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TRATAMENTO PENITENCIÁRIO, EDUCAÇÃO E A LEI DE EXECUÇÃO PENAL: APONTAMENTOS SOBRE A POSSIBILIDADE DE INTEGRAÇÃO SOCIAL DO EGRESSO Eli Narciso Torres 1 [email protected] Gesilane de Oliveira Maciel José 2 [email protected] Osmar Torres 3 [email protected] RESUMO A aplicação da Lei de Execução Penal tem por objetivos concretizar as determinações previstas na decisão criminal e propiciar a integração do condenado ou internado à sociedade. A efetividade da legislação, em especial, sob a égide da integração, socialização ou ressocialização em estabelecimentos prisionais, no plano ideal, resulta da implementação de assistências, material, à saúde, jurídica, educacional, social e religiosa ao egresso, de modo a prevenir a reincidência penal, a partir de orientações e qualificações ofertadas pelo Estado, durante o período de reclusão. Este artigo pretende demonstrar como vem se efetivando a educação como dispositivo de assistência penitenciária aos privados de liberdade em Mato Grosso do Sul. Para isso, retoma as determinações da Lei de Execução Penal (LEP/84) e apresenta a proporcionalidade de alunos e presos e expõe pistas sobre a oferta da educação em unidades prisionais estado. Palavras-chave: Lei de Execução Penal. Assistência Penitenciária. Educação em prisões. Escola Regina Betine. INTRODUÇÃO O crescente aprisionamento brasileiro é uma das pautas mais urgentes da atualidade. O país custodia mais de 607 mil presos, para isso, o país dispõe de 376.669 mil vagas distribuídas nos 26 estados da federação e no Distrito Federal com déficit estimado de 231.062 vagas e taxa de ocupação superior aos 160% da capacidade (DEPEN, 2014). 1 Socióloga, Doutoranda em Educação pela Universidade Estadual de Campinas e coordenadora do Observatório da Violência e Sistema Prisional. 2 Doutoranda em Educação pela UNESP/Presidente Prudente, Mestre em Educação pela UFMS/MS, Pedagoga, Gestora Pedagógica da FATHEL Centro de Formação Humana, membro do Observatório da Violência e Sistema Prisional. 3 Administrador, Mestre em Administração pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul e membro do Observatório da Violência e Sistema Prisonal.

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TRATAMENTO PENITENCIÁRIO, EDUCAÇÃO E A LEI DE

EXECUÇÃO PENAL: APONTAMENTOS SOBRE A

POSSIBILIDADE DE INTEGRAÇÃO SOCIAL DO EGRESSO

Eli Narciso Torres1

[email protected]

Gesilane de Oliveira Maciel José2

[email protected]

Osmar Torres3

[email protected]

RESUMO

A aplicação da Lei de Execução Penal tem por objetivos concretizar as determinações

previstas na decisão criminal e propiciar a integração do condenado ou internado à

sociedade. A efetividade da legislação, em especial, sob a égide da integração,

socialização ou ressocialização em estabelecimentos prisionais, no plano ideal, resulta

da implementação de assistências, material, à saúde, jurídica, educacional, social e

religiosa ao egresso, de modo a prevenir a reincidência penal, a partir de orientações e

qualificações ofertadas pelo Estado, durante o período de reclusão. Este artigo pretende

demonstrar como vem se efetivando a educação como dispositivo de assistência

penitenciária aos privados de liberdade em Mato Grosso do Sul. Para isso, retoma as

determinações da Lei de Execução Penal (LEP/84) e apresenta a proporcionalidade de

alunos e presos e expõe pistas sobre a oferta da educação em unidades prisionais

estado.

Palavras-chave: Lei de Execução Penal. Assistência Penitenciária. Educação em prisões.

Escola Regina Betine.

INTRODUÇÃO

O crescente aprisionamento brasileiro é uma das pautas mais urgentes da

atualidade. O país custodia mais de 607 mil presos, para isso, o país dispõe de 376.669

mil vagas distribuídas nos 26 estados da federação e no Distrito Federal com déficit

estimado de 231.062 vagas e taxa de ocupação superior aos 160% da capacidade

(DEPEN, 2014).

1 Socióloga, Doutoranda em Educação pela Universidade Estadual de Campinas e coordenadora do

Observatório da Violência e Sistema Prisional. 2 Doutoranda em Educação pela UNESP/Presidente Prudente, Mestre em Educação pela UFMS/MS,

Pedagoga, Gestora Pedagógica da FATHEL – Centro de Formação Humana, membro do Observatório da

Violência e Sistema Prisional. 3 Administrador, Mestre em Administração pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul e membro

do Observatório da Violência e Sistema Prisonal.

Não obstante, o país aprisiona provisoriamente 222.190 mil presos, o que

corresponde a 37% dos 607.731 mil presos reclusos em penitenciárias brasileiras (ICPS,

2015). O elevado número de prisões assegura ao país a quarta colocação em número de

presos em cumprimento de pena sem julgamento no planeta.

