode ser encontrada na política de incentivos fiscais que promoveu a implantação de vários projetos agropecuários agravando a já distorcida estrutura fundiária estadual, sobretudo no sul do Pará. A instalação destas fazendas e das grandes obras de infra-estrutura favoreceu uma grande migração de trabalhadores em busca de trabalho. Terminada, porém, a fase inicial de construção das obras ou a derrubada de matas para a formação de pastagem, esses projetos passaram a despedir mão-de-obra. Os trabalhadores procuraram sobreviver ocupando as terras disponíveis, acirrando a luta pela posse da terra. Apesar da evidente concentração da propriedade, é, porém, necessário frisar como nestes mesmos anos (1970-85) foi forte a presença camponesa neste processo de privatização das terras da região. Segundo Costa existiu um fluxo bastante regular desta presença que cresceu a taxa de 6% a. a. em número e área (COSTA, 1992:6). Um resultado sem dúvida significativo e digno de nota (apesar de ter sido pago a caro preço).

O próprio INCRA (BRASIL, 1991:3-4) analisando a política agrária e o modelo de desenvolvimento adotado chegou a reconhecer que:

"A tensão social em torno da posse da terra é conseqüência de um modelo de desenvolvimento econômico para a região fundamentado na grande propriedade rural, financiada com incentivos fiscais e tributários, que favoreceram a concentração da terra e do capital. Tal política caracterizou-se pela absorção da mão-de-obra (via projetos de colonização) do Centro-Sul - expulsa pelo processo de modernização da agricultura - e do nordeste - pela expansão da pecuária e da monocultura - ao mesmo tempo em que se constitui num palco de crescentes conflitos gerados pela expulsão de posseiros e indígenas por parte da grande empresa, presença de grileiros, etc. ... que se implantaram na

227 Segundo o IDESP (1991:8-9): “Esta concentração fundiária reflete o sistema caótico de uso e posse da terra desencadeado a partir das políticas regionais de ocupação implantadas na região, e, em particular no Pará, provocando a formação de uma estrutura fundiária bastante complexa, onde, ao lado de propriedades legalmente constituídas, passaram a coexistir posses em áreas devolutas, ou não, propriedade acobertadas por títulos falsos, invasões, reclamações de posse, etc.".

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região nos últimos 20 anos. Nesse contexto, a política dos órgãos fundiários, claramente comprometidos com os interesses das grandes empresas, facilitou a ocupação de terras através da grande propriedade, contribuindo para o fechamento da fronteira agrícola aos pequenos agricultores. Para tanto foi utilizado o instrumento da regularização fundiária, cujas normas permitiam a titulação de áreas até seis vezes superior à beneficiada, favorecendo sobremaneira as grandes ocupações em terras devolutas da União, prejudicando os pequenos posseiros, visto que as posses maiores englobavam, muitas vezes, toda a área disponível. A titulação, por outro lado, transformou a terra em mercadoria, tendo assim legalizado sua transação, via compra e venda, tornando-a uma presa mais fácil para o grande capital e latifundiários que não mais necessitavam recorrer a violência para incorporar novas áreas á grande propriedade, provocando entretanto, o mesmo mal - eliminação do acesso á terra por parte dos trabalhadores rurais (...). Tudo isso contribuiu para um acirramento dos conflitos pela posse e uso da terra na medida em que desconsiderou a existência de uma população marginalizada de posseiros, trabalhadores assalariados submetidos em regime de servidão, garimpeiros, coletores de castanha, etc.". (grifos nossos)

Diante deste quadro o INCRA (BRASIL, 1991:1) reconhece que: "O Estado do Pará apresenta uma estrutura fundiária fortemente distorcida, consequência da ação de forças econômicas, sociais e políticas que moldaram o modelo desenvolvimentista no País, a partir dos anos 50" (grifos nossos).

A avaliação dos resultados obtidos pelo INCRA e ITERPA feita em 1977 pelo jornalista Lúcio Flávio PINTO (1980:51-53 e 156) pode se considerar ainda muito atual pois, apesar dos discursos, pouco mudou nas décadas seguintes:

"Na Amazônia, o que se vê, é a definição de uma situação contrária aos princípios e aspirações do Estatuto da Terra. Conforme os dados levantados no recadastramento do INCRA, os mais exatos de que se dispõe para analisar a estrutura agrária da região:

1- Os latifúndios improdutivos não diminuíram, ao contrário, multiplicaram-se, polarizando ainda mais a estrutura da posse da terra;

2- Raras empresas rurais foram constituídas;3- O minifúndio se consolidou, inclusive como decorrência de

uma política de titulação equivocada que o INCRA vem adotando;

4- (o governo) está dando todo apoio à grande propriedade rural, não apenas para que ela incorpore novas extensas áreas de terra, mas também para que regularize sua situação

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jurídica, muitas vezes edificada não exatamente sobre irregularidades e sim por ilegalidades (...);

5- Abandonaram-se as culturas alimentares para concentrar o crédito e a assistência técnica às culturas comerciais de exportação (...);

A busca da terra deixou de ser considerada como um instrumento de desenvolvimento rural, da produção de alimentos, na maioria dos casos, num mero negócio imobiliário, numa alta jogada financeira, num procedimento especulativo. (...)Há muito trabalho a desenvolver para corrigir a vândala

política de distribuição indiscriminada de papeis, que supostamente deveriam expressar os imóveis rurais, praticada durante muito tempo pelo Estado”.

Vinte e um anos depois se pode continuar a afirmar que foram distribuídos muito mais papeis que terra, em muitos casos sem a necessária precaução de se associar exatamente um documento a um chão perfeitamente identificado, localizado e demarcado.

Existiram duas formas de se apropriar da terra: enquanto os posseiros se instalavam na área, implantavam suas benfeitorias, começavam a produzir e só depois de anos, quando começava o conflito pela posse e uso da terra, se preocupavam em tentar legalizá-la; os grandes grupos econômicos utilizavam o processo inverso, pois, em primeiro lugar legalizam suas terras e só depois implantavam seus projetos agropecuários e agro-industriais. Enquanto os primeiros, que por razões culturais valorizam muito mais a oralidade do que os papeis e os documentos escritos, o trabalho, a exploração efetiva da terra não pode ter um valor inferior aos títulos expedidos pelas autoridades; para os segundos a aquisição do domínio está vinculada ao título de propriedade registrado no Cartório de Registros de Imóveis.

O processo de concentração da propriedade das terras não foi, porém, facilmente consolidado. A presença de índios, coletores de castanha, seringueiros, garimpeiros e pequenos produtores em áreas consideradas desocupadas fez com que fosse necessário rever e relativizar a idéia corrente de grandes espaços vazios. Quando o novo proprietário começava a desmatar encontrava a reação dos posseiros que, desde anos, moravam no local. No começo, o detentor legal da terra tentava desocupar a área oferecendo uma indenização irrisória para os posseiros. Como na maioria dos casos a resistência era grande, instaurava-se o conflito violento com queima de casas, devastação de roças, intimidações e assassinatos. Na

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verdade com o fim do apoio oficial à colonização acabou qualquer ajuda para os colonos e a burocracia se encarregou de dificultar ainda mais as coisas.

O processo de ocupação da Amazônia nos últimos 30 anos foi objeto de avaliação por parte de vários autores que destacaram como a intervenção federal teve um grande impacto sobre as formas tradicionais de ocupação da região. As diferentes formas de ação estatal levaram a uma fragmentação da unidade, antes homogênea, criando sub-regiões com características próprias. As terras, antes livres, isto é, passíveis de serem ocupadas e trabalhadas sem disputa, passaram a serem cobiçadas e disputadas por constituírem um excelente bem especulativo, isso numa sociedade cuja economia era sujeita a frequentes processos inflacionários. 228

228:Algumas considerações de BECKER (1990:17) são de extrema relevância e merecem ser reproduzidas pois apresentam uma avaliação sobre a intervenção do governo federal na Amazônia, e mostram a responsabilidade que, por isso, ele tem: "O Estado cria condições para a apropriação privada das terras devolutas por segmentos da sociedade que detêm o capital e a capacidade de organização considerados necessários à efetivação da rápida ocupação. Incentivos fiscais e créditos especiais a baixos juros para determinadas atividades são mecanismos seletivos que subsidiam a iniciativa privada cristalizando-se, em meados da década de 1970, o predomínio da empresa agropecuária capitalista vinculada a firmas industriais e comerciais nacionais e multinacionais sediadas no sudeste do País. Mas o Estado também desenvolve programas reformistas em locais estratégicos, de modo a atender interesses diversos e a cooptar massas de população rural. Sua atuação varia no tempo, face à conjuntura internacional e à correlação de forças sociais, repercutindo no fortalecimento de ora uma ora outra forma de organização na fronteira. Resulta, assim, que se reproduz na região o padrão nacional da estrutura fundiária com forte concentração de terras" (grifos nossos).

LOUREIRO (1992:11) afirma que: "Durante os anos 40 e mesmo até o final dos anos 50, grandes extensões de terras rurais na Amazônia gozavam ainda da condição de serem bens relativamente "livres" - do ponto de vista de estarem passíveis de serem trabalhadas sem disputa, por pequenos posseiros (moradores sem título de propriedade da terra), em geral, naturais da região. Segundo ARAGON e MOUGEOT (1986:57-58): "O processo de aquisição de terras na Amazônia nas décadas de sessenta e setenta era de caráter essencialmente especulativo, visto que a terra funcionava como reserva de valor, em vez de fator de produção. (...) Os preços de terra, embora baixos, subiram com rapidez excepcional em função da construção de novas estradas e das expectativas generalizadas de 'desenvolvimento'. Abriram-se novas perspectivas para a especulação imobiliária, atividade largamente difundida na economia brasileira, sujeita, cronicamente, a altas taxas de inflação. Os projetos de instalação de grandes fazendas de gado constituíram excelente pretexto para a aquisição, por parte de numerosas empresas

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Na realidade, a ocupação do espaço amazônico na década de setenta respondia a objetivos distintos de três atores sociais:

a) O Estado nacional de um lado procurava garantir a segurança com o esvaziamento dos conflitos potenciais e, ao mesmo tempo criar uma infra-estrutura que pudesse permitir o desenvolvimento (estradas, ferrovias, pontes, aeroportos, telecomunicações, represas hidrelétricas ...);

b) O capital nacional e internacional visava se apoderar de uma região rica em terra e minérios onde pudesse fazer investimentos vultuosos e com retorno seguro a curto e médio prazo. 229

baseadas no Centro-Sul, de áreas de até centenas de milhares de hectares. Os empresários sabiam que, mesmo se tudo mais fracassasse, o valor da terra subiria." Todas estas opiniões mostram como graças à intervenção do governo federal mudou totalmente a face da Amazônia. De terra farta e livre passa a ser a terra dominada pelo latifúndio.

Segundo MIRANDA (1990:36): "A política de colonização para a Amazônia assumia uma magnitude que envolvia as questões de segurança e de posse e uso da terra numa escala sem precedentes, já que, por meio de fluxos migratórios para a Amazônia, pretendia-se senão eliminar, pelo menos reduzir ou controlar os problemas sociais ligados à terra em outras áreas. (...) Inspirada por motivos de segurança interna - aliviar tensões e conflitos em outras partes, particularmente o Nordeste; preservadora de estruturas agrárias vigentes, e propiciadora da expansão capitalista; meio de propiciar força de trabalho, produção de meios de subsistência e mercado para a expansão desse capitalismo; uma contra-reforma agrária, antepondo-se à reforma espontânea". A mesma autora afirma que "A colonização planejada oficial ou particular contribuiu para o movimento de expansão da fronteira, (...). Representa uma equilibração na questão da luta pela terra, na medida em que, por um lado, oferece ao Estado a possibilidade de dirimir conflitos nas áreas rurais, preservando o caráter da terra como propriedade privada e, por outro, garante ao pequeno agricultor, o acesso à terra e a possibilidade de melhorar sua condição de produtor, mesmo num processo seletivo, de efeitos desiguais e de subordinação ao capital. Além disso, constitui uma das formas viabilizadoras do processo de acumulação de capital na fronteira. (...) A colonização tem se manifestado, ao longo do tempo, e mais particularmente nas últimas décadas, como uma estratégia de manipulação pelo Estado das populações rurais. Por essa estratégia, buscava, em termos sócio-econômicos, controlar a apropriação e utilização do espaço, preservando estruturas vigentes. No campo político, contornava as reivindicações e as lutas sociais, projetando as imagens do proprietário fundiário e de classe média rural". MIRANDA (1990:62 e 72-73). Estas afirmações mostram como a ação do Estado não foi cega, mas sim foi ditada por um preciso plano cuidadosamente planejado. Plano este que, em nome da modernização do campo visava na realidade perpetuar o poder das elites e favorecer a penetração do capitalismo no campo.

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c) Os trabalhadores rurais que estavam a procura de novas terras onde pudessem se reproduzir de maneira mais humana e digna e fugir da escravidão das relações de produção opressoras que existiam nas suas terras de origem.

Considerando que na realidade o Estado Nacional não pode ser considerado uma entidade abstrata, sem identidade ou com vontade própria, mas representa os interesses das elites que dele se apoderaram até hoje, tornando-o defensor e legitimador de seus interesses e executor de suas políticas, pode-se afirmar que os trabalhadores rurais tiveram que enfrentar um único grande inimigo: o capital. A Doutrina da Segurança Nacional permitiu a conjunção de vários interesses: capitalistas, militares e tecnocratas. 230 O choque entre estes diversos objetivos gerou a agudização dos conflitos agrários. Os conflitos multiplicaram-se pois se reproduziu na Amazônia a mesma estrutura agrária distorcida do resto do País, e contemporaneamente se inviabilizou a reprodução da pequena propriedade em todas as regiões.

7.4 GETAT E GEBAM: INSTRUMENTOS DE CONTROLE SOCIAL

Para impulsionar a ocupação e suavizar os graves conflitos agrários existentes na região do Bico do Papagaio (sul e sudeste do Pará, oeste do Maranhão e norte de Goiás, atual Estado do Tocantins), em 1980 o governo federal criou o GRUPO EXECUTIVO ARAGUAIA-TOCANTINS - GETAT. Para agilizar seu trabalho o GETAT tinha a possibilidade de alienar lotes até 500 ha sem pedir autorização ao Presidente da República ou realizar um processo de licitação pública (passando por cima do estabelecido pelo

229 Segundo MARTINEZ (1987:5) nos últimos anos "Desapareceu a fazenda tradicional, aquele pequeno mundo quase auto-suficiente em tudo - moradia, trabalho, alimentação, lazer, igreja e escola -, onde a exploração do trabalhador era disfarçada pelo compadrismo, e o clientelismo político obrigava os trabalhadores a votarem em seus patrões ou em candidatos por eles indicados".230 Para BARRETO (1990:58-59) "A dominação política é exercida por uma elite composta por políticos, burocratas e empresários atuando através do Estado no sentido de apropriação/regulação das atividades econômicas do país, o que irá exigir a manutenção da ordem institucionalizada e dos valores disseminados pela sociedade, a serviço dos "donos do poder". Para tanto foi necessário o apoio militar que, neste caso, não se fez apenas a favor de uma classe, mas de uma estrutura de dominação onde os militares tinham garantidas sua autonomia e capacidade de intervenção no processo político". OBS.: A autora faz suas observações sobre a situação dos militares e sua intervenção na vida política durante o começo do governo Collor (1990-92). Esta afirmação se aplica perfeitamente também as alianças de poder que sustentaram a ditadura militar.

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Decreto-Lei n.º 200). Nos primeiros três anos de sua existência, o GETAT arrecadou mais de 4,5 milhões de ha., 67% dos quais, no sudeste do Pará. Isso mostrava como uma das principais preocupações do órgão era descobrir quais eram as áreas ainda vazias nesta região de intensos conflitos e tentar disciplinar a ocupação se antecipando à expansão da fronteira (ALMEIDA, 1984:16-17). Pouco a pouco, porém, este órgão perdeu sua especificidade e passou a ter uma atuação mais abrangente na vida social do Sul do Pará, ficando ao seu cargo às ações públicas nas áreas de saúde, educação, vias de comunicação e eleições sindicais dos sindicatos de trabalhadores rurais. Seus escritórios administrativos chegaram a ser usados como cadeia na ocasião da prisão dos padres franceses Aristides Camio e François Gouriou e dos 13 posseiros de São Geraldo do Araguaia em agosto de 1981.

Apesar do clima de repressão, logo começou, porém, a reação à sua atitude policial, sua intromissão na organização dos trabalhadores. O próprio poder local chegou, em alguns momentos, a entrar em conflito com as ordens que vinham de cima. Em momento algum, o GETAT levou em consideração a tradição cultural camponesa, promovendo um verdadeiro individualismo agrário na definição dos direitos de propriedade. As atividades de regularização fundiária implementadas visavam conter a pressão pela terra exercida pela expansão camponesa e favorecer a implantação do tipo de desenvolvimento pensado pelos planejadores da ocupação racional. Naquele momento, invocando explicitamente a doutrina da segurança nacional, o Estado Nacional tomou claramente posição em defesa de um projeto econômico concentrador de renda. Mais uma vez precisa reafirmar que o que faltou não foram instrumentos legais para implantar a reforma agrária, mas sim, vontade política. O próprio presidente do GETAT, Asdrúbal Mendes BENTES (1985:21-30), posteriormente Superintendente do INCRA no Pará e atualmente Deputado Federal pelo PMDB-PA, em seu pronunciamento perante a Comissão de Interior da Câmara Federal elencava os instrumentos jurídicos a disposição do órgão:1- Discriminação de terras (Lei n.º 6.383 de 07/12/76) que visava separar as terras devolutas das terras de domínio privado;2- Arrecadação de terras (Lei n.º 6.383/76) incorporava as terras devolutas ao patrimônio da União quando constatada a inexistência de domínio privado, bem como a não contestação ou reclamação administrativa, quanto ao domínio ou posse; 231

231 O instituto da arrecadação sumária foi muito utilizado pelo GETAT pois possibilitava a rápida incorporação de terra ao patrimônio público. Esta prática foi porém fonte de inúmeros conflitos agrário pois a arrecadação sumária tinha apenas um caráter cartorial numa região em que era evidente a fragilidade dos documentos

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3- Demarcação de terras: para evitar que a indefinição dos limites e confrontações dessem origem, aos conflitos fundiários;4- Composição (Decreto-Lei n.º 1.799 de 05/08/80) possibilitava acordos que visavam solucionar os impasses criados em processos fundiários que desde muito tempo estavam sub-júdice;5- Desapropriação (Decreto n.º. 67.557/70 alterado pelos decretos n.º 75.295/75; 87.095/82 e 87.834/82) de áreas em conflito. No Pará o GETAT desapropriou por interesse social 228.490 hectares nos municípios de Xinguara (Fundação Brasil Central com 141.326 ha), Rio Maria - Xinguara (Tupã-Ciretã com 34.848 ha) e Santana do Araguaia (Colônia Verde Brasileira com 52.316 ha); 232

6- Assentamento de famílias feito através da inscrição, seleção e entrega de terras para os colonos (entre e julho de 1985 o GETAT assentou 19.797 famílias, 16.440 das quais no Pará);7- Titulação de terras".

O instrumento da desapropriação, que vinha em primeiro lugar no Estatuto da Terra, ocupa agora só o quinto lugar.

Um dos méritos do GETAT foi que as informações contidas nos títulos por ele emitidos estão amarradas em referenciais geográficos de coordenadas geodésicas determinadas por satélite permitindo uma localização mais segura das terras tituladas.

No final de fevereiro através do Decreto n.º 84.516, de 28/02/80, foi criado o GRUPO EXECUTIVO PARA A REGIÃO DO BAIXO AMAZONAS (GEBAM), que tinha jurisdição na margem esquerda do Baixo Amazonas (área de influência da Jarí). Sua atuação limitou-se a regularizar algumas áreas, sem, porém, grande eficácia.

por eles registrados.232 O GETAT não efetuou nenhuma desapropriação nos primeiros três anos de suas atividades ocupando-se mais em arrecadar terras e fazendo regularização fundiária.

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8 - A GRILAGEM COMO FORMA DE ACESSO À PROPRIEDADE

Qualquer discurso sobre a legalidade dos títulos de propriedade tem que levar em consideração como se deu o processo de ocupação do Brasil. A análise histórica mostrou que, por direito de conquista e em força das bulas papais, a terra era, originariamente, propriedade da coroa portuguesa e que o rei tinha o privilégio e direito de concede-la para quem ele quisesse. 233 Isso permite afirmar que podem ser considerados propriedade particular só os imóveis cujos donos conseguem comprovar que os mesmos foram legalmente descorporados do patrimônio público. Em outras palavras, pelo nosso direito, a terra é pública, até prova ao contrário.

No começo da colonização iniciou o processo de privatização das terras públicas. 234 Esta transferência de domínio devia se dar através de processos administrativos, com os quais o poder público expressava o seu consentimento, concedendo o título correspondente. Por isso qualquer propriedade de um imóvel, para ser legítima, deve poder comprovar ter, na sua origem, uma autorização expressa do poder público; caso isso não exista, ou o elo de continuidade entre aquele primeiro documento e o registro atual se tenha corrompido ao longo do tempo (cadeia dominial), áquela terra continua de domínio público tendo o Estado o direito de destiná-la da maneira que achar melhor. O grande problema jurídico, que ainda hoje gera discussão, é justamente como se dá a ocupação das terras devolutas. O próprio conceito de terras devolutas, que a legislação, a partir do art. 3º da Lei de Terras, define por exclusão, isto é, é considerado devoluto o que não estão aplicadas a qualquer uso público federal, estadual ou municipal e não

233 MEIRELLES (1995:455) apresenta o mesmo conceito da seguinte maneira: “No Brasil todas as terras foram, originariamente, públicas, por pertencentes à Nação Portuguesa, por direito de conquista”. 234 Segundo ASSELIN (1982:11) “No dia 21 de abril de 1500, quando aqui chegaram os portugueses, o país que viria a ser chamado Brasil, perdeu a autonomia sobre seu território e iniciou-se o processo de grilagem. Os anos se passaram e estão-se completando quase cinco séculos de história de dominação, exploração e grilagem por um lado, e de escravatura, miséria e luta pela reconquista da terra, por outro” (grifos nossos). A revista "Produtor Rural" (2000:37), apresentando a experiência de regularização fundiária em curso no Estado de Mato Grosso, afirma: "Sabe-se que a história fundiária do estado de Mato Grosso é conturbada. Com boa parte dos registros imobiliários sem origem legal e dados incorretos (área, localização, limites indefinidos), inúmeros conflitos pela posse e domínio das terras surgiram e tendem a surgir. É necessário frisar que este sistema caótico é fruto de ancestrais equívocos fundiários, de uma ocupação desorganizada e delirante". (grifos nossos).

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se tenham legitimamente incorporado ao patrimônio particular, gera inúmeras questões judiciais. O conceito primitivo foi ampliado pela Lei n.º 9.760/46 não se restringindo às cartas de sesmaria caídas em comisso. O Art. 11 do Estatuto da Terra, determinando que cabia ao IBRA a tarefa de: "incorporar ao patrimônio público as terras devolutas federais ilegalmente ocupadas" (grifo nosso), mantém a mesma interpretação jurídica, pois se as terras tinham sido ocupadas de maneira ilegal, nunca perderam a condição de devolutas.

A história também ensinou que a prática da grilagem 235 no Brasil é secular: esticar os limites da posse236 legal falsificando títulos, queimar cartórios, subornar fiscais, invadir terra camponesa com gado, fazem parte da tradição da ocupação da fronteira. No começo se estimula o avanço dos camponeses para desbravar a mata, quando ela começa a ser beneficiada, chegam os grandes empreendedores capitalistas que limpam a área e se apoderam da mesma. Segundo LARANJEIRA (1984:143) "grilagem é toda ação tendente a obter a posse e/ou propriedade da terra, através de um meio ilícito".237

O próprio Ministério de Política Fundiária e do Desenvolvimento Agrário (1999a:8) reconhece que:

“A grilagem é dos mais poderosos instrumentos de domínio e concentração fundiária no meio rural brasileiro. Em todo o País, o total de terras sob suspeita de serem griladas é de aproximadamente 100 milhões de hectares - quatro vezes a área do Estado de São Paulo ou a área da América Central mais

235 Se utiliza o termo “grilagem” pois um dos métodos adotados para “autenticar” um documento falso consistia em colocar papeis numa gaveta com centenas de grilos que, morrendo, apodreciam soltando toxinas. Os papeis apresentavam assim manchas amarelo-fosco-ferruginosas, eram corroídos pelas bordas e apresentavam orifícios nas páginas, fazendo-os parecer muito mais velho. Na Bahia, segundo os ensinamentos de Jorge Amado e Adonias Filho, utiliza-se o termo "caxixe". Este é o nome de uma espécie de rato que se alimenta do cacau. O próprio LARANJEIRA (142-143), que cita estes autores, não consegue explicar o porque desta associação do roedor ao presente processo.236 L. COSTA afirma que no sul do Pará os posseiros utilizam a seguinte expressão para indicar o aumento das propriedades à revelia da lei: "andar com a cerca".237 Para Juary C. da Silva (apud LARANJEIRA, 1984: 146), de um ponto de vista penal, a grilagem não um delito tipificado pelo nosso Código: "não é redutível a uma só figura típica, mas antes traduz verdadeira constelação de ilícitos: falsidade documental, uso de documentos falsos, esbulho possessório, homicídio, lesões corporais, incêndio doloso, fraude processual, falso testemunho, corrupção ativa, quadrilha ou bando".

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México. Na região Norte, os números são preocupantes: da área total do Estado do Amazonas, de 157 milhões de hectares, suspeita-se que nada menos de 55 milhões tenham sido grilados, o que corresponde a três vezes o território do Estado do Paraná. No PARÁ, um fantasma vendeu a dezenas de sucessores aproximadamente nove milhões de hectares em terras públicas. Parte dos Cartórios de Registros de Imóveis, não só no Amazonas, mas também no Pará, no Acre, em Goiás, no Paraná, no Amapá e em Roraima, apresenta falhas e vícios na sua escrituração. Exemplos notórios de cartórios contaminados pela fraude são os das comarcas de Altamira, São Félix do Xingu e Marabá, no Pará; de Boca do Acre e Lábrea, no Amazonas, de São Miguel do Araguaia, em Goiás, de Sena Madureira e Taraucá, no Acre, de Grajaú, no Maranhão, Catanduvas, Primeiro de Maio e Adrianópolis, no Paraná." (grifos nossos)

O Poder Público tem conhecimento desta realidade há muitos anos. Várias CPIs foram realizadas em relação a questão agrária apontando a grilagem como meio fraudulento de se apoderar das terras púbicas. O Relatório Veloso, ainda em 1968, descrevia a grilagem desta maneira (apud LARANJEIRA, 1984:148): "Por intermédio deste processo, todos os tipos de fraude são aplicados, desde escrituras falsificadas, aparentando documentos antigos, até títulos definitivos de compra de terras devolutas, também falsos".

Dez anos depois, no seu depoimento à CPI do Congresso Nacional sobre terra Dom Moacyr GRECHI (1977:325), então presidente nacional da CPT, descreveu como se dava este crime:

"A prática da grilagem tem se servido de vários métodos, sendo que o mais conhecido é o "esticamento" que consiste na aquisição de uma área sem delimitação exata à qual são anexadas posteriormente as áreas adjacentes. Com a conivência dos cartórios estas áreas são passadas para o Livro de Registro das Propriedades Imóveis. Acontece que a maioria destes compradores (e vendedores) não tem prova da origem da propriedade. Outro expediente é a falsificação de títulos (...) que depois são passados para o Registro de Imóveis" (grifos do autor).

Em outra ocasião o mesmo autor levantou algumas questões que merecem ser respondidas: “Na história do Brasil, e ainda hoje, será a grilagem o instrumento da instalação da “propriedade da terra”? A grilagem – uma atividade ilegal, mesmo na legislação existente – será um instrumento promovido oficialmente pelas autoridades?” (GRECHI, 1982:9).

A grilagem não é um fenômeno recente, mas está incorporada ao patrimônio cultural brasileiro desde o começo da colonização: já em 1758 surgiram as primeiras denúncias de grilagem: “era conveniente que os que

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tomão terras de sesmaria fossem obrigados a demarcá-las dentro de cinco anno ... porque mostra a experiência que alguns pedem duas léguas e debaixo da concepção dellas dominão mais em fraude do Conselho” (Camareiros de Recife apud COSTA PORTO, 1965:139-140).

Já o preâmbulo do Decreto de 10 de dezembro de 1796 reconhecia a: “falta que ... ha de geômetras que possão fixar medições seguras, e ligadas inalteravelmente com medidas trigonométricas e astronômicas, que, só, podem dar-lhes a devida estabilidade” (LIMA, 1954:61). Estas afirmações mostram que tinha razão PRADO (1987:25) quando escrevia que: “Desde o início da ocupação e colonização do território brasileiro, e até hoje ainda, os títulos de propriedade e o domínio da terra galopam muito adiante da frente pioneira de penetração e ocupação”.

Recentemente o Ministério de Política Fundiária e do Desenvolvimento Agrário lançou o "Livro Branco da Grilagem" (1999a:7) confirmava que a grilagem remonta desde tempos antigos e apontava a trágica conivência entre grileiros e Poder Público que gerava a violência contra posseiros e índios:

"Desde o início do século XIX, por diversos meios e muitas vezes em conluio com representantes do Poder Público, grileiros avançam sobre terras da União e dos estados, falsificando títulos de propriedade com a conivência de Cartórios e órgãos de terras e usando a violência para expulsar posseiros e comunidades indígenas. As raízes históricas deste processo remontam à colonização..."

Uma afirmação do mesmo documento é assustadora: "O INCRA encontrou indícios de irregularidades em 80% das áreas pesquisadas". 238 Por isso órgão comprometeu-se a assumir a missão de levantar e investigar os diferentes casos de grilagem das terras públicas.

A grilagem não é, portanto, uma forma marginal, secundária, de aquisição da propriedade. Para IANNI (1979:167):

“A grilagem não é apenas uma entre outras modalidades de aquisição de terras. Ela é a mais importante. Ela sobressai, ao lado do processo regular de compra e venda. Mais que isso, frequentemente ela se mescla com as outras modalidades de aquisição de terras. Há casos nos quais é simplesmente impossível distinguir uma das outras.” (grifo nosso).

238 BRASIL (1999a:10).

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8.1 BELÉM – BRASÍLIA: RECRUDESCIMENTO DA “INDÚSTRIA DA GRILAGEM”

A abertura da Rodovia Federal 010 (Belém – Brasília), permitindo o acesso a áreas antes isoladas, estimulou sobremaneira a “indústria da grilagem”.239 Com a valorização das terras se instalaram na região: "Escritórios imobiliários, na maioria ilegais, que requeriam terras a preço baratíssimos para revenda, alcançando preços elevadíssimos entre os empresários do sul. Muitas terras chegam, inclusive, a ser vendidas três vezes, ocasionando o que os técnicos do INCRA chamam de "edifícios" (CNBB, 1987:27-28).

Os jornais daquela época, apesar da dura repressão existente no país, já denunciavam o descalabro administrativo existente no Pará, onde a corrupção de alguns funcionários fazia com que os processos tramitassem, não conforme as determinações legais, mas as propinas recebidas. 240

ASSELIN, depois de ter realizado uma meticulosa pesquisa em diferentes cartórios, cita dezenas de casos ocorridos ao longo desta rodovia, seja em território paraense que maranhense: grilo Tiracambu ou Gurupí (1,5 milhões de ha); Serra Grande (45 mil ha); Campo Alegre 115.424 ha). Outros grilos nasceram a partir da BR 010 rumo a Carajás e ao Vale do Pindaré: Frades (379.456 ha); Aracituba e Arapuan (379.456 ha); Barra da Jurema e Itapoema (800 mil ha) e Almir (280.620 ha). O “grilo” mais famoso é aquele do Pindaré que teria 3.518.320 ha e cuja formação teria contado com a participação do então governador do Estado do Maranhão, José Sarney, os senadores Alexandre Costa e Henrique La Roque (MA) e Osciles Teixeira (GO), prefeitos, juizes que convidaram inventários falsos, tabeliões dos Cartórios de Registros de Imóveis de Imperatriz (MA) e Tocantinópolis (TO), agentes do Serviço Nacional de Informações e Diretores da Delegacia de Terras do Maranhão (ASSELIN, 1982:52-53).

239 A CPI destinada a apurar as origens, causas e consequências da violência no campo brasileiro afirma que existe uma ‘industria da grilagem’ no Brasil: “ Verdadeira indústria surgida no meio rural, tem na impunibilidade sistemática a razão de sua expansão, quase sempre em detrimento do pequeno proprietário ou do posseiro”. (BRASIL, 1991a:5).240 CNBB (1977:28) "... no governo Alacid Nunes, em 1968, no auge da corrida, inúmeros títulos falsos foram descobertos ... e inclusive funcionários da própria Secretaria de Agricultura chegaram a ser presos" (Jornal do Brasil de 17/04/1974). (...) Em 1972 foram apreendidos 240 títulos falsos produzidos com o auxílio de agrimensores da Cesagri e cujos processos são apressados de acordo com a gratificação que o interessado possa dar aos funcionários da Cesagri, uma forma de suborno institucionalizado (O Estado de São Paulo de 18/04/75)".

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Técnicos do ITERPA acreditam que, no Pará, pelo menos mil títulos de terra falsos teriam sido forjados entre 1963 e 1967 envolvendo cerca de 3 milhões de hectares. Estes títulos encontraram boa aceitação no mercado, talvez por ser muito fácil registrá-los nos Cartórios de Registros de Imóveis. Os técnicos chegaram a sugerir ao governador Aloysio Chaves a apresentação de protesto judicial para evitar a prescrição das ações de nulidade e cancelamento dos registros imobiliários. Eles (apud PINTO, 1980:124) destacavam a:

“quantidade e gravidade de erros insanáveis cometidos na expedição de títulos provisórios ou definitivos de venda de terras devolutas, ocorridos principalmente entre da conclusão a rodovia Belém – Brasília e antes da revolução de 1964, erros que os técnicos atribuem tanto a fraudes de particulares, quanto a conveniência de funcionários e autoridades altamente colocados na hierarquia administrativa daquela época” (grifos nossos).241

Durante o governo Jarbas Passarinho, o primeiro depois da revolução de 1964, foram distribuídos entre cabos eleitorais: “livros de títulos que eram preenchidos e destacados sem nenhum controle” (PINTO, 1980:43).

Outro exemplo de incúria administrativa aconteceu no primeiro governo Alacid Nunes, em 1969, quando foram anulados títulos incidentes numa área de 470.000 ha, não foi, porém, determinado o cancelamento dos mesmos nos Cartórios de Registro de Imóveis anulando, na prática, o efeito dos decretos, pois, novas transações continuaram a serem feitas utilizando aqueles registros.

No Pará chegou-se ao absurdo de se registrar em Cartório como títulos verdadeiros imóveis localizados no km 10 da Belém-Brasília, isto anos antes que a mesma rodovia estivesse aberta. 242

8.2 TITULAÇÃO CERTA NUM LUGAR INCERTO

O caso de bititulação, isto é, a concessão de títulos que, total ou parcialmente coincidem sobre a mesma área, bem como a grilagem, são

241 Foi neste período que o Estado do Pará alienou a maior parte das terras de seu patrimônio, conforme prova o gráfico numero 02. Por isso já em 1976 Pinto, além de alertar que o instituto da recompra poderia possibilitar a regularização de grilagens espantosas, sugeria que o governo estadual deveria suspender todas as vendas de terras até que: “não fossem saneados todos os processos antigos e montado em cadastro confiável” (grifos nossos) (PINTO, 1980:127).242 Título encontrado pelo Dr. Delmiro Santos quando foi superintendente do INCRA no Pará na década de setenta.

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favorecidos por registros que não permitem a exata localização do imóvel. Estes fatos têm diferentes origens:

A precariedade da especificação dos limites exatos, dos confinantes, das medidas e da localização geográfica dos títulos expedidos no passado que dificultam sua exata localização. Estes registros vagos, sem as necessárias especificações de referências geográficas e geodésicas, são centenas. A seguir, reproduzimos alguns exemplos demonstrativos colhidos em alguns cartórios:

Cartório de Registro de Imóveis da Comarca de Breves, Livro n.º 2-J, Folha n.º 156, Matrícula n.º 2.727: “Imóvel: Gleba denominada ASSACU, situada à margem esquerda do Rio Anapu, município de Portel, Comarca de Breves, Estado do Pará”;No mesmo cartório encontramos também o seguinte registro: “Livro n.º 2-C,

Folha n.º 151, Matrícula n.º 702: “Imóvel: Gleba denominada “TACIATEUA”, situada à margem esquerda do rio Murujucá Assú, município de Oeiras do Pará, limitando-se do lado de cima com terras nacionais, lado de baixo, com o Repartimento Taciateua e aos fundos com campos nacionais”;

Oscar José dos Santos registrou na Delegacia do Serviço do Patrimônio da União, em 21 de janeiro de 1979, um terreno de marinha com a seguinte localização: “Na foz do Rio Xingu, margem direita do rio Amazonas, Município de Gurupá, Estado do Pará”. Não consta do registro nem a área ocupada nem planta ou mapa que ajudem a saber onde se localiza o imóvel cuja ocupação está pretendendo ver reconhecida.

O caso mais acintoso de um registro absolutamente contrário as determinações legais foi aquele encontrado pelo Dr. Pedro Marques no Cartório de Registros de Imóveis de Monte Alegre que reza: Livro n.º 2A, matrícula n.º 288; Folha n.º 272, Denominação 1/6 parte dos campos denominados Arumanduba; Localização: Igarapé Curicaca; Área: “medindo o que realmente se verificar e com os limites que oportunamente forem determinados”.

Todos estes fatos violam o disposto pelo artigo 176, § 1º, II da Lei de Registro Público (6.015/73) que inclui entre os requisitos da matrícula: “a identificação do imóvel feita mediante a indicação de suas características e confrontações, localização, área e denominação, se rural”.243

243 É importante ressaltar que a Lei de Registro Público cria uma nova dinâmica na identificação dos imóveis. A partir deste momento todos os imóveis devem ser

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Inúmeros registros utilizavam a expressão: “com quem de direito”, 244

para indicar os confinantes, afirmação que permitia ajustar a localização do imóvel conforme as necessidades do declarante. Estamos diante daqueles títulos que são comunemente denominados de títulos voadores e que serviam para justificar a propriedade de imóveis em regiões distantes entre si. São imóveis que, pela indeterminação de suas referências poderiam localizar-se em qualquer lugar da superfície terrestre.

Um minucioso levantamento feito pelo Dr. Pedro Marques, procurador do ITERPA, nos Cartórios de Registros de Imóveis de Monte Alegre e Alenquer comprovou que quando o Oficial deveria indicar os confinantes escrevia: Terras Devolutas (35 registros); Terras do Estado (3 registros); Quem de direito (8 registros); Campos (1 registro), Sem limites e confinantes (5 registros), em 10 registros não foi feita qualquer referência a localização e superfície dos imóveis registrados.

• A inexistência de um cadastro de terras confiável (o único cadastro de terra existente é baseado nas declarações dos detentores dos imóveis sendo absolutamente desprovido de atendibilidade);

• A inexistência de mapas cadastrais em escala confiável que mostrem a exata localização dos imóveis já titulados. Por isso o estado não pode saber com certeza o que já foi vendido, o que ainda possui e pode ser alienado ou legitimado em favor dos atuais ocupantes. Na década de setenta se chegou ao absurdo de vender três vezes o mesmo imóvel (PINTO, 1980:34);

• A precariedade das informações arquivadas nos órgãos fundiários que, em vários casos, não permitem ter certeza sobre o domínio de determinado imóvel;

• A comprovada deficiência do sistema de controle sobre os Cartórios de Registros de Imóveis que, aliada à ignorância dos dispositivos

perfeitamente individualizados e corresponder a uma matrícula. Anteriormente os registros eram centrados na pessoa do dono e não no imóvel dificultando a investigação sobre sua legalidade.244 O Dr. Pedro Marques, procurador do ITERPA, encontrou o seguinte registro no Livro 2A, matrícula n.º 211, folha 215 do Cartório de Registro de Imóveis da Comarca de Alenquer: Sítio São Francisco, localizado na Ilha do Cuipeua, que tinha como limite nos fundos: quem de direito. Este não é um caso isolado, mas uma prática constante dos oficiais de cartório que se repetiu ao longo dos séculos. Dos 260 registros levantados nos Cartórios de Alenquer e Monte Alegre em 8 (oito) aparecia esta mesma anotação.

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legais relativos a registros, quando não a má fé dos oficiais cartorários, permite a fraude e a grilagem das terras públicas;

• A precariedade do sistema de divulgação dos editais publicados no Diário Oficial e afixados nas prefeituras, exatorias, etc. A presunção legal de que eventuais interessados, possam, desta maneira, ter conhecimento das pretensões dos requerentes dos imóveis e defender seus diretos, é fonte de inestimável prejuízo para quem ocupa efetivamente a terra e que, por não ter acesso a esta informação, é condenado a perder seu imóvel. 245

A atuação de próprio Poder Público favorece a confusão reinante. As portarias que determinam a arrecadação de áreas rurais como terra devoluta, primeiro passo para a sua posterior revenda, afirmam a inexistência de domínio particular nestas áreas e a falta de contestação por parte de terceiros interessados quanto ao seu domínio e posse. Para provar isso, são juntadas certidões comprobatórias, expedidas pelos Cartórios de Registro de Imóveis das respectivas comarcas e pelo órgão fundiário estadual. É importante, porém, relativizar o valor destes documentos, pois, nem os cartórios, nem o ITERPA, têm condição de atestar a inexistência de propriedades ou de posses consolidadas nestas áreas. Ainda mais que em várias ocasiões os

245 Analisando como se dava o processo de concessão das terras nas décadas de sessenta e setenta a CNBB (1977:30) mostrava como isso não levava em consideração os posseiros favorecendo os fazendeiros e as empresas: "Apesar das exigências para a aquisição de terras a partir de 1964, o processo é ainda muito fácil, e portanto falho e profundamente prejudicial ao posseiro. Para as terras devolutas até três mil hectares bastava um requerimento, o pagamento de taxas, e a publicação de um edital no Diário Oficial e nos principais jornais de Belém. O edital é colocado na porta da coletoria do município onde a terra está sendo requerida. Se dentro de trinta dias não houver contestação, a posse está garantida. (...) Este processo é prejudicial ao posseiro porque aos poucos ele vai perdendo as terras onde trabalhou criou a família; por não ler os jornais e nem os editais afixados nas coletorias, ele nunca tomará conhecimento de que a terra em que vive está sendo vendida a terceiros. Acontece que mesmo lendo os jornais ou acompanhando os editais, o posseiro dificilmente saberá se a terra requerida é a sua, porque ela é indicada por coordenadas geográficas. O resultado é que o posseiro é sempre surpreendido por grupos que nunca estiveram no lugar e que surgem com o título provisório à mão, e o expulsam. Alguns ainda admitem um acordo, e por este o posseiro recebe uma indenização irrisória". Apesar dos órgãos fundiários obedecerem as formalidades legais e afirmarem que visavam promover uma ocupação racional do solo, sua ação não levava em consideração, não respeitava e nem reconhecia o direito das diferentes formas de ocupação da terra.

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livros de registro de imóveis de vários cartórios foram colocados sob suspeita pelos sindicatos de trabalhadores rurais 246 e pelos próprios órgãos fundiários oficiais. O fato de que estas denúncias de irregularidades não foram devidamente apuradas, faz com que os documentos destes cartórios, não possam ser considerados fidedignos, pois, caso contrário, o próprio poder público pode chegar a endossar seus possíveis crimes. Corre-se assim o perigo de legalizar, nem que seja de maneira indireta, possíveis ações de grilagem e fraude cartorial. Sendo que há vários cartórios da região tem seus livros de registros de imóveis sob desconfiança pública, como se pode acreditar que possam desempenhar suas funções com a imparcialidade e a independência necessárias neste caso? É por isso que existem numerosas denúncias de superposição de títulos de propriedade. O município de Acará, que tem uma área de 854.200 ha, tem uma área cadastrada de 1.040.112,7 ha; Tomé Açu, com uma superfície de 582.200 ha, tem uma área cadastrada de 819.314,8 ha; Paragominas, com uma superfície de 2.716.800 ha, tem uma área cadastrada de 3.327.234 ha. O caso mais clamoroso é aquele do município de Moju que, apesar de ter uma extensão territorial de 1.172.800, ha registra uma área cadastrada de 2.750.080,4 ha., isto significa que, além do chão, já foi cadastrado o primeiro andar e, também, uma parte do céu!!! (Ver BRASIL, 1986a:22) 247

246 As pautas do Grito da Terra, desde 1991 até 1997, colocaram sob suspeita a atuação dos oficiais dos Cartórios de Registros de Imóveis das comarcas de Acará, Breves, Altamira, Moju, Portel, São Miguel do Guamá e São Félix do Xingu exigindo do poder público a correição nos mesmos. Apesar das promessas recebidas pelos Presidentes do Tribunal de Justiça do Estado do Pará, até o final de 1997 a FETAGRI não foi informada das providências tomadas pela Corregedoria daquele Tribunal. Diante de tantas denúncias e da não divulgação das medidas usadas para reprimir estes abusos surge uma pergunta: será que as correições ordinárias não estão sendo executadas de maneira que poderíamos definir, pelo menos, ineficaz?247 O mais alarmante é que estes dados constam em documentos oficiais do governo federal que não toma as medidas cabíveis para fazer prevalecer a lei. No nosso entender qualquer ação ajuizada a partir de um registro de imóveis baseado numa certidão expedida por este cartório deveria ser considerada “falsa”, até prova contrário. O juiz, além de promover a competente correição, deveria ter o cuidado de solicitar a ajuda dos órgãos fundiários para estabelecer a exata localização do imóvel e ver quem detém o “melhor Título” pois não pode prevalecer o que dizia um posseiro de Conceição do Araguaia (apud PINTO, 1980:5): “Aqui o melhor título é o maior machado” caso se queira promover a justiça e não a lei da selva. STÉDILE (1997a:20) denunciou que o Instituto e Terras de Mato Grosso (ITERMAT) teria distribuído títulos de áreas duas vezes maiores que a extensão territorial do Estado.

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Paulo LAMARÃO (1980:10-11), profundo conhecedor da legislação fundiária e da realidade paraense, assim descreve como se deu a titulagem das terras no começo da década de sessenta:

“desencadeou-se nos processos de alienação das glebas devolutas, uma espécie de anarquia quase total. Entre o término da Belém Brasília e a Revolução de 1964, isto é, essencialmente nos anos de 62 e 63, é inacreditável a degradação a que se chegou na titulagem de terras no Pará. Houve de tudo, títulos falsos, porque sem apoio em qualquer processo. Processos nulos por defeito de edital, ausência ou fraude na demarcação, superposição de áreas em nome de pessoas inexistentes ou desaparecidas, acidentes geográficos não localizáveis, azimutes e declinações magnéticas imaginárias, metragens distorcidas, confinantes e posseiros desrespeitados."

8.3 FORMAS MAIS COMUNS DE GRILAGEM

Euclydes Siqueira Neves, ex-funcionário da secretaria de Agricultura do Estado do Maranhão, explica desta maneira os mecanismos utilizados para dar origem a grilagem (apud ASSELIN, 1982:42-43):

“Métodos usados na falsificação”:Procuram nos cartórios antigas folhas de escrituras em branco, sobras de autos de inventários, papel almaço não utilizado, etc. De posse do material, enviam estas folhas para os calígrafos previamente contratados. (...)Se o interessado quiser fazer surgir um inventário, retira do Arquivo Morto um ou dois inventários legais e entrega para os calígrafos que, por sua vez, retiram as folhas de descrição dos bens, folha da partilha, folha de pagamento, etc. e encaixa as fraudulentas, surgindo daí uma cadeia sucessória.Se o interessado quiser uma escritura particular, entrega aos calígrafos as folhas e daí segue uma sequência de compra e venda trintenária. De posse dos documentos, o interessado vai ao Cartório (...) e pede uma pública forma do documento apresentado. (...) Tira então ma certidão “verbum ad verbum” do documento apresentado, vai a outro Cartório e registra no Livro de Registro de Notas e, em seguida, tira uma certidão “verbum ad verbum” do registro.

De posse da documentação vai ao município onde existe a terra a ser grilada e registra no Cartório de Imóveis. “Nasceu assim mais um grilo” (grifos do autor).

Segundo o Engenheiro Agrônomo Dr. Jairo de Moura Pereira os tipos mais comuns de fraude detectados no nosso Estado foram os seguintes: 248

248 O Dr. Jairo, atualmente assessor da presidência do ITERPA, na década de setenta exerceu o cargo de Diretor da Divisão de Terras da Secretaria de Agricultura

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* Fotocópia adulterada do canhoto do título do ITERPA, gerando um novo título diferente daquele que foi destacado;* Falsificação do canhoto do título. O funcionário apagava as palavras: Sem efeito dos canhotos de títulos que por qualquer motivo tinham sido anulados e aproveitava a parte em branco para criar novos títulos;* Acréscimo de números aos que constavam no título, aumentando, assim, o tamanho da área;* Falsificação de assinaturas e carimbos.

Na década de setenta, foi descoberta, no nosso estado, uma verdadeira quadrilha de grileiros que contava com a colaboração de um funcionário do órgão fundiário. Um membro da quadrilha falsificava um título e solicitava uma certidão ao arquivo que declarava a idoneidade mesmo. Esta certidão era depois assinada pelo Diretor do Departamento e pelo Secretário de Agricultura que, confiando na boa fé de seu subordinado, validavam a fraude.249

Os Títulos falsos eram impressos clandestinamente em tipografias não autorizadas. Alguns casos de fraude continham erros tão primários ou a falsificação era tão grosseira que eram facilmente detectáveis, outros eram verdadeiras obras de arte. A análise de alguns casos nos permitirá entender como se dava a grilagem:

+ Um dos casos mais interessantes de falsificação foi aquele do Título de Legitimação de Terras, com uma área de 176.000 ha, que teria sido expedido em favor de LAURENTINO TAVARES BRANDÃO em 30 de maio de 1933. Os fraudadores capricharam para tentar enganar os mais desavisados. Um relatório elaborado pelo Dr. Jairo mostrou as diferentes falhas de todo o processo. 250 O Título teria sido concedido através do Decreto n.º 981, de 30

conseguindo detectar e denunciar a existência de uma quadrilha que, aproveitando a corrupção de um dos funcionários encarregados pelo arquivo do órgão, cometeu várias fraudes contra o patrimônio de terra do estado através da emissão de centenas de títulos falsos. Estas informações foram colhidas numa entrevista concedida ao autor realizada no dia 03/11/97.249 O funcionário Lucivaldo de Souza Tavares foi demitido. 250 Ver Relatório encaminhado pelo Dr. Jairo de Moura Pereira, Diretor da Divisão de Terras, para o Ex.mo Sr. Secretário de Estado de Agricultura, datado de 30 de abril de 1974. Estas terras estavam sendo vendidas para o Banco Real que porém desistiu da negociação quando o Dr. Jairo comprovou a falsidade do título. Por isso ele recebeu ameaças de morte por parte de seis pessoas que o procuraram em sua casa e através de telefonemas anônimos.

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de maio de 1933, pelo Interventor Federal Magalhães Barata. Numa celeridade inusitada, digna de louvor, no mesmo dia no qual foi assinado o decreto, foi expedido o Título. No processo foi anexada cópia do decreto que, porém, como comprovou uma Declaração da Direção da Imprensa Oficial, nunca chegou a existir tendo sido totalmente forjado. Em 19 de dezembro de 1969 o responsável pelo Arquivo da SAGRI expediu uma Certidão afirmando que o mesmo teria sido inscrito às folhas 381 do Talonário n.º XV dos Títulos de Legitimação. Sendo que todos os talonários são preenchidos obedecendo-se à ordem cronológica, um título expedido em 1933 deveria estar registrado no Talonário n.º XXVI (aberto em 1930 e concluído em 1953) e não no XV que contém os Títulos legitimados entre 1901 e 1903. O registro pretende localizar o imóvel no município de São Domingos do Capim, mas cometeu crassos erros de geografia, pois o título registrado no cartório fala de 48º 50’ 30” latitude oeste e 03º 30’ 00” longitude sul. Além de reinventar a geografia a quadrilha conseguiu ressuscitar mortos, pois Laurentino teria outorgado procuração pública, lavrada as fls. 119 do Livro n.º 6 do Cartório Val de Cans (Belém), para sua mulher Semiramis Monteiro Brandão em 30/01/74 quando o mesmo tinha falecido em 12/08/1969, conforme comprova o atestado de óbito. Em todos os documentos apresentados constam carimbos dos cartórios atestando a autenticidade dos mesmos. Este Registro foi cancelado pela Desa. Maria Lúcia Gomes Marcos dos Santos através do Provimento 039/87, de 30 de dezembro de 1987.251

+ No Registro de Imóveis do Lote 69 da região Itaipavas, também comprovadamente falso, consta que o Título Definitivo teria sido assinado pelo Governador Aurélio Correa do Carmo em 07 de setembro de 1963, uma data na qual dificilmente o governador iria assinar um documento como este. + No caso do Título expedido em favor de João Pereira Neto, as assinaturas e os carimbos eram cópias grosseiramente falsificadas daqueles utilizados pela SAGRI. Além disso, o número de protocolo que constava no título pertencia a outro processo, a data no qual teria sido publicado no Diário Oficial também era falsa.+ Raimundo Ferreira Filho apresentou um título cheio de erros de impressão e de ortografia: Título Definitivo de Venda de Terrras (sic), o imóvel cito no lugar denominado ... a área era de 4.356 metros quadrado (no singular), usa as palavras extenção, descriminação, envestido e vigro (em lugar de vigor). Apesar de todas estas aberrações gramaticais foi regularmente registrado no

251 Ver PARÁ. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PARÁ, Atos da Corregedoria Geral de Justiça do Estado do Pará 1982-1994. Belém: CEJUP. 1995.p. 131-133.

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Cartório de Registro de Imóveis do Guamá sob o n.º 1.364 às folhas 164 do livro n.º 2-D. (ver Anexo 5). No mesmo Cartório foi gerada outra grilagem: aquela do terreno Cajueiro. Este imóvel, inicialmente de propriedade de Raimundo Ayres Pereira, tinha 4.646 ha e 40 a. Através de vendas sucessivas seu tamanho evoluiu para mais de 107.777 hectares, isto é um acréscimo de 2.319%.+ LUCZYNSKI (88) fala de uma Carta de Sesmaria localizada na Ilha do Marajó na qual: "estavam mencionados expressamente a costa daquele arquipélago e o Oceano Atlântico", mesmo assim esta carta foi registrada como se o imóvel se localizasse no Estado do Amazonas.

O jornalista Lúcio Flávio Pinto afirmou que na década de '70 mais de oito milhões de ha de terras da Amazônia teriam sido grilados. Estas falsificações de títulos, que foram favorecidas pelo instituto da recompra e das Exposições de Motivos 005 e 006 dando origem a uma verdadeira indústria de títulos falsos, nem todos cancelados pela justiça também porque: “Nem sempre é possível distinguir o que é irregular do que é ilícito. E pode ser que algumas pessoas, de má fé, se aproveitem disso, mandando falsificar títulos e depois apresentando-os, alegando terem sido “enganadas”.252

Nos últimos dois anos o ITERPA zelou pelo patrimônio público estadual ajuizando algumas ações de Nulidade e Cancelamento da Matrícula, Transcrições e Averbações no Registro de Imóveis referentes a vários imóveis:** A grilagem mais famosa e importante realizada no nosso estado foi sem dúvida aquela perpetuada por uma quadrilha que utilizou o nome de Carlos Medeiros. Este teria sido nomeado inventariante dos bens deixados pelos coronéis Manoel Joaquim Pereira e Manoel Fernandes de Souza cujo inventário foi processado pelo Juiz Armando Bráulio da Silva, tendo transitado em julgado em janeiro de 1975. No mesmo ano o advogado José Thomaz Maroja, procurador do ITERPA, extraviou os autos deste processo que foram declarados como restaurados em junho de 1993 pela juíza Rosa Portugal. Três meses depois, o marido da juíza, Paulo Elmer Mota Gueiros, tornou-se procurador do fazendeiro Marinho Gomes de Figueiredo para quem Carlos Medeiros tinha repassado inicialmente sua procuração. Outro procurador de Medeiros é o assessor de empresas Flávio Augusto Titan Viegas. As terras de propriedade dos dois coronéis espalhavam-se em vários

252 "O maior problema causado por essas transações é que freqüentemente elas são meramente especulativas: comprador e vendedor não estão interessados se o que está escrito no papel tem correspondência no terreno, basta ter um título". PINTO (1980:17-18 e 161).

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municípios do interior do Pará perfazendo uma área de cerca de 10 milhões de hectares. As irregularidades presentes neste processo são tantas e envolvem até desembargadores do TJE, conforme denúncia do jornalista Lúcio Flávio Pinto. O parecer do Ministério Público estadual (Dra. Wanda Luczynski) mostrou como a maioria dos documentos arrolados no inventário eram simples posses, além disso, no julgamento de primeiro grau: nem o Ministério Público, nem o Estado, nem a União tinham sido ouvidos. Entre as inúmeras irregularidades apontadas pelo MP vale destacar o fato de que bem 71.000 hectares estariam localizados: "ao longo do Rio Xingu" (Fls. 256-257), sem a menção a qualquer município. No mesmo rio se localizariam várias "Cartas de sesmarias de data" (sic). O pior, porém, está na total inversão da realidade geográfica paraense com a criação da "Bacia hidrográfica do Tocantins-Xingu" (fls. 270), dois rios que pertencem a bacias hidrográficas totalmente separadas e longes entre si. Além de inventar uma geografia toda particular, foi também inventado um "título de legitimação administrativa", que não está previsto no ordenamento jurídico estadual. Seja a sentença proferida em 07 de agosto de 1920 pelo Dr. Napoleão Borges Simões de Oliveira,253 Juiz de Direito da comarca de Altamira que a sentença proferida em 28 de novembro de 1975 pelo Ex.mo Dr. Armando Braulio Paul da Silva, Juiz de Direito da 2a Vara Cível de Belém, inventam uma nova modalidade de reconhecimento de domínio: a legitimação judicial de posse. O Juiz converte o que sempre foi um procedimento administrativo, através do qual o Estado, atualmente por intermédio do ITERPA, transforma uma simples posse em propriedade, num processo de reconhecimento judicial. Cria-se, assim, numa evidente extrapolação de competência, a ação de legitimação judicial de posse totalmente ausente na nossa legislação. Sendo uma ação inexistente qualquer pedido formulado neste sentido é juridicamente impossível, devendo ser rechaçado liminarmente. Caso contrário o juiz deixa de ser aquele que deve zelar para evitar prejuízos à coletividade ou a particulares através da declaração de eventuais falhas e nulidades de atos dos que violam a lei, para transforma-se num órgão administrativo de reconhecimento de domínio.

A certeza da impunidade fez perder aos falsificadores de documentos públicos qualquer cautela, segundo a Dra. LUCZYNSKI (p. 14)

253 "Julgo por sentença para que produza seus efeitos legais, LEGITIMADAS todas as áreas de terras constantes desta sentença, QUALQUER QUE SEJA A SUA EXTENSÃO, cabendo aos interessados depois de transito em julgado desta decisão, registrar esta sentença como título aquisitivo do domínio, na repartição de terras e no Registro de Imóveis" (apud LUCZYNSKI, p. 09) (grifo nosso, as letras em caixa alta pertencem ao original).

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a sentença foi escrita irregularmente: "É gritante a diferença entre os diversos tipos de máquinas de datilografia usadas para arrumá-la. È gritante o aumento do número de imóveis constantes desta outra "versão" da Carta de Adjudicação (...). Nota-se que foram aproveitadas as primeiras folhas da Carta de Adjudicação e a última, e, ao belo prazer de quem o fez, enxertadas as folhas com a descrição de imóveis nos mais diversos Municípios do Estado do Pará". Depois de enumerar várias outras irregularidades presentes no processo o MP (p. 41) chega a se perguntar se a juíza Rosa Maria Celso Portugal Gueiros: "Não leu os autos?". Diante de tudo isso o relator do Superior Tribunal de Justiça, ministro Américo Luz, chegou a observar serem: “graves as alegações de envolvimento de membros do Poder Judiciário de ambos os graus de jurisdição em atos que, se comprovados, têm reflexos altamente danosos, capazes de produzir desestabilização na ordem pública pelo descrédito do Poder Judiciário” (PINTO, 1995:3).254 Em 31 de agosto de 2000 o processo foi remetido à Justiça Federal, onde recebeu o n.º 2000.39.00.009727-4, e está tramitado atualmente na 1a Vara da Seção Judiciária do Pará. 255

** Outro processo ajuizado foi aquele contra a empresa Indústria, Comércio, Exportação e Navegação do Xingu LTDA - INCENXIL do empreiteiro Cecílio Rego de Almeida que é acusado de se apropriar de 4,7 milhões de hectares de terras em Altamira, na margem esquerda do Rio Xingu256 (Cálculos realizados pelo Dr. Paraguassu sobre o memorial descritivo apresentado pela empresa chegam a estimar em 5.694.964 ha a área pretendida Ver p. 07 do Processo). Segundo o pedido inicial do ITERPA na origem do registro de imóveis da Gleba Curuá, transcrito no Cartório de Registros de Imóveis de Altamira sob a matrícula número 6.411, lavrada às fls. 39 do Livro 2-V, em 09 de janeiro de 1984, encontram-se contratos de

254 Em 08 de março de 2000, o jornalista Klester Cavalcanti, da Revista "Veja", que estava investigando este caso de grilagem, foi sequestrado durante algumas horas e ameaçado de morte caso divulgasse a matéria por ele elaborada. Na reportagem Cavalcanti apresenta o nome de vários madeireiros que utilizaram documentos oriundos de Carlos Medeiros para embasar seus pedidos de projetos de manejo florestal. 255 A matrícula de alguns imóveis registrados em São Félix do Xingu (entre eles Gleba Samauma com 47.916 ha, São Francisco Xavier com 55.458 ha, Antônio Nunes, com 34.848 há e Primavera, com 65.340 ha) foi cancelada em 6 de abril de 1998 por determinação da Ex.ma. Sra. Dra. Izabel Vidal de Negreiros Leão - Corregedora Geral de Justiça que atendeu a um pedido apresentado pelo Dr. Felício Pontes Júnior, Procurador da República no Município de Santarém.256 A área pretendida é superior aos territórios de Portugal e Holanda juntos.

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arrendamento celebrados na década de trinta entre o governo do Estado do Pará e várias pessoas que tinham sido autorizadas a explorar castanha e/ou seringais. Estes contratos eram anuais e extinguiam-se automaticamente, independentemente de notificação judicial, sem gerar direito algum aos locatários. Eram assim, documentos totalmente inadequados para transmitir propriedade, pois as áreas objeto daqueles contratos eram, e continuaram sendo, de domínio público.

Durante a Comissão Parlamentar de Inquérito foram apresentados documentos que provariam que a gleba Curuá teria como origem nos seguintes imóveis adquiridos em setembro de 1923 pelo Coronel Ernesto Acioly da Silva: Morro Pelado, Campos, Flexas ou Flexa, Saram do Veado e Ilha do Rodolfo (todos com 4.356 ha); Estirão Cumprido (com 3.844 ha); Acuyhú ou Anagyhú (com 3.600 ha); Xahú, Muiraquitam, Boca do Baú, Barreiras e Mulambo (estes últimos sem especificação do tamanho). Somando-se as áreas conhecidas se fica bem longe dos cerca de cinco milhões de hectares matriculados em nome da INCENXIL. O ITERPA, porém, afirmou que nenhuma das pessoas que teriam vendido as terras para o coronel recebeu qualquer título. Trata-se, se comprovado, de meras posses cuja antigüidade não serve a transformá-las em propriedades.

Enquanto a Justiça demora em decidir e cancelar um absurdo tão evidente, os pretensos proprietário arregimentaram dezenas de trabalhadores e está trabalhando na área. O pior é que em 05 de outubro de 1999 o Desembargador João Alberto Castelo Branco de Paiva, suspendeu a tutela concedida pelo Ex.mo Juiz de Altamira que proibia qualquer negociação da área até o julgamento do mérito da ação de cancelamento. O Desembargador em sua decisão mostrou preocupado com: "a recuperação dos prejuízos que, inevitavelmente atingirão o patrimônio da agravante se afigura problemática; irreparável". Enquanto a propriedade particular é tão generosamente protegido, o interesse público é relegado ao segundo plano, pois com a suspensão da tutela antecipada a empresa poderá negociar livremente estas terras. 257 Esta decisão foi confirmada, por unanimidade, pelos

257 Para justificar seu despacho o Desembargador Paiva fez referência ao acórdão n.º 29.476, de 21 de junho de 1996, que teve como relatora a Desembargadora Clemenié Bernardette de Araújo Pontes no processo em que eram partes Lourival da Costa Azevedo e Outros e Artur Benjamim P. Lobato e Outros. O ITERPA habilitou-se no processo contestando que a área tinha sido desmembrada irregularmente do patrimônio público. Entendeu a relatora que aplicavam-se ao caso os artigos 316 e 44 do ADCT da Constituição do Estado do Pará. O primeiro determina: "Todo aquele que possuir terras estaduais, do domínio público ou privado, por mais de quarenta anos ininterruptos, contados, anteriormente a 1º de

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Desembargadores da 3a Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado que, numa sessão realizada no dia 16 de junho de 2000. 258 Um laudo elaborado pela Polícia Federal mostra como plotando-se um dos dois memoriais descritivos presentes na matrícula se incluiriam na área várias quilômetros da BR 316 (Santarém Cuiabá) e a atual cidade de Novo Progresso. Recentemente o juiz de Altamira declarou-se competente para julgar esta ação, isso apesar dos pedidos do INCRA e do Ministério Público Federal. 259

** Na mesma comarca foi proposto o mesmo tipo de ação contra a Agropecuária Urubu LTDA. e Kramm Assessoria e Engenharia LTDA. que se dizem donas do Castanhal Yucatan, com uma área de cerca de 1 milhão e

janeiro de 1917, sem contestação, adquirirá, automaticamente o seu domínio, devendo para este fim tão somente, apresentar ao órgão fundiário competente documentação que comprove a posse, através de títulos legítimos, com os respectivos impostos pagos ao Estado". O Constituinte Estadual incorporou expressamente ao nosso ordenamento jurídico estadual o que está previsto na Súmula 340 do STF que veda a possibilidade de se adquirir através de usucapião os bens dominicais desde a vigência do Código Civil, isto faz com que só quem estava na posse de terras anteriores a 01/01/1887 tem seu direito resguardado (prescrição quarentenária). Já o artigo 44 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias declara: "As áreas de terras sobre as quais existam decisões judiciais de partilha ou adjudicação e as respectivas cadeias dominiais comprovem a existência de título legítimo são consideradas propriedades, devendo sua regularização, no órgão fundiário do Estado, ocorrer sem nenhum pagamento por parte do interessado". Precisa esclarecer que o primeiro acórdão tem como base uma carta de sesmaria não confirmada expedida em 1782, isto é bem antes da vigência do Código, enquanto os pretensos direitos da INCENXIL estão baseados em contratos de arrendamento (que não transferem propriedades) celebrados na década de 1930, ou posses não legitimadas adquiridas no começo do século. Vale também salientar que se o Art. 44 do ADCT pretende criar uma modalidade de usucapião de terras públicas por via judicial, é inconstitucional, pois o Estado não pode legislar em matéria agrária (trata-se de atribuição privativa da União: art. 22,I da Constituição Federal), nem contrariar a Súmula 340 do STF. Quem detém posse, transfere para seus herdeiros posse, nunca propriedades. O falecimento não tem o condão de transformar as simples posses do "de cujos" em propriedades. 258 O Procurador do ITERPA, Dr. Ibraim Rocha estava no Tribunal para fazer a defesa da necessidade da manutenção da tutela antecipada já as 8,15 da manhã, mas a sessão já tinha sido encerrada, é de se estranhar toda esta pressa. 259 Talvez o nobre juiz não conhece a decisão da 2a Turma do TRF julgada em 14/08/1983 Remessa Ex-Ofício n.º 89.370-PA (Apud LUCZYNSKI p. 70) que determinou que: "Se a União Federal alega interesse em figurar no processo, há que ser deslocado para a Justiça Federal, única competente para auferir desse interesse, mesmo que ele não venha a existir".

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630 ha. O registro foi lavrado às Fls. 31 do Livro 3 daquele cartório também a partir de:

“contratos de arrendamento que jamais geraram direito de propriedade ou mesmo de posse a quem quer que seja, por se constituírem em meras autorizações administrativas para a exploração de castanhais e/ou seringais pertencentes ao domínio público estadual. (...) As duas transcrições a que se refere a titular do Cartório de Altamira padecem de vício insanável que as torna nulas de pleno direito, por não fazerem referência à matrícula ou transcrição anterior, violando, assim, a condição essencial prevista em lei para a validade dos atos desta natureza, mediante a qual todo imóvel objeto de título a ser registrado deve estar matriculado no livro n0 02 - Registro Geral - obedecido o disposto no Art. 176” (ITERPA 1996:5 e 7).

** Sempre em Altamira foi também ajuizada uma ação contra Raimundo Ciro de Moura que se diz proprietário do Seringal Monte Alegre, com cerca de 329.600,00 ha. O documento que deu origem a este registro foi um Título de Posse, datado de 20/02/1915, transcrito no Livro 3-E, às fls. 201/202 em 20/04/59, sob o n.º 835, que tinha uma área de 3.900,00 ha. Este título nunca foi legitimado; caso tivesse sido seria considerado propriedade a todos os efeitos. Além disso o limite máximo legitimável era de 4.356 ha, nunca cerca de 330 mil. (Art. 4º da Lei n.º 1.741/18).** Em Portel foi ajuizada uma ação contra a empresa Brasimadeiras Exportação e Importação LTDA. que se diz dona das Fazendas Reunidas Rio Pacajá, com cerca de 78.408 ha. Os títulos que deram origem ao registro que o ITERPA pretende anular, também têm sua origem em títulos de posse não legitimados que foram transcritos ilegalmente no livro de propriedade.** Em São Félix do Xingu foi contestado e pedido o cancelamento do registro da Fazenda Carapanã, registrada em nome de Jovelino Nunes Batista matriculada sob o n.º 1498, às fls. 89 do Livro 2-H, com uma área de 3.882.980,60 ha, imóvel este cuja documentação foi: “fabricada e levada a registro com a finalidade precípua de possibilitar lucro fácil aos fraudadores da coisa pública mediante venda a terceiros, prejudicando, dessa forma, posseiros tradicionais e proprietários estabelecidos em seus imóveis regularmente formados, além de lesar o patrimônio público” (ITERPA, 1997:4). Esta terra incide na área dos Índios Kaiapó que já foi demarcada e registrada no mesmo cartório e teria sido vendida para uma empresa norte americana se o Dr. Ubiratan Cazetta, Ministério Público Federal, não contestasse em juízo esta transferência irregular.

Além destas o ITERPA ajuizou 42 ações de cancelamento de registros abrangendo uma área total de 21.762.327,37 ha (Ver Anexo 6). Um

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dos grandes problemas é o efetivo acompanhamento destas ações para que as mesmas possam ser agilizadas e não continuem mofando nas gavetas e prateleiras das diferentes comarcas. Neste sentido é indispensável que o Ministério Público Estadual e Federal se juntem efetivamente à ação empreendida pelo órgão fundiário estadual. Millikan (2006, p. 3) destaca o papel do Poder Judiciário no agravamento da grilagem:

É importante reconhecer o papel desempenhado pelo Judiciário na legitimação de processos de ocupação indevida de terras públicas. Nos poucos casos em que o INCRA tem procurado o Judiciário, no intuito de retomar a posse de áreas públicas ocupadas ilegalmente por grileiros, tem ocorrido, com freqüência, longas tramitações de processos em diferentes instâncias da justiça durante anos e até décadas, e a eventual condenação do órgão a pagar indenizações por supostas “benfeitorias”, tais como pastagens implantadas a partir do desmatamento ilegal.

Além destas existem várias outras denúncias de terras griladas no Pará.260

O Dr. Felício Pontes Júnior, Procurador da República em Santarém, ajuizou uma ação contra a TEKA Tecelagem Kuehnrich S/A que teria adquirido de maneira irregular os imóveis São Pedro (39.090,00 ha), São Sebastião (18.560,00 ha) e São Félix (12.870, ha). Estas aquisições foram transcritas no Cartório de Registros de Imóveis de Altamira depois de terem sido registradas nos cartórios de Moju, Vizeu e Cametá que porém negaram constarem em seus livros tais documentos. Também os CPF das pessoas envolvidas nas transações foram declarados falsos pela Receita Federal. Nos autos de correição da comarca de Altamira n.º 99300672 a desembargadora Maria de Nazareth Brabo de Souza elencou uma série de irregularidades

260 Um documento enviado por José Manoel Batista à CPI da Grilagem (Ver PARÁ, 1999: 2.487-2.488) apresenta um: "Mapa incompleto das Grilagens de Altamira" contendo uma lista com 33 imóveis registrados no Cartório de Registros de Imóveis de Altamira que teriam sido grilados. A área inicial de cada um deles era de 4.356 ha, mas somando-se as áreas registradas se chega a 17.014.991 ha, de terras ilegalmente incorporadas ao patrimônio particular. O mesmo documento faz referência a outras grilagens realizadas pelo Cartório de Portel e Igarapé Miri (121.095 ha) Viseu, Altamira, São Miguel do Guamá, Breves, São Félix do Xingu e apresenta o nome de numerosos grileiros, entre eles parentes de magistrados paraenses.

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presentes nos assentos daqueles imóveis e determinou a abertura de um Processo administrativo disciplinar contra a Oficiala do 1º Ofício Notarial e Registral da Comarca de Altamira.