Em relatório, o Departamento Penitenciário Nacional (DEPEN) apresenta o

inquietante diagnóstico de que o Brasil segue ampliando o aprisionamento e mantem

84% dos custodiados pela justiça em espaços físicos construídos para atender presos

provisórios, ou seja, prisões consideradas pela administração penal com características

insuficientes e/ou inadequadas para aprisionar presos condenados. Ainda, do ponto de

vista do relatório do DEPEN, a administração pública constata o descumprimento da

legislação em classificar e separar os privados de liberdade. Outro dado elenca a

superlotação de 1,9 presos por vaga disponível nos cárceres o que se pode conjecturar

que dois corpos, neste caso, ocupam o mesmo espaço nas prisões brasileiras (DEPEN,

2014).

Essa população encarcerada corresponde a 301 indivíduos presos para cada

grupo de 100 mil habitantes, baseando-se em dados do Instituto Brasileiro de Geografia

e Estatística (IBGE) que estima uma população nacional de 202.000.000,00 milhões de

habitantes.

Nesta elevação, o estado de Mato Grosso do Sul ocupa o primeiro lugar em

crescimento de número de privados de liberdade no país. Assim, propõe observar o

crescimento do encarceramento, a previsão de assistências penitenciárias, em especial, à

educacional, assim, como as políticas nacionais e internacionais que respaldam a

garantia de direito à educação para pessoas em situação de aprisionamento. A partir daí,

intenciona-se demonstrar como vem se efetivando a oferta da Educação, concebida no

artigo 11, inciso IV da LEP/84, no tratamento desta população encarcerada.

1 A EDUCAÇÃO E A FUNÇÃO SOCIAL

A educação reproduz a estratificação social posta para a sociedade capitalista,

na qual a profissionalização sofre variações de acordo com o grau de prestígio

intelectual e pertencimento as classes sociais4. Ao mesmo tempo contribui fortemente

para a normalização das condutas por meio de signos distribuídos pela cultura, Igreja ou

institucionalizada pelo Estado como verdades irretocáveis sobre a forma de conceber o

espaço e os fenômenos sociais nele ocorridos.

Uma trajetória permeada por ideologias e tem funcionado como instrumento de

dominação, as quais convenceram os sujeitos no decorrer dos séculos, que a cada

introdução de uma inovação tecnológica, os trabalhadores devem correr para se

prepararem, ou seja, qualificarem-se para serem “competitivos” no mercado de trabalho.

Cursos profissionalizantes, de aperfeiçoamento, e até mesmo o ensino fundamental, são

responsáveis por encucar formas de pensar normalizadoras, valores presentes em uma

sociedade calcada em interesses de classes, típicos do privatismo capitalista.

Nesses moldes, ocorre o convencimento social, que a ascensão ao sucesso ou o

iminente fracasso, são ocasionadas por decisões individuais. Aquele que conquista o

status de bem-sucedido é porque se esforçou e procurou se preparar em tempo hábil

para o mercado de trabalho. Quem fracassou foi porque não teve competência para

aproveitar as oportunidades distribuídas igualitariamente ou não se organizou para elas.

Verdades constituídas envoltas no discurso promovido pela elite que sempre buscou

seus próprios interesses (TORRES, 2011).

Assim, não se problematiza uma estrutura social injusta, fundada em interesses

de classes, e organizada para a geração de uma imensa quantidade de riqueza privada e,

em oposição, convive com uma massa imensamente maior de pobreza, resultante da má

distribuição de renda. O trabalhador é “educado” desde criança para saber seu lugar

nesta sociedade, a qual abre, de fato, oportunidades de ascensão social, mas tais

oportunidades são aproveitadas apenas por uma minoria, que acaba se tornando um

“exemplo” para a maioria que, apesar de ainda não ter conseguido “subir na vida”, ainda

alimenta esperanças e vê na educação uma porta de entrada para um futuro melhor5.

A educação traduz, e consolidada coerentemente, as verdades constituídas para

esse modelo societário, na medida em que torna as desigualdades sociais e econômicas

4 Cf. Torres, 2010

5 Cf. Torres, 2011.

mais aceitáveis por meio da formação ideológica da existência de um sucesso ou

fracasso individual. Assim, o indivíduo deve ser o protagonista na sociedade. Se os

homens devem lutar ou almejar conquistar algo, eles devem lutar individualmente,

especialmente, por meio da qualificação educacional adequada. Esse discurso fragmenta

o ideal de organização social em torno de interesses comuns a toda a sociedade.

Assim, o primeiro passo para compreender o caráter da escolarização, proposto

para ressocializar homens e mulheres aprisionados nesta sociedade atual, é entender que

a educação está estritamente relacionada à natureza da própria sociedade. Sua natureza

capitalista assenta-se sobre uma forma específica de apropriação do trabalho humano.

Essa sociedade, ao produzir a riqueza, traz consigo, simultaneamente, orientações

simbólicas que são internalizadas no tecido social, e constituem a fundamentação do

discurso principal no interior das relações sociais. Como não poderia deixar de ser, a

educação, seja pela via da escolarização prisional ou não, internaliza nos indivíduos tais

orientações, seja para emancipar os indivíduos ou para apaziguar conflitos, dentro ou

fora das penitenciárias6.

1.2 Direito à educação ao indivíduo privado de liberdade

A Declaração Universal de Direitos Humanos (que se apresenta como o início

de um longo processo para garantia de direitos) reconhece que todo indivíduo tem

direito à instrução gratuita, no sentido do pleno desenvolvimento da personalidade

humana e do fortalecimento do respeito pelos direitos e pelas liberdades fundamentais

(UNESCO, 1948). A Constituição Federal de 1988, da mesma forma, assume como

meta educacional atender a prerrogativa da garantia da educação como direito universal,

visando o pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e

sua qualificação para o trabalho, na perspectiva de alcançar a equalização de

oportunidades educacionais com padrão mínimo de qualidade de ensino (BRASIL,

1988). Posto isso, a legislação brasileira assume a premissa de garantir o pleno

desenvolvimento da personalidade humana, do respeito a sua dignidade e o

fortalecimento dos direitos humanos e liberdade fundamentais.

6 Idem

Partindo desse princípio de direito à educação para todos, foram realizadas

várias conferências, seminários e encontros organizados por diferentes agentes e

organismos, a fim de discutir o tema e propor encaminhamentos. Entre eles, citamos a

Conferência Mundial sobre Educação para Todos, ocorrida em março de 1990 em

Jomtien-Tailândia (UNESCO 1990), que buscou firmar o compromisso de que toda

pessoa tem direito à educação. Posteriormente, em abril de 2000, ocorreu o evento em

Senegal-Dakar que firmou como prioridade a universalização da educação básica e

ressaltou a necessidade de uma educação inclusiva, que contemple os pobres,

desfavorecidos, jovens e adultos atingidos por conflitos, e que diante do crescimento

significativo das tensões, violências e guerras, a educação assume um papel importante

em atuar na prevenção de conflitos e estabilidade nas relações por tratar-se de uma

forma de respeito aos direitos humanos em prol da liberdade fundamental do indivíduo

(UNESCO, 2001).

As Regras Mínimas das Nações Unidas para o Tratamento de Reclusos

(BRASIL, 1994), também determinam que todos os indivíduos presos devem ter o

direito a participar de atividades culturais e educacionais. Essas discussões tratam a

educação básica não apenas como um direito, mas também, um dever e

responsabilidade de toda sociedade, sendo impossível isolar o debate sobre educação,

sem incluir a questão dos direitos humanos, justiça, democracia, responsabilidade social

e emancipação. Nesse sentido, é fundamental reconhecer o direito à aprendizagem aos

privados de liberdade.

A partir desses compromissos, no qual o tema de aprendizagem de adultos para

todos evidenciou os direitos e aspirações pelos diferentes grupos, em especial aos mais

vulneráveis e em situação de risco, a proposta é de se criar um contexto educativo

favorável de inclusão, que visa combater os obstáculos dos detentos ao acesso aos

recursos intelectuais, fornecendo-lhes meios e mecanismos para acessarem a educação e

assim, transformações sociais.

No início de 2005, o Ministério da Justiça junto ao Ministério da Educação,

instituíram um grupo de trabalho para a discussão de estratégias de fortalecimento da

oferta de educação básica, enquadrando-se, naquele período, nos programas geridos

pela Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade (SECAD). Os

desafios encontrados desdobravam-se basicamente em dois níveis: a extensão dos

serviços regulares, incluindo a população carcerária nas políticas públicas de educação

de jovens e adultos; e a definição de parâmetros que ajudassem a pautar uma oferta de

mais qualidade, em consonância com as necessidades e aspirações do público em

questão.

Com relação a educação de jovens e adultos, a Lei de Diretrizes e Bases da

Educação Nacional, nº 9.394/96 (BRASIL, 1996) prevê que deve ser destinada àqueles

que não tiveram acesso ou continuidade de estudos no ensino fundamental e médio na

idade própria, devido suas condições de vida e de trabalho. Essa iniciativa é

fundamental, considerando que a premissa da Educação para todos volta-se para a

promoção dos objetivos da escolarização, destacando uma estreita relação entre a

alfabetização e o empoderamento de indivíduos e comunidades. A perspectiva da EJA

nesse contexto é de resgatar a escolaridade do sujeito, oferecer conhecimentos que

contribuam com sua adequação as exigências do mercado de trabalho e

consequentemente sua reintegração ao convívio social, considerando que a educação é

tanto um direito humano em si mesmo, como uma forma indispensável para se

fortalecer o respeito a outros direitos e liberdades fundamentais do ser humano.

Nessa direção, seria importante, encarar a educação na prisão como uma

segunda chance àqueles que não tiveram oportunidade em estudar no tempo e idade

hábil, e encarar como um direito, e não privilégio. É compreender que a educação na

prisão não é a educação de prisioneiros, mas como parte de um processo educacional

direcionado à todos aqueles envolvidos direta ou indiretamente com o contexto da

prisão, os internos, seus familiares, operadores e gestores do sistema.