Os registros imobiliários considerados possivelmente ilegais pela Desembargadora, bem como boa parte daqueles citados pelas ações de cancelamento tem sua origem nos títulos de posse registrados perante as antigas Intendências Municipais. Na Ação proposta contra Raimundo Ciro Moura os procuradores do ITERPA afirmam:

"Acontece, todavia, que apenas uma pequena fração desses documentos (cerca de 50 mil títulos) tiveram as respectivas áreas legitimadas, não se emanciparam, portanto, com direito ao reconhecimento do domínio pleno, 90% dos imóveis originados de tal titulação. Mas essa legitimidade dominial, infelizmente não impediu os detentores dos títulos de posse de usá-los, fraudulentamente, como se fossem títulos representativos de domínio. (...) Embora estes títulos jamais tenham outorgado domínio a seus detentores, muitos deles foram levados ao registro imobiliário e acolhidos sistematicamente no Livro n.º 3, destinado pela antiga legislação de Registros Públicos precisamente às transcrições das transmissões de propriedade".261

Também nos autos de correição citados acima a Desembargadora Corregedora afirma que: "O imóvel em questão tem como origem um título de posse, não sujeito a ingresso no registro de imóveis, sujeito apenas a processo de legitimação (...) Os títulos de posse não tem ingresso no Registro de Imóveis, pois não se tratam de domínio e, consequentemente, no caso em tela, também não tem ingresso todas as escrituras de compra e venda posteriores ao título".262

A denúncia apresentada pelo ITERPA mostra a fragilidade de nossos registros cartoriais e a incúria dos detentores destes documentos que tiveram mais de cento e oito anos a disposição para promover a legitimação dos mesmos (desde a edição do decreto 410/1891 e dezembro de 1995) sem aproveitar esta possibilidade. Se só 10% dos títulos de posse foram legitimados significa que cerca de 5.000 títulos transformaram-se em propriedade e os outros 45 mil caducaram. Apesar de não existir nenhuma estatística oficial sobre a quantidade de documentos registrados como se

261 Ver PARA - ITERPA, Ação de Nulidade e Cancelamento de Matrícula, Transcrições e Averbações Processo n.º 293/96 em tramitação na comarca de Altamira contra Raimundo Ciro de Moura e sua mulher Maria Neto de Souza, Belém, 13/10/96.262 Ver TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO, CORREGEDORIA DE JUSTIÇA, Autos de correção comarca de Altamira n.º 99300672, de 04/02/2000.

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fossem propriedades sem ser, se pode supor que milhares deles estejam circulando no nosso Estado aumentando a "bagunça fundiária" existente.

Nestes últimos anos o ITERPA declarou nulos 261 títulos, 219 foram considerados falsos, 7 declarados inexistentes e 11 foram cancelados pela Corregedoria do Tribunal.

Não só no Pará, porém, se grila terra. Em São Paulo, na região do Pontal do Parapanema, palco nestes últimos anos de numerosos conflitos, boa parte das fazendas localizam-se em terras devolutas que foram ilegalmente apropriadas por grileiros.263

O Ministério da Política Fundiária e do Desenvolvimento Agrário denunciou dezenas de casos nos quais a grilagem nasceu através de Ações de Usucapião ou a Transmissões "Causa mortis" ou "Inter Vivus" fraudulentas. Nos Estados do Amazonas e Acre várias pessoas físicas e jurídicas conseguiram aumentar de maneira significativa as áreas por elas pretendidas graças a sentenças judiciais. 264

263 AZEVEDO (1997:30-34) escreveu uma reportagem muito interessante sobre este grilo.264 Entre os casos apresentados pelo "Livro Branco da Grilagem" (Ver BRASIL 1999a:14-20) citamos alguns entre os mais significativos: os exemplos coletados vão de "pequenas grilagens" como aquelas dos imóveis Boa Esperança e Lua Nova (localizados no município de Boca do Acre - AM) que passaram respectivamente de 500 ha para 2.321,22 ha e de 1.500 para 2.500 ha; a "grandes grilagens" como a do Seringal Bragança, que tinha inicialmente registrado com 50 mil hectares, e, graças a um processo de inventário, o "proprietário" recebeu uma Carta de Adjudicação expedida pelo Juiz de Direito da Comarca de Lábrea aumentando sua área para 202.400 ha. O mesmo aconteceu com o Seringal Europa que passou de 996,06 ha para 80.000 ha; ou dos seringais São Pedro e São Pedro I que passaram de 1.442,4655 ha, para 485.000 ha. O remembramento de áreas foi também utilizado para aumentar o tamanho da "propriedade" englobando terras públicas: no mesmo município de Lábrea os imóveis Santa Clemência, Dois de Julho I, II e III cuja área total era de 1.814,62 ha, tiveram a mesma aumentada para 650.000 ha. O mesmo processo aconteceu no Amapá onde a empresa multinacional de origem americana Chamflora conseguiu aumentar a área da fazenda Itapoã para 65.793 ha. Neste caso específico, graças à ação da Comissão Pastoral da Terra do Amapá as famílias que tinham sido expulsas voltaram a ocupar seus lotes e a empresa comprometeu-se a regularizar sua situação. Outro caso interessante de grilagem é o dos imóveis Recreio do Pauhenê e Recreio de Santo Antônio (Município de Boca do Acre) que, inicialmente, tinham uma área registrada onde só se fazia referência a "42 estradas de seringas", isto é 4.200 ha. Através de transmissões sucessiva a área aumentou para 50 mil ha e, posteriormente, para 85.624 ha (O INCRA estima que cada estrada de seringa corresponda a 100 ha. Ver BRASIL 1999a:14).

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Para averiguar as denúncias de grilagem que estaria sendo praticada pela empresa C. R. Almeida, a Assembléia Legislativa do Estado do Pará realizou em 27 de abril de 1999 uma sessão especial. Depois de ouvir os envolvidos, 25 deputados assinaram o requerimento de instalação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito. A CPI começou seus trabalhos em 12 de maio de 1999 e seu relatório final, redigido pelo deputado Cláudio Almeida (PPS), chegou a seguinte conclusão:

"Consideramos ilegítima a pretensão de posse e propriedade da área de terras denominada Fazenda Rio Curuá, com área de 5.694.964 ha, segundo dados do ITERPA, pela empresa Indústria, Comércio, Exportação e Navegação do Xingu Ltda. - INCENXIL, pelos motivos expostos no presente relatório e na Ação de Nulidade e Cancelamento da Matrícula, Transcrições e Averbações no Registro de Imóveis de Altamira, que o ITERPA move contra as referidas empresas (processo n.º 270/96 no Fórum de Altamira, e n.º 96303870 no TJE); os fatos alegados por documentos e depoimentos aqui trazidos demonstram que o caminho a ser seguido por esta CPI no auxílio à defesa do interesse público será o encaminhamento deste Relatório para ser juntado aos autos da referida Ação, os mesmos devem ser apurados minuciosamente e com o devido rigor técnico, pelo Poder Judiciário".265

Em seu depoimento à CPI O Dr. Paraguassu Éleres denunciou a prática de grilagem nas Gleba Campos do Piriá, Gleba Eiko, Gleba Sudoeste e, em Altamira, num imóvel de Benedito Batista da Gama, uma área de 663.831 ha. No que diz respeito a este último afirmou: "Mandei fazer uma análise e da parte do DTP vem a informação de que não há registro em nome de Benedito, e esse lote também é flagrantemente uma grilagem".

Depois de ouvir o Dr. Raimundo Moisés Alves Flexa – juiz titular da 2ª vara de Altamira que reconheceu não ter conseguido perceber a grilagem denunciada na correição por ele efetuada no Cartório de Registros de Imóveis, os deputados chegaram a seguinte conclusão: "Detectamos que as correições previstas no Código Judiciário do Estado são insuficientes por si só para corrigirem as irregularidades nos Cartórios". Aqui se faz

265 Ver o RELATÓRIO DA C.P.I. INSTITUÍDA PELO REQUERIMENTO 285/99 (C.R. Almeida) com o objetivo de “apurar denúncias de irregularidades na área de terra adquirida pela empresa C. R. Almeida no município de Altamira, no Estado do Pará”. Entre as recomendações destaca-se o pedido de verificar a responsabilidade de Eugênia de Silva Freitas – tabeliã do Cartório extrajudicial de Registro de Imóveis de Altamira na atividade ilícita, bem como rediscutir a legislação fundiária do Estado e sugeriu ao: "Poder Judiciário a implantação das Varas Privativas na área de Direito Agrário, Minerário e Ambiental".

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necessária uma pergunta: se os instrumentos previstos pela legislação mostra-se insuficientes para evitar a continuidade da prática deste crime, como a sociedade pode ter a garantia que o que estabelece o Art. 859 do Código Civil protege os interesses comuns e não acoberta atitudes fraudulentas, verdadeiros crimes?266 O relatório da CPI afirma: "É necessário enfrentarmos conjuntamente, Poder Público e Sociedade Civil a revisão da legislação notarial brasileira que ainda mantém uma estrutura cartorial esdrúxula e arcaica, modernizando e publicizando esse setor fundamental para a segurança do sistema jurídico". Um caso interessante foi denunciado pelo Dr. Claudomiro Gomes da Silva, prefeito de Altamira que confirmou em seu depoimento o conteúdo de uma Nota Oficial por ele divulgada em 26/05/1999 na qual se afirmava que: "A atual Administração Municipal de Altamira, com base na Súmula 473 do Supremo Tribunal Federal, anulou vários Títulos Definitivos de Propriedade de Terras (...) que foram expedidos de forma irregular e ilegal pela administração anterior". A motivação desta decisão era: "... porque tem consciência de que não possui competência legal para fazé-lo". Denunciou ainda que a administração anterior tinha chegado a alterar o número de leis para dar suporte a títulos expedidos de maneira ilegítima. Os títulos tinham sido expedidos no final da década de oitenta, tendo como justificava legal as Leis Estaduais n.º 1.778, de 2 de setembro de 1959, que concedia ao Município de Altamira a possibilidade de criar Núcleos de Colonização em lotes de até 100 ha, e n.º 4.889 de 1980 que ampliava a área a ser concedida. A segunda lei estadual foi promulgada depois da edição dos Decretos Federais n.º 67.557, de 12/11/1970 e 68.443, de 29 de março de 1971 e do Decreto Lei n.º 1.164, de 01/04/1971 que federalizavam as terras ao longo da rodovia Transamazônica e deve ser considerada sem vigor por contrastar com a legislação federal acima.

No bojo da investigação sobre quem efetivamente pode ser considerado dono da INCENXIL realizamos um levantamento nas Juntas Comerciais do Pará, Rio de Janeiro e Paraná que nos permitiu chegar a seguinte conclusão: as terras pertencem à Rondon Projetos Agroecológicos LTDA (ver Anexo 7).

Apesar disso, porém, a vinculação entre a INCENXIL e o empresário C.R. Almeida foi sobejamente provada pelo jornalista Lúcio Flávio Pinto em seu depoimento à CPI da Câmara Federal que investiga as terras da Amazônia quando mostrou um contrato de gaveta, assinado em

266 Não era a presunção prevista no Decreto 370, de 02 de maio de 1890, cujo art. 235 afirmava: "Todavia, a transcrição não induz a prova de domínio, que fica salvo a quem for", repetindo o que estava disposto pelo art. 8º, § 4 º da Lei n.º 1.237, de 24/09/1864.

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junho de 1995, cuja cláusula 5ª afirma que: "... a C.R. Almeida é quem se obriga a ceder os 5,4 milhões de reais de precatórios (títulos de cobrança contra a fazenda pública do Paraná), que completariam o pagamento das terras, no valor de R$ 6 milhões. Está estabelecido o nexo. (grifo nosso)." O próprio contrato manifesta a má-fé dos compradores, pois só foi paga a primeira parcela, o restante só seria pago depois da regularização das terras perante o ITERPA. Quem adquiriu a propriedade transferiu o ônus da regularização para os vendedores, caso, como afirmam hoje os representantes da INXENCIL, a aquisição fosse de um imóvel cuja propriedade fosse inquestionável, não seriam necessárias estas cláusulas.

Os autos da CPI foram remetidos ao Ministério Público para apurar as irregularidades apuradas.

Nem sempre a grilagem é facilmente detectável, pois a informação falsa contida nos registros só pode ser comprovada através da plotagem da área. Só desta maneira se percebe se é possível a elaboração de um croquis. Na discriminatória administrativa realizada na Gleba Mamorana (Mojú) apurou que a Fazenda Santa Maria, registrada no Cartório de Registros de Imóveis de Igarapé Miri (livro 4-A, Fls. 40, Matrícula 461, em 28/06/1967), e que tem como origem um Registro Torrens, apresenta: uma figura em forma de "Z", o que torna impossível seu fechamento, haja visto que os pontos não se encontram (...). Verificamos que, se considerarmos as coordenadas geográficas que se encontram transcritas nos registros imobiliários anexos nesses autos, a área referente ao REGISTRO TORRENS, estaria localizada no Município de São Domingos do Capim ou Paragominas, nunca no Moju" (CAVALLERO, 2000:2). Segundo POLARO: "... se levarmos em conta que a matrícula mãe só possui aproximadamente 260.000 ha e os desmembramentos já ultrapassam os 700.000 ha, e o mais grave é que além do milagre da multiplicação desafia a lei física que diz que dois corpos não podem ocupar o mesmo lugar no espaço além de incidir nas seguintes propriedades: - Reserva Indígena Anambé (parte), - Terras do Projeto Seringueira; - Título Definitivo n.º 23, confirmado em nome de Alfredo Hélio Pereira; - Título Definitivo n.º 21, confirmado em nome de Edson Muniz de Queiroz; - Fazenda Vale do Moju (antiga São Braz, em processo de desapropriação através do Decreto de 25/09/98, publicado no DOU de 29/09/98), - Título Definitivo confirmado em nome de Almey Lisboa Pereira dos Santos; - fazenda Alto Cairari; - Engenorte.267

267 Ver Ofício, assinado em 20/02/2000, pela advogada Lagette Nazaré Mauad Cavallero, que presidiu a Ação Discriminatória Administrativa, e o laudo técnico assinado pelo Engenheiro Agrônomo Valter José Polaro em 28/01/2000.

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O mapa 3, abaixo, mostra estes diferentes "andares" existentes na gleba Mamorana (Moju):

Fonte ITERPA (2000)

A existência de áreas sobrepostas não é privilégio do município de Moju. Trabalho de plotagem executado pelo INCRA mostra que na área pretendida pela Indústria Comércio, Navegação e Exportação (INCENXIL) em Altamira incidem os registros de terras da União (os projetos de assentamento Santa Júlia e Nova Fronteira; a Floresta Nacional de Altamira), da Teka - Tecelagem Kuehnrich S/A, Kramm Engenharia Ltda. Além das áreas registradas existem terras ocupadas por dois povos indígenas (cuja

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terra ainda não foi demarcada e matriculada), e terras públicas estaduais, também não matriculadas.

8.4 EXPOSIÇÕES DE MOTIVOS 005 E 006: A GRILAGEM INSTITUCIONALIZADA

O governo federal agravou ainda mais a já confusa situação dos títulos de terra, através das Exposições de Motivos número 005 e 006, de junho de 1976, do Conselho de Segurança Nacional, que na prática viraram lei, quando chegou a reconhecer a validade de títulos de propriedades irregularmente transcritos nos registros de imóveis, se adquiridos em boa fé. Desta maneira a grilagem foi institucionalizada, legitimada e premiada.

Dom Alano PENA (1977:301), bispo de Marabá, no seu depoimento na CPI da Terra do Congresso Nacional em 27/04/1977, assim apresentou esta pagina negra do direito pátrio:

"[Através destas exposições de motivos o CSN propõe que] as situações fundiárias "gestadas na tortuosidade de atitudes reprováveis" sejam regularizadas, porque "não há como fugir à consolidação daquelas situações que favorecem ou poderão favorecer à política econômica e social". Tais situações seriam remidas "na medida em que promovem o desenvolvimento da região" até o limite de 60.000 ha contanto que provem ter adquirido a posse de boa/fé. Prevê no entanto que as terras sejam devolvidas à União até que o INCRA proceda a verificação dessa boa-fé. O que acontece no Maranhão infelizmente, é que as terras só são entregues à União depois que o INCRA conclui a regularização. A conclusão lógica tirada a partir de uma burla na 005, é que "é melhor grilar terra do que perder tempo com processos regulares de compras de terra do Estado". Além do mais permite a "recompra" de áreas com titulação irregular, inclusive anuladas por falsificação. Foi o que aconteceu com a recompra feita por Jeremias Lunardelli, em Conceição do Araguaia, que teve assim como um prêmio ao estelionato”.

Também a CONTAG (Apud ALMEIDA, 1989:95) manifestou-se estas Exposições de Motivos pois as considerou: "um estímulo sem precedentes à grilagem".

Em nome de se favorecer o desenvolvimento da região, chegou-se a desobedecer frontalmente o disposto pela Constituição Federal que determinava que a regularização dos imóveis com área superior a 3.000 hectares deveria ser previamente aprovada pelo Senado Federal. Numa distorção total da ordem jurídica vigente, típica de um regime militar, uma simples Resolução emanada por um órgão que sequer tinha poder de legislar, se sobrepôs à Constituição da República. Tinham razão OLIVEIRA

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(1990:83), quando falava de grilagem institucionalizada, e CAIO PRADO JÚNIOR (1987:4) que, referindo-se a este período, falava de fraude legalizada. Pode-se assim afirmar que a grilagem, sobretudo na Amazônia, não é um mero “acidente de percurso” ou uma atividade ilícita praticada à revelia do ordenamento jurídico e da política oficial, ao contrário: “A grilagem na Amazônia Legal não representa um fato isolado, ‘uma ação nefasta de maus brasileiros’, mas faz parte de um modelo econômico, de uma estrutura sócio-política. Grilagem é um problema estrutural e, por ser de ordem estrutural, ela é planejada e estimulada” (grifos nossos) (ASSELIN, 1982:12). Confiando na deliberada omissão, quando não na explicita conivência, do aparato estatal, o grileiro avança sobre as terras públicas apropriando-se das mesmas. MONTEIRO LOBATO (apud ASSELIN, 1982:34). apresenta assim a figura do “grileiro”: “O grileiro é um alquimista. Envelhece papeis, ressuscita selos do Império, inventa guias de impostos, promove genealogias, dá como sabendo escrever velhos urumbebas que morreram analfabetos, embaça juizes, suborna escrivães”.

8.5 INSTITUTO DA RECOMPRA: UM PRÊMIO À GRILAGEM

O Estado do Pará facilitou sobremaneira a legalização de terras por parte de grandes empresas através do instituto da recompra previsto pelo Art. 88 do Decreto-Lei n.º 57 de 22/08/69 que permitia aos: “atuais possuidores de terras do Estado cujos títulos definitivos houverem sido ou vierem a ser declarados nulos poderão, até 31 de dezembro do corrente ano, requerer a compra das mesmas áreas em condições especiais...” Para ver reconhecido este direito deveriam: “d - não haver provas de que hajam participado das irregularidades que motivaram a nulidade desses títulos ou delas tomado conhecimento anterior a aquisição; e - serem considerados idôneos pela SAGRI”. (Letras d) e e) do mesmo artigo). O parágrafo único deste artigo é revelador de quem iria ser beneficiado com esta medida aparentemente moralizadora (provar que o comprador sabia que o título era falso antes de ter comprado a terra era evidentemente muito difícil, sobretudo quando não se tinha nenhum interesse político para investigar isso): “Terão prioridade os posseiros de terras incluídas em projetos aprovados pela SUDAM”. Como se pode ver, importante era defender os capitalistas que estavam trazendo o progresso para a região. Este artigo foi recepcionado, com uma redação só em parte nova, pela Lei n.º 4.584/75 (ver Art. 27, VII). Enquanto o Decreto-Lei n.º 57/69 concedia o prazo até o final de 1969 para recomprar estas terras a lei que criou o ITERPA estendeu este prazo para 31/12/76 e, além dos projetos aprovados pela SUDAM, teriam prioridade também as terras: ”aceitas como garantia de financiamento pelo

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Banco do Brasil S.A., Banco da Amazônia S.A. (BASA) ou Banco do Estado do Pará S.A.”. As condições especiais eram o abatimento de até 50% no valor da terra. O poder do dinheiro e os interesses econômicos falavam mais alto do que o interesse público.

A motivação apresentada pela Exposição de Motivos da lei mostra como para beneficiar quem não se preocupou de verificar a legalidade dos títulos que tinha comprado (isto admitindo-se a hipótese de que todos os imóveis tivessem sido comprados de boa-fé), esqueceu-se o princípio básico de que não se pode alegar desconhecimento da lei para obter favores (sobretudo quando os compradores não eram pobres e humildes colonos analfabetos, mas grande grupos econômicos que tinham ao seu serviço vários advogados). 268

Graças à utilização deste instituto a Companhia Agropecuária Rio Araguaia (CAPRA), cujo presidente, na época, era Amador Aguiar, maior acionista do Banco Bradesco, conseguiu revalidar 10 títulos declarados falsos pela SAGRI, cada um com uma área de 4.356 ha. Foram assim constituídas duas fazendas, uma em Paragominas (no loteamento Capim Surubuju) e outra em Conceição do Araguaia (antiga fazenda Bradesco, hoje fazenda Taina-Retã). A tramitação administrativa foi bastante complexa e demorou cerca de cinco anos, pois teve que receber o aval da Assembléia Legislativa que emitiu os decretos legislativos n.º 60, 61 e 62 de 2 de dezembro de 1975 e as portarias especiais n.º 005, 006 e 007 de 25 de novembro de 1975. Devido ao fato da área total ser superior a 3.000 ha o

268 Para LAMARÃO (1980:45) “O dispositivo anterior exige que o título houvesse sido entregue para exame na SAGRI até 30 de junho de 1969. Sucede que muitos interessados não satisfizeram essa exigência, ou porque a desconhecessem, ou porque não suspeitando da ilegitimidade dos seus documentos, não se sentiam motivados para submetê-los a qualquer exame. (...) Não havia outra alternativa mais prática e viável. Quase todos os detentores de títulos nulos ou falsos já estão com grande benfeitorias sobre a terra (...). O governo não teria meios de promover a indenizações necessárias, já que seus prepostos - oficiais de registros imobiliários, tabeliães, Secretarias de Fazenda porque aceitaram o pagamento do imposto de transmissão, etc. - também participaram involuntariamente da fraude”. Esta posição é descabida pois se um crime deve ser relevado só porque o Estado não tem como devolver os impostos pagos, seria suficiente que os traficantes de droga ou os sequestradores pagassem o Imposto de Renda para que suas atividades pudessem ser consideradas legais. Um crime não pode ser esquecido só porque o Estado não tem poder e meios para coibí-lo. Se cartórios e grileiros agiram ilegalmente a melhor saída era coloca-los na cadeia e não premiá-los com a legalização “a posteriori” do seu crime. Fraude é fraude e deve ser punida, a começar pelos Oficiais de Registros de Imóveis que tão pouco cuidado tiveram em registrar estes títulos.

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pedido foi remetido ao Senado Federal para que autorizasse a alienação. No ofício que encaminhava a documentação, o governador do Estado, Dr. Aloysio da Costa Chaves, além de lembrar os relevantes serviços prestados à comunidade pelo grupo econômico que estava subvencionando uma escola na sede do município, afirmava: “A considerável superfície das terras pleiteadas pela CAPRA, justifica-se de vez que se trata de um dos mais idôneos grupos de investidores atraídos para a Amazônia pela política de integração nacional” (grifos nossos). 269

Este pedido foi remetido ao Senado em 30 de agosto de 1976 e até hoje não teve resposta. Em 1997, quando o INCRA desapropriou a fazenda Taina-Retã assentando nela cerca de mil famílias, o processo foi procurado, mas a secretaria do Senado não conseguiu localizá-lo. Precisa-se ressaltar que o Título Provisório concedido pelo ITERPA era inegociável sem a prévia autorização do órgão fundiário pois, caso contrário, o título transferido seria cancelado: “com perda das benfeitorias existentes, sem direito a qualquer indenização” (Art. 27, V da Lei 4.584/75). Esta fazenda foi, porém, vendida pelo Grupo Bradesco para uma empresa baiana e, em 1997, foi desapropriada pelo INCRA. 270 Se a lei fosse cumprida (perda da terra e das benfeitorias), alguém se atreveria a vender, sabendo que iria perder tudo? Na realidade a deliberada omissão do Estado em cumprir a lei favoreceu interesses escusos e promoveu a atual balbúrdia fundiária.

A recompra deve ser considerada um prêmio ao estelionato pois, os títulos anulados nunca poderiam gerar direitos aos seus portadores e nem

269 Ver o competente processo administrativo de compra e venda do imóvel em questão, em tramitação no ITERPA.270 Uma reunião da Câmara Técnica de Reforma Agrária do Conselho Estadual de Política Agrícola, Agrária e Fundiária, discutiu a melhor forma de se solucionar o grave conflito criado no começo de 1997 quando centenas de famílias sem terra começaram a pressionar o INCRA para que a fazenda Bradesco, como o imóvel continua a ser tradicionalmente conhecido, fosse desapropriada chegando a ocupar o portão principal da fazenda com um acampamento no qual participaram mais de 800 famílias. O autor do presente trabalho, membro daquela Câmara, concordou com a desapropriação por ser o instrumento jurídico mais viável e rápido para viabilizar o assentamento dos trabalhadores, o melhor caminho porém teria sido aquele de anular o Título Provisório por transferência ilegal do mesmo (o Art. 27, V determina que: “Os títulos Provisórios somente serão transferidos por atos “inter vivos” mediante prévia autorização do ITERPA, sob pena de cancelamento do Título transferido, com perda das benfeitorias existentes, sem direito a qualquer indenização” - Grifos nossos). Este procedimento, o mais apropriado juridicamente, não foi utilizado pela razão de que uma demanda judicial poderia demorar algumas décadas adiando a solução do conflito social e colocando em perigo a segurança pública.

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obrigações para o Estado. Aceitar isso significou convalidar nulidades absolutas atestadas cabalmente por um documento oficial do órgão fundiário baseando-se só na alegada boa fé de quem comprou. É importante ressaltar que só se poderia transferir legalmente uma propriedade se a mesma tivesse sido legitimamente constituída, sendo assim se alguém grilou terra pública e depois a vendeu, este ato é juridicamente nulo, não assistindo ao comprador (também aquele de boa fé) direito algum a ser reclamado contra o legítimo proprietário daquele imóvel (no caso concreto o Estado do Pará ou a União). Quem foi ludibriado, quem comprou gato por lebre, terá só e unicamente o direito de reaver a importância que gastou para adquirir o imóvel, valor esse que será cobrado numa cadeia que regressa até o grileiro que fabricou o título falso. Neste processo o Estado e a União não são parte, pois, eles não têm qualquer responsabilidade sobre estas vendas ilegais. Cabe ao Estado apurar e punir as responsabilidades civis e penais dos vendedores e/ou dos oficiais do Cartório de Registro de Imóveis envolvidos neste crime.

Nos anos setenta, diante da descoberta e anulação de 185 títulos falsos por parte do governo estadual, para evitar de serem punidos pelos abusos e irregularidades por eles cometidas, funcionários da SAGRI chegaram a queimar o arquivo do órgão. 271

Além da recompra de títulos declarados falsos e nulos, a lei 4.584/75 procurou sanar outra grave irregularidade: a dos títulos concedidos contrariando o disposto pelos Arts. 10 e 18 da Lei n.º 762. de 10/03/54 que possibilitava a cessão de áreas até 100 ha quando os imóveis destinavam-se à agricultura. 272 Durante 15 anos o governo estadual não tinha levado em consideração aquele dispositivo legal concedendo entre 600 a mil títulos com áreas muito superiores ao permitido (até 4.356 ha). Para evitar conflitos o Art. 101 do Decreto Lei n.º 57/69 tinha estipulado o prazo de 31/12/72 para revalidar estes títulos. Como poucos se interessaram de regularizar sua situação, a lei n.º 4.447, de 22/12/72, prorrogou aquele prazo até 31/12/73 e

271 Segundo PINTO (1980:31): “Entre 1967 e 1972, o governo paraense anulara 185 títulos abrangendo uma área de 731.160 ha. ao descobrir que estes títulos haviam sido emitidos fraudulentamente. Para proteger-se, funcionários da Secretaria de Agricultura destruíram o precário cadastro de Terras do Estado, a única fonte de referência do governo. Embora todos os títulos tivessem sido anulados de pleno direito, o ITERPA, decidiu vender as áreas às mesmas pessoas que haviam comprado os títulos falsificados, possibilidade criada com a introdução de um longo artigo, o oitavo, na lei de terras”.272 O Art. 10 determinava que: “As terras devolutas do Estado não serão vendidas em área superior a 100 hectares... “. O Art. 18 dizia: “As disposições desta Lei aplicar-se-ão unicamente às terras destinadas exclusivamente à indústria agrícola”.

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a Lei n.º 4.584/75 (Art. 2º) o estendeu até 31/12/76 (Art. 101). 273 Este dispositivo revela o descalabro administrativo no qual tinha caído a questão fundiária paraense: se fez uma lei para revalidar atos ilegais praticados pelo órgão fundiário estadual. Este absurdo jurídico possibilitou a apropriação indevida de milhares de hectares de terras públicas por parte de particulares. A denúncia feita por PINTO (1980:31 e 37) na década de setenta é assim mais de que pertinente:

"Por tudo isso não têm sido poucas as acusações sobre o comprometimento ou pelo menos a conivência das autoridades estaduais com os compradores de terras. [O pior é que] o Estado não sabe a exata localização das terras que vende porque não há vinculação técnica realista de toda a legislação fundiária brasileira para definir dois aspectos básicos: a caracterização geográfica precisa da terra e a especificidade do uso do solo de acordo com a sua vocação agronômica (...). As vendas de terras públicas na década de sessenta, quando elas foram mais intensas, realizaram-se sem qualquer verificação de campo. Em consequência, afirma o agrimensor Paraguassu Éleres, "temos terras que estão sendo exploradas com recursos liberados com incentivos fiscais da SUDAM - portanto dinheiro público em grande quantidade - e cujos títulos não resistem à mais elementar análise técnica. Porém mesmo os autos demarcatórios realizados pela Secretaria de Agricultura do Estado para verificar as titulações da área sudeste do Pará, onde estão as grandes fazendas, são facilmente anuláveis: após analisar os novecentos e dez autos, Paraguassu verificou que todos podem ser anulados "porque as demarcações estão cheias de falhas técnicas e de fraudes flagrantes".

Na medida em que a lei favoreceu a grilagem, que deu origem a uma previsível situação de violência e a vários assassinatos é necessário responsabilizar civil e criminalmente que promulgou aqueles diplomas

273 Durante vários anos os detentores destes títulos ilegais não manifestaram nenhum interesse em regularizar sua situação. Só no último ano foram protocolados algumas centenas de requerimentos pedindo a revalidação. O que levou muitos a procurarem o ITERPA para regularizarem seus títulos, não foi o fato de terem adquirido consciência da ilegalidade dos mesmos, mas sim o fato que, a partir de 1976, a SUDAM e os bancos oficiais começarem a exigir as certidões de regularidade dominial para aprovar projetos de financiamento e aqueles títulos poderiam vir a ser questionados. Atendendo pedido da Sociedade dos Investidores da Amazônia, as custas dos processos administrativos foram sensivelmente reduzidas. Mais ma vez percebe-se como os interesses dos donos de terra se sobrepõem aos interesses da coletividade e o Estado se coloca ao serviço dos latifundiários. Continuar a falar de “adquirentes de boa fé” significa querer ofender a inteligência dos trabalhadores rurais e da sociedade como um todo.

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legais. Os governantes, os parlamentares e, no caso das Ordens de Serviço 005/66 e 006/66, os membros do Conselho de Segurança Nacional, que assinaram aqueles instrumentos normativos devem responder por seus atos. Nenhum governante pode eximir-se de responsabilizar-se por seus atos. 274 Além do poder executivo também existem denúncias de envolvimento do poder judiciário no favorecimento à grilagem e à violência que dela decorre. Falando sobre a realidade do Maranhão, que, neste caso, não difere muito daquela do Pará, o Deputado Domingos DUTRA (apud TRIBUNAL, 1998:63;64), denunciava:

O Poder Judiciário tem um papel, assim, determinante, nesse processo, tanto de formação do latifúndio, através da grilagem cartorial, de decisão de juizes que retificam escrituras e aumentam as áreas, das cessões de herança. Mas o poder judiciário tem um papel na violência. A maioria desses casos citados aqui, são casos onde a violência decorreu de uma liminar ou de uma sentença judicial. (...) É através dessas decisões que se legitima, também, a violência da polícia, porque o judiciário concede as decisões, mas ele não acompanha, nunca teve comando de cumprimento de decisão judicial. As decisões judiciais são comandadas por pistoleiros ou simplesmente pelo aparelho judicial”. 275

Analisando o andamento das Ações de cancelamento propostas pelo ITERPA nos últimos anos constata-se que o Poder Judiciário demora anos para dar um simples despacho. Esta lentidão na apuração deste crime é em total contraste com a presteza da concessão de liminares em defesa das "propriedades particulares" ameaçadas de esbulho, também aquelas cuja posse é provada através da simples apresentação de uma duvidosa Certidão expedida por Cartórios.

8.6 GLEBA CIDAPAR E PROJETO JARI: A MÁGICA DILATAÇÃO DOS LIMITES DE UM IMÓVEL RURAL

8.6.1 Gleba Cidapar

A análise do caso da Gleba Cidapar é exemplar pois mostra como nasce um grilo. No caso específico o nascimento e o crescimento da atividade ilegal teve a inestimável ajuda de duas ações judiciais. A gleba

274 No Maranhão várias entidades colocaram sob suspeita a Lei Sarney de Terra que gerou um clima de violência contra os trabalhadores rurais favorecendo os interesses das grandes empresas do sul do país. (Ver TRIBUNAL, 1998).275 O mesmo deputado (apud TRIBUNAL, 1998:63) denunciava a destruição de povoados que existiam há mais de duzentos anos: “Aqui no Maranhão a maioria dos povoados são destruídos, povoados inteiros, domicílios, escolas, igrejas, postos de saúde e até cemitérios, em cumprimento de liminares. (.) Na hora da execução se arrasam os povoados inteiros: quinhentas, seiscentas, setecentas famílias”.

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localiza-se no município de Viseu, aproximadamente a 250 km de Belém, no nordeste do Estado do Pará, região compreendida entre os rios Gurupi e Piriá. A rodovia federal BR 316 (Pará-Maranhão) foi a principal via de penetração das levas de nordestinos à procura de terras.

Esta área tinha sido objeto, durante o período colonial, de cinco cartas de sesmaria concedidas ao longo de cinquenta anos. Tabela 16: Esticamento da área dos imóveis da Gleba Cidapar:

DATA CONCES. e NOME

DO IMÓVEL

NOME DO SESMEIR

O

TÍTULO ORIGINAL(LÉGUAS QUAD.)

TÍTULO ORIGIN

AL(ha)

ADJUDI

CAÇÃO

JCJ(ha)

DEMAR CAÇÃOINICIAL

(ha)

ÁREAHOMOLOGADA

(ha)

12/02/1768

Macaco

João Alvares Ferreira

2 8.712 8.712 8.712 45.191,95

14/12/1816

Santa Maria

Jozé Damazo

A. Bandeira

2 8.712 8.712 17.424 116.168,97

09/01/1818

Gurupi

Christovão José d’ Assunção

4 17.424 26.136 26.136 93.526,70

12/01/1818

Ariraima

Joze da Luz da Rosa

3 13.068 17.424 17.424 24.944,20

15/02/1822

Piriá

Geraldo Jozé

d’Abreu

3 13.068 39.204 39.204 107.523,97

TOTAL ha

60.984 100.188

108.900 387.355,79

TOTAL LÉGUAS2

14 L2 14 L2 23 L2 25 L2 89 L2

Fonte: IDESP (1988b:8A).

A gleba foi adquirida, ainda no século passado, por Guilherme Von Linde, que fundou uma empresa mineradora, a South American Gold Área Ltda. Esta empresa, que durante muitos anos tinha contratado três vigias para que impedissem a garimpagem e invasão da área, foi demandada em juízo por estes funcionários que alegaram falta de pagamento dos salários. A ação

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trabalhista, proposta em 25/07/1963 perante a Primeira Junta de Conciliação e Julgamento da 8a Região, reconheceu a legitimidade da reclamação e determinou o leilão das terras para saldar a dívida. Em lugar, porém, de serem leiloados os 8.712 ha que de fato eram legalmente de propriedade da empresa (os que compunham a fazenda Macaco276, a única cuja carta de sesmaria tinha sido confirmada transformando-se em propriedade) ou os 60.984 ha que a mesma tinha adquirido, foram inexplicavelmente arrematados 100.188 ha (isto é, 23 léguas quadradas). Em 19/09/68 Moacyr Pinheiro Fonseca, o arrematante do imóvel, solicitou ao juiz da comarca de Viseu a homologação da demarcação por ele mesmo realizada. O juiz, apesar de estar ocupando o cargo interinamente, foi de uma celeridade pouco comum: numa única sessão homologou a demarcação realizada (evidentemente não se deu ao trabalho de verificar em loco se a mesma estava certa, nem pediu ao órgão fundiário que fizesse esta verificação). Através de não se sabe qual mágica a área do imóvel evoluiu para 387.355,79 ha (isto é 89 léguas quadradas). Depois da homologação judicial, Pereira constituiu a Companhia de Desenvolvimento Agropecuário, Industrial e Mineral do Estado do Pará (CIDAPAR) em nome da qual, em 16/01/69, registrou as terras no Cartório de Registros de Imóveis de Viseu. O imóvel registrado englobava terra pública federal, áreas pertencentes aos Índios Tembé da Reserva Indígena Alto Rio Guamá, terra pública estadual e dezenas de povoados de camponeses. A partir daquele momento a guerra contra os posseiros ganhou novo fôlego.

No final da década de setenta, a Cidapar faliu e o Banco DENASA de Investimentos, que lhe tinha emprestado dinheiro, passou a assumir o controle da massa falida. Outras empresas se associaram ao banco na exploração das terras e garimpos existentes: Grupo Joaquim Oliveira (dono das empresas Propará, Grupiá, Real Agropecuária, Codepi), Grupo Bangu,

276 O Dr. Ibraim José das Mercês Rocha, Procurador do Estado – Diretor do Departamento Jurídico do ITERPA, apresentou, em 14 de junho de 2000, um pedido no processo n.º 90.331-8 em tramitação na 5ª Vara da Seção Judiciária Federal do Pará no qual solicita que, devido ao cancelamento das sentenças proferidas nos autos demarcatórios da Gleba Cidapar pelo Tribunal Federal de Recursos o Estado seja considerado dono destas terras e tenha direito a receber a indenização pelo valor da terra nua da área desapropriada pela União (mais de 53 milhões de Reais). Na mesma petição afirma estudos realizados pelo Departamento Técnico do ITERPA comprovam que a carta de sesmaria da "Fazenda Macaco" localiza-se no Maranhão. Os técnicos gozavam contando a história que: "O macaco pulando de galho em galho chegou até o Pará".

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Grupo Veplan e Denasa (empresas Guarujá, Serve, Sadeama, Monte Cristo, etc.). 277

Em 1981, o ITERPA contestou as pretensões da empresa alegando que as mesmas careciam de legitimidade:As ações demarcatórias e divisões de terras só poderiam ser ajuizadas por quem era proprietário da área a ser demarcada e a comprovação da propriedade é condição “sine qua non” destas ações (Art. 415 do Código de Processo Civil em vigor na época, repetido pelos Arts. 946 e segs. do atual). No caso em questão só a fazenda Macaco poderia ser considerada propriedade a todos os efeitos;A cadeia dominial apresentada era confusa e incompleta;Nem o Estado nem a União tinham sido citadas para contestarem a ação, apesar de existirem ao redor destes imóveis terras devolutas estaduais e federais (Art. 87 da antigo CPC);A publicação dos editais tinha sido feita uma só vez e não duas (Art. 423 CC /Art. 177 do CPC antigo e 232 do atual);Os limites que constavam nos editais eram confusos e incertos sendo impossível identificar a exata localização das terras pretendidas;A sentença foi prolatada por um pretor que respondia interinamente pelo juiz da comarca e não tinha competência legal para decidir questões desta natureza;Esta sentença nunca foi remetida ao Tribunal de Justiça do Estado desobedecendo frontalmente o disposto pelo parágrafo único do artigo 475 do Código de Processo Civil que determina, nestes casos, duplo grau de jurisdição.

O Presidente do ITERPA assim terminava sua análise das irregularidades deste processo:

“Evidenciada está a má-fé dos empresários na condução do problema, radicalizando suas posições, a fim de tentarem conseguir do governo uma solução que atenda aos escusos interesses do Grupo” Já antes tinha afirmado que o autor da ação tinha ocupado de maneira irregular uma área maior daquela que constava nos documentos que foram por ele adulterados: “Moacyr Pinheiro Ferreira, ampliou, por conta própria, as áreas existentes, para, finalmente

277 Várias empresas do sul adquiriram lotes de terra possivelmente atraídas pela propaganda feita pela comitiva composta pelo governador do Estado, Alacid Nunes, e vários secretários que, alguns anos antes, tinham visitado alguns estados, chegando até o Rio Grande do Sul. Esta caravana, intitulada: “O Norte vai ao Sul”, visava estimular investimentos de empresas nacionais no nosso Estado. Ver LOUREIRO (1997:41-45).

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chegarem a um total de 387.355 ha 79 a 50 ca, num excesso de 278.995 ha 79a 50 ca”. 278

Em 24 de agosto de 1982 o ITERPA solicitou ao Presidente do Tribunal de Justiça do Estado a anulação da ação demarcatória. Como, porém, parte da área incidia sobre terras indígenas e outra na área abrangida pelo Decreto 1.164/71, também a FUNAI e a União apresentaram, através da Procuradoria Geral da República, um pedido similar na Justiça Federal, nascendo assim um conflito de competência que foi resolvido em 16/06/83, quando o Supremo Tribunal Federal decidiu que o tribunal competente para julgar o feito seria o Tribunal Federal de Recursos.

Para viabilizar a propriedade da terra a CIDAPAR, além da grilagem, começou a utilizar a violência. Enquanto o processo tramitava na justiça as empresas tentavam limpar a área, isto é expulsar os colonos e os garimpeiros que passaram a ser considerados invasores. Sua estratégia de semear o terror deixou um rastro de sangue: de janeiro de 1981 a junho de 1986 foram assassinados 24 trabalhadores. Apesar do relatório elaborado pelo IDESP ter desaconselhado a desapropriação do imóvel e oferecido várias outras soluções (Ação Anulatória das Demarcações Judicias, Usucapião Especial) em 23 de maio de 1988 a gleba foi desapropriada por iniciativa do então ministro Jáder F. Barbalho. 279

8.6.2 O Projeto Jarí

O Projeto Jarí constitui um exemplo de um projeto que permitiu a apropriação de um enorme latifúndio por parte de um estrangeiro (o norte-

278 Ver Relatório remetido pelo Dr. Fernando Nilson VELASCO (apud IDESP, 1988b: Anexo IV), Presidente do ITERPA, ao governador Alacid Nunes em 22 de outubro de 1994 que retoma um parecer elaborado dois anos antes pelo Departamento Jurídico do ITERPA. Desconhece-se se esta suspeita decisão do pretor João Miralha Pereira deu origem a qualquer tipo de punição para o pretor.279 O relatório do IDESP (1988b:38) era explicito em afirmar: “A desapropriação da “Gleba Cidapar”, em atendimento ao imperativo do interesse social, seria, em princípio, o reconhecimento indireto da propriedade, direito este que vem sendo contestado judicialmente pela União Federal e pelo Estado do Pará. Embora se possa admitir que a imissão imediata da posse resultaria na possibilidade de regularizar as pequenas posses, propor a desapropriação de uma área de domínio incerto, além de discutível juridicamente, implicaria na imobilização de recursos comprometidos com a Reforma Agrária, por todo o tempo que perdurasse a ação própria, através da qual será discutida a dominialidade da área, o que poderia prolongar-se indefinidamente e, até culminar com a condenação da União do pagamento dos valores relativos as indenizações correspondentes”.

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americano Daniel Keith Ludwig) que contou com todo o apoio do governo brasileiro inserindo-se no bojo dos aquinhoados pelo regime militar apesar de seu discurso nacionalista. 280

A mágica da dança dos números e o consequente esticamento dos limites é um fenômeno bem caracterizado também neste projeto:Em 1969, quando apresentou um pedido de incentivos fiscais para a SUDAM a empresa declarou possuir 3.654.491 ha, dos quais 579.013 no município de Mazagão (Amapá) e 3.075.478 ha em Almeirim (Pará);Seus cadastros no INCRA, em 1977, somavam 1.006.261,9 ha, dos quais 576.22,3 ha em Almeirim e 430.039,6 ha em Mazagão;Em depoimento à CPI da Câmara Federal, em 1977, Avertano Rocha afirmou que a empresa detinha 2.279.000 ha;Luiz Antônio Monteiro de Oliveira, diretor executivo adjunto do Projeto Jarí declarou à Revista Veja (edição de 24.05.1978) que a área ocupada era de cerca de 1,3 milhõesEm 13 de junho de 1978 à subcomissão da Câmara dos Deputados que visitava o projeto Avertano Rocha falava de 1.632.121 ha;O mesmo Avertano Rocha em declaração à revista Veja (edição de 14.05.78) afirmava: “é difícil saber exatamente qual é a extensão do projeto, pois limites só se definem com o tempo. (grifos nossos). Esta afirmação do representante da empresa representa perfeitamente o tratamento dado à questão fundiária: o que interessa não é a lei ou o direito, mas sim as conveniências e interesses dos proprietários. 281

Em 1976 a Jarí entrou com um pedido de legitimação de posse de várias áreas ocupadas por ela. Os D. Carlos Alberto Lamarão Corrêa e

280 As investigações feitas pela CPI sobre terras estrangeiras em junho de 1968 tinham chegado a seguinte conclusão: “Conforme mapeamento feito pelo relator das investigações parlamentares, deputado-brigadeiro Haroldo Veloso (ARENA-PA), a linha de propriedades estrangeiras que separam a Amazônia do resto do país passa por Turiaçu (no Pará), desce para o sul, em Arinhanha, na Bahia, segue daí para Oeste, depois de atravessar as cidades de São João da Aliança e Itapaci em Goiás, até a fronteira do Brasil com a Bolívia, no paralelo 15”. A pratica destas companhias que conseguem adquirir milhões de hectares são os mesmos utilizados pelos latifundiários nacionais: “Segundo os primeiros resultados dos inquéritos, vão da violência (espancamento de posseiros, incêndio de suas lavouras, etc.) até a falsificação de documentos (alteração de registros, simulação de escrituras, etc.)” Ver GUIMARÃES (1981:239).281 Ver SAUTCHUK (1979:61-62). Ver também OLIVEIRA (1983:288) que apresenta dados parecidos com estes. Avertano Rocha defendeu o Cecílio Rego de Almeida no projeto localizado em Altamira contestado pelo ITERPA por ser terra grilada.

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Constantino Augusto Tork Brahuna, procuradores do Estado, reconheceram que a empresa tinha direito a legitimar cerca de 60.000 dos que pretendia. Não satisfeito com esta resposta o Conselho de Segurança Nacional, apesar de não ter qualquer legitimidade para opinar em processos desta natureza, avocou a se o processo que nunca foi devolvido ao órgão fundiário. Uma das medidas sugeridas na sessão da CPI das Terras da Amazônia realizada em Belém nos dias 25 e 26 de maio de 2000 foi a solicitação à Presidência da República para que devolva, mais de 20 anos depois, os autos do processo.

8.7 O COMBATE DA GRILAGEM NA LEGISLAÇÃO ESTADUAL

A preocupação de evitar possíveis fraudes e grilagens estava presente na legislação estadual desde a década de sessenta. O Decreto-lei estadual n.º 57, de 22 de agosto de 1969, dispunha, em seu artigo 69, que a SAGRI deveria imediatamente reorganizar o Cadastro Rural do Estado. Seu parágrafo 1º determinava: “Para os fins deste artigo, os tabeliões de notas e oficiais de registro de imóveis remeterão trimestralmente à SAGRI, a relação dos atos de aquisição de imóveis rurais, constituindo falta grave do dever funcional a impontualidade do cumprimento desta obrigação“ (grifos nossos). Este dispositivo foi mantido pela lei n.º 4.584/75 em seu Art. 25, inciso VI, letra b).

Na Mensagem encaminhando a proposta de lei de criação do ITERPA, o governador Aloysio Chaves, denunciava que: "Os interessados conseguiram transcrever nos cartórios imobiliários as certidões dos registros de posses, ainda não legitimados, não demarcados e, por conseguinte, sem valor como Títulos definitivos de domínio (...). As dimensões máximas que poderiam ser legitimadas figurando em velhas leis, hoje muito pouco conhecidas, passaram a ser não tão largamente ultrapassadas" (grifos nossos).

Diante das “irregularidades as mais diversas”, o Des. Nelson Silvestre Amorim, Corregedor Geral de Justiça do Estado do Pará editou o Provimento n.º 2 de 9 de setembro de 1977 do que, além de lembrar a necessidade de se citar o cadastro do INCRA em qualquer desmembramento, arrendamento, hipoteca ou venda ou sucessão causa mortis de imóveis determinava que os oficiais de cartório respeitassem a nova lei de Registro de Imóveis entrada em vigor o ano antes. Um mês depois, o mesmo Corregedor editou o Provimento n.º 05/77 que visava combater a grilagem constatada no Cartório de Registros de Imóveis de São Miguel do Guamá onde se tinha descoberto que tinham sido registrados vários títulos de terra

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falsos. 282 O Provimento (apud LAMARÃO 1980:149-150) afirmava: “Todo e qualquer título de propriedade ou posse constante como expedido pelo Governo do Estado do Pará, que for levado a cartório de Registro de Imóveis para matrícula, registro ou averbação de qualquer ato, deverá ser considerado falso até prova em contrário”. (grifos nossos). 283

Este Provimento, apesar de ser digno de louvor por querer combater de maneira radical a grilagem, é, porém, absolutamente inconstitucional, pois retira a fé pública dos cartórios e contraria o disposto em lei Federal violando o Art. 859 do Código Civil que afirma: “Presume-se pertencer o direito real à pessoa, em cujo nome se inscreveu ou transcreveu”.

Para combater a grilagem a Câmara Técnica de Política Agrária do Conselho Estadual de Política Agrícola, Agrária e Fundiária do Estado do Pará (CEPAF-PA) editou duas Resoluções publicadas no Diário Oficial do Estado em 15 de outubro de 1997. Seus considerandos denunciam claramente a situação:

“Considerando que a sociedade paraense continua vítima de um crescente estelionato fundiário por meio do qual pessoas inescrupolosas vês tentando apropriar-se ilicitamente de imensas áreas de terras pertencentes ao patrimônio público estadual e federal; Considerando que um dos principais fatores responsáveis por essa verdadeira desordem fundiária, decorre da existência de graves irregularidades praticadas principalmente junto a alguns Cartórios do Interior do Estado, onde se multiplicam, de forma corriqueira, as manobras e “grilagens” de terras públicas, gerando, em consequência, enormes prejuízos aos investimentos produtivos e ao desenvolvimento sócio-econômico da região”.

Condena-se ainda a prática criminosa de falsificação dos títulos e se sugere o apoio às ações do ITERPA e o ajuizamento de ações discriminatórias nos municípios de Portel e Breves onde os registros foram efetuados sem a menor observância aos preceitos legais que regem o sistema notarial brasileiro. A Resolução 0002/97 do mesmo Conselho conclamou toda a sociedade a se engajar na luta contra a grilagem, sugeriu a reedição do

282 Ver Anexo 05 o caso da fazenda Cajueiro cuja área evoluiu de 4.646 ha, para 109.229,39 ha.283 È interessante a comparação utilizada pelo Ex.mo Desembargador Corregedor Nelson Amorim para ilustrar a conveniência de seu ato: “Negar ao Poder Judiciário o direito de, primeiramente, examinar a autenticidade de um título de terra que lhe é apresentado antes da lavratura de atos tão importantes, equivale a negar também o direito de um caixa bancário verificar previamente a autenticidade de uma cédula que lhe é entregue para pagamento de uma conta”. Ver PINTO (1980:167).

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Provimento n.º 2, de 09/09/77, do Tribunal de Justiça do Estado e a: “Inspeção e/ou Correição nos Cartórios de Registros de Imóveis dos municípios de Altamira, São Félix do Xingu, Acará, Moju, São Miguel do Guamá e Breves onde se concentram os maiores índices de irregularidades documentais envolvendo imensas áreas de terras pertencentes ao patrimônio fundiário paraense.”

8.8 COMBATE À GRILAGEM: DESAFIO PARA A SOCIEDADE E PODER PÚBLICO

Nestes últimos anos alguns advogados que defendem interesses de grileiros, procuraram inverter o ônus da prova, querendo que fosse o Estado a provar ser o legítimo proprietário das terras. Neste sentido, é exemplar a análise do processo n.º 293/96 que está tramitando na comarca de Altamira (Pará), onde o ITERPA ajuizou uma Ação de Nulidade e Cancelamento de Matrícula, Transcrições e Averbações contra Raimundo Ciro de Moura e sua mulher Maria Neto de Moura. Na contestação, o advogado dos réus apresentou algumas jurisprudências, segundo as quais, inexistiria presunção de serem públicas as terras não registradas em nome do Estado ou da União. Na realidade, em nome da defesa de interesses espúrios e criminosos, está se tentando subverter nosso ordenamento jurídico. As brilhantes contra-razões elaboradas pelo Dr. Carlos Lamarão, Diretor do Departamento Jurídico do ITERPA, além de alertar o juiz sobre a estranha mágica que permitiu ao réu registrar como se fossem sua propriedade 300 mil hectares de terra, quando na realidade possuía um simples Registro de Posse Intendencial não legitimado 284 com dimensões originárias de apenas 3.900 hectares, transcreveu o seguinte julgado do Supremo Tribunal Federal:

”As terras do Brasil foram objeto de conquista e posse, por Pedro Álvares Cabral para o rei de Portugal. Ela passou a ser uma fazenda do Rei, ficando no domínio real até a independência, quando foi transferida para o patrimônio nacional, lá permanecendo todo o tempo do Império, até que o Art. 64 da Constituição de 1891 a distribuiu aos Estados em cujos limites se encontrava. Então os Estados, como sucessores da nação Brasileira, como sucessora do patrimônio pessoal do rei de Portugal, não necessitam trazer nenhum título. O título é a posse histórica, o fato daquela conquista da terra. A terra, no Brasil originariamente era pública. (...) O Estado de Goiás não precisa

284 À luz da legislação estadual, a partir do Decreto-Lei n.º 410/1891 que introduziu este instituto no nosso ordenamento jurídico, um Título de Posse Intendencial nunca poderia ser convertido e registrado como propriedade se não depois do competente processo administrativo de legitimação (Art. 5º). Ainda mais que de maneira alguma um título de 3.900 ha. poderia ser legitimado com uma área de 300 mil ha.

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provar nada. A presunção é de que a terra é dele. O particular é que tem de provar, por uma cadeia sucessória, que as terras foram desmembradas do patrimônio público. Não há nenhuma dúvida a respeito disso”. (grifos nossos). 285

O combate a práticas criminosas como estas, não requer uma legislação especial, é suficiente aplicar corretamente os instrumentos legais disponíveis. Ainda durante os governos militares Dom Moacyr GRECHI (1977:322-323) afirmava:

"De todo este conjunto a conclusão a que infelizmente somos obrigados a chegar, é esta: a legislação vigente, que poderia ser um caminho para a solução desta problemática, só existe no papel, ou só é executada na parte que promove os interesses dos grandes investimentos, em detrimento do povo lavrador. Diante disso, o poder judiciário, não especializado e enfraquecido, não pode, ou não quer, dar prioridade aos problemas jurídicos nascidos em torno dos conflitos pela posse da terra e alega ser isto da competência do INCRA. O sistema escriturário, arcaico, facilita a ocorrência dos casos de corrupção e favorecimento aos grileiros. (...) [Por isso era necessário] lançar um desafio às autoridades e órgãos competentes a coragem de buscar uma solução global ao problema, ou seja, promover o setor agropecuário através de um sistema de propriedade e uso da terra que possibilite o trabalho e uma participação efetiva da nossa população de trabalhadores rurais aplicando os recursos disponíveis nesta promoção da produtividade associada ao desenvolvimento social. Para tal tarefa não é necessária a elaboração de novas leis, nem a criação de novos órgãos. A Constituição e o Estatuto da Terra estão ai para indicar os caminhos legais a serem seguidos na formulação desta política, cabendo ao INCRA, executá-la. Portanto o peso desse nosso desafio se limita ao simples cumprimento das leis já existentes, ou seja ao cumprimento do Estatuto da Terra. Por muitas vezes nossa Igreja tem insistido em que só uma efetiva reforma agrária poderá abrir caminho para a solução dos conflitos que de modo latente ou expresso se fazem presentes em todas as regiões do País. (...) Interpretando com todo rigor os critérios que definem a "função social da terra" em nossa legislação, juntamo-nos aos Senhores Deputados, representantes que são do povo por mandato eletivo, para nos tornarmos portadores do brado do homem sem terra, para que se dê início à progressiva desapropriação de toda terra que não esteja cumprindo sua função social. Porém imediata e sem nenhuma indenização deve ser a recuperação das terras que foram griladas e negociadas de forma ilegal e, especialmente, as terras

285 Ver folha n.º 8 do Processo n.º 293/96 em tramitação na Vara Civil da Comarca de Altamira (PA), que cita o voto do Ministro Aliomar Balieiro, no RE-51-290, na Ação Discriminatória em que foi parte o Estado de Goiás (Rev. Trim. Jur., Vol. 48, abril de 1969, págs. 53/54).

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que estão nas mãos de grileiros atualmente. A solução para o crime não é a sua legalização. Portanto para que titulá-las se foram roubadas?" (Grifos nossos).

A história reconheceu como certa a posição defendida já em 1983 pelo Dr. Paraguassu ÉLERES (1983:28): "Somente através de uma eficiente ação discriminatória (casamento ideal entre o Poder Judicial e Executivo) se poderia proceder à verificação exata de "quem-é-quem" nas terras ocupadas com respaldo neste tipo de títulos".

Doze anos depois suas palavras revelaram-se acertadas: o Governo do Estado do Amapá, através do Instituto de Terras do Amapá - TERRAP, realizou em 1995 uma Ação Discriminatória da Gleba Iratapuru e reconheceu como: “Área de propriedade da Jarí Celulose S/A no Estado do Amapá: 197.433,8174 ha e como área de propriedade da Jarí Energética: 3.900,0000 ha”. 286 As terras excedentes foram destinadas á criação de uma reserva florestal estadual. Como se pode ver quando um governo tem vontade política consegue recuperar ao patrimônio público, as terras griladas.

Diante desta situação os trabalhadores rurais mobilizaram-se para combater a grilagem. A CONTAG, em seu terceiro Congresso, realizado em 1979, já mostrava a interligação entre concessão de enormes extensões de terras por parte do Governo Federal a poucas empresas, a grilagem e a violência: "... Os conflitos gerados têm sua raiz na ação criminosa de grileiros que vêm expulsando os posseiros (...). Que o MSTR exija uma investigação ampla e vertical sobre o surgimento de imensos novos latifúndios a partir da concessão ou venda simbólica de terras públicas, com expulsão de posseiros e surgimento de áreas de tensão social e conflito" (CONTAG, 1973:162). Talvez por isso uma das bandeiras do IV Congresso dos Trabalhadores Rurais da CONTAG (1985:95), foi: "Que as terras griladas ou com títulos duvidosos sejam confiscadas". (...) Que todos os cartórios (tabelionatos) sejam estatizados e o poder público responsabilizado por suas faltas". (grifos nossos).

Um dispositivo muito importante nesta luta contra a grilagem está previsto no Art. 51 das Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição Federal que determina a revisão de: "Todas as doações, vendas

286 Informação prestada, via fax, pela Dr. Ana Maria Sampaio dos Santos Sales, Diretora Presidente do TERRAP ao Dr. Alessandro Gallazzi, coordenador da Comissão Pastoral da Terra do Amapá em 26 de maio de 1997. O ITERPA planejou, em seu Plano Plurianual 2000-2003, a realização de uma discriminatória administrativa na área paraense da Jarí a ser realizada no segundo semestre deste ano.

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e concessões de terras públicas com área superior a três mil hectares, realizadas no período de 1º de janeiro de 1962 a 31 de dezembro de 1987". Infelizmente o prazo constitucional para realizar esta revisão passou sem que a comissão do Congresso Nacional realizasse uma reunião sequer. Isso mostra claramente o compromisso social dos parlamentares e suas ligações estreita com o latifúndio. Segundo um levantamento feito pelo PT (1994:39): "Nesse período, foram aprovadas pelo Senado Federal, 51 resoluções que transferiram mais de dez milhões de hectares para 45 empresas em doze estados. Essa área, que permitiria o assentamento de mais de 300 mil famílias de trabalhadores sem terra, deverá ser objeto de rigorosa investigação, como determina a Constituição, com vistas compor o estoque fundiário para fins de redistribuição".

Este dispositivo foi inserido na Constituição do Estado do Pará, e graças ao trabalho de articulação entre algumas entidades populares e alguns deputados, o período de revisão foi estendido até 1954, quando começou a bagunça fundiária no Estado e o limite baixado até imóveis com mais de 100 ha. (Art. 15 das Disposições Constitucionais Transitórias). Por isso nas negociações do GRITO DA AMAZÔNIA POR CIDADANIA E DESENVOLVIMENTO e nos posteriores GRITOS DA TERRA BRASIL, esta proposta foi novamente apresentada exigindo que o Estado começasse a cumprir sua constituição. Infelizmente, até 30 de novembro de 2001, a revisão não começou.

Nesta situação, não seria necessário e importante fazer um MUTIRÃO DE CORREIÇÃO em todos os cartórios analisando quantos e quais documentos registrados nos livros de Registro de Propriedade tiveram sua origem em documentos legalmente emanados pela administração pública e têm sua cadeia dominial correta? Ao mesmo tempo não seria urgente cumprir o dispositivo constitucional? Só uma ação de todos pode por fim a esta situação calamitosa que coloca em risco a segurança pública. 287

287 Já em 1974 o governo federal tinha solicitado à Corregedoria do Tribunal de Justiça do Estado do Pará a correição nos cartórios de São Miguel do Guamá, São Domingos do Capim, Conceição do Araguaia, Santana do Araguaia e Altamira. A correição não foi concluída pois o próprio Ministério da Justiça que a tinha sugerido não tinha levado a frente a proposta. Em 1977 o MJ pediu novamente a correição naqueles cartórios pois segundo PINTO: ”contra os dois primeiros existe na justiça federal um processo, também não concluído, destinado a averiguar falsificações feitas de registros de propriedade. Em relação aos demais há apenas denúncias, nem sempre formalizadas, e várias suspeitas levantadas pelos órgão fundiários”. PINTO (1980:149). O fato de que vinte anos depois se continue pedindo a realização de correição em alguns destes cartórios, acrescentando-se vários outros, mostra a

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Um dos problemas que é necessário encarar se se quiser resolver de vez a questão da grilagem é o fato dos Cartórios de Registros de Imóveis serem particulares e o poder público não ter usado até hoje os instrumentos legais necessários para coibir os abusos. Isso permitiu, ao longo do tempo, muitas irregularidades. Uma delas se dá quando é criada uma nova comarca e não se tem a preocupação de exigir que se averbe no cartório de origem quais imóveis foram incorporados no novo município e, consequentemente, transcritos no novo Cartório. Hoje o mesmo imóvel continua registrado nos dois cartórios e é possível construir duas cadeias dominiais a partir destes registros. Um levantamento realizado pelo ITERPA nos cartórios de Breves e Portel comprovou que, também depois de ter sido criado o cartório de Portel, o cartório de Breves continuou a expedir certidões de imóveis registrados no novo cartório.

PINTO (1980:34) afirma que: “Os ‘grileiros’ da Amazônia têm se beneficiado, sobretudo da atuação irresponsável e sem controle dos cartórios das comarcas do interior”. Esta realidade não foi um caso isolado, nem patrimônio exclusivo do Estado do Pará. Além dos cartórios paraenses de Altamira, Igarapé Miri, São Miguel do Guamá, São Domingos do Capim, Moju e São Domingos da Boa Vista, o mesmo autor lembra os de Boca do Acre, Rio Branco e Sena Madureira no Acre, Imperatriz e os cartórios do Vale do Rio Pindaré no Maranhão e Porto Velho em Rondônia (PINTO, 1980:11, 19, 27, 34 e 35).288

Segundo o Ministério de Política Fundiária e Desenvolvimento Agrário no Estado do Amazonas: "Nas áreas pesquisadas, 809 casos suspeitos estão sendo investigados pelo INCRA, envolvendo 55 milhões de hectares. Deste total, 18 milhões de hectares á tiveram seus registros cancelados em decorrência de ações movidas pelo INCRA, sendo as terras revertidas ao patrimônio da União" (Brasil, 1999a:14). O mesmo ministério reconhece os responsáveis pela grilagem:

"A grilagem de terras acontece normalmente com a conivência de serventuários de Cartórios de Registro Imobiliário que, muitas vezes, registram áreas sobrepostas umas às outras - ou seja, elas só existem no papel. Há também

fraqueza do controle institucional.288 As conclusões do Relatório Final da Ação Discriminatória Administrativa realizada do começo de 2000 na Gleba Mamorana (Moju) atestam que: "... foram constatadas irregularidades praticadas por pessoas inescrupolosas, com a anuência de cartorários, com o objetivo de se apropriarem de imensas áreas pertencentes ao Patrimônio Público Estadual, lesando, também pessoas de boa fé" (ver CAVALLERO: 20/02/2000) (grifos nossos).

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a conivência direta e indireta de órgãos governamentais, que admitem a titulação de terras devolutas estaduais ou federais a correligionários do poder, a laranjas ou mesmo a fantasmas - pessoas fictícias, nomes criados apenas para levar a fraude a cabo nos cartórios" (BRASIL, 1999a:12).

O Estado do Amazonas 289 disputa com o Pará a primazia pelo maior número de "grilos". O procurador regional do INCRA do Amazonas, Dr. Carlos Alberto de Salles, denunciou que: "Os Cartórios são laboratórios de grilagens" (grifos nossos). 290 No começo da década de oitenta, na Bahia, a situação não era muito melhor: em 43 dos 336 municípios existentes, foram denunciadas atividades de grileiros. 291

O sistemático descumprimento da lei de registros públicos, bem como das exigências contidas nos demais dispositivos legais relativos aos registros de imóveis por parte dos Oficiais de Registro de Imóveis faz com que muitos destes possam ser acusados de co-praticarem crime de estelionato por legalizarem, através de meios fraudulentos, a venda de terras de propriedade da União ou do Estado.292 A punição dos oficiais de justiça, além de resguardar o patrimônio fundiário dos Estados e da União, evitaria conflitos agrários. Para comprovar esta afirmação poderiam ser citados dezenas de exemplos. O conflito envolvendo os posseiros da fazenda

289 Carlos Alberto de Salles, procurador do INCRA no Estado do Amazonas, declarou em seu depoimento perante a CPI das Terras da Amazônia, em 15 de junho de 2000, que: "A grilagem de terras públicas no Amazonas já atingiu uma área de 26 milhões de hectares - 16.56% da área total do Estado (157 milhões de hectares) - segundo levantamento feito pelo INCRA estadual." (CRIME AMBIENTAL: GRILAGEM ATINGE 26 MILHÕES DE HECTARES, In Jornal "A Província do Pará", Belém, 16/06/2000, Caderno de Política, p. 5.). Para o procurador a grilagem é ainda maior, pois só 1/3 dos Cartórios de Registros de Imóveis foram investigados até agora pelo INCRA. 290 Ibidem, p5.291 Um levantamento realizado pelo Grupo de Estudos Agrários de Salvador (1980:14) afirma que: "O paradoxal é que muitos envolvidos na grilagem são justamente os encarregados de zelar pela lei. Assim é o policial que se põe a serviço de interesses particulares, na hora de usar a violência para tomar terras de ocupantes legítimos; o escrivão e funcionário de cartórios, hábeis em fazer sumir as peças dos processos com que os esbulhados tentam fazer valer seus direitos; tabeliões que forjam escrituras, às vezes com fraudes gritantes, até falando em 'cruzeiros novos' num título que se queria fazer passar sendo da década de 1950. 292 MIRA (1978:149:150) afirma que uma das características do crime de estelionato é a: “consecução da vantagem ilícita em prejuízo da integridade patrimonial do sujeito passivo através do ato que visa uma vantagem de assenhorar-se alguém do patrimônio alheio, portanto dolo específico”.

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Campos Altos (Ourilândia do Norte) ou aquele que contrapõe os remanescentes de quilombo do Trombetas à madeireira Samal (Oriximiná) têm ambos sua origem no título falso de Carlos Medeiros apesar dos dois municípios estarem a mais de mil quilômetros de distância um do outro. Só através da responsabilização civil e da punição criminal dos oficiais do cartório, pode-se tentar evitar que as fraudes fundiárias continuem pois, como afirmava o juiz MIRA (1978:154): “O útero da grilagem é o instituto do Registro Público” (grifos nossos). Ele sugeria que quem grilou terra não merece nenhum amparo do poder público, ao contrário: ”Deve, o Estado, baixar normas de Direito Agrário que atente mais especificamente às especulações fundiárias, mormente em relação à grilagem, inclusive confiscando os bens adquiridos em virtude de alienações fraudulentas de imóvel rural da União Federal, ou mesmo de outrem em benefício próprio e em prejuízo da política da reforma agrária” (grifos nossos) (MIRA, 1978:154).

A legislação, artigo 28 da lei de Registros Públicos (Lei n.º 6.015/73), determina que nos atos de registro: “Os oficiais são civilmente responsáveis por todos os prejuízos que, pessoalmente, pelos prepostos ou substitutos que indicarem, causarem por culpa ou dolo, aos interessados no registro”. Seu parágrafo único afirma que: “A responsabilidade civil independe da criminal pelos delitos que cometerem”. Para se eximir de eventuais responsabilidades e se certificar de estar agindo legalmente o Oficial, em caso de dúvida, solicitará a intervenção do juiz (Arts. 198-207).

A utilização de documentos não idôneos para ver reconhecido seu pretenso direito sobre um imóvel é também coibido pela nossa lei, pois, segundo o Art. 19 da Lei n.º 4.947/66 combinado como § único do Art. 3º da lei n.º 5.868/72, pratica estelionato quem utiliza qualquer documento expedido pelo INCRA para fins cadastrais como prova de propriedade. A pena é de reclusão de 2 a 6 anos. Caso quem fizer isso for funcionário público e o faça prevalecendo-se do seu cargo a pena é aumentada da sexta parte.

Num memorável Provimento (o n.º 2 de 09 de setembro de 1979) O Des. Amorim, Corregedor Geral de Justiça, alertou sobre a necessidade se recusar o registro onde não estava devidamente caracterizado o desmembramento do imóvel do patrimônio público.293

293 Significativos são os artigos 4º, 8º e 9º daquele Provimento que merecem ser reproduzidos:

"Art. 4° - Nos Registros de Imóveis não poderão ser matriculados, registrados ou averbados títulos constantes de simples posse, ainda que homologadas por sentença, sem a prova do desmembramento da respectiva área do domínio público, pela

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Um importante instrumento para agilizar o processo de cancelamento das matrículas irregulares está previsto na Lei n.º 6.739, de 5 de dezembro de 1979. Em 23 de março de 1983 o Supremo Tribunal Federal foi chamado a se pronunciar sobre a constitucionalidade desta lei diante de um pedido formulado pelo Procurador Geral da República. Em seu voto o relator, Ministro Moreira Alves, fez referencia a mensagem presidencial que encaminhou o Projeto de Lei para o Congresso Nacional e que era enfática em apresentar os motivos desta providência: "A Lei n.º 6.739/79 nasceu da necessidade urgente de se propiciar ao poder Público os meios eficientes para combater as gravíssimas consequências, decorrentes de sérias irregularidades e ilegalidades concernentes ao registro e matricula de terras pertencentes à não, a alguns Estados e à Reserva Indígena, com a agravante de serem essas terras vendidas a terceiros, em desenfreada grilagem, causando vultuoso prejuízo ao Patrimônio Público (...). As Leis existentes até então sobre registro e matrícula de imóveis rurais, eram deficientes e incapazes de oferecer meios legais para combater as graves irregularidades, as fraudes e a grilagem...".294 A Lei permite que: "A requerimento de pessoa jurídica de Direito Público ao Corregedor-Geral da Justiça, são declarados inexistentes e cancelados a matricula e o registro de imóvel rural vinculado a título nulo de pleno direito, ou feitos em desacordo com o Art. 221 e seguintes da Lei n.º 6.015, de 31 de dezembro de 1973, alterada pela Lei n.º 6216, de 30 de junho de 1975" (art. 1º). Se o detentor do título não se conformar poderá ajuizar uma ação anulatória desta decisão (art. 3º). A dúvida levantada era relativa ao fato que o titular do direito não era ouvido,

transmissão do domínio, eis que tais títulos, uma vez conservando suas características originais, não induzem domínio, nem geram direitos suscetíveis de transmissão de propriedade, senão pela forma e pelos modos estabelecidos em lei.

.................Art. 8º - Quando do julgamento do processo de dúvida, da ação de usucapião, de

Registro Torrens, de demarcação, ou qualquer outra ação que envolver terras de domínio público, ou com elas forem confinantes, é obrigatória a cientificação de representantes da União, do Estado e dos Municípios, a fim de manifestarem o seu interesse na causa.Art. 9° - Quando, em qualquer dos casos do artigo anterior, a União manifestar o seu interesse na causa, o processo passará à competência da justiça Federal (Súmula 250 do STF)".294 Representação n.º 1.070 - DF (Tribunal Pleno) Acórdão de 23/03/1983 Cordeiro Guerra - Presidente - Moreira Alves - Relator: Representação de inconstitucionalidade da Lei Federal 6.739, de 5 de dezembro de 1979. Inexistência de violação dos §§ 1º, 3º, 15 22 e 36 do artigo 153 da Constituição Federal. Representação que se julga improcedente.