2 OFERTA DA EDUCAÇÃO NO SISTEMA PRISIONAL: AVANÇOS E

DESAFIOS

Para compreender a amplitude da oferta educacional em prisões brasileiras, recorremos

ao Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias – INFOPEN, que apresenta os

seguintes dados7:

GRÁFICO 1 – ESCOLARIDADE DA POPULAÇÃO PRISIONAL

FONTE: DEPEN (2014). Adaptado pela autora.

Observa-se que o grau de escolaridade da população em privação de liberdade

é baixa, demonstrando que 15% são analfabetos ou alfabetizados sem cursos regulares,

mais de 50% não concluíram o ensino fundamental, e 11% não concluíram o ensino

médio.

Consideramos que ter direito à educação não se resume a gratuidade e

obrigatoriedade do ensino, tampouco a um lugar na sala de aula, mas a todo o contexto

de oferta de assistência educacional, considerando além do Estado, todos os agentes

envolvidos, em algum grau, com a efetivação da educação. Essa oferta passa tanto pela

educação formal como não formal.

A Declaração mundial sobre educação para todos (UNESCO, 1990), destaca

que para se cumprir a premissa de educação como direito a toda pessoa, é necessário

7 Em relação à escolaridade das pessoas privadas de liberdade, apenas 48% das unidades afirmaram ter

condições de obter essas informações em seus registros para todas as pessoas custodiadas, o que

corresponde a cerca de 40% do total da população prisional (DEPEN, 2014).

15%

53%

12%

11%

7%

%2 Analfabeto e alfabetizado sem cursos regulares

Ensino Fundamental incompleto

Ensino Fundamental completo

Ensino Médio incompleto

Ensino Médio completo

Ensino Superior incompleto e completo

satisfazer as necessidades básicas de aprendizagem. Quando se fala em necessidades, o

documento apresenta os instrumentos como leitura e escrita, expressão oral, cálculo,

solução de problemas, além dos conhecimentos mais amplos, como as habilidades,

valores e atitudes, de forma que o indivíduo possa “trabalhar com dignidade, participar

plenamente do desenvolvimento, melhorar a qualidade de vida, tomar decisões

fundamentadas e continuar aprendendo” (UNESCO, 1990, p. 03).

É necessário que o processo educativo reconheça o protagonismo do indivíduo

privado de liberdade, estabelecendo mecanismos e convergência de ações para o

fortalecimento do diálogo escolar com as demais práticas sociais. Importa ainda,

respeitar a especificidade do ambiente carcerário, com uma prática pedagógica

diferenciada, oferecendo condições do interno em ressignificar seu processo de aprender

e de lidar com o conhecimento sistematizado. Rangel (2006, p. 69) concorda que é

preciso desenvolver, “de maneira coordenada, os conteúdos, e, sobretudo, os métodos

que se adaptem aos presos. Isso torna necessário que se formule uma pedagogia

original, ao mesmo tempo prática e com bases sólidas”.

É importante salientar, que para analisar os critérios do direito à educação, é

necessária a aplicação de quatro características inter-relacionadas e fundamentais

(Observação 13 da Comissão Dhesc), a saber: disponibilidade, com programas que

garantam educação obrigatória em quantidade suficiente para atender, de forma gratuita,

a todas as pessoas, somados a infraestrutura oferecida (local, instalações sanitárias, água

potável, docentes qualificados); acessibilidade, com acesso à todos, isento de qualquer

tipo de discriminação; aceitabilidade, com a implantação de programas educacionais e

métodos pedagógicos adequados culturalmente; e, adaptabilidade, com flexibilidade e

adaptável às necessidades das sociedades em seus contextos culturais e sociais variados

(CARREIRA; CARNEIRO, 2009).

Dentro de um rol do conceito de educação para as prisões, é incluído

igualmente, o processo para além da educação formal. Consideramos outras instâncias

educacionais, como a não formal, que enquanto modalidade de ensino oferece

condições de capacitar indivíduos para o trabalho, para a promoção de habilidades e

distintas potencialidades e, a formação por meio de diferentes conhecimentos que

ocorrem ao longo da vida com conteúdos de escolarização em esferas diversificadas.

Essas dimensões são implantadas no sentido de promover maior qualidade de vida, e

contribuir com a aprendizagem de novos saberes em espaços de interações e

coletividade que possibilitem reflexões sobre suas próprias condições de vida e os

processos históricos sobre o qual estão inseridos.

Essa educação não formal está bastante vinculada ao conceito de cultura e aos

princípios de emancipação, cidadania e autonomia, e configura-se como um mecanismo

de promoção, proteção e reparação dos direitos humanos.

Desse modo, a educação é compreendida como um direito em si mesmo e um

meio indispensável para o acesso a outros direitos. A educação ganha, portanto, mais

importância quando direcionada ao pleno desenvolvimento humano e às suas

potencialidades, valorizando o respeito aos grupos socialmente excluídos. Essa

concepção de educação busca efetivar a cidadania plena para a construção de

conhecimentos, o desenvolvimento de valores, atitudes e comportamentos, além da

defesa socioambiental e da justiça social (BRASIL, 2007, p. 25).

Rangel (2009) acrescenta na educação não formal, o processo de educar para a

saúde com uma política penitenciária baseada na medicina preventiva; educação

artística e atividades culturais, que contribuem para o rompimento de tensões, abrem

possibilidades de conhecer novos projetos de vida e descobrir capacidades pouco

exploradas nos indivíduos; e, a educação desportiva, que trabalha os valores de

autoestima, espírito de grupo e comunitário, relações interpessoais, e ajuda a manter a

saúde física e mental dos reclusos.

Cabe assinalar que essas ações educacionais precisam acontecer como políticas

sistematizadas e contínuas, com a oferta de atividades que promovam a participação

expressiva dos internos. Além disso, é importante reconhecer que essas ações vão além

do processo de ensinar, pois podem contribuir com os processos formativos em espaços

coletivos e produzir saberes que permitam uma formação humanizada, e

consequentemente, contribuir para que o interno repense suas práticas, sua cultura e sua

relação com a sociedade.

Diante do apresentado, é fato afirmar que essas são tarefas gigantescas. As

iniciativas desenvolvidas para se garantir o direito à educação ao privado de liberdade

levantam entre pesquisadores posicionamentos distintos e questões complexas, posto

que, a prática demonstra que no campo teórico e prático, desconsidera-se por exemplo,

o processo histórico de exclusão educacional dos encarcerados e toda sua condição de

pobreza e desigualdade social vivenciada para além dos muros da prisão. É preciso,

ainda, que o problema seja compreendido por diversos atores envolvidos a esta

realidade, como os próprios encarcerados, os agentes penitenciários, professores,

dirigentes e gestores do sistema, promotores e juízes que lidam com a execução penal.

3 AS ASSISTÊNCIAS E A LEI DE EXECUÇÃO PENAL

As assistências previstas na Lei de execução Penal de 1984 buscam efetivar o

tratamento penitenciário incluso no cumprimento da decisão criminal, que tem por

finalidade favorecer a melhor integração do condenado ou internado à sociedade.

A perspectiva de integração, socialização ou ressocialização em

estabelecimentos prisionais, ancora-se, segundo a LEP/84, nas assistências aos presos

asseguradas pelo Artigo 11, a saber:

I. Material

II. À saúde

III. III. Jurídica

IV. IV. Educacional

V. V. Social e

VI. VI. Religiosa.

As assistências tem entre seus objetivos, prevenir a reincidência penal, a partir

de orientações e qualificações ofertadas pelo Estado, durante o período de reclusão. A

legislação estabelece diretriz e indica as possiblidades de acesso, conforme Seção V da

assistência educacional, conforme quadro 1:

QUADRO 1 – DA ASSISTÊNCIA EDUCACIONAL Art. 17. A assistência educacional compreenderá a instrução escolar e a formação

profissional do preso e do internado.

Art. 18. O ensino de 1º grau será obrigatório, integrando-se no sistema escolar da Unidade

Federativa.

Art. 18-A. O ensino médio, regular ou supletivo, com formação geral ou educação

profissional de nível médio, será implantado nos presídios, em obediência ao preceito

constitucional de sua universalização. (Incluído pela Lei nº 13.163, de 2015).

§ 1o O ensino ministrado aos presos e presas integrar-se-á ao sistema estadual e municipal

de ensino e será mantido, administrativa e financeiramente, com o apoio da União, não só

com os recursos destinados à educação, mas pelo sistema estadual de justiça ou

administração penitenciária. (Incluído pela Lei nº 13.163, de 2015)

§ 2o Os sistemas de ensino oferecerão aos presos e às presas cursos supletivos de educação

de jovens e adultos. (Incluído pela Lei nº 13.163, de 2015)

§ 3o A União, os Estados, os Municípios e o Distrito Federal incluirão em seus programas

de educação à distância e de utilização de novas tecnologias de ensino, o atendimento aos

presos e às presas. (Incluído pela Lei nº 13.163, de 2015)

Art. 19. O ensino profissional será ministrado em nível de iniciação ou de aperfeiçoamento

técnico.

Parágrafo único. A mulher condenada terá ensino profissional adequado à sua condição.

Art. 20. As atividades educacionais podem ser objeto de convênio com entidades públicas

ou particulares, que instalem escolas ou ofereçam cursos especializados.

Art. 21. Em atendimento às condições locais, dotar-se-á cada estabelecimento de uma

biblioteca, para uso de todas as categorias de reclusos, provida de livros instrutivos,

recreativos e didáticos.