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fazendo com que se cerceasse seu direito de defesa. O objeto da disputa e do cancelamento não são títulos que possam ensejar dúvidas quanto a sua validade, mas sim títulos nulos, inidôneos a serem inscritos no Cartório de Registro de Imóveis. Se o título era nulo, não se fere o direito adquirido (não existia qualquer direito anterior a ser tutelado), nem se viola a propriedade particular, pois ela só começa a existir quando o título levado a registro é valido. Depois de tudo o registro do título nulo se deu através de um processo administrativo que não levou em consideração o contraditório. O Poder Público não foi citado para manifestar sua concordância ou dizer se acatava o serviço de demarcação e topografia realizado pelo particular. Entendemos que a agressão ao direito não se dá no momento do cancelamento por parte de quem tem a autoridade de vigiar a atuação dos cartórios, mas sim quando, criminosamente, se matricula ou transcreve um documento totalmente irregular. O direito violado é o direito público que deve ser urgentemente reparado. O relator afirma ainda em seu relatório que: "... a lei nova é insuscetível de prejudicar direito adquirido ou ato jurídico perfeito, que supõem situações legitimamente constituídas, e não situações contrárias ao direito". Em seu voto Moreira Alves deixa claro que: "o registro do título de aquisição de imóvel é causal e gera, apenas, a presunção iuris tantum de propriedade. O que importa dizer é que, inválido o título, inválido será o registro, desfeita, assim, a aparência de transferência de propriedade. (...). Quando se declara a nulidade do registro não se desconstitue o direito de propriedade, mas apenas se declara que ele não chegou a surgir". Seria inadmissível deixar vicejar registros nulos. Aplica-se, no nosso entender, esta lei a todos os títulos de posse não legitimados que foram registrados como se fossem propriedades pois neste caso se viola um princípio já consagrado pelo Direito Romano:

"Não a liquida, porque, pela entrega da coisa, não transmite mais do que se tem: Traditio nihil amplius transfere debet vel potest ad eum, qui accipit, quem est apud eum que tradit, de forma de que se o tradente era dono, transferia domínio, se era apenas possuidor, ou detentor, nada transferia si igigitur quis dominium in fundo habuit is tradendo transfert, si non habuit, ad eum qui accipit, nihil transfert (Liv. 20, Digesto Liv. 41, t. 1)". 295

A Corregedoria do Tribunal de Justiça do Estado do Pará utilizou em várias ocasiões a Lei n.º 6.739/79 para determinar o cancelamento de registros falsos, isso seja antes, que depois da Constituição Federal de 1988.

295 Ibidem, p. 36.

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Vários provimentos afirmam que os meros títulos de posse, que não tenham sido submetidos ao processo de legitimação a fim de se converter em domínio, não podem ser matriculados no Registro de Imóveis pois os mesmos não foram ainda destacados do patrimônio público para o particular.296

Em 19 de janeiro de 2000 a Consultoria Legislativa do Senado Federal 297 reiterou a posição de que esta lei não viola a constituição. Depois de reconhecer que: "A situação da titularidade dos imóveis rurais do Brasil é caótica", o documento afirma que:

"O registro imobiliário não dispõe de meios adequados, modernos e eficientes, capaz de assegurar, com certeza, a dimensão e a titularidade de qualquer imóvel neste País, de dimensões continentais (...). Não raro encontramos contrato de arrendamento registrado como título dominial, ampliado em sua área e configuração. (...) Assim é que inúmeras invasões de terras públicas se verificam por todo o território nacional, acompanhadas de título nulos de pleno direito, forjados, fraudados,

296 Antes da CF 88 destacamos os Provimentos n.º 002/87 (Cartório de Registros de Imóveis de Moju); 003/87 (Castanhal); 004/87 (Altamira e Breves); 005/87 (Belém, 2º Ofício); 006 (São Miguel do Guamá), todos eles de autoria do Des. Nelson Silvestre Rodrigues Amorin. Os de n.º 007/87, 015/87 e 017/87 (Breves); 009/87 e 019/87 (Igarapé Miri); 011/87, 013/87, 031/87, 039/87, 004/88 (São Miguel do Guamá); 014/87 (Xinguara); 016/87 (Altamira); 018/87 005/88 e 006/88 (Moju); 026/87 (Portel), 037/87 (Nova Timboteua); 003/88 (Benevides); 017/88 (São Domingos do Capim), da Desa. Maria Lúcia Gomes Marcos dos Santos. Posteriores à CF são os Provimentos 003/90 (Viseu); 004 (Castanhal); 005/90 (Belém) do Des. Romão Amoêdo Neto e 005/91 (Belém) do Des. Wilson de Jesus Marques da Silva. È interessante observar que 28 dos 95 provimentos (isto é cerca de 30% do total) dizem respeito ao cancelamento de registros de terras fraudulentos. A área total dos registros cancelados é superior a 210.000 hectares. Ver PARÁ. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PARÁ, Atos da Corregedoria Geral de Justiça do Estado do Pará 1982-1994. Belém: CEJUP. 1995. Antes ainda da vigência da lei 6.739/79 a Corregedoria Geral de Justiça do Estado do Pará representava um baluarte contra a ação criminosa dos grileiros orientando os oficiais de Cartório. Segundo LUCZYNSKI (p. 84) "O desembargador Nelson Silvestre Amorim combateu tenazmente, a grilagem que se institucionalizou no Estado do Pará. Orientou os magistrados das diversas comarcas no sentido da correta aplicação não apenas das Leis de Terras deste Estado mas, e principalmente, da Lei dos registros Públicos". 297 Ver SENADO FEDERAL, GABINETE DO SENADOR BERNARDO CABRAL, Estudo n.º 7, de 2000, referência: Alteração na Lei n.º 6.739, de 5 de dezembro de 1979, Brasília: Consultoria Legislativa, 19 de janeiro de 2000.

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com a conivência, descaso ou inabilidade e ignorância do registrador. (...)

O cancelamento de título nulo, nos termos da Lei 6739/79, não exige processo prévio, seja de natureza administrativa, seja judicial, com absoluta legitimidade. A apreciação da quaestio se verificará após a providência adotada pelo Corregedor da Justiça, e o processo, com ampla defesa, será instaurado depois do ato da autoridade a quem incumbe orientar e fiscalizar as atividades dos registros públicos." (grifos nossos).

O documento alerta que: "A pretexto de se respeitar norma constitucional, que não guarda conformidade estrita com a matéria, não poderá o Poder Público ficar à mercê de fraudadores inescrupulosos. A defesa do patrimônio nacional, a segurança interna e externa deste País, exigem medidas urgentes, diante da situação caótica da propriedade imobiliária".

Termina reafirmando a constitucionalidade da lei:"Em face de todo o exposto, entendemos que o dispositivo

do Art. 1º e seguintes da Lei n.º 6739/789 são jurídicos e constitucionais, em face das normas constitucionais consagradas pela Constituição Federal de 1988, e encontram validade e eficácia perante o sistema do Direito Positivo do Brasil" (grifo nosso).

Com o deslocamento da cobrança do Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural (ITR) para a Receita Federal, o INCRA perdeu um importante fonte de informações pois não é mais possível o cruzamento dos dados cadastrais com aqueles constantes na Declaração do Imposto. Para combater a grilagem urge que não só o poder público tenha acesso a estas informações, mas que as mesmas sejam divulgadas sem se escudar atrás do "sigilo fiscal" que favorece a sonegação e a prática da grilagem.

Só uma ação decidida do poder público pode restaurar a credibilidade no sistema de registro das propriedades para evitar que a montanha de papeis prevaleça sobre os direitos de quem efetivamente ocupa, labuta e dá à terra sua destinação social. Por isso seria importante a imediata estatização deste serviço, única maneira de se ter um efetivo controle por parte de toda a da sociedade.

Uma vitória significativa foi conseguida pelo ITERPA e INCRA no processo nº 90.1860-9 - Ação de Restauração de Autos - ajuizado na Justiça Federal em Santarém contra a Construtora Torres Ltda. Através do Of. N.º 235/2000, de 16/07/2000, o Cartório de Registros de Imóveis de Altamira informou que a matrícula do imóvel foi cancelada (registro nº 5.280, Livro

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2-K, fls. 280). Com isso uma área de 902.822 hectares voltou a incorporar-se ao patrimônio público.

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9 - INCENTIVOS FISCAIS: DESENVOLVIMENTO PARA QUEM?

Com a transformação da SPVEA em SUDAM, a União passou a intervir diretamente na região para criar condições propícias a implantação da modernização do campo. 298 Sua ótica foi de desenvolvimento dirigido que, sem se preocupar com a realidade local e os anseios das populações nativas, implantou enclaves modernos num contexto atrasado e arcaico. Segundo a propaganda oficial, o progresso teria a força suficiente para se consolidar e levar à modernidade o que estivesse ao seu redor. As grandes empresas capitalistas nacionais e multinacionais passaram a controlar e explorar os recursos naturais substituindo as antigas oligarquias locais. No que diz respeito à agricultura a grande novidade foi a extensão da concessão de incentivos fiscais, até então reservados à industria, para a agropecuária, através da Emenda Constitucional n.º 18, de 17/12/1965, que alterava o art. 17 da Constituição de 1946, benefícios ulteriormente ampliados pelo Decreto-Lei n.º 5.173, de 27/10/1966. 299 A procura de terras na Amazônia no geral, e no Pará em particular, aumentou consideravelmente: terra e incentivos formaram um binômio cobiçado por empresários nacionais e estrangeiros. Uma série de fatores favoreceu esta corrida: a relativa facilidade de se obter os incentivos fiscais, a possibilidade legal de se abater até 50% do Imposto de Renda devido pelas pessoas jurídicas, podendo com isso adquirir ações de empresas que desenvolvessem empreendimentos na Amazônia, o baixíssimo preço das terras, a propaganda feita pelos órgãos oficiais, a precariedade da fiscalização da aplicação dos recursos, aliada à fragilidade dos órgãos fundiários instalados na região para controlar o apossamento de terras na região. Na década de setenta, cresceu o volume de terras ocupadas e sua concentração nas mãos de empresas nacionais e multinacionais do setor industrial e comercial e instituições financeiras sediadas na região sudeste do Brasil.

ALMEIDA (1989:93), citando dados coletados pelo economista Aluysio Biondi, mostra que os incentivos fiscais vieram acompanhados da especulação: "O interesse de grupos industriais e financeiros do Centro-Sul do país em extensos domínios territoriais na Amazônia, atinha-se não apenas aos benefícios creditícios e fiscais, mas também à especulação. Entre 1972 e

298 Segundo COSTA (apud FERNANDES, 1989:1): "a transformação da SPVEA em SUDAM significou muito mais do que uma troca de siglas. Se constituiu, na realidade, numa mudança de postura do Estado nacional com relação ao projeto de subordinação da região ao processo global de acumulação capitalista".299 Entre 1966 e 67 foram aprovados 120 projetos. Ver PINTO (1980:2).

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1974 os preços de terra conheceram aumentos 'nunca inferiores a 500%' (Biondi: 1974) e que chegaram a 10.000% conforme a região do país, afirmaria o economista A. Biondi" (grifo nosso). Possivelmente nenhuma aplicação financeira ou produtiva valorizou-se de uma maneira tão grande em tão pouco espaço de tempo.

A entrada de empresas mercantis que, por sua própria natureza, visam obter lucro a curto ou médio prazo, quando não a pura e simples especulação, aliada à própria dimensão dos imóveis explorados, criou uma agricultura economicamente ineficiente e socialmente perversa.

Tabela 17: Empreendimentos de multinacionais que estabeleceram-se no Pará

NOME NACIONA

L

CONTROLE

PAÍS ÁREA(ha)

RECURSO PRÓP.

(em milhões)

INCENT. (em milhões

)

ANOAPR

CIA Vale do Rio Cristalino

Volswagen Alemanha 140.000 38,8 116,4 74

Agropecuária Águia Azul

Fam. Davis EUA 98.000 3,4 10,2 69

Amazônia Madeiras e Laminados

Georgia Pacific

EUA 429.000 Isenção de impostos

Superfine Madeiras

Toyo Menka

Japão 300.000 6,6 17,3 72

Cia. Agrop. do Pará

King Ranch/ Swift Armour

EUA-Canadá

163.000 45,2 126,8 76

Cia. Agrop. do Pará

Sifco Industries

EUA 30.260 0,5 1,7 68

Magesa Robin Holie Georgia Pac.

EUA 300.000 2,3 7,1 71

Agrop. Sul do Pará

Ester Research Co

Panamá 5.000 1,0 3,0 68

Cia. Nova Fronteira

Cofapeua EUA 64.000 6,6 20,00 73

Cia. Rio Bradesco e Japão 40.986 18,3 54,9 71

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Capim NichimenJarí Florestal

Daniel K. Ludwig

EUA 3.500.000 Isenção de Imposto e aval para empréstimo

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TOTAL 5.070.246 122,7 357,4

Fonte: Autor utilizando dados de SAUTCHUKL (1979:84-85)Uma política setorial muito utilizada pelo governo federal para

promover a modernização da agricultura foi a política creditícia. Assistiu-se a uma progressiva concentração do crédito rural: de 1966 a 1976 o volume de recursos destinados aos pequenos, reduziu-se de 34,13% para 11,38% enquanto os recursos destinados aos grandes produtores passaram de 20,27% para 53,53% (PEREIRA, 1991:3). Os empreendimentos agropecuários, agro-industriais e as empresas de reflorestamento, sugaram vultuosos recursos fiscais, apropriando-se do território amazônico e devastando seus recursos naturais. O resultado destas atividades foi a ulterior integração da economia regional à mundial mantendo a mesma perspectiva da época colonial: o saque dos recursos madeireiros e minerais exportados sem nenhum beneficiamento. A riqueza se concentrou graças a sonegação de tributos e a apropriação dos incentivos fiscais, fonte de corrupção do aparato burocrático e do esvaziamento financeiro dos estados e da União. O golpe dos incentivos fiscais, como poderia ser caracterizado o escândalo da malversação do dinheiro público, chegou a ter propagandas mirabolantes como a que dizia: “Belém será o maior porto exportador de carne do mundo, superará Chicago” (OLIVEIRA, 1990:12). 300

300 Segundo BECKER (1990:29): "Os incentivos fiscais constituem um mecanismo para direcionar o fluxo de capital das demais regiões do País, principalmente do sudeste, em direção à Amazônia, de acordo com o projeto governamental de sua rápida ocupação. Em conjunto, entre novembro de 1966 e janeiro de 1985, 590 projetos agropecuários foram aprovados para implantação em 134 municípios da Amazônia legal, totalizando investimentos da ordem de 113.046.000 OTN (OBRIGAÇÕES DO TESOURO NACIONAL) equivalente a Cz$ 12.028.094.000 em janeiro de 1987. Do total dos investimentos mais de 60% correspondem a incentivos fiscais." O valor dos incentivos concedidos neste período, levando-se em consideração o câmbio do dia 16/01/87: US $1,00 = a Cz $15,590. foi assim de US$ 771.526.234,77. O discurso "desenvolvimentista" estava presente até nos pareceres técnicos dos burocratas oficiais: "A CIA Agropecuária Nazareth, está dentro da Amazônia e também localizada numa área considerada das melhores do Brasil e de grande futuro para a formação de grandes rebanhos bovinos. (...) O atual projeto é o

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Uma análise muito interessante, que mereceria ser aprofundada ainda mais, é aquela que leva em consideração a localização dos projetos que receberam incentivos fiscais, pois nos revelaria como o capital se expandiu e se fixou numa região de fronteira, os projetos espalham-se ao longo de rodovias e rios redesenhando o espaço geográfico. Dos 72 projetos agropecuários aprovados pela SUDAM entre 1966 e 1983, 62 localizavam-se na região do Araguaia e se apropriaram de cerca de 1.327.667 ha. É por isso que FERNANDES (1999:54) afirma que: "os incentivos fiscais funcionaram: como motor do processo de privatização" (grifos nossos) 301

No seu depoimento à Comissão de Interior da Câmara Federal, o então presidente do GETAT, Asdrubal Mendes BENTES (1985:8), assim

primeiro na nossa região, no gênero, a receber financiamento por meio de recursos oriundos de incentivos fiscais" (Ver Amazônia, SPVEA. Processo n.º 09321/66, apud FERNANDES, 1999:52)301 Para BECKER (1990:30): "Os projetos se distribuem num padrão seletivo que acompanha os principais eixos de circulação rodoviária e fluvial. Em sua maioria estão concentrados na Amazônia Oriental, área de ocupação mais antiga no processo recente de apropriação situada nas proximidades da rodovia Belém-Brasília, distribuindo-se mais esparsamente ao longo da Cuiabá-Porto Velho e do vale do Rio Amazonas, áreas onde o movimento de expansão é mais recente (...). Entre 1966 e 1972 , 306 projetos foram aprovados (em média 44 por ano), localizados em sua maioria nos estados de Mato Grosso, Pará e Goiás. Nos anos de crise, entre 1973 e 1980, desacelerou-se o movimento - somente 60 foram aprovados, caindo a média anual de 44 para apenas 8 - sem que se alterasse sua incidência espacial, uma vez que Mato Grosso e Pará continuaram como os Estados de estabelecimento da maioria deles. Recentemente, de 1981 a 1984, recrudesceu o número de projetos aprovados e alterou-se sensivelmente o padrão de sua distribuição espacial evidenciando a expansão da fronteira em direção ao oeste: os 221 novos, contabilizando um número anual médio de aproximadamente 55, localizaram-se em todos os Estados e Territórios que compõem a região, destacando-se Rondônia e Acre, embora o Pará detivesse ainda o mais representativo no conjunto da Amazônia Legal no período. (...) “Tampouco é homogênea a distribuição dos projetos por entre o universo de Estados e municípios selecionados pelas empresas. grosso modo, concentram-se eles no leste do Pará e do Mato Grosso, mas, ainda assim, com padrões de distribuição espacial diversos. Um grande adensamento de projetos se localiza no nordeste do Pará, relacionando-se a uma divisão municipal relativamente mais fragmentada, cada município contendo pequeno número deles e volume de investimentos. Em contrapartida, nos extensos municípios do sudeste do Pará e do Mato Grosso, eles se concentram em grande número deles e volume de investimentos, como é o caso dos municípios de Paragominas, Conceição do Araguaia, Santana do Araguaia, no Pará, e Barra do Garças, Luciara e Diamantino, no Mato Grosso”.

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avaliava os impactos da política de incentivos fiscais sobre a estrutura agrária regional:

"A política de inventivos fiscais na Amazônia, até hoje polêmica, em quase nada contribuiu para a região, mormente no aspecto social. Os grandes projetos agropecuários, ocupando imensas áreas de terras além de propiciarem pouco emprego de mão de obra, dificultaram a fixação do pequeno agricultor no campo, haja visto ocuparem àquelas faixas mais nobres de terras, principalmente as situadas nos locais mais próximos ou no alcance da infra-estrutura disponível, afastando áqueles pequenos produtores para as áreas menos favorecidas".

O então senador pelo Estado do Pará, Jarbas PASSARINHO (apud GRECHI, 1977:317), afirmava que o sistema dos incentivos fiscais: beneficiou mais algumas empresas do que o interesse nacional".

O então deputado federal Jáder F. BARBALHO (1978:13 e 15) dizia:

"Insistiram e insistem os nossos colonizadores que deveriam e devem integrar a Amazônia com a pata do boi, investindo na pecuária ou em outras atividades poupadoras de mão-de-obra. (...) Combatemos o atual modelo quando ele afirma que somente através do grande proprietário a Amazônia conseguirá alcançar o desenvolvimento, já que os números afirmam o contrário, tendo nossa pecuária alcançado apenas cerca de 1% do contexto nacional, apesar de privilegiadamente aquinhoada, levando-nos a crer que além de nossa baixa produtividade, existe mesmo é muita especulação e mau emprego de nossos recursos, principalmente dos incentivos fiscais concedidos pela SUDAM" (grifos nossos).

Talvez hoje senador não voltasse a afirmar isso, apesar de que a situação não mudou muito nestes vinte anos e sua análise continuar correta. Precisa porém registrar como é impressionante constatar a profunda dicotomia entre o discurso dos políticos e sua prática: enquanto ocupavam a tribuna como opositores ao regime criticaram com virulência a política adotada pelo governo. Quando eles mesmos chegaram a ocupar cargos governamentais pareceram esquecer o que tinham condenado com tanta veemência e continuaram a mesma política nefasta.

Apesar de terem sido corrigidas algumas distorções, tentando eliminar os intermediários da especulação financeira, suas falhas continuaram, pois os beneficiários foram as grandes empresas que geraram pouquíssimos empregos a elevados custos econômicos e sociais. O Imposto de Renda, criado para ser um mecanismo de redistribuição de renda,

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mecanismo indireto de socialização que visa não permitir a total concentração do capital, não deveria ser aplicado:

"... em benefício dos próprios detentores do capital que pagam maior quantidade de impostos pela única razão de serem os que mais lucros auferiram em seus empreendimentos. [Melhor seria destinar estes recursos para a reforma agrária pois] sabe-se que a produtividade média das grandes empresas é relativamente menor que a da pequena e média propriedade (...) Além disso, sabemos o quanto a implantação da pecuária extensiva na Amazônia é depredadora da natureza com graves riscos ecológicos" (GRECHI, 1977:318).

Na Amazônia a terra passa a ser vista não como meio de produção, mas como reserva de valor e meio de acesso a outras riquezas: madeiras de lei, minérios, benefícios fiscais.

SILVA (1986:48) afirma: "É preciso não esquecer que a terra funciona também na Amazônia como ‘contrapartida’ dos incentivos fiscais, num jogo contábil onde o imóvel foi super valorizado, de modo a obter praticamente, ‘doações financeiras’ do governo para projetos cuja grande maioria não passa ainda hoje de verdadeiras ‘vitrinas’ embora já tenham consumido a maior parte dos vultuosos recursos previstos". O que está em jogo são modelos diferentes de desenvolvimento: um privilegia o homem, o outro o capital.

Hoje, é necessário e urgente fazer uma avaliação da política de incentivos fiscais que durante muitos anos foi o instrumento privilegiado das políticas públicas federais que direcionaram o processo de desenvolvimento da Amazônia. É indispensável rever os mecanismos de acompanhamento e cobrança da implantação dos projetos fazendo com que quem dilapidou os recursos públicos seja punido pois, como afirma BECKER (1990:30) “é lícito concluir que a política de incentivos fiscais resultou em grande perda de impostos para os cofres públicos” (grifos nossos). 302

302 BECKER (1990:30-31) afirma que: "A pesquisa de campo na Amazônia Oriental constata que a produção nos projetos implantados é muito reduzida, não correspondendo de forma alguma à extensão de terras apropriadas. Informações preliminares da Comif (Comissão de Avaliação dos Incentivos Fiscais) confirmam essa constatação: alguns projetos são fictícios, muitos foram abandonados (30% segundo a SUDAM) ou se encontram em condições precárias (70% segundo a Comif), cerca de 10% foram cancelados, reembolsando o incentivo recebido sem, correção monetária, menos de 20% foram efetivamente implantados, mas permanecem deficitários com uma produção equivalente a apenas um quinto da prevista. Considerando que praticamente 50% do capital dos projetos corresponde a incentivos fiscais e considerando as constatações acima, é lícito concluir que a

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Os incentivos fiscais fizeram com que as empresas interessadas em implantar projetos agropecuários na Amazônia na realidade tivessem que desembolsar só 25% de recursos próprios no investimento total. A terra deixou de ter importância como meio de produção, pois a lucratividade da utilização dos incentivos e a especulação imobiliária era bem mais interessante para as empresas.303

A política de incentivos fiscais em lugar de trazer o progresso para a região, como tinha sido propagandeado pelos seus idealizadores, transferiu uma enorme quantia de recursos públicos para grandes empresas nacionais e multinacionais que os utilizaram para se apoderarem de imensos latifúndios. Os trabalhadores rurais de todo o Brasil foram assim duplamente penalizados: o governo, alegando falta de recursos, não fez as obras de infra-estrutura que beneficiassem toda a população e ao mesmo tempo se viram enxotados e massacrados por estas empresas privadas que foram ocupando terra graças ao apoio público. Quanto maior era o capital da empresa, maior era também a área média do projeto 304

COSTA (1992:8-9) afirma que:

política de incentivos fiscais resultou em grande perda de impostos para os cofres públicos sem que o fluxo de capital privado previsto para a Amazônia se efetivasse. Considerando-se, porém, sua dimensão geopolítica, a de subsídios à rápida apropriação de terras, essa política foi bem sucedida" (grifos nossos). 303 "Todos estes incentivos, combinados aos lucros imobiliários, eliminaram a necessidade de se usar a terra amazônica de modo produtivo" ARAGÓN e MOUGEOT (1986:58).304 Um estudo do economista Francisco de Assis COSTA (1989:35-39) examinando como se deu a concessão de incentivos fiscais, mostra que esta política foi concentradora de rendas pois quanto maior for o porte econômico da empresa, maior foi o incentivo que recebeu. Quem investiu, por exemplo, até 1 milhão de US$ (54,5% dos projetos investigados por Costa) teve acesso a 16,6% dos recursos, enquanto os 7,5% projetos maiores receberam 41,5% dos incentivos. É interessante observar como se criam verdadeiras "castas" privilegiadas nesta distribuição de recursos:

a) As grandes empresas (Bradesco S/A, VW do Brasil S/A, Construtora Mendes Júnior etc...) abocanharam 47,2% dos recursos com uma média de US$ 4,9 milhões por projeto;

b) Grupos familiares forâneos, sobretudo de São Paulo e Minas Gerais (como as tradicionais famílias latifundiárias Lunardelli, Rodriguez da Cunha, Do Val, Goes etc...) receberam 22,4% dos incentivos com um valor médio por projeto de US$ 1,7 milhões;

c) Grupos familiares que pertenciam à oligarquia local (como Dacier Lobato, Acatauassu Teixeira, Khayat, Xerfan etc ...), receberam 21,5% dos recursos totais com um investimento médio por ha de US$ 1,1 milhões;

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"628 empresas gigantes (584 agropecuárias e 44 agro-industriais), dispondo em média de 20.448 ha (eu estimo a área conjunta destas empresas em 12.000.000 de ha), se fundaram na Amazônia, de 1966 a 1985, para a exploração agropecuária e agro-industrial, recebendo no conjunto em torno de US$ 847,5 milhões de dólares de incentivos (cada empresa agropecuária teve incentivos em média de US$ 1,2 e cada agro-industrial de US$ 4,9 milhões); entre elas encontra-se um sem número de empresas estrangeiras, as maiores empresas do país de capital nacional, estrangeiro ou misto e as principais famílias latifundiárias do Centro-Sul do país.”

Esta avaliação, que levava em consideração os balanços publicados por 212 empresas em 1985, mostrava também que 87,7% dos projetos apresentavam resultados negativos, alguns chegaram a apresentar um prejuízo de até 89,62%. Só 13 empresas (12,9% do total) apresentaram lucro. A própria produtividade dos empreendimentos era muito baixa: 0,65 cabeças por ha em lugar de 1,4 cb/ha como era previsto305. A previsão de criar 29.825 empregos diretos também não foi alcançada. O resultado obtido, 11.846, representa só 40% do previsto.

Este absurdo econômico é fruto daquele que se autodenomina de capitalismo moderno, e só foi possível porque o dinheiro desperdiçado era o dinheiro público: nenhuma empresa privada conseguiria sobreviver por 20 anos dando constante e tamanho prejuízo. Era também possível porque a legislação relativa aos incentivos fiscais obrigava a aplicar 25% de recursos próprios, mas permitia incluir o valor da terra neste montante: "... o valor contábil das terras corresponde a 92% dos recursos próprios dos projetos (...), os empresários aplicaram os seus próprios recursos na forma de terras - no único meio de produção que não perde valor com o tempo - e tudo o que venha a ser feito sobre e em torno dela (da derrubada da mata, aos investimentos de infra-estrutura) só acrescentará valor" (COSTA, 1989:55).

O PMDB, que através de vários deputados tanto tinha criticado a concessão de incentivos fiscais durante os anos da ditadura militar, quando chegou ao poder conquistando o governo estadual em 1983 e o governo federal em 1985, em lugar de acabar com os subsídios à agropecuária, lhe deu novo alento. O que mudou foram só os privilegiados com a concessão

d) Enfim as empresas de menor porte (aquelas que não estão incluídas nas maiores 500 empresas do Brasil) receberam 8,9% dos recursos, com investimento médio de US$ 1,2 milhões (grifos nossos).305 As empresas que tiveram o melhor desempenho alcançaram 0,9, um número bem abaixo da média nacional.

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do crédito. As tradicionais famílias oligárquicas306 das regiões do Marajó, Salgado, Baixo Tocantins, Bragantina, Belém e Viseu tiraram das micro-regiões homogêneas Araguaia Paraense e Guajarina a primazia do recebimento dos recursos (COSTA, 1989:61). Assistiu-se assim à transferência gratuita de recursos públicos para as empresas abertas na Amazônia. Nesta região cerca de 12 milhões de hectares teriam sido incorporados ao patrimônio particular graças aos incentivos fiscais (COSTA, 2000:204).

PINTO (1987:7) assim apresentava os efeitos desta política: "Os efeitos da política de incentivos fiscais sobre a concentração da propriedade da terra, à indução ao conflito fundiário, ao despovoamento, à monocultura da pastagem, à pecuária de corte, à devastação ecológica e à manutenção de um permanente clima de tensão social no interior já são suficientemente conhecidos". No começo da Nova República o governo federal avaliou os incentivos fiscais como prejudiciais à região, mas apesar deste parecer técnico, continuou com a mesma prática. Os projetos não pararam, e sim aumentaram ainda mais.

As estatísticas demonstram que apesar dos fantásticos investimentos feitos na região para a construção de infra-estrutura básica (rodovias, barragem ...), grandes projetos (Carajás, Tucurui, Albrás/Alunorte) e a concessão de uma grande quantidade de incentivos fiscais para projetos agropecuários e agroindustriais, a região está cada vez mais pobre, a desigualdade social cresce, há concentração de renda, de propriedade, e o crescimento econômico acontece de maneira extremamente desequilibrada em termos geográficos. No Estado do Pará 85% da população com mais de 10 anos não tem rendimento ou não ultrapassa o valor referente a 2 salários mínimos, enquanto que menos de 1% recebe mais de 20 salários mínimos.

Diante deste quadro os trabalhadores sugeriram, em inúmeras ocasiões, a revisão desta política. Assumindo uma antiga reivindicação dos mesmos, o Núcleo Agrário da Bancada Federal do Partido dos Trabalhadores (1994:51) apresentou uma emenda constitucional que previa:

"O imóvel rural objeto de projeto agropecuário financiado através de Fundo de Investimento Regional, com execução comprometida em função da ocorrência de má aplicação dos recursos recebidos, bem como aquele onde for constatada a existência de trabalho escravo, será imediatamente expropriado e especificamente destinado a projeto de assentamento de reforma agrária, sem

306 COSTA (2000:193) define este processo como a: “reaoligarquização da política regional”.

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qualquer indenização ao proprietário, sem prejuízo de outras sanções previstas em lei".

Uma experiência positiva

Apesar de todo este esforço, porém, a SUDAM, em 1999, retomou a análise de projetos de financiamento para imóveis rurais. Denúncias de entidades dos trabalhadores rurais apresentadas ao Ministério Público Federal, afirmam que boa parte dos projetos apresentados na região da Transamazônica tem sua origem em registros falsos ou que estão sendo cancelados pelo INCRA devido ao fato dos detentores dos Contratos de Alienação de Terras Públicas (CATPs) não obedeceram as cláusulas contratuais abandonando seus imóveis. 307 A atitude do órgão de fomento

307 Na década de 70 o Governo Federal abriu licitações para 2.753 lotes com tamanho entre 500 a 3.000 hectares (1.069 em Rondônia com tamanho médio de 1.407 ha; 749 no Tocantins com tamanho médio de 234 ha; 359 no Pará com tamanho médio de 4.041 ha; 300 no Amazonas, com tamanho médio de 302 ha; 225 no Amapá e 53 em Roraima com tamanho médio de 5.557 ha). Percebe-se como no Pará e Roraima o tamanho é maior do que nos outros Estados. (Ver Nota Técnica elaborada pelo Departamento de Alienação e Titulação da Diretoria de Recursos Fundiários do INCRA e remetida em 09/05/2000 para o Deputado Federal Valdir Ganzer PT-PA). Os que assinaram os CATPs comprometiam-se a implantar projetos previamente aprovados pelo INCRA e tornar produtivos seus lotes. Uma parte considerável dos beneficiários, porém, não cumpriu com suas obrigações. Ainda na década de oitenta o INCRA do Pará entrou na Justiça Estadual para cancelar 105 contratos pois seus signatários eram inadimplentes. Vários destes processos hoje não estão mais sendo encontrados. Este fato mostra como pelo menos 30% dos contratos não foi cumprido. Entre as atividades programadas pelo INCRA em 2000 está o recadastramento de mais 200 lotes: possivelmente outros CATPs serão denunciados por inadimplência. O INCRA (1999b: 16) colocou o cancelamento destes contratos como uma forma de combater a grilagem. Este entendimento é, no nosso entender, equivocado, pois, a origem dos contratos foi perfeitamente legal. A grilagem nasce não no descumprimento do contrato, mas no não cancelamento do registro quando este caducar. O Dr. Hugo Picanço, então Superintendente da SR 01, declarou para o autor, que existem casos de contratos cancelados pela justiça que, depois da terra ter voltado a se incorporar ao patrimônio público e ser matriculada em nome do INCRA, os antigos contratantes transferiram a propriedade para terceiros. Neste caso cumpre perguntar: como os Cartórios de Registros de Imóveis não perceberam que isso era ilegal sem que esta operação tivesse o consentimento prévio do INCRA? Cabe também outra pergunta: por que o INCRA, cujas demandas deveriam tramitar na Justiça Federal, ajuizou ações na justiça Estadual?

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federal está colocando em perigo a vida de dirigentes sindicais que apresentaram esta denúncia.308

Em 2001 a SUDAM309 foi extinta tendo sido substituída pela Agência de Desenvolvimento da Amazônia (ADA). A restrição à concessão dos incentivos fiscais mostrou a precariedade deste tipo de política pública. Os dados dos Censos Agropecuários de 1985 e 1995/96 mostram o fracasso econômico das empresas que possuem uma área superior a cinco mil hectares.310

308 Ver ofício do STR de Uruará sobre as ameaças de morte sofridas pelo presidente do sindicato (Arquivo Secretariado CPT PA-AP).309 O Ministério Públco Federal abriu vários inquéritos para apurar as dezenas de denúncias de corrupção, pagamento de propinas e desvio de dinheiro público: triste fim para uma agência que tinha a missão instituicionald e desenvolver a Amazônia.310 Ver COSTA, 2000:198-210.

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10 -VIOLÊNCIA: O TRISTE DIA A DIA DO TRABALHADOR

RURAL

"Uma vez que você está numa lista para morrer, cedo ou tarde eles acertam você".

Assim se expressava, pouco tempo antes de ser assassinado, Expedito Ribeiro de Souza (573) 311, presidente do STR de Rio Maria (PA), conforme o depoimento de sua mulher Maria José, para a revista norte-americana TIME. As palavras de Expedito não são fruto da sua fantasia poética, mas simples e trágica constatação dos fatos. Muitos dos seus amigos tinham conhecido a triste sina das ameaças de morte que se tinham concretizado. Eis alguns exemplos:

• João Canuto de Oliveira (355), presidente do mesmo STR de Rio Maria, foi assassinado em 18/12/85 apesar de ter pedido pessoalmente proteção ao Ex.mo governador do Estado do Pará, Jáder Fontenelle Barbalho, e ter registrado queixa na delegacia de polícia de Rio Maria quatro dias antes de ser assassinado devido às ameaças recebidas. 312 O delegado de polícia confirmou para Anistia Internacional, em julho de 1986, que não tinha sequer aberto inquérito. Uma testemunha ouvida na instrução processual denunciou que os prefeitos e vários fazendeiros de municípios vizinhos tinham-se reunido para planejar sua morte. Pelo fato deste processo estar demorado tanto para ser concluído o Brasil foi denunciado e responde processo perante a Corte de Defesa dos Direitos Humanos da OEA. 313

• Raimundo Ferreira Lima (Gringo) (94), candidato da chapa de oposição nas eleições do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Conceição do Araguaia, tinha sido ameaçado de morte, foi assassinado em Araguaina (Tocantins) em 29 de maio de 1980. O inquérito que apura sua morte foi extraviado.

311 O número colocado depois de cada vítima corresponde aquele que consta na listagem geral dos trabalhadores rurais assassinatos. Ver anexo 14.312 Queixa n0 263122 de 14/12/85.313 A Comissão Interamericana da Organização dos Estados Americanos (OEA) em 10/03/98 tinha dado o prazo de um mês para o Governo brasileiro atender suas recomendações para evitar a demora na apuração do assassinato de João Canuto. Como o governo brasileiro sequer respondeu a esta solicitação, a Comissão decidiu publicar suas acusações na reunião de todos os representantes dos países membros da OEA, em 04/06/98, em Caracas (Venezuela). Ver COMITÊ RIO MARIA (1998).

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• Arnaldo Delcídio Ferreira (601), presidente do STR de Eldorado do Carajás, várias vezes denunciou que tinha sido ameaçado de morte sem que qualquer inquérito fosse aberto ou providências fossem tomadas pelas autoridades competentes. Em 14 de abril de 1985 foi atingido por uma bala que o feriu e matou a Irmã Adelaide Molinari (262). Alguns anos depois recebeu uma terçadada nas costas, mas conseguiu fugir. Em 1º de maio de 1993 foi assassinado. Os réus foram denunciados, mas estão foragidos.

• Benedito Alves Bandeira (214), presidente do STR de Tomé Açu, tinha conseguido uma liminar em favor dos posseiros da fazenda Colatina (Acará) que estavam sendo ameaçados de despejo e por isso tinha recebido ameaças de morte. No dia 4 de julho de 1984, ao meio dia, na praça principal da cidade foi atingido por vários tiros. Os pistoleiros foram presos e levados de volta a cidade onde confessaram ter recebido dois milhões de cruzeiros de um dos donos da fazenda, Aclínio Augusto Breda, até hoje, quase dezesseis anos depois do crime, o acusado sequer foi ouvido pela justiça.

• O advogado dos 141 posseiros da Fazenda Pau Seco (Marabá), Dr. Gabriel Sales Pimenta (158), tinha conseguido ganhar na justiça uma liminar de reintegração de posse contra as pretensões do fazendeiro Manoel Cardoso. Por isso várias pessoas foram ameaças de morte, entre elas o Dr. Pimenta, Padre Humberto Rilland e o presidente do STR de Marabá. No dia 10 de janeiro de 1983, Gabriel foi assassinado. Seis meses depois o mesmo fazendeiro tentou matar o presidente do STR. O processo encontra-se concluso para sentença desde 1995.

• Sebastião Souza Oliveira (Sebastião Mearim) (129) assassinado na gleba Cidapar em 08/01/81, tinha sido ameaçado com antecedência. Não foi aberto inquérito.

• O advogado e Deputado Estadual Dr. Paulo Fontelles de Lima (465), teve seu nome incluído numerosas vezes em várias “listas de ameaçados de morte”. Foi assassinado em 11 de junho de 1987, em Ananindeua, região metropolitana de Belém. Alguns dos seus assassinos foram condenados.

• O também advogado e Deputado Estadual, Dr. João Carlos Batista (528), foi ameaçado inúmeras vezes por seu trabalho em favor dos posseiros de várias regiões do Estado, em especial os da Belém-Brasília. Na tarde do dia 6 de dezembro de 1988, durante a sessão da Assembléia Estadual Constituinte, tinha denunciado as ameaças

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sofridas em Paragominas por parte de um PM. Naquela mesma noite foi assassinado na porta de sua residência numa das mais importantes avenidas da capital do Pará. O processo encontra-se na Secretaria das Câmaras Criminais Isoladas desde 27/03/96.Muitos outros casos poderiam ser lembrados no Pará e no Brasil.

Destacam-se os de padre Jósimo Tavares, assassinado em 05 de maio de 1986, que, além de ter sido ameaçado, tinha sido vítima de uma atentado a bala em março de 1986, denúncia apresentada pessoalmente por vários bispos ao Ex.mo Dr. José Sarney, Presidente da República; o mesmo aconteceu com Chico Mendes, líder dos seringueiros de Xapuri (Acre) assassinado apesar de estar recebendo proteção por parte de policiais. Todos nomes conhecidos, irmanados na mesma luta em favor da reforma agrária e todos com seus nomes integrando: listas dos ameaçados de morte.

Enfrentar a violência, morrer assassinado, infelizmente se tem incorporado à vida de dezenas de lideranças de trabalhadores rurais. Através deste tipo de assassinato procura-se desestabilizar não só a unidade de trabalho familiar, mas sim todo um grupo de famílias que tinham, naquele que foi assassinado, um líder. Os rios e a terra da Amazônia foram regados pelo sangue dos que queriam defender um palmo de chão no qual viver e tiveram seus direitos violados pela mão assassina do latifúndio. A vida de Expedito foi comprada por US$ 850, pagos ao pistoleiro José Serafim Sales. A mesma reportagem de TIME (1991:35) dizia: "Há uma pequena guerra acontecendo no Brasil, uma guerra pela terra feita com facas, revólveres e espingardas, de um lado são milhares de "sem terra", pobres e desesperados por um pedaço de terra para plantar arroz e feijão. Do outro lado, são os grandes proprietários determinados a afastar de suas fazendas os posseiros itinerantes".

Outra reportagem mostra a mesma situação: "A penetração do capitalismo no campo está provocando uma guerra surda, sangrenta e suja em vários cantos do País, que obriga milhares de camponeses pobres a pegar em armas para defender suas posses da ganância dos grandes fazendeiros, dos grileiros, de pistoleiros assalariados e mesmo da própria polícia corrupta, quase sempre a soldo dos poderosos" (CARVALHO, 1978:13).

Com estas palavras o jornal "Movimento", na edição de 20 a 26/11/78, abria uma série de artigos sobre vários focos de violência no sul do Pará. O artigo da Revista TIME foi escrito no começo de 1991. Como se pode perceber, a realidade não mudou muito naqueles 13 anos.

A violência é a marca registrada do latifúndio também segundo JONES (1997a:220), que escreveu:

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“O privilégio na apropriação e legitimação, por um lado, e a violência sistemática contra os pequenos posseiros, por outro, sempre foram os meios para a consolidação dos latifúndios em todos os rincões deste país e a causa original dos conflitos pela terra no Brasil (...) Para os pequenos posseiros, a luta pela terra, sempre se constituiu em uma guerra constante , permanente, sistemática, sem fronteiras. Sobretudo uma guerra sem quartel, sem regras jurídicas definidas, em ética. Sempre foi uma guerra travada fora da lei: uma “guerra suja”.

Esta guerra não declarada, mas nem por isso menos sangrenta, nasceu quase como um fenômeno natural que faz parte da modernização imposta ao campo. 314 A Amazônia, e de maneira toda especial o Estado do Pará, que sempre tinha sido o desaguadouro natural das pressões demográficas existentes nas outras regiões do país, a partir do final da década de setenta começou a tornar-se região problema devido ao aumento dos conflitos fundiários ganhando destaque internacional pelo clima de violência que começou a imperar.

O sociólogo José de Souza MARTINS (1985:59), profundo conhecedor da realidade agrária brasileira, identificou três características da VIOLÊNCIA que permeava a Amazônia devido a política fundiária adotada pelos governos militares. Nestes treze anos, apesar da mudança de regime, esta análise continua válida:

Violência policial, do jagunço contra o posseiro e o peão. Fortalece-se a ordem privada em detrimento da ordem pública;

Violência do poder judiciário. Mandados de despejo executados por jagunços e fundados em documentos de pouca consistência jurídica. Resulta disso a desmoralização da justiça, que passa a ser percebida como simples executora de uma política de expropriação territorial, de privilegiamento dos

314 Durante o Tribunal da Terra realizado em São Luiz (MA) em 30 de novembro de 1993 o Dr. Alfredo Wagner B. de ALMEIDA (apud TRIBUNAL, 1998, p. 77) relatou sua experiência como perito antropológico no acompanhamento dos conflitos agrários. Segundo ele: “O primeiro fenômeno com o qual eu me deparei aqui foi a questão da violência ser um fato natural. Natural são as chacinas, os massacres e as práticas de extermínio tanto dos índios, quanto dos camponeses, evidenciando aqui, como em outras partes da Amazônia, uma interpretação positiva dos conflitos por parte dos órgãos oficiais. Os conflitos sempre foram lidos, e essas mortes todas sempre foram lidas pelo Governo como um elemento da modernização das relações de produção no campo. Foram sempre lidas como uma etapa necessária à modernização da agricultura, ao desenvolvimento e ao progresso. Então, prevalece nessas áreas uma interpretação positiva destes conflitos, que leva a uma naturalização da violência”.

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interesses da empresa privada sobre os direitos individuais e sociais dos camponeses;

Violência do Poder Executivo. Intervêm militarmente na questão fundiária mediante o alijamento da justiça nas decisões dos conflitos, dos sindicatos, do partido político e das entidades de apoio ao trabalhador, como a Igreja e entidades de assessoria. 315

10.1 OS ATORES DA VIOLÊNCIA

Durante as últimas décadas parece que, no campo, o Estado abdicou do monopólio exclusivo da violência delegando-o aos grande grupos econômicos. SIQUEIRA (1998:84) afirma: ”Estamos sob a égide de um estado de impunidade pública” (grifos do autor). O pistoleiro substituiu o policial, isto quando o policial não virou pistoleiro ou os dois não trabalharam juntos. A história recente do Pará é pródiga de exemplos desta colaboração. É só citar a Operação Desarmamento realizada em fevereiro e março de 1987 no sul do Pará, especialmente nos povoados de Monte Santo e Paraunas, no município de São Geraldo do Araguaia, onde mulheres foram estupradas, crianças penduradas pelos cabelos para que seus gritos fossem

315 Segundo MARTINS (1985:35) o Estatuto da Terra foi: “foi um instrumento de controle das tensões sociais e dos conflitos gerados pelo processo de expropriação e da concentração da propriedade e do capital. É um instrumento de cerco e desativação dos conflitos, de modo a garantir o desenvolvimento econômico baseado nos incentivos à progressiva e ampla penetração do grande capital na agropecuária. É uma válvula de escape que opera quando as tensões sociais chegam ao ponto em que podem transformar-se em tensões políticas” (grifos nossos). Treze anos depois SIQUEIRA (1998:85-86) chega a mesma conclusão apresentando o mesmo tipo de denúncia: ”Este trabalho permitiu detectar a dimensão da impunidade sobre os casos enfocados pelo projeto e subsidiará questionamentos dirigidos aos Poderes Públicos (Executivo e Judiciário; e ao Ministério Público, como “quarto poder”, em que está se transformando). Ao Poder Executivo, porque não investiga e apura os responsáveis e pela dificuldade em cumprir os mandados de prisões, sejam preventivos ou provisórios (há casos aguardando prisões dos acusados para julgamento); ao Poder Judiciário, por que é moroso, não apura e não aplica a lei aos executores diretos e indiretos destes crimes (Cfr. caso de Pedro Piaba – Coroatá; Pedro da Vaca – São Mateus); ao Ministério Público, pela falta de acompanhamento sistemático dos inquéritos e processo, sobretudo, pela grande rotatividade dos Promotores de Justiça nas Comarcas do interior, de modo a quebrar a vinculação dos mesmos com os processos. Reafirmando, o Estado não resolve o problema fundiário de forma ampla, vai fazendo uma Reforma Agrária a partir de conflitos, caso a caso; não garante a vida e a segurança dos camponeses e, por último, não apura não julga e não condena os responsáveis pela violência nos conflitos pela terra”.

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ouvidos pelos pais escondidos na mata e estes corressem socorre-las sendo assim presos, e toda sorte de atrocidades foram cometidas por jagunços em conjunto com a PM comandada pelo capitão Saldanha, na sede da fazenda Bamerindus ou como no caso do seqüestro dos irmãos Canuto (557-558), quando os pistoleiros tiveram o apoio dos sargentos Edson Matos e do soldado da PM do Pará Ubitaran Ubirajara para permitir que o carro dos bandidos passasse sem problema numa blitz da polícia. Além destes casos, policiais e pistoleiros atuaram juntos em inúmeros despejos, com ou sem ordem judicial. Graças a esta substituição e/ou colaboração a expulsão dos posseiros das terras que ocupavam, ganhou uma celeridade que a lenta e burocratizada ação administrativa e judicial do Estado, nunca poderia proporcionar. Este casamento de interesses permitiu que o avanço do progresso e a modernização fossem mais rápidos, possibilitando a consolidação do capitalismo no campo. Em nome do progresso parece que pouco importavam as centenas de vítimas cujo sangue foi derramado, muitas das quais nem chegaram a ser cidadãos, pois sequer tinham documentos pessoais que atestavam sua identidade e sua existência legal, nem atestado de óbito que comprovava seu falecimento. Diante destes acontecimentos, o Estado, quando não foi cúmplice, foi um mero espectador. 316 A segurança em nome da qual se adotaram as políticas de ocupação e exploração da região gerou na realidade conflitos, violência e insegurança para milhares de cidadãos culpados de não estarem inseridos no processo de acumulação capitalista. Isso aconteceu porque, para obter o reconhecimento de seu direito de propriedade da terra, além da grilagem o latifúndio utilizou a violência. A demora na solução dos conflitos através das ações judiciais fez com que prevalecesse a lei do mais forte. No caso da Cidapar, caso que, pode ser considerado emblemático: “Capatazes e outros empregados das fazendas informaram aos posseiros que, apesar da incerteza quanto à

316 Para ALMEIDA, profundo conhecedor da questão agrária da Amazônia e coordenador da Coordenadoria de Conflitos Agrários do MIRAD no começo da Nova República, (1986:9) a ocupação da Amazônia se pautou: "Pelo estabelecimento de um contraste geral entre a ação do Estado, considerada uniformizadora das modalidade de apropriação da terra e das demais formas de ocupação, efetivamente aceitas na região, que prescindem, numa primeira etapa da frente agrícola, da formalização jurídica". Por sua vez MARTINS (1982:6) diz que: "O resultado da ambígua política agrária, e sobretudo da incisiva política de incentivos fiscais, logo se manifestou na multiplicação e não na atenuação dos conflitos fundiários. Os conflitos tenderam e tendem a crescer acentuadamente mais nas regiões pioneiras, justamente destinadas a abrigar os lavradores de alguma forma expulsos de outras regiões do país".

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propriedade das terras, os empresários abririam estradas, demarcariam limites e explorariam a madeira da mata da área. Se, no final, perdessem a questão, ao menos a mata teria sido já explorada”. (LOUREIRO, 1997:121). 317 Grilagem e violência parecem faces de uma mesma moeda.318

Enquanto o processo tramitava na Justiça, a Cidapar tentou limpar a área, isto é, expulsar os colonos e garimpeiros que eram considerados como invasores e perseguidos por pistoleiros que tinham a ajuda da polícia. Começaram a se espalhar notícias da existência de esqueletos no meio do mato, de cemitérios clandestinos e de posseiros desaparecidos. 319 Estes assassinatos desencadearam a reação dos posseiros que começaram a se organizar para enfrentar as empresas.

10.1.1 Pistoleiros

Desconhece-se qualquer tipo de estudo sociológico sobre a identidade psico-sócio-económica do pistoleiro, uma figura que se incorporou ao cotidiano do campo. A maioria deles é formada por

317 A exploração da madeira, primeiro passo executado por quase todas as fazendas na fase de implantação, tem um objetivo claro: ressarcir rapidamente a empresa pelo gasto feito com a compra da terra e lhe fornecer o capital necessário para a instalação do projeto agropecuário, isso quando, como aconteceu inúmeras vezes, a compra da terra não era uma mera atividade especulativa que a mantinha como reserva de valor enquanto a exploração madeireira garantia um lucro extra. Esta mesma situação de trabalhar enquanto a justiça decide, repete-se hoje, quase vinte anos depois, no Xingu onde a empresa de Cecílio Rego de Almeida contratou centenas de trabalhadores para implantar seu projeto, apesar da ação ajuizada pelo ITERPA em 1996 que comprova a nulidade do seu registro de imóveis.318 SETTE CÂMARA (IMPUNIDADE, 1998) responsabiliza os invasores pela violência, mas denuncia também: “Há fazendeiros que também ocupam áreas do tamanho acima de que tem direito, com documentação não correta e que se utilizam de pistoleiros para manter suas fazendas de forma ilegal”. Não só no Pará grilagem e violência foram realidades constantes na apropriação da terra. ASSELIN (1982:109) afirma que: “naquela área rara era a semana em que não ocorriam duas ou mais mortes de lavradores, além das chacinas promovidas em toda a região do Pindaré [Maranhão]. Os testemunhos dos moradores falam de um número incalculável de mortes”.319 LOUREIRO (1997:67) registra o seguinte depoimento de um líder sindical: “Numa ocasião, eles chegaram no Japiim e quase metralharam um rapaz, que conseguiu escapar. E porque eles queriam matar o rapaz? - Porque esse rapaz trabalhou uma semana na empresa e chegou no Japiim e denunciou que, dentro da mata, ele já tinha encontrado vários esqueletos de pessoas e, nessa época tinha mesmo desaparecido alguns colonos, gente que a gente nem conhecia porque era colono ou garimpeiro que morava lá na margem do rio Gurupi, longe da gente”.

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desempregados que perambulam à procura de serviço. 320 A distinção entre peões e demais empregados da fazenda e os pistoleiros nem sempre é fácil, ao contrário, na maioria dos casos, para aumentar o terror, a confusão entre eles é proposital. Ainda mais que só os grandes fazendeiros ou empresas podem se permitir pagar pessoas que se dediquem exclusivamente a segurança. Muitos são contratados para trabalhar no serviço da fazenda e, quando necessário, são utilizados como pistoleiros. 321

320 LOUREIRO (1997:222) apresenta-o da seguinte maneira: “Tornou-se uma prática entre alguns fazendeiros da região o recrutamento de pistoleiros entre nordestinos miseráveis que circulam pela região, despossuídos de terra, de qualquer capital, de formação profissional e que vivem às margens das formas habituais de organização social. E é justamente à margem da cultura, da ética e da vida dos homens do campo da região que essas pessoas encontram ocupação, colocando-se a serviço de fazendeiros, por quem são contratados pra amedrontar, expulsar e matar posseiros, com os quais nada tem a ver em termos profissionais, culturais ou afetivos”. 321 LOUREIRO (1997:118-119) afirma que isso aconteceu na Gleba Cidapar, mas podemos afirmar que esta prática era generalizada: “As empresas [Propará e Banco Denasa, sucessoras da CIDAPAR], haviam arregimentado um serviço de milícia privada, recrutado entre pessoas que buscavam emprego nas redondezas. Na verdade, além dos pistoleiros propriamente ditos, a empresa Propará exigia dos demais contratados - vaqueiros, peões etc. - que atuassem como milícia privada, no momento oportuno. Assim sendo, tornou-se praticamente impossível, além dos matadores de aluguel mais conhecidos pela população, saber quem dentre os trabalhadores das fazendas pertencia ou não a essa milícia, o que aumentou o clima de desconfiança e medo entre os colonos da área.” Segundo a mesma autora o capitão Jaime Vita Lopes, chefe de segurança e prefeito da sede das organizações Joaquim Oliveira cujo título talvez fosse resquício dos serviços prestados ao DOI-CODI de São Paulo durante o tempo da ditadura militar, comandaria uma verdadeira organização paramilitar cujos membros se trajavam com uniformes camuflados, andavam fortemente armados, usavam cintos, botas e coldres como os militares da ativa e não permitiam serem fotografados. Nas palavras do deputado Romero Ximenez (apud LOUREIRO, 1997:205), este exército: “incluía 50 homens armados até com sofisticadas pistolas automáticas que disparam 13 tiros em menos de três segundos”. Várias vezes a CPT denunciou a existência de verdadeiros escritórios especializados em oferecer segurança. Para executarem seus serviços arregimentavam sobretudo ex policiais, quando não policiais da ativa. Um dos escritórios mais famosos chamava-se Solução - Empreendimentos e Serviços de Imóveis Ltda. e, apesar de ter sua sede em Goiânia, teria prestado vários serviços aos fazendeiros de Goiás e do sul do Pará. Ver ANISTIA INTERNACIONAL (1988:48). A Coordenadoria de Conflitos Agrários do MIRAD (apud BRASIL,

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A certeza da impunidade conferia aos pistoleiros uma audácia sem limites tanto que, por exemplo, em dezembro de 1983, chegaram a prender e fazer como refém o comissário de polícia e o escrivão da Vila Amadeu (Viseu) que tinham ido na sede da fazenda Cidapar investigar um tiroteio. Usaram o carro da delegacia para ir até o comissariado onde mataram o colono Marcelino Rodrigues de Souza (196) que tinha ido denunciar a emboscada que tinha sofrido junto a seus dois filhos e pedir garantia de vida. Por este crime, bem como pelos outros, ninguém foi preso ou punido. O comentário de LOUREIRO (1997:213) sobre este fato bem mostra como o Estado perdeu o controle da situação e virou refém de seus antigos aliados:

“Surpreende neste caso, a audácia dos pistoleiros que, com o menosprezo de qualquer ética e da hierarquia administrativa e social, utilizam-se do poder e da violência legítima inerentes ao Estado, extrapolam o nível de força e de violência que o próprio Estado utilizaria no caso, e jogam no descrédito público as instituições estatais. O fato deixa mais evidente que o Estado perdera já o controle sobre a ação de seus aliados e que precisa agora negociar com eles para obter algum resultado em suas ações no restabelecimento da ordem social comprometida. A humilhação sofrida pelos policiais constitui-se numa demonstração de poder dos empresários e, mais do isso - na usurpação de um poder que não lhes pertence”.

Existem muitos relatos de pistoleiros que, talvez para valorizar mais seu serviço, declaravam ser autores de vários assassinatos. Sebastião da Teresona, que atuava no sul do Pará e foi assassinado durante uma rebelião de presos na penitenciária estadual Fernando Guilhon, gabava-se de ter assassinado mais de trinta pessoas, Francisco da Silva ("Chico Buriti") foi preso no final de novembro de 1998, acusado de ser o autor de mais de 100 crimes encomendados por donos de garimpo, políticos e fazendeiros.322

1987f:30-31) apurou que esta empresa tinha sido autorizada a funcionar pela Portaria n.º 32 do Ministério da Justiça, publicada no Diário Oficial de 17 de fevereiro de 1986. Segundo a CPI da Pistolagem (BRASIL, 1994b:74) “O Estado do Pará guarda a triste sina de ser um dos campeões de “pistolagem” no Brasil”. Neste período o Jornal “ O Estado de São Paulo” (TERRAS, 1986) publicou que: ”Fazendeiros do Pará começaram a sondar oficiais da ativa da Polícia Militar e da reserva das Forças Armadas sobre a possibilidade de aceitarem organizar e comandar grupos de segurança para atuar em suas propriedades contra invasores. A informação foi transmitida por um oficial da própria PM que, procurado por um grupo de fazendeiros instalados na Belém-Brasília, não aceitou o convite por ainda estar na ativa”.322 Ver JORNAL "Diário do Pará", Belém. 30/11/1998.

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Ireneu José de Souza, chefe de um bando de pistoleiros que atuava no Maranhão, na região de Buriticupu, teria matado 29 pessoas. Isso, possivelmente, devido ao fato de que o contrato de trabalho com os fazendeiros era por pessoa morta. Criou-se uma cultura da violência, na qual: “O pistoleiro se jactava de seus atos, desdenhoso para com quem pudesse ouvir e aumentava, propositadamente, o número real de chacinados. O papel de falastrão, como condição para produzir medo e desespero entre os ouvintes, fortalecia a imagem de valentia e perversidade infundindo pânico. O boato de assassinatos sucessivos, mesclado com chacinas efetivamente ocorridas funcionava como forma de controle social e de repressão velada” (ALMEIDA, 1997a:117).

Pesquisa nos arquivos da CPT comprova que maioria dos assassinatos de trabalhadores rurais teve como autores pistoleiros que atuaram sozinhos ou em conjunto com seus patrões (444 casos) ou auxiliando policiais (16 casos). Isto significa que os pistoleiros podem ser considerados responsáveis por, pelo menos, 66,57% dos crimes cometidos contra trabalhadores rurais e seus aliados na luta pela posse da terra.

10.1.2 Polícia Militar

O papel da Polícia Militar ao serviço do latifúndio, sobretudo nas décadas de setenta e oitenta, foi de destaque. A luta contra os invasores de terra foi uma guerra não declarada pelo governo estadual contra sua própria população pobre. 323

Os despejos aconteceram, em muitos casos, à revelia de ordens judiciais. No caso da Gleba Cidapar, a PM, na primeira metade dos anos oitenta, efetuou várias campanhas militares contra mais de 8.000 famílias que residiam na região.324 A atuação da polícia na execução dos despejos foi sem dúvida uma das causas da agudização dos conflitos. 325 A violência

323 BECKER (1990:17) afirma que: "As polícias civil e militar não deixam de ser instrumento do Estado a serviço dos detentores do poder e, neste caso específico, dos latifundiários e empresas rurais, dando guarida a um processo de expropriação, expulsão e morte de camponeses. Assim o bloco do poder gera a violência e agrava a situação do campo à medida que permite a elevação do índice de conflitos, ameaças, expulsões, agressões e assassinatos das lideranças dos movimentos camponeses".324 LOUREIRO (1997:120), utilizando dados da SUCAM, estimou em 35.000 os habitantes daquela região naquele período. 325 Segundo LOUREIRO (1997:126-127): “Uma das causas frequentes de conflitos ou de seu aguçamento tem sido o resultado das ações judiciais e especialmente, a violência com que a polícia reveste o cumprimento dessas ações expulsando

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aumenta porque normalmente é o fazendeiro que oferece o transporte, alimentação, alojamento para os policiais. 326 Em dezenas de casos trabalhadores rurais e a CPT denunciaram que pistoleiros, muitas vezes fardados, acompanhavam os despejos retirando da área não só os réus devidamente identificados na ação judicial, como também todos os seus vizinhos. 327 No caso da fazenda Marreca (Conceição do Araguaia), os policiais despejaram também várias famílias que o próprio fazendeiro tinha citado como seus confinantes na petição inicial.

Analisando os relatórios de conflitos arquivados no secretariado regional da CPT PA-AP foi possível verificar que em 78 assassinatos membros da ativa da PM do Estado do Pará aparecem como suspeitos de serem os executores dos crimes, enquanto em 16 casos teriam atuado em conjunto com jagunços. Isto significa que, em lugar de proteger a vida dos cidadãos, a PM pode ser considerada responsável por 13,60% dos assassinatos de trabalhadores. Um dado preocupante é que a maioria destes crimes, 57, (60,64%) foi cometida depois do fim da ditadura militar. Segundo ALMEIDA (1997b:44):

posseiros e suas famílias. No caso em questão, a violência foi maior porque não havia ainda tramitado na justiça qualquer ação contra os posseiros, mas havia a confiança por parte dos grupos econômicos que compraram as terras de que o Estado, através de todas as suas instâncias, atuaria no sentido de resguardar seus capitais aplicados, ainda que a compra tivesse um claro caráter especulativo”.326 ANISTIA INTERNACIONAL (1998:20) comprovou, graças a depoimento do gerente geral, que dois dos ônibus utilizados pela Polícia Militar no massacre de Eldorado do Carajás foram fornecidos pela Companhia Vale do Rio Doce acrescentando que: “A Companhia costuma fornecer ônibus, alimentos e cobertura de despesas a policiais participantes de operações na região”. (grifos nossos) L. COSTA (1999: 49) descrevendo despejos acontecidos em algumas fazendas de Eldorado de Carajás em 1985 afirma que o gerente da fazenda e os pistoleiros que acompanhavam a Polícia Militar queimaram casas dos posseiros: "os policiais do Batalhão da Polícia Militar de Marabá, responsáveis pelo despejo, assistiram passivamente a queima das casas (...). Os policiais não poderiam permitir esse tipo de ação, pois legalmente tratava-se de destruição de patrimônio particular, mas o fizeram, pois estavam sendo "pagos" pelo fazendeiro. O fazendeiro tinha fornecido transporte e alimentação para que os policiais fossem às áreas".327 No relatório de ANISTIA INTERNACIONAL (1998:2) sobre os massacres de Corumbiara e Eldorado do Carajás se afirma: “Os policiais foram acompanhados ou assistidos por civis, associados aos fazendeiros da região, que também cometeram violações de direitos humanos com aparente aquiescência da polícia”. Em Eldorado várias testemunhas, que nunca foram ouvidas no inquérito que apurava o massacre, afirmaram ter reconhecidos vários pistoleiros entre os PMs.

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“Em quase todas as situações atuais de conflito não se registra a presença ostensiva de jagunços e pistoleiros. Há sim, uma presença destacada de policiais militares. São os aparatos repressivos do Estado que estão num primeiro plano, promovendo desejos e remoções, com registro de execuções e arbitrariedades. Isto é um pouco diferente dos fatos ocorridos no período inicial do Plano Nacional de Reforma Agrária da Nova República, em que a ação das Policias Militares era complementar àquela dos pistoleiros. No momento atual haveria uma certa inversão dos papeis. O Estado está mais diretamente comprometido com os massacres, enquanto a ação da UDR é mais episódica e restrita a São Paulo e Paraná”.

A atuação da PM foi bem resumida por um lavrador de Santana do Araguaia (apud IDESP, 1990:42): "A Polícia acoberta pistoleiros, muitas vezes eles são os próprios pistoleiros, eles têm raiva de nós, porque nós não têm nada para eles e eles ganham dinheiro do fazendeiro. Isto é claro. Nós estamos aqui servindo de instrumento para a polícia ganhar dinheiro ... e o poder público nada faz diante de tanta violência".

Analisando a imagem que os posseiros têm da Polícia L. COSTA (1999: 120-121) afirma que: "a polícia sempre aparecia nos discursos como patrocinada pelos fazendeiros, uma espécie de milícia privada. Um órgão ao serviço dos fazendeiros, que de maneira nenhuma também seria responsável por defender a segurança e o bem-estar dos posseiros" (grifos nossos).

Em vários casos os trabalhadores denunciaram que a PM roubara seus pertences (dinheiro, bicicletas, roupas, aparelhos de rádio, etc.), derrubara e queimara suas casas e colheitas, quando não chegaram a estuprar mulheres (como no caso da “Operação Desarmamento” nos povoados de Paraúnas e Monte Santo em São Geraldo do Araguaia em fevereiro de 1987) (BISPOS, 1987). 328

328 A “Operação Desarmamento”, junto ao massacre dos Sem Terra de Eldorado do Carajás, foi uma das páginas mais tristes da história recente do Estado. A Polícia Militar, colocando em prática um plano planejado pelo Ministro da Justiça Paulo Brossard, durante várias semanas espalhou o terror no sul do Pará. Os bispos do sul do Pará escreveram um documento no qual descreveram esta violência. A gravidade dos fatos denunciados levam a transcrever um amplo trecho pois só o conhecimento destes fatos impedirá sua repetição: “A história de nosso povo, história triste e sofrida, é conhecida até fora do Pais. Talvez as mais negras páginas de violência e arbitrariedade foram escritas com o sangue e sofrimento desse povo. (...) A Polícia Militar do Estado do Pará, sob o comando do coronel Antônio Carlos da Silva Gomes, desencadeou uma verdadeira caça aos posseiros e às suas famílias. Entre os lugares onde esta polícia deixou o rastro de sua barbárie e violência queremos

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O compromisso da polícia com fazendeiros fez o pai de OLÍMPIO SOUZA CALIXTO (380), peão morto a golpes de facão pelo gato no dia 19/03/86, declarar para a CPT AT: "Não fui até a fazenda Acapu porque tive informações de um vizinho que não adiantaria, pois tanto o fazendeiro Jeremias Lunardelli, como o gerente Manoel Carlos da Silva, e o gato Antônio Bispo Souza teria dado dinheiro para a Polícia para que não fizesse nada contra a fazenda”.329

O caso da fazenda Arizona (Redenção - PA) mostra como a polícia apurou o assassinato de uma pessoa, o desaparecimento de outra e o ferimento de vários peões:

“As investigações policiais foram totalmente fracas e inadequadas. A polícia usou toda prova da maneira mais favorável ao gato Wilkens Martins e seus homens que eram acusados de assassinato e trabalho forçado. Havia fortes depoimentos registrados contra os acusados, com riqueza de detalhes. No entanto, mesmo quando as denúncias de espancamento de uma vítima eram provadas nos exames médicos, a polícia preferia acreditar que os ferimentos haviam sido causados por brigas entre os próprios trabalhadores e não pelos espancamentos descritos detalhadamente pelas vítimas. (...) Um dos aspectos

destacar Paraúnas e Monte Santo, distrito de São Geraldo, município de Xinguara (...). Tendo a sede da fazenda do Banco Bamerindus como quartel general e sob o comando do capitão Saldanha, cerca de 100 soldados e pistoleiros vestidos com farda da PM, portando fuzis e metralhadoras, investiram contra os povoados. Mulheres estupradas, crianças amarradas e penduradas pelos cabelos, obrigadas a servir de chamariz para os pais; homens amarrados e espancados com coronhas de fuzil, pisoteados e chutados, forçados a comer excrementos de animais e engolir cigarros e folhas com espinhos; bombas de gás lacrimogêneo atiradas no templo da Assembléia de Deus; tiros ininterruptos e espancamentos dentro da Igreja Católica, cabelos cortados a facão; continuas ameaças de depravação sexual; saques e roubos generalizados; interrogatórios sob coação dentro da sede da fazenda Bamerindus; mulheres grávidas e crianças tendo que rastejar na lama e entre formigueiros enquanto as balas zuniam por sobre suas cabeças. Assim se pretendeu levar a paz e a tranquilidade ao campo (...).O que dizer das incontáveis prisões ilegais e despejos arbitrários, dos bárbaros assassinatos com mutilações e torturas? O que dizer da impunidade total e da cumplicidade descarada da polícia, do Poder Judiciário e mesmo do executivo? BASTA! Deus está sendo negado, quando o homem criado a sua imagem e semelhança é assim massacrado!” (Grifos nossos). O comandante desta operação militar, coronel Antônio Carlos da Silva Gomes, poucos meses depois foi nomeado Secretário de Segurança Pública do Estado do Pará pelo governador Hélio da Mota Gueiros. Apesar da gravidade dos fatos e da repercussão internacional desta denúncia, até hoje, dez anos depois, ninguém foi punido329 Documento constante no Arquivo da CPT PA-AP.

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mais chocantes do ‘inquérito’ policial é o fato da polícia ter ido abertamente à fazenda procurar o cemitério clandestino na companhia dos acusados e não das testemunhas e vítimas. Além disso, eles só foram à fazenda mais de trinta dias depois de receber a queixa inicial dos trabalhadores. Como era de se esperar, não conseguiram localizar o cemitério, nem restos humanos ou qualquer outra evidência do crime”. (AMÉRICAS WATCH, 1991:108-109).

O Relatório sobre conflitos área ex-GETAT elaborado por técnicos do MIRAD (apud BRASIL, 1985a:9) analisando a atuação dos órgãos públicos reconhecia: “Existem denúncias segundo as quais o aparelho policial tradicionalmente tem dado apoio a fazendeiros e grileiros, promovendo despejos e agindo com violência contra os posseiros”. 330

Esta realidade foi assim descrita pelo relatório final da Comissão Parlamentar de Inquérito criada pela Câmara dos Deputados (apud CPT, 1993:34):

“Nos anos 70, até meados de 80, a violência física caracterizava-se basicamente pela contratação de pistoleiros por parte de latifundiários, que assassinavam as lideranças dos trabalhadores, agentes pastorais, advogados, padres, etc. Na medida em que os trabalhadores foram se organizando, a figura do pistoleiro já não conseguiu mais resolver o “problema”. Passou-se a utilizar as forças repressivas da Polícia Militar que também se especializou neste tipo de repressão. Mas, em muitas regiões, nem o serviço destas forças tem resolvido o “problema” e começou a ser utilizada a organização de grupos paramilitares, muitas vezes treinados e comandados por ex-oficiais”.

ANISTIA INTERNACIONAL (1998:2), depois de exaustivas investigações sobre os massacres de Corumbiara (Rondônia) e Eldorado do Carajás (Pará) (654-672), as piores chacinas praticadas no campo por policiais militares nas últimas décadas, assim afirmava:

“As autoridades estaduais pareciam mais influenciadas pelos interesses dos fazendeiros locais do que pela preocupação com a segurança física dos manifestantes, posseiros e policiais. A polícia empregou força excessiva, perpetrou execuções extrajudiciais e dedicou-se a atos de tortura e violência com o objetivo de ferir, aleijar e aterrorizar as vítimas. Os feridos

330 A mesma denúncia é relatada por ANISTIA INTERNACIONAL (1988:46) : “Há evidências de que a polícia estadual não só parece tolerar os atos criminosos cometidos por pistoleiros e empregados das fazendas como também é frequentemente vista na companhia deles e mesmo, algumas vezes, participa de operações conjuntas com pistoleiros para desalojar camponeses, às vezes sem mandados judiciais”.

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foram espancados e vários camponeses foram executados extrajudicialmente depois de se terem rendido. (...) Os policiais agiram de maneira ilegítima no cumprimento dos mandados de expulsão, ao realizarem a expulsão em Corumbiara durante a noite e ao removerem seus crachás de identificação em Eldorado do Carajás. Ambos os casos sugerem que a violência policial foi premeditada e não uma reação espontânea à resistência inesperada” (grifos nossos).