Art. 21-A. O censo penitenciário deverá apurar: (Incluído pela Lei nº 13.163, de

2015)

I - o nível de escolaridade dos presos e das presas; (Incluído pela Lei nº 13.163, de

2015)

II - a existência de cursos nos níveis fundamental e médio e o número de presos e presas

atendidos; (Incluído pela Lei nº 13.163, de 2015)

III - a implementação de cursos profissionais em nível de iniciação ou aperfeiçoamento

técnico e o número de presos e presas atendidos; (Incluído pela Lei nº 13.163, de

2015)

IV - a existência de bibliotecas e as condições de seu acervo; (Incluído pela Lei nº

13.163, de 2015)

V - outros dados relevantes para o aprimoramento educacional de presos e

presas. (Incluído pela Lei nº 13.163, de 2015)

Lei de Execução Penal/1984 e suas alterações

Observa-se que a legislação abarca obrigatoriamente, a instrução escolar de

ensino fundamental, médio e Educação de Jovens e Adultos. Prevê, ainda, a educação

profissional em nível de iniciação ou aperfeiçoamento técnico, a educação à distância, e

a estruturação de bibliotecas. Essas ações educativas devem estar articuladas a

administração estadual e municipal de educação, e agregadas ao preceito do sistema de

justiça ou administração penitenciária.

Para compreender a abrangência dessas ações educacionais de Mato Grosso do

Sul, fizemos o levantamento dos dados do Estado, conforme descrito a seguir.

4 APRISIONAMENTO NO ESTADO DE MATO GROSSO DO SUL

Em Mato Grosso do Sul, de acordo com as informações do Departamento

Penitenciário Nacional (DEPEN) e Agência Estadual de Administração do Sistema

Penitenciário (AGEPEN), em dezembro de 2005 havia uma população de encarcerados

de 8.273 presos, em 2006 já somavam 11.040, e alcançou a marca de 12. 716 pessoas

em privação de liberdade, em junho de 2013. No ano de 2015 somavam 13.477 e, em

julho de 2016 somava 15. 766 custodiados no Estado de Mato Grosso do Sul.

Como mostra a tabela abaixo, o crescimento da população encarcerada foi

cinco vezes maior, quando comparado à elevação populacional do estado, no

período 2005 e 2016.

QUADRO 2 – ENCARCERAMENTO SUL-MATOGROSSENSE E TAXA DE

CRESCIMENTO POPULACIONAL (2005-2016)

ANO 2005 2007 2009 2011 2013 2016

Crescimento

Total

2005/2016

População MS 2.310.307 2.382.080 2.452.039 2.520.305 2.587.269 2.682.386 372.079

População Carcerária 8.273 10.863 10.844 11.425 12.716 15.628 7.355

Crescimento

População MS - 3% 3% 3% 3% 4% 16%

Crescimento Pop.

Carcerária MS - 31% 0% 5% 11% 23% 89%

Fonte: (IBGE, 2015; DEPEN, 2014; AGEPEN, 2016).

Desse modo, as informações referentes ao quantitativo do mês de Julho de 2016

aponta uma população carcerária composta por 15.628 internos em 54 unidades

prisionais de diferentes regimes, sendo 45 de regime fechado.

A proporcionalidade da população de encarcerados em relação ao total de

2.682.386 habitantes no Mato Grosso do Sul é de 583 presos para cada grupo de

100.000, ocupando assim, o primeiro lugar no ranking nacional em aprisionamento.

Outro dado relevante encontra-se na desproporcionalidade entre o crescimento

da população, segundo o IBGE foi de 16%, enquanto o encarceramento cresceu na taxa

de 89% no mesmo período.

No ano de 2014, o Relatório do Infopen/DEPEN já apontava o MS como o

Estado da Federação com a maior taxa de aprisionamento por grupo de 100.000

habitantes, conforme o mapa:

FIGURA 1 – TAXA DE APRISIONAMENTO POR UNIDADE DE FEDERAÇÃO

Fonte: Infopen, junho de 2014 - Levantamento Nacional de Informações Penitenciária.

Esses dados evidenciam que no MS, a taxa de aprisionamento no MS

compreende 568,9 para cada 100.000 habitantes, e desses indivíduos, pelo menos 51,3%

dos internos aguardam julgamento ou foram condenados por crime de tráfico, ou seja, o

Estado assume uma sobrecarga devido à localização geográfica, primeiro por estar na

fronteira com o Paraguai e Bolívia, e também por fazer divisa com cinco estados, quais

sejam, Mato Grosso, Goiás, São Paulo, Minas Gerais e Paraná, o que agrava o tráfico

interestadual de drogas.

3.1 A educação dos privados de liberdade

Levantamos os dados da população geral de presos do MS, em comparação ao

percentual de alunos da capital e interior, incluindo a Penitenciária Federal (PFCG),

conforme demonstrado abaixo:

GRÁFICO 2 – PERCENTUAL DE PRESOS ESTUDANTES EM MATO GROSSO DO SUL

Fonte: Elaborado pelos autores, a partir de informações AGEPEN,

jul. 2016; Regina Betine, set. 2016.

Os índices demonstram que apenas 9,6% dos privados de liberdade participam

de atividades educacionais, em nível formal. Esses dados confirmam as estatísticas

nacionais, que trazem a estimativa de que o acesso à educação atende atualmente a

média de 10% à 20% da população encarcerada, o que demonstra que a escolaridade de

presos ainda está distante do que é promulgado pelas diretrizes a respeito do direito à

educação.

Outra preocupação que surge ao analisar esse quantitativo, é que o MS instituiu

a escola que atende as unidades prisionais – Escola Estadual Profa. Regina Lúcia Anffe

Nunes Betine – no ano de 2004, ou seja, seis anos antes da promulgação das Diretrizes

Nacionais para a oferta de educação para jovens e adultos em situação de privação de

liberdade nos estabelecimento penais, contudo, esses índices demonstram que o Estado

avançou muito pouco em relação à oferta de educação em prisões.

90%

10%

Percentual de presos que estudam em MS

AGEPEN e PFCG/DEPEN

POPULAÇÂO GERAL - 15.766

POPULAÇÂO de ESTUDANTES -1.520

Conforme evidencia os indicadores da escolarização em unidades prisionais de

Mato Grosso do Sul:

TABELA 1: Distribuição de alunos por estabelecimento prisional

Município Quant. Presos Alunos % estuda Gênero Regime

CAMPO GRANDE 6528 399 6% MASC-FEM FECH - S.AB

AMAMBAI 283 58 20% MASC FECH - S.AB

AQUIDAUANA 264 10 4% MASC FECH - S.AB

BATAGUASSU 188 26 14% MASC FECH - S.AB

CASSILÂNDIA 207 78 38% MASC FECH - S.AB

CORUMBÁ 867 145 17% MASC-FEM FECH - S.AB

COXIM 130 23 18% MASC FECH - S.AB

DOIS IRMÃOS DO BURITI 589 52 9% MASC FECHADO

JARDIM 224 21 9% MASC FECH - S.AB

NOVA ANDRADINA 112 29 26% MASC FECHADO

PARANAÍBA 438 34 8% MASC FECH - S.AB

PONTA PORA 767 89 12% MASC-FEM FECH - S.AB

RIO BRILHANTE 286 44 15% MASC-FEM FECHADO

NAVIRAÍ 678 70 10% MASC FECH - S.AB

TRÊS LAGOAS 847 158 19% MASC-FEM FECH - S.AB

DOURADOS 3046 221 7% MASC-FEM FECH - S.AB

JATEI 80 12 15% FEM FECHADO

SÃO GABRIEL DO OESTE 94 21 22% FEM FECH - S.AB

Total de Presídios Estaduais 15.628 1.490 10% MASC-FEM FECH - S.AB

PRESIDIO FEDERAL 138 30 22% MASC FECHADO

Total no Estado de MS 15.766 1.520 10% MASC-FEM FECH - S.AB

Fonte: Elaborado pelos autores, a partir de informações AGEPEN, jul. 2016; Regina Betine,

set. 2016.

Destaque para a unidade localizada no município de Cassilândia, onde existe

uma população de 207 homens presos e 38% dessas pessoas estudam. Os alunos

encontram-se reclusos em regime fechado e semiaberto; 60 alunos estão matriculados

no ensino fundamental e 18 no ensino médio. O percentual de presos estudantes no

município encontra-se acima da média das cidades que sediam a modalidade

educacional em MS.

Por outro lado, com apenas 4% de estudantes, encontra-se o Estabelecimento

Penal localizado na cidade de Aquidauana, onde cumprem pena em regime fechado e

semiaberto 264 pessoas e somente 10 delas estão devidamente matriculados, em turma

única do ensino fundamental.

Abaixo organizamos o percentual de estudantes por municípios, unidades

prisionais e sob a responsabilidade da Escola Regine Betine.

FIGURA 2 – Distribuição geográfica (territorial), percentual de estudantes por

município

Fonte: Elaborado pelos autores, a partir de informações AGEPEN, jul. 2016;

Regina Betine, set. 2016.

Observa-se que no Estado de Mato Grosso do Sul, são ofertados, ensino

Fundamental e Médio em 18 municípios, onde são atendidos cerca de 1.520 alunos de

uma população que totaliza 15.766 internos que se encontram em Regime Fechado,

aberto e semiaberto. Entre a população encontra-se 138 presos que estão recolhidos na

Penitenciária Federal em Campo Grande, onde estudam 30 pessoas.

Vale registrar, que a população masculina representa 91% das pessoas presas em

MS, perfazendo 14.276 presos, e as mulheres 1.352, totalizando média de 9%, conforme

demonstrado abaixo:

TABELA 2 – Distribuição por gênero

GÊNERO POP. PRESOS PRESOS ESTUDANTES %ESTUDAM

MASCULINO 14.276 1293 9%

FEMININO 1.352 227 17%

TOTAL / MÉDIA 15.628 1520 10%

Fonte: Elaborado pelos autores, a partir de informações AGEPEN, jul. 2016;

Regina Betine, set. 2016.