É necessário destacar que quer seja em Eldorado do Carajás, quer seja em Corumbiara, quem representou o Estado como mediador nas negociações com os trabalhadores rurais foram oficiais da Polícia Militar e em ambos o casos o desfecho foi igual: o massacre. 331

Não só como autora de crimes a policia manifestou sua submissão ao latifúndio, como também na sua tarefa de investigação dos crimes sua atitude foi muita vezes parcial. Quando acontece um crime contra um trabalhador, precisa vencer muitas dificuldades para que ele seja investigado e punido.332

ANISTIA INTERNACIONAL (1988:15) denunciou que:

“Os familiares das vítimas relataram suas dificuldades em convencer a polícia a registrar suas declarações ou a tomar medidas em relação às mesmas, e disseram que tinham sido tratados com extremo desrespeito pelos policiais. Mesmo quando queixas foram formalmente registradas e investigações policiais iniciadas, eles não confiavam que suas declarações seriam incluídas nos autos policiais. Em alguns casos, agentes da polícia local disseram abertamente a familiares desolados que as vítimas tinham merecido seu destino.” 333

331 ALMEIDA (1997:44) afirma que: “Para estes oficiais enquanto mediadores de antagonismos a solução tem sido invariavelmente o extermínio. Resolve-se eliminando fisicamente, desprezando os ditames democráticos de solução pacífica e negociada” (grifos nossos). 332 DUTRA (apud TRIBUNAL, 1988:72) mostra como os inquéritos mal conduzidos levam ao arquivamento dos processos: “os inquéritos, na maioria das vezes, são feitos defeituosos, ora por incapacidade do aparelho policial, ora por falta de estrutura que a polícia não tem, de propósito, e ora por conivência. A polícia faz mal feito para dar brecha. (...) Então há também uma vontade política do Estado de ser negligente quando os lavradores são vítimas e de ser bastante ágil quando os lavradores são acusados de qualquer crime que envolva a posse da terra”.333 Estas denúncias constam de um relatório produzido por duas comissões que Anistia Internacional enviou ao Brasil: a primeira, em junho e julho de 1986, visitou os estados do Pará, Maranhão e Goiás, a segunda, em julho e agosto de 1987, veio ao Pará discutir a apuração de alguns casos concretos com as autoridades estaduais

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Em vários casos o delegado de polícia alegou não poder registrar a queixa por falta de papel ou de máquina de escrever ou chegou a aconselhar a vítima a se mudar do lugar se: "quisesse continuar a viver" (conselho dado pelo Delegado de Polícia de Goianêsia quando dona Maria foi denunciar o assassinato de seu marido, o filho Clésio, de três anos, e um irmão).

ANISTIA INTERNACIONAL (1988:9-44) além de denunciar as dificuldades no registro oficial do crime (onde foi destacado de maneira especial o caso da chacina de Goianêsia) (492-494), denunciou também a não abertura ou encerramento prematuro de investigações policiais (caso de

(Governador do Estado, Secretário de Segurança Pública, Presidente do Tribunal de Justiça do Estado, Procurador Geral de Justiça do Estado do Pará e juizes do interior do Estado) e entidades da sociedade civil (entre elas a Comissão Pastoral da Terra). Também a Coordenadoria de Conflitos Agrários (CCA) do MIRAD tinha apresentado a mesma denúncia (apud BRASIL, 1987f:61-62): “A certeza da impunidade tem feito por conta de agravar as estatísticas já trágica que se delineiam a cada conflito de terra. Os casos de agressões, lesões corporais, homicídios dolosos e roubo da produção agrícola dos trabalhadores rurais, à mão armada, têm aumentado sensivelmente, em particular, nessas regiões que apresentam elevado número de ocorrências de conflitos de terra com mortes. Em contrapartida, os procedimentos policiais, através de inquéritos e diligências várias, propiciam um quadro em certa medida revelador dessa tendência delineada. Registre-se o desaparecimento de inúmeros autos de processos e inquéritos que investigavam mortes de posseiros, agentes de pastoral, líderes sindicais e advogados de trabalhadores rurais (...). A par com esta morosidade na apuração dos delitos, verifica-se a ocorrência de inúmeras manifestações de protesto e reivindicação de justiça naquelas regiões em que se detecta uma maior incidência de conflitos de terra com registro de atos de violência”. No caso de Belchior, assassinado com 140 tiros em Rio Maria em 1991, a família procurou o delegado para denunciar o crime: “encontraram num bar o sargento Miranda, que respondia na época pelo cargo de delegado. “Falamos para ele que o Valter Valente tinha atacado os posseiros e feito fogo contra eles e que havia mortos. O sargento nos respondeu que não iria ao local, porque não sabia se os fatos denunciados por nós eram verdadeiros e também porque não iria estragar seu carro na estrada”, conta Adélia [viúva]. No final da tarde, o posseiro Pedro Gonçalves de Oliveira, que presenciou a cena, foi à delegacia para dar queixa do crime. Novamente o sargento Miranda disse que não iria até a gleba. Diante dessa omissão, amigos de Belchior arrumaram um carro para que a polícia fosse buscar o corpo. Mais uma vez o delegado se recusou a ir, nem deixou que nenhum soldado do destacamento os acompanhasse até o local do crime. Somente no dia seguinte, devido à insistência da família é que o delegado determinou a ida dos policiais para apanhar o corpo de Belchior Martins da Costa.” OLIVEIRA (1991:54).

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Belchior Martins da Costa de Rio Maria) (153); apontou falhas nos procedimentos de investigação em loco e de autópsia (chacina do Castanhal Ubá – 292-300 - e o caso Antônio Bispo dos Santos 454); falhas na prisão de suspeitos de crimes (o juiz de Marabá determinou em 1985 a prisão de Sebastião Pereira Dias, o famoso Sebastião da Teresona e a polícia o soltou inexplicavelmente um dia depois de prendê-lo); fuga de pistoleiros (fuga do mesmo Sebastião da Teresona da prisão de Conceição de Araguaia no dia 08 de novembro de 1985); desaparecimento de documentos de inquérito (caso do inquérito do ‘Gringo’, Gabriel Pimenta, Ubá e Adelaide Molinari); investigações incompletas que levaram ao arquivamento de casos (Princesa e Ubá); persistentes obstruções à conclusão de processos judiciais (apesar de Anistia não citar nenhum caso do Pará, pode-se lembrar aqui o inquérito que visava apurar o assassinato de João Canuto no qual reiterados pedidos do Ministério Público de fazer novas investigações foram desatendidos pela polícia); falta de progresso nas investigações de assassinatos em outros estados (mais uma vez Anistia só cita casos acontecidos em outros estados, pode-se, porém, lembrar o caso do Benedito Alves Bandeira, ‘Benezinho’ cujos mandantes, apesar de terem sido denunciados pelos próprios pistoleiros que o assassinaram, nunca foram incomodados por morarem no Estado do Espírito Santo apesar das cartas precatórias remetidas para aquele estado); ameaças de morte contra camponeses, seus líderes e assessores (aqui os casos são muitos, pouquíssimos deles investigados também quando as vítimas eram, ou tinham sido, deputados estaduais como João Carlos Batista e Paulo Fontelles, ou tinham apresentado seus denúncias ao próprio governador do Estado, como João Canuto, ou ao presidente da República, como Pe Josímo Tavares). O mundo inteiro assistiu na televisão a maneira precária com a qual foram realizados os exames de balística da chacina de Eldorado do Carajás. Um fato mais grave ainda é aquele de inquéritos tendenciosos que em lugar de averiguar as responsabilidades dos autores dos crimes procuraram criminalizar os trabalhadores que foram vítimas da violência. 334

334 Em setembro de 1995, por exemplo cinco trabalhadores da fazenda Pastoriza, localizada no município de São Geraldo do Araguaia, foram presos por um agente da polícia civil acompanhado de um grupo de pistoleiros e violentamente espancados para que revelassem onde encontravam-se os outros posseiros. Nesta operação três posseiros foram mortos e nove conduzidos à delegacia de Marabá. Os trabalhadores: “foram indiciados pelo delegado Francisco Eli por: tentativa de homicídio, invasão de propriedade e formação de quadrilha. Devido à pressão das Entidades, contestando a ação e a versão da polícia, um delegado especial (Roberto Teixeira), foi nomeado para apurar os fatos, Um novo inquérito foi aberto,

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Em que pese o fato de que em 218 casos de assassinatos denunciados nos últimos 34 anos, as notícias não revelavam seus nomes tendo sido apresentados como: “NÃO IDENTIFICADO”, e que 84 deles foram identificados só com o apelido fazendo com que em 43,71% dos casos a instrução criminal que apurasse responsabilidades fosse sobremaneira difícil, é porém verdade que em 389 denúncias, isto é, 56,29% dos casos foi fornecido o nome completo da vítima permitindo a eventual abertura de inquérito. Em 370 casos, isto é, 53,55% do total, foram também divulgados o nome completo do possível autor e mandante dos crimes. Ainda mais que uma investigação que começasse imediatamente depois a divulgação das denúncias poderia ter levado em vários casos à identificação dos mortos e dos autores apresentados como desconhecidos. Precisa-se também considerar que, no interior do Pará, muitas pessoas são conhecidas só com seu apelido e este poderia ser um elemento suficiente para localizar eventuais familiares que pudessem fazer o reconhecimento formal das vítimas. Na maioria dos casos tinha sido noticiada a localidade e a data do crime.

Normalmente a polícia afirma não dispor de viatura para ir averiguar os fatos, 335 não ter possibilidade de identificar os corpos e prender os

inocentando os trabalhadores e indiciando o agente da polícia e três pistoleiros da fazenda (...). Mesmo com as pressões feitas e os acusados residindo na região, até o momento, não há informações de que tenham sido presos”. In COMISSÃO PASTORAL DA TERRA DIOCESE DE MARABÁ (97:1). O mesmo documento termina afirmando: “A ação da polícia civil, frente aos assassinatos e violências cometidas contra trabalhadores rurais na luta pela posse da terra na diocese de Marabá tem sido de total conivência com a situação. Quando não está diretamente envolvida nos crimes se exime de apurá-los. Quando é para prender trabalhadores, a polícia tem carros, pessoal, vai até as fazendas, prende, espanca e processa trabalhadores. Mas quando se trata de apurar crimes de trabalhadores rurais, prender pistoleiros, apurar casos de trabalho escravo ... não tem tempo, carro, pessoal e é morosa. Quando há pressão age, cessaram as pressões nada mais é feito. Ofícios tem sido encaminhados com frequência para a Secretaria de Segurança Pública denunciando essas várias formas de violência e pedindo providências mas a resposta tem sido o descaso e a omissão”. COMISSÃO PASTORAL DA TERRA DIOCESE DE MARABÁ (97:3). As vítimas são constantemente transformadas em réus, apesar de que sua única culpa é a teimosia em tentar sobreviver nas mais adversas situações.335 Nas chacinas da fazenda Ubá e Princesa, onde foram assassinados 14 trabalhadores rurais em 1985, a polícia só foi na área depois que a equipe da CPT de Marabá colocou a sua disposição seu carro. O ofício n.º 0012/90 remetido em 15/06/90 pela Dra. Maria do Perpétuo Socorro Velasco dos Santos, Promotora de

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assassinos. Inquéritos, quando abertos, não foram concluídos e suas peças foram extraviadas (caso João Canuto), peças de processos também desapareceram (caso Belchior Martins Costa de Rio Maria que desapareceu quando foi criada a comarca de Rio Maria e só foi reconstruído graças ao árduo trabalho do Dr. Henry Guy Emile Des Roziers, advogado da CPT de Conceição do Araguaia e de Irmã Adelaide Molinari), os suspeitos fugiram da cadeia (Sebastião da Teresona e seu bando de Conceição do Araguaia em 1987), ou até do Quartel Geral da Polícia Militar (Sargento Edson Matos, em 1992), muitas vezes às vésperas do julgamento (Argenor de Xinguara em 1986) ou depois de terem sido condenados (Ubiratam Ubirajara em 1993). Apesar do Art. 10 do Código de Processo Penal prever o prazo de trinta dias para que um inquérito seja concluído e remetido para a Ministério Público, quando se trata de apurar crimes contra trabalhadores rurais os prazos são desprezados. O inquérito que apurou o assassinato de João Canuto demorou mais de dez anos para ser concluído, isso apesar de que dois pistoleiros e um proprietário tivessem sido presos pouco depois o crime (neste caso o prazo previsto é de dez dias). 336

Justiça da comarca de Marapanim, para a Dr. Edith Marília Crespo, Desembargadora Procuradora Geral de Justiça do Estado, afirmava: “Existe nos autos do Inquérito requerimento do MP. as fls. 48 datado de 09/01/89, no sentido de que fossem ouvidas 2 testemunhas que se encontravam na companhia da vítima no momento em que esta foi abatida por vários tiros na localidade 15 de novembro, naquele município. Diligência essa imprescindível ao oferecimento da denúncia. (...) Retorna os autos de Inquérito à juízo em janeiro/90 justificando a autoridade policial o não cumprimento da diligência em virtude da falta de transporte para se deslocar até a localidade de 15 de novembro. Foi devolvido mais uma vez em 16/01/90 à autoridade policial com despacho da Dra. Juíza (...) sem que até a presente data houvesse sido cumprida a referida diligência”. Sendo que o crime aconteceu em novembro de 1988 o fato de que as testemunhas que o presenciaram não tivessem sido ouvidas 19 meses depois mostra a falta de compromisso da polícia para se desvendar o crime descumprindo assim seu dever institucional.336 O Ministério Público solicitou várias vezes que a polícia realizasse diligências para apurar melhor este crime. O Ofício n.º 19/90 de 25/05/90 remetido pela Promotora de Justiça de Rio Maria para a Dra. Maria de Lourdes Silva da Silveira, afirmava: “Informo também, que o inquérito policial que apura a morte de João Canuto de Oliveira, continua na polícia para serem cumpridas as diligências que foram requeridas em 1986, pelo então Promotor de Justiça de Conceição do Araguaia, Dr. Gilberto Pinheiro, as quais não foram cumpridas e ao receber o referido inquérito renovei o pedido de cumprimento das mesmas, por serem imprescindíveis para o oferecimento da denúncia, diligências essas, que até a presente data não foram cumpridas”. (grifos nossos). Passaram-se mais cinco anos para que o inquérito fosse terminado, será que treze anos depois dos fatos é possível

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A fragilidade de muitos inquéritos nos quais não são interrogadas tempestivamente todas as possíveis testemunhas dos crimes, não se têm o cuidado de se identificar as pessoas assassinadas e realizar os exames de balística para determinar qual o tipo de arma utilizada, numa palavra a falta de coleta de todas as provas necessárias para a propositura da ação penal representa uma grave distorção do sistema jurídico pátrio, pois retira do juiz a competência para julgar e a transfere para a polícia. Muitos inquéritos e processos foram arquivados devido a esta falta de cuidados (quando não deliberada omissão ou conivência da autoridade policial). Esta situação faz com que, em vários casos, o delegado substitua o juiz emitindo, ele mesmo, a sentença de absolvição dos acusados. Quando a autoridade policial age corretamente, o processo fica paralisado. 337

Em contraste total com a atitude permissiva em relação aos crimes cometidos por pistoleiros contratados, têm sido frequentes as detenções de camponeses, em muitos casos seguidas de violações dos direitos humanos como maus tratos e torturas. Os camponeses foram detidos em muitos casos sem ordem judicial e mantidos em detenção ilegal por longos períodos. 338

Quando quem detém o dever institucional de defender o cidadão está entre os que o agridem, os que praticam o crime, perde-se a confiança no Estado. Todas estas considerações possibilitam afirmar que a polícia sempre teve pouca falta de vontade política de coibir os crimes, apurá-los e entregar os culpados para a justiça. 339

reconstruir com fidelidade os fatos e colher os elementos necessários para conseguir punir os culpados? Este atraso não representa uma deliberada intenção de acobertar os criminosos dificultando sua punição?337 O advogado Felipe AMADEU (apud FAJARDO, 1988:100) apresentando o caso da chacina da fazenda Princesa (Marabá) no Tribunal Nacional dos Cries do Latifúndio, destacou a atuação honesta do delegado de policia que só não conseguiu identificar três dos pistoleiros envolvidos e chegou a seguinte conclusão: “Afora isso ele cumpriu exatamente os mandamentos do Código de Processo Penal. Convocou autoridade policial militar, fez diligências, localizou os cadáveres, identificou o fazendeiro e os outros criminosos e pediu prisão preventiva dos identificados. A juíza de Marabá decretou a prisão preventiva dos quatro. Mesmo assim, o processo hoje está paralisado”.338 BARATA (1995:54) cita o caso dos militares que, em 19/06/80, procuraram prender Avelino Ganzer: “Como os militares passaram a revistar a casa, Roseli quis saber com ordem de quem eles faziam a revista, tendo recebido como resposta que: “tinham ordem judicial, diretamente da juíza de Brasília”. Ao pedido para ver a ordem judicial e a identificação dos militares, estes, em resposta, apontando para suas metralhadoras, disseram: “o nosso documento é esse”.

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10.1.3 Poder Judiciário

Uma carta denúncia remetida em 1984 pelo sindicato de Viseu ao governador Jáder Barbalho, depois de relatar vários casos de trabalhadores rurais assassinados entre 1980 e 1983, denunciava a violência policial e assim apresentava a atuação do Poder Judiciário:

“Além desses assassinatos brutais, covardes e selvagens, todos impunes, é constante a prisão arbitrária pela própria Polícia do Estado, como ocorreu em Paragominas (...) assim como é de espantar a parcialidade e a morosidade da Justiça, quando para punir os grileiros e pistoleiros, enquanto para efetuar despejos e expulsões dos posseiros é rápida ao extremo, destacando-se nessas injustiças as juízas de Paragominas, São Miguel do Guamá, Marabá, etc. Portanto, Senhor Governador, a paciência dos trabalhadores rurais está chegando ao seu limite, pois o que tem acontecido ao longo dos anos é que todos esses crimes e violência têm ficado impunes - por essa razão ocorreu o linchamento dos pistoleiros de Tomé Açu ... onde a população revoltada justiçou (submeteu a julgamento popular e sumário os 3 pistoleiros...)” (grifos nossos). 340

Pode-se observar como a desconfiança no Poder Judiciário, aliás a acusação direta de seu claro comprometimento ao lado dos fazendeiros, faz com que se justifique o linchamento como forma de justiça popular e sumária. Esta posição, perfeitamente compreensível em quem sofreu tanta violência, representa, porém, o fim do Estado de Direito. 341

339 Para investigar estes crimes e propor as medidas necessárias para agilizar os inquéritos e/ou processos abertos o Dr. Paulo Sette Câmara, Secretário de Segurança Pública do Estado do Pará criou, através da Portaria n.º 058 de 6 de agosto de 1997, publicada no Diário Oficial no dia 12 de agosto de 1997, um Grupo Especial de Trabalho (GETAC) integrado por representantes do Tribunal de Justiça do Estado, Ministério Público, Polícia Civil, Militar e Federal, Secretaria de Justiça e de Segurança Pública, FETAGRI, OAB e CPT. O grupo, porém, não concluiu seus trabalhos pela desistência de algumas entidades.340 Ver Exposição e denúncias do STR de Viseu ao governador do Estado, 10/07/84, In LOUREIRO (1997:147-148). 341 ALMEIDA (1997:121) escreveu um artigo muito interessante sobre a utilização do linchamento como instrumento de justiça camponesa. Segundo ele: “O ato [de linchamento] funciona como um ritual de coesão social que reforça a identidade do grupo, que ampara suas reivindicações básicas face aos aparelhos do Estado e que delimita seus domínios face ao poder local. Um princípio de solidariedade ativa consolida uma unidade de mobilização constituída situacionalmente, ou seja, cuja duração corresponde ao cumprimento de um determinado objetivo comum”. MARTINS (1982:9-10 e 64) apresentando o livro de KOTSCHO que descreve a

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Os trabalhadores têm plena consciência da omissão do poder público denunciando-a:

“Da nossa parte continuamos como nossos pais nos ensinaram: firmes, decididos e trabalhando, porém não vemos as autoridades merecedoras de nosso respeito e confiança, estão brincando com um problema muito sério. (...) .Será justo transformar nossas roças “celeiros de vida” em “campos de batalhas” cemitérios de tantas mortes? (...) Tivemos a coragem de viajar até Belém aproximadamente 1.500 posseiros, para testemunharmos nossa esperança, nossa

violência sofrida pelos trabalhadores rurais na região do atual estado do Tocantins manifestava como os posseiros chegaram a perder sua confiança nas autoridades: “É um livro duro, seco, direto, como as situações que descreve. Situações de aguda violência contra os pobres do campo, que aos poucos vão descrendo das instituições públicas que supostamente existem para garantir a igualdade de direitos e os princípios da cidadania, o respeito à vida e à pessoa, ao direito do trabalho e de sobrevivência. Os que cometem tais violências são justamente ilustres figuras da República, através de uma cadeia de interesses e de relações que vai do senador ao deputado, do ministro, até do oficial, ao juiz, ao delegado de polícia, ao policial, ao soldado, ao oficial de justiça, ao jagunço, ao pistoleiro profissional. Um retrato espantoso de banditismo acobertado por um infernal aparato de poder e pela certeza da impunidade. Os que assim se beneficiam do poder, na sua voracidade de riqueza e de mando, não se dão conta de que estão destruindo as frágeis estruturas políticas do país, desmoralizando-as ou o que delas resta. Esses são os subversivos que o país precisa conhecer, alguns dos quais aqui retratados sem complacência. Subversivos não são os peões e os posseiros pobres do Araguaia e do Tocantins, nem os agentes sindicais que efetivamente os representam, nem os sacerdotes, as religiosas, os agentes de pastoral, os bispos que nessa área arriscam diariamente a vida na defesa dos direitos, da vida e dignidade dos trabalhadores da terra e dos índios. Subversiva é a escandalosa demonstração de prepotência levada a efeito no povoado de Sampaio por um certo major “Curió” com tropas que deveriam estar ao serviço da nação, no sequestro de Nicola Arpone, na prisão dos padres Aristides e Chico, no arrestamento de posseiros que não dispõem de outra arma, na verdade ferramenta, que não seja a espingarda de caça, o terçado de folha ou a força dos braços. Como subversiva é a ação do juiz-grileiro que decide em causa própria, do funcionário, do oficial de justiça, do soldado ou do policial que não se pejam de servir como força de cobertura para bandos de jagunços que expulsam, que queimam casas, que destroem roças dos trabalhadores”. [No dia 23 de julho de 1979 o Major “Curió” comandou o bombardeio do povoado de Sampaio – TO quando um helicóptero do exército chegou a jogar cinco bombas e disparar várias rajadas de metralhadora.]. Vinte e um anos depois os fatos descritos neste livro continuam impunes. Hoje a realidade daquela região é diferente, a atuação dos representantes dos Poderes Constituídos outra, mas será que foi reestabelecida a confiança dos pobres da terra no Estado?

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fé e nossa certeza numa solução pacífica, através da justiça, das instituições e das autoridades; mas infelizmente isso só serviu para aumentar nosso sofrimento. (...) Não agüentamos mais ver a forma como a justiça nos tem tratado, é ridículo o estado em que chegamos, assim como ridículos são os argumentos que usam para nos condenar. Mas nós perguntamos porque a justiça quer nos incriminar, se nunca deixamos buscá-la para nos proteger?” (IDESP, 1988b:2).

O folheto que convidava para a missa de 70 dia do líder sindical Sebastião Mearim, assassinado por pistoleiros a serviço da Cidapar no dia 08 de janeiro de 1981, era elucidativo sobre a falta de amparo da qual eram vítimas os trabalhadores rurais (apud LOUREIRO, 1997:108): “O ano de 1980 foi um ano em que os posseiros recorreram a todas as autoridades procurando proteção das leis, não tendo recebido nenhum apoio de tais autoridades”. (grifos nossos). Por isso, segundo AMERICAS WATCH (1991:10-11):

“A certeza que os colonos têm de que a justiça não vai protegê-los gerou ma descrença geral no sistema. Alguns pegam armas para defender suas casas e famílias. (...) A abdicação do papel do Estado na aplicação da lei abre espaço para a lei do mais forte, o que não é o caso dos colonos. (...) Américas Watch estudou a violência rural que é subproduto da luta pela terra, observando, em particular, o papel do Estado. Descobrimos que os governos estaduais e o federal têm abdicado dos seus papeis de prevenir e punir a violência criminal e têm permitido impunidade de fato aos pistoleiros contratados pelos poderosos donos de terra...”.

Não só os trabalhadores denunciaram o comprometimento da justiça. Os bispos do Regional Norte II da CNBB (1991) numa carta aberta depois de listar prisões ilegais, ameaças de morte a padres, religiosas e lideranças sindicais afirmavam:

“O quadro de violência é cada vez mais assustador e espantoso. Os mandantes e executores destes atos criminosos continuam na impunidade. Autoridades judiciais tomam aberta e decididamente posição em favor dos responsáveis pelos crimes e acobertam aqueles que prendem, queimam casas e espancam famílias pobres e indefesas. Pistoleiros conseguem fugir das cadeias, enquanto posseiros têm os pedidos de “Habeas Corpus” recusados. (...) A quem devemos apelar? Todas as denúncias às autoridades, até agora, não surtiram efeito” (grifos nossos). 342

342 Este documento foi assinado por todos os 12 bispos do regional, In Arquivo da Comissão Pastoral da Terra PA-AP. Dom José Elias CHAVES (1991), Presidente da CNBB Regional Norte II um mês depois do assassinato de Expedito Ribeiro de

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A parcialidade da justiça pode ser comprovada através dos fatos relatados a seguir:

“Nessa área [área do ex-GETAT], que se apresenta como a região de maiores conflitos pela posse da terra, com a ocorrência de centenas de assassinatos, verifica-se que esses crimes dificilmente chegam a ser apurados e os responsáveis julgados. Impera um clima de total impunidade que implica num estado de insegurança para a população. Há denúncias que setores do aparelho judiciário atuam em conivência com pretensos proprietários ou grileiros na expedição de medidas liminares para a promoção de despejos de famílias, sem considerar seus direitos de posse já adquiridos. Observa-se, ainda, que setores do aparelho judiciário demonstram pouca sensibilidade no tocante a função social da propriedade, apegando estritamente à legislação civil e demonstrando um certo excesso de zelo na defesa do direito de propriedade. As ações judiciais propostas pelo Poder Público com o objetivo de obter anulação dos títulos irregulares, tramitam morosamente no Poder Judiciário retardando a solução de determinados conflitos fundiários” (grifos nossos) (BRASIL, 1985a:9).

O excelentíssimo Juiz de Direito de Primeira Instância assim se tinha manifestado para denegar os habeas corpus pleiteados pelos acusados do assassinato de João Canuto: “Assim, se ordem for concedida, ratificada estará a crendice popular de que no Brasil só os pobres são punidos pela Justiça, enquanto os ricos delinquem na certeza que nada lhes aconteça”. Apesar disso o Tribunal concedeu a liberdade aos suspeitos. As palavras do

Souza remeteu uma carta de solidariedade para o povo de Rio Maria na qual se afirmava: “Nós bispos do Regional Norte II angustiamo-nos junto com vocês, estamos indignados com o descaso das autoridades diante da sucessão de crimes por causa da posse da terra, Sim, não é falta de competência, pois quando vem uma pressão internacional logo identificam e prendem pistoleiros e até mandantes (...). Deus é testemunha que o povo tem esperado demais pela justiça da lei. A paciência do povo já chega ao limite”. Segundo PINHO (1991:21 e 22) “A impunidade é a arma inseparável de mandantes, pistoleiros e jagunços assassinos. É ela que os ajuda a perpetrarem mais e mais crimes. A poderosa arma impunidade está gerando uma indústria de homicídios encomendados que cresce a cada dia sem fronteiras. (...) A indústria dos crimes de encomenda não enfrenta qualquer obstáculo para se instalar. (...) É modernizada, esquematizada, metódica, objetiva e altamente especializada, contando ainda com verbas financeiras específicas para cada caso. Em contrapartida, os mecanismos policiais são arcaicos, desaparelhados, sem metodologia, sem condições para enfrentar ou até mesmo medir a potência do seu inimigo”.

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juiz podem ser consideradas proféticas, pois até hoje, nenhum mandante dos crimes que têm sua raiz em conflitos agrários foi punido no Estado do Pará.

Dos 703 casos de trabalhadores rurais assassinados no Estado do Pará de 1964 a 1998, só em 183 casos temos notícia de que tenham sido abertos inquéritos e só 113 deles deram origem a processos que tramitaram ou estão tramitando na justiça. Os casos investigados alcançam assim 26,03% dos casos denunciados, enquanto só 16,07% chegaram à tramitar na Justiça. Nos últimos anos foram realizados os júris populares ou emitidas sentenças de impronúncia, arquivamento ou absolvição em 18 casos, isto é, só 2,56% dos casos ocorridos foram julgados. Este número aumentaria consideravelmente com a inclusão do julgamento dos policiais responsáveis pelos assassinatos dos integrantes do MST em Eldorado dos Carajás, passando de 18 para 37 casos e elevando o porcentual dos julgamentos para 5,26% dos casos denunciados. Este processo, porém, foi anulado pelo Tribunal de Justiça do Estado do Pará. Uma pesquisa como esta foi realizada pelo Projeto Pesquisa e Acompanhamento Jurídico Criminal no Estado do Maranhão, estado que, depois do Pará e Bahia apresenta o maior número de trabalhadores rurais assassinados. Utilizando os dados gerais de assassinatos (ver tabela 18 – Anexo 13) se chega a seguinte conclusão: trabalhadores rurais assassinados: 205; inquéritos abertos: 77 (37,56 % dos casos denunciados); Processos Judiciais: 33, envolvendo 40 vítimas (19,51%); condenações 1 (0,49%). Estes dados mostram, sem necessidade de ulteriores comentários, o desempenho da Justiça em apurar e punir cometidos contra trabalhadores rurais 343

343 ERMACORA e NOWAK (apud SIQUEIRA 1998:90-91), da Universidade de Viena, analisando a violência no Maranhão chegam as seguintes conclusões: “A relação a que se faz referência na perseguição dos casos de homicídio, é a existente entre as autoridades policiais e a justiça. Não estaremos errados ao afirmarmos que os órgãos da polícia estão do lado do poder político. E portadores deste poder político são, sobretudo no Estado do Maranhão, ao mesmo tempo, importantes latifundiários. Desta maneira, Luís Rocha, ex-governador do Estado, João Castelo e José Sarney, o próprio presidente da República, são os maiores latifundiários do Estado. Ao seu lado, está a polícia, que parece preferir mais os detentores do poder à lei. A estreita relação dos detentores do poder político e a administração policial deixam aparecer parcialmente a sua função de protetores. Dessa forma, pode-se explicar que a polícia não realiza as investigações dos ‘assassinatos fundiários’ ou não o faz como deveria. Depois, a polícia teria estado implicada em alguns casos de homicídios. Ela conhecia o assassino, mas não interviria. Visto que os Tribunais, no caso da perseguição judicial, não podem prescindir, essencialmente, dos trabalhos de investigação da polícia” (grifo nossos).

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Até hoje o Poder Judiciário do Estado do Pará sentenciou só os seguintes casos que envolvem assassinatos de trabalhadores rurais por questões de terra:1- José Soares Cunha (88 - Óbidos) o réu chegou a ser preso por oito meses, mas foi solto por ser menor de idade em junho de 1980;2 - Armando Oliveira da Silva (“Quintino”) (237 - Viseu), assassinado por 19 PMs comandados pelo Capitão Cordovil em janeiro de 1985: todos foram absolvidos pela Auditoria Militar;3 - Salvador Alves dos Santos (331 - Paragominas) o processo foi arquivado em abril de 1986 por falta de provas para oferecer a denúncia;4 - Ariston Alves dos Santos (329 - Paragominas) o processo foi arquivado em agosto de 1986 por falta de provas para oferecer a denúncia;5 - Manoel Antônio (60) O réu foi absolvido pelo Tribunal do Júri Popular em 16/03/88.6 - Virgílio S. Serrão (456 - Moju) a defesa, em 30/09/91, apelou da sentença de condenação do réu a dois anos e seis meses de detenção por homicídio culposo;7 - Benedito Rodrigues da Conceição (71 - Bagre), o réu foi condenado pelo tribunal do júri em julho de 1992.8 - Basílio R. Menezes (518 - Inhangapi) e9 - Francisco R. Menezes (519 - Inhangapi) o réu foi condenado em setembro de 1993, mas encontra-se foragido;10 - Paulo César Fontelles Lima (465 - Ananindeua), assassinado em junho de 1987: foram condenados o pistoleiro (Osvaldo Rocha de Pereira a 19 anos) e quem planejou e intermediou o assassinato (Jaime Vita Lopes a 21 anos em 22/01/93); 11 - Expedito Ribeiro de Souza (573 - Rio Maria), em 16 de dezembro de 1994, foram condenados o executor do crime (José Serafim Sales) e o gerente da fazenda (Francisco de Assis) que o contratou. O primeiro a 23 anos e o segundo a 22 anos de prisão. Por este crime foi condenado também o fazendeiro Jerônimo Alves Amorim por ter encomendado o assassinato;12 - Paulo Canuto de Oliveira (558 - Xinguara) e13 - José Canuto de Oliveira (557 - Xinguara) foi condenado o PM que ajudou os pistoleiros.14 - Paulo Vieira (523),15 - “Rio Grande” (521) e16 - “Mineiro” (522) o processo foi arquivado.17 - Carlos Gualberto Lisboa (204) o processo foi arquivado devido à prescrição.

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18 - Raimundo N. Nascimento (358) O réu foi absolvido pelo Tribunal do Júri Popular em 30/04/9019 - 37 Assassinato dos 19 Sem Terra de Eldorado de Carajás: os comandantes da Operação Militar foram absolvidos pelo júri popular que foi, porém, anulado pelo Tribunal de Justiça do Estado do Pará, ainda aguarda-se a data do novo julgamento.

Como se pode ver até hoje um único mandante foi julgado: Jerônimo Alves Amorim. O clima de terror espalhado ao redor da fazenda dele é bem retratado por uma carta remetida por uma moradora da fazenda Nazaré para a CPT de Rio Maria (apud CPT, 1995:17): “A noite não durmo, olho meus filhos dormindo, tenho vontade de me matar para não ver meus filhos mortos pelos pistoleiros. Nos ajude por favor. Antes que seja tarde. Não cite meu nome, pois não tenho dinheiro para comprar o caixão”. Testemunhos como este são frequentes nas áreas de conflito. O medo leva as vítimas da violência a calar para sobreviver pois, como diz ASSELIN (1982:127), “O crime é algo milagroso. Não há culpados e ninguém fica sabendo. O assassino nunca aparece, e quem sabe nunca diz. Quem morre é considerado o criminoso. Aqui tem que se passar por bobo ou por medroso. Ouvir as coisas e se esquecer, senão está morto”.

Em 1972 o dono da fazenda Chaparral (Conceição do Araguaia), uma área de 8.712 ha, conseguiu um mandato de reintegração de posse concedido pelo juiz de paz da comarca que estava assumindo como suplente o juizado. Esta decisão irregular, pois concedida por quem não tinha competência, resultou no despejo dos posseiros pela PM. Este é só um dos casos exemplares de despejos realizados irregularmente. No Arquivo do Secretariado Regional da CPT PA-AP existem dezenas de denúncias parecidas com esta.

Enquanto isso o processo que apurava a morte de um pistoleiro acontecida em 13 de agosto de 1981 em São Geraldo do Araguaia foi celeremente instruído e os réus, 13 posseiros e os dois padres franceses Aristídes Camio e François Gouriu, foram julgados e condenados em 22 de junho de 1982 pela Auditoria Militar de Belém, isto é, dez meses depois, em meio a um aparato militar sem precedentes na história paraense. Padre Aristídes já tinha sido interrogado pelo Major Curió sobre suas atividades e denúncias sobre a situação agrária daquela região. Dom Luciano Mendes de Almeida, então Secretário Geral e depois Presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, acompanhou de perto todo este processo e além de denunciar que os acusadores dos padres tinham sido submetidos à tortura, apontar as diferentes falhas processuais e enquadrar o acontecido no contexto da grave situação fundiária existente afirmava: “A região do

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Araguaia tem sido cenário de muitas mortes violentas que, infelizmente, nem mereceram ser apuradas em inquérito”. (CHINEM, 1983:13).344

O processo de João Canuto, depois de ficar parado durante mais de onze anos, teve várias audiências na segunda metade de 1997, graças a indicação de um juiz especial encarregado deste caso. O mesmo juiz, Dr. Otávio Marcelino Maciel é responsável pelo processo que apura a mais grave das chacinas cometidas no campo no Brasil: o assassinato de 19 integrantes do MST acontecido em Eldorado do Carajás em 17 de abril de 1996 por parte da PM. Também neste caso a instrução processual, depois de ter ficado parada durante meses, começou a ser mais rápida com a indicação de um juiz especial. A responsabilização coletiva dos 153 policiais envolvidos sem a diferenciação das culpas, pode, porém, levar alguns soldados a serem punidos de forma superior a sua efetiva responsabilidade enquanto outros, sobretudo os que assassinaram friamente pelas costas alguns dos Sem Terra, ou aqueles que mataram Oziel Alves Pereira (656) com quatro perfurações, duas das quais na cabeça, uma delas na nuca a bala depois que o mesmo já estava preso, podem receber penas aquém de suas culpas.

A CPI sobre violência no campo da Assembléia Legislativa do Estado do Pará afirmava (PARÁ, 1991a:46):

“Do ponto de vista penal, a morosidade é uma falha tão grave que culmina com a absolvição do réu e tem sido a marca de atuação do Poder Judiciário onde os processos judiciais tramitam lentamente e se eternizam. Por essas e outras ações, é que a população está descrente na justiça. Hoje não se denuncia mais ao promotor ou ao juiz. As pessoas vão diretamente aos jornais, rádios ou televisão para fazer suas denúncias, tal é o descrédito que têm na Justiça. No entanto o poder judiciário se mostra ágil e eficiente nas ações cíveis,

344 As palavras de um dos defensores dos padres, o D. Heleno FRAGOSO (apud CHINEM, 1983:108), bem retratam o caráter deste julgamento: “Será que esse não é uma encenação de um julgamento que á foi feito? Será que não estamos apenas fazendo a mímica da Justiça?”. Segundo Pe Ricardo REZENDE (1986:95), então coordenador da Comissão Pastoral da Terra Araguaia Tocantins, o processo dos padres tinha sido “preparado” durante vários meses: “Conjugam-se discursos e denúncias contra “setores” da Igreja no Congresso e na Imprensa, preparando o desfecho onde os tiros dos 13 posseiros não passariam de um pretexto”. A criminalização dos que denunciam a situação não é uma prerrogativa do Pará. Em 1984 o coordenador da CPT do Paraná, Darci Frigo, denunciou um fazendeiro de Bocaíuva do Sul por explorar crianças submetendo-as a trabalho escravo. O juiz de Ponta Grossa determinou o arquivamento do processo por falhas processuais. Frigo foi porém condenado por ter denunciado o fato. Ver CHIAVENATO (1996:24).

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aonde a propriedade particular corre perigo. O processo tramita com rapidez surpreendente, os serventuários da justiça cumprem os prazos legais, os oficiais de Justiça cumprem o mandato de reintegração ou manutenção de posse, que normalmente são expedidos em tempo recorde pelos juizes, o mesmo acontecendo com a requisição de força policial que desloca o aparato policial militar proporcional ao tamanho da fazenda. O exemplo recente foi o cumprimento de reintegração de posse da fazenda de Joaquim Fonseca, um dos acusados de ser o mandante do deputado estadual João Carlos Batista. Foi uma verdadeira operação de guerra com 400 homens armados de metralhadoras e bombas de efeito moral, helicópteros, ônibus e carros particulares”.

Diante deste quadro a ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL (1986:114 e 115) divulgava em 14/06/86 a Declaração de Araguaina (GO) na qual dizia:

"A elucidação dos crimes de morte ocorridos nós últimos anos, em razão da questão fundiária, não oferece maiores dificuldades de ordem técnica, desde que as autoridades públicas se disponham a afastar as influências do poder político, que, em larga medida, é o responsável direto pela impunidade absoluta que prevalece nesta região.(...) O Encontro concluiu que o Poder Judiciário está, sem qualquer margem de dúvida, absolutamente falido, impossibilitado de cumprir sua missão constitucional". 345

Os dados apresentados mostram que só em raríssimos casos o braço da lei alcançou os responsáveis por crimes e isso foi um fator de estímulo à reiteração dos mesmos. Também o Dr. PAULO SETTE CÂMARA (apud IMPUNIDADE: 1998), Secretário de Segurança Pública do Estado do Pará no segundo governo de Alacid Nunes e atualmente no governo Almir Gabriel, responsabiliza o Poder Judiciário de favorecer a impunidade: “Temos dezenas de crimes impunes que foram apurados pela polícia e encaminhados à Justiça. Muitos não foram julgados até agora, outros casos não tiveram seus inquéritos instaurados ou encaminhados à justiça. O quadro de impunidade é realmente muito grande” (grifos nossos).

345 Também a associação dos funcionários do INCRA (CNASI, 1997:8) apresenta uma avaliação parecida sobre o desempenho do Poder judiciário: “O Poder Judiciário, por sua vez, ignorando a supremacia do direito à vida e da própria função social inerente a propriedade da terra, termina por se pronunciar, na estrita interpretação da lei, em favor dos interesses de proprietários que utilizam seus imóveis com fins meramente especulativos, para impor aos excluídos do meio rural os rigores de normas absolutamente divorciadas das questões de índole social e coletiva”.

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Diante da omissão do Poder Judiciário em julgar e punir os responsáveis por estes crimes, a sociedade civil, nos últimos quinze anos organizou vários TRIBUNAIS DA TERRA que colocaram no banco dos réus o Estado como autor e cúmplice na prática de assassinato e o Poder Judiciário como omisso em cumprir sua tarefa institucional. No Tribunal da Terra realizado no Maranhão o Dr. Alfredo Wagner B. de Almeida (apud TRIBUNAL, 1998:91), atuando como perito, depois de condenar a ação dos órgãos fundiários acusando-os de favorecer a concentração da propriedade da terra, chegou a qualificar desta maneira a atuação do Poder Judiciário daquele estado:

“Se nós formos examinar as práticas do judiciário procede-se da mesma forma. As sentenças dos juizes, por exemplo: a própria demora desses autos aqui. Vejam o caso do Manoel Tintino. São cinco anos. Passados cinco anos, o processo está no mesmo ponto. Ou os outros que são anulados pelos juizes por falta de provas quando as provas são mais que públicas e evidentes. Há uma culpabilidade dos magistrados muito grande. O judiciário do Maranhão está com as mãos sujas de sangue. Evidentemente que está. Duas condenações em cerca de 230 homicídios de trabalhadores rurais. Esses autos aqui são provas para depois nós podermos julgar os Juizes. Essa é a vantagem de um tribunal como este. No banco dos réus do futuro vão estar Juizes e que omitiram essas sentenças, que bloquearam a justiça. Vão estar os promotores que se pronunciaram dessa forma tendenciosa, viciada. Vão estar aqueles que libertam os pistoleiros presos. Acho que a vantagem de um Tribunal como esse está na força da livre expressão. Eu só aceitei de participar dessa idéia de Tribunal, porquanto também ela possa ser estendida como um Tribunal que vai julgar os Tribunais, que vai julgar a própria idéia de Tribunal. (...) Cada depoimento que está aqui, cada parecer jurídico que está dado é elemento que evidencia que o judiciário, que o legislativo e que o executivo estadual ou federal nunca funcionaram como árbitro de conflito, funcionaram sempre como parte. O Estado aqui é parte dos conflitos” (grifos nossos). 346

Se a vida dos trabalhadores parece ter pouco valor para o nosso poder judiciário a propriedade, ao contrário, é muito bem protegida. A CPI da Câmara dos Deputados sobre a Violência no Campo Brasileiro assim

346 Além deste Tribunal da Terra realizado em São Luís (MA) de 29 a 30 de novembro de 1993, realizaram-se também dois Tribunais da Terra em Belém, outro em Goiânia e várias outras capitais brasileiras. A sentença do tribunal de São Luiz foi a seguinte: “O Tribunal da Terra do Maranhão, aos trinta dias do mês de novembro de 1993, reunido na sede da CEPRAMA, em São Luís, por unanimidade, declara culpado o Estado por ação e omissão, pela violência no que concerne à violação dos direitos dos camponeses” (grifos nossos. TRIBUNAL, 1998:153).

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avaliava o desempenho do judiciário nas questões possessórias (apud CPT, 1993:35): “O uso indevido das ações possessórias que se destinam à defesa da posse para proteção da propriedade, quando a maioria dos latifúndios não possui sequer posse direta, com títulos falsos e, muitas vezes, inexistentes”. Nos últimos anos os despejos com ordem judicial foram numericamente sempre maiores enquanto diminuíram as expulsões operadas ilegalmente por pistoleiros que caracterizavam os primeiros anos da luta pela terra. É urgente convencer os excelentíssimos senhores juizes a conceder liminar só depois de terem realizado uma inspeção no local do conflito e de ter ouvido o Ministério Público, sem se deixar convencer única e exclusivamente por uma certidão de propriedade que, quando muito, comprova propriedade, nunca a posse do imóvel que é o objeto das ações possessórias.

Segundo Nei STROZAKE (apud FILGUEIRAS, 1997:13), advogado do MST, cerca de 95% das reintegrações de posse são concedidas ilegalmente, não respeitando sequer o que é estabelecido pelo Código de Processo Penal. 347 Os despejos violentos que acontecem em todos os recantos do país nos quais trabalhadores rurais são assassinados ou torturados, suas casas e roças são queimadas, contrariam o dispositivo constitucional que proíbe a aplicação de penas degradantes e infames. Diante da parcialidade de alguns juizes a “Revista Sem Terra” (1997) chega a definir a Justiça brasileira como: “Um instrumento do latifúndio para perpetuar a miséria.” 348

347 No mesmo artigo o jurista Dalmo Dallari (apud FILGUEIRAS, 1997:13), condena a acusação feita contra membros do MST de formarem quadrilha. Na sua opinião: “muito mais perto da formação de quadrilha estão muitos fazendeiros do Pontal que não só praticam a grilagem, mas usam jagunços para defesa dessa grilagem, além de pregarem abertamente o uso da violência contra os trabalhadores”. 348 O Dr. Plínio de Arruda SAMPAIO (apud FILGUEIRAS, 1997:17), que durante o processo constituinte foi relator do capítulo relativo ao Poder judiciário e hoje integra a rede de advogados que defendem os direitos do POVO DA TERRA, afirma que enquanto um processo de discriminatória de terra pública com a consequente retirada dos grileiros demora mais de quarenta anos, a concessão de uma liminar de despejo contra lavradores que ocupam um latifúndio improdutivo, é conseguida em vinte e quatro horas.

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Gráfico 3: Evolução do número de despejos judiciais e expulsões nos últimos doze anos:

155

432

60220

62164

585441

555

40

1401

062215

1718

1829088

2000

334

20

131

800

200

400600

8001000

12001400

16001800

87 88 89 90 91 92 93 94 95 96 97 98

DESPEJOS COM ORDEM JUDICIAL X EXPULSÕESESTADO DO PARÁ (1987-1998)

DESP. JUD

EXPULSÃO

FONTE: CPT NACIONAL

A sensível diminuição dos despejos judiciais nos anos 1995-1996 deve-se mais ao fato da SEGUP não cumprir as ordens judiciais do que à diminuição da concessão de liminares.349 Em 1997 foram realizados vários despejos atendendo determinações judiciais fazendo com que o Pará voltasse e ter uma situação parecida com o resto do País onde está em curso uma: “crescente judicialização da violência (...), onde as vítimas de expulsão e vítimas de ameaças de expulsão vem sendo progressivamente substituídas por vítimas de despejo judicial e vítimas de ameaça de desejo judicial“ (CPT, 1998:11).

A constatação desta realidade não pode levar a uma condenação pura e simples do Poder Judiciário como poder atrelado ao latifúndio. Apesar da distância abissal existente ainda hoje entre os juizes e o povo, isto talvez porque se: ”No Brasil, ao longo de sua história, o judiciário tem se caracterizado como o poder das elites” como afirma a CPT (1993:22), 350 nos

349 Em dezembro de 1996 existiam mais de setenta ordens de despejo engavetadas. Ver lista fornecida pela SEGUP ao Secretariado Regional da Comissão Pastoral da Terra Pará Amapá em 1997. 350 O Dr. Marcello LAVENÈRE MACHADO (apud CPT, 1995:13), então presidente do Conselho Federal da OAB assim se manifestava: “Não se pode afirmar que haja um comprometimento do Poder Judiciário com os interesses do latifúndio.

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últimos anos vários juizes assumiram posições corajosas que merecem ser apoiadas. Não se pode esquecer também o compromisso de muitos promotores para que a lei seja cumprida e os culpados pelos crimes punidos.

Estes fatos mostram a necessidade e urgência de se instalar a Justiça Agrária especializada prevista pelo artigo 126 da Constituição Federal e 167 daquela do Estado do Pará. A Lei Complementar n.º 14, de 17 de novembro de 1993, criou 10 varas privativas na área do Direito Agrário, Minerário e Ambiental no Estado do Pará. Até hoje porém as mesmas não foram instaladas por falta de recursos. 351

Todavia há, sem nenhuma sombra de dúvida, alguns desvios que precisam ser encarados e corrigidos. O mito da neutralidade, pelo qual o Poder Judiciário não deveria ter qualquer envolvimento político, provocou na verdade, seu alheamento do sofrimento do povo, sua indiferença em relação aos conflitos e seu descomprometimento com as injustiças sociais. Tanto melhor julgaria a Justiça quanto mais se guardasse das paixões e das emoções. Vale dizer da vida real, como ela é. Assim, condenado a viver numa torre de marfim, o Poder Judiciário perdeu sensibilidade e, com uma venda nos olhos, deixou de enxergar a realidade”. A Comissão Pastoral da Terra PA-AP, em conjunto com a Sociedade Paraense de Defesa dos Direitos Humanos, a Ordem dos Advogados do Brasil, a Central Única dos Trabalhadores e a FETAGRI PA-AP, promoveram em 20 de novembro de 1992 o II TRIBUNAL DA TERRA para chamar a atenção da sociedade sobre a necessidade de combater a violência no campo. A Dra. Salete Maria Polita MACCALOZ (apud CPT, 1994:21), juíza que presidiu o Tribunal assim sentenciava a conduta do Estado: “O povo do Estado do Pará, através de suas entidades mais representativas, e neste II TRIBUNAL DA TERRA, onde foi conhecida e julgada a Justiça de classe, por não distribuir justiça social, remédio efetivo para os atos que violaram os direitos fundamentais como a vida, a liberdade, a segurança pessoal e o trabalho, a terra e a moradia, enquadrada, por isso mesmo, no artigo 80 da Declaração Universal dos Direitos Humanos. Sentencia: 1 Condenando, porque tem ela dois modos de agir na matéria criminal, eficiente quando se trata dos processo e punições dos pobres trabalhadores rurais e seus líderes sindicais, mas é morosa, inoperante e incapaz de processar e julgar os ricos, os proprietários de terra e seus pistoleiros; Sentencia : 2 Condenando, porque quando acionado, o Poder Judiciário não impulsiona os órgãos e instituições que poderiam levantar os elementos necessários ao julgamento dos infratores, paternalizando a cumplicidade dos policiais, tornando-se ela própria co-participante dos inúmeros assassinatos insolúveis e impunes, alternativamente, banalizando a violência no campo e na cidade”.351 A Constituição Federal de 1988 trata desta questão em seu artigo 126: “Para dirimir conflitos fundiários, o Tribunal de Justiça designará juizes de entrância especial, com competência exclusiva para questões agrárias. Parágrafo Único: Sempre que necessário à eficiente prestação jurisdicional, o juiz far-se-á presente no

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Outra providência importante seria aquela do Brasil reconhecer:

“A autoridade da Corte Interamericana de Direitos Humanos e ratificar o primeiro Protocolo Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos. Isso permitiria que indivíduos levassem queixas de violações de direitos humanos à Organização dos Estados Americanos e à Comissão de Direitos Humanos das Nações Unidas quando todas as soluções nacionais estivessem esgotadas e houvessem falhado. Dado o clima de impunidade que prevalece no Brasil, as imperfeições e a lentidão da justiça criminal, as soluções criminais brasileiras são fracas. Portanto, é ainda mais importante que os brasileiros tenham acesso a foros de direitos humanos regionais e internacionais” (grifos nossos) (ANISTIA INTERNACIONAL, 1998:31-32).

Esta atitude, longe de ferir a soberania nacional, pois inicialmente continuaria a ser necessário esgotar as instâncias nacionais, seria um importante instrumento para coibir a violência e a impunidade.

SIQUEIRA (1998:88) propõe que, para se prevenir e diminuir a violência agrária, se insira na Constituição Federal um dispositivo que permita a expropriação sem qualquer indenização e sem prejuízo de outras sanções previstas em lei, ao proprietário das: “terras marcadas pelo sangue de trabalhadores”. 352

local do litígio”. A Constituição do Estado do Pará ampliou as atribuições destes juizes de entrância especial confiando-lhes, a tarefa não só de cuidar da resolução das lides agrárias, como também aquelas relativas ao meio ambiente, registros públicos, crédito, tributação, previdência rural e todos os delitos cuja motivação for prevalentemente agrária. (artigo 167). A criação de uma justiça especializada é o coroamento da discussão sobre a autonomia do direito agrário. Hoje, na maioria dos casos, os juizes continuam a decidir as lides agrárias utilizando o “velho” Código Civil elaborado quando a situação sócio-econômica e o conceito de propriedade eram bem diferentes dos de hoje. Nestes oitenta anos, contra a vontade dos latifundiários que sempre detiveram o controle do poder no nosso país, a sociedade evoluiu não aceitando mais um direito de propriedade com ranço de sacralismo fora de época. Hoje o Juiz deveria utilizar as leis agrárias, além dos ditames constitucionais que, apesar de reconhecer o direito de propriedade (Art. 5º, XXII), o condiciona ao cumprimento de sua função social (Art. 5º, XXIII).352 A Constituição Federal de 1988 tem um dispositivo similar no caso de imóveis onde se descobrir o plantio de plantas psicotrópicas: “As glebas de qualquer região do País onde forem localizadas culturas ilegais de plantas psicotrópicas serão imediatamente expropriadas e especificamente destinadas ao assentamento de colonos, para o cultivo de produtos alimentícios e medicamentosos, sem qualquer indenização ao proprietário e sem prejuízo de outras sanções previstas em lei” (Art. 243, caput).

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10.1.4 Administração Pública

A dupla face da administração pública no trato das questões fundiárias na década de setenta e oitenta foi bem retratada pelo documento apresentado à Mesa da Assembléia Legislativa pelos deputados Paulo Fontelles e Romero Ximenes (PMDB-PA) (apud LOUREIRO, 1997:129):

“Nesse conflito todo, entre humildes posseiros e grileiros e pecuaristas improvisados, o ITERPA não toma parte, não diligencia, não realiza sindicâncias, não desloca técnicos com objetivos definidos, procedimento este marcado pela inércia e pelo desinteresse, que contrasta flagrantemente com a precipitação, o empenho e a subserviência característicos de suas atitudes quando os interesses, problemas e negócios em jogo se vinculam de perto aos empreendimentos empresariais de fortes e ricos grupos econômicos sulistas e estrangeiros”.

Em 1975 um lavrador anônimo de Palestina escreveu uma carta significativa ao Presidente da República: “Acredito que os funcionários do INCRA fazem algumas coisas por aqui por fora da lei, mas eu acho que não é apoio de nosso Presidente da República porque acredito que a Nação toda é brasileira e todos somos irmãos e todos precisamos trabalhar. E vimos aqui uma lei tão diferente: o apoio é só para os fazendeiros, os funcionários das fazendas, eles têm dinheiro, o pobre não têm dinheiro”. 353

Enquanto os processos administrativos de regularização fundiária demoravam mais de uma década, vários empresários tinham fácil acesso aos órgãos fundiários, conseguindo rapidamente seus títulos. LOUREIRO (1997:114) fala da concessão num único dia, em 20 de setembro de 1976, de cinco Licenças de Ocupação de Terras Públicas feita pelo INCRA para membros da família Kabacznick totalizando 11.492 ha. Evidentemente tratava-se de uma única fazenda que era, porém, subdividida em lotes para evitar ter que pedir a autorização ao Senado, como determinava a constituição em vigor. É de estranhar que nenhum técnico do INCRA tenha levantado a suspeita de que, possivelmente, estava sendo praticada alguma ilegalidade. O tempo mostrou como a máquina administrativa governamental não conseguiu acompanhar o processo de ocupação que ela mesma tinha planejado como ordenado, criando as premissas para a violência. Os órgãos criados para administrar a questão agrária (MEAF e, sobretudo GETAT) em

353 VER Arquivo da CPT. No Setor de documentação da CPT estão arquivadas várias cartas como esta nas quais trabalhadores dirigiam-se para o Presidente da República pedindo sua ajuda para resolver conflitos.

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lugar de resolver os conflitos procuraram de todas as maneiras quebrar a resistência dos trabalhadores à consolidação dos latifúndios. 354

As autoridades não só omitiram-se não combatendo a violência, mas ela foi interpretada como algo de natural que faz parte do processo de modernização do campo (ALMEIDA, 1990c:7). Os trabalhadores denunciaram esta falta de compromisso dos órgãos fundiários com a solução de seus problemas quando, num memorial dirigido ao governador Jáder Barbalho, afirmavam (apud IDESP, Anexo 7, 1998b:2): “Chamamos a atenção do ITERPA que sempre procurou nos ludibriar; primeiro recolhendo dinheiro para regularizar nossas posses, mas nem regularizou e nem devolveu nosso dinheiro. Tem sido para nós o maior causador dos problemas existentes, pois só se faz presente a certas ocasiões e isso sempre através de pessoas irresponsáveis e oportunistas (...)”.

A CPI sobre Violência no Campo criada em 1991 pela Assembléia Legislativa do Estado do Pará (PARÁ, 1991a:43) em suas considerações finais responsabilizou o Poder Público pela violência no campo afirmando:

“A partir dos depoimentos de autoridades, líderes sindicais, religiosos, presidentes de entidades, da sociedade paraense, informações de organismos oficiais, a CPI constatou que o grande responsável pelo atual quadro de violência no Estado do Pará, é o Poder Público (...). O Poder Público, que deveria atuar como mediador dos conflitos no meio rural, tem-se mostrado ausente. Esta ausência, no entanto, não deve ser entendida nem justificada pelo argumento de que as autoridades desconhecem a real situação do meio rural paraense, que é gestada pelo próprio governo federal, na medida em que órgãos oficiais e entidades não oficiais têm apresentado estudos aprofundados sobre as causas e consequências da violência no campo paraense. Na verdade, o que falta é vontade política para enfrentar o problema, na intenção de modificar a caótica estrutura fundiária paraense”. (grifos nossos). 355

354 Segundo BECKER (1990:24) pode-se afirmar que: "Os conflitos que ocorrem na fronteira são intrínsecos à sociedade brasileira e constituem fruto e condição da integração do território. (...) A ação coordenadora do Estado não elimina os conflitos; pelo contrário, agrava-os. No processo de reordenação do território, agudiza-se o conflito pela terra que, adquirindo valor de troca como mercadoria, adquire também valor de uso; movimentos de contestação contra o espaço produzido/controlado, centralizado e hierarquizado - reivindicam um contra-espaço." 355 A CPI da Câmara Federal que investigava as origens da violência no campo chegou à mesma conclusão: “A eclosão da violência organizada no meio rural decorre, pois, de uma cadeia concatenada de atos, ações ou omissões por parte do Poder Público, em suas três vertentes: Executivo, Legislativo e Judiciário. O favorecimento, pelo estado, aos grupos e grandes proprietários rurais, a falta de

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Em seu depoimento à CPI que investigava as origens da violência no campo: “O Subprocurador –Geral da República, na pessoa do Dr. Álvaro Augusto Ribeiro Costa, responsabilizou a Polícia Federal, na pessoa de seu então Diretor Geral, Delegado Romeu Tuma, por ter deixado sem resposta a maioria das solicitações de providência feitas pelo Ministério da Justiça e pelo Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana, relativas à violência no campo” (BRASIL, 1991a:15). Esta omissão e desobediência deliberada à ordens expressas provenientes das mais altas hierarquias do Poder Público por parte de subordinados, não resultou porém em inquérito administrativo nem em qualquer punição. Parece que a administração pública contenta-se em denunciar os acontecimentos, mas não consegue apurá-los e, menos, ainda, puní-los.

10.1.5 Latifundiários

A história nos ensina que as saídas democráticas para solucionar a grave questão agrária nacional sempre foram frustradas pela violenta reação da oligarquia agrária. A violência é parte integrante de um projeto de manutenção e consolidação do poder. 356 MAY (1988:43) destaca a origem da violência contra os trabalhadores apontando o Brasil como o país da América Latina mais violento:

“A violência geralmente é o resultado da voracidade dos grandes latifundiários e comerciantes agrícolas que procuram expandir as suas

garantia de integridade física do homem do campo contra a prepotência e os desmandos do forte econômico e a ausência de normativas legais que imponham o privilegiamento do débil econômico, como acontece em toda sociedade que se diz politicamente organizada, estão na base de todo conflito agrário. (...) Uma das razões que, dir-se-ia, não propriamente pode ser considerada causa, mas, sem dúvida, alimentadora da violência no campo é a ausência, a omissão ou má-atuação do Poder Público” (grifos nossos) (BRASIL, 1991a:6 e 12). Um caso de atuação parcial de um órgão governamental se deu no conflito da fazenda Canãa (Rio Maria), onde a atuação do escritório do GETAT de Xinguara foi escandalosa: “A delegacia do GETAT em Xinguara sugeriu que os pistoleiros também fossem incluídos no assentamento, o que não foi aceito pelo Sindicato dos Trabalhadores Rurais. Foi preciso a intervenção do GETAT de Marabá para resolver o impasse e assentar exclusivamente os posseiros”. OLIVEIRA FILHO (1991:36).356 O paraense Dr. Nelson RIBEIRO (1987:41), que foi o primeiro ministro da Reforma Agrária do governo Sarney, escreveu: “No Brasil, a oligarquia rural tem sido fértil na adoção de mecanismos de violência e, sobretudo, de controle dos meios de comunicação social. Sua esfera de ação não se restringe ao grupo latifundiário; estende-se, também, aos demais segmentos de controle da sociedade procurando, desta forma, outras benesses para a sustentação de seu poder”.

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propriedades, mantendo intata a estrutura de poder rural que atualmente tem ligações urbanas. Esta violência é constante e institucionalizada. A expulsão forçada de pequenos proprietários das suas terras e o assassínio de líderes sindicais que organizam a resistência faz parte do cenário rural do Paraguai, do México e, principalmente, do Brasil (...) Em nenhum lugar este sistema de violência contra os pequenos agricultores e trabalhadores rurais é mais evidente que no Brasil”.

Através da compra e venda de terras promovida pelos órgãos fundiários, grandes empresas conseguiram o reconhecimento formal das áreas por elas pretendidas. Com o título de propriedade na mão, encontraram assim amparo legal para as possíveis ações de despejo. Os posseiros, garimpeiros e os colhedores de castanha passaram a ser considerados como invasores e por isso os fazendeiros puderam apelar ao aparato repressivo do Estado para combatê-los. A expulsão de posseiros de suas terras, foi ilegal não só pela forma utilizada pelos fazendeiros (violência), mas também porque violaram direitos legalmente protegidos (além da vida, Código Penal Art. 121, a integridade física, CP Art. 129, liberdade individual, CP Art. 146, violação de domicilio, CP Art. 150, alteração de limites CP Art. 161, dano, CP Art. 163). O próprio fato de serem possuidores de terras públicas tendo-as beneficiadas e nelas estabelecido sua moradia faz com que gozem da proteção legal, apesar de não ter nas mãos documentos que atestassem e reconhecessem este direito.

10.1.6 União Democrática Ruralista (UDR)

No começo da Nova República nasceu a UNIÃO DEMOCRÁTICA RURALISTA357, entidade várias vezes responsabilizada de fomentar a violência no campo e, na opinião dos familiares das vítimas, assassinar trabalhadores rurais e seus aliados (João Canuto, Paulo Fontelles, João Batista, Chico Mendes, Expedito Ribeiro e tantos outros). Através de leilões a UDR arrecadou milhões, parte deles destinados à comprar armas. Salvador FARINA (apud PANINI, 1990:140), presidente da UDR-Goiás, chegou a afirmar:

"Hoje já podemos confessar que, realmente, compramos armas com os leilões. No primeiro leilão realizado em Goiânia, adquirimos 1.686 armas; com o segundo leilão, em Presidente Prudente (SP), adquirimos mais 2.480 armas e aí

357 Segundo FERNANDES (1999:101) a UDR nasceu em agosto de 1985 em Goiás congregando dirigentes da Federação da Agricultura de Goiás, da Associação dos Criadores de Gir, Nelore e Zebu de Goiás, da Associação dos Fazendeiros de Araguaina e da Associação dos Fazendeiros do Xingu.

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proliferaram as UDRs. Hoje nós temos mais ou menos 70.000 armas, representando a cabeça de cada homem da UDR, homens que deixaram de ser omissos na história do nosso País".

A atividade secreta e paramilitar desenvolvida pela UDR é assim retratada pelo NEP (1988:8): “Estas atividades secretas da UDR não conseguem ser secretas, pois deixam muito sangue pelo caminho. O seu lema: ‘para cada fazenda invadida, um padre morto’, não fica só na ameaça, e as organizações dos trabalhadores rurais dão o seu balanço: desde a instalação da Nova República são 800 lavradores e 9 agentes de pastoral assassinados, 500 ameaçados de morte e 600.000 famílias expulsas das terras que ocupavam”.

FERNANDES (1999: 120 e 125) constatou que das 31 fazendas onde a Polícia Federal encontrou trabalhadores rurais reduzidos a situação análoga a de escravos, entre 1980 e 1990, 19 pertenciam aos proprietários que têm como representação a UDR. Mais grave ainda é que:

"Em 1985 foram cadastrados pelo MIRAD seis conflitos com duplo homicídio, cinco correram nas fazendas Novo Mundo, pertencente a Neif Murad, Ingá, de Celidônio Gomes dos Reis, Canadá: Vale da Serra, de Vanutia Gonçalves de Paula; Surubim. De João Almeida Noleto: e as glebas 42,94,98, sob o domínio de Flávio Pinho de Almeida. Todos sócios da UDR. Em 1986, foram cadastradas 17 áreas de conflito na região do Sul do Pará, onde se registraram 29 mortes. Destes conflitos 14 envolviam propriedades dos filiados da União Democrática Ruralista. Neste mesmo ano, foram denunciados como mandantes de assassinatos de posseiros 7 proprietários, dos quais cinco filiados à UDR". (grifo nosso)

No Pará a UDR chegou a ter "seis sub-regionais nos municípios de Paragominas, Tomé Açu, Marabá, Redenção, Xinguara e Altamira, com um total de seis mil filiados" (FERNANDES, 1989:1).

10.2 VIOLÊNCIA E INCENTIVOS FISCAIS

Só em 1977, isto é, onze anos depois da constituição da SUDAM, o Conselho de Segurança Nacional determinou que a mesma remetesse ao INCRA os documentos apresentados como títulos de propriedade para que fossem analisados. O descaso anterior foi fruto da idéia de que importante era desenvolver a região, pois os resultados econômicos iriam compensar o risco de se apoiar projetos cuja base documental fosse falsa. Hoje, trinta anos depois, é fácil comprovar como aquela escolha foi infeliz e trouxe consequências graves para a região amazônica: grilagem e violência.

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Várias denúncias e pesquisas fazem uma ligação estreita entre incentivos fiscais, que deveriam representar a face mais avançada do processo de penetração do capitalismo no campo favorecendo a instalação de modernas empresas agropecuárias e a violência contra trabalhadores rurais. Infelizmente os incentivos fiscais não representaram só um forte estímulo à concentração da propriedade da terra, à especulação fundiária, mas revelaram sua face mais macabra favorecendo a violência.

Segundo FERNANDES (1999:116), entre 1966 e 1983, foram aprovados 62 projetos agropecuários na região do Araguaia Paraense: "Nada menos que 46 empresas agropecuárias, incluindo 5 grandes madeireiras, estavam na UDR, o que corresponde a mais de 70% do total dos projetos incentivados nesse período (...). Considera-se, aqui, além do caráter improdutivo das empresas agropecuárias, o papel inócuo das políticas de incentivos fiscais do ponto de vista do desenvolvimento regional".

Gráfico 4: Relação entre os assassinatos no campo e o valor de incentivos fiscais:

0,4

5,13,3

0,42,12,3

0,81,2

11,212,9

18,12

1,6

38,340,6

0,2

19,5

3,82,34,2

0,83,8

0,4

11,16,6

0,40,522,1

0

5

10

15

20

25

30

35

40

45

A B C D E F G H J I L M N O

 ASSASSINATOS NO CAMPO E INCENTIVOS FISCAISPARÁ

INCENTIVOS

ASSASSINATOS

LEGENDA: A: VISEU; B: BELÉM; C: BRAGANTINA; D: SALGADO; E: GUAJARINA; F: TOMÉ-AÇU; G: ARAGUAIA PARAENSE; H: MARABÁ; J: BAIXO TOCANTINS; I: FUROS; L: MARAJÓ; M: XINGU; N: BAIXO AMAZONAS; O: MÉDIO A. PARAENSE

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OBS.: O primeiro número corresponde à porcentagem sobre o total dos recursos liberados, o segundo à porcentagem do número total de assassinatos.

Fonte: Autor reelaborando dados de Costa (1989).COSTA (1989:43), na pesquisa sobre incentivos fiscais citada

anteriormente mostra que:

"Os inusitados níveis de violência no campo verificados na Amazônia nas últimas décadas, têm estreita associação com os grandes projetos agropecuários incentivados (...). A frequência de vítimas fatais se movimenta com o valor dos projetos para a micro região em questão (...) O volume de recursos em jogo determina a intensidade da violência. A violência, é sabido, tem destino certo: lavradores, posseiros, trabalhadores rurais, seus líderes e intelectuais".

Também BARP (1997:102), analisando a relação entre o número de trabalhadores rurais assassinatos em conflitos de terra na Amazônia e os investimentos dos projetos aprovados pela SUDAM de 1964 a 1985 chega a mesma conclusão: “O resultado da política de incentivos fiscais foi o aumento da violência no campo nas áreas onde os incentivos foram maiores”.

Estes dois estudos mostram a necessidade de se rever o modelo adotado para desenvolver a Amazônia e que custou tanto sangue inocente. Violência e incentivos fiscais (aliados muitas vezes à grilagem) revelaram-se um trinômio perverso que teve como consequências de um lado o enriquecimento de alguns grupos econômicos privilegiados e, do outro, morte.

Gráfico 5: Relação entre o número de assassinatos em conflitos de terra na Amazônia e os Investimentos em Projetos aprovados pela SUDAM em % - 1964/1985:

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AMAZÔNIA: ASSASSINATOS x INCENTIVOS FISCAIS

0,4

92,88

50,8648,43

0,43

6,63

1,51

83,8

10,344,32

0,26

6,71

88,05

2,612,61

0

10

20

30

40

50

60

70

80

90

100

Acre Amazonas Pará RondôniaAgroindústria Agropecuária Indústria Assassinatos

FONTE: BRASIL (1988d) e MST (1987) apud BARP (1997:103)

Em seu depoimento à CPI da terra, em 1977, o ex-ministro da Agricultura do governo Médici, CIRNE LIMA (apud PINTO, 1980:152), afirmou que a SUDAM e a SUDENE tinham aprovado projetos extensos: “sem qualquer resguardo das posses porventura existentes na área”. É fácil imaginar quanto isso contribuiu para agudizar os conflitos agrários. Em sua análise sobre os incentivos afirma: “Foi essa falta de cautela da parte do órgão responsável pela aprovação de projetos agropecuários na Amazônia a responsável pelo surgimento de sérios problemas fundiários: esses projetos eram aprovados, começavam a ser implantados e só então se descobria que se assentavam sobre titulação irregular ou mesmo ilegal, em alguns casos anulada oficialmente quando caracterizava a fraude” (grifos nossos).

Nos últimos anos vários estudos procuraram pesquisar os efeitos trazidos pelos incentivos fiscais para a região. As informações oficiais sobre vários projetos são desencontradas não permitindo uma avaliação mais

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aprofundada358. Em 1994 o Tribunal de Contas da União (TCU) auditou as contas da SUDAM e do BASA (exercícios de 1988 a 1993. Processo 005.708/94-0) denunciando a existência de dezenas de projetos, envolvendo grandes empresas, que deveriam ser cancelados permitindo a recuperação dos recursos despendidos pelo patrimônio público359. No momento no qual a sociedade brasileira discute intensamente qual o papel do estado na economia deveria se reexaminar se o “desenvolvimento” trazido pela SUDAM beneficiou a região amazônica e quais os ajustes são necessários para as ações futuras desta agência.

10.3 EVOLUÇÃO DA ESTRATÉGIA DE OCUPAÇÃO

A experiência de expulsões sofridas anteriormente por ele ou por alguns de seus conhecidos e a falta de perspectivas de ter uma vida melhor na cidade, faz com que o posseiro procure resistir naquele pedaço de chão no qual tanto labutou. As derrotas anteriores ajudam a elaborar novas estratégias que, discutidas coletivamente, influenciam as novas lutas e as novas formas de resistência. As terras a serem ocupadas não são escolhidas a esmo. Em muitos casos é feita uma seleção que leva em consideração a titularidade das mesmas. As terras griladas e as improdutivas são os alvos prioritários. 360 Analisando os diferentes conflitos pode-se ver como, ao longo do tempo, a estratégia de ocupação evoluiu. Se nas décadas de setenta e oitenta a iniciativa era isolada (uma ou poucas famílias adentravam-se na mata), na década de noventa com a agudização dos conflitos e,

358 O Projeto "fazenda Vale do Rio Cristalino", localizado no município de Santana do Araguaia, com uma superfície de 115.000 ha, que pertenceu ao grupo Wolkswagen, estaria devidamente instalado segundo relatório da SUDAM. Na realidade a fazenda foi desapropriada em agosto de 1998 por ter sido considerado em latifúndio improdutivo.359 A legislação em vigor determina a devolução dos recursos recebidos acrescidos de multa de 20 e juros de mora de 1% ao mês. O mesmo relatório do TCU mostrou que vários projetos receberam recursos públicos durante mais de vinte anos apesar de nunca ter recebido o Certificado de Empreendimento Implantado (CEI). Uma denúncia de TEIXEIRA (1998) mostra que só 11 projetos agropecuários irregulares receberam, nos últimos dez anos, R$ 99.712.556. 360 Assim se expressava uma liderança sindical (apud LOUREIRO, 1997:107): ”Nós temos uma clareza na nossa vida - as terras que são griladas, quando nós queremos entrar, nós entra. Agora, quando é uma terra que tem seus documentos legais que vem de uma herança, que tem uma história registrada nos papeis, aí nós ainda estamos recuando. Só mesmo se tiver desocupada, sem plantação. Ou então se a gente não arranjar outra. Mas se a terra vem de grilagem, nós entramos dentro dela”.

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possivelmente, pela influência exercida pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), a ocupação se dá de forma coletiva: dezenas, quando não centenas, de famílias se reúnem e, juntas, ocupam uma área. O contato pessoal com centenas de pessoas que tiveram que enfrentar jagunços permitiu conhecer algumas das estratégias utilizadas por eles para se defenderem: para evitar serem surpreendidos no caminho da casa para a roça são abertas várias trilhas na mata para despistar os pistoleiros e, para dificultar a preparação de emboscadas, cada dia utilizam-se caminhos diferentes. Inicialmente o trabalho de derrubada, broca e queima é feito em comum (mutirão); enquanto alguns trabalham, outros vigiam armados garantindo a segurança de todos. O perfeito conhecimento da mata permite aos posseiros uma vantagem que, porém, é neutralizada pelo poder de fogo das armas sofisticadas utilizadas pelos pistoleiros. O que continua a distinguir as ocupações promovidas pelo MST daquelas espontâneas que encontram seu respaldo no movimento sindical, é que as primeiras são precedidas por um acampamento onde se discutem em conjunto as atividades futuras e esta prática coletiva se mantém também depois da conquista da terra, enquanto nas outras os trabalhadores entram logo na terra, trabalham inicialmente juntos, mas uma vez garantido o assentamento, prevalece a individualização dos lotes e cada um cuida do seu pedaço. O fato de ter o apoio de uma entidade nacional oferece grandes vantagens: a) podem ser planejadas ações de maneira articulada em todo o Brasil; b) permite ter lideranças que adquiriram experiência de luta e foram treinadas para dar direção às diferentes formas de resistência; c) permite forçar o poder público a ter uma negociação a nível local, municipal, estadual e nacional; d) garante a cobertura da mídia consolidando o apoio popular; e) Permite canalizar ajuda mútua e recursos humanos e financeiros dos que já conquistaram a terra (já foram assentados) em favor dos que ainda encontram-se em áreas de conflito. O excessivo centralismo e a verticalização das decisões podem porém, em alguns casos, prejudicar. A conquista da terra exige hoje um processo de organização onde a iniciativa de um indivíduo isolado encontra sempre menos espaço.

10.4. OS TRABALHADORES RURAIS E SUAS ORGANIZAÇÕES

Diante da violência e desrespeito aos seus direitos fundamentais os trabalhadores começaram a se organizar e reagir. Já em 1977 Dom Alano PENA (1977:287), bispo de Marabá (PA) afirmava perante à CPI: "O lavrador reage como uma fera acuada, como uma mãe que protege os filhos pequenos. É uma luta de vida ou de morte. Cansou-se de fugir, mesmo porque não há jeito de evitar o enfrentamento proposto pelos grandes. É

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preciso reunir toda sua experiência, sua coragem, e sua força para ser um lavrador livre".

As centenas de conflitos existentes no Pará não originaram, porém, uma revolução camponesa no sentido clássico do termo. Na realidade aconteceram respostas localizadas, isoladas e desarticuladas entre si, à violência do latifúndio e às políticas públicas que os afetavam e marginalizavam. A repressão não impediu o crescimento da consciência e a organização dos trabalhadores rurais. 361 No final da década de setenta e começo da década de oitenta, apesar da intervenção de agentes das forças de inteligências, 362 da utilização da Delegacia Regional do Trabalho, órgão encarregado de “vigiar e controlar as eleições sindicais”, e da Polícia Militar, as oposições sindicais conseguiram ganhar a direção de muitos dos Sindicatos dos Trabalhadores Rurais (STR). O primeiro sindicato a ser ganho por dirigentes que não se submetiam aos ditames do regime militar, foi o de Santarém (os trabalhadores tiveram que ocupar a sede do sindicato durante várias semanas enfrentando a polícia para garantir a posse de seus dirigentes). Em seguida foram ganhos os STRs de Oeiras do Pará, Acará, Moju e Nova Timboteua (onde também os trabalhadores tiveram que enfrentar a polícia).

Na década de oitenta a resistência dos trabalhadores amazônicos foi fortalecida pela ação de suas organizações: União das Nações Indígenas (1981), Conselho Nacional dos Seringueiros (1985) que se juntaram na União dos Povos da Floresta (1989). No começo de 1985 foi criado no Pará o Departamento Rural da CENTRAL ÚNICA DOS TRABALHADORES (CUT) que passou a aglutinar ao redor de si os sindicatos mais combativos e

361 MARTINS (1985:15) afirma: “A brutalidade que representa a efetivação dessa política de desenvolvimento - despejos violentos para abrir espaços as novas empresas, assassinatos de trabalhadores, queimas de casas, destruição de roças - contribuiu poderosamente para disseminar o descontentamento social e desencadear uma nova fase de lutas sociais”. 362 Famosa é a história da interferência do Major Curió, do Serviço Nacional de Informações (SNI), nas eleições do STR de Conceição do Araguaia em 1981 quando apoiou abertamente Bertoldo contra a chapa da oposição que, inicialmente, tinha como candidato Raimundo Ferreira Lima o “Gringo” assassinado em 29 de maio de 1980. O Major Curió teve um papel de destaque na repressão aos movimentos sociais no Pará: comandou várias operações contra a guerrilha do Araguaia, conseguiu controlar militarmente o garimpo de Serra Pelada, tornando-se Deputado Federal pelo PDS (1982-1986) graças aos votos dos garimpeiros; comandou a prisão dos padres franceses e dos treze posseiros do Araguaia. Durante o processo foi acusado de visitar à noite os posseiros pressionado-os para que incriminassem os padres.

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a organizar as oposições. Em fevereiro de 1987 uma chapa ligada a CUT, conseguiu derrubar o último grande reduto dos sindicalistas atrelados ao poder público: 363 a Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Estado do Pará e Amapá (FETAGRI PA-AP). RESISTÊNCIA e LUTA passam a ser as palavras de ordem dos trabalhadores.

É também necessário ressaltar o apoio de várias Organizações não Governamentais à luta dos trabalhadores rurais: CARITAS Brasileira Regional Norte II e FASE Amazônia. Um papel fundamental para a organização dos índios e dos posseiros foi desenvolvido pela Igreja Católica, sobretudo a partir de 1971, quando foi criado o CONSELHO INDIGENISTA MISSIONÁRIO (CIMI), e de 1975 quando foi criada a COMISSÃO PASTORAL DA TERRA (CPT). 364

Ao aumento do nível de organização e de consciência dos trabalhadores correspondeu um agravamento da violência. 365 É por isso que, várias vezes ao longo destes anos, os trabalhadores apontaram a necessidade de desapropriar áreas de conflitos: "Como medida de absoluta urgência reivindicamos e cobramos a imediata desapropriação por interesse social das áreas de conflito" (SILVA, 1982:14).

Várias lideranças sindicais pagaram com suas próprias vidas a ousadia de sonhar em construir um mundo melhor: 12 dirigentes sindicais de base, 5 presidentes de sindicatos e 1 diretor da FETAGRI foram assassinados desde 1964. Segundo a CPT (1992:32): “É a pedagogia do terror seletivo, utilizada para golpear as organizações dos trabalhadores (...).

363 Este era o nome dado aos sindicalistas que obedeciam ao regime e que tinham transformado os sindicatos em órgãos meramente assistencialistas.364 BECKER (1997:39) apresenta desta forma o trabalho desenvolvido pela igreja: “Face a omissão do governo central quanto à violência, por ele aceita como preço necessário a ser pago pelo desenvolvimento, a Igreja torna-se talvez a única organização no país com poder e autoridade para enfrentar o poder governamental, particularmente as forças repressivas de segurança”. Por sua vez OLIVEIRA (1990:86).afirma: “A CPT é outro elo da Igreja da Caminhada, que, nascida dos conflitos na Amazônia, não tem poupado esforços na defesa dos posseiros e demais trabalhadores nas terras amazônicas”. 365 O III Congresso da CUT-PA (1989:9) assim se expressou sobre esta realidade: "Tais dados, sabidamente de maiores proporções, mas de difícil comprovação (justamente por suas dimensões e acobertamento oficial), revelam um quadro estrutural e sistêmico, onde a violência e a impunidade se mostram orgânicas ao modelo econômico-social e político. São utilizadas como instrumentos regulares e mecânicos de solução das disputas pela terra ou pelo trabalho. A violência armada do latifúndio contra o trabalhador rural, a impunidade que a autoriza, são na verdade a configuração da luta da classe dominante contra a classe trabalhadora".

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Assim não se mata aleatoriamente. Cresceu o número de assassinatos de lideranças. Os latifundiários sabem que um movimento sem líderes é um movimento com maiores dificuldades de mobilização”. (grifos nossos)

10.4.1 Grito da Terra: os trabalhadores apresentam suas propostas

Nos últimos anos os trabalhadores rurais mostraram ter a organização e força necessária para se fazer ouvir pela administração pública obrigando-a a atender seus pleitos. Através dos Gritos do Campo (maio e agosto de 1991, junho de 1992), Grito da Amazônia (1993) e Grito da Terra Brasil (1994-1998), o movimento social criou um espaço de enfrentamento e/ou negociação com os detentores do poder no qual os camponeses questionaram com sua prática o Estado autoritário e sua centralização/burocratização forçando-o a abrir-se para a participação popular na gestão pública.

Graças às milhares de pessoas que mobilizaram-se e desceram nas praças ou ocuparam prédios públicos conseguiram vários avanços: aprovação da Lei Agrícola Agrária e Fundiária Estadual e instalação de CONSELHO ESTADUAL DE POLÍTICA AGRÍCOLA AGRÁRIA E FUNDIÁRIA (CEPAF) que formula a política neste setor, democratização do crédito (as negociações com o Banco da Amazônia S/A fizeram com que o BASA se visse obrigado a criar uma linha de financiamento especial, a juros subsidiados, para a agricultura familiar que já beneficiou dezenas de milhares de famílias), regularização fundiária (escolha de áreas a serem trabalhadas pelo ITERPA, atividade que beneficiou mais de 1.000 famílias nos últimos três anos), desapropriação de várias áreas, acordos selados com o INSS, etc. Os gritos passaram a ser um momento de afirmação social e de coesão grupal. É neste momento que os trabalhadores rurais, classe tradicionalmente excluída e marginalizada pela sociedade, conseguem agregar ao redor de si outros setores sociais que transformam-se em seus aliados na busca da construção de uma sociedade mais solidária.

10.5 TRABALHO ESCRAVO: UMA CHAGA AINDA ABERTA

Outra grave consequência da política implantada na Amazônia já tinha sido denunciada por dom Moacyr GRECHI (1977:327:328). Apesar de se referir ao Acre, suas palavras podem se adaptar muito bem também ao Pará e aos outros estados da Amazônia Legal:

"As consequências da nova política agrária e da forma agressiva e as vezes violenta como vem sendo feita a ocupação das terras do ACRE, têm sido desastrosas para milhares de trabalhadores. Expulsos ou com ameaças ou através de acordos aviltantes e indenizações simbólicas tiveram que dar um

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novo rumo à sua vida. Grande parte dos que deixaram a terra se deslocaram às sedes municipais e principalmente à capital do Estado, na esperança de conseguir emprego (...). Outros procuraram uma terra ainda desocupada para continuar trabalhando, com a possibilidade de futuramente serem expulsos uma outra vez, já que não conhecem a situação das terras que passam a ocupar premidos pela necessidade de ter um meio de subsistência. (...) Outra parcela dos que tiveram que deixar as terras perambulam de fazenda em fazenda trabalhando como peões, especialmente nos serviços temporários de desmatamento. É ai que, às irregularidades relativas à compra e venda, titulação das terras e expulsão de camponeses, somam-se à outras no que diz respeito à legislação trabalhista:

a) contratação, por parte das empresas, de empreiteiros que fogem no final dos desmatamentos sem efetuar o pagamento devido aos trabalhadores. Os empresários, sobre quem recaem os encargos trabalhistas, recusam-se a pagar os peões, ou ainda, por ironia, aconselham-os a que "procurem a justiça";

b) transporte de trabalhadores do sul do País (sobretudo do nordeste no caso do Pará) sem qualquer documento de identificação pessoal, sem registro das condições contratuais do trabalho a realizar, sem Carteira de Trabalho.

c) No local de trabalho as vezes as condições chegam a ser de semi-escravidão. Sem liberdade de ir e vir, inclusive em casos de doença; tentativas de fuga são punidas com espancamentos, detenção em prisões particulares, privação de alimentos;

d) fiscalização por pessoas armadas nas fazendas".

A existência do trabalho escravo no Brasil mais de cem anos depois da escravatura ter sido oficialmente abolida, representa uma marca trágica que pesa na consciência nacional. 366 Ainda mais que nosso país ratificou a Convenção Relativa à escravidão, de 1953, a Convenção Suplementar sobre a Abolição da Escravatura, do Tráfico de Escravos e das Instituições e

366 Apesar de ter sido oficialmente abolida em 1888 esta prática permaneceu em vigor de forma mascarada. MOREYRA (VVAA, 1999:13-14), analisando as relações sociais em vigor no campo no Estado de Goiás imediatamente após o fim da escravatura, apresenta a Lei Estadual n.º 11, de 20/07/1892 sobre locação de serviços onde se determinava (art. 9º) que se ao término do contrato o locador (trabalhador rural) estivesse devendo para o locatário (fazendeiro), deveria continuar a trabalhar pelo prazo de três anos para pagar a dívida. Neste período 2/3 do que ele ganhava seria do fazendeiro e 1/3 do trabalhador. Quem estivesse doente poderia ser despedido (art. 18), se alguém não quisesse trabalhar receberia uma pena de 10 a 20 dias de cadeia. Também quem impedisse aos outros de trabalhar seria preso e processado criminalmente. Esta lei foi revogada só em 23/12/1930.

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Práticas Análogas à Escravatura, de 1956 e as Convenções n.º 29, de 1930, e n.º 105, de 1957, da Organização Internacional do Trabalho que obrigam a União a combater esta prática.

O fato dos fazendeiros aconselharem a “procurar a justiça para receberem seus direitos” mostra o descrédito no qual esta caiu e a ineficácia dos controles exercidos pelos órgãos competentes. No interior das fazendas o tratamento dispensado aos peões é desumano: moradia inadequada, falta de assistência médica, condições de higiene precárias, vigilância armada ostensiva, maus tratos. Quem quiser sair é perseguido, capturado, quando não, morto. Duas frases ditas pelo fazendeiro Marcos Ribeiro (apud BRASIL, 1996b), dono da fazenda Primavera (Curionópolis) mostram bem esta situação: “Reconheço que os bois recebem um tratamento muito melhor que os peões. (...) Se uma ONG dessas que defendem os direitos humanos entrar em nossas fazendas, nós vamos todos em cana” (grifos do autor). AMÉRICAS WATCH (1991:108-115) descreve o clima de violência e terror reinante na fazenda Arizona (Redenção-PA), onde o gerente José Wilkens obrigava os pistoleiros que capturavam os peões fugitivos a espancá-los ameaçando que, caso contrário, eles sofreriam este castigo.

Já MARTINS (1994:10), apresentando o livro de Allison Sutton, mostra a omissão das autoridades diante deste trágico fenômeno:

"A autora nos põe todos diante de um aterrador quadro de fragilidade judicial e moral dos trabalhadores pobres da Amazônia, de omissão deliberada de quem deveria zelar pelos direitos da pessoa, de desmoralização das instituições e das autoridades, que têm o mandato público de assegurar a impessoalidade da lei e igualdade dos cidadãos. Mesmo na fictícia vigência da lei e da igualdade jurídica, o Brasil é hoje, desgraçadamente, um país não só de desigualdades econômicas escandalosas, mas também das desigualdades jurídicas e sociais reais". (grifo nosso)

Os levantamentos feitos nos últimos anos pelo Secretariado Nacional da COMISSÃO PASTORAL DA TERRA (1997:11) mostram que esta prática não foi banida, e sim, ao contrário, é um fenômeno que aumenta em vários Estados tendo características diferentes em cada um deles. Nos últimos anos aumentaram de maneira considerável também os casos de super-exploração do trabalho.Na lógica do capitalismo selvagem instalado na região o trabalhador deveria ser livre para trabalhar ao serviço do latifúndio e não para trabalhar em benefício próprio. Na Amazônia: “O homem trabalha para escravizar-se” dizia BORGES (1986:197).

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A utilização do trabalho escravo é uma forma encontrada pelo latifúndio de consolidar, a custos baixíssimos, o domínio sobre a terra pretendida.

Segundo Padre Ricardo REZENDE (apud SUTTON, 1994:14), que devido ao seu trabalho em denunciar a prática de trabalho escravo, recebeu, em 1992, um prêmio da ANTI SLAVERY, uma entidade inglesa que desde 1883 combate o trabalho escravo no mundo, hoje: “Não se trazem mais escravos negros da África para o Brasil, o estigma moderno da escravidão não é a cor, mas a pobreza e o desemprego”.

Pode-se dizer que a cor deixou de ser o traço característico dos escravos como era no século passado, sua origem comum é a pobreza.

Gráfico 6: Evolução dos números de pessoas reduzidas à condição análoga à de escravo no Brasil (1991-1998)367

4.883

16.442

19.940

25.191 26.047

2.487

872 614

0

5.000

10.000

15.000

20.000

25.000

30.000

TRABALHO ESCRAVO - BRASIL 1991 - 1998

1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998

Fonte: Autor a partir de dados coletados pela CPT NACIONAL (1996:21; 1997:50; 1998:61;1999:65).

Nos últimos 15 anos foram denunciados por práticas de trabalho escravo no Pará, grandes grupos empresariais nacionais e estrangeiros, de capital financeiro e industrial, grupos que, em muitos casos, receberam

367 A CPT atribui a sensível redução dos números entre 1995 e 1997 à atuação da Comissão de Fiscalização das Condições de Trabalho em Mato Grosso do Sul e da instauração de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) em Minas Gerais.

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incentivos fiscais do governo brasileiro: Wolkswaghen (Alemanha), Nixordf (Holanda) e as empresas nacionais: Bradesco, Bamerindus, Banco Mercantil, CRAI (Banco Real), Atlântica Boa Vista Sul América, Agropalma (Grupo Mendes Júnior), Encol, Supergásbras, Copersucar e Belauto. A prática do aliciamento parece obedecer a regras que se repetem no tempo e em estados diversos.368 Cria, também dificuldade de ordem jurídica sobre o exato enquadramento deste crime. 369

368 No tempo da derrubada das matas (isto é na fase de implantação das fazendas) e da limpeza dos pastos, muitas fazendas contratam homens, muitas vezes pistoleiros, que se constituem como empreiteiros. Estes “gatos” buscam arregimentar trabalhadores no próprio Pará e em outros estados, sobretudo no nordeste, onde as atrocidades ainda não são conhecidas ou onde a fome faz que alguém tenha que submeter-se a qualquer risco. Trazem consigo centenas de trabalhadores, principalmente jovens, aliciados com a promessa de um bom salário e boas condições de trabalho. Isso porém não passa de uma isca. A realidade no interior das fazendas é bem diferente do que tinha sido prometido. Lourenço Pereira, que fugiu da fazenda Santo Antônio de Indaiá (Ourilândia do Norte) em julho de 1991 afirmou que: ”Eles nos ofereceram 12 mil cruzeiros (US $46) por alqueire para desmatar e disseram que três homens podiam cortar um alqueire por dia. Daria 4 mil cruzeiros cada um por dia. Em Dom Pedro (MA) estavam pagando 500 cruzeiros por dia de trabalho. Quando chegamos à fazenda, percebemos que um homem não podia desmatar um alqueire em menos de 30 a 35 dias”. Nas fazendas recebem como alimentação uma comida que mal os mantém de pé; as condições de trabalho são desumanas (um trabalhador ao serviço da empresa alemã Merk que trabalhava na coleta de jaborandi em São Félix do Xingu denunciou ao autor que era obrigado a caminhar três horas todos dias para ir do alojamento para o local de trabalho), os alojamentos são precários (muitas vezes dormem debaixo de lonas como o autor deste trabalho viu pessoalmente na fazenda Agromendes); ficam as mercês de doenças (em dezenas de denúncias se fala de peões mortos por malária sem ter recebido nenhuma assistência médica), sujeitos a humilhações, espancamentos, castigos ... Muitas vezes a noite são trancados em barracões (uns são até acorrentados, como aconteceu nas fazendas São Judas Tadeu e Dom Romualdo, em Paragominas). O gato é aquele que conhece a localização das bacias de mão-de-obra e poupa o fazendeiro da responsabilidade de intermediar e gerenciar a contratação de trabalhadores e de fiscalizar seu desempenho.369 Um dos problemas que dificulta a autuação das fazendas por parte dos fiscais da Delegacia Regional do Trabalho (DRT) é o entendimento muito restrito dado à norma legal (o crime está previsto pelo Artigo 149 do Código Penal que fala de: ”Reduzir alguém a condição análoga à de escravo” sem definir exatamente o tipo criminal) pela maioria destes fiscais e pelos agentes da Polícia Federal na hora de lavrar os flagrantes. Em muitos casos as denúncias esvaziam-se em multas por

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Gráfico 7: Número de denúncias de trabalho escravo no Estado do Pará (1988-1998)

133 195374

620

165 99

1547

821690 528

291

0

200

400

600

800

1000

1200

1400

1600

1988 1989 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998

TRABALHO ESCRAVOESTADO DO PARÁ (1988-1998)

FONTE: CPT NACIONALQuando os peões, desesperados, tentam fugir são exemplarmente

torturados na frente dos companheiros, uns até a morte. Na fazenda São José (Xinguara) amarraram dois irmãos num formigueiro, derramaram café

desrespeito à normas trabalhistas sem caracterizar estas práticas como trabalho escravo, isto apesar de que o Brasil assinou e ratificou tratados internacionais que têm definições mais claras. A Convenção n.º 29 da Organização Internacional do Trabalho (de 1930) diz que: “Trabalho forçado é todo trabalho ou serviço exigido sob ameaça de sanção e para o qual não se tenha oferecido espontaneamente”. O Brasil já foi denunciado várias vezes perante à Comissão de Defesa dos Direitos Humanos da ONU em Genebra (Suíça), perante a Organização Internacional do Trabalho (OIT) e Organização dos Estados Americanos (OEA) pela prática de trabalho escravo. Sem dúvida um grande avanço foi dado pela Instrução Normativa Intersecretarial n.º 1 do Ministério do Trabalho de 24/03/94 assinada aqui em Belém pelo Ministro Barelli. No seu anexo 1 ela afirma que: “Constitui-se forte indício de trabalho forçado a situação em que o trabalhador é reduzido a condição análoga à de escravo, por meio de fraude, dívida, dívida, retenção de salários, retenção de documentos, ameaças ou violências que impliquem o cerceamento da liberdade dele e/ou de seus familiares em deixar o local onde presta seus serviços, ou mesmo quando o empregador se nega a fornecer transporte para que ele se retire do local para onde foi levado, não havendo outros meios de sair em condições seguras, devido às dificuldades de ordem econômica ou física da região. Considera-se forte indício de aliciamento de mão-de-obra o fato de alguém, por si ou em nome de outro, recrutar trabalhadores para prestar serviços em outras localidades do território nacional, sem adoção de providências preliminares que identifiquem uma contratação regular, conforme o segundo parágrafo do item 1 dos Procedimentos”.

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quente neles, feriram com o facão e passaram sal e pimenta nas feridas. Um deles morreu, o outro desapareceu. Nestes anos foram registrados 137 assassinatos de peões no Estado do Pará, boa parte dos quais engrossaram a lista dos Não Identificados ou dos conhecidos só com o apelido (78 casos, isto é 56,94% dos casos denunciados que envolvem peões) devido à dificuldade que se tem de ter notícias confiáveis. Em várias ocasiões se tem notícia da existência de cemitérios clandestinos que fazem acreditar que o número de pessoas assassinadas seja bem maior daquele divulgado pela CPT nestes anos.

No seminário nacional TRABALHO ESCRAVO NUNCA MAIS promovido pela Procuradoria da República de 24 a 25 de agosto de 1994, reconheceu-se que o número de denúncias aumentou sensivelmente nos últimos anos e que a ação do Estado foi inócua ou omissa. A impunidade foi apresentada como principal causa de reincidência de empresários, fazendeiros e empreiteiros. Constatou-se que existe despreparo e falta de compromisso dos organismos oficiais e dos agentes do estado encarregados da investigação e apuração das denúncias e terminou condenando o descumprimento pelo Estado Brasileiro das ratificações de Convenções e Tratados Internacionais que legislam sobre o trabalho escravo e forçado.

Nos últimos dois anos precisa ser destacado o papel importante assumido pelo Grupo Executivo de Repressão ao Trabalho Forçado GERTRAF formado por representantes de órgãos federais ligados à área, no combate a esta prática desumana. A agilidade deste grupo permitiu aumentar a fiscalização e denunciar a atuação de alguns gatos e fazendeiros.

A desapropriação da Fazenda Flor da Mata devido a comprovação da utilização de Trabalho Escravo (Decreto de 28/11/1997, publicado no Diário Oficial da União em 01/12/97)370 é uma iniciativa louvável pois concretiza, através de uma sanção, o descumprimento do disposto pelo artigo 186 da Constituição Federal que inclui a “observância das disposições que regulam as relações de trabalho” entre os requisitos para o cumprimento da função social da propriedade. É uma maneira, que se espera eficaz, de combater um dos mais abomináveis crimes que é justamente sujeitar alguém a condição análoga à de escravo (crime previsto pelo Art. 149 do Código Penal). Esta reivindicação tinha sido transformada em lei quando o Congresso votou a Lei Complementar n.º 76/93, mas este dispositivo foi vetado pelo Presidente Itamar Franco.

370 Na fazenda desapropriada foi criado o Projeto de Assentamento LINDOESTE (Port. SR(27)E 31, de 27/05/98) que permite o assentamento de 171 famílias. Em 1998 a CPT PA-AP denunciou que o INCRA teria superfaturado o valor da fazenda "premiando" o fazendeiro com uma vultuosa indenização.

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Em 30 de dezembro de 1998 foi publicada no Diário Oficial da União a Lei n.º 9.777371, de 29 de dezembro de 1998 que altera os artigos 132, 203 e 207 do Código Penal que amplia o conceito penal de "reduzir alguém à situação análoga à de escravo" que estava sendo interpretada de maneira restrita pelos tribunais favorecendo a impunidade. Pela nova redação quem expor pessoas que estão prestando serviço ao risco de vida em transportes inadequados tem a pena aumentada de um sexto a um terço. Incorre também em crime quem: "Art. 203, I - obriga ou coage alguém a usar mercadorias de determinado estabelecimento, para impossibilitar o desligamento do serviço em virtude de dívida; II - impede alguém de se desligar de serviços de qualquer natureza, mediante coação ou por meio de retenção de seus documentos pessoais ou contratuais". Estes artigos criminalizam, desta maneira, a escravidão por dívida tão comum no sul do Pará.

Para coibir esta prática em projetos financiados pela SUDAM, o Conselho deliberativo da mesma aprovou, em 25 de junho de 1998, a Resolução n.º 8.728 que prevê o cancelamento do Projeto caso descoberta: "a utilização de mão-de-obra em regime escravo e/ou a prática de subemprego assemelhado à escravidão, pelas empresas beneficiárias de incentivos fiscais e financeiros administrados pela SUDAM".

10.6 DÉCADA DE SESSENTA: A VIOLÊNCIA INCORPORA-SE À VIDA DOS TRABALHADORES

Apesar dos livros de história fazerem poucas referências e não darem destaque ao uso da violência por parte dos fazendeiros contra os posseiros para expandir seus latifúndios, as poucas referências que se permitem, porém, afirmar que esta prática está incorporada na tradição latifundiária do Brasil desde o começo da colonização. 372 Não prevendo a lei

371 O Projeto desta Lei, n.º 929/95, foi apresentado no Congresso Nacional pelos Deputados Federais Paulo Rocha (PT-PA); Nilmário Miranda e Alcides Modesto (PT-BA); Antônio Joaquim (PDT-MT); Sérgio Arouca (PPS-RJ); Zaire Rezende (PMDB-MG); Tuga Anegrami (PSDB-SP); Rita Camata (PMDB-ES); Elcione Barbalho (PMDB-PA); Aldo Arantes (PC do B-GO); Fernando Gabeira (PV-RJ) e Ubaldino Júnior (PSB-BA) (Ver VVAA, 1999:24-25). O mesmo livro apresenta 120 casos de fazendas onde teria sido descoberta a prática de trabalho escravo no Pará. Os municípios que apresentam o maior número de denúncias são: Xinguara (26), Santana do Araguaia (18), São Félix do Xingu (13), Redenção (9), todos eles localizados no sul do Pará (Ibidem, p.131).372 TAUNAY (apud GUIMARÃES, 1981:91-92) assim descreve como os posseiros de São Paulo eram obrigados a deixarem as melhores terras para os barões do café: “Praticava-se e a largo o esbulho territorial dos humildes pelos poderosos. Crimes e

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a figura dos posseiros era inevitável o aparecimento, nas regiões litorâneas mais povoadas, de conflitos agrários: “assim quando um sesmeiro exigia o foro e não era atendido, tratava de despejar o mero ocupante, sendo fatal que a justiça, chamada a decidir, acabasse dando-lhe ganho de causa” (COSTA PORTO, 1965:89).

No Pará não se tem registro de conflitos pela posse da terra antes da década de sessenta. A terra não tinha ainda valor e sua propriedade não era contestada. Segundo SILVA (1987:4): “Antes da abertura da Belém-Brasília, a disputa pela terra pública era inexpressiva”. A mesma opinião é expressa por MENDONÇA (1982:36): “Exceto nos campos naturais de Marajó, nos polígonos castanheiros ou em algumas concentrações maiores de seringais, até os anos 60 foram raríssimos os litígios de terra na Amazônia” (grifos do autor).373

Os camponeses, na sua grande maioria, não se preocupavam com a necessidade de titular suas terras apesar de morarem no mesmo pedaço de chão durante décadas e gerações, pois tinham uma relação não comercial e

mais crimes se praticaram contra os primitivos posseiros (...). Obtida a concessão de sesmaria, o aquinhoado recente esbarrava com o posseiros alí domiciliado (... que) vivia com a sua família; e cria na tranquilidade da posse, no direito firmado no trabalho e de ter desbravado parte da mata que escolhera. Enganava-se redondamente. Era o intruso. O proprietário da sesmaria vinha acompanhado de derribadores, roçadores e camaradas. Intimava-o a sair, a mudar-se quanto antes, senão imediatamente. Compreende-se que o esbulhado resistisse. Desde então era considerado inimigo e sofria violências severas. Outras vezes, resignado, acovardado, mudava-se para perto do terreno de onde fora enxotado e abria novo sitiozinho. Passavam-se os tempos. Uma noite, na época do apoendamento dos milharais, animais apareciam ali pastando nas roças. Cercas tinham sido quebradas durante a noite (...) Desesperada, cansada da violência que agora enxergava proposital, a vítima da prepotência matava um dos animais invasores. Era o que o vizinho poderoso queria. Dentro em breve via-se o pobre diabo escorraçado para não lhe acontecer coisa pior e as suas roças serviam de pasto ao gado do vizinho poderoso. O posseiro tivera de mudar-se”. Esta página dolorosa de nossa história continua a ser ignorada pela História para a qual as injustiças perpetradas contra posseiros sem recursos não são dignas de registro. O “esquecimento” proposital desta violência favorece a manutenção da mesma estrutura de poder.373 Também o Dr. SETTE CÂMARA (apud IMPUNIDADE, 1998), respondendo a um jornalista que lhe perguntava se era verdade o que o MST alegava de que as mortes e os conflitos no campo ocorriam devido à impunidade, respondeu: “ Essa denúncia do MST é verdadeira. (...) Essa impunidade não é um problema recente. Ele surgiu desde a década de 60 e vem aumentando”.

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especulativa com a terra. Por isso durante séculos ao lado de umas poucas terras tituladas espalhava-se um sem número de posses mansas e pacíficas.

A construção da Belém-Brasília criou um vínculo terrestre entre o Norte e o resto do país possibilitando para todos o acesso aos vales dos rios amazônicos durante o ano inteiro, em todos os seus recantos. Foi justamente na beira da rodovia Belém-Brasília, entre os km 42 e 65, que eclodiu o primeiro conflito de terra ocorrido no Pará. Em 1962 Iris Meimberg, presidente da Confederação Nacional da Agricultura (CNA), adquiriu a fazenda Paraporã S/A, situada no município de São Domingos do Capim e tentou expulsar as mais de 500 famílias que, desde a década de quarenta, moravam nas localidades Matá Matá, Jauari, Jabuti Maior e Santo António do Paruru.374

Os grandes rios e seus tortuosos igarapés (sobretudo os que são influenciados pela maré que, cada seis horas, dificulta o acesso ao interior) deixaram de comandar o ritmo da vida do homem. Centenas de estradas secundárias começaram a ligar as velhas cidades ribeirinhas à artéria principal, novos núcleos urbanos surgiram nas encruzilhadas das rodovias onde se estabeleceram brasileiros de todos os cantos do país. 375

Ao mesmo tempo a inflação galopante exigia o rápido investimento da moeda para evitar que se depreciasse. A terra amazônica, agora acessível e disponível graças aos investimentos públicos na infra-estrutura, se valorizou. Foram sendo criadas condições para facilitar o acesso à região, e, consequentemente à posse da terra. As repartições públicas estaduais viram-se assediadas por um número exorbitante de solicitações de aquisição e concessão de terras públicas, pedidos estes que não tinham a menor condição operacional de atender. Esta verdadeira corrida as terras da Amazônia foi tamanha e o caos gerado por ela tão grande, que hoje para se ter certeza que um título não seja falso, ou não incida em área já titulada ou não tenha superposições com outro, o ITERPA precisa instruir um verdadeiro processo administrativo muitas vezes complexo e cujo resultado pode ser, as vezes, questionado. A fronteira agrícola brasileira, tradicional válvula de escape por onde antes escoava o excedente populacional, começava a se fechar e os que precisavam de terra ou procuram outros países vizinhos, ou deviam enfrentar o latifúndio. As ocupações de terra representaram o único caminho possível

374 Ver FERNANDES (1999:51).375 É nesta época que nasce a cidade de Paragominas cujo nome deriva dos colonos do Pará, Goiás e Minas que aqui se estabeleceram e que hoje, depois de muitas lutas pela posse da terra que resultaram em dezenas de assassinatos nos últimos anos, é um dos principais pólos de extração madeireira e detém um dos mais numerosos rebanhos bovinos do Estado.

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para quem não consegue encontrar resposta às suas reivindicações. Para quem já tinha sido expulso de sua terra a Amazônia transformava-se na ultima fronteira: quem chegava aqui não tinha mais para onde ir e não tinha mais nada a perder. A escalada dos conflitos a partir sobretudo da década de setenta até hoje mostra como este fenômeno não foi circunstancial, mas sim estrutural. Para os militares a expropriação do campesinato e a violência perpetrada contra os trabalhadores rurais eram o preço inevitável a ser pago no processo de modernização do campo e da integração da Amazônia ao resto do país. Para os camponeses contrapor-se a esta política significava defender sua dignidade humana e suas necessidades vitais.

Os conflitos pela posse da terra que inicialmente ocorriam no Paraná, Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro, São Paulo, Minas Gerais e nos estados do nordeste, se deslocaram, sobretudo a partir da segunda metade dos anos setenta, para a Amazônia, como mostra a tabela abaixo:

Tabela 19: Conflitos de terra no Brasil: 1971-1976PERÍODO SUL/SUDES

TENORDEST

ENORTE/CENTRO - OESTE

BRASIL

71-72 27,4% 19,4% 17,1% 20,8%73/74 35,6% 10,4% 18,4% 22,8%75/76 37,0% 70,2% 64,5% 56,4%71-76 100% 100% 100% 100%Total conflitos

146 67 234 447

Fonte: MARTINS (1985:35).

Os conflitos sociais passaram a serem encarados como uma questão de segurança nacional e os militares assumiram a responsabilidade de reprimi-los. A militarização da questão agrária deu ao Serviço Nacional de Informações e as Forças Armadas plenos poderes que foram utilizados a favor da consolidação das grandes empresas no campo.

10.7 A TRAGÉDIA EM NÚMEROS

Uma pesquisa do INSTITUTO DO DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO-SOCIAL DO PARÁ (IDESP) (1990:15;20;23;25 e 33), mostrava um quadro assustador da violência praticada entre 1964 e 1988:1. Conflitos em áreas destinadas a atividade agropecuária: 204 imóveis com uma área total envolvida de 5.637.535 ha.;

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2. Conflitos em áreas de castanhais: 62 imóveis, com uma área total envolvida de 241.099 ha.;3. Conflitos em terras indígenas: 13 imóveis, envolvendo uma área total de 3.753.425 ha;4. Conflitos em áreas de mineração e garimpo: 18;5. Imóveis em que foram registradas denuncias de trabalho escravo: 55 imóveis, envolvendo 1604 pessoas.

Estes dados, publicados pelo órgão estadual de pesquisa, comprovaram que o governo estadual tinha, desde a década de oitenta, conhecimento dos conflitos, de sua localização e das pessoas envolvidas, se não resolveu os problemas é porque faltou-lhe interesse político.376 A violência, os assassinatos, são uma realidade que atinge todos os estados brasileiros. Estes números, infelizmente, estão bem aquém da realidade. O testemunho de Padre Ricardo REZENDE (1986:97) é esclarecedor:

“É certo que esses dados, apesar de alarmantes, ainda não são completos. Existem seguramente muitos outros homicídios dentro das fazendas por questões trabalhistas e nas matas e cidades da região por litígios possessórios e não nos chegam as informações, ou chegam com tanta imprecisão que não podemos computá-las. Há um aumento progressivo e substancial de mortes do lado dos trabalhadores. Isto significa duas coisas: o nível de organização e defesa dos camponeses ainda é insatisfatório e os fazendeiros estão em uma ofensiva cada vez maior,

376 Em 1985 o MIRAD criou a Coordenadoria de Conflitos Agrários dirigida inicialmente pelo antropólogo Alfredo Wagner e em seguida por Paulo Valle. A partir daquele momento o governo federal passou a dispor de uma equipe técnica altamente qualificada que começou a documentar a situação dos conflitos agrários e a propor soluções. Foram publicados vários estudos e documentos, foram elaborados pareceres técnicos e relatórios detalhados. Em várias ocasiões a COORDENADORIA DE CONFLITOS AGRÁRIOS (CCA) chegou a fazer intervenções diretas nos conflitos chegando não só a sugerir, mas a viabilizar soluções. No Pará, a partir de 1987, a diretora do IDESP, Violeta R. Loureiro, criou uma equipe que documentava os conflitos agrários. Esta equipe, assessorada pelo Dr. Wagner publicou vários números da revista "Pará Agrário" que além de analisar a situação de violência que atingiu o campo paraense propunha soluções aos conflitos. Infelizmente, apesar da competência, boa vontade e do esforço dos técnicos governamentais envolvidos neste trabalho, a ação do governo federal e estadual não levou em consideração estes pareceres. Mais uma vez se comprova como a questão da violência no campo e da reforma agrária são questões essencialmente políticas pois sua solução depende da vontade política dos governantes.

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investindo mais intensamente em pistoleiros, diante das grandes áreas ocupadas nesses últimos anos pelos posseiros”. 377

A região que apresenta o maior número de ocorrências é aquela que abrange o sul e sudeste do Estado do Pará, o norte do estado de Tocantins e o oeste do Maranhão. Esta região é conhecida como BICO DO PAPAGAIO e mereceria um tratamento especial das autoridades públicas federais. Não se propõe a criação de um novo GETAT, como foi feito durante o regime militar, mas a instauração de varas agrárias especializadas para apurar as centenas de crimes cometidos que permitam punir os responsáveis por tanta violência e restabeleçam a confiança da população na Justiça.

Uma análise de um ponto de vista temporal mostra como, ao nível de Brasil, os anos mais difíceis, onde o número de assassinatos de trabalhadores rurais foi maior, foram 1985 e 1986 justamente o começo da Nova República e de seu discurso de reforma agrária. A Nova República, apesar dos discursos bonitos, não trouxe paz para o campo. O fim do autoritarismo não significou o fim da violência contra trabalhadores rurais, ao contrário foi na fase da transição democrática que aumentou a violência. Sobretudo o começo da Nova República coincidiu com a difusão do terror no campo. Enquanto se discutia qual a melhor maneira de concretizar a implantação da reforma agrária, o latifúndio matava. A tática foi a de sempre: discurso bonito nos meios de comunicação social, pareceres de juristas famosos nos grandes jornais, recuo legislativo, berro nas praças e bala no campo.378

377 Este testemunho adquire ainda maior valor se levarmos e consideração que Pe Ricardo, na qualidade de coordenador da CPT Araguaia Tocantins, foi um dos primeiros a coletar informações e se preocupar em documentar a violência no campo no Pará. Os títulos de alguns de seus livros são significativos: A Igreja e a questão agrária (1985), A Justiça do Lobo: Posseiros e Padres do Araguaia (1986), Rio Maria: canto da terra (1992) bem como o texto mimeografado: Araguaia, Peões e Posseiros (1986). Na qualidade de secretário executivo regional da CPT PA-AP o autor recebeu inúmeras denúncias, sobretudo do Alto Xingu, relatando dezenas de assassinatos que, porém, por não se ter conseguido confirmações satisfatórias, não foram computados nestas tabelas. Num encontro com sindicalistas acontecido em 08 de março de 1998 em Marabá, José Gonçalves, vice-presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Redenção, estranhou que na tabela relativa ao município de Santa Maria das Barreiras não constasse nenhum assassinato na fazenda Codespar. Segundo ele ninguém conhece o número certo: “Nem quem está lá dentro sabe quanta gente morreu naquela fazenda, mas, possivelmente, morreram mais de trinta posseiros”. Um dos responsáveis por estes crimes ficou famoso com o nome de Zezinho da Codespar.

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Depois deste período, o ano de 1996, representou um novo aumento do índice de assassinato: aumentaram as ocupações no Brasil inteiro, aumentou a resposta violenta do latifúndio e das forças repressivas do Estado sempre prontas a defender o sagrado direito de propriedade colocado acima do direito à vida. A tabela na página a seguir, elaborada pelo autor utilizando dados da CPT PA-AP e da CPT Nacional, mostra a evolução dos assassinatos nos últimos trinta e três anos. Comparando os números de conflitos, números de famílias envolvidas nesta luta com aquele das áreas desapropriadas e das famílias assentadas no Brasil, BARP (1997:295) chega a duas conclusões importantes que se aplicam de maneira toda especial ao Pará: “a) As ações governamentais objetivando os assentamentos sempre estão atreladas às pressões dos movimentos dos sem terra acampados pelo País; e b) os trabalhadores rurais, ao reivindicar seus direitos – terra para produzir, acabam, em certa medida, por estimular os conflitos de terra. Por outro lado, para que suas reivindicações sejam atendidas, acabam tendo que sofrer diferentes práticas de violência”.

No Pará as regiões que apresentam o maior número de conflitos são o Sudeste Paraense (476), e o Sul (439). Juntas representam 52% dos casos denunciados e da área em conflito.

É necessário afirmar que em mais de 550 casos os dados relativos a áreas dos imóveis em conflito e o número de famílias não foram encontrados nas fontes pesquisadas fazendo com que não se possa conhecer a exata dimensão desta realidade. Considerando-se os dados disponíveis e fazendo uma média das áreas em conflito conhecidas se pode hipotizar que nestes últimos 38 anos mais de 20 milhões de hectares de terras foram objeto de disputa entre posseiros e fazendeiros envolvendo mais de 200 mil famílias. Analisando as datas dos 1.461 conflitos que contém esta informação observa-se que os anos 85/87 (começo da Nova República e do PNRA) e 97/98 foram os anos com maior incidência.

Tabela 20: Ano de começo dos conflitos.

ANO N.º ANO

N.º ANO

N.º ANO

N.º ANO

N.º ANO

N.º

378 Segundo OLIVEIRA (1991:35): “Com a eleição de Tancredo e o surgimento da Nova República, aumentou a preocupação dos fazendeiros. “Eles tinham medo da reforma agrária e se preparam para evitar novas ocupações. Foi o período mais difícil, de maiores conflitos. Quando Tancredo morreu, eles fizeram festa na sede da fazenda, soltando muitos fogos”, relembra Valdério [presidente do STR de Rio Maria depois do assassinato de João Canuto]”.

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60-65 7 78 25 83 31 88 64 93 70 98 11866-70 10 79 28 84 69 89 32 94 7271-75 23 80 65 85 98 90 47 95 8476 21 81 33 86 132 91 38 96 8177 17 82 25 87 84 92 58 97 12

9

A Tabela 21 (anexo 8): apresenta os assassinatos de trabalhadores rurais no Brasil: 1964 – 1998

A análise da tabela acima mostra como o Pará destaca-se como o Estado que apresenta o maior número de assassinatos, cerca de 33% de todas as mortes aconteceram aqui.

10.8 A GEOGRAFIA DO TERROR

A tabela a seguir mostra o número de conflitos, as áreas desapropriadas, adquiridas ou arrecadadas e como eles espalham-se nas diferentes regiões do Estado. A região sul e sudeste são as que apresentam o maior índice.Tabela 22 (anexo 9): Conflitos agrários e Projetos de Assentamento - Estado do Pará (1960-1999). Resumo das Tabelas 19 e 18 (ver anexos 13 e 14).

10.8.1 Marabá: a oligarquia utiliza a violência para deter o avanço dos posseiros

A abertura da Rodovia Transamazônica que ligou Marabá a Itaituba, e da Rodovia PA 150, que permitiu a integração norte sul do estado interligando Belém a Conceição do Araguaia, transformaram Marabá no centro estratégico da região, mudando de maneira substancial sua estrutura social e econômica. De um lado valorizaram-se as terras, favorecendo a transformação dos castanhais em fazendas; do outro o assentamento de milhares de famílias de colonos na faixa de 100 km de cada margem da estrada federal, criou um campesinato que não dependia mais das oligarquias locais. Os antigos coletores de castanha transformaram-se em colonos, isto é donos de um pedaço de chão; outros viraram posseiros, aumentando a pressão e a demanda por terra. De um ponto de vista administrativo os castanhais permaneceram sob a jurisdição do Estado, enquanto as áreas excedentes, isto é, as áreas que sobravam depois da topografia, passaram a serem reivindicadas pela União. A indefinição de competência entre o órgão fundiário estadual (ITERPA) e federal (GETAT), contribuiu a agravar ainda

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mais os conflitos. Esta nova realidade sócio-econômica deu um golpe mortal no antigo modelo agro-extrativista e transformou toda a região num barril de pólvora e no teatro dos mais numerosos e cruentos conflitos de terra. 379

Segundo BARATA (1993):

“Os conflitos pela posse e uso da terra, no Polígono dos Castanhais se acentuaram, ganhando não só as manchetes dos jornais paraenses, como as nacionais e internacionais. As estatísticas de tais conflitos são gritantes: centenas de mortes, milhares de prisões, despejos sem ordem judicial e perseguições às lideranças sindicais, tornaram-se medidas corriqueiras, transformando o sul do Pará, numa das áreas mais conflituosas do país”.

A Dra Marília Emmi analisou o processo de a formação da oligarquia rural da região de Marabá desde o final do século XIX até os anos oitenta, isto é a passagem do burgo de Itacayuna ao atual município de Marabá. Mostrou como, graças ao apoio do Poder Público estadual, foram privatizados os castanhais que até então eram de domínio público e de uso comunal, dando origem à oligarquia da castanha. Depois de ter constatado que a violência entre as "famílias tradicionais", detentoras de enormes áreas de castanhais e os lavradores, vem desde a fundação da cidade, afirma que: "Esse estado de conflito permanente, mais ou menos intenso, aprofundou-se no decorrer do tempo. Precisamente no início da década de oitenta, ressurge e se generaliza como estado crítico de violência, na medida em que, na luta pela terra, camponeses confrontam-se com os antigos e novos latifundiários" (EMMI, 1999:14).

No mesmo estudo comprova-se a subordinação do estado as famílias oligárquicas da castanha que, a revelia da lei que proibia a concessão de vários imóveis para as mesmas famílias, conseguiram privatizar os castanhais do povo: em 1980 quatro famílias detinham em seu poder 37,3% do total dos castanhais aforados nos municípios de Marabá e São João do Araguaia: Mutran (131.332 ha, 21,4%), Almeida (47.340 ha, 7,7%) e Azevedo (28.800 ha, 4,7%), Morães (21.714 ha, 3,5%). Se a elas se acrescentam as áreas ocupadas pelas novas empresas capitalistas que entraram na região na década de sessenta (Bamerindus com 55.161 ha, 9,0% e Companhia Industrial Brasileira - CIB com 49.200 ha, 8,8%), se percebe que para os outros "sobravam" 280.174 ha, isto é 45,7% das terras (ver EMMI, 1999).

379 O quadro na página anterior reflete bem estas afirmações mostrando como a região sudeste foi uma das regiões mais atingidas pelos conflitos pela posse da terra.

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A situação pode ser retrata no seguinte gráfico:

21,4

7,7

4,7

3,598,8

45,7

MUTRAN ALMEIDA AZEVEDO MORÃES BAMERINDUS CIB OUTROS

Fonte: EMMI (1999:113)Enquanto na região de Marabá o latifúndio consolidou-se ao redor

de algumas famílias detentoras dos aforamentos de castanhais, outras duas regiões extremamente conflitivas gestavam sua atual estrutura fundiária na década de sessenta: o sul do Pará e Paragominas.

Naquele período existia um só município: Conceição do Araguaia.380. onde começaram a se instalar algumas famílias e empresas paulistas como a Lanari do Val, CETENCO.

Quando João Lanari doVal chegou na região se declarou dono de 768.000 ha, metade dos quais passou a vender para empresários do sudeste do país, ainda antes de ter formalizado qualquer pedido ao governo estadual. Só em 1962 o Estado do Pará expediu 64 títulos definitivos em favor de várias pessoas ligadas a eles, dando origem à fazenda Santa Teresa, nome de fantasia da Companhia Mata Geral, com uma área de 284.877 ha381. Posteriormente a família Lanari do Val adquiriu mais 50.000 ha, do INCRA para um projeto de colonização particular.

Já a empresa CETENCO Engenharia LTDA., pertencente à família Malzoni, se apropriou, em 1961, de 387.200 ha, dando origem às fazendas Caju S/A, Cristalino S/A e Campo Alegre S/A. O grupo recebeu incentivos

380 Atualmente o antigo município de Conceição do Araguaia deu origem aos seguintes municípios: Santana do Araguaia, Santa Maria das Barreiras, Conceição do Araguaia, Redenção, Pau d´Arco, Rio Maria, Xinguara, Sapucaia, Piçarra e São Geraldo do Araguaia.381 FERNANDES (1999: 167-169) apresenta a lista das pessoas que requereram estas terras.

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fiscais entre 1966 e 1971. Em 1973 unificaram a administração das fazendas e conseguiram novos incentivos 382.

Outra família que conseguiu uma enorme extensão de terras do governo estadual foi a de Nicolau Lunardelli: 435.600 ha que deram origem às fazendas Codespar, Riachuelo e Nicobran.

Estes empresários paulistas, que já se tinham tornado donos de enormes áreas no Paraná, onde plantaram café, eram apresentados como "pioneiros" ou "desbravadores" pelos jornais e considerados como os propulsores do "desenvolvimento regional" baseado nas grandes empresas agropecuárias. FERNANDES (1999:49) afirma que o próprio governador Aurélio do Carmo teria ido a São Paulo prometer que as terras seriam: "doadas de graça" aos empresários que decidissem instalar suas fazendas no Pará. 383

Enquanto no Araguaia Paraense os "fazendeiros paulistas" não fixaram sua residência na região, em Paragominas os fazendeiros ocuparam imóveis menores e passaram a morar na região.

10.8.2 A generalização da violência

O mapa a seguir mostra esta realidade:Mapa 4: Trabalhadores rurais assassinados no Pará: 1964-1998

382 È importante observar que apesar de terem recebido incentivos fiscais, todas estas fazendas foram desapropriadas pelo INCRA nos últimos anos por serem "propriedades improdutivas".383 FERNANDES (1999: 55-56) mostra como muitos dos ex-gerentes destas fazendas conseguiram eleger-se prefeitos das cidades do sul do Pará chegando a deter o poder político: Luis Vargas, ex gerente da fazenda Mata Geral foi eleito prefeito de Redenção em 1985; Henrique Vita, da fazenda Campo Alegre, foi prefeito de Santana de Araguaia e Elviro Arantes, ex gerente das fazendas do Grupo Quagliato, elegeu-se prefeito de Xinguara em 1990.

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01-05

06-10

11-20

21-30

31-40

41-50

50-90

FONTE: Autor utilizando dados do Arquivo do Secretariado Regional da CPT PA-AP

NÚMERO DE ASSASSINATOS POR MUNICÍPIOESTADO DO PARÁ 1964 - 1998

Analisando os dados das diferentes tabelas, sobretudo as tabelas 19 e 18 relativas aos conflitos agrários e assassinatos de trabalhadores rurais (anexos 13 e 14) se percebe como a violência não é uma realidade que afeta só uma região do Estado, mas atinge todas elas fazendo parte da realidade de 83 municípios.

O número de trabalhadores rurais assassinados no Brasil nos de 1964 a 1998 dá a dimensão desta guerra civil não declarada. Se pode comprovar como o Pará têm o maior número de assassinatos de trabalhadores rurais (ver

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Anexo 8) a listagem dos trabalhadores rurais e seus aliados na luta pela terra assassinados no Estado do Pará de 1964 a 1998). O quadro agravou-se com o fim da ditadura militar como mostra o gráfico a seguir:

O Gráfico 8 (anexo 10): Evolução do número de trabalhadores assassinados de 1964 a 1998 no Estado do Pará:

O quadro dos trabalhadores rurais assassinados no Brasil (Tabela 21) e no Pará (Gráfico 8 e Tabela 18) mostra o agravamento dos conflitos na década de oitenta, de modo particular nos anos da Nova República, quando o anúncio do Plano Nacional de Reforma Agrária acirrou as disputas pela terra. A resposta dos latifundiários à possível perda de suas terras foi a violência. A partir do momento em que os militares saíram de cena quem ocupou o palco foi o pistoleiro, a milícia privada que, atuando muitas vezes em conjunto com a Polícia Militar, força estadual que na história recente do Pará sempre se colocou ao serviço do latifúndio, desempenhou o papel de reprimir os trabalhadores rurais. Foi justamente no começo da Nova República que se registraram os maiores índices de assassinatos. O ano que apresentou o maior número de homicídios, o ano das grandes chacinas (oito ocorrências com 61 assassinatos), foi justamente 1985, com um total de 128 mortos, seguido por 1986 com 92 assassinatos (as 6 chacinas deste ano fizeram 30 vítimas). O outro período trágico foi de junho de 1993 a agosto de 1996 quando registraram-se assassinatos, fruto da resposta violenta do latifúndio ao avanço do número de ocupações de terra. O entrechoque entre a ocupação da terra por parte dos camponeses (seja através da colonização espontânea ou dirigida) gerou uma situação de violência que faz do Pará o "campeão nacional de violência rural". 384

384 Segundo OLIVEIRA (1989:11 e 17) “Não é mais possível conviver com tanta violência e injustiça, razão pela qual a crise decorrente da instabilidade social na Amazônia tornou-se definitivamente uma questão de todos os brasileiros (...). A Amazônia, hoje, é o palco mais violento na luta pela posse da terra”.Se tem consciência que a utilização de um único indicador quantitativo de violência

(assassinatos) não consegue espelhar a realidade deste fenômeno que é muito mais complexo. Seria necessário mostrar como as diferentes formas de violência evoluíram ao longo do tempo e como elas são diferentes comparando o que acontece nas diferentes regiões. Escolheu-se privilegiar a análise dos assassinatos por ser a forma mais brutal desta violência. BARP (1997:287) analisando as diferentes formas de violência agrária afirma que: “O que se quer chamar atenção aqui é a dificuldade de se analisar a evolução da violência no campo ao longo dos anos, considerando-se apenas algumas formas de violência, especialmente o assassinato, num universo de aproximadamente 13 formas de violência contra a pessoa e contra a posse e a

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A violência do latifúndio tentou desarticular os movimentos de trabalhadores rurais que resistiam e lutavam pela manutenção e regularização de suas posses, assassinando preferencialmente lideranças sindicais e os aliados da luta dos trabalhadores, isto é, advogados e religiosos. Além de registrar a ocorrência de tantos assassinatos precisa-se também destacar as ameaças de morte, prisões, espancamentos, sequestros, torturas, desaparecimentos de pessoas e trabalho escravo.

É importante ressaltar que a violência: "Deriva não de impulsos irracionais, como as vezes podem deixar transparecer as sucessivas chacinas e os casos de massacres em que indígenas e famílias inteiras de camponeses são dizimados, mas de artifícios urdidos, convenientemente delineados e refletidos, constituindo-se, não raro, em estratagemas próprios de um intenso processo de concentração da terra" (ALMEIDA, 1990c:15).

Para BAUMFELD (1984:14):

"A imposição do terror não é cega. Ao contrário, segue cuidadosa estratégia: os capangas têm instruções para queimar a colheita ou então, queimar os celeiros, aguardar o verão para envenenar as nascentes, identificar os camponeses mais combativos e assassiná-los exemplarmente etc. O objetivo de toda esta fase é instituir uma nova verdade jurídica para as terras, criar um mercado capitalista de terras que legalize tudo o que foi praticado em nome da "ordem" e da "propriedade", ocultar os cadáveres e as casas queimadas e impor a lei do capital".

No relato de muitos conflitos se denuncia a queima de casas, destruição de roças, matanças de galinhas, jumentos, e, até, de cachorros. Mata-se e destróe-se tudo para desestruturar o núcleo familiar e dificultar a sobrevivência física da família à qual é tirada até o alimento.

Esta estratégia do terror, que nega os mais elementares direitos humanos, faz com que os crimes sejam frequentemente ostensivos:

propriedade, registradas pela CPT no período de 1985/96. Tudo leva a crer que os assassinatos podem ser um bom indicador para analisar a violência urbana, mas o referido indicador, sozinho, torna-se ineficiente para analisar a violência no espaço agrário. Nesse caso, o contexto é maior, deve-se considerar a violência contra a pessoa e seu patrimônio”. Esta análise mostra-se importante na medida em que se interpretam os dados relativos a 1997 quando diminuíram sensivelmente o número de assassinatos, mas aumentaram as ocupações e os conflitos. Um dado importante a ser analisado é aquele relativo a destruição de casas, roças e demais benfeitorias pois este é o instrumento privilegiado para eliminar, de maneira ilegal, as provas materiais que ajudariam os ocupantes a comprovarem suas posses.

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"Além de serem frequentes os casos de duplo homicídio, exterminando-se mais de um indivíduo por grupo familiar, com declarado propósito de afetar a administração e a composição da força de trabalho das famílias camponesas, destacou-se que os assassinatos são cometidos em lugares de trânsito intenso de pessoas, em coletivos, em barcos, em rodoviárias, em feiras e em praças públicas. Parece não haver cuidados maiores com testemunhos oculares ou com a identidade dos que perpetram semelhantes atos. Preocupações, provavelmente, tidas como desnecessárias ante uma paradoxal certeza de impunidade. O caráter público de tais atos encerra, por outro lado, uma evidente intimidação. (...) Acompanham estas características os requintes de perversidade com que os crimes são cometidos e inúmeras outras formas de constrangimento físicos, tais como espancamentos, lesões corporais, torturas, estupros, degolas e linchamentos". (ALMEIDA, 1987:23)

Estas palavras do Alfredo Wagner são comprovadas em inúmeros casos. A violência não poupou mulheres, crianças e velhos. Famílias inteiras foram exterminadas para inibir a resistência e a vontade de permanecer na terra:Mulheres: em 20 de janeiro de 1985 o bando de Sebastião da Teresona

matou três mulheres que tinham testemunhado o assassinato de trabalhadores na fazenda Fortaleza (município de Xinguara), as duas mais jovens (de 16 e 14 anos) foram antes estupradas; igual “sorte” teve Leonilde Resplandes Coelho (272), estuprada e queimada viva pelo mesmo bando, depois de terem matado seu marido, em 23 de maio de 1985 no Gogó da Onça, (município de Xinguara); Antônia (233), companheira de Quintino, grávida de quatro meses, foi assassinada pela Polícia Militar em 25/01/1984 na Gleba Cidapar (Viseu); Francisca de Souza (297), 13 anos, grávida, foi assassinada pelo bando de Sebastião da Teresona no Castanhal Ubá (São João do Araguaia, em 13/06/85); Emiliana Santana de Oliveira (434), foi assassinada em 12/09/85 em Paragominas; Maria da Conceição Pereira da Silva (437) morreu de aborto em consequência aos maus tratos que recebeu durante o despejo realizado pela Polícia Militar na área indígena Mãe Maria (São João do Araguaia, em 22/09/86); Maria da Cruz (644), foi assassinada em Parauapebas em 11/11/95. Ao todo 18 mulheres foram assassinadas ou morreram em consequência da luta pela terra.

Crianças: em 17/09/1980, na cidade de Goianêsia foram mortas Edileuza (de 5 anos) (105) e Elizabeth (1 ano e seis meses) (106); um bebê (137) foi abortado por Edna Sena durante um ataque da PM na fazenda Tupã-Ciretã (Xinguara) em 17/09/81; uma outra criança (de seis anos) (139), foi assassinada na Gleba Geladinho (Marabá) em 27/10/81; uma criança

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(3 anos) foi assassinada em Tapagem, município de Oriximiná, em 23/11/85; um menor não identificado (430) foi assassinado no dia 09/09/86 em São Domingos do Capim, Clésio Silvino da Silva, foi assassinado em 28/10/87 em Goianêsia. Foram registrados 11 assassinatos de crianças.

Velhos: Domingos (181), de 68 anos, foi assassinado na área da fazenda CIB (São Geraldo do Araguaia) em 28/08/83; Tião (330), de 70 anos, foi assassinado em 15/08/85 na Vila Mandi (Conceição do Araguaia); José Sabino de Sá (631), de 64 anos, foi assassinado a facadas na fazenda Olho do Boto (Ipixuna); José Ribeiro (648), de 65 anos e Maria Lúcia Ribeiro (649), de 68 anos, foram assassinados em 25/03/96 na fazenda do Mineiro (Goianêsia do Pará).

famílias inteiras: os quatro membros da família Justo assassinados em Goianêsia em 17/09/80; Francisco Pereira Morais (270) e sua mulher, Leonilde Resplandes da Silva (272), assassinados em Rio Vermelho (Xinguara), em 23/05/85; Severino Oliveira, assassinado em 1985 e sua mulher Eliza Santana de Oliveira (433), assassinada na colônia Faisção (Paragominas) em 12/09/86; Antônio Teles Saraiva (629) e sua mulher Alcina Gomes Barbosa (630), assassinados em 02/10/94 (Eldorado do Carajás).

Registraram-se também casos de suicídio [Carmen Lúcia da Silva moradora da fazenda Joncon (Conceição do Araguaia), suicidou-se em abril de 1985 devido às ameaças do ex-delegado da cidade; Juvenil Venturil Pontes enforcou-se em 29/04/90 em Medicilândia depois que o polícia tinha destruído a capela da comunidade e ameaçado os colonos]; pois os mesmos foram frutos de medo provocado pela polícia ou pela ação de pistoleiros que podem assim ser responsabilizados por este fato.

As chacinas foram outra maneira trágica de impor terror. A prática repetida de assassinatos plurimos foi utilizada como um instrumento de controle e coerção banalizando e. ao mesmo tempo, legitimando as chacinas que somam 213 vítimas, isto é, 30,82% do total dos assassinatos. 385

385 ALMEIDA (1997b:23-24) cita várias outras chacinas acontecidas no Pará (fazenda Canadá, com 4 assassinatos em 1985 e fazenda Diadema, com 6 assassinatos em 1986, ambas localizadas no município de Xinguara; fazenda Agropecus, com 12 mortos em 1986 e Suassapará, com 3 mortos, ambas localizadas em Santana do Araguaia e a fazenda Umuarama, com 3 mortos, localizada em Parauapebas) sobre as quais porém não têm informações no arquivo da CPT PA-AP e, portanto, não foram incluídas no presente trabalho. Este fato mostra a precariedade das fontes e comprova que, no caso das diferentes listas de assassinatos no campo, os números ressentem de maior precisão sendo, com certeza,

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Tabela 25: Chacinas cometidas no Estado do Pará:

DATA LOCALIDADE MUNICÍPIO MORTOS

17/04/96 Curva do S (650-668) Eldorado do Carajás 19../09/80 Espadilha (107-123) São Félix do Xingu 17../06/85 Surubim (301-317) São Geraldo do Araguaia 17../05/85 Ingá (274-286) Conceição do Araguaia 1210/06/86 Paraúnas (402-411) São Geraldo do Araguaia 1013 a 18/06/85

Ubá (292-300) São João do Araguaia 9

../08/83 Rio da Prata (182-189)

Santana do Araguaia 8

17/01/85 Fortaleza (242-247) São Geraldo do Araguaia 6../06/85 Dois Irmãos (324-328

+ 334)Xinguara 6

../05/86 Cidapar (394-399) (ao todo foram 24 assas.)

Viseu 6

../09/87 Barreiro Preto (483-488)

Rio Maria 6

../08/93 Tancredo Neves (609-614)

São Félix do Xingu 6

14/08/84 Terra Nova (216-220) São Geraldo do Araguaia 5../09/85 Princesa (341-345) Marabá 5../07/86 Surubiju (416-420) Paragominas 517/09/80 Goianêsia (103-106) Goianêsia 402/06/84 Tabocão (209-211) São Geraldo do Araguaia 420/09/85 Surubuju

(333+335-338)Paragominas 4

02/02/86 Abaeté (361-364) Marabá 4

subestimados. A incorporação da violência à questão agrária foi assim apresentada por ALMEIDA (1997:21): “ Nos meandros deste sistema agrário repressivo a violência tornou-se, todavia, um instrumento tão efetivo de controle e coerção, quanto a única forma de comunicação entre as estruturas de poder e os segmentos camponeses e grupos indígenas. A força bruta e os constrangimentos físicos constituíram-se numa forma de relação legitimada, de maneira implícita, pelos aparatos de poder. A banalidade das chacinas, tornadas rotineiras, e a inexistência de medidas efetivas para apuração dos delitos e para transformação da estrutura fundiária tratam-se, pois de um corolário desse sistema repressor da força de trabalho”.

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../06/93 Esmeralda (604-607) Tailândia 4DATA LOCALIDADE MUNICÍPIO MORTO

S12/09/93 São Sebastião

(615-618)Tucumã 4

06/08/95 Agropastoril e Extrativa do Brasil (638-641)

São João do Araguaia 4

12/08/82 Castanhal Limão (160-162)

Xinguara 3

../03/83 Fartura (173-175) Santana do Araguaia 305/07/83 Rio Cristalino

(177-179)Santana do Araguaia 3

23/06/84 Pau Ferrado (206-208)

São Geraldo do Araguaia 3

05/01/85 Cidapar (237-239) Viseu 313/04/85 Pau Ferrado

(258-260)São Geraldo do Araguaia 3

../02/86 Vila Nova (369-371) Viseu 319/03/86 Acapu (378-380) Redenção 313/08/87 Pau Preto (478-480) São Domingos do

Araguaia3

28/10/87 Goianêsia (492-494) Goianêsia 329/12/87 Ponte do Rio

Tocantins (497-499)Marabá 3

../08/88 São Judas Tadeu (521-523)

Paragominas 3

../12/88 Cedro (532-534) Tomé Açu 3

../08/96 Santa Fé (670-672) Parauapebas 321/08/96 São Francisco

(674-676)Eldorado do Carajás 3

13/01/97 Santa Clara (681-683) Ourilândia do Norte 3TOTAL 213

Além destas chacinas, em algumas fazendas, verificaram-se assassinatos múltiplos ao longo de vários anos: 5 trabalhadores rurais assassinatos: Jandaia (Curionópolis); 4 trabalhadores rurais assassinatos: Del Rey (Paragominas), Água Branca (Ulianópolis), Bela Vista (Floresta do Pará), Canaã (Rio Maria), Marajoara (Xinguara), Meinara (Paragominas); 3

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trabalhadores rurais assassinatos: Agropecus e Aldeia (Santa Maria das Barreiras), Colatina (Acará), Gameleira (Marabá), Joncon (Conceição do Araguaia) Motor Queimado (Eldorado do Carajás), Ponta de Pedras (São João do Araguaia), Santa Rita (São Domingos do Capim) e Santa Tereza (Redenção).

Não só os trabalhadores rurais foram vítimas da violência do latifúndio nestes últimos anos: os índios também foram massacrados. Estudos publicados pelo Conselho Indigenista Missionário (CIMI) mostram como isso se agravou nos últimos anos chegando quase a duplicar o número de vítimas da violência. 386

A BARBARIDADE com a qual os pistoleiros tratam suas vítimas parece fazer parte da pedagogia do terror. Os exemplos abaixo mostram os requintes de perversidade e a crueldade utilizada por alguns pistoleiros:

• Muitas pessoas, por exemplo, foram crivadas de balas: Belchior Martins Costa (153) foi atingido por 140 balaços e teve o pescoço quebrado (Rio Maria, 04/01/82), José Rodrigues de Souza (194), foi atingido por 16 balaços na Vila Cachoeira (Viseu) em 24/12/83; Nelson Ribeiro (300) foi assassinado na fazenda Ubá com quarenta tiros em 18/06/85; outros tiveram seu corpo queimado.

• PAULINO DE SOUZA MENDES (373), assassinado em Brasil Novo em 04/03/86: Seu cadáver foi encontrado sem o couro cabeludo e sem a pele do rosto;

• Os cinco trabalhadores mortos na chacina da fazenda Princesa (339-343) foram: “amarrados, torturados, queimados e assassinados, e há depoimentos confirmando que o fazendeiro Marlon participou diretamente do massacre. Os cadáveres foram atirados no Rio Itacaiúnas, tendo sido encontrados pela polícia amarrados em cordas de náilon e com pedras presas na ponta, para impedir que flutuassem. (...) Um deles está insepulto até hoje, pois os vários pedaços em que se dividiu seu cadáver desceram boiando o rio, rolando entre o lodo e a lama” (FAJARDO, 1988:99).

• UM GARIMPEIRO (NÃO IDENTIFICADO - 476), foi aprisionado pela polícia militar, torturado e queimado vivo para revelar onde

386 O CIMI (1997:29), no capítulo que tem como título ”Quase duplicado o número de vítimas de atos de violência”, afirma que: “Os atos de violência contra a pessoa do índio e contra comunidades indígenas foram praticados por ação e omissão de funcionários públicos civis e militares das esferas federal e estadual, no exercício de sua funções”. Além do poder público, que é acusado de ter uma prática genocida, são acusados madeireiros (responsáveis por 24% dos casos de agressão), fazendeiros (23%) e garimpeiros (17%).

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estavam e quem eram os posseiros que horas antes tinham entrado em conflito com pistoleiros da Fazenda Barreiro Preto, de Manoel de Sá, no município de Xinguara. O crime ocorreu em 06/08/87;

• JOSÉ MARTINS DOS SANTOS (506) e MANOEL MARTINS DOS SANTOS (507), foram encontrados assassinados nas suas posses, no interior da fazenda Vaca Branca, município de Redenção, na manhã de 23/02/88 depois da polícia ter efetuado um despejo junto a pistoleiros. Suas orelhas direitas foram cortadas;

• Em vários outros casos os pistoleiros cortaram as orelhas de suas vítimas para comprovar o crime (um par de orelhas humanas foi encontrado na sede da fazenda Marajoara em Xinguara, um macabro troféu, guardado num vidro cheio de formol).

• DOMINGOS (529), lavrador, no dia 06/12/88 foi assassinado à beira do PA 279, Km 60, Rio Branco em Tucumã. Arrancaram-lhe os olhos, cortaram as orelhas e o fizeram em pedacinhos;

• DIMAS JESUÍNO BAIÃO (198), lavrador e pequeno comerciante, 36 anos, morador da localidade de Paraúnas, (São Geraldo do Araguaia). Os pistoleiros o assassinaram numa emboscada no dia 24 de janeiro de 1984. Sua cabeça foi arrancada e pendurada numa árvore.Muitas denúncias relatam que os tiros foram dados à curta distância

(várias vezes a menos de um metro) atingindo o coração, a cabeça, a nuca provocando profundas dilacerações dos corpos. O que se pretendia com isso não era assustar o advertir a vítima, mas sim executá-la sumariamente.

A análise dos dados contidos na tabela 18 (ver anexo 13) permite elaborar uma nova tabela, 26, onde, levando-se em consideração as datas dos assassinatos, mostra-se quem ocupava o cargo de governador naquele tempo e as providências tomadas:Tabela 26: Assassinatos de trabalhadores nos diferentes governos paraenses

Nome Dias Trab. Ass.

1 Trab. Ass. x dias

Inquér. Processos

Aurélio Correia do Carmo(01/04/64 a 16/06/64)*

76 2 38 0 0

Jarbas Gonçalves Passarinho(15/06/64 a 31/01/66)

595 6 99,16 3 0

Alacid da Silva Nunes(31/1/66 a 15/03/71)

1.869 9 207,66 4 0

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Fernando José Leão Guilhon(15/03/71 a 15/03/75)

1.461 28 52,17 13 1

Aloysio da Costa Chaves(15/03/75 a 01/08/78)

1.235 26 47,5 10 5

Clóvis Silva de Morães Rego(01/08/78 a 15/03/79)

226 5 45,20 1 1

Alacid da Silva Nunes(15/03/79 a 15/03/83)

1.461 99 14,75 11 10

Nome Dias Trab. Ass.

1 Trab. Ass. x dias

Inquér. Processos

Jáder Fontenelle Barbalho(15/03/83 a 15/03/87)

1.461 282 5,18 44 33

Hélio da Mota Gueiros(15/03/87 a 15/03/91)

1.461 118 12,38 29 28

Jáder Fontenelle Barbalho(15/03/91 a 03/04/94)

1.115 46 24,23 13 10

Carlos José Oliveira Santos(03/04/94 a 01/01/95)

273 11 24,82 7 3

Almir José de Oliveira Gabriel(01/01/95 a 31/12/98)**

1.461 71 20,57 48 22

TOTAL 12.694

703 18,06 183 113

Fonte: Autor a partir de dados constantes no arquivo da CPT e BRASIL (1997a).387

387 Para compreender a agudização dos conflitos na década de oitenta é suficiente comparar os números do primeiro e segundo governo de Alacid Nunes. Enquanto de 1966 a 1971 foi registrado um assassinato a cada 207,66 dias, no segundo mandato (de 79 a 83) a média de assassinatos subiu para um morto para cada 14,75 dias. A mesma situação repetiu-se no primeiro governo de Jáder Barbalho (de 1983 a 1987) quando se registrou um assassinato cada 5,8 dias (a fase pior de todas), enquanto

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(* Aurélio do Carmo assumiu o governo estadual em 31/01/1961, mas, para efeito desta pesquisa, consideram só os fatos posteriores a 01/04/64 ** Governador cujo mandato expirou em 31/12/98 e foi reeleito).

10.9 DESMATAMENTO E VIOLÊNCIA

Analisando o período de maior incidência de assassinatos pode-se chegar a estabelecer uma íntima relação entre desmatamento e violência. Os meses nos quais as chuvas são menos intensas (abril-setembro), são tradicionalmente dedicados para a preparação dos novos roçados. É o momento no qual os trabalhadores rurais ampliam sua posse ou procuram estabelecer-se numa nova. É porém, ao mesmo tempo, o momento no qual as fazendas ampliam seus pastos aumentando o desmatamento. O entrechoque entre estas duas frentes resulta no agravamento dos conflitos pela posse da terra e o aumento considerável dos assassinatos de trabalhadores rurais. No Pará, nos meses de abril a setembro, registraram-se 433 assassinatos, isto é, 62,66% dos casos, 388 como comprova o quadro a seguir.

Tabela 27: Assassinatos de trabalhadores rurais no Pará: 1964-1998 (Número por mês)

ANO/MÊS

S/D 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 TOTAL

1964 2 1 1 1 51965 1 1 1 31966 2 1 31967 01968 1 11969 4 41970 1 11971 1 1 21972 1 1 1 31973 1 1 2 5 1 1 1 1 13

esta média desceu para um morto cada 24,23 dias em seu segundo governo (de 1991 a 1994).388 Também BARP (1997:251:252), utilizando dados extraídos do livro de BARATA, comprova a estreita relação entre desmatamento e violência e conclui dizendo: “Os estados detentores das maiores áreas de desmatamento durante a última década, também foram responsáveis pelos maiores massacres, segundo suas dimensões (pessoas assassinadas) na história da Nova República. Pará em primeiro lugar – Massacre de Eldorado do Carajás – e Rondônia em segundo lugar – Massacre de Corumbiara”.

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1974 1 1 2 5 1 101975 1 2 1 41976 1 2 1 3 1 2 1 111977 1 1 2 1 51978 1 3 2 2 1 91979 1 1 5 2 1 1 2 2 151980 1 1 1 2 3 1 3 22 4 381981 2 3 1 2 2 3 1 3 1 181982 2 5 3 1 1 2 3 1 3 2 231983 1 1 3 3 1 3 10 2 4 281984 2 1 1 3 10 1 9 5 5 371985 16 1 7 6 25 41 1 1 13 4 2 7 1221986 3 12 11 4 12 12 10 4 12 4 6 3 93ANO/MÊ

SS/D 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 TOTA

L1987 2 3 4 5 10 1 7 6 6 5 491988 4 3 5 2 3 1 3 3 4 2 7 371989 1 2 5 1 3 1 1 141990 1 1 2 5 1 1 1 3 1 4 1 211991 1 1 3 4 1 1 2 3 161992 2 1 1 1 2 1 2 1 2 131993 1 1 1 6 1 6 4 201994 1 2 1 5 2 1 121995 3 3 4 1 2 1 141996 4 19 1 7 1 1 331997 8 1 1 1 1 121998 1 3 1 2 1 4 12TOTAL 12 49 40 43 65 69 108 37 79 79 38 37 47 703

Fonte: Autor utilizando dados constantes no arquivo da CPT PA-AP.

Além da violência os recursos naturais são utilizados de maneira perniciosa. A SECTAM (PARÁ, 1998:12 e 22) lamenta a exploração atual das florestas paraenses:

”Estima-se que menos de 1% das áreas exploradas no Pará esteja sob regimes efetivos de manejo florestal. A forma usual de exploração adotada submete a floresta a um intenso processo de exaustão, induzindo sempre a migração da indústria madeireira em direção a novas áreas florestadas. O processo migratório desordenado na Amazônia, tem levado, muitas vezes, a

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conflitos fundiários. Esta ocupação desordenada proporciona ainda o grave problema dos desmatamentos indiscriminados. (...) As alterações causadas na cobertura florestal do estado que, em 1986, representavam 9,7% das florestas originais, alcançaram, entre 1978 e 1986, um incremento de 360%. Os municípios com maior incidência de desmatamento, nos últimos anos foram: São Félix do Xingu, Redenção, Marabá e Santarém” (grifos nossos).389

O mesmo estudo afirma que o mecanismo perverso da titulação, previsto na legislação em vigor na década de ´60 e ´70, teve um efeito devastador pois: “Para cada hectare de floresta derrubada, os ocupantes recebiam o título equivalente a seis hectares, provocando uma aceleração do desmatamento para reivindicar maiores áreas de terra. A floresta era vista assim como um obstáculo para a obtenção do título” (PARÁ, 1998:22).

Durante muito tempo normas do INCRA reconheceram o desmatamento e a implantação de pastagens em terras públicas como “benfeitorias” para fins de concessão de títulos de médias e grandes propriedades (vide Portaria 839/88, Instrução Normativa 03/92). Ver Resolução /CD/no.12 de 20 de março de 2001,

10.10 ORIGEM DA VIOLÊNCIA CONTRA TRABALHADORES RURAIS

O Pe. Ricardo REZENDE (1991), da CPT de Conceição de Araguaia, no seu depoimento na Comissão Parlamentar de Inquérito da Assembléia Legislativa do Estado do Pará em 26/03/91, analisando a violência contra trabalhadores rurais no Pará mostrava suas feições e sua origem:

1. "É uma violência subsidiada pelo Estado" que através dos incentivos fiscais favoreceu a concentração da propriedade da terra;2. "É uma violência organizada" pois agem no Estado milícias particulares sempre mais sofisticadas, muitas vezes comandadas por homens oriundos da Polícia Militar ou Federal, sobretudo a partir de 1985, ano de fundação da UDR;3. "É uma violência contra a organização do trabalho e política partidária". São mortes preanunciadas, ameaças de morte que, apesar de ser amplamente denunciadas, são cumpridas sem que o aparato repressivo do Estado faça

389 Analisando estes dados e a tabela n.º 25 (anexo 13) percebe-se que São Félix e Marabá estão entre os municípios mais violentos do Estado (sobretudo se se levar em consideração que até 1988 o município de Marabá englobava os atuais municípios de Parauapebas, Curionópolis e Eldorado dos Carajás).

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qualquer coisa para evitar o trágico desfecho. Atingem delegados sindicais, candidatos de partidos políticos, parlamentares. É assim uma "violência pedagógica" pois visa incutir o terror e desarticular a organização partidária e sindical. Assumir o comando de um sindicato leva a inevitáveis ameaças de morte. Em Rio Maria pistoleiros mataram dois presidentes do Sindicato dos Trabalhadores Rurais e balearam o terceiro.4. "Violência e impunidade generalizada" A violência é uma constante na vida de milhares de famílias no Brasil inteiro. Uma pesquisa da CPT Norte II de 1987 identificava 353 áreas de conflito no Pará envolvendo 36.617 famílias e 3.783.909 ha. espalhadas por todas as micro regiões do Estado. Dos 503 homicídios denunciados pela CPT envolvendo questões agrárias foram abertos só 43 processos (isto é menos de 10% dos casos denunciados) e só um chegou até o júri com a absoluto dos culpados. [Assim terminava o depoimento de Pe. Ricardo] A violência é uma doença perigosa que atinge todo o organismo social do Estado e do País. É necessário agir com rapidez e eficiência. É necessário ir até a raiz deste quadro patológico, que é a terra e o poder perversamente concentrados: a ausência do direito e da cidadania. É urgente sair deste clima de impunidade, de polícia mal remunerada, mal preparada, serviçal dos grandes proprietários; de um judiciário parcial, de uma justiça de classe, de um legislativo indiferente".

Diante deste quadro ALMEIDA (1990c:3) afirma:

"As práticas sociais ordinárias desdizem os preceitos legais ditados pela constituição, pelo Código Civil, pela legislação complementar, pelos decretos, pelas portarias ministeriais e pelas convenções firmadas a nível internacional. O descumprimento das leis é visto como um dado estrutural realimentando permanentemente os antagonismos nas regiões de fronteira agrícola. Em decorrência a justiça não é aplicada com isenção o que evidencia a inocuidade da ação dos aparelhos de poder. Afinal o direito de intervir nos conflitos e na estrita observância da lei é uma prerrogativa do Estado".

O Tribunal de Justiça do Estado do Pará não desconhece esta realidade. Em maio de 1991 elaborou um estudo com o título: "Subsídios para a definição das áreas para a instalação das varas especializadas em direito agrário no Estado do Pará". Nele, citando o IDESP, o poder judiciário mostra conhecer perfeitamente não só as dimensões da violência e sua distribuição geográfica, mas também suas causas. Mudar este quadro seria muito fácil o próprio Tribunal conhece a receita: "Resta, então ao poder judiciário aplicar a justiça em sua melhor forma na busca de uma pacificação daquelas regiões".

Hoje o Brasil, apesar de sua enorme extensão territorial está exportando conflitos sociais para todos os países vizinhos. Centenas de

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milhares de agricultores, seringueiros e garimpeiros brasileiros estão ocupando áreas destes países. Uma pesquisa de ALMEIDA (1991a:9-14) mostra que está se dando a continentalização dos conflitos sociais.

10.11 LUTA PELA TERRA: A GESTAÇÃO DE UM “NOVO DIREITO”

O rígido formalismo jurídico, tão incompreensível e distante da mentalidade cabocla, foi uma arma importante nas mãos das grandes empresas e dos latifundiários para constituir e consolidar suas propriedades. A estrutura privatista da Justiça, o preço elevado das custas, a sua morosidade, a necessidade de ter um advogado para propor e acompanhar uma ação judicial foram, e continuam sendo, sérios obstáculos ao reconhecimento do direito dos posseiros na Amazônia.390

Os conflitos pela posse da terra apresentam elementos contraditórios, pois de um lado foram elementos desagregadores dos grupos que não conseguiram resistir à pressão dos fazendeiros e das forças repressivas do estado, do outro lado, porém, ajudaram a forjar, nos que resistiram, uma unidade grupal que os fortalecia na luta e no enfrentamento possibilitando-lhes a consolidação de suas posses e o acesso à terra. Os "posseiros em conflito" ganharam 'status' de interlocutores do Poder Público para procurar soluções.

Um Memorial dirigido em 1984 pelos trabalhadores da Gleba Cidapar ao Governador do Estado, evidenciava como eles tinham certeza não só de serem os legítimos possuidores da terra, mas que a mesma era a fonte de sua sobrevivência, isso apesar da cegueira das autoridades que não reconheciam seus legítimos direitos. A não solução do conflitos levou-os a duvidar da força do Estado enquanto instituição acima das partes: “Estão as autoridades cegas, surdas e mudas diante deste problema? Seria este problema mais forte, insolúvel e superior à própria Justiça, ao Estado e às autoridades? Somos sem dúvida as vítimas fatais desta guerra; mas lutaremos até o fim. Nós sabemos que o pau quebra do lado mais fraco, resta-nos saber quem vai vergar esse pau e vermos como ele vai quebrar.” 391

390 Para IANNI (1978:159): “O formalismo jurídico, cuja justificação social última seria a proteção dos direitos efetivos, é utilizado como um instrumento de expansão do domínio fundiário dos grupos mais fortes, já que o caboclo não se acha em condições sequer intelectuais de resistir com argumentos de cunho jurídico”.391 Os lavradores (apud LOUREIRO, 1991:215-216) afirmam: “Nós sempre encontramos em nós mesmos as soluções de nossos problemas e isso fez com que desenvolvêssemos um modo próprio e particular de vida. A terra é para nós a única segurança, a autoridade maior e a única certeza de continuarmos vivos, com ajuda de Deus. A Terra é nossa, assim como somos dela, por isso decidimos - não sairemos

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Encurralado pelo fazendeiro, pelo pistoleiro, pela polícia e participando da defesa de sua terra, o trabalhador rural toma consciência que o Estado nunca teve interesse em defender seus interesses e que só através da mobilização e da pressão conseguirá ver reconhecido seu direito e se manter na sua posse. A resistência é uma forma de fazer justiça, de se criar uma novo direito:

“O governo ainda quer tomar a pouca terra que a gente consegue arranjar com o suor e até com a vida da gente. Muitos colonos se revoltam, mas preferem ir embora porque têm medo, ou porque se conformam com a situação. Outros pensam diferente: acham que é melhor resistir e ficar. É o meu caso. (...) Como nós não temos justiça do governo, é a mão da gente que tem que lutar para conseguir fazer justiça”. (Delegado sindical do Cristal, apud LOUREIRO, 1997:83).

O Estado e a justiça passam a ser vistos como inimigos a serem enfrentados. Percebe também que sua força e seu êxito estão ligados à sua organização, sua luta, sua resistência e capacidade de articular ao redor de se todos os possíveis aliados (trabalhadores de outras localidades, sindicatos, partidos, igrejas, entidades populares e de assessoria, etc.). Nasce a mística da luta que, enraizada numa profunda crença religiosa, dá ânimo ao grupo. 392 Na luta superam-se divisões de credos. 393 Esta mesma luta forja novos

de nossas terras, custe o que custar“.392 No Memorial n.º 02 (apud IDESP, 1988b:1 e 2), documento que os posseiros da Gleba Cidapar entregaram ao governador Jáder Barbalho em 1984, se afirmava: “A terra é para nós a única segurança, a autoridade maior e a única certeza de continuarmos vivos, com a ajuda de Deus. (...). Reafirmamos nosso propósito de buscar essa solução definitiva, e para isso se preciso for, voltaremos a Belém, talvez em número maior: só que não mais para pedir ajuda, mas sem dúvida para exigirmos a “TERRA PROMETIDA” (grifos dos autores). 393 Assim se expressava, em 2 de dezembro de 1997, a Irmã Dorothy Stang, uma missionária americana que trabalha no Brasil há mais de trinta anos: “No processo de conquista da terra, no momento da luta, membros de diversas igrejas (Assembléia de Deus, Batista, Católica) se reúnem para discutir juntos as formas de resistência comum. Se superam as divergências religiosas em nome da causa comum”. A luta conjunta gera a solidariedade e fortalece a união da comunidade. Nos doze anos de assessoria aos trabalhadores rurais e suas organizações (sindicatos, associações, caixas agrícolas, cantinas comunitárias, etc.) inicialmente na qualidade de secretário executivo da Comissão Pastoral da Terra regional Pará-Amapá e, em seguida, como assessor jurídico da mesma entidade e da Federação dos Trabalhadores na Agricultura dos Estados do Pará e Amapá, o autor acompanhou de perto a aproximação entre trabalhadores rurais pertencentes a diferentes igrejas e a

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cidadãos para os quais a democratização do Estado e a efetiva participação na elaboração das políticas públicas e a decisão sobre a melhor alocação dos recursos é o único caminho para garantir o reconhecimento de seus direitos. 394

No momento do conflito, do enfrentamento armado com pistoleiros e a Polícia Militar, no desacato às determinações administrativas emanadas dos órgãos fundiários e das decisões judiciais favoráveis aos latifundiários, numa palavra na contraposição às ações do Estado, o movimento camponês criou, talvez de maneira inconsciente, um novo direito. Sua resposta se alicerçou na consciência de uma JUSTIÇA que vai além dos códigos e que considera ilegítimo o direito vigente, pois os exclui da propriedade da terra e do bem estar ao qual todos têm direito. As novas relações jurídicas que nasceram, apoiaram-se numa perspectiva de se criar uma sociedade mais justa que superasse as desigualdades e injustiças sociais das quais os trabalhadores rurais sempre foram vítimas.

Em poucos momentos esta experiência gerou a proposição formal de uma nova codificação legal. O caso mais importante no Pará foi sem dúvida a Lei Anilzinho elaborada no começo da década de oitenta. Anilzinho é uma região do município de Baião rica em castanhais que, tradicionalmente, eram livremente explorados pelos moradores do lugar. Em 14/08/61 o governador do Estado do Pará expediu o Decreto n.º 3.691, publicado no Diário Oficial de 18/08/61 criando em Baião uma reserva de castanhais com uma área de 14.400 ha. numa região ocupada tradicionalmente pelos índios Gaviões. Com a abertura da Transcametá (PA 156) apareceram na região alguns grileiros do sul. Apesar deste decreto, em 1976 o fazendeiro capixaba Sebastião do Amaral conseguiu uma liminar de despejo da Juíza Dra. Dail. Pouco tempo depois ele vendeu a terra para o Gustavo que, com a ajuda de um contingente policial fortemente armado despejou as cerca de 170 famílias de posseiros. Os policiais queimaram as casas, roubaram todas as criações (porcos, patos e galinhas) e com elas fizeram uma grande farra na casa do fazendeiro. Para impedir a volta dos posseiros jogaram veneno nos

construção de um “ecumenismo popular” que possibilita o dialogo e cria uma unidade dificilmente alcançável através das discussões entre teólogos. Esta experiência não se circunscreve aos dois estados supracitados mas é comum no Brasil inteiro como comprova o trabalho desenvolvido pela Comissão Pastoral da Terra, uma entidade, da qual o autor foi diretor nacional entre 1989 e 1993, que o desde o seu começo, em 1975, reúne representantes de diversa Igrejas.394 Segundo MARTINEZ (1987:25) "Os movimentos populares e os conflitos pela posse da terra estão contribuindo para apressar as transformações no sistema de propriedade e de utilização da terra".

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poços. Os posseiros procuraram o prefeito, o governador do Estado (Alacid Nunes), o ITERPA e o IBDF sem conseguir o apoio de ninguém. Voltaram para seu município e conseguiram a solidariedade de trabalhadores rurais de outras comunidades cristãs que os ajudaram a reconstruir suas casas e roças e comprometeram-se a defendê-los caso a polícia voltasse. Para fazer frente a este conflito, trabalhadores dos municípios de Baião, Tucurui, Marabá, Mocajuba, Cametá e Oeiras do Pará reuniram-se nos dias 10 e 11 de julho de 1980 e elaboraram aquela que ficou conhecida como LEI ANILZINHO. A análise de seus 12 artigos é reveladora da descrença deles no poder público e como eles acreditavam que sua força vinha de sua organização. O ponto central era: TERRA PARA QUEM NELA TRABALHA (Ver Arquivo da CPT PA-AP). 395A terra era considerada como sendo da comunidade (Art. 10) e para defende-la deveria se trabalhar nela. Quem quisesse vender deveria sair da área (Art. 20). Os próprios trabalhadores deveriam demarcar os lotes: “sem esperar pelo topógrafo ou pelo governo” (Art. 30). Se necessário se previa: “defender a terra com armas, se for preciso machado, terçado, espingarda, etc. Reagir ao ataque da grilagem” (Art. 40). De 1980 a 1993 os trabalhadores reuniram-se em nove encontros nos diferentes municípios discutindo os problemas daquela região (sobretudo os que foram criados pela construção da barragem de Tucurui) e reformulando a lei. Analisando os relatórios destes encontros se percebe que para o camponês a luta pela terra não é meramente a defesa de um meio de produção que lhe garante a sobrevivência. Para ele sair da terra é muito mais que perder seu trabalho, é perder sua identidade cultural, religiosa, romper com sua comunidade local, quebrar sua rede de parentesco, numa palavra perder suas raízes. Perdendo a terra será jogado na periferia da cidade onde seus conhecimentos são inúteis, sua sabedoria desprezada, sua falta de capacitação profissional o relegará no subemprego, quando não o levará à marginalidade. Lutar pela terra é lutar para manter seu estilo de vida.

395 Para manifestar sua vontade de resistir e fortalecer sua luta os trabalhadores utilizam a música: “Anilzinho é o marco da história conseguiu vitória, sim senhor, por isso meus irmãos a luta tem muito valor” (palavras da música de Chicão sobre a luta de Anilzinho) In LEI ANILZINHO, A Reforma Agrária dos Posseiros, Cametá, mimeo, s/d.

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11 - REFORMA AGRÁRIA: DO MITO À REALIDADE

Em muitos países do mundo (como, por exemplo, Japão, Coréia do Sul, Itália) a reforma agrária foi instrumento de democratização do País. Em outros, (como, por exemplo, Estados Unidos, Alemanha e Inglaterra) a preservação da propriedade familiar foi condição fundamental para a consolidação do processo democrático e do desenvolvimento econômico. Isso não aconteceu até hoje no Brasil, assim como em vários outros países da América Latina, onde a propriedade da terra continua concentrada nas mãos de um pequeno grupo de famílias e empresas. Isso apesar dos camponeses terem sido uma das classes sociais que mais se mobilizaram neste século na América Latina. A luta pela reforma agrária ganhou uma dimensão que chegou a alarmar as classes dominantes. Ontem como hoje, a questão da terra mobiliza multidões.

Em numerosas ocasiões, ao longo da história brasileira, foi defendida a necessidade de ser realizada a reforma agrária. Já no século XIX assim se expressava Joaquim Nabuco: "Não ha outra solução para o mal crônico e profundo do povo sem uma lei agrária que estabeleça a pequena propriedade (...) é preciso que os brasileiros possam ser proprietários da terra e que o estado os ajude a sê-lo".

Miguel PRESSBURGER (1985), que durante anos foi assessor da CPT nacional, afirmava que: "A história não registra nenhuma reforma agrária que fosse decorrente de legislação. Quando a lei é produzida, tem por objetivo confirmar, direcionar ou paralisar o processo social que já está provocando mudanças na estrutura da propriedade da terra".

Ainda hoje a desapropriação de um imóvel para fins de a reforma agrária nunca se dá de forma pacífica. 396

Já na década de setenta foi o aumento dos conflitos a obrigar o governo federal a aumentar a edição de decretos de desapropriação de terra para fins de reforma agrária:

396 BERGAMASCO (1997) afirma que: “A história dos assentamentos é também a história de lutas e conflitos sociais com uma repercussão na reorganização do espaço, o que pode revelar a força dos grupos sociais em conflito”.

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Tabela 28: Desapropriações no Brasil 1965-1980PERÍODO SUL/SUDES

TENORDESTE

NORTE/CENTRO OESTE

BRASIL

65/72 41,5 % 27,2% 8,4 % 30,0 %72/80 58,5 % 72,8 % 91,6 % 70,0 %65/80 100 % 100 % 100 % 100 %TOT. ÁREAS DESAPROPR

53 33 24 110

Fonte: MARTINS (1985:55).

Os trabalhadores rurais têm clara consciência que a questão agrária é uma questão eminentemente política tanto que em várias ocasiões associaram a realização da reforma agrária a mudanças estruturais. 397

A Confederação Nacional das Associações dos Servidores do INCRA (CNASI, 1994:7) elaborou o seguinte quadro que retrata a ação fundiária dos governos militares:

Tabela 29: Ação fundiária no período dos governos militares (1964-1984):COLONIZAÇÃO REGULARIZAÇÃO

Áreas Desapropriadas

Áreas Arreca

d

Fam Benef

Área Discrimina

da

Áreas Arreca

d

Famílias Beneficiada

s(ha) n.º

Imóveis

(ha) Unid (ha) (ha) Unidade

13,5 milhõe

s

185 107 milhõe

s

115 mil

80,8 milhões

107 milhõe

s

113 mil

Fonte : INCRA

397 "A conquista da Reforma Agrária passa também pela mudança de governo e das leis injustas que oprimem os trabalhadores, pela liberdade e democracia sindical. (...) Que a reforma agrária exija a substituição do atual modelo econômico que privilegia os interesses dos latifundiários, do grande capital nacional e estrangeiro. (..) Os trabalhadores têm que ser capazes de impor sua própria alternativa de reforma agrária que venha a garantir o real acesso à terra a quem nela trabalha" (CONTAG, 1985:75 e 76).

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Como se pode perceber toda a ênfase foi dada para a aquisição de terras através dos processos de discriminação e arrecadação constituindo um enorme estoque de terras nas mãos da União que, ainda hoje, não foi totalmente destinado. Comparando os hectares que foram desapropriados com as outras atividades de regularização fundiária, é evidente que a reforma da estrutura agrária nacional não foi a principal preocupação dos governos militares.

11.1 PRIMEIRO PLANO NACIONAL DE REFORMA AGRÁRIA DA NOVA REPÚBLICA

11.1.1 Proposta X PNRA: recuos

Em 1984 o candidato da Aliança Democrática, Tancredo Neves defendia a realização da reforma agrária. 398 O presidente José SARNEY (apud RIBEIRO, 1995:46) assegurou, ainda no início do seu mandato, que: "Implantaremos a reforma agrária para instaurar a justiça no campo". 399

Para colocar isso em prática foi criado o MINISTÉRIO DA REFORMA E DESENVOLVIMENTO AGRÁRIO (MIRAD), através do decreto n.º 91.214 de 30/04/85, tendo sido escolhido como ministro, o advogado paraense Nelson de Figueiredo Ribeiro e, como presidente do INCRA, o fazendeiro José Gomes da Silva, um estrênuo defensor da reforma agrária.

As discussões, avanços e, sobretudo, recuos, que se deram na elaboração do 1º Plano Nacional de Reforma Agrária da Nova República (PNRA), mostraram a ambivalência do direito que pode ser usado como meio privilegiado para viabilizar profundas transformações sociais ou para manter o status quo.

398 TANCREDO NEVES (apud JATENE, 1992:42) afirmava: "A terra, em princípio, é um bem coletivo; não tem sido criada por ninguém, preexistindo ao homem e à sociedade, o natural seria que ela servisse a todos igualmente e não se tornasse domínio de uns tantos ... A propriedade da terra só se justifica se servir aos objetivos sociais".399 O ideal da reforma agrária tinha sido defendido pelo PMDB já num documento de 1981 intitulado "Esperança e Mudança" que serviu de base programática ao partido. Nele (apud RIBEIRO, 1995:45) se afirmava: "É fundamental implantar uma reforma agrária que assegure o uso social da água e dos recursos do solo e a reordenação da estrutura rural. É necessário e urgente garantir o acesso à terra a quem nela trabalhe, utilizando o instrumento da desapropriação da terra por interesse social e implantar sistemas adequados às características nacionais e aos objetivos de criar uma agricultura eficiente, com produtividade crescente e uma população rural próspera e livre".

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Quando, em 26 de maio de 1985, o Presidente da República José Sarney e o Ministro do MIRAD, Nelson Ribeiro, apresentaram no IV Congresso dos Trabalhadores Rurais em Brasília a "Proposta do 1o PNRA", as reações foram diferenciadas. Os trabalhadores e as entidades que os apóiam a viam como tímida, mas acreditavam que poderia ser o começo de profundas mudanças. Os empresários e latifundiários a repudiaram violentamente. O governo poderia muito bem ter lançado imediatamente o PNRA e implementar a política de reforma, preferiu remeter para a discussão das forças sociais a Proposta. Enquanto os trabalhadores procuravam alternativas mais rápidas para favorecer a reforma, o grupo palaciano, o ministro da Casa Civil (Marcos Maciel), o Gabinete Militar e o Secretário do Conselho Nacional de Informações o derrubavam. Quando o 1º PNRA foi assinado as atitudes mudaram: os trabalhadores passaram do apoio crítico para a rejeição, enquanto os proprietários passaram a elogiá-lo. Na realidade o 1º PNRA da Nova República poderia muito bem se ter chamado de IV PNRA pois dava seguimento, sem se distanciar muito, dos planos anteriores elaborados pelo regime militar em 1966, 1968 e 1982. 400

A Proposta, considerando o Estatuto da Terra como ponto de partida, afirmava: "a necessidade de profundas transformações da estrutura agrária do País (...) A concentração da posse da terra historicamente garantida e contemporaneamente estimulada fez prevalecer a injustiça social no campo" (BRASIL, 1985a:5-6).

Ela apresentava uma clara distinção entre os conceitos de colonização, política agrícola, e agrária. Desta maneira era possível direcionar corretamente a intervenção estatal. No PNRA com a confusão entre estas políticas setoriais e a não priorização do instrumento da desapropriação, a reforma agrária foi inserida num programa mais amplo que visava a modernização do campo, mas perdeu força.

A função social da propriedade passou a ser um elemento fundamental, pois o Poder Público podia desapropriar todos aqueles imóveis que não a cumprissem. A indenização a ser paga, conforme os artigos 3º e 11

400 ALVES (1995:219-220) identifica os grupos favoráveis e contrários à Proposta. Contrários: Sociedade Brasileira de Defesa da Tradição, Família e Propriedade (TFP), Confederação Nacional da Agricultura (CNA), Sociedade Rural Brasileira (SRB), Organização das Cooperativas Brasileiras (OCB), a eles podemos acrescentar a União Democrática Ruralista (UDR). Favoráveis: Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (CONTAG), Central Única dos Trabalhadores (CUT), Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), Igreja Católica, Associação Brasileira de Reforma Agrária (ABRA), Partido dos Trabalhadores (PT), Federação das Indústrias do Rio Grande do Sul (FIERGS).

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do Decreto 554/69 seria fixada tendo como teto máximo o valor tributário ou cadastral. As entidades representativas dos trabalhadores rurais tinham um lugar de destaque, pois a elas caberia participar, não só da discussão, mas também fiscalizar o desenrolar do processo, indicando as áreas prioritárias para serem desapropriadas, selecionando os beneficiários e buscando soluções para os conflitos de terra.

Definia-se, com muita precisão, o objeto fundamental da reforma agrária: "A reforma agrária será realizada em áreas de domínio privado, situadas em regiões já ocupadas, dotadas de infra-estrutura, com densidade demográfica apreciável, onde prevalecem grandes distorções na estrutura agrária e tensão social" (BRASIL, 1985a:8).

A Proposta sugeria também a fixação da área máxima para o País e priorizava a desapropriação emergencial das áreas de conflito.401

Considerando os grandes problemas criados pelos programas de colonização oficial e particular propunha uma avaliação crítica dos mesmos e sua suspensão por dois anos:402

Diante da enorme dívida que os proprietários acumularam (20,2 bilhões de cruzeiros em 1985) seriam selecionados os dois mil maiores devedores do ITR para a cobrança (BRASIL, 1985a:32).

Propunha também a não concessão de incentivos fiscais para os latifúndios pois: "Os projetos oriundos de Incentivos Fiscais adquiriram predominantemente caráter anti-social, caracterizando-se como política de prioridade à grandes e médias empresas agropecuárias" (BRASIL, 1985a:43).

Outras medidas importantes previstas na Proposta eram a revisão das grandes concessões de terras públicas, a desativação das milícias armadas e o desarmamento nas áreas de conflito.

401 O ministro Nelson Ribeiro, em várias ocasiões, se valeu da aplicação do rito emergencial para solucionar graves conflitos agrários pendentes (Faz. Capetinga, em Redenção - PA, Faz. Joncon em Conceição do Araguaia - PA).402 "Apresentando custos elevados e longo prazo de maturação dos empreendimentos, a chamada colonização oficial tem acumulado, ao lado de alguns lados positivos, grande número de frustrações. Ingerências político-pessoais, indefinição na política de recursos humanos, nenhuma ou reduzida participação dos trabalhadores rurais, das Prefeituras e dos Governos Estaduais, assistencialismo e paternalismo, estigmatização do trabalhador rural, dos movimentos sociais e dos sindicatos, má administração e utilização de variadas formas de intervenção por parte do INCRA, contribuíram sem dúvida para o fracasso da consolidação e emancipação de praticamente todos os projetos" (BRASIL, 1985a:30).

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Depois do lançamento da Proposta, percebendo como a mesma buscava atender os anseios dos trabalhadores rurais ameaçando seu poder, 403

os latifundiários começaram a se organizar, regionais da UDR se espalharam por todo o Brasil e sua violenta reação fez o governo recuar.

Setores poderosos dentro do próprio governo procuraram desestabilizar a Proposta. O Ministro Chefe do Gabinete Civil, Marco Maciel, começou a falar de reforma agrária possível e apresentou o seu Plano Mestre que defendia a realização da reforma agrária através da colonização de terras públicas. O Conselho de Segurança Nacional elaborou a PONDERI (Política Nacional de Desenvolvimento Rural) numa clara tentativa de remilitarizar a questão agrária. A Proposta foi submetida a

várias revisões. Para elaborar a 12a edição o Presidente Sarney convidou o advogado paulista Fábio Luchesi, grande defensor dos grileiros e latifundiários que, sozinho, numa sala cedida pelo Conselho de Segurança Nacional, mudou praticamente todo o conteúdo da Proposta, desvirtuando-a totalmente. Diante disso o presidente do INCRA José Gomes da Silva, pediu demissão. 404 Apesar das promessas e dos discursos é evidente que para a

403 "Sua legitimidade política, a "Proposta" de maio, a iria buscar no movimento dos camponeses e dos trabalhadores rurais: queria atender às demandas dos "movimentos sociais" e dos "organismos representativos dos diversos segmentos da sociedade" e, portanto, reconhecia o "movimento sindical dos trabalhadores rurais" como uma força legítima, dirigindo-se a essas organizações para desencadear "um grande debate democrático em toda a sociedade. Consequentemente, um adversário era claramente identificado, "o latifúndio improdutivo", cujos proprietários tinham sido largamente favorecidos durante o regime autoritário-militar". TAVARES (1988:40).404 Segundo PANINI (1990:187 e 189): “O paulista Fábio Luchesi é ‘dos dos maiores especialistas em direito fundiário do país’. Em São Paulo, 90% dos terratenetentes que tiveram alguma terra desapropriada pelo INCRA são seus clientes”. Uma semana depois do anúncio da versão final do PNRA José Gomes demitiu-se da Presidência do INCRA declarando (apud “O Estado de São Paulo”, 1985) “ Não acredito na reforma agrária de conciliação, ou nessa que se apresenta agora como de negociação”. Alguns meses depois repetia o mesmo conceito: “A palavra negociação é incompatível com a reforma. A reforma não pode implicar em negócio que é uma transação capitalista, um acordo entre partes; ela é um processo impositivo”. SILVA (1986:2). Também a OAB (apud A REFORMA, 1995) manifestou a mesma decepção perante o novo texto. Assim expressava-se Antônio Machado Pinheiro, presidente da Comissão de Terra: “O plano de reforma agrária do Presidente Sarney frustrou as mais modestas expectativas, tanto por seu conteúdo como pela justificativa que o acompanha. Sequer são condenados os assassinos e a violência que se realiza diariamente no País por conflitos de terra. Também não se

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Nova República a Reforma Agrária não era prioritária, podemos ainda mais afirmar que não tinha nenhuma intenção de mudar a estrutura agrária brasileira. 405

O 1º Plano Nacional de Reforma Agrária da Nova República foi promulgado através do decreto 91.766 de 10/10/85. Não se falava mais da necessidade de mudar profundamente a estrutura agrária do País, mas sim da: "necessidade de incentivar a exploração racional da terra" (BRASIL, 1985b:11). O objetivo geral passou a ser: "Promover melhor distribuição de terra" (BRASIL, 1985b:23).

Não se reconhecia mais o resultado frustrante da aplicação do Estatuto da Terra nem que: "A tendência à concentração e uso indevido da terra da terra pelos latifundiários foi acompanhado pelo aumento de conflitos sociais e de mortes e violências de todo tipo" (BRASIL, 1985a:6).

Os trabalhadores e os proprietários rurais recebiam o mesmo tratamento, igualando desta maneira, através de uma ficção legal, os desiguais.

A própria cobrança do ITR devido era apresentada de maneira menos virulenta.

Em julho de 1986, com a instalação das Comissões Agrárias paritárias, se deixou de lado o rito emergencial e começou a fase de burocratização da reforma agrária. 406

considera o trabalho escravo. (...) A inovação mais prejudicial do plano é a que cria a figura da negociação antes da desapropriação. Isso só serve para protelar o assentamento dos camponeses, gera uma burocracia inaceitável”. 405 Isso é confirmado pela análise dos outros planos divulgados neste mesmo período: "A ação governamental não objetiva mudanças profundas e extensas na estrutura agrária. Pelo contrário, no Plano de Metas divulgado em julho de 1986 e nas medidas complementares ficou claro que a nova política agrícola adotaria outras prioridades. (...) É evidente que a intenção do governo se limita a uma reforma na distribuição de propriedades agrícolas que reduza as pressões dos excedentes humanos nas cidades e no campo, que hoje só alimentam a marginalidade e a miséria. Nos limites pensados pelo governo, a distribuição de um pouco de terra a uns poucos trabalhadores pode ser feita sem afetar a ordem social e sem prejuízo para o sistema em geral, tanto do ponto de vista das terras como da mão-de-obra retirada do mercado. Portanto, o programa governamental com relação à questão agrária está mais voltado para a melhoria e o fortalecimento do sistema existente e tem muito pouco a ver com a distribuição de terra aos trabalhadores rurais, menos ainda de fazer isso em grande escala". MARTINEZ, (1987:28-29).406 ALMEIDA (1990,b:17-18) afirma: "A inexistência de uma orientação e prioridade, quanto a que imóveis deveriam ser desapropriados, levou a que fossem instruídos processos relativos a imóveis cuja desapropriação só interessa aos

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A desapropriação por interesse social deixava de ser o instrumento prioritário dando lugar à procura do entendimento: "a negociação e o entendimento é o instrumento primeiro a ser tentado"(BRASIL, 1985b:13). Para COUTO (1989:29): "Assim, o que se viu neste curto período em que vigorou a Nova República foi uma permanente ofensiva no sentido de alterar, limitar, amputar, desvirtuar, destruir a Reforma Agrária e o PNRA, repondo em seu lugar as velhas formas de exploração latifundiária e de expansão do capitalismo dependente".407

Em lugar de ser uma medida CONTRA o latifúndio, a desapropriação, passou a ser: "um ato voluntário dos proprietários rurais" (JATENE, 1992:15).

Este esvaziamento da proposta inicial nos leva a questionar a legitimidade do PNRA pois: "Uma lei de reforma agrária que mantém inalterável a concentração absoluta da terra não pode ser considerada legítima, pois sua eficácia não pode ser verificada" (PANINI, 1990:204).

Além dos recuos governamentais, é necessário registrar que: "para paralisar a política de reforma agrária do governo, a UDR usou frequentemente a Justiça. Em agosto de 1986, uma enxurrada de ações contra as desapropriações emperrou todo o processo, impedindo a formação de um "estoque de terras", imprescindível à operação da reforma". (TAVARES, 1988, b:35).

proprietários. Os latifundiários beneficiavam-se, livrando-se de terras de baixa qualidade, que transfeririam aos camponeses vantajosamente através do PNRA. A chamada "desapropriação amigável" tornou-se frequente sob uma visão iludida de conciliar interesses divergentes. Na Amazônia, as Comissões Agrárias funcionaram como fator para esfriar o ritmo imposto ao processo desapropriatório. No decorrer do ano de 1987, a Comissão do Estado do Pará reuniu-se uma única vez. Em inúmeras unidades da federação foram arquivados processos considerados prioritários para os movimentos sociais. Entraves burocráticos de toda sorte marcaram o funcionamento destas comissões, que acabaram tendo efeito desmobilizador pela ilusão de participação e de igualdade de representação entre os interesses dos camponeses e aqueles patronais.(...) Privilegiaram os chamados "acordos" em detrimento das reivindicações sindicais". 407 Segundo JATENE (1992:46): "O lançamento da proposta do Plano Nacional de Reforma Agrária (PNRA) da "Nova República" reacendeu sonhos e esperanças com o reconhecimento público da legitimidade das lutas e movimentos sociais no campo. Contudo a proposta de uma efetiva transformação nas relações de produção e estrutura da sociedade, rapidamente perdeu substância diante das enormes pressões que resultaram sob os mais diversos pretextos, em sucessivos recuos do governo".

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11.1.2 Decreto 2.363/87 e Decreto-Lei 3.375/87: Extingue-se o INCRA, e as terras federalizadas pelo 1.164/71 voltam (?) à jurisdição do Estado

A pressão contra a reforma agrária conseguiu impor ao governo a edição do Decreto-lei 2.363/87 que, além de extinguir o INCRA, dificultou sobremaneira a realização da reforma agrária. 408 Em substituição ao INCRA foi criado o INTER que, porém, teve pouca duração voltando a existir novamente o INCRA.

Em lugar das desapropriações priorizaram-se as aquisições de imóveis. Durante o tempo em que Jáder F. Barbalho foi ministro do MIRAD, deputados e órgão representativos dos trabalhadores denunciaram várias negociatas, as mais escandalosas das quais foram a compra dos castanhais da região de Marabá (PA) e a desapropriação da fazenda Paraíso (Viseu) e Aldeia (Santana do Araguaia). Estas denúncias, apesar de uma ação ajuizada pelo então deputado federal Valdir Ganzer (PT-PA), nunca chegaram a ser esclarecidas. 409 Aqui parece oportuno perguntar: a compra destes castanhais serviu para de fato distribuir terra favorecendo a assentamento de trabalhadores rurais ou foi feita para selar a aliança política entre o então ministro e a oligarquia agrária local? A pergunta não é descabida se se levar em consideração que os trabalhadores não receberam títulos de propriedade

408 Segundo a CONTAG (1990): "Este texto representou uma guinada no programa de reforma agrária, abrindo caminho para a celebração de acordos administrativos que transformaram as desapropriações por interesse social para fins de reforma agrária, em autênticos "negócios agrários", com prazos mínimos de emissão dos Título de Divida Agrária e altos valores de indenização das terras e benfeitorias".409 Segundo EMMI e MARIN (1990:87-88): "teria prevalecido neste ato a pressão dos donos e dos foreiros que exploram os castanhais. Queriam se desfazer vantajosamente de algumas áreas, que efetivamente já estavam com sua produção controlada por posseiros. Assim diversas zonas mais críticas do referido Polígono permaneceram excluídas de qualquer ação oficial. A própria atitude do INCRA depois da "compra" é questionável: "O INCRA limitou-se a fazer vistorias em 50 deles, anotando o número de ocupantes e estipulado uma capacidade de ocupação pela simples divisão aritmética do tamanho da área pelo módulo de 50 hectares. Critério puramente burocrático que não levou em conta a diversidade das terras ocupadas quanto a maior ou menor incidência de produtos extrativos, maior ou menor grau de abertura da mata, e as dificuldades de acesso às vias de comunicação. (...) Na época da vistoria havia aproximadamente 4.000 famílias residindo nesse espaço. Hoje (1990) devido à intensa e desordenada corrida para a ocupação dessas áreas, estima-se que esse número esteja duplicado, em alguns casos triplicado. (...) As providências do poder público quanto a destinação desses castanhais terminaram no cadastramento. Nenhum recurso foi destinado para os cinco projetos, que nem sequer foram implementados".

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que lhe garantissem a permanência na terra e foram praticamente abandonados ao seu destino sem nenhuma assistência oficial. Várias áreas adquiridas continuam hoje, dez anos depois, sem a criação do Projeto de assentamento.

Em meio à grande festa realizada em Belém (PA), o presidente José Sarney e o Ministro Jáder F. Barbalho assinaram o Decreto 2.375/87 que revogou o Decreto 1.164/71. Decorridos treze anos da assinatura daquele decreto, INCRA e ITERPA ainda discutem sobre quais áreas voltaram efetivamente sob a jurisdição do Estado e quais continuaram sob jurisdição federal. Segundo ALMEIDA (1990,b:19) esta confusão de jurisdição não aconteceu só entre os órgãos fundiários, mas também com as áreas reservadas às forças armadas:

"A revogação do decreto n.º 1.164/71 ocorreu em 24 de novembro de 1987 através do Decreto-Lei n.º 2.375 e deixou vastas áreas tais como os municípios de Itaituba, Altamira e Marabá (PA) provisoriamente sob jurisdição federal, aguardando manifestação do Ministério do Exército. Consoante os decretos n.º 95.859, de 22/03/88, e n.º 97.596, de 30/03/89, foram consideradas afetas ao uso especial do Exército 35 áreas na Amazônia, numa área superior a 6 milhões de ha".

11.1.3 Avaliação do PNRA

O presidente da CONTAG, Francisco Urbano Araújo, no segundo semestre de 1994, apresentou uma brilhante e contundente avaliação dos trabalhadores sobre o PNRA criticando a falta política do governo de executar a reforma agrária e sua submissão aos interesses dos latifundiários. 410 Sua análise retrata bem como e porque o Plano Nacional de Reforma

410 ARAÚJO (1994:43) afirmava: “Esta nova expectativa criada entre os trabalhadores rurais mais uma vez foi frustrada. A oligarquia rural, matriz do poder político e econômico, se organizou para impedir a implantação da reforma agrária. O governo intimidado pela ação dos grandes proprietários rurais, aliados ao capital urbano, não levou adiante as propostas contidas no PNRA. Surgiu a União Democrática Ruralista (UDR), entidade de extrema direita, disposta a barrar a aplicação do Estatuto da Terra e a impedir definitivamente a reforma agrária no País. A hegemonia do latifúndio, que até então manipulara as ações do Estado, tornou-se mais evidente na época. O poder econômico e político dos grandes proprietários de terra voltou-se contra a ação do Estado, fosse ela política ou administrativa (...) A favor da ação organizada dos latifundiários contou a falta de vontade política do governo da época para levar adiante o compromisso anterior de intervir com seriedade na estrutura agrária nacional. Se de um lado havia uma equipe no INCRA preocupada em deslanchar o processo, do outro estavam a insegurança política, os

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Agrária que, apesar de ter despertado tantas esperanças, fracassou. A CNASI (1994:4) apresentou em seu documento a seguinte tabela mostrando a distância entre metas programadas e metas alcançadas pelo PNRA:Tabela 30: Reforma Agrária na Nova República - I PNRA.

METAS PROGRAMADAS DO I PNRA

METAS EXECUTADAS

ASSENTAMENTON0 FAMÍLIAS

DESAPROPRIAÇÃOÁREAS (HA)

ASSENTAMN0

FAMÍLIAS

DESAPROPRÁREAS (HA)

1,4 milhões 43 milhões 90 mil 4,5 milhões

Fonte: INCRAA Associação Nacional dos Órgãos Estaduais de Terras (ANOTER,

1995:5), também denunciou o não cumprimento das metas previstas pelo PNRA:

“É fato público o fracasso, no atingir de suas metas, desse primeiro Plano da Nova República. Pretendia-se assentar 7,1 milhões de famílias até o ano 2.000, das quais 1,4 milhão no quadriênio 1985/1989 e nesse mesmo período alcançou tão somente a cifra de 50.000 famílias; oferecia como estoque disponível de terras de aproximadamente 410.000.000 de hectares e somente desapropriou 8.000.000, no mesmo período. É ilusão falar-se de Reforma Agrária no Brasil nessa amplitude”. 411

Outro dado preocupante se obtém comparando o tamanho médio dos lotes das famílias assentadas nos projetos de colonização com aquelas assentadas pelo PNRA. De 1964 a 1985 foram estabelecidos 49 Projetos de

entraves burocráticos e jurídicos que impediam o avanço da reforma agrária. Os trabalhadores, embora com maior grau de organização, não contavam com uma correlação de forças, nos vários níveis de poder, que lhes garantisse a supremacia sobre a ação dos latifundiários” (grifos nossos). 411 A proposta de reforma apresentada pela mesma entidade tinha os seguinte eixos básicos: integração (a reforma agrária tem que se integrar às demais políticas e planos setoriais), regionalização (num país continental como o Brasil é necessário levar em consideração os problemas e realidades regionais), descentralização (dividir responsabilidades com os estados e municípios) e participação (favorecer a efetiva participação da sociedade civil na definição das metas, do público e dos direitos e deveres de cada pessoa). Para favorecer a participação da sociedade civil se sugeriu a criação de Conselhos de Reforma Agrária a nível federal, estadual e municipal que seriam ajudados por Comissões de Gestores responsáveis pela assessoria técnica.

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colonização no Brasil, beneficiando 85.181 famílias que ocuparam 14.109.100 ha (média de 165,6 ha cada), enquanto nos 731 Projetos de assentamento criados pela Nova República foram assentadas 123.260 famílias numa área de 7.189.400 (média de 58,3 cada)

Nas últimas décadas a oligarquia rural soube se reciclar e se rearticular para, de forma unitária, enfrentar com todas suas armas qualquer tentativa de mudança estrutural. Armas verdadeiras: fuzis de alta precisão, revólveres de vários tipos, tamanhos e calibres utilizados para intimidar e matar seletivamente trabalhadores rurais, suas lideranças e seus aliados políticos e religiosos; e armas de outro tipo tais como: pressões políticas no Congresso e sobre o Executivo, ações judiciais, maciça propaganda nos meios de comunicação social, maquiagem das fazendas para transformá-las em propriedades produtivas, corrupção de funcionários públicos, compra de pareceres de ilustres juristas. Tudo valeu para manter seus privilégios intocados. Quando a desapropriação era inevitável ou tinha-se transformado num ótimo negócio (como no caso dos castanhais de Marabá ou das fazendas desapropriadas através de: gordos acordos amigáveis como se denunciou teria acontecido nos últimos anos no Estado do Tocantins, denúncia que levou ao afastamento de vários funcionários do INCRA local), era aceita. Ao mesmo tempo, os que sempre detiveram o poder, voltaram-se contra o Estado quando este tentou dar alguns passos que iriam contrariar seus interesses. O governo, nascido e sustentado numa aliança espúria que reunia antigos coronéis, militares que serviram durante a ditadura e políticos reformistas, mostrou sua falta de vontade política de atender os apelos populares. Do outro lado o forte crescimento da organização popular, sindical de maneira especial, não conseguiu alcançar um patamar de disputa que lhe permitisse impor suas escolhas e fazer atender suas necessidades. No meio de tudo isso o INCRA, um órgão sucateado ao longo dos anos, sem recursos e com quadro desmotivado pelos baixos salários e a falta de perspectivas de ver concretizado seu dever institucional. Se apesar de tudo algo foi feito deveu-se de um lado as pressões dos trabalhadores (ocupações de terra, marchas, jejuns, Gritos da Terra, ocupações de prédios públicos, documentos, abaixo assinados, etc.) e do outro à boa vontade e trabalho de vários funcionários do INCRA que vestiram a camisa da reforma agrária e viabilizaram o avanço da mesma.

Se o balanço dos resultados alcançados pelo Plano Nacional de Reforma Agrária da Nova República não foi brilhante, o que lhe sucedeu foi bem pior. As conclusões da CNASI (1994:4) definem perfeitamente a situação: “O sonho dos descamisados tornou-se pesadelo e os sem terra, por

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sua vez, passaram a amargar as consequências de políticas governamentais que não guardavam nenhuma sintonia com o social e o coletivo”. 412

Alegando a falta de regulamentação dos dispositivos constitucionais foram desapropriadas pouquíssimas áreas, em compensação foram celebrados dezenas de contratos lesivos aos cofres públicos. Graças ao pretenso vazio jurídico favoreceram-se as negociatas.

O governo Itamar Franco resgatou parcialmente as promessas de reforma agrária, ficando, porém, da mesma forma que os governos anteriores, muito aquém do previsto:

Tabela 31: Desapropriações de terras e assentamentos no governo Itamar Franco (1992/1994):

DESAPROPRIAÇÃO ASSENTAMENTOProgramado Executado Programado ExecutadoÁREA (HA) Áreas com

decreto (ha)

Áreas com imissão de posse (ha)

N0 de famílias N0 de famílias

3,3 Milhões 1,2 milhão 240 mil 80 mil 12,6 mil

Fonte: CNASI (1994:12)

412 O mesmo documento continua ilustrando o descaso administrativo e a corrupção instaurada no INCRA: “Foi nessa época, por capricho e irresponsabilidade que se deu o maior atentado a coisa pública. Grassou a corrupção, ativa e passiva, acompanhada do sucateamento e desmantelamento da máquina administrativa, propiciando a ruína de muitos e o enriquecimento de poucos. O INCRA foi praticamente dizimado, com demissões e disponibilidades de servidores, ficando reduzido a uma apêndice do Ministério da Agricultura, que atinha-se, através do ministro Antônio Cabrera, a promover de forma leviana uma campanha contra a reforma agrária e seus agentes”. Idem, p. 5.

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Como se pode ver menos de um terço das áreas previstas foram desapropriadas e cerca de 15,75% das famílias foi assentada.

A tese de que a falta de reforma agrária seja devida à ausência de instrumentos jurídicos é totalmente descabida. José Gomes da Silva, utilizando dados do INCRA, elaborou a tabela abaixo que mostra a grande quantidade de áreas que poderiam ser desapropriadas utilizando-se os diferentes instrumentos legais em vigor:Tabela 32: Áreas que podem ser desapropriadas, segundo a legislação em vigor

CATEGORIA IMÓVEIS RURAIS

ÁREA (em 100 mil ha)

NÚMERO DE PROPRIETÁR

% sobre os imóveis cadastrados

LATIFÚNDIOS (Segundo o Estatuto da Terra)

95.380 284.418 63.587 3,1 %

GRANDES PROPRIEDADES IMPRODUTIVAS (Acima de 15 módulos fiscais) (Lei 8.624, de 25/02/93)

85.781 115.054 57.188 2,8 %

GRANDES PROPRIEDADES COM LIMITE MÍNIMO

70.833 120.975 47.222 2,3 %

Fonte: SILVA (apud STÉDILE, 1997b:32) 413

413 José GRAZIANO (apud SMICHDT, 1998:162) contesta os dados cadastrais afirmando que eles não espelham a realidade: “A análise crítica do cadastro rural permitiu descobrir um terrível equivoco: as estatísticas não espelhavam corretamente a realidade da agricultura. Três problemas graves puderam ser detectados: primeiro enquanto a agricultura se modernizou, transformando os latifúndios em grandes empresas, os números do cadastro pouco se atualizaram, levando a uma defasagem estatística que mascarava a realidade rural. Segundo, a sistemática de classificação dos imóveis rurais, derivada do Estatuto da Terra impedia a correta distinção entre a ociosidade da terra e a incapacidade produtiva das propriedades rurais. Terceiro, o

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As grandes propriedades são aquelas com mais de 1.500 ha na região Norte, 1.000 ha na região Centro-Oeste e 500 ha na nordeste, Sudeste e Sul.

Pode-se ver como o governo poderia desapropriar 115 milhões de hectares atingindo tão somente os interesses de 2,8% dos proprietários.

11.2 PLANO REGIONAL DE REFORMA AGRÁRIA DO PARÁ: METAS E REALIZAÇÕES

Entre outubro e dezembro de 1985 foi elaborado o PLANO REGIONAL DE REFORMA AGRÁRIA DO PARÁ (PRRA-PA) que identificou 122 áreas de conflito, espalhadas por 29 municípios, envolvendo 21.212 famílias, numa área de 2.268.610 ha. O PRRA-PA elegeu estes municípios como áreas prioritárias de atuação.

O decreto n.º 92.623, de 05/05/86, aprovou o PRRA-PA, excluindo, porém, a relação das áreas em conflito e dos municípios prioritários e declarando toda a área rural do Pará como prioritária para fins de reforma agrária. Se de um lado esta medida possibilitou que se desapropriassem imóveis em qualquer recanto do Estado, do outro, porém, deixou de ser mais contundente, pois retirou as áreas emergenciais do foco das atenções de todos.

No primeiro ano foram desapropriadas 10 áreas, que se somando à área desapropriada em 1985, perfizeram um total de 92.700,6854 ha, isto é 15,71% da meta prevista para aquele ano.

No primeiro aniversário do PNRA, em 10/10/86, o jornalista Lúcio Flávio PINTO (1986b:6), apresentava a seguinte avaliação dos resultados do PRRA-PA:

"Boa parte dos expropriados não reclama porque a desapropriação, considerada a situação fática de suas propriedades, não deixa de ser um bom negócio. Uma parcela considerável deles já havia praticamente perdido suas terras ou por causa da rapidez das ocupações, ou porque não faziam mesmo sua utilização econômica. Se antes estavam ameaçados de perder o patrimônio sem qualquer compensação, agora pelo menos tem direito a uma indenização, que, em alguns casos, como o da fazenda Paraporã, em São Domingos do Capim chega a ser apreciável. Orientada pela rota dos conflitos e deslanchada pelo critério da oportunidade, a reforma agrária - que na verdade tem sido regularização fundiária - não chega a constituir um plano de consistência

cadastro nunca permitiu separar a terra ociosa, utilizada para a especulação fundiária, com a terra ocupada por mata natural”. Estas considerações reforçam a necessidade de se ter um cadastro fundiário confiável não baseado na simples declaração dos ocupantes.

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interna: é um conjunto de ações tópicas, isoladas, fracamente apoiadas por investimentos. Estes componentes podem vir a comprometer o futuro dos assentamentos e contribuir para desmoralizar a reforma que não foi feita".

Desde o começo evidenciou-se um problema que se agravou ao longo dos anos sucessivos: a morosidade dos juizes federais em conceder a imissão de posse. Alguns imóveis demoraram até dois anos antes que o juiz se pronunciasse, atrasando ainda mais a concretização da reforma agrária (faz Miritipitanga de São Domingos do Capim, cuja ação foi ajuizada em 12/03/87 e a imissão de posse foi concedida em 30/03/89). A questão dos prazos e das exigências relativas à expedição do mandado de imissão de posse extrapola o simples âmbito processual para transformar-se num problema crucial para os trabalhadores. A edição do decreto de desapropriação por parte do Presidente da República não dá ao INCRA a posse da terra que continua nas mãos de seus antigos donos. Em vários casos a demora do INCRA em ajuizar a ação ou do juiz em conceder a imissão, foram fontes de agravamento dos conflitos. No caso da fazenda Colatina, por exemplo, entre a edição do decreto e a imissão de posse, foram assassinadas duas pessoas (um líder sindical e um policial).414

Em muitos casos a desapropriação não foi utilizada como instrumento para mudar a estrutura agrária, mas sim para apagar o fogo, isto é, resolver um conflito.415

414 Pode se responsabilizar a Justiça Federal por estas mortes pois em 22 de fevereiro de 1988 o Dr. Paráclito José B. de Deus, procurador do Instituto Jurídico das Terras Rurais (INTER), peticionou ao juiz solicitando que o órgão fundiário fosse imitido na posse do imóvel, cuja ação de desapropriação tinha sido ajuizada em 21 de agosto de 1987. Em sua petição o procurador lembrou o clima de tensão existente na área e anexou cópia do jornal “ O Liberal” de 21 de fevereiro de 1988 no qual se falava do assassinato do delegado sindical Genésio Alves de Oliveira (Fls. 65-68 do Processo n0 32.647/87 em tramitação na Primeira Vara da Justiça Federal do Pará). A imissão só aconteceu em 30/03/88.415 Uma conversa entre Expedito Ribeiro da Silva e Padre Ricardo Rezende confirma esta afirmação: “Aproveitou a ocasião para me falar dos problemas de terra naquela região. Lembrou-se das desapropriações no município: Flor da Mata, São Jorge e Canaã. Mas nada de imissão de posse, apesar de todos os esforços da direção do sindicato e da CPT. Chegou a ir até Brasília, mas não arrancou nada do governo federal.

- Uma vergonha. O governo só desapropria onde há conflito e morte. Nunca chega antes do conflito - reclamou.

- Age apenas como bombeiro - concordei - tentando ocasionalmente apagar um incêndio fundiário, quando o fato alcança a imprensa e comove a opinião pública. Aí

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O ano seguinte não foi muito melhor. O IDESP (1987a:38) assim avaliou o desempenho do PNRA em 1987: "O PNRA, na verdade, tem caminhado ao sabor das pressões. (...) As metas continuam inviabilizadas e os próprios titulares do MIRAD e do INCRA, em declarações prestadas à imprensa, admitem este fato. Parece haver uma indefinição política para levar em frente a reforma agrária no ritmo previsto". O próprio título deste artigo é significativo: “Reforma morosa não cumpre 10% dos seus objetivos”.

Foram desapropriadas 16 áreas, perfazendo um total de 107.629,1642 ha, representando 9,35% da meta prevista em lei.

O comentário da CPT NORTE II (1988:13) foi o seguinte: "Mais uma vez uma lei que podia favorecer os trabalhadores não passa de promessa".

Em 1988, o Plano teve o seu melhor desempenho: 21 fazendas foram desapropriadas, perfazendo um total de 613.595,3547 ha., o que representava 35,26% da meta. 66 áreas foram compradas para implantar projetos de reforma agrária (61 delas eram castanhais, dos quais três com título definitivo e o restante com títulos de aforamento), com uma área total de 253.053,7656 ha. Naquele ano aumentaram consideravelmente os projetos de assentamento permitindo um avanço significativo da implantação do Programa Básico, chegando a beneficiar 3.527 famílias (isto é 7,5% da meta prevista pelo PRRA-PA) (IDESP, 1988c:17).

Em 1989, o plano voltou a sofrer uma sensível desaceleração: só 9 áreas foram desapropriadas com um total de 74.060 ha., isto é 3,81% da previsto. O INCRA recebeu a imissão de posse de 21 áreas, cujas ações estavam pendentes desde os anos anteriores.

Em março de 1990, poucos dias antes de deixar o poder, o presidente Sarney desapropriou mais uma área de 3.077 ha.

O balanço não foi assim nada animador: "Se encerra assim, melancolicamente, um plano que tantas esperanças tinha suscitado nos trabalhadores" (CPT NORTE II, 1990:15). 416

desapropria, mas não prossegue com a imissão de posse. Os gestos seguintes e necessários em geral não se dão. Faltam escolas, estradas, atendimento médico, preços mínimos para os produtos, etc.”. REZENDE (1992:15). 416 BARATA e SOUZA (1989:87), que naqueles anos trabalharam no INCRA do Pará assim avaliaram o desempenho do PRRA-PA: "Decorridos quatro anos da aprovação do PRRA, o desenrolar das ações e as medidas legais adotadas pelo governo federal, ao longo desse período, refletem uma posição deliberada de não realização da reforma agrária no País e, por conseguinte, no Estado, que se

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A avaliação que o secretariado regional da CPT Norte II (1987:11) fazia do desempenho do primeiro ano do PRRA-PA, infelizmente, podia ser repetida no final dos cinco anos:

"O que tem sido chamado até aqui de reforma agrária, na verdade não passa de regularização fundiária, prática muito usada pelos governos militares para manter intacta a estrutura agrária do País. As ditas "desapropriações", na grande maioria dos casos, recaíram sobre imóveis de proprietários, em geral residindo em outros Estados, que não realimentavam mais esperanças de reavê-los. Eram imóveis que eram abandonados pelos proprietários legais e ocupados e cultivados por posseiros, em vários casos, durante décadas. Neste sentido esta reforma agrária, não deixa de ser um bom negócio para os latifundiários, que passam a receber vultuosas indenizações por imóveis abandonados. O chamado "assentamento" também não é mais do que o reconhecimento de situações de fato. Trocando em miúdos, o que está acontecendo com o tão decantado Plano de Reforma Agrária da Nova República é a substituição do programa de assentamento, considerado básico no Plano, pelo programa de regularização fundiária, que deveria ser complementar. Se a Reforma Agrária da Nova República tinha a pretensão de começar a alterar o quadro agrário no País, esta tarefa ainda está por acontecer. A estrutura da propriedade da terra não sofreu as alterações necessárias para por fim ao número de mortos no campo que não para de crescer. As terras continuam concentradas nas mãos de poucos e os milhões de trabalhadores sem terra e empobrecidos continuam seu movimento em direção aos centros urbanos, depois de esgotados os deslocamentos no próprio campo".

O INCRA do Pará (1991), avaliando o desempenho do PRRA-PA apresentava o balanço dos trabalhos realizados e apontava os problemas que não permitiram um desempenho melhor de sua ação:

"Na vigência do PRRA, período de 1985-89, foram implantadas as seguintes ações, com os correspondentes percentuais de execução: a) parcelas rurais medidas e distribuídas: 3.734 unidades. (27%); b) estradas vicinais construídas: 656 Km (17%); c) centros comunitários construídos: 3 unidades (16%); d) escolas rurais construídas: 4 unidades (0,02%); e) postos de saúde: 1 unidades (0,02%) f) produtores beneficiados com o crédito de produção: 705 unidades (0,05%). A defasagem, observada a partir dos rendimentos expressos dos percentuais de execução decorre dos seguintes fatos: a) dificuldades externas ocorridas na tentativa de cooptar outros órgãos governamentais na implantação das ações junto aos projetos de assentamento; b) restrição de recursos financeiros na implantação das obras e serviços programados; c) retardamento e dificuldade

consolida com a aprovação do novo texto constitucional" (grifo dos autores).

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de caráter operacional ocorridas na implantação do Programa de Crédito Especial de Reforma Agrária (PROCERA), fato que muito contribuiu para o baixo nível de financiamento pelo programa, além da escassez de recursos financeiros que o caracterizou; d) muita delonga exigida no equacionamento de problemas com famílias de excedentes em boa parte das áreas de assentamento; e) ocorrência de posses com grande dimensão nas áreas desapropriadas, cuja solução, via indenização das benfeitorias foi postergada". 417

Tabela 33: Plano Regional de Reforma Agrária do Pará (1985-1989): metas e realizações:

DESAPROPRIAÇÃO FAMÍLIASMETAS

(HA)REALIZAÇÃO

(HA)METAS (N.º) ASSENTADAS

(N.º)5.420.000 891.062,8214 75.200 4.233

100% 16,44 % 100 % 5,62 %

Fonte: Autor utilizando dados do INCRAA tabela dispensa qualquer comentário, pois é evidente a falta de

vontade política de mudar o quadro agrário do Estado. O mais grave de tudo, porém, é saber que o INCRA não ajuizou em tempo útil as ações relativas a 3 áreas que foram desapropriadas em 1987 e 1988, deixando assim caducar o decreto de desapropriação, contribuindo a acirrar os conflitos agrários. No caso da fazenda Cruzeiro do Sul (Moju), a juíza concedeu uma liminar de despejo, numa ação de manutenção de posse ajuizada depois da publicação do decreto de desapropriação da área. Se é verdade que legalmente isto é correto, pois o INCRA não tinha ainda ajuizado a ação de desapropriação, nem avisado a juíza da existência do decreto, isso É LEGAL, MAS NÃO É JUSTO. Aqui cabe uma única pergunta: quem irá ressarcir os prejuízos sofridos pelos posseiros?

417 O INCRA assim avaliava o desempenho do PRRA-PA: "Muito embora o INCRA-PA tenha obtido resultados surpreendentes, quando comparados nacionalmente, no que diz respeito à obtenção de recursos fundiários destinados ao assentamento (1.837.800,00 ha, cerca de 32% do total nacional), tal resultado está longe do objetivo do Plano Regional, que era 3.480.000,00 ha). A situação se agrava se analisarmos a destinação destes recursos: nos quatro anos de vigência do Plano, menos de 4 mil famílias de trabalhadores sem terra foram formalmente assentados, para uma meta total de 48.000 famílias, o que, inclusive, contribuiu para a decisão tomada em 1987 de desacelerar a obtenção para assentamento". Ver BRASIL (1991).

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Tabela 34 (anexo11): Áreas desapropriadas, compradas, arrecadadas e Projetos de Assentamento Pará (1985-1999)

O Gráfico 9 mostra a evolução das áreas desapropriadas e adquiridas no Pará (1985-2000)

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3.014.106

8.712

85.690

111.111

1.194.842

88.558

3.077

6.499

86.384

51.728

90.023

176.445

139.761

494.954495.283

152.617

5.525

0

500.000

1.000.000

1.500.000

2.000.000

2.500.000

3.000.000

3.500.000

ÍMOVEIS PARA REFORMA AGRÁRIA PARÁ (1985-2000)

até 84 1985 1986 1987 1988 1989 1990 1991 1992

1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000

Percebe-se que o ano de 1988 foi o mais propício para os trabalhadores. Os imóveis desapropriados nos últimos dois anos concentram-se sobretudo no sul do Pará, tendo caído consideravelmente na área de jurisdição da SR 01 (onde, em 1999, foi desapropriada um único imóvel: a Fazenda Cachoeira com 1.366,28 ha, contra as 42 fazendas, com uma área de 127.990,6460 ha, desapropriadas ou adquiridas no sul do Pará. Em dois

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mil a SR01 desapropriou uma área de 1.761,76 e a SR 27E duas áreas com a soma total de 3.763,5621).

O gráfico 10 apresenta a evolução da criação de Projetos de Assentamento no Pará (1985-2000)

0

200.000

400.000

600.000

800.000

1.000.000

1.200.000

ÁREAS DOS PAs PARÁ (1986-2000)

1986 1987 1988 1989 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 19981999 2000

Gráfico 11 Capacidade de assentamento e relação dos beneficiários nos Projetos de Assentamento no Estado do Pará

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0

5000

10000

15000

20000

25000

19

86

19

87

19

88

19

89

19

90

19

91

19

92

19

93

19

94

19

95

19

96

19

97

19

98

19

99

CAPACIDADE ASSENTAMENTO E RB PARÁ (1986-1999)

A análise destes dados permite chegar à seguinte conclusão: as leis e planos agrários não são feitos para serem executados, a concentração da propriedade se faz contra a letra da lei. Depois do ímpeto inicial de desapropriações e aquisições de terra nos primeiros anos da Nova República o ritmo caiu consideravelmente, sobretudo durante os anos do governo Collor quando pouquíssimas áreas foram desapropriadas alegando a inexistência de lei complementar. Neste mesmo período, a situação de abandono na qual foram relegados as famílias assentadas foi tão grande que muitas venderam seus lotes favorecendo a reconstituição de pequenas e médias fazendas nos imóveis já desapropriados. Em outros casos (como, por exemplo, na fazenda Aldeia de Santana do Araguaia) várias fazendas já existiam no momento da desapropriação. Estes grandes posseiros permaneceram no imóvel apesar do decreto destinar aquela área para a reforma agrária. Por isso uma das exigências apresentadas várias vezes pelos trabalhadores rurais é a retirada dos “não clientes” da reforma agrária. Esta providência, que garantiria a destinação das áreas desapropriadas para os trabalhadores rurais sem terra, nunca foi posta em prática fazendo com que algumas desapropriações beneficiassem fazendeiros.

Nós últimos anos o governo Fernando Henrique Cardoso voltou a investir na criação de Projetos de Assentamento. É, porém, necessário sublinhar que boa parte das áreas incorporadas nos projetos recentes advém de imóveis desapropriados ou arrecadados durante a ditadura militar: mais de dois milhões e seiscentos mil hectares. A mudança da estrutura agrária, assim, ficou, mais uma vez, única e exclusivamente na propaganda oficial.

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A própria terminologia oficial utilizada pelo governo federal e pelo INCRA quando se refere a sua intervenção no campo, em muitos casos, não se coaduna à realidade. Falar de reforma agrária nos imóveis, nos quais a ocupação dos posseiros antecedeu a chegada do proprietário (ou porque o título é ilegal, isto é, fruto de grilagem, ou porque foi concedido quando já existiam ocupações) é uma evidente falácia. Em vários outros casos estamos diante de mera regularização fundiária. Os projetos de assentamento criados nos últimos quatro anos na Transamazônica o foram em áreas desapropriadas em 1971 (Polígono de Altamira); são assim uma tentativa de remediar o processo de colonização mal sucedido. O governo federal parece trabalhar com a ótica de “correr atrás do prejuízo”, ou de “apagar fogo”, isto é, continua a ir a reboque dos acontecimentos, desapropriando só quando a área já está ocupada e não tem mais outra solução para evitar ou suavizar o conflito. O ex-ministro da fazenda do governo Itamar Franco, Rubens RICUPERO (“Folha de São Paulo”, 11/04/98), depois de mostrar como os Estados Unidos preveniram os conflitos fazendo sua reforma agrária ainda no século passado, reconhece que:

“É esse o caminho para evitar o conflito: fazer a reforma logo e dentro da lei. Ora no Brasil, ela, as vezes, parece que não se fará nunca. Apesar de tímida, a lei é aplicada com extrema morosidade pelo Judiciário. O resultado é que se estabelece um condicionamento perverso entre ocupação e desapropriação, a segunda ocorrendo só depois da primeira. Criou-se, assim, situação explosiva comparável à desorganização da escravatura devido às fugas maciças de escravos. (..) Querer por isso culpar os sem terra é ignorar o país real dos coronéis e dos jagunços, de quatro séculos sim de invasões, mas de latifundiários em terras de índios e do governo. Só quem vive na Lua negará que foram sempre os fortes e prepotentes a tomar a iniciativa de usar a violência contra índios, negros, caboclos pobres e meninos de rua” (grifos nossos).

Apesar das profundas diferenças existentes entre o Pará e o Maranhão e não ser objeto desta pesquisa analisar a situação atual dos diferentes Projetos de Assentamento, o resultado do I CENSO DE REFORMA AGRÁRIA NO BRASIL (I CRAB) deve ser avaliado atentamente para evitar que esta experiência tão importante para os trabalhadores tenha aqui o mesmo desfecho e fracasso apontado pelos pesquisadores do estado mais próximo ao Pará:

“Como expusemos, estamos, por um lado, diante de diversos casos em que se reformou a miséria, desapropriando-se áreas cujas dimensões e

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fertilidade do solo são insuficientes para a reprodução das famílias ditas assentadas. Por outro lado, observamos, uma vez mais, o que denominamos de a “miséria de reforma”, ou seja, a reprodução de práticas - procedimentos e problemas de assistência aos assentados – que incorrem nu erro básico: o desconhecimento e o desrespeito à organização preexistente e aos saberes acumulados dos segmentos aos quais se dirige” (grifos nossos). (CARNEIRO, ANDRADE E MESQUITA, 1998:28). 418

Um problema que preocupa todos os que defendem a reforma agrária é a questão da venda da terra nos projetos de assentamento419. A falta da devida assistência faz com que muitos assentados não consigam se fixar num lugar e tenham que sair à procura de outro. Os exemplo a seguir são elucidativos: no Projeto de Assentamento Araras (município de São João do Araguaia - PA) que existe há dez anos e tem hoje 92 famílias assentadas e 3.792 ha: a venda dos lotes é de 10 %, nos outros 104 PAs do sul/sudeste do Pará a média é de evasão é de cerca 80% (como, por exemplo, os PAs, Paulo Fontelles em São Domingos do Araguaia e Boca do Cardoso em Marabá) (PINTO, 1997:A7).420 O próprio censo realizado no começo de 1997 pelas Universidades Brasileiras em todo o Brasil e divulgado em 29 de agosto de 1997, mostra como existem muitos números desencontrados entre o que o INCRA previa e o que a pesquisa encontrou. Enquanto o INCRA divulgava ter assentado 167.162 famílias o censo revelou existirem só 97.288 na região que pode ser considerada como a “fronteira agrícola nacional” (os Estados da Amazônia mais Mato Grosso e Maranhão que concentram 60,89% dos assentados). Os dados relativos ao Brasil também são alarmantes: 157.754

418 Um estudo interessante sobre a realidade dos assentamentos paraenses que emergiu do I CRAB foi escrito por ABELÉM HEBETTE (1998). 419 Segundo a Articulação dos pequenos agricultores do nordeste paraense e da região guajarina: “Em vários projetos de assentamento (Bom Jesus em Ipixuna do Pará, Itabocal em Irituia, imperassu e jabuti em aurora do Para) dentre outros, constata –se uma reconcentraçãode terras nas mãos de fazendeiros e a existência de clientes da reforma agrária (comerciantes agricultores patronais). Isto se deve ao fato de muitos pequenos agricultores, por não terem apoio governamental para sobreviver na terra, credito agrícola,aliado a grande incidência de doença, principalmente malaria, se vêem obrigados a vender seus lotes para fazendeiros e comerciantes, iniciando um processo de reconcentração de terras nas mãos de clientes da reforma agrária”.420 Pesquisa ainda em curso encomendada pelo INCRA mostra que em alguns casos, como por exemplo no PA São Pedro em Aurora do Pará, dez anos depois da desapropriação permanecem na área só 7% dos moradores iniciais, mostra também como estão se criando várias fazendas dentro do Projeto de Assentamento.

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famílias encontradas nos 1.425 Projetos de Assentamento em lugar de 250 mil previstas. Um dos estados mais problemáticos foi o Pará, pois estava previsto encontrar 46.560 famílias e só foram localizadas 21.308 (mais de 25.000 sumiram do mapa). Desta maneira, o Pará que nominalmente tinha o maior número de famílias assentadas no Brasil, na realidade foi superado pelo Maranhão onde existem 27.455 assentados O Pará detém 13,34% dos assentados e o Maranhão tem 17,18% (INCRA/CRUB/UnB, 1997:15). Cerca de 35% teriam saído dos projetos de assentamento criados em áreas sem infra-estrutura. Outro dado importante confirmado pelo censo é que está em curso um grave processo de reconcentração da propriedade em toda a Amazônia. Os resultados deste censo são questionáveis, desde o começo (outubro de 1996), as entidades representativas e de assessoria dos trabalhadores afirmaram que sem sua efetiva participação, o censo iria ser um fracasso. Apesar disso é urgente fazer um diagnóstico melhor da situação dos Projetos de Assentamento para favorecer a efetiva fixação dos beneficiários do Programa de Reforma Agrária.

Além de rever as metas alcançadas e os resultados obtidos nos diferentes projetos de assentamento, é importante observar que a Amazônia continua a ser considerada a válvula de escape das tensões existentes nas outras regiões do País. A tabela abaixo, elaborada por Teixeira e Hackbart (1998:9)421, mostra como 63% das famílias assentadas de 1995 a 1997 conseguiram um pedaço de terra na região amazônica. Os assentamentos nas demais regiões, a não ser no nordeste, foram algo marginal que não teve praticamente nenhuma repercussão sobre o grau de concentração da propriedade da terra. O governo Fernando Henrique Cardoso continua a colocar em prática a velha política inaugurada pelos governos militares: ocupar a fronteira amazônica em lugar de promover a reestruturação agrária do sul e sudeste do Brasil.

421 Os dois autores contestam os números oficiais divulgados pelo governo federal relativos às famílias assentadas sustentando que muitas das famílias que o governo atual afirma ter assentado recentemente, na realidade já tinham sido objeto de trabalhos anteriores do INCRA. O próprio título do artigo que analisa o impacto dos assentamentos criados recentemente esclarece seu pensamento: "A REFORMA AGRÁRIA VIRTUAL DO GOVERNO FHC".

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Tabela 35: Famílias Assentadas, por Região: período 1995 a 1997

Região 1995 1996 1997 Totalnº fam % s/

total anual

nº fam % s/ total anual

nº famílias

% s/ total anual

nº famílias

% s/ total

Amazônia*

26.752

62.3 39.495

63.6 51.458 63 117.705 63.0

Nordeste - ma

11.370

26.5 13.552

21.8 17.927 22 42.849 23.0

Sudeste 1.308 3.0 3.268 5.3 3.704 4.5 8.280 4.4Sul 2.176 5.1 2.007 3.2 4.190 5.0 8.373 4.5Co-Mt 1.306 3.0 3.722 6.0 4.665 5.5 9.693 5.2Total 42.91

262.04

481.944 186.900

Fonte: INCRA - Relatórios Anuais de Atividades *Inclui MA e MT, dada impossibilidade de segregar nº de famílias especificamente assentadas na pré-amazônia maranhense e região do MT, acima do paralelo 16º, as quais, no entanto, concentram a absoluta maioria dos assentamentos realizados nas respectivas unidades federadas.

11.3 INDENIZAÇÕES: QUAL O JUSTO VALOR?

A polêmica sobre justo valor a ser pago nas indenizações dos imóveis desapropriados vem de longa data. Depois que o Supremo Tribunal Federal declarou inconstitucional o inciso II, Art. 3º, do Decreto-Lei 554/69 a doutrina e a jurisprudência defenderam a posição de que o valor a ser pago é: aquele de mercado. 422 Durante anos os tribunais superiores entenderam

422 O juiz federal da 4a Vara Dr. Daniel Paes Ribeiro no processo afirma: “Esse critério, que tinha respaldo no inciso II, Art. 3º, do Decreto-Lei 554/69, de há muito deixou de prevalecer, visto que este dispositivo foi declarado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal, sendo sabido e consabido que não representava o justo preço do bem objeto da desapropriação”. Ver Sentença da Ação de Desapropriação n 0035987/94 movida pelo INCRA contra Semi Rodrigues de Morães e Outros, fl. 174 (BRASIL, 1994a).

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que eram devidos juros compensatórios destinados a ressarcir o expropriado dos prejuízos decorrentes da perda da posse do bem desapropriado. A partir da data da imissão do imóvel a União deveria pagar um percentual ânuo de 12% como juros compensatórios. Os juros compensatórios eram apresentados como a justa recompensa pelo uso de capitais de outrem, ou como indenização a lesões causadas a outrem. O cálculo da indenização aumentava enormemente com a aplicação da Súmula 70 do Superior Tibunal de Justiça (STJ), pois, caso houvesse atraso no pagamento da indenização, após o trânsito em julgado da sentença, incidiriam juros moratórios. Em 04 de março de 1997 o então Presidente do INCRA, Dr. Nestor Fetter, baixou a Resolução n.º 17/97 autorizando o Procurador Geral do INCRA a realizar acordos na audiência de conciliação prevista pelo Art. 6º, par. 3º a 7º, da Lei Complementar n.º 76/93, nas ações judiciais de desapropriação. O valor máximo negociável deverá ser aquele ofertado pelo INCRA no momento do ajuizamento da ação expropriatória. Caso o proprietário não concordar com este valor o procurador deverá pedir ao juiz que seja lavrada a ata da audiência que será remetida para o Conselho de Diretores do INCRA de Brasília que decidirá a conduta a ser assumida pelo INCRA. Esta Resolução foi sem dúvida motivada pelos acordos, vários deles espúrios e criminosos que davam origem a super-avaliações, que alguns procuradores estavam realizando nos processo administrativos e judiciais de desapropriação, acordos estes que provocaram uma grave sangria nos cofres públicos chegando quase a inviabilizar novas desapropriações. 423 Se a preocupação de evitar fraudes é mais de que justa, esta resolução mostra-se, porém, absolutamente inaplicável ou, de qualquer maneira provoca atrasos consideráveis nos processos de desapropriação. O fato é que entre a oferta do INCRA e o valor pleiteado pelo desapropriado a diferença é abissal e, quase sempre, a sentença judicial condena o INCRA a pagar a indenização conforme a avaliação feita pelo perito judicial que é sempre bem superior àquela oferecida pelo INCRA. A tabela a seguir, baseada nos dados presentes

423 Dados divulgados pelo INCRA em 1997 afirmam que o Tesouro Nacional deveria desembolsar R$ 4 (quatro) bilhões de reais em precatórios para saldar as dívidas decorrentes de desapropriações. Se se levar em consideração que o orçamento total para a implantação da reforma agrária em 1997 foi de R$ 5.597,9 milhões de reais e que deste só R$ 810,6 milhões estavam reservados para o pagamento de precatórios, pode-se constatar como este rombo poderia comprometer não só o processo de reforma agrária mas até o próprio Plano Real (informações contidas no Ofício Circular n.º AQA/0116/97, datado de 18 de junho de 1997, da Direção da CONTAG para as FETAGs analisando a Medida Provisória n.º 1.577/97).

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nas ações de desapropriação do INCRA do Pará (SR01) 424 mostra as enormes diferenças existentes entre as ofertas do INCRA e as avaliações realizadas pelos peritos judiciais. Os valores foram corrigidos pelo valor do dólar do dia da apresentação da petição inicial e dos laudos posteriores segundo uma tabela divulgada pelo Banco Central para poder se ter o mesmo padrão monetário e permitir avaliações que não sejam deturpadas pelos índices inflacionários. Comparando os dados percebem-se várias distorções. No caso da fazenda Santana do Ituqui (Santarém), por exemplo, o INCRA ofereceu US$ 1,71 para a terra nua, enquanto o perito a avaliou em US$ 17,52; já a terra da fazenda Tropicália (Tomé Açu) foi avaliada em US$ 20,77 pelo INCRA e US$ 190,76 pelo perito. Se esta diferença era compreensível enquanto estava em vigor o Decreto 554/69 que vinculava a oferta ao valor declarado para fins de pagamento de ITR, não se explica mais hoje, quando todos os avaliadores utilizam o critério de mercado. Apesar disso as diferenças nas avaliações continuam acontecendo (na fazenda Maravilha o valor oferecido para a terra nua foi de US$ 14,70 e o valor avaliado pelo perito de US$ 66,35).

TABELA 36 (anexo 42): Valores oferecidos pelo INCRA e o valor que o Juiz obrigou a pagar:

As informações acima apontam outro fato que seria necessário explicar melhor: o valor das benfeitorias também apresenta avaliações com diferenças enormes. O que também é muito difícil de se entender, são as diferentes avaliações feitas por técnicos do INCRA no momento da vistoria preliminar de avaliação (que determina o valor da oferta) e aquela feita por técnicos do mesmo órgão no momento da apresentação em juízo de seu laudo como assistentes técnicos do perito. Os valores das sentenças judiciais repetem, na quase totalidade dos casos, os valores sugeridos pelos peritos (para se encontrar o valor realmente pago precisa levar em consideração não só a atualização monetária, como também os juros). Outra consideração que é necessário fazer é que a grande maioria dos processos ainda continua tramitando, apesar de 18 deles terem sido ajuizados ainda no final da década de oitenta.

424 As informações utilizadas para elaborar a tabela da página anterior, foram colhidas nos autos dos processos em tramitação na Justiça Federal do Pará. Agradecemos ao Dr. JOÃO LUIZ COLARES SARMENTO, Chefe da Procuradoria do INCRA Pará (SR 01) em 1997-98 não só o acesso às informações, mas as ricas discussões sobre este tema. Este quadro, de inteira responsabilidade do autor, é fruto de uma discussão em conjunto com o procurador.

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11.4 MEDIDA PROVISÓRIA N. 0 1.577/97 (HOJE 2.109-47/00) E O DECRETO N.0 2.250/97

Para fazer frente ao aumento do número das ocupações que gerou uma situação explosiva, o governo, em lugar de utilizar o instrumento da desapropriação para pacificar o campo, editou, em 11 de junho de 1997, a Medida Provisória n.º 1.577 (hoje em tramitação com o n.º 2.109-47, de 27/12/2000) e o Decreto n.º 2.250, que impedem a vistoria nas áreas ocupadas. O Art. 4º do Decreto n.º 2.250/97 afirma expressamente: “O imóvel rural que venha a ser esbulhado não será vistoriado, para os fins do Art. 20 da Lei n.º 8.629/93, enquanto não cessada a ocupação ...”. Em seus discursos o presidente Fernando Henrique e seu ministro da Política Fundiária, Raul Jungmann, pretendem que a pacificação seja pré-requisito para o andamento do programa de reforma agrária. É pretender que os milhões de sem terra fiquem à espera da ação do governo e de seus programas que nunca se concretizam, como mostra nossa história passada e recente. Em nenhum país do mundo a reforma agrária se fez sem a pressão popular. Com esta Medida Provisória o governo, em nome da defesa da propriedade, defendeu todas as propriedades, seja as produtivas, que merecem o amparo legal, seja as improdutivas, que não gozam desta proteção. Ao lado destas medidas no campo agrário o governo, através de seus ministros da Justiça tenta criminalizar as ocupações não levando em consideração o estado de necessidade que está na sua origem e que não permite que sejam enquadradas nos delitos tipificados pela legislação penal como esbulho possessório. Um avanço considerável no sentido de descriminalizar esta prática está contida numa decisão unânime do Superior Tribunal de Justiça (STJ) (apud FILGUEIRAS, 1997:16) que afirmou que: “A ocupação de terra para fins de pressão de reforma agrária, não é esbulho possessório, é uma forma de manifestação popular para exigir o cumprimento do que diz a Constituição” (grifo nosso).425

O Decreto 2.250/97, considerado inconstitucional pela CONTAG, determina que as entidades estaduais representativas dos trabalhadores e agricultores poderão indicar as áreas a serem vistoriadas. Apesar de ser um avanço pois passa a reconhecer em lei algo que estava sendo feito pelo movimento sindical em negociações, 426 limita, porém, a apresentação destes nome as entidades estaduais deixando de fora a possibilidade que os

425 Esta decisão do STJ refere-se á revogação da prisão de seis integrantes do MST decretada pelo juiz de Piraporazinho (SP) em 1997.426 Só na pauta da Grito da Terra Brasil de 1997 foram apresentadas mais de 400 áreas espalhadas pelos diferentes estados.

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Sindicatos de Trabalhadores Rurais o possam fazer e não levando em consideração que são estes que tem um melhor conhecimento da realidade local (Art. 1º). Os STRs e os sindicatos patronais poderão indicar um assistente técnico para acompanhar as vistorias (hoje entra no imóvel só quem o dono autorizar). Isto significa que, em caso de conflito, os representantes dos STRs não podem fiscalizar as vistorias. Nos últimos anos, dirigentes sindicais e do MST denunciaram que técnicos do INCRA, elaboraram laudos que declararam como produtivas fazendas que não o eram (como no caso de várias fazendas da região de Marabá, tais como o complexo Macaxeira, Rio Branco, etc.). A possibilidade de ingressar no imóvel sem muita burocracia facilita o trabalho ao próprio INCRA pois, além de dar maior transparência a todo o processo, não se vê mais sujeito à necessidade de ajuizar ações para poder realizar a vistoria preliminar. Na Agropecuária São José (São Geraldo do Araguaia), o INCRA só pôde entrar depois de vários meses, devido à oposição do dono. O fato estabelecer o prazo de 120 dias para realizar a vistoria (Parágrafo único do artigo 10 do Decreto n 2.250/97), parece absolutamente ridículo, se não se alterarem as atuais condições de recursos humanos e financeiros do INCRA, órgão que foi sucateado ao longo destes últimos anos.

A descentralização das ações de reforma agrária prevista pela Medida Provisória 1.577/97 é uma idéia interessante, pois chama os Estados, Municípios e forças sociais a se engajarem nesta tarefa através da realização de convênio com o Ministério Extraordinário de Política Fundiária. Este convênio só será assinado com os estados que criarem órgãos colegiados, nos quais seja garantida a participação da sociedade civil (Comissões Agrárias Estaduais). Durante o ano de 1999 vários estados, inclusive o Pará, assinaram o convênio e começaram a discutir a elaboração de Planos estaduais de reforma agrária cujas ações serão encaminhadas em conjunto pelos INCRA e os Institutos de Terra estaduais. É necessário que se agreguem os esforços de todos, e não se pode permitir que seja uma forma para diluir responsabilidades. Os municípios, devido à capilaridade de sua distribuição espacial, poderiam ajudar na identificação das glebas a serem desapropriadas. O grave problema é o atrelamento de muitos prefeitos à oligarquia agrária local que iria emperrar ainda mais a reforma agrária. A descentralização requer também que se tenha um cadastro fundiário nacional confiável, pois existem proprietários que têm terra em vários estados da federação.

A Medida Provisória n.º 1.577/97 foi alterada de maneira significativa em suas diferentes reedições (sobretudo a MP n.º 1.703/98 a MP 1.997-33 - 14/12/1999 e 2.109-47/00, DE 27/12/00), corrige uma grave

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dificuldade encontrada pelo INCRA na hora de vistoriar o imóvel para fins de reforma agrária. A Lei 8.629/93, estabelecia inicialmente que para realizar a vistoria era necessário notificar previamente o proprietário. Em muitos casos a jurisprudência chegou a entender que esta notificação deveria ser pessoal, gerando muitas dificuldades para localizar e notificar o proprietário. Isso não só gerava um pesado ônus para o INCRA, pois boa parte dos proprietários de terra da Amazônia não moram no imóvel, muitos deles nem na região, sendo difícil encontrá-los. Já existiam casos nos quais juizes federais anulavam desapropriações alegando a falta de notificação. Esta posição é equivocada, pois só a partir do ajuizamento da ação de desapropriação o expropriado passa a ser considerado parte do processo e não no momento da vistoria preliminar que representa um simples ato administrativo. Agora a Medida Provisória determina que se pode citar o proprietário, o preposto ou representante e, em caso de ausência dos mesmos, prevê a comunicação por edital publicado nos jornais de maior circulação (Art. 2º, § 2º e 3º). Uma outra mudança muito importante introduzida por esta Medida Provisória diz respeito ao fato que até seis meses depois desta comunicação não será levada em consideração qualquer modificação quanto ao domínio, dimensão, condições e uso do imóvel. Este dispositivo evita a utilização de um estratagema posto em prática pelos proprietários dos imóveis vistoriados para fins de reforma agrária que dividiam a propriedade em lotes menores para que configurassem pequenas e médias propriedades insuscetíveis de desapropriação ou maquiando a propriedade para torná-la produtiva (Este fato acontece sobretudo no sul do País, mas entidades sindicais denunciaram em várias ocasiões que está sendo utilizada também no Pará). O prazo de seis meses, diante da morosidade mostrada pelo INCRA que demora até vários anos para concretizar o processo administrativo de desapropriação de um imóvel, é, porém, exíguo e deveria ser ampliado para doze meses. Seria melhor se a MP obrigasse o INCRA a averbar este laudo na matrícula do imóvel para prevenir fraude contra terceiros. Outro avanço da MP é que obriga a apresentar documentação e Anotações de Responsabilidade Técnica assinado por um técnico credenciado junto ao CREA das pastagens ou culturas permanentes formadas ou recuperadas (Art. 6º, § 3º, V). O Art. 7º, IV determina que o projeto técnico deve ser aprovado pelo INCRA e não simplesmente apresentado à autarquia como era previsto antes. A apresentação do projeto e sua aprovação, para que tenha valor, deve ter sido feita seis meses antes da comunicação da vistoria. Antes, na iminência da vistoria, o proprietário apresentava um projeto técnico frustrando a desapropriação. Esta medida, para ser válida, isto é, para coibir a apresentação de projetos fantasmas

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elaborado na mesa por algum técnico, deve ser acompanhada da criação de condições que possibilitem ao INCRA fiscalizar estes imóveis, pois, caso contrário, é destinada a virar letra morta. O artigo 12, inclui a cobertura florística (matas nativas, florestas naturais, etc.) no valor da terra. Em vários processos ela foi considerada e paga como benfeitoria. Isto, na maioria dos casos, vai representar um prêmio para aqueles que só quiseram especular. No que diz respeito ao “justo valor” é interessante comparar o que dispunha inicialmente a lei n0 8.629/93 e a nova redação dada pela MP n0 2.109-47:

LEI N0

8.629/93MEDIDA PROVISÓRIA N0 2.109-47/00

Considera-se justa a indenização que permita ao desapropriado a reposição, em seu patrimônio, do valor do bem que perdeu por interesse social

Considera-se justa a indenização que reflita o preço atual de mercado do imóvel em sua totalidade, aí incluídas as terras e acessões naturais, matas e florestas e as benfeitorias indenizáveis, observados os seguintes aspectos:I - localização do imóvel;II - aptidão agrícola;III - dimensão do imóvel;IV - área ocupada e ancianidade das posses;V - funcionalidade, tempo de uso e estado de conservação das benfeitorias.§ 1º ...§ 2º Integram o preço da terra as florestas naturais, matas nativas e qualquer outro tipo de vegetação natural, não podendo o preço apurado superar, em qualquer hipótese, o preço de mercado do imóvel. § 3º § 3º O Laudo de Avaliação será subscrito por Engenheiro Agrônomo com registro de Anotação de Responsabilidade Técnica - ART, respondendo o subscritor, civil, penal e administrativamente, pela superavaliação comprovada ou fraude na identificação das informações" (NR).

Como se pode ver, enquanto a lei preocupa-se em recompor o patrimônio do desapropriado, a Medida Provisória, fixa o valor de mercado como teto máximo. É importante destacar que o parágrafo 2º inclui as matas nativas no valor da terra nua (evitando-se avaliações abusivas de áreas nunca efetivamente exploradas pelos donos do imóvel) e o parágrafo 3º (acrescido na última reedição da MP) responsabiliza, inclusive civil, penal e

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administrativamente, o engenheiro agrônomo que assinar laudos fraudulentos.

Em todos os casos, aplica-se o que dizia ainda em 1993 o Dr. Jacques Távora ALFONSIN (apud ALVES, 1995:253): “Sendo assim, pela prática continuada de um ilícito - exercício de um direito em desconformidade com sua função social - a lei garante, à custa de todos, uma integral ‘reposição’ do patrimônio do infrator, por maior que tenha sido o espaço e o tempo em que ele permaneceu privando liberdades alheias fundamentais à vida, como são as de plantar e de comer”.

No que diz respeito aos juros compensatórios foram limitados em 6% ao ano (anteriormente a maioria dos tribunais condenavam o INCRA a pagar 12% ao ano naquela que o Ministério Extraordinário de Política Fundiária definia com o uma “autêntica farra dos juros compensatórios” (BRASIL, 1997b:3).

Depois de tantas denúncias de supervalorizações de imóveis por parte dos movimentos sociais (de maneira especial do MST, da CONTAG e da CPT) o governo federal percebeu como o processo de reforma agrária estava sendo inviabilizado. Para evitar pagar valores absurdos que aumentavam consideravelmente devido aos juros, foi divulgado em 1999 o "Livro Branco das Superindenizações. Como dar fim a essa "indústria". O próprio ministro Raul Jungmann afirma (BRASIL, 1999d: 7):

"Tomamos a iniciativa de trazer ao conhecimento da população um tema que tem representado elevadíssimo ônus para os cofres públicos e, por consequência à sociedade como um todo. Trata-se da elevação, artificial e exorbitante, dos valores pagos a título de indenização aos proprietários de terras desapropriadas por interesse social para fins de reforma agrária. A coleção de casos que apresentamos aqui, e que são apenas uma amostra, chegam a oito bilhões de reais em valores atualizados. O artifício da elevação exponencial dos preços das terras desapropriadas ocorre quase que invariavelmente por meio de ações judiciais, em processos que se arrastam por anos nas diversas instâncias do Poder Judiciário. Nos cálculos judiciais foram incluídos, ao longo dos anos, alegadas perdas com produção agropecuária não realizada, cujos lucros cessantes são atualizados monetariamente e capitalizados. Isso ocorre a despeito de serem as terras desapropriadas pelo INCRA, por definição, improdutivas. O mesmo acontece com as avaliações das benfeitorias dos imóveis desapropriados, sejam elas reprodutivas ou não, assim como com a absurda indenização da cobertura vegetal nativa. Nas desapropriações que sofreram ação judicial, o custo dos remanescentes pagos como indenização imposta pelas sentenças alcançam 14 vezes o valor do laudo

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inicial do INCRA na região Sudeste. Na região Centro-Oeste esta relação também é alta - chegando a 12 vezes." (grifos nossos).

A média nacional das indenizações é cinco vezes maior que o valor avaliado pelo INCRA. Levando-se em consideração de mais de 50% das desapropriações é decidida na Justiça, se percebe como se alcançam os assustadores oito bilhões citados pelo ministro.

Para Jungmann os altos valores a serem pagos decorriam do processo inflacionário, que criava uma "ilusão monetária" levando a "abusar da correção monetária", e por um: "segundo fator persistente, constituindo uma tradição: a Justiça brasileira, fundamentada no direito à propriedade previsto na Carta Magna, tende, historicamente, a decidir a favor do proprietário sempre que entenda que esse direito está sendo ou possa vir a ser ameaçado. (...) Deve-se lembrar que, no processo inflacionário, investir na terra era considerado como alternativa das mais segura para o dono do capital. A terra era tida como reserva der valor extremamente segura e de grande liquidez. As decisões da Justiça tendiam, então, a reforçar o direito a este investimento, ainda que em detrimento da previsão constitucional da função social da propriedade" (grifos nossos BRASIL, 1999d: 8).

Se persistirem estes valores só em quatro ações o INCRA terá que pagar mais de R$ 1,7 bilhões, isto é, mais que o orçamento da reforma agrária para 1999427. Para limitar este valor foi editada a Medida Provisória n.º 1901-30/99 (hoje n0 1.997-33/99) que veda a utilização de juros em cascata e inclui o pagamento da cobertura vegetal nativa no valor da terra nua.

O caso mais escandaloso citado pelo "Livro" é aquele das "Fazendas Reunidas" localizada no município de Promissão (SP), desapropriada em 1987. Enquanto o INCRA ofereceu R$ 25.811.2560,00 o valor a ser pago foi de R$ 385.502.876,00, que, atualizado, beira R$ 1 bilhão, isto é uma diferença de 974.190.000,00. O combate às superavalições representa uma

427 Também no Maranhão as avaliações dos imóveis foram consideradas muito elevadas inviabilizando a reforma agrária. Segundo DUTRA (apud TRIBUNAL, 1998:74) “O Adjunto do INCRA confessara que o INCRA estava quase inviabilizado em promover desapropriação porque a Justiça Federal está fixando valores no preço das áreas desapropriada acima até dos valores do acordo de compra e venda feitos diretamente entre o governo e os proprietários, ou seja, a justiça federal, em muitos casos está inviabilizando a Reforma Agrária ao atribuir valores absurdos que favorecem ainda mais o latifundiário. Ou seja, a desapropriação torna-se também um grande negócio mesmo pela via judicial” (grifos nossos).

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notável economia de recursos. Dados do INCRA mostram como valores estratosféricos arbitrados pelos juizes em primeira instância, caíram sensivelmente. Além do já citado caso das Fazendas Reunidas, são mencionadas mais de sessenta outras situações de super-indenizações. Casos como o a da Fazenda Ocoí (PR) cuja indenização corresponde a 37 vezes o valor do imóvel ou aqueles de várias fazendas nas quais a diferença entre a avaliação do INCRA e a da sentença judicial é milionária: Fazenda Horizonte e Escondidos (MS): R$ 923 milhões; Amaralina (BA): R$ 777 milhões; Annoni (RS): R$ 440,9 milhões; Ocoí (PR) R$ 433,4 milhões; Araguaia (TO): R$ 157,45 milhões; Primavera (SP): R$ 65,5 milhões; Serra e Repartimento (AC): R$ 33,46 milhões; Guarajaús (RO): R$ 29,7 milhões; Brejão (RO): R$ 26,8 milhões; Gleba Pyrineus II (RO): R$ 22,4 milhões; Reunidas São Joaquim (CE): R$ 22 milhões; Alegria e Alto Rio Preto (RO): R$ 21,75 milhões; Gleba Corumbiara (RO): R$ 20 milhões; Santo Antônio (MG): R$ 11,56 milhões. No Pará são citados os casos das fazendas Santa Teresa (Cumaru do Norte), Nazaré (Conceição do Araguaia) e Manah (Santana do Araguaia), todas localizadas na área de abrangência da SR27E de Marabá, nenhuma fazenda localizada na SR 01 (Belém) está relacionada, apesar do quadro apresentado acima ter sido entregue ao Superintendente no começo de 1999.

Um caso estarrecedor é aquele da fazenda Tamboril/Resfriado/Galinha (MG) pois a diferença entre as avaliações do INCRA e dos peritos chega a 850%: enquanto o INCRA ofereceu r$ 706.798,58, o primeiro perito oficial o imóvel em R$ 41.123.135,53. Uma nova perícia oficial chegou ao valor de 1.100.878,90 enquanto o juiz condenou a pagar 6.039.133,60. Estes números induzem a fazer algumas reflexões: apesar de poderem existir critérios técnicos diferentes para realizar avaliações os resultados alcançados são absolutamente inconciliáveis por sua discrepância. Diante da responsabilidade que tem um perito judicial cabe assim formular uma pergunta: foi aberto inquérito para comprar os valores e punir quem se responsabilizou por laudos tão diferentes conforme determina o parágrafo 3º do Art. 12 da Lei n.º 8.629, de 25 de fevereiro de 1993, conforme a redação dada pela MP n.º 1.997-33/99?

Somando-se só os casos citados no "Livro Branco das Superindenizações se chega a estes totais: valor oferecido pelo INCRA: R$ 440,32 milhões; valor avaliado pelas sentenças: R$ 7,08 bilhões; diferença: R$ 6,69 bilhões. Este valor representa cerca de cinco anos de trabalho do INCRA. Precisa considerar ainda que muitos dos valores foram calculados sem levar em consideração os juros compensatórios e moratórios, que só poderão ser conhecidos no final das ações judiciais.

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A avaliação da cobertura florística mereceria uma discussão muito maior, pois os valores pleiteados pelos assistentes do perito indicados pelas partes são absurdos. Em muitos casos os peritos judiciais estabeleceram valores milionários e vários julgados dos Tribunais Superiores condenaram o INCRA a pagar vultuosas indenizações relativas à cobertura florestal. A solução mais justa seria aquela de que só deveria se pagar a indenização da cobertura florística caso o proprietário já estivesse explorando a madeira (tendo evidentemente seu projeto de manejo devidamente aprovado pelo IBAMA e comprovando-se, através de perícia a efetiva execução desta atividade); caso contrário não tem porque pagar, pois em muitos casos o proprietário não tinha como viabilizar a exploração comercial da madeira porque o imóvel localiza-se em áreas de difícil acesso onde a exploração econômica é praticamente inviável.428 Não se pode premiar com indenização alguém que nada fez para beneficiar a terra.

Estas indenizações milionárias favorecem a especulação imobiliária e o enriquecimento ilícito. A posição defendida por TOURINHO NETO (apud CARACAS, 1997:2-3) que condena este prêmio aos latifundiários é a mais correta:

“É uma contradição pagar uma verba indenizatória quando prejuízo não existe (...). Pagam-se os juros compensatórios pelo que se deixou de ganhar - fato concreto -, e não pelo que, porventura, poderia vir a ganhar com a venda do imóvel. Pela demora do pagamento, o desapropriado já recebe os juros moratórios. Juros punitivos. Usurae punitionae (...). Até pelo princípio da proibição do enriquecimento sem causa, os juros compensatórios referentes a imóvel que nada produz, não deveriam ser pagos”.

428 No caso da Ação de Desapropriação relativa à Fazenda Moju Mirim (Processo n 95.7070-1 em tramitação na Primeira Vara Federal da Justiça Federal do Pará) o perito judicial, Ely Salim Khayat, avaliou a cobertura florestal a partir de uma imagem de satélite de 17/05/87. Afirmou existirem no imóvel 163,35 hectares de preservação permanente e 925,65 ha de exploração racional. Respondendo aos quesitos formulados pelo INCRA afirmou não existirem projetos de manejo ou inventário florestal (p. 125) e, na página posterior afirma textualmente: “Não constatamos nenhum tipo de exploração de madeira no imóvel, por parte do expropriado”. O Dr. Roberto Ronaldo Braga Dutra, assistente técnico indicado pelo INCRA, afirma na página 150: “Deixamos de avaliar revestimento florístico do imóvel uma vez que durante o período de nossa vistoria ao imóvel em apreço, a floresta que ali existia, já estava totalmente degradada. Enquanto o perito judicial, apesar de suas afirmações reconhecendo a não exploração da floresta sugere uma indenização de R$ 74.052,00, o INCRA avalia a mesma como: “Não existente” (p. 152) e não lhe atribui por isso valor algum.

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O que precisa ser levado em consideração na hora de pagar a indenização é que o interesse coletivo, o interesse público, deve prevalecer sobre os interesses privados, ainda mais que aquela terra era objeto de especulação, não estava cumprindo sua função social e que o objetivo prioritário da reforma agrária não é premiar especuladores, mas instaurar a justiça social resgatando a finalidade da terra como um bem de produção. Não se pode esquecer, como afirma o ministro de Supremo Tribunal Federal CELSO DE MELLO (apud PAULA, 1997:6), que: “A desapropriação de imóvel rural, por interesse social, para fins de reforma agrária constitui modalidade especial de intervenção do Poder Público na esfera dominial privada. Dispõe de perfil jurídico constitucional próprio e traduz na concreção de seu alcance, uma reação do Estado a descaracterização da função social que inere à propriedade privada”. O verdadeiro escopo da desapropriação por interesse social, para fins de reforma agrária é uma sanção, punição, ao proprietário que não explorou econômica e racionalmente o seu imóvel. A intervenção governamental determinando a perda da posse ocorreu única e exclusivamente por culpa do proprietário do imóvel por não estar cumprindo a função social. Esta desapropriação-sanção que não pode transformar-se num prêmio.

11.5 REFORMA AGRÁRIA: UMA POLÍTICA NECESSÁRIA

Apesar de todos os entraves burocráticos e da falta de vontade política, a reforma agrária continua a ser necessária e possível. Diante da letargia governamental o tema voltou a ocupar as manchetes dos jornais, graças as milhares de ocupações de terras acontecidas nestes últimos anos em todo o Brasil. A memorável marcha a Brasília organizada pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra em 1997 sacudiu o Brasil inteiro e mostrou a força de um movimento, e de uma problemática, que a opinião pública parecia ter esquecido, obrigando o governo a sentar para dialogar. Os trabalhadores entenderam que a ocupação de uma propriedade improdutiva é um meio legítimo de pressão para forçar a União a cumprir a Constituição que não ampara a propriedade que não cumpre sua função social.

O que preocupa os governos é o fato de que diversas ocupações de terra acontecidas nos últimos anos em todo o Brasil tiveram como protagonistas não só os trabalhadores rurais expulsos de suas terras, como também moradores das periferias das cidades que já tinham tido experiências de integração ao mercado de trabalho formal ou informal sem conseguir se estabelecer nele, mostrando como a questão da terra continua a ser um sonho

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e uma esperança para milhões de trabalhadores. Eles sabem muito bem o tipo de reforma agrária que lhe interessa. Em seus congressos afirmam que é necessária uma:

"Reforma agrária anti-latifundiária, ampla, massiva e imediata com a participação e controle dos trabalhadores rurais e seus órgãos de classe, pondo-se fim ao latifúndio nacional e estrangeiro, com distribuição aos trabalhadores rurais sem terra ou com terra insuficiente, dando prioridade aos que moram na região, de acordo com as necessidades e aspirações dos trabalhadores, e àqueles que foram lavradores e querem voltar a terra" (CONTAG, 1985:75).

É, porém, importante levar em consideração que a bandeira da reforma agrária nas últimas três décadas foi levantada por atores sociais diferentes: nos anos sessenta mobilizaram-se os posseiros, os arrendatários e os foreiros; na década de setenta, os posseiros, e na década de oitenta os seringueiros, os sem terra, os atingidos por barragens, etc. Hoje a estes grupos juntam-se os desempregados, os marginalizados pelas políticas econômicas, etc. Cada grupo lhe deu conteúdo e enfoque diferente. O debate atual tem que levar em conta estes interesses diferenciados se se quiser fazer avançar a luta pela implantação da reforma agrária. Os trabalhadores sabem que o investimento na reforma agrária permitiria a criação de empregos com custos muito menores que em qualquer outro setor produtivo ajudando a resolver um dos mais graves problemas sociais da nossa época: o desemprego. 429

Dados do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) mostram como existem hoje 35.000 famílias nos 168 acampamentos espalhados pelo Brasil. Do outro lado o INCRA afirma existirem no Brasil enormes estoques de terra mantida como bem especulativo (mais de 164 milhões de ha).

429 Uma pesquisa realizada pelo professor José Graziano da SILVA (apud STÉDILE, 1997b:33 e 34), da UNICAMP, mostra que enquanto no Setor Bens de Capital a criação de um emprego custa R$140.500,00, na química e petroquímica R$126.000,00, na metalurgia R$93.000,00 e nos bens de consumo não duráveis R$14.000,00, na pequena propriedade custa R$1.200,00, na agricultura familiar custa R$4.400,00 e nas grandes propriedades R$10.100,00. Um assentamento custa R$30.859,00, mas deste valor é necessário subtrair R$23.663 que serão reembolsados em poucos anos. Por isso o custo real a fundo perdido é de R$ 7.196. Além de gerarem empregos diretos em grade escala e de forma rápida, os Projetos de Assentamento favorecem o crescimento da economia local (comércio e serviços) e geram impostos.

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A falta de reforma não depende das leis. Já durante o regime militar o ministro do Interior, Rangel REIS (apud SARTORI, 1977:433) acreditava que o Estado já tivesse os instrumentos jurídicos necessários para a realização da reforma agrária: "O Brasil possui uma das legislações mais perfeitas do mundo no tocante ao uso da terra em zonas rurais. Se ainda não houve uma verdadeira e ampla reforma agrária é porque tem faltado decisão política para faze-la"430

11.6 REFORMA AGRÁRIA: UMA POLÍTICA POSSÍVEL

Diante da distorcida estrutura agrária existente no país a REFORMA AGRÁRIA, isto é, a modificação desta situação, é uma necessidade defendida por vários segmento sociais e que se incorporou ao discurso oficial dos diferentes governos que se sucederam ao longo das últimas décadas. Sua implantação foi porém muitas vezes protelada com a desculpa de ser inviável pelos elevadíssimos custos das indenizações a serem pagas aos proprietários das áreas a serem desapropriadas. O governo federal justificou assim sua omissão política e social escondendo-se atrás de um discurso meramente economicista. Analisando a experiência histórica brasileira verificou-se a tortuosidade da constituição das propriedades no Brasil e, de maneira especial na Amazônia, sendo assim cabe formular uma pergunta: todos os imóveis desapropriados eram propriedades legalmente constituídas através de um título legítimo? Sendo que só se pode indenizar o que for propriedade (e uma área grilada nunca poderá ser considerada propriedade pelo vício insanável que está na sua origem) a verificação da legalidade inicial dos títulos é assim o primeiro passo de qualquer processo de reforma agrária. Só se pode justificar a desapropriação quando se verificar que a apropriação privada de um determinado imóvel foi legítima. 431 O segundo passo é complementar ao primeiro: verificação da cadeia

430 Mais de vinte anos depois STÉDILE (1997b:31), membro da Coordenação Nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), repete o mesmo conceito afirmado: A legislação brasileira vigente é suficiente para se implantar a reforma agrária. Não é por falta de lei que não se distribuem terras”.431 Segundo JONES (1997b:39-40): “No caso brasileiro, as propriedades privadas legítimas, ainda hoje, são poucas. Raros foram, na história do País, os detentores das terras que procederam a sua legalização: ou porque não cumpriram com as exigências formais, definidas em lei, de medir, demarcar, residir e explorar; ou porque nunca providenciaram o registro das terras possuídas, ou o fizeram de forma contraditória com as normas, ou fraudulentamente ou, finalmente, como aconteceu no período militar, no qual as autoridades fundiárias, em vez de cumprirem as determinações legais a que estavam obrigadas, edificaram verdadeiros monumentos à grilagem especializada, promovendo a “alienação” de vastas áreas do território

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dominial que, por exigência legal, deve ser perfeita. O efetivo combate à grilagem é um instrumento importantíssimo para a realização da reforma agrária, pois permitiria que, nos imóveis de origem duvidosa, a União só pagasse o valor das benfeitorias úteis e necessárias e não da terra nua que sempre foi dela (ou dos Estados). Desta maneira os custos da Reforma Agrária seriam reduzidos podendo-se investir o que for poupado na viabilização dos assentados oferecendo crédito subsidiado e realizando as necessárias obras de infra-estrutura. 432

brasileiro, em clara afronta à Constituição Federal. Por isso, pode-se afirmar que as terras brasileiras, em sua maior ou mais relevante parte, permanecem, ainda hoje, públicas”.432 JONES (1997a: 171) sugere que: “Se as terras em domínio privado não estiverem fundadas em títulos legítimos, não cabem processos de desapropriação e, menos ainda, qualquer indenização por parte do Poder Público, independentemente de cumprir ou não a função social. Posto que, não sendo propriedades legítimas, não há, sequer, porque se arguir de sua função social”.

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12 - A LEGISLAÇÃO AGRÁRIA PARAENSE NA SEGUNDA

METADE DO SÉCULO XX

Em 1954 o General Zacharias de Assunção voltou a utilizar o arcaico instituto do aforamento beneficiando, através da Lei Estadual n.º 913 de 02/12/54, 262 famílias, que passaram a deter o domínio de imensas áreas de terra. Como a lei não exigia a demarcação destes lotes, e só 31% das terras aforadas pelo Estado foram demarcadas, começaram a nascer os primeiros conflitos agrários (SILVA, 1987:4). 433 Esta prática permitiu, mais uma vez, utilizar estas concessões como instrumento político, como afirma PINTO (1980:139): “O aforamento acabou se transformando num instrumento político, usado para beneficiar cabos eleitorais, e por isso, o próprio governo começou a tumultuar a situação ao tentar trocar os donos de aforamento e cancelar os existentes nas mãos de inimigos políticos” (grifos do autor). 434

No final da década de ´50, quando vários empresários do sul do País passaram a requerer terras receberam inicialmente Títulos Provisórios, sujeitos a confirmação depois do pagamento do valor total do imóvel e sua demarcação. Foi sobretudo no momento de demarcar que se "descobria" a presença de milhares de posseiros que tinham ocupado a terra sem autorização do Poder Público. Para tentar evitar conflitos o Secretário Benedito Monteiro determinou que estes recebessem "Bilhetes Provisórios e Gratuitos de Localização". Apesar desta providência: "Infelizmente, tais posses foram absorvidas mais tarde e incorporadas pelas grandes propriedades".435

Uma das primeiras medidas tomadas pelo Cel. Jarbas Passarinho depois de ter assumido o governo estadual, foi introduzir mudanças na legislação agrária paraense, através do Decreto n.º 4.457, de 18/09/1964 e da Lei n.º 3.641, de 05/01/1966, que dispõe sobre a legislação das terras do estado visando promover: “o desenvolvimento rural através da competente exploração racional, atendendo aos princípios da justiça social” (Art. 1º). Seu artigo 2º determinava que o Estado deveria adotar: "providências que impeçam a formação de minifúndios e a manutenção de áreas improdutivas de características latifundiárias". A lei, que revogou expressamente várias

433 Segundo levantamento realizado por SHIRAISHI (1998:20), foram alienados neste período 862.298 hectares, corresponde a 1/3 do território da Bélgica.434 Segundo PINTO (1980:139) Em 1976 a exportação de castanha rendeu 16 milhões de dólares, sendo o terceiro mais importante produto de exportação do Estado.435 Ver Monteiro (1980:51)

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leis e decretos em vigor, 436 não faz, porém, nenhuma referência a qualquer limitação de tamanho dos imóveis a serem alienados. Esta lei só foi regulamentada dois anos depois criando, desta maneira, um vazio jurídico que paralisou milhares de processos em tramitação. A lei n.º 3.747, de 31/10/1966, determinou o desmembramento da Secretaria de Estado de Obras e Terras (SEOTE) do Departamento de Terras e Cadastro Patrimonial, incorporando-o à Secretaria de Agricultura. Todo o acervo formado pelos processos fundiário constituídos desde o império, foi transferido de uma secretaria para a outra. O primeiro "considerando" da Portaria n.º 442, de 24/07/67, afirma que surgiram dúvidas sobre a legitimidade de títulos expedidos pelo governo do Estado, e o quarto diz que: "Considerando que o Cadastro de Terras do Estado foi desviado criminosamente do Departamento de Terras, em época anterior a 15 de julho de 1964; as vendas irregulares se iniciaram com o advento da Lei n.º 762, de 10/03/54" (grifo nosso). O governador Alacid Nunes, nos Considerando da Portaria n.º 301, de 09/01/1967, reconheceu a situação caótica existente nas terras do Estado voltando a falar do desaparecimento criminoso de documentos: "Considerando a necessidade imperiosa e inadiável de uma revisão jurídica e técnica dos títulos expedidos, bem como dos processos em andamento (...). Considerando que a entrada de novos processos de alienação de terras devolutas não poderia ter andamento, por falta da regulamentação da lei em vigor; Considerando que o Estado não dispõe de um cadastro de terras atualizado, pela ausência de plantas cadastrais, desviadas criminosamente do departamento de Terras em época anterior a 15/06/1964; Considerando que, em conseqüência tornou-se impossível conhecer exatamente quais as terras ainda devolutas e quais as que estão legalmente tituladas; Considerando que, enquanto o Cadastro das Terras Públicas não for reorganizado, o governo correrá grave risco tanto de conceder lotes superpostos a outros já concedidos, como de recusar terras inteiramente livres de ocupação" (grifos nossos). MONTEIRO (1980:86), depois de relatar que estes documentos sempre tinham sido arquivados no Palácio do Governo, afirma que: "Afora aos simples considerandos das duas Portarias, não existem documentos oficiais ou legais nos quais o Governador possa basear essa acusação feita indiscriminadamente aos governos anteriores, pretendendo, talvez, apenas eximir de culpa quanto ao surgimento das falsificações de títulos a priori os governos instituídos pelo Golpe de março

436 Foram expressamente revogados (Art. 101 da Lei n.º 3.641, de 05/01/1966) o Decreto n.º 1.044, de 19/08/1953; Decreto n.º 3.594, de 28/10/1940; Lei n.º 762, de 10/03/54; Lei n.º 913, de 04/12/54; Decreto n.º 2.625, de 31/10/58; Decreto n.º 4.323, de 18/11/63 e o Decreto 4.457, de 18/09/64.

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de 1964". Naqueles anos, parte do patrimônio documental extraviou-se, como denunciou novamente MONTEIRO (1980: 146): "Nesse período, conforme consta das Portarias mencionadas e dos inquéritos administrativos e policiais instaurados posteriormente, desapareceram milhares de processos sendo muitos queimados conforme consta dos inquéritos a respeito". 437 Diante do fato que estas denúncias nunca foram totalmente averiguadas, sempre existirá uma sombra que macula os registros expedidos anteriormente a esta época, permitindo questionar sua legalidade e legitimidade.

No mesmo ano de 1967, em 2 de julho, Alacid Nunes encomendou um parecer para o ilustre professor de Direito Administrativo Ely Lopes Meirelles em relação aos títulos de terras expedidos ilegalmente pois acima de 100 ha sem levar em consideração as limitações impostas pela Lei n.º 762/54. Segundo MEIRELLES (Apud Monteiro, 1980:76) a partir da revogação e substituição desta lei por outra que não previa limites teríamos uma: "convalidação dos títulos do Estado, para as vendas de áreas até 3.000 hectares". Estes títulos não poderiam mais serem cancelados nem administrativamente nem judicialmente. As áreas superiores a 3.000 ha deveriam ser consideradas anuláveis por contrariarem expresso dispositivo constitucional 438, a não ser que o Senado Federal ratificasse a posteriori estes títulos.

Em 22 de agosto de 1969 a legislação agrária estadual passou a ser regida pelo Decreto-Lei n.º 57, que foi regulamentado pelo Decreto n.º 7.454, de 19 de fevereiro de 1971, que, em seu artigo 88 prevê o instituto da recompra. Este decreto serviu de base para a elaboração da atual Lei de Terra estadual. Seu artigo 12 proibia a venda de terras próprias para o

437 O mesmo autor (1980: 146-147) afirma que: "Até 1966, quando foi ordenado pelo Governador o levantamento desse inestimável acervo, não se tem notícia na história do Pará, de qualquer falsificação de títulos definitivos, provisórios ou de posse de terras, ocorridas em qualquer repartição do Estado, dos Municípios ou mesmo nos cartórios das comarcas do interior. Até essa data, tanto a Corregedoria da Justiça como as distribuições dos juizados de direito nunca tiveram oportunidade de tomar conhecimento de qualquer ação de anulação ou nulidade de títulos de terra emitidos ou falsificados nos governos anteriores. Essa é uma constatação histórica revelada por longa pesquisa do autor que ficará desafiando prova em contrário ou fatos que permitam a contestação". Segundo ele a responsabilidade das falsificações é dos governos militares que, sem as devidas cautelas transferiram o precioso acervo de documentos do palácio do governo para a SAGRI.438 O Art. 156, § 2º da Constituição Federal de 1946, com a redação dada pela Emenda Constitucional n.º 10/64 e a Constituição de 1967 (Art. 164) determinavam a prévia autorização do Senado para a concessão de áreas acima de 3.000 ha.

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extrativismo, abrindo espaço para uma nova fase de concessão de aforamentos. Quem quisesse adquirir terras para a instalação de Projetos Agropecuários era obrigado a apresentar um plano racional de aproveitamento econômico. Quem utilizasse os imóveis de maneira predatória seria punido com a perda do imóvel, do valor adiantado, além de outras sanções cabíveis.439

Os artigos 56 a 58 desta lei, possivelmente inspirados no Art. 46 do Estatuto da Terra 440, introduziram a obrigatoriedade do registro de todos os títulos de terra, bem como a citação do cadastro do imóvel da SAGRI em todas as operações a serem realizadas em repartições estaduais e nos Registros de Cartório. Os que contrariassem este dispositivo, que um cadastro fundiário próprio do Estado, seria punidos com multas. A absoluta falta de estrutura do órgão fundiário estadual, fez com que esta exigência legal fosse letra morta.441

A necessidade de fazer frente às demandas de terra propiciada pela abertura da Belém-Brasília e outras rodovias federais e estaduais, gerou a idéia de se criar uma sociedade de economia mista que gerenciasse as terras paraenses. Para tanto foi criada, através da Lei n.º 4.485, de 09 de novembro de 1973, a COMPANHIA PARAENSE DE TERRAS E COLONIZAÇÃO - COTERCO cujo sócio majoritário era o governo do Estado (Art. 4º), mas aberta para a participação de: “empresas e pessoas jurídicas de direito público e privado e/ou pessoas físicas” (Art. 1º). Para compor o capital inicial da empresa o Poder Executivo foi autorizado a incorporar ao

439 O Art. Art. 18, § 3º determina: " Comprava pela SAGRI a utilização de processos predatórios na exploração da área, o depósito será perdido em favor do Estado a título de multa compensatória, sem prejuízo de quaisquer outras sanções cabíveis contra os infratores".440 O Decreto 55.891, de 31/03/65 (Arts. 45-58) regulamentou o ET determinado a obrigatoriedade da declaração de todos os imóveis. A partir da Lei n.º 5.868, de 14/12/1972, regulamentada pelo Decreto n.º 72.106, de 18/04/1973 foi criado o Sistema Nacional de Cadastro Rural.441 MONTEIRO (1980:91) considerou esta exigência: "uma flagrante ilegalidade, iria conflitar com o Registro de Imóveis de todos os Cartórios e comarcas instituídos desde 1864 pela Lei Federal 1.237, posteriormente ratificado, ampliado e consolidado pelo Código Civil", opinião que não achamos pertinente pois o Estado tem direito de estabelecer um controle sobra as terras que lhe pertencem ou lhe pertenceram. O mesmo autor confirma assim a ineficácia desta norma: "Pelas pesquisas realizadas pelo Autor em todos os Diário Oficiais da época, não foi encontrado qualquer ato relacionado com os infringentes do Art. 58 e seu parágrafo, nem com os funcionários a observância do que prescreve o parágrafo 2º do mesmo artigo".

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patrimônio da empresa cinco milhões de hectares (5.000.000 ha.) e a abrir um crédito especial de Cr$ 2.500.000,00 (Dois Milhões e Quinhentos Mil Cruzeiros) (Art. 50). Esta iniciativa, porém, não prosperou por ser impraticável uma ação discriminatória envolvendo cinco milhões de hectares e, sem saber a exata localização do seu patrimônio fundiário, era inviável a companhia começar a negociar terras.

Levando em consideração: “Que sobre as terras devolutas disponíveis já existem numerosos requerimentos em várias etapas dos respectivos processos, convindo não agravar esta situação antes que a SAGRI ... equacione os problemas pendentes...” o Decreto n.º 9.094, de 15 de abril de 1975, suspendeu a venda de terras e determinou a criação de um Cadastro de todos os Títulos conhecidos. 442

Esta providência era importante pelo acelerado processo de valorização das terras paraenses. De 1974 a 1977 o preço da terra, em algumas regiões do sul do estado, elevou-se em mais de 500%. 443

12.1 LEI DE TERRA DO ESTADO: A TENTATIVA DE ARRUMAR A CASA

O governador Aloysio Chaves assim descrevia a situação agrária paraense na década de setenta: "Pouco a pouco, entretanto, as dimensões dos problemas se ampliaram até assumirem a gravidade indisfarçável duma crise. (...) Somente na SAGRI mais de oito mil requerimentos, dos quais metade aguardam definição sobre controvérsias decorrentes de preceitos superados, prazos findos e omissões insupríveis das normas em vigor" (grifos nossos).444 Para evitar que a situação se agravasse o Decreto 9.094, de 15 de abril de 1975 suspendeu a venda das terras devolutas.

Em 08/10/1975, através da lei n.º 4.584, foi criado o INSTITUTO DE TERRAS DO PARÁ (ITERPA),445 que administra até hoje as terras sob

442 Ver o quarto e quinto Considerando do Decreto n0 9.094, de 15 de abril de 1975.443 PINTO (1980:215) afirma que, nestes anos, estavam em andamento 95 projeto agropecuários que ocupavam 2,2 milhões de hectares e tinham recebido financiamento da SUDAM.444 Ver Mensagem do Governador Aloysio Chaves à Assembléia Legislativa encaminhando o Projeto de Lei que criava o ITERPA.445 Em 1976 o governo federal ajuizou uma ação questionando a legalidade de 37 itens da legislação de terras paraense e visando proibir que o ITERPA pudesse expedir títulos de terra. Com o acordo entre Governo do Estado e Federal, o andamento desta ação foi suspenso, voltando porém ao seu curso normal em 1982 quando o então governador do Pará, Alacid Nunes, se indispôs como governo federal. Em 03/11/86 o ITERPA expediu carta de revalidação de 17 títulos de terra e homologou a demarcação e venda de imóveis cuja área é superior a 3.000 ha.

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a responsabilidade do Estado sendo: “o órgão executor da política agrária do Estado” (Art. 2º). O novo órgão foi dotado das competências necessárias para tomar as decisões que achasse úteis para, rapidamente, resolver os problemas de terra na área de sua jurisdição. Entre elas é importante destacar: definir as áreas dominicais (Inciso I, letra b), extremar o domínio público do particular (Inciso I, letra c), manter um serviço de cartografia e mapoteca (inciso III), organizar o cadastro rural do estado (inciso IV), trabalhar em conjunto com INCRA, SUDAM e BASA (inciso VII); respeitar as posses legítimas oferecendo aos seus ocupantes o reconhecimento de seu direito (Inciso IX letra c).

Sua estrutura administrativa (a autarquia tem sua sede e todos os seus departamentos centralizados na capital) não permite, porém, a agilidade necessária para responder imediatamente aos conflitos que se espreitam em todas as regiões do Estado. 446 A representação permanente do ITERPA no interior continua a ser uma necessidade e um grande desafio. Cientes desta dificuldade nos Gritos da Terra III e IV (1996 e 1997) os trabalhadores rurais propuseram ao governo do Estado a interiorização da autarquia conforme já está previsto pelo Art. 24 da Lei que o criou: “Deverão ser instaladas prioritariamente Delegacias Regionais nas Zonas em que houver maior incidência ou complexidade de processos agrários”. 447

Para poder exercer mais agilmente seu trabalho o ITERPA foi autorizado a alienar 5 milhões de hectares sem ter que pedir autorização legislativa para cada imóvel (Art. 21). Este estoque de terras permitiria não só ter uma fonte de receita, mas poderia ser usado para resolver problemas

contrariando frontalmente a Constituição Federal vigente (Art. 171, par. único) que requeria a autorização do Senado Federal para fazer isso (a CF de 1988 baixou este limite para 2.500 ha). Mais uma vez estamos diante da continuação de uma política fundiária condenada à palavras mas que continua na prática e que teve efeitos desastrosos.446 A própria localização do Departamento Técnico num prédio diferente daquele dos outros Departamentos dificulta, no nosso entender, uma maior integração entre todos os setores.447 Os antigos representantes municipais do ITERPA eram, na maioria dos casos, simples distribuidores do formulário de solicitação de regularização fundiária. Segundo denúncias de sindicalistas de vários municípios eram na realidade cabos eleitorais do partido do governo. Os próprios títulos de terras eram quase sempre distribuídos na véspera das eleições. A pauta do Grito sugeria a criação Unidades Regionais em todas as cidades mais importantes integradas num Sistema Agrário e Agrícola descentralizado possibilitando que, num único prédio, tivesse a representação da SAGRI, EMATER e ITERPA. Isso ajudaria a colocar em prática a: mútua colaboração entre SAGRI e ITERPA prevista pelo Art. 19.

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agrários. Vinte e três anos depois deste dispositivo entrar em vigor, seria interessante verificar quantos hectares foram alienados, para quem foram concedidos e o uso desta terra, informações estas que, infelizmente, são difíceis de serem coletadas.

O Art. 10 prevê que só 1/3 das receitas advindas da venda de terra públicas seja incorporada ao patrimônio do ITERPA (o restante foi assim dividido: 1/3 para o Fundo de Desenvolvimento Agrário - FDA, controlado pela Secretaria de Agricultura e regulamentado pelo Decreto-Lei n0 57 de 1969; e 1/3 para o Fundo de Desenvolvimento do Estado - FDE administrado pelo Banpará). Diante da necessidade de aparelhar melhor o ITERPA para fazer frente às centenas de situações de conflito e das ações de regularização fundiária a serem executadas, seria importante que estes índices fossem revistos.

Ao ITERPA foi outorgado o mandato de representar o Estado em todos os processos fundiários (Art. 16). Hoje porém vários juizes entendem que é necessária a presença da Procuradoria do Estado para representar o mesmo quando estiverem em discussão interesses patrimoniais do Estado. A presença obrigatória do ITERPA, órgão que detém as informações relativas a situação das terras paraenses, nestes processos poderia ajudar a preservar o patrimônio fundiário estadual objeto da cobiça e ação nefasta de pessoas inescrupulosas. Porém, para poder atuar em todas estas lides é necessário reaparelhar o atual Departamento Jurídico do ITERPA oferecendo melhores condições de trabalho e um Plano de Cargos e Salários digno para quem exerce tão alta tarefa. Para que o ITERPA pudesse fazer frente a todas estas responsabilidades e combater de maneira ainda mais eficaz a grilagem, o Conselho Estadual de Política Agrícola, Agrária e Fundiária do Estado do Pará (CEPAF-PA) baixou a resolução número 0001/97 na qual se propõe:

“Ao Chefe do Poder Executivo Estadual, que adote as providências que se fazem necessárias à regulamentação e fortalecimento da Procuradoria Fundiária do Estado do Pará, que atua, precariamente, como mero Departamento Jurídico dentro da estrutura organizacional do ITERPA, de modo a que esse setor possa, com eficácia dar seguimento aos trabalhos que vêm sendo realizados em combate aos fraudadores da coisa pública, sobretudo no que se refere às ações de retificação e/ou cancelamento de registros imobiliários irregulares, espalhados por quase todo o território paraense, a partir da constatação de falsidade, nulidade ou caducidade dos respectivos títulos de origem, muitos deles assim já declarados por decreto governamental”.

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Para evitar conflitos decorrentes de superposição parcial ou total de títulos utilizou-se o instituto jurídico da permuta. O problema da superposição se dá devido as deficiências de nossa base cartográfica. O Art. 27, VII, § 1º determina que se usem os mapas do Projeto Radam e, onde isso não for possível o mapa do Brasil ao milionésimo. Com certeza hoje tem meios técnicos (sensoreamento remoto) que deveriam ser utilizados para ter dados mais confiáveis. 448

O Art. 23 introduziu um elemento importante de controle nas demarcações: o ITERPA passou a dispor de um quadro técnico próprio de agrimensores e topógrafos com a tarefa de efetuar diretamente as demarcações ou fiscalizar àquelas feitas pelos agrimensores particulares credenciados pelo órgão. A subordinação dos técnicos ao órgão e não mais aos particulares deveria coibir abusos que eram comuns antes. 449 Para sanear as falcatruas e fraudes cometidas nas demarcações anteriores, foi possibilitada a compra das áreas excedentes ocupadas de boa fé.

O Art. 24 proibia a transferência de Títulos Provisórios por atos inter vivos sem a prévia autorização do ITERPA, sob pena do cancelamento do título com perda das benfeitorias existentes. Como se viu (caso da fazenda BRADESCO) este dispositivo ficou letra morta. Em seu comentário à lei de terras LAMARÃO (1980:41) afirmava: “devido ao alto custo do processo de transferência, a experiência demonstrou que as alienações continuam correndo paralelas, sem a interferência do Estado”.

O preço da terra nua deve ser revisto semestralmente por uma apósita Comissão de Avaliação das Terras do Estado (COVATE) (Art. 26).

448 É de se louvar a iniciativa do INCRA de introduzir as modernas técnicas de sensoreamento remoto no cadastramento e identificação dos imóveis. Numa entrevista à revista Fator GIS o presidente do INCRA, Milton SELIGMAN (1998:8-10), apresentou o Sistema de Informações Rurais (SIR), uma iniciativa que abriga o Sistema Nacional de Cadastro Rural (SNCR) estruturado num banco de dados gráficos e literais integrados e geo-refenciados. Seligman afirmou que em 1997/98 serão atingidos 9.100 imóveis e, nos próximos cinco anos, pretende-se recadastrar os 90.000 imóveis classificados como grandes., No futuro se recadastrarão os outros 3,5 milhões de propriedades. 449 Segundo LAMARÃO (1980:31): “A maioria das demarcações eram “feitas na prancheta”, sem fixação no campo, dos seus verdadeiros marcos, rumos e distâncias. Se se comparar uma centena de processos demarcatórios de um município do sul do Pará, por exemplo, verifica-se que todos eles possuem a mesma declinação magnética, as mesmas datas de abertura e encerramento dos trabalhos, os mesmos azimutes, etc. Todos, sem exceção, não eram fiscalizados ou pelo menos conferidos. Dai resultou a imensa bagunça gerada pela incerteza das localizações, pelos excesso incorporados ao primitivo título, pela insegurança dos limites, etc.”.

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Deixou-se de vincular o preço das terras ao salário mínimo (a lei federal n.º 6.205, de 20/04/75, proibia a utilização do salário mínimo como indexador de valores não salariais. Esta medida possibilitou a fixação de valores mais condizentes com a realidade sendo inoportuno continuar a cobrar um valor que se tinha reduzido a 3% do salário mínimo. Em tempo de inflação alta o reajuste semestral foi, porém, fator de significativa diminuição das receitas do ITERPA.

O Art. 27, XII, que reformula o antigo Art. 103, determina que: “Em qualquer processo pendente, sempre que se comprovar a existência de posseiros que tenham morada habitual ou cultivo de lavoura até cem hectares (100 ha), o ITERPA promoverá, “ex ofício” ou a requerimento do interessado, a legalização gratuita, nos termos dos artigos 171 da Constituição Federal e 146, da Constituição Estadual”. Mais uma vez se preserva o direito dos que labutam na terra e que, com o seu suor, a fazem produzir.

O Art. 29 reabria a possibilidade de legitimar os títulos de posse. O tamanho máximo legitimável era até 1.089 ha se o imóvel destinava-se à lavoura e 4.356 ha se estava sendo desenvolvida atividade agropecuária. Confirmava-se assim o que já estava disposto no Art. 8º, § 2º do Decreto n.º 410, de 08/10/1891, confirmado pelo Art. 4º da Lei n.º 1.741, de 18/11/1918 e pelo Art. 254 do Decreto n.º 1.044, de 19/08/1933. Como se pode ver a legislação manteve ao longo do tempo, o mesmo tamanho máximo, sendo assim absolutamente descabível e ilegal, a não ser que se legalize a grilagem, reconhecer valor aos registros de imóveis com áreas superiores a estes tamanhos máximos se os mesmos têm origem num único título. Segundo LAMARÃO (1980:55) durante os primeiros cinco anos de existência do ITERPA foram legitimados só dois títulos de posse.

A certeza de que ninguém iria cancelar os registros falsos gerados a partir dos títulos de posse não legitimados fez com que poucos detentores destes documentos até hoje se tenham preocupado em regularizar sua situação.450

450 Em 1978 o Jornal “Estado de São Paulo” assim descrevia esta realidade: A maioria dos detentores de títulos de posse sujeitos à legitimação, e de títulos definitivos de propriedade de terras no Pará, que ainda dependem de revalidação por estarem irregulares, preferiu não tentar a revalidação administrativa de seus documentos. O prazo para a legitimação das posses e a revalidação dos títulos terminou dia 31 de dezembro de 1977 e, embora tenha sido grande o número de processos protocolados, os técnicos do ITERPA acham que 29 mil posses ficaram sujeitas a cancelamento e mais de 100 títulos à anulação, por não terem sido apresentados em tempo hábil. A área exata que esses documentos abrangem não é

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Uma avaliação mais precisa das atividades desenvolvidas pelo órgão fundiário estadual permitiria detectar quais os pontos de estrangulamento que não lhe dificultam uma maior agilidade na expedição dos títulos que, em certos casos, demoram décadas. Um levantamento de junho de 1995 mostrava a situação dos processos em andamento:Tabela 37: Processos em tramitação no ITERPA em junho de 1997:DOAÇÃO

COLÔNIA

TIT. PROV.

TIT. DEFIN.

LEGITIMAÇÃO

OUTROS

20.762 7.785 307 110 160 371

Fonte: ITERPA

Os 29.495 processos encontravam-se parados, na sua grande maioria, no DTA-2 (19.437) e DCI (6.555). Não tem um levantamento mais recente, mas a enorme quantidade de processos em andamento mostram a dificuldade do órgão em responder as necessidades dos camponeses paraenses.

conhecida, mas calcula-se em 20 milhões de hectares aproximadamente.“ (No Pará, Títulos ilegais deverão ser cancelados, In “O Estado de São Paulo”, São Paulo, 8 de janeiro de 1978, p. 10). Mais de vinte anos depois a situação não mudou muito

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13 - CONCLUSÃO

13.1 A HERANÇA MALDITA

A pesquisa histórica comprovou que, com a descoberta e a conquista, as terras incorporaram-se ao patrimônio do rei de Portugal sendo, portanto, de domínio público. Isso significa que não é qualquer documento que obriga o Estado e terceiros a reconhecer o direito de propriedade apresentado por qualquer um: só um título legítimo, isto é, baseado no respeito às normas legais em vigor, deve ser respeitado. Toda e qualquer transferência que se operou com vícios, deve ser considerada nula de pleno direito e o imóvel em questão será considerado como ainda integrante o patrimônio público podendo o Estado retomar sua posse quando achar necessário. A mudança da estrutura agrária é assim uma possibilidade concreta, pois a análise da legislação em vigor no Brasil mostrou como o ordenamento jurídico desde o começo (lei de sesmaria) defendia a necessidade de que a terra fosse destinada à produzir bens que beneficiassem toda a sociedade e não fosse utilizada para especular. Apesar desta posição formalmente avançada, olhando de perto a prática concreta dos governos que se sucederam ao longo do tempo, descobriu-se que a realidade foi outra. As políticas fundiárias adotadas nestes cinco séculos colidiram frontalmente com os dispositivos legais em vigor concedendo ou alienando terras para um grupo privilegiado de pessoas sem respeitar a legalidade formal prevista pelo ordenando jurídico, dando origem, desta maneira, a um sistema onde a propriedade é altamente concentrada e onde existem milhões de hectares que, apesar de serem propícios à agricultura, estão abandonados. Ao lado destas políticas públicas perversas, a prática criminosa da grilagem, faz com que este sistema careça de qualquer legitimidade. Apesar de sua secular ineficiência e de sua perversidade social, o latifúndio sempre conseguiu encontrar justificativas que jogavam a responsabilidade desta situação nas políticas públicas dos diferentes governos que nunca lhe teriam oferecido os meios para transformar-se em empresas rurais. Com este discurso, e graças ao controle dos meios de comunicação social, transformou-se de vilão em vítima, conseguindo novas regalias e o apoio do poder público. Neste período travou-se uma luta desigual e sangrenta entre camponeses e latifundiários na qual a posse foi o instrumento decisivo adotado pelos sem terra: a ocupação extralegal da terra, conseguida através de uma dura e contínua batalha, permitiu aos trabalhadores rurais conquistar milhões de hectares subtraindo-os do controle dos seus seculares monopolizadores.

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Desde o começo, a história fundiária brasileira se baseia no antagonismo entre os que procuram a terra para nela se estabelecer, trabalhar e sobreviver e cujo único título é seu trabalho, e aqueles que, graças unicamente à sua condição de amigo do rei, encontravam na maneira com a qual eram aplicadas as leis, a defesa e o amparo de suas pretensões.

Apesar de terem sido criadas com a intenção de favorecer o cultivo da terra, as leis que regulamentaram as sesmarias não tiveram, no Brasil, o efeito pretendido, dando origem ao latifúndio. As contingências históricas (país de dimensões continentais, escassez de mão-de-obra e de capitais por parte da coroa para viabilizar uma colonização baseada nas pequenas propriedades, a necessidade de entregar esta tarefa para quem dispusesse de recursos, o sistema político baseado na aristocracia agrária) e a dificuldade de fiscalizar, sobrepuseram-se à vontade do legislador favorecendo a criação de uma estrutura agrária concentradora da propriedade nas mãos de poucos. As próprias determinações de preservar a natureza (as Ordenações Filipinas proibiam a caça e a pesca no período de reprodução dos animais e o desmatamento exagerado punindo quem não controlasse as queimadas) não tiveram nenhum efeito na colônia, pois todos seus bens foram saqueados.

A análise da legislação posterior, também a mais recente como o Estatuto da Terra, mostrou que a responsabilidade da perversa estrutura agrária não é fruto dos textos legais, cujas palavras são normalmente em favor da reforma, mas sim da falta de vontade política de mudar as relações existentes no campo, pois democratizar o acesso à terra implicaria necessariamente no fim de um poder político e econômico baseado na exploração de milhões de brasileiros que, hoje, não têm acesso aos direitos básicos de cidadão.

As profundas mudanças que modificaram significativamente a situação do Brasil nos últimos anos e a expansão do capitalismo no campo criaram um novo estágio nas relações sociais, mas a concentração da propriedade manteve-se como ponto central da estrutura agrária. Pode-se assim concluir que, no Brasil: propriedade de terra e poder político constituem uma simbiose que está na raiz da estrutura da sociedade desde o seu começo. Esta herança maldita foi fruto da aliança política entre os detentores da terra e os detentores do poder. O Estado foi colocado ao serviço de uma classe e não da Nação. A análise histórica permitiu também demonstrar como o governo federal fez uma clara opção pelo ricos, isto é, instaurou uma política elitista que favoreceu os grandes grupos econômicos transferindo-lhes vultuosos recursos públicos (seja através de isenções de impostos que através dos investimentos em grandes obras de infra-estrutura que beneficiavam só alguns privilegiados, em lugar de servir toda a

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coletividade). A mesma lógica perversa que favoreceu os ricos portugueses no tempo da colônia, foi utilizada para beneficiar os novos ricos (esta vez brasileiros e não) no passado recente quando foi ocupada a nova fronteira com a abertura da Belém-Brasília na década de sessenta.

Milhares de hectares de terra foram entregues a tradicionais famílias latifundiárias de São Paulo (como, por exemplo, os Lunardelli), a grandes empresas nacionais (Mendes Júnior, Bradesco, Bamerindus, Banco Real, Atlântica Boa Vista, Supergasbrás, Denasa), e multinacionais (Volkswagen, Pirelli, Nixford, Jarí, etc.) Centenas de oportunistas e aventureiros, disfarçados de investidores, apossaram-se das terras paraenses valendo-se, em muitos casos, de meios escusos, quando não totalmente ilegais. Seja ontem que hoje o Estado foi colocado ao serviço dos homens de posses, permitindo, mais uma vez contra a legislação em vigor, que parcela significativa das terras paraenses fossem vendidas a preço de banana como se diz na linguagem popular, sem qualquer projeto de colonização.

Nossas Constituições, a partir de 1934, introduziram no nosso direito uma atenção toda especial para o social. Esta mesma preocupação é evidente nas constituições de 1946 e 1988 quando se procurou valorizar os direitos dos cidadãos estabelecendo a primazia da sociedade sobre os interesses individuais. O Estado passou a ser aquele que garante a democracia, a liberdade e a igualdade. Um exemplo disso foi a subordinação do direito de propriedade ao interesse social ou coletivo. Viu-se, porém, como as transformações sociais que caracterizaram o Brasil nestes últimos trinta anos levando-o a uma progressiva, e desordenada, urbanização, fizeram crescer o hiato entre a aplicação do direito e a realidade social. Para as classes sociais excluídas do bem-estar, o sistema jurídico atualmente em vigor, com seu formalismo, seus ritos, prazos e protocolos, pouco ou nada interessa pois não responde as suas demandas, mostrando-se inadequado e antiquado, tendo perdido, desta maneira, sua legitimidade e eficácia. É urgente anular este hiato e consolidar um direito que responda às necessidades populares já consagradas nos textos constitucionais.

À luz da Constituição Federal de 1988 (a Constituição Cidadã, nas palavras de Ulysses Guimarães) a defesa dos direitos humanos deixou de ser simplesmente um mito de justiça para se transformar num referencial para toda a sociedade gerando um novo sistema jurídico ou renovando o sistema vigente. O Brasil é chamado a: “construir uma sociedade livre, justa e solidária (...), erradicar a pobreza e a marginalização” (Art. 3º, I e III). Este fato colocou o direito ao serviço da vida, da satisfação das necessidades vitais do homem e abriu o caminho para o reconhecimento da legitimidade da apropriação de um imóvel improdutivo por parte de trabalhadores sem

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terra pois se subtrai aquele imóvel à especulação e ao enriquecimento ilícito dando-lhe sua verdadeira destinação social.

13.2 COMBATE À VIOLÊNCIA: DEFESA DOS DIREITOS HUMANOS

No limiar do terceiro milênio não se pode perder tempo em discussões formais, pois o número assustador de assassinatos e conflitos enumerados neste trabalho é bem inferior ao número de casos realmente acontecidos. Tem-se plena consciência que os dados apresentados são precários e incompletos e só dão uma idéia de uma realidade que é muito mais grave.

Viu-se que o uso contínuo da violência privada facilitou a expansão do latifúndio. A morosidade do aparato judicial em fazer justiça é fonte de novos conflitos, pois a impunidade gera violência. Impunidade que tem sua origem na deliberada omissão do Estado em registrar as ocorrências criminosas que envolvem trabalhadores rurais. As poucas ocorrências, dificilmente deram origem a inquéritos que, em número ainda menor desembocaram em processos e condenação dos responsáveis. A análise dos documentos fornecidos pelo Ministério Público, se de um lado mostra como nos últimos anos realizaram-se alguns Tribunais de Júri que condenaram pistoleiros e intermediários dos crimes fazendo com que o aparato judicial tenha saído da letargia anterior, comprova que é urgente dar uma maior atenção a estes processos, pois na maioria dos casos, repetem-se as informações do ano anterior sem pouco acrescentar. O tempo passa e a punição não chega. É necessário reinterpretar a legislação, pois não é possível que a fuga dos réus impeça o curso da justiça. Se não se podem admitir Tribunais de Exceção que condenem os réus sem que estes possam se defender, não se pode porém tolerar e favorecer a impunidade devido a simples ausência dos acusados.

Todas estas considerações levam a concluir que o Poder Judiciário, a Polícia Civil e a Polícia Militar falharam no cumprimento de sua missão institucional de garantir a segurança de todos os cidadãos, investigar e identificar os responsáveis pelos crimes cometidos contra os trabalhadores rurais e distribuir a justiça. Em muitos casos em lugar de defender a vida e a integridade física dos trabalhadores, os mesmos foram responsáveis pela violação dos direitos humanos que deveriam proteger. As diferentes formas de violência praticadas por policiais, o desrespeito aos Princípios Básicos das Nações Unidas sobre o Uso da Força e Armas de fogo pelos Funcionários Encarregados da Aplicação da Lei que declaram: “No cumprimento de suas funções, os encarregados da aplicação da lei devem, na medida do possível, aplicar meios não violentos antes de recorrer ao uso da

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força e armas de fogo” (ANISTIA INTERNACIONAL, 1998:29), deveriam levar a sociedade brasileira a discutir urgentemente uma reestruturação total do treinamento oferecido aos policiais, cursos de reciclagem e, talvez, à própria desmilitarização da polícia militar.

A análise de alguns dos casos de conflitos permite levantar algumas questões que deveriam ser analisadas pelo poder público:

O Caso de Eldorado do Carajás leva a questionar a não aplicação do princípio da cadeia de comando segundo o qual: “os responsáveis pela ordem, bem como pela realização de operações que resultam em emprego excessivo da força ou execuções extrajudiciais, devem ser submetidos a julgamento” (ANISTIA INTERNACIONAL, 1998:28).

Depois de analisar detalhadamente este massacre, Anistia Internacional chegou a sugerir um programa de 14 pontos para a Prevenção de Execuções Extrajudiciais. O segundo ponto prevê que os oficiais responsáveis na cadeia de comando que ordenem ou tolerem execuções extrajudiciais respondam criminalmente pelos atos de seus subordinados (ANISTIA INTERNACIONAL, 1998:37). A rigorosa adoção deste princípio poderia evitar novos massacres.

Para favorecer investigações isentas é necessário que os serviços de Medicina Legal e Criminalísticas seja independentes dos órgãos policias cuja responsabilidade em crimes, muitas vezes, são chamados a comprovar através de perícias.

Para garantir maior isenção na apuração destes crimes é oportuno agilizar a aprovação da Emenda Constitucional n.º 368, de 1996, de iniciativa do Governo Federal, que permite que: “As autoridades federais assumam investigações e processos de casos de violação de direitos humanos quando as autoridades estaduais se mostrarem incapazes ou pouco inclinadas a empreender uma investigação imparcial (ANISTIA INTERNACIONAL, 1998:30). 451

451 No caso de Eldorado do Carajás o inquérito federal foi instaurado só quatro meses depois do crime apesar do Ministro da Justiça, Nelson Jobim, ter anunciado que 15 agentes da Polícia Federal e três peritos legistas federais seriam enviados imediatamente na área para ajudar nas investigações. ANISTIA INTERNACIONAL (1998:20) afirma que: “Segundo as informações das autópsias parece evidente que pelo menos 10 dos sem terra foram executados extrajudicialmente depois de dominados”. Este mesmo relatório aponta inúmeras falhas do inquérito tais como: “os uniformes policiais não foram recolhidos para testes de manchas de sangue e outras providências, não foram feitos testes químicos das mãos dos milicianos para verificar traços de sangue ou resíduos de disparos de armas de fogo, embora as vítimas tenham sido submetidas a esse teste; as cautelas de armamento do 40

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O aparelhamento da polícia, de maneira especial a Delegacia de Conflitos Agrários, oferecendo-lhe condições operacionais para investigar os casos denunciados e um salário digno 452 é uma necessidade premente, pois durante anos a Delegacia de Conflitos Agrários não teve a disposição um escrivão próprio, telefone, carro que pudessem permitir a agilização das investigações. Mais urgente ainda, porém, é a democratização do aparato policial pois de pouco adiantaria modernizar a infra-estrutura da polícia se a mesma continuar a ser utilizada para proteger os interesses de uma classe social e não do conjunto da sociedade.

O Ministério Público deveria se transformar sempre mais no defensor dos direitos individuais e coletivos preocupado com a sua efetivação, mais de que continuar a ser o “fiscal da lei” no sentido abstrato do termo.

A constante repetição dos atos de violência, além de anestesiar a opinião pública é extremamente perigosa: “Corre-se o risco de transformar a regularidade em regra, consolidando-se o princípio de que a única forma de resolução dos conflitos, numa região em vias de modernização, na qual as autoridades consideram “fraca” a presença do Estado, seria a eliminação física dos antagonistas” (ALMEIDA, 1997b:35).

Desta maneira iria se comprometer não só o respeito às garantias constitucionais, mas a própria sobrevivência do Estado de Direito.

Uma última grave conclusão merece toda a atenção das autoridades nacionais e internacionais, pois, se a resposta a esta pergunta for POSITIVA o Brasil deveria sentar no banco dos réus de um Tribunal Internacional que julgue os crimes contra a humanidade: os repetidos assassinatos de trabalhadores rurais, as várias chacinas perpetradas contra eles devem ser consideradas como casos isolados de crimes cometidos por desajustados

Batalhão da Polícia Militar de Marabá extraviaram-se”. Urge colocar em prática o que era proposto pelo Programa de Governo do Partido dos Trabalhadores nas eleições de 1994 que afirmava: "O Ministério da Justiça, articulado com a Procuradoria Geral da República e os Ministério Públicos estaduais, reativará a averiguação de todos os crimes no campo até agora impunes, criando mecanismos de proteção eficaz de todas as lideranças camponesas, advogados e religiosos que se encontram atualmente ameaçados de morte". (PT, 1994:7).452 A Policia Militar, a não ser em seus altos escalões, é pessimamente paga obrigando os soldados a aceitar, muitas vezes, a fazer bicos para engordar seu salário. Se em Belém é comum ver os PMs dando plantão na porta de estabelecimentos comerciais, no interior a proteção às fazendas é também comum. Em algumas ocasiões foi denunciado que comandantes não repassariam a integralidade do valor das diárias aos soldados retendo até 50% do valor das mesmas.

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sociais (fardados ou não) sem nenhuma relação entre si, ou podem ser interpretados como fruto de uma decisão intencional de agentes do Estado que ameaça a sobrevivência física de um segmento social? Estaríamos diante de um genocídio? Segundo ALMEIDA (1997b:44-45) o fato das autoridades considerarem os trabalhadores rurais sem terra e os índios como “gente de fora”, “população nômade”, isto é, estrangeiros, faz-se acreditar que a culpa da desordem social existente é desta etnia e que sua eliminação física, apesar de ilegal, seria legítima. Associar-se-ia a imagem do sem terra ao bósnio que, pelo próprio fato de pertencer a outra etnia, pode e deve ser exterminado. Quando os sem terra ocupam uma fazenda ou interditam uma estrada o Poder Público se sente no dever de limpar a rua ou imóvel, perpetrando uma verdadeira limpeza étnica. Viu-se que violência e grilagem sempre caminharam juntas e que isso não foi obra do acaso. Comprovou-se que tem razão ASSELIN (1982:128) quando afirma:

“Se a violência é inerente á grilagem, a grilagem é instrumento do Poder, pois foi acobertada, incentivada, encampada e finalmente planejada pelo Governo. (...) A grilagem, há tempo, vem sendo conhecida, pesquisada, denunciada, sem que se tomem medidas capazes de combatê-la. Chega-se, então, a uma conclusão alternativa: o Estado é, ou incompetente, ou cúmplice. Prefiro a segunda opção, pois, se a grilagem não tivesse sido ainda combatida por incompetência, seria muita irresponsabilidade do sistema dominante permanecer no poder até hoje. Por outro lado, acreditar na cumplicidade do governo, que usou a grilagem como instrumento de apropriação das terras devolutas e sua consequente incorporação ao sistema capitalista, é aceitar que o poder atual tem um projeto econômico definido e planejado nos seus mínimos passos”.

Combater a violência e a grilagem passa, assim, a ser um desafio para todos aqueles que querem ver restabelecido o Estado de Direito.

13.3 URGÊNCIA E NECESSIDADE DA REFORMA AGRÁRIA

Durante cinco séculos a intervenção do governo na solução dos conflitos provenientes da exclusão social de milhões de brasileiros à terra, devido à sempre crescente concentração de propriedade, foi aquela de ampliar sempre mais a fronteira agrícola. Agora que as fronteiras se fecharam, que a política de "ocupação dos espaços vazios" se esgotou, é necessário enfrentar os conflitos pela posse da terra revendo a política agrária adotada até hoje. A questão da reforma agrária é uma necessidade urgente para devolver o direito de cidadania a milhões de pessoas, hoje

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afastadas dos direitos elementares como o direito à vida e a uma comida farta. A reforma agrária não deve ser vista como um mero processo de redistribuição de direitos sobre a propriedade rural privada, nem, como entendem alguns economistas, como uma fórmula para permitir a integração dos camponeses ao mercado propiciando uma maior produção, mas é a possibilidade de integrá-los à comunidade política e social.453 Os eixos fundamentais desta discussão deveriam ser: cidadania, combate à fome e ao desemprego, defesa do meio ambiente. Viu-se como o problema não está na legislação, ao contrário, as leis existem até em excesso, mas sim na falta de vontade política de realizar a reforma agrária. Ninguém pode, porém, iludir-se que só as leis, por quanto possam ser avançadas sirvam de sustentação à política de reforma agrária: o fracasso na utilização para este fim do Estatuto da Terra (que trazia em seu bojo a possibilidade de se mudar a perversa estrutura agrária nacional), do Plano Nacional de Reforma Agrária da Nova República (que não chegou a atingir nem 7% de seus objetivos programáticos), do Programa da Terra do governo Collor (que pretendia utilizar cerca de 10 milhões de ha, mas atingiu menos de 2% de sua meta), do Plano Emergencial do Governo Itamar Franco (que pretendia assentar 80 mil famílias e atingiu a meta de 17,50%), mostram que para isso é necessário rever a política governamental. Viu-se também como no caso do Plano Nacional de Reforma Agrária o Estado:

"retira a base legal para as reivindicações dos trabalhadores do campo, exclui do direito à terra milhões de camponeses, consolida o regime fundiário mantido há quatro séculos e institucionaliza um novo tipo de "apartheid" social e político. Como alternativa á reforma agrária proposta pelos movimentos sociais do campo, cria condições legais, econômicas, políticas e institucionais que promovem uma reforma favorável à classe dominante" (PANINI, 1990:216).

Ainda mais que na avaliação de ALMEIDA (1991b):

453 O economista Francisco Graziano, que já foi presidente do INCRA em 1995, defende a idéia de que a reforma agrária não é mais necessária para desenvolver a agricultura nacional. Segundo ele para atender o interesse público seria melhor uma política de emprego, ou até a criação de mecanismos de seguridade social que garantam uma renda mínima aos sem terra e são mais baratos e menos traumatizantes que a política de reforma agrária baseada na desapropriação de imóveis. Ele esquece, porém, que a luta pela terra destes segmentos sociais não é uma luta única e meramente econômica, mas tem uma forte conotação de luta pela inclusão social, luta pela participação ativa na vida econômica e social, que nenhuma política assistencialista irá resolver.

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"Os projetos de assentamento (que no Brasil inteiro beneficiaram 64.280 famílias, isto é 4,59% do previsto) não foram implementados consoante os dispositivos legais e tais famílias encontram-se numa situação de extrema vulnerabilidade, com dificuldades de implementar seus roçados, nas áreas em que foram beneficiados. Não possuem o título de terra, são imensos os obstáculos para colocarem sua produção no mercado e encontram-se subjugados por comerciantes e agiotas".

A política de reforma agrária deve-se integrar às demais políticas governamentais setoriais e gerais. Não se pode entender como, no mesmo tempo em que lei agrária entrava em vigor, por exemplo, eram liberados US$ 100 milhões de dólares como subsídio aos usineiros (valor que permitiria assentar 16.670 famílias). Quantas famílias poderiam ser beneficiadas com os mais de R$ 20 bilhões destinados pelo governo FHC para salvar bancos falidos?

Constatou-se que as realizações do Plano Regional de Reforma Agrária do Pará são das mais modestas: só 16,44% das terras previstas pelas metas oficiais foram desapropriadas. Precisa também observar que neste mesmo tempo o governo federal concedeu, na Amazônia, 10.172.215 ha para os ministérios militares (6.756.307 dos quais no Pará) numa clara contra-reforma agrária que passou sob o silêncio e a omissão da classe política e da sociedade civil organizada (ALMEIDA, 1991b). A falta de reforma agrária faz com que hoje milhares de famílias tenham que sair do Brasil e tentar sobreviver nos países vizinhos, criando uma situação explosiva. O Brasil passou hoje a ser exportador de conflitos agrários, sendo assim uma fonte de desestabilização do continente.

Uma consequência da concentração da propriedade da terra é a aumento da pobreza e da fome fazendo com que mais de 17% do povo brasileiro viva abaixo da linha de pobreza absoluta. 454 É necessário redefinir

454 "Segundo estudos da FAO (1980) 43% das famílias rurais, correspondendo a 3.400.000 famílias e aproximadamente 17 milhões de pessoas (população superior à de 14 dos 20 países latino-americanos) situam-se abaixo da "linha da pobreza absoluta". Conceito cunhado pelos organismos internacionais de desenvolvimento (Banco Mundial, FAO), a "linha de pobreza absoluta" designa níveis de carência de recursos que comprometem a própria reprodução da vida humana. A pobreza rural gera inúmeras consequências: migração campo-campo (germe da violência rural), migração campo-cidade (germe da pobreza urbana, da crise de moradia, do agravamento dos problemas sanitários nas metrópoles, da escalada da marginalidade e da violência nas cidades), subordinação política das massas rurais ao "coronelismo" (...). Com efeito o mesmo estudo da FAO que constatou a existência

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o papel da agricultura transformando-a de fornecedora de divisas, em produtora de alimentos para o mercado interno. Estudos recentes da FAO comprovam que os assentamentos que receberam recursos e nos quais foi viabilizada a criação de uma infra-estrutura mínima, responderam com produção e melhoria de vida dos trabalhadores e suas famílias.455

É por isso que continua necessário lutar para mudar a estrutura agrária do País fixando-se um tamanho máximo para os imóveis rurais. 456

Esta política deveria ter como base a regularização fundiária, isto é a legitimação das posses, o reconhecimento formal das posses legítimas baseadas no trabalho, na exploração efetiva do imóvel. Esta atividade deveria ser precedida de ações discriminatórias que permitissem a separação

dos 17 milhões de pessoas "absolutamente pobres" no campo brasileiro pôde estabelecer uma correlação direta entre grau de pobreza e a grande concentração da propriedade da terra: os municípios que apresentam os maiores índices de pobreza (maior número percentual de pobres entre a população e grau de pobreza maior entre os pobres) são os que ostentam também os maiores índices de concentração da propriedade da terra. (...) O capitalismo, tal como se implantou e vem se desenvolvendo no Brasil, tem se mostrado capaz de transformar a estrutura de produção agropecuária, de melhorar as técnicas produtivas, de aumentar o volume de produção: mas não tem mostrado a mesma capacidade para elevar o padrão de vida da população rural". SAMPAIO (1988:7).455 Uma pesquisa realizada pela FAO em vários Projetos de Assentamento espalhados pelo Brasil inteiro revelou que: “a renda média gerada por uma família de beneficiários da reforma agrária ao nível nacional foi de 3,70 salários mínimos por mês, sendo que na região Norte foi de 4,18 salários mínimos mensais, no Nordeste 2,33, no Centro-Oeste 3,85, no Sudeste 4,13 e no Sul, com a renda mais alta, foi de 5,62, salários mínimos ao mês” (grifos nossos). FAO/PNUD (1992:5) A mesma pesquisa mostra que nos assentamentos a taxa de mortalidade infantil é comparativamente inferior à taxa nacional.456 PANINI (199O:218-219) propõe: “Um plano de reforma agrária que pretenda democratizar as forças e as relações de produção deve priorizar programas que ataquem certas questões consideradas nevrálgicas para a realização do objetivo proposto. Este plano não pode prescindir de suporte jurídico que viabilize a aplicação de medidas consideradas básicas na implantação da reforma: reconhecimento da posse dos pequenos posseiros; fixação do módulo máximo de propriedade; desapropriação dos latifúndios e das áreas excedentes ao módulo máximo, no caso das empresas rurais; desapropriação das terras em poder das multinacionais e dos terratenentes estrangeiros; demarcação das terras indígenas, crédito agrícola especial para os pequenos agricultores, sistema de cooperativas de produção autogestionadas; proibição ao Estado e às empresas privadas de dirigir ou controlar projetos de colonização”.

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entre as terras particulares, reconhecendo-se o direito só das propriedades legitimamente tituladas, e as terras públicas.

Um programa de reforma agrária que queira ser democrático deveria rever todas as políticas públicas para o setor agrícola e abrir o espaço para a participação mais efetiva da sociedade civil no processo de tomada de decisões como propuseram nos últimos anos as entidades promotoras do Grito da Terra Brasil que em suas pautas de reivindicações comprometiam-se a indicar as áreas a serem trabalhadas pelo INCRA.

Só a ação conjunta do governo e da sociedade civil organizada pode hoje reverter este quadro. Por isso é de fundamental importância o bom funcionamento do Conselho Estadual de Política Agrícola, Agrária e Fundiária (CEPAF) que, entre suas atribuições, têm aquela de: acompanhar o trabalho desenvolvido pelo órgão fundiário de rever: “todas as doações, vendas, concessões, autorizações e permissões de uso de terras públicas com área superior a cem ha., realizadas no período de 10 e março de 1954 até a data da promulgação desta Constituição” (Constituição do Estado do Pará, Art. 15 das Disposições Constitucionais Transitórias). Apesar do prazo previsto naquele artigo tenha expirado sem que o poder público cumprisse o ditame constitucional, espera-se que o CEPAF, possa resgatar esta tarefa que poderia devolver ao patrimônio público os milhões de hectares grilados nestes anos, pois, como foi amplamente demonstrado, boa parte das terras que hoje estão em domínio de particulares permanecem públicas, até provar o contrário.

A esperança de que o futuro da Amazônia possa ser melhor surge analisando um fato novo: os TRABALHADORES RURAIS conseguiram nestes últimos anos ocupar a cena política estadual, regional e nacional e apresentar suas propostas que abrangem todos os campos da vida social: política agrária, combate a violência, política agrícola (de maneira especial o apoio à agricultura familiar), saúde, educação, transporte, energia, previdência social. Sobre todos estes assuntos foram apresentadas propostas e pautas de reivindicações, Através dos GRITOS DO CAMPO, do GRITO DA AMAZÔNIA POR CIDADANIA E DESENVOLVIMENTO, e dos GRITOS DA TERRA BRASIL ocuparam as ruas das capitais da Amazônia e do país inteiro reivindicando sua participação no processo decisório das políticas públicas que lhes dizem respeito.

Os trabalhadores questionaram como se deu a ocupação do solo paraense, denunciando que o sangue de centenas de inocentes que foi derramado, poderia ser evitado se se fizesse luz sobre o processo de grilagem pelo qual passou o Estado do Pará e se adotassem as medidas necessárias para combaté-lo. Sugeriram significativas mudanças na política agrária que

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privilegiou a expansão da fronteira, a introdução de novas culturas e a substituição da agricultura tradicional pela pecuária e pela agroindústria de grande porte, mostrando como a agricultura familiar é a alternativa econômica e social mais viável. A luta social dos sem terra encontrou um apoio importante no recente documento do Conselho Pontifício “Justiça e Paz” (1997: n.º 32) que condenou explicitamente o latifúndio como causador de graves distúrbios sociais: “A doutrina social da Igreja, com base na subordinação do princípio da subordinação da propriedade particular à destinação universal dos bens, analisa as modalidades do exercício do direito de propriedade da terra como espaço cultivável e condena o latifúndio como intrinsecamente ilegítimo”.

O futuro do Pará permanece incerto, sobretudo porque as decisões que lhe dizem respeito não são tomadas na região, nem por seus habitantes que continuam submetidos às exigências dos velhos e novos colonizadores. Lúcio Flávio PINTO (1998), depois de ter analisado a conjuntura regional e ter apresentado as mudanças que estão ocorrendo nos diferentes setores da economia (mineração, energia, transporte e agricultura) e os investimentos em curso afirma:

“A consequência lógica desses investimentos é a intensificação da corrida as terras, com o incremento da incorporação de novas áreas de fronteira. Isto significa que o índice de desmatamento, em alta desde 1991, crescerá ainda mais. (...) Essa nova realidade com práticas bem atrasadas e brutais, como a grilagem de terras, o conflito fundiário e mortes decorrentes dessa disputa, com tendência a ser resolvida pelo confronto direto entre as partes, diante da ineficiência do governo. (...) Os próximos anos serão de fogo no Pará, literalmente e em seu amplo sentido figurado”.

Para evitar novas tragédias e derramamentos de sangue seria necessário que todos se convencessem que a propriedade é um feixe de deveres mais do que de direitos e que á luz da Constituição Federal de 1988 a função social não uma simples limitação externa ao direito de propriedade, algo que lhe foi colado como um adesivo postiço, mas é um elemento constitutivo, essencial, tanto que uma propriedade que não cumpra sua função social deve ser considerada como uma “impropriedade”. 457

Na virada do milênio a sociedade brasileira tem a oportunidade histórica de realizar a reforma agrária: oxalá que não a desperdice. 458

457OLIVEIRA (1998) utiliza a expressão: “função social ambiental” para caracterizar o conceito de propriedade previsto pela CF 88.

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O autor tem plena consciência dos limites do presente estudo, os temas aqui abordados carecem de um ulterior aprofundamento que extrapola, porém uma simples dissertação como esta.

Finalizando constata-se que todas as tentativas feitas até hoje para mudar a situação fundiária baseada no privilégio, na impunidade e ilegalidade, através de instrumentos democráticos foram frustradas pela reação autoritária e violenta das classes dominantes. O Poder Público e as elites brasileiras não deveriam, porém, esquecer uma célebre frase do presidente dos EUA, John Kennedy (apud MENDONÇA, 1984): "Aqueles que fazem a reforma pacífica impossível, tornam a mudança violenta inevitável".

458 Em novembro de 1995 SILVA, pouco tempo antes de falecer, deu uma palestra na qual, depois da analisar o quadro institucional, a posição das organizações dos trabalhadores, as posições dos intelectuais, do governo, dos que estavam a favor e contra a reforma sustentava que o Brasil tinha as condições necessárias para que fosse realizada a reforma agrária.

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UZTARROZ, et al. Amazonie. la foire d' empoigne. Paris: Autrement. 1991.VARELLA, Marcelo Dias. Introdução ao direito à reforma agrária. O

direito face aos novos conflitos sociais. Leme (SP): Editora do Direito. 1998.

VIANNA, Arthur. Catálogo nominal das sesmarias. Annaes da Bibliotheca Pública. Belém: Instituto Lauro Sodré. t. III. 1904.

VV.AA. Trabalho Escravo no Brasil Contemporâneo. São Paulo: Comissão Pastoral da Terra e Loyola, 1999.

XAVIER Flávio Sant´Anna, Notas sobre o Instituto do Imóvel Rural e o Direito Agrário, In SILVEIRA, Domingos Sávio Dresh da e XAVIER Flávio Sant´Anna (ORGA.), O Direito Agrário em debate, Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1998, pp. 26-53.

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WAGLEY, Charles, Uma comunidade amazônica. Estudo do homem nos trópicos, São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1957.

Além dos textos acima foram consultadas as 1.115 pastas de conflitos arquivadas no setor de Documentação do Secretariado Regional da CPT Pará-Amapá e os seguintes boletins e jornais:

Boletins:O Grito da PA-150Puxirum (Boletim informativo da CPT Norte II)Revista Produtor Rural, 2000

Jornais:O Liberal. Belém (PA).A Província do Pará. Belém (PA).O Diário do Pará. Belém (PA).O Estado do Pará. Belém (PA).O Popular (Goiânia - GO).O São Paulo (São Paulo - SP).A Folha de São Paulo, (São Paulo - SP).O Estado de São Paulo, (São Paulo - SP).O Movimento (São Paulo - SP).Diário da Manhã.

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Page 447: TRECCANI_Grilagem Forma Aquisicao Terra Para

Na elaboração do quadro relativo às áreas em conflito foram consultados dezenas de ofícios remetidos pela CPT, Sindicatos e FETAGRI para o INCRA e o ITERPA bem como as pautas dos Gritos:

Grito do campo Pela não violência no capo. Pela reforma agrária. Belém 30 de abril de 1991.

II GRITO DO CAMPO, Belém agosto de 1991.III GRITO DO CAMPO, Belém maio de 1992.I GRITO DA AMAZÔNIA por cidadania e desenvolvimento. Belém. maio

de 1993.I GRITO DA TERRA BRASIL contra a fome, a miséria e pelo emprego.

Belém. maio de 1994.II GRITO DA TERRA BRASIL. Belém. junho de 1995.III GRITO DA TERRA BRASIL pela valorização da agricultura familiar,

reforma agrária e emprego. Belém. maio de 1996.IV GRITO DA TERRA produção familiar rural, desenvolvimento da gente. Belém. maio de 1997.

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Page 448: TRECCANI_Grilagem Forma Aquisicao Terra Para

Anexo 1: : Data de concessão e confirmação das sesmarias no Estado do Grão ParáANO CON CONF PA

n0PAha

TUn0

TURI ha

MAn.º

MAha

PIn0

PIha

TOTALha

MÉDIAPARÁ

ha

MÉDIAREG

ha1625-1700 1

1701-1705 4 2 2 1.361 1.361 681 681

1706-1710 6 2 2 13.340 13.340 6.670 6.670

1711-1715 5 4 3 14.157 1 6.534 20.691 4.719 5.173

1716-1720 16 2 2 27.225 27.225 13.613 13.613

1721-1725 80 41 32 117.154 8 115.852 1 13.068 246.074 3.661 6.002

1726-1730 359 46 25 100.975 21 240.886 341.861 4.039 7.432

1731-1735 199 83 62 341.977 15 162.478 6 78.408 582.863 5.516 7.022

1736-1740 217 84 73 434.560 7 68.607 4 52.272 555.439 5.953 6.612

1741-1745 343 70 42 246.122 6 87.120 22 287.496 620.738 5.860 8.868

1746-1750 221 86 36 189.367 14 137.217 36 460.643 787.227 5.260 9.154

1751-1755 73 32 14 69.696 8 93.654 10 127.413 290.763 4.978 9.086

1756-1760 30 16 9 57.717 7 87.120 144.837 6.413 9.052

1761-1765 52 37 37 308.731 308.731 8.344 8.344

1766-1770 60 31 31 253.826 253.826 8.188 8.188

1771-1775 42 1 1 6.534 6.534 6.534 6.534

1776-1780 48

1781-1785 35

1786-1790 38 4 2 17.968 2 34.848 52.816 8.984 13.204

1791-1795 39 3 3 34.848 34.848 11.616 11.616

1796-1800 21 4 2 14.157 2 26.136 40.293 7.079 10.073

1801-1805 77 5 5 59.895 59.895 11.979 11.979

ANO CON CONF PAn0

PAha

TUn0

TURI ha

MAn.º

MAha

PIn0

PIha

TOTALha

MÉDIAPARÁ

MÉDIAREG

44

Page 449: TRECCANI_Grilagem Forma Aquisicao Terra Para

ha ha

1806-1810 42 3 2 27.225 1 13.068 40.293 13.613 13.431

1811-1815 6 2 2 26.136 26.136 13.068

1816-1820 43 1 1 8.712 8.712 8.712 8.712

1821-1825 83 1 1 17.424 17.424 17.424

1825-1830

1831-1835

1836-1840 1

Sem data 17

TOTAL 2.158 560 386 2.345.547 8 117.612 87 999.468 79 1.019.300 4.481.927 6.077 8.003

Fonte: Autor a partir dos dados de VIANNA (1904:5-149) scaneados por Allison Gomes e Ricardo Mello

44

Page 450: TRECCANI_Grilagem Forma Aquisicao Terra Para

Anexo 2: Comunidades remanescentes de quilombo no Estado do Pará: levantamento preliminar (dezembro 2000)Grande Belém e

GuajarinaBragantina e Salgado Tocantins Marajó e Ilhas Médio e Baixo

AmazonasAbaetetuba (11) Augusto Correa (2) Bagre (3) Anajás (1) Alenquer (1)

Acaraqui Nossa Senhora do Perpétuo Socorro (18)

Peroba (*) Baliero (REL) (4c) Comunidade do Lago Pacoval (T2)

Alto Itacuruça Nossa Senhora do Perpétuo Socorro (23)

Serena Porto de Oeiras (REL) (7)

Baixo Itacuruça Nossa Senhora de Nazaré (17)

Tatituquara (REL) (7) Gurupá (10) Itaituba (1)

Igarapé São João Nossa Senhora do Pau Podre (16)

Bonito (3) Alto Ipixuna (T11) Miritituba

Rio Açacu Nossa Senhora do Bom Remédio (19)

Cuxiú Baião (16) Alto Pucurui (T11)

Rio Arapapuzinho São Sebastião (21)

Mururé Araquembaua (REL) (4b)

Bacá do Ipixuna (T11) Monte Alegre (1)

Rio Genipauba Sagrado Coração de Jesus (20)

Pau Amarelo Bailique Beira (REL) (4a)

Camutá do Ipixuna (T11)

Piafú

Rio Tauerá-Açu Sant´Ana (22)

Baixinha (REL) (4b) Carrazedo (T11)

Piratuba Boa Vista (REL) (4c) Flexinha (T11) Óbidos (13)

São José Bragança (1) Calados (REL) Gurupá Miri (T11) Apui (T9)

45

Page 451: TRECCANI_Grilagem Forma Aquisicao Terra Para

Terra Alta Urubutingal Campelo (REL) (4b) Jocojó (T11) Arapucu

Grande Belém e Guajarina

Bragantina e Salgado Tocantins Marajó e Ilhas Médio e Baixo Amazonas

Cachoeira do Piriá (12)

Cardoso (REL) Maria Ribeira (T12) Castanhanduba (T9)

Acará (9) Alto Bonito Joana Peres (REL) Médio Ipixuna (T11) Cuecé (T9)

Boa Vista do Acará (REL)

Aningal (10) Pampolonia (REL) (4b) Igarapé dos Lopes

Espírito Santo (REL) (3)

Bela Aurora (REL) Paritá Miri (REL) (4c) Ponta de Pedra (2) Matá (T9)

Fortaleza Bela Vista (REL) Prainha (REL) Bacabal Modongo

Guajará Miri (REL) (3) Boa Vista do Gurupi Santa Fé Santana do Arari Muratubinha

Itacoã Miri (REL) (3) Camiranga (REL) (4) Taperuçu (REL) (7) Nossa Senhora das Graças

Itancuazinho (REL) Igarapé de Areia Umarizal Beira (REL) (4c)

Salvaterra (4) Patauá do Umirizal

Jacaréquara (REL) Itamauri (T6) e (10) Revisão

Varzinha (REL) (4b) Bacabal (28) Peruana

Maracujá (REL) Jibóia Vila Dutra (REL) Caldeirão São José (T9)

Santa Quitéria (REL) Mina Alegre Deus Ajude (30) Silêncio do Matá (T9)

Pacal (10) Cametá (11) Mangueiras (29)

Rua Nova Carapajó (REL)

Ananindeua (1) Curuçambaba (REL) Soure (1) Oriximina (27)

45

Page 452: TRECCANI_Grilagem Forma Aquisicao Terra Para

Abacatal (T8) e (3) Revisão (REL)

Capitão Poço (1) Juaba (REL) Santa Cruz da Tapera Abuí (4)

Grande Belém e Guajarina

Bragantina e Salgado Tocantins Marajó e Ilhas Médio e Baixo Amazonas

Narcisa (11) Itabatinga (REL) Acapu (T7 e 10)

Belém (1) Castanhal (2) Maracú (REL) Água Fria (T3)

Com. Bahia do Sol Itaboca Mola (REL) Araça (T7 e 10)

Pitimandeua Mupí (REL) Arancuan de Baixo (T4 e T5)

Bujaru (1) Porto Alegre (REL) Arancuan de Cima (T4 e T5)

São Judas Tadeu (26) Tapucu Arancuan do Meio (T4 e T5)

Inhangapi (1) Tomázia (REL) Bacabal (T4 e T5)

Concórdia do Pará (4) Pernambuco Vila do Carmo (REL) Boa Vista (T1)

Cravo (15) Boa Vista-Cuminá (T7 e 10)

Curuperé (13) Irituia (4) Igarapé Miri (1) Espírito Santo (T7 e 10)

Igarapé Dona (12) Maracaxeta (*) Vila Maiuatá Jamari

Santo Antônio (14) Retiro (*) Jarauacá (T4, T5, T7 e 10)

São José do Patauateua (*)

Oeiras do Pará (16) Jauari (T7 e 10)

Moju (4) Santo Antônio (*) América (REL) Juquiri

45

Page 453: TRECCANI_Grilagem Forma Aquisicao Terra Para

Caeté - África (24) Bailique Centro (REL) (4a)

Juquirizinho

Grande Belém e Guajarina

Bragantina e Salgado Tocantins Marajó e Ilhas Médio e Baixo Amazonas

Laranjituba (25) Santa Izabel (8) Carara (REL) (4b) Mãe-Cué (1)

Olho d'Água ou Jupuuba

Apeteua Costeiro (REL) Moura

Sítio Bosque Boa Vista do Itá (*) (31)

Cupú (REL) (4b) Pancada (T7 e 10)

Conceição do Itá França (REL) (4b) Palhal

Comunidades cuja localização é

desconhecida (12)

Mocambo Igarapé Preto (REL) (4b)

Paraná do Abuí (1)

Acari Santa Luzia - Macapazinho (27)

Igarapezinho (REL) (4b)

Sagrado Coração (1)

Apé São Francisco Itaúba (REL) Serrinha (T4 e T5)

Apolinário Travessão Poção (REL) (4a) Tapagem (1)

Arariquara Vila do Carmo Rio Branco (REL) (10) Último Quilombo do Erepecuru

Cuipeua Rio Preto (REL) Terra Preta II (T4 e T5)

Curuá Santa Luzia do Pará (4)

São Bernardo (REL) (4a)

Varre Vento (T7 e 10)

Estrada de I Bec Pimenteira Teofilo (REL) (4b)

Mateus Pau d´ Arco Timbó (REL) Santarém (6)

45

Page 454: TRECCANI_Grilagem Forma Aquisicao Terra Para

Mussura Lage Umarizal Centro (REL) (4c)

Arapemã

Nhamundá Murutazinho Bom Jardim

Grande Belém e Guajarina

Bragantina e Salgado Tocantins Marajó e Ilhas Médio e Baixo Amazonas

São Pedro Mocajuba (9) Murumuru

Salgado São Miguel do Guama (5)

Icatú (6) Murumurutubá

Menino Jesus Itabatinga (REL) (6) Saracura

Nossa Senhora de Fátima

Mangabeira (REL) (6) Timingú

Santa Rita da Barreira Porto Grande (REL) (6)

42 - São Luis São Benedito do Vizeu (REL) (6)

São Pedro de Crareua Santo Antônio do Vizeu (REL) (6)Tambaí Açu

Viseu (5) Uxizal (REL) (6)

João Grande Vizania (REL) (6)

Pau de Remo

São José do Piriá (REL)

Serra do Piriá (REL)

Siteua

45

Page 455: TRECCANI_Grilagem Forma Aquisicao Terra Para

Grande Belém e Guajarina

Bragantina e Salgado Tocantins Marajó e Ilhas Médio e Baixo Amazonas

Não estudadas: 34 Não estudadas: 37 Não estudadas: 5 Não estudadas: 18 Não estudadas: 22

Relatório: 9 Relatório: 5 Relatório: 51 Relatório: Relatório:

Monografias(*): 6 Castro & Azevedo: 27:

Processo em tramitação: 19

Processo em tramitação: 6

Processo em tramitação: 30

Processo em tramitação: 4

Processo em tramitação: 5

Tituladas: 1 Tituladas: 1 Tituladas: Tituladas: 9 Tituladas: 23

TOTAL: 43 TOTAL: 48 TOTAL: 56 TOTAL: 18 TOTAL: 49

Áreas não estudadas: 116Áreas objeto de monografia (*): 6Áreas com Relatório concluído (REL): 65Estudos Edna Castro e Rosa Azevedo: 27TOTAL: 214 comunidades; 36 municípios

FONTE: PESQUISA REALIZADA PELO NAEA/UFPA COORDENADA POR EDNA CASTRO E ROSA AZEVEDOARQMOCEDENPA

45

Page 456: TRECCANI_Grilagem Forma Aquisicao Terra Para

PROCESSOS EM TRAMITAÇÃO NO ITERPA

(1) 1999/234785, de 27/12/99: Alto Trombetas(2) 1999/172148, de 21/09/99: Gurupá: título entregue 28/07/2000(3) 1999/228840, de 14/12/99: Guajará Miri, Neste processo foi apenso o de Itancuã Miri (2000/8891, de 18/01/2000) e Espírito Santo(4a, 4b, 4c) 1999/178762, de 29/09/99: Baião, Bagre e Oeiras(5) 2000/32486, de 23/02/2000: Abacatal(6) 1999/119303, de 06/07/99: Mocajuba(7) 1999/200789, de 04/11/99: Itamauari(8) 1999/208353, de 16/11/99: Camiranga(9) 1999/20719, de 16/11/99: Maria Ribeira: título entregue 20/11/2000(10) 1999/200750, de 04/11/99: Pacal e Aningal(11) 2000/148592 (25/07/00): Narcisa (Capitão Poço)(12) 2000/166523 (17/08/00): Igarapé Dona (Concórdia do Pará)(13) 2000/166453 (17/08/00): Curuperé (Concórdia do Pará)(14) 2000/166534 (17/08/00): Santo Antônio (Concórdia do Pará)(15) 2000/166509 (17/08/00): Cravo (Concórdia do Pará)(16) 2000/166407 (17/08/00): Igarapé São João (Abaetetuba)(17) 2000/166425 (17/08/00): Baixo Itacuruça (Abaetetuba)(18) 2000/166544 (17/08/00): Acaraqui (Abaetetuba)(19) 2000/166446 (17/08/00): Rio Açacu (Abaetetuba)(20) 2000/166572 (17/08/00): Rio Genipauba (Abaetetuba)(21) 2000/166579 (17/08/00): Rio Arapapuzinho (Abaetetuba)(22) 2000/166557 (17/08/00): Rio Tauaré-Açu (Abaetetuba)

45

Page 457: TRECCANI_Grilagem Forma Aquisicao Terra Para

(23) 2000/166492 (17/08/00): Alto Itacuruça (Abaetetuba)(24) 2000/166602 (17/08/00): Caeté - África (Moju)(25) 2000/166608 (17/08/00): Laranjituba (Moju);(26) 2000/166592 (17/08/00): São Judas Tadeu (Bujaru)(27) 2000/169594 (22/08/00): Comunidade São Lucas - Macapazinho (Santa Isabel)(28) 2000/175898 (29/08/00): Bacabal (Salvaterra)(29) 2000/175882 (29/08/00): Mangueiras (Salvaterra)(30) 2000/175919 (29/08/00): Deus Ajude (Salvaterra)(31) 1999/229672 (15/12/99): Boa Vista do Itá (Santa Isabel)(32) 1999/165113 (22/04/99): Santa Fé (Baião)

45

Page 458: TRECCANI_Grilagem Forma Aquisicao Terra Para

Anexo 3: Número de famílias assentadas na região norte entre os anos 70 e 81. ANO

/ REG

70 71 72 73 74 75 76 77 78 79 80 81 TOTAL

PA 12 636

3.575

1.606

1.732

986 746 1.674

577 481 2.680 1.210

15.915

% 100 100

83,98

36,37

47,37

25,27

20,28

50,70

13,81

16,72

15,03 21,98

29,34

RO ---- --- 682 2.810

1.836

2.788

2.887

1.613

3.600

1.871

13617 660 32.364

% --- --- 16,02

63,63

50,22

71,45

78,47

48,85

86,19

65,06

76,38 11,99

59,66

AC --- --- --- --- --- --- --- --- --- 472 1.128 3.199

4.799

% --- --- --- --- --- --- --- --- --- 16,41

6,33 58,12

8,85

AM --- --- --- --- 88 128 46 15 --- 52 --- --- 329% --- --- --- --- 2,41 3,28 1,25 0,45 --- 1,81 --- --- 0,61RR --- --- --- --- --- --- --- --- --- --- 403 435 838% --- --- --- --- --- --- --- --- --- --- 2,26 7,91 1,54NOR 12 63

64.25

74.41

63.65

63.90

23.67

93.30

24.17

72.87

617.828 5.50

454.245

Fonte: Autor a partir de dados de BRASIL (1983b:15); OLIVEIRA (1990:96-97) e BRASIL (1981).

45

Page 459: TRECCANI_Grilagem Forma Aquisicao Terra Para

Anexo 4

PARÁ: Censos 1940-1996: número de estabelecimentos e área ocupada

1940 1950 1960 1970 1975 1980 1985 1995/96

N0 % N0 % N0 % N0 % N0 % N0 % N0 % N0 %

- 100 50.188 86,33

54.888 91,68

73.810 88,73

132.023 93,34

168.236 89,99

195.816 87,51

213.654 84,37

169.273 82,01

100 - 500 5.101 8,77 3.786 6,32 5.171 6,22 5.944 4,20 16.161 8,64 24.127 10,78

34.520 13,63

32.135 15,57

500 - 2000 2.058 3,54 799 1,33 897 1,08 1.053 0,74 1.569 0,84 2.279 1,02 2.913 1,15 3.478 1,68

2.000 - 5.000

320 0,55 232 0,39 242 0,29 549 0,39 670 0,36 698 0,31 1.261 0,50 894 0,43

+ 5.000 237 0,41 146 0,24 83 0,10 198 0,14 303 0,16 383 0,17 364 0,14 419 0,21

Sem Decl. 231 0,40 26 0,04 2977 3,58 1.675 1,19 15 0,01 459 0,21 510 0,21 205 0,10

Total 58.135 100 59.877 100 83.180 100 141.442 100 186.954 100 223.762 100 253.222 100 206.404 100

ÁREA % ÁREA % ÁREA % ÁREA % ÁREA % ÁREA % ÁREA % ÁREA %

- 100 992.560 9,84 1.078.613

16,36

1.346.353

25,63

2.276.673 21,17

3.173.432 19,63

4.231.173 20,69

4.865.820 19,68

4.328.158 19,21

100 - 500 1.109.141 11,00

734.902 11,15

1.053.421

20,05

1.111.350 10,33

2.413.774 14,93

3.425.516 16,75

4.890.514 19,78

5.161.966 22,92

500 - 2000 2.233.598 22,16

742.345 11,25

767.398 14,61

994.147 9,24 1.490.017 9,22 2.050.434 10,03

2.914.429 11,79

3.139.971 13,94

2.000 - 5.000

1.196.646 11,87

768.170 11,65

799.563 15,22

1.812.735 16,86

2.096.316 12,96

2.158.384 10,56

3.781.791 15,28

2.752.029 12,23

+ 5.000 4.550.082 45,13

3.269.369

49,59

1.286.537

24,49

4.559.923 42,40

6.993.194 43,26

8.582.543 41,97

8.275.292 33,47

7.138.104 31,70

Total 10.082.027 100 100 100 5.253.272

100 10.754.828 100 16.166.733 100 20.448.050 100 24.727.846 100 22.520.228 100

45

Page 460: TRECCANI_Grilagem Forma Aquisicao Terra Para

Fonte: FIBGE

46

Page 461: TRECCANI_Grilagem Forma Aquisicao Terra Para

Anexo 5: Título registrado pelo Cartório de Registros de Imóveis de São Miguel do Guamá

46

Page 462: TRECCANI_Grilagem Forma Aquisicao Terra Para

ANEXO 6: AÇÕES DE CANCELAMENTO AJUIZADAS PELO ITERPA (1993-1999)DATA N.º

PROC.RÉU IMÓVEL N.º MATR. ÁREA (HA) MUNICÍPIO

17/10/98 317/962ª Vara

Agropecuária Fazenda Urubu - KRAMM Assessoria e Planejamento Ltda.

Seringal Yucatan

Transc. 053 (Fls. 31/32), Livro 03 e Mat. nº 4.427 (Fls. 199/200 e v.), Livro 3-L

1.630.000,00 Altamira

24/04/96 140/962ª Vara

Aparecida Garcia Veiga

S/Denominação 12.428, Fls. 093 Livro 2-AO,

4.356 Altamira

30/08/96 270/962a Vara

Ind. Com. Exp. E Nav. Do Xingú - INCENXIL

Gleba Curuá 6.411 e averbações posteriores, constante das Fls. 039, Livro 2-V

4.772.000,00 Altamira

24/04/96 141/96 2ª Vara

José Basílio de Araújo e Maria Ramos Melo

S/Denominação 11.006, Fls. 140, Livro 2-AK

4.356,00 Altamira

24/04/96 142/96 2ª Vara

José Pantoja de Freitas

S/Denominação 12.385, Livro 2-AO

4.356,00 Altamira

26/08/97 337/97 Raimundo Ciro de Moura e Maria Neto de Moura

Seringal Belo Horizonte

1249, Fls.35, Livro 2-G

279.375,50 Altamira

26/08/97 336/97 Raimundo Ciro de Moura e Maria Neto de Moura

Seringal Humaitá

21.060, Fls. 226, Livro 2-AAL

133.320,00 Altamira

46

Page 463: TRECCANI_Grilagem Forma Aquisicao Terra Para

DATA N.º PROC.

RÉU IMÓVEL N.º MATR. ÁREA (HA) MUNICÍPIO

17/10/98 293/962ª Vara

Raimundo Ciro de Moura e Maria Neto de Moura

Seringal Monte Alegre

21.013, Fls. 172, Livro 2-AAL

329.600,00 Altamira

17/08/94 Ramez Said MaKaren

Seringal São Gonçalo Santo Antônio e Nazaré

163.825,00 Altamira

31.08.99 387/991ª Vara

Domingos Rangel Filho (falecido) e Irani Cipriano Rangel

Tauary (Bacuri) 444, Fls. 145, Livro 2-A

1.761 Castanhal

15/03/96 ..../96 José Gonçalves de Andrade

S/Denominação 695, Fls. 87, Livro 2

4.356,00 Gurupá

27/06/96 ..../96 Erivaldo Dias da Silva

S/Denominação 3.141, Fls. 190, Livro 2-7

104,09 Marapanim

27/06/96 ..../96 Raimundo Rosário Silva

S/Denominação 1825, Fls. 6v, Livro 2-6

141,00 Marapanim

.../94 935/941ª Vara

José Roberto Barbosa de Vilhena e Antonieta Maria de Carvalho Almeida Prado Barbosa de Vilhena

Fazenda Cairapy-Porã

1370 e 3.453, Fls. 100, Livro 3-D.OBS. Sentença prolatada em 18 de outubro de

178.000,00 Moju

46

Page 464: TRECCANI_Grilagem Forma Aquisicao Terra Para

e Madeireira e Agropecuária Paraíso do Equador Ltda.

1995, julgando procedente a ação.

DATA N.º PROC.

RÉU IMÓVEL N.º MATR. ÁREA (HA) MUNICÍPIO

04/12/97 Guilhermina Machado e Goiânio Borges Teixeira

S/Denominação 4.137,84 Ourém

16/07/98 José Walter Força e Marco Antonio Barros Lima

S/Denominação 5.422, Fls. 91 e 5.433, Fls. 102, Livro 2-L

4.137,84 Ourém

17/08/95 Josiel Rodrigues Martins

S/Denominação 3.190,00 Ourém

Brasimadeiras Exportação e Importação Ltda.

Fazendas Reunidas Rio Pacajá

78.408,00 Portel

07/10/97 ..../97 Cícero José Teixeira Costa de Sá

S/Denominação 1.034, Fls. 1.034, Livro 2-C

500,00 Portel

21/02/95 José Gonçalves de Andrade

S/Denominação 4.356,00 Porto de Moz

21/02/95 Rita Caldeira S/Denominação 4.356,00 Porto de MozCarlos Medeiros Vários Imóveis 10.000.000,00 São Félix do

Xingu13/02/95 Aparecida Garcia S/Denominação 4.356,00 São Félix do

46

Page 465: TRECCANI_Grilagem Forma Aquisicao Terra Para

Vieira Xingú02/05/95 926/95 Carlos Roberto

Valente e Viviane Lobo Santos Valente

Fazenda Arara Fls. 06. Livro 2-G

4.356,00 São Félix do Xingú

DATA N.º PROC.

RÉU IMÓVEL N.º MATR. ÁREA (HA) MUNICÍPIO

21/05/97 Dalva Aparecida Lazarini

Faz. Rio Aquiri 1.249, Fls. 35, Livro 2G

4.356,00 São Félix do Xingú

20/07/95 Deusdedit Prestes Junior

S/Denominação 1.241, Fls. 027, Livro 2-G

4.356,00 São Félix do Xingú

09/12/98 238/98 Fernando Loureiro S/Denominação 0945, Fls. 128, Livro 2E

4.356,00 São Félix do Xingú

30/07/97 Gregório Lima dos Santos

S/Denominação 0944, Fls. 127, Livro 2-E

4.356,00 São Félix do Xingú

16/10/97 José Augusto Moura de Oliveira

Projeto Trairão 2.918,00 São Félix do Xingú

24/04/96 José Basílio de Araújo e Maria Ramos Melo

S/Denominação 4.356,00 São Félix do Xingú

20/03/96 José Pantoja de Freitas

S/Denominação 4.356,00 São Félix do Xingú

20/03/96 José Pantoja Freitas S/Denominação 4.356,00 São Félix do Xingú

30/07/97 176/97 Jovelino Nunes Faz. Carapanã Trans. 1.498, Fls. 3.882.980,60 São Félix do

46

Page 466: TRECCANI_Grilagem Forma Aquisicao Terra Para

Batista 89, Livro 2H Xingú21/05/97 Marinho Cezário

Neto e José D. Prudente Oliveira

S/Denominação 0233, Fls. 12 e 0224, Fls. 13, Livro 2-B

4.356,00 São Félix do Xingú

26/07/95 Nilson Alves S/Denominação 4.356,00 São Félix do Xingú

DATA N.º PROC.

RÉU IMÓVEL N.º MATR. ÁREA (HA) MUNICÍPIO

24/04/96 Nilson Alves S/Denominação 4.356,00 São Félix do Xingú

19/06/96 Ramez Daid Makared

S/Denominação 163.825,00 São Félix do Xingú

30/07/97 Reginaldo de Oliveira

S/Denominação 0943, fls.126, Livro 2-E

4.356,00 São Félix do Xingú

30/07/97 Zeferino Borges de Oliveira

S/Denominação 1.444 Livro 2H 4.356,00 São Félix do Xingú

18/05/99 ..../99 Luciano Chaves Franco

S/Denominação 519, Livro 2-C, Fls. 26

22.860,98 Senador José Porfírio

18/05/99 ..../99 MADESTELO INDÚSTRIA COMÉRCIO E EXPORTAÇÃO LTDA

S/Denominação 516, 517 e 518, Livro 2-C, Fls.. 23, 24 e 25

23.850,70 Senador José Porfírio

17/12/96 037/98 Raimundo Figueiredo Leal e

S/Denominação 1.745, Livro 2-EE 1, Fls.57

271,82 Soure

46

Page 467: TRECCANI_Grilagem Forma Aquisicao Terra Para

Raimundo Conceição dos SantosTOTAL 42 AÇÕES 21.762.327,37

FONTE: DEPARTAMENTO JURÍDICO DO ITERPA

46

Page 468: TRECCANI_Grilagem Forma Aquisicao Terra Para

Anexo 7COMPOSIÇÃO SOCIETÁRIA DA INCENXIL

46

INCENXIL

RONDON AGROPECUÁRIA LTDA Roberto B. de Almeida

RONDON PROJETOS ECOLÓGICOS LTDA

RONDON S/A TB TRANSPORTADORA DE BETUMES Ltda.

PATER Adm. e Participações Ltda e Denyse B. de Almeida etc.

PATER Adm. e Participações Ltda

BOSCA Distribuidora de Asfalto Ltda

PATER Adm. e Participações Ltda e Denyse B. de Almeida etc.

Denyse B. de Almeida etc.

Page 469: TRECCANI_Grilagem Forma Aquisicao Terra Para

INDÚSTRIA COMÉRCIO EXPORTAÇÃO E NAVEGAÇÃO DO XINGU - INCENXIL

Rondon Agropecuária Ltda. 475.000,00Roberto Beltrão de Almeida 25.000,00TOTAL 500.000,00

RONDON PROJETOS ECOLÓGICOS LTDA. (anteriormente Rondon Agropecuária Ltda.)

RONDON S/A 18.761300,00TB TRANSPORTADORA DE BETUMES Ltda. 237.500,00Denise Beltrão de Almeida Cassou 169,00Roberto Beltrão de Almeida 169,00César Beltrão de Almeida 169,00Guilherme Beltrão de Almeida 169,00Marcelo Beltrão de Almeida 168,00Renata Pernetta Almeida Bertoldi 119,00Ana Cecília Pernetta Almeida 119,00Henrique de Rego Almeida Filho 118,00TOTAL 19.000.000,00

RONDON S/APATER Adm. e Participações Ltda (Quotas)

205.990.764BOSCA Distribuidora de Asfalto Ltda. (Quotas)

33.400.000TOTAL 539.990.784

TB TRANSPORTADORA DE BETUMES LTDA.PATER Adm. e Participações Ltda 2.511.737,00Denise Beltrão de Almeida Cassou 24.388,00Roberto Beltrão de Almeida 24.388,00César Beltrão de Almeida 24.388,00Guilherme Beltrão de Almeida 24.388,00Marcelo Beltrão de Almeida 24.388,00Renata Pernetta Almeida Bertoldi 17.191,00Ana Cecília Pernetta Almeida 17.191,00Henrique de Rego Almeida Filho 17.191,00

46

Page 470: TRECCANI_Grilagem Forma Aquisicao Terra Para

TOTAL 2.685.000,00

BOSCA DISTRIBUIDORA DE ASFALTO LTDA.PATER Adm. e Participações Ltda 5.665.211,00Denise Beltrão de Almeida Cassou 6.690,00Roberto Beltrão de Almeida 6.690,00César Beltrão de Almeida 6.690,00Guilherme Beltrão de Almeida 6.690,00Marcelo Beltrão de Almeida 6.690,00Renata Pernetta Almeida Bertoldi 4.780,00Ana Cecília Pernetta Almeida 4.780,00Henrique de Rego Almeida Filho 4.779,00TOTAL 5.713.000,00

PATER ADMINISTRAÇÃO E PARTICIPAÇÕES LTDA. Denise Beltrão de Almeida Cassou 4.101.119,00Roberto Beltrão de Almeida 4.101.119,00César Beltrão de Almeida 4.101.119,00Guilherme Beltrão de Almeida 4.101.119,00Marcelo Beltrão de Almeida 4.101.119,00Renata Pernetta Almeida Bertoldi 2.882.172,00Ana Cecília Pernetta Almeida 2.882.172,00Henrique de Rego Almeida Filho 2.882.172,00TOTAL 29.152.11,00

Na composição do capital social, para integralizar as quotas, as pessoas físicas listadas acima utilizaram bens de outras empresas que deveriam ser melhor investigadas:

RONDON - REFLORESTAMENTO E AGROPECUÁRIA LTDA.

EMPREENDIMENTOS CATARATAS - DECORAÇÃO E ARTESANATO LTDA.

47

Page 471: TRECCANI_Grilagem Forma Aquisicao Terra Para

O anexo 8: apresenta os assassinatos de trabalhadores rurais no Brasil: 1964 – 1998

ANO AC

AM

RO

RR

TO

AP PA N MA

CE PI PE RN

PB AL SE BA NE MT

MS

GO

CO

MG

ES RJ SP SE PR SC RS S BR

64 5 5 1 1 6 2 10 0 0 0 1565 3 3 1 1 0 0 1 1 566 0 0 8 8 0 0 0 867 3 3 3 3 0 1 1 1 1 868 1 1 1 1 0 1 2 3 0 5

69 4 4 0 0 1 1 0 570 1 1 5 5 0 1 1 2 2 1 3 1171 1 2 3 10 1 3 3 2 1 20 0 1 1 0 24

72 3 3 1 1 5 7 7 7 1 1 1 1 1973 13 13 2 3 5 1 1 2 2 7 7 2874 4 10 14 1 1 1 1 2 1 1 4 4 2275 4 4 26 1 27 4 4 1 1 2 2 3876 11 11 1 1 2 5 9 3 1 4 1 20 21 1 1 46

77 2 5 7 4 1 3 1 5 14 5 1 6 1 13 14 5 4 9 5078 1 1 9 11 9 1 2 4 16 2 1 2 5 1 3 4 4 4 4079 3 15 18 11 3 1 11 26 8 3 4 15 1 5 1 7 0 6680 2 1 38 41 8 1 1 2 6 18 5 5 10 2 4 9 15 10 1 11 95

81 1 1 2 18 22 3 5 2 3 1 55 69 4 1 6 11 1 7 17 25 7 7 13482 1 23 24 14 2 2 1 9 28 2 3 5 2 1 3 1 1 6183 1 28 29 9 1 4 2 2 1 22 41 4 6 9 19 2 1 3 1 1 2 9484 1 2 37 40 17 2 1 8 1 3 4 17 53 11 10 21 11 2 2 15 1 1 2 13185 1 5 3 12

4133

19 3 5 3 7 1 9 47 3 1 13 17 50 31 81 9 9 287

86 1 4 3 93 101

7 5 1 1 1 14 29 21 10 10 41 11 2 13 2 2 186

87 2 1 17 15 49 84 11 1 1 4 1 10 28 1 5 6 12 7 2 1 10 0 134

88 5 14 2 10 4 37 72 7 2 2 2 14 27 4 1 5 5 2 1 8 1 1 11389 3 1 14 18 6 1 2 8 17 4 2 6 2 4 6 6 1 6 13 60

90 2 1 2 4 2 21 32 8 1 1 3 1 12 26 8 8 3 1 4 1 9 2 2 77

47

Page 472: TRECCANI_Grilagem Forma Aquisicao Terra Para

91 1 1 1 16 19 13 1 2 1 6 23 1 1 2 2 4 1 1 6 51ANO A

CAM

RO

RR

TO

AP PA N MA

CE PI PE RN

PB AL SE BA NE MT

MS

GO

CO

MG

ES RJ SP SE PR SC RS S BR

92 1 13 14 7 2 4 4 2 1 1 21 1 2 3 3 1 4 3 1 4 4693 1 5 20 26 5 1 5 1 1 1 14 4 4 1 4 5 3 1 4 5394 1 2 5 12 20 8 1 3 2 14 5 1 6 2 2 2 3 5 4795 10 2 14 26 3 1 4 8 4 1 5 2 2 0 4196 5 1 33 39 4 1 4 9 4 2 6 0 0 5497 12 12 1 4 1 2 2 10 2 2 1 1 4 1 5 3098 1 2 2 1 12 18 4 4 3 11 2 2 4 2 1 2 5 8 1 9 47

TOT 17 39 59 29 18 6 703

871

209

33 13 89 16 25 28 11 222

646

119

32 79 230

109

11 41 107

268

87 12 17 116

2131

FONTE: Arquivo Secretariado Regional Comissão Pastoral da Terra Pará Amapá

47

Page 473: TRECCANI_Grilagem Forma Aquisicao Terra Para

Anexo 9: Resumo dos conflitos, assassinatos e reforma agrária: Pará 1964-2000

N. º Região/Município Área N. º Fam. Tr. As

Área Adquirida

Pas Área Não Destinada

Fam. Assent

124 GUAJARINA 603.050,97 6.492 22 87.251,64 49.169,64 38.082,00 96562SALGADO 48.348,92 2.403 14 7.591,82 5.830,06 1.761,76 455

241BRAGANTINA 1.807.278,69 26.675 120 885.553,85 653.828,48231.725,37 12.34250TOCANTINA 199.422,86 2.430 3 17.538,95 17.538,95 34691ALTO TOCANTINS 1.020.141,95 18.406 27 468.794,53 467.898,43 896,10 6.350

476SUDESTE 3.418.738,21 62.471 224 1.334.573,80 1.255.918,71

78.655,09 29.302

439SUL 4.639.054,61 58.158 260 1.661.438,48 1.572.568,16

88.870,32 29.211

142TRANSAMAZÔNICA 1.869.176,89 21.059 17 1.159.948,16 1.156.622,14

3.326,02 14.498

105BAIXO AMAZONAS 2.084.084,31 11.213 8 587.416,14 582.597,88 4.818,26 5.29046ILHAS DO MARAJÓ 130.633,56 856 8 4.196,06 2.141,00 2.055,06 46

752TOTAL SR 01 (BELÉM) 6.618.779,34 67.822 200 2.673.935,20 2.673.935,20

276.387,41 31.740

1.024TOTAL SR27E (MARABÁ) 9.201.151,62 142.341 503 3.540.368,22

3.366.565,63

173.802,59 67.065

1.776TOTAL PARÁ

15.819.930,96 210.263 703 6.214.303,425.764.113,4

2450.190,00

98.805

47

Page 474: TRECCANI_Grilagem Forma Aquisicao Terra Para

Fonte: Arquivo Secretariado Regional da Comissão Pastoral da Terra Pará Amapá – Federação dos Trabalhadores na Agricultura dos estados do Pará e Amapá, Superintendência regional do INCRA Pará (SR01) e Superintendência regional do INCRA Sul do Pará (SR27E) – Diário Oficial da União e Boletim do INCRA.

47

Page 475: TRECCANI_Grilagem Forma Aquisicao Terra Para

Anexo 10: Evolução do número de trabalhadores assassinados de 1964 a 2000 no Estado do Pará:

3 3 1 4 1 2 3

13 104

115

915

38

1823

2837

93

49

37

1421

16 1320

12 14

33

12 12 95

124

0

20

40

60

80

100

120

140

65 67 68 69 70 71 72 73 74 75 76 77 78 79 80 81 82 83 84 85 86 87 88 89 90 91 92 93 94 95 96 97 98 99 0

TRABALHADORES RURAIS ASSASSINADOS - ESTADO DO PARÁ (1964-2000 )

FONTE: Autor utilizando dados do Arquivo do Secretariado Regional CPT PA-AP.Anexo 11: Tabela 34: Áreas desapropriadas, compradas, arrecadadas e Projetos de Assentamento Pará (1985-1999)

47

Page 476: TRECCANI_Grilagem Forma Aquisicao Terra Para

Presidente/Ministro Início Fim Dias Ha Adquir. Média ha/dia

Ha PAs Média Área/dia

Cap. Ass

ass/d

47

Page 477: TRECCANI_Grilagem Forma Aquisicao Terra Para

JOSÉ SARNEY 10/10/85

15/03/90

1.618

1.491.989,44

922,12 945.926,31 584,63 16.583 10,24

NÉLSON DE F. RIBEIRO

10/10/85

28/05/86

230 34.932,87 151,88 - -

DANTE M. DE OLIVEIRA

28/05/86

02/06/87

370 138.039,11 373,08 33.180,92 89,68 724 1,96

IRIS RESENDE MACHADO

02/06/87

04/06/87

03 - - -

MARCOS DE B. FREIRE

06/06/87

08/09/87

96 9.966,80 103,82 268.741,42 2.799,39 4.812 50,13

IRIS RESENDE MACHADO

09/09/87

22/09/87

14 - 29.196,47 2.085,46 623 44,50

JÁDER F. BARBALHO 22/09/87

29/07/88

311 809.905,86 2.604,20 302.488,71 972,63 4.672 15,02

IRIS RESENDE MACHADO

29/07/88

11/08/88

13 - - -

LÁZARO F. BARBOZA 11/08/88

16/08/88

05 4.675,52 935,10 - -

LEOPOLDO P. BESSONE

16/08/88

15/02/89

183 420.321,22 2.296,84 312.318,81 1.706,66 5.752 31,43

IRIS REZENDE MACHADO

15/02/89

15/03/90

393 74.148,05 188,68 - -

TOTAL IRIS REZENDE 423 74.148,05 175,29 29196,47 69,02 623 1,47FERNANDO A. COLLOR DE MELO

15/03/90

02/10/92

932 80.951,61 86,86 886.256,6 950,92 12.308 13,21

JOAQUIM D. RORIZ 15/03/90

29/03/90

14 - - -

JOSÉ BERARDO 29/03/9 03/04/9 05 - - -

47

Page 478: TRECCANI_Grilagem Forma Aquisicao Terra Para

CABRAL 0 0ANTÔNIO CABRERA M. FILHO

03/04/90

02/10/92

913 80.951,62 88,67 886.256,64 970,71 12.308 13,48

ITAMAR A. C. FRANCO

02/10/92

01/01/95

822 153.682,73 186,96 333.994,32 406,32 5.245 6,38

LÁZARO P. BARBOZA 14/10/92

25/05/93

223 23.931,47 107,32 59.166,10 265,32 1.137 5,10

WILSON B. ROMÃO 25/05/93

05/06/93

12 - - -

NURI ANDRAUS GASSANI

05/06/93

16/06/93

11 - - -

JOSÉ ANTÔNIO BARROS MUNHOZ

17/06/93

01/09/93

76 31.805,53 418,49 27.366,27 360,08 478 6,29

Presidente/Ministro Início Fim Dias Ha Adquir. Média ha/dia

Ha PAs Média Área/dia

Cap. Ass

ass/d

JOSÉ EDUARDO DE A VIEIRA

01/09/93

13/10/93

42 - - -

DEJANIR DALPASQUALE

13/10/93

21/12/93

35 7.922,72 226,36 3.006,00 85,89 80 2,29

ALBERTO D. PORTUGAL

21/12/93

25/01/94

35 - 40.478,04 1.156,52 600 17,14

SYNVAL SEBASTIÃO D. GUAZZELLI

15/01/94

01/01/95

341 90.023,01 264,00 203.977,91 598,18 2.950 8,65

FERNANDO HENRIQUE CARDOSO

01/01/95

(31/12/00)

2.192

1.460.820,83

785,88 3.613.231,53

1.957,87 64.731 34,98

JOSÉ EDUARDO DE A 01/01/9 29/04/9 485 190.685,11 393,17 391.561,84 807,34 6.671 13,75

47

Page 479: TRECCANI_Grilagem Forma Aquisicao Terra Para

VIEIRA 5 6RAUL PINTO JUNGMANN

29/04/96

(31/12/00)

1.707

1.282.888,52

751,55 3.206.374,35

1.878,37 57.998 33,98

TOTAL 5.564

6.214.303,42

1.116,88 5.764.113,42

1.035,9798.805

17,76

FONTE : INCRA E DIÁRIO OFICIAL DA UNIÃO. OBS: Contaram-se os prazos a partir do dia da aprovação do PRRA do Estado do Pará. Fernando H Cardoso e Jungmann ocupam seus cargos até a presente data. A pesquisa, porém, limita-se a considerar até 31/12/00. Os governos, de maneira especial Itamar Franco e FHC, utilizaram 3.014.106,01 ha do estoque de terras desapropriados ou arrecadados durante o regime militar, para incrementar a área destinada aos projetos de assentamento.

47

Page 480: TRECCANI_Grilagem Forma Aquisicao Terra Para

Anexo12: Valores oferecidos pelo INCRA e o valor que o Juiz obrigou a pagar:IMÓVEL MUNICÍPIO ÁREA

(ha)

DATA TERRA NUAINCR

A(US$)

TERRA NUA PERIT

O(US$)

TERRA NUA

SENTENÇA

(US$)

BENFEIT INCRA(US$)

BENFEIT PERITO

(US$)

BENFEIT SENTENÇA

(US$)

Paraporã SÃO DOMINGOS

7.398 16/09/86

5,49

Jaralândia JURUTI 3.575 13/11/86

1,18

Copagra PARAGOMINAS 4.355 13/11/86

5,40 54,94 54,94

Concreim PARAGOMINAS 3.974 17/11/86

8,61 69,25 Não tem 1.501,34

Acari União ALENQUER 11.426 18/02/87

1,63

Ariramba IRITUIA 8.699 23/03/87

3,01

Rio Jabuti SÃO DOMINGOS

13.058 13/04/87

3,24 53,28 25.069,38

Santana SANTARÉM 2.263 18/05/87

1,18

Santana do Ituqui

SANTARÉM 16.589 28/05/87

1,14 17,52 17,52 3.941.099,07 2.647.543,60

Castanhalzinho

ALENQUER 6.321 29/05/87

1,12 273,53

Colatina ACARÁ 7.486 7/07/87 1,71 17,15 17,15 7.862,66 576.995,29 519.128.504,19 Promissão SÃO 7.466 21/08/8 4,24 47,70

48

Page 481: TRECCANI_Grilagem Forma Aquisicao Terra Para

DOMINGOS 7Surubiju PARAGOMINAS 4.120 6/01/88 2,75 69,41 69,41 230.397,07 230.397,07 Santa Maria SÃO

DOMINGOS 3.042 1/09/88 3,44 68,19 68,19 Não tem 162.096,32 156.921,52

Dois Irmãos Pará

SANTANA DO AR.

4.356 23/09/88

5,48 120,80 120,80

Propasa SANTANA DO AR.

26.133 19/10/88

2,70 58,31 12.171,98 217.498,64

Camapuan PARAGOMINAS 8.711 21/11/88

1,87

Santa Maria I e II

ACARÁ 4.356 19/12/88

1,01 23,44 23,44 3.552,90 361.131,44 383.590,87

IMÓVEL MUNICÍPIO ÁREA

(ha)

DATA TERRA NUAINCR

A(US$)

TERRA NUA PERIT

O(US$)

TERRA NUA

SENTENÇA

(US$)

BENFEIT INCRA(US$)

BENFEIT PERITO

(US$)

BENFEIT SENTENÇA

(US$)

Tropicália TOMÉ AÇU 3.000 12/89 20,77 190,76 16.243,98 57.226.688,87

São Paulo Cach.

MOJU 9.870 14/02/91

12,56 5,20 31.763,74 9.028,02

Itabocal IRITUIA 39.680 3/04/91 18,04 213.343,36 Vale do Capim CAPITÃO POÇO 13.665 3/04/91 0,29 10.154,03 Maravilha MOJU 2.178 22/06/9

114,70 66,35 6.037,82 32.306,64

Pecosa CONCEIÇÃO DO AR.

7.922 15/03/94

10,84

Minas Pará IPIXUNA 12.549 8/06/94 5,80 112.073,28

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Floresta Gurupi I

ULIANÓPOLIS 41.897 25/11/94

181,23 5.782,43

Moju-Mirim MOJU 1.089 3/10/95 52,28 52,65 3.950,10 6.229,48 Candiru IPIXUNA 9.951 13/12/9

674,85

Leite Pará IPIXUNA 7.922 7/01/97 18,28 Águia ULIANÓPOLIS 8.470 7/02/97 20,70 6.091,43

FONTE: Processos judiciais em tramitação na Justiça Federal do Pará

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