Quando estratificado por gênero, percebe-se que 9% dos homens estudam,

enquanto, entre as mulheres esse percentual é de 17%. A média populacional é de 10%,

visto que a população masculina compõe a ampla maioria e representa 91% do total da

população presa. Importante lembrar que as ofertas de aulas em presídios atendem às

unidades de regime fechado e semiaberto, ficando de fora o aberto, além daqueles que

são monitorados por tornozeleiras eletrônicas.

Ao observar os indicadores, evidencia-se a que a oferta da educação em espaço

de privação de liberdade, ainda é incipiente, apenas 10% dos internos têm acesso à

educação, conforme demonstrado no gráfico 2. No levantamento percebe-se que os

municípios de Cassilândia (38%), e na sequência Nova Andradina (26%) que

apresentam índices superiores a média do Estado e, também, superiores à média

nacional.

Uma das questões que podem contribuir com o avanço da educação nesse

contexto, é com relação ao discurso do direito à educação. O parecer do Conselho

Nacional de Educação (2010) relata que é preciso mudar a cultura, o discurso e a prática

referente à educação prisional, visto que, há uma crença equivocada de que o direito à

educação do preso é considerado como um privilégio

Na mesma visão, Carreira e Carneiro (2009), pontuam que para os

profissionais que atuam na educação em prisões, surgem dificuldades devido a

associação com o ambiente hostil ao trabalho educacional, e observam um conflito

cotidiano entre a garantia do direito à educação e o formato vigente de prisão, que é

marcado pela superlotação e a violação cotidiana de direitos.

Ainda de acordo com a Relatoria Nacional para o Direito Humano à Educação

(Carreira; Carneiro, 2009), o atendimento educacional é em sua maior parte,

descontínuo e atropelado pelas dinâmicas e lógicas da segurança; e, oferece graves

problemas de qualidade, com jornadas de aulas reduzidas, falta de projeto pedagógico

(em muitos casos), infraestrutura inadequada e falta de profissionais capazes de atender

as necessidades dos encarcerados, muitas vezes com relações precárias de trabalho.

Outro agravante, é que o sistema penitenciário têm dificuldades

organizacionais em sistematizar normas e procedimentos que regulem a continuidade do

estudo na trajetória escolar do indivíduo em privação de liberdade. Um impedimento de

acesso, ainda não superado encontra-se, por exemplo, no fluxo contínuo provocado por

transferências de internos estudantes para outras unidades prisionais onde não há

proporcionalidade na oferta educacional. Além disso, muitos presos enfrentam

obstáculos em conciliar o horário de trabalho e de estudo.

Há ainda uma série de divergências de percepções e ideias do ponto de vista de

grande parte dos operadores do sistema, o que acaba por gerar um clima de tensão

constante. Por outro lado, o servidor que precisa lidar com uma rotina complexa, de

superlotação e potencializador de situações de vulnerabilidades, também se encontra

desassistido pelo Estado, que trabalha em condições precárias, enfrenta a burocracia por

parte do sistema prisional para que se cumpra as normativas disciplinares e trabalha

com número restrito de agentes por plantão.

Ao retomar as inúmeras regulamentações, diretrizes e políticas implementadas

para a oferta da educação em prisões, constata-se que houve avanços, especialmente por

considerar que a política de educação em prisões é bastante recente, no entanto, ainda

não cumprem plenamente seu papel como mecanismo que promova uma educação

como um direito inalienável à pessoa humana, ou até mesmo socializadora ou

libertadora para homens e mulheres em privação de liberdade. As relações de poder

marcados pela primazia das medidas disciplinares, de vigilância, de normas e rotinas

rígidas de segurança, de violação de direitos fundamentais, e de exclusão e

discriminação social ainda prevalecem no interior das prisões, ou seja, como um direito,

suas práticas são extremamente contraditórias.

Portanto, a garantia desse direito mostra-se complexa e contraditória,

especialmente, quando observamos os parâmetros da Assistência Educacional e a Lei de

Execução Penal, e ao mesmo tempo, precisa ser constantemente lembrada que direito

não é privilégio, direito é direito, e ainda é um desafio para nossa sociedade.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante da análise dos documentos que promulgam a égide da integração,

socialização ou ressocialização em estabelecimentos prisionais, por meio da

implementação de assistências material, à saúde, jurídica, educacional, social e religiosa

ao privado de liberdade, evidencia-se que uma das metas é atender a prerrogativa da

garantia da educação como direito universal. Em vista disso, observa-se que a educação

pode visar à emancipação do interno, em busca de seu pleno desenvolvimento e

qualificação para o trabalho, ou, por outro lado, pode ser oferecida meramente para

apaziguar conflitos, dentro ou fora das penitenciárias. Porém, o foco principal da

demanda e a emergência de ampliação no número de alunos atendidos em prisões

ancora-se na garantia de direito à educação, resguarda-se na constituição cidadã e tem

previsão na LEP/84 que prevê a assistência aos privados de liberdade.

Os índices levantados demonstram que essa oferta educacional ainda é

realizada de forma descontínua, insipiente e necessita de maior atenção dos gestores,

sobretudo, para aspectos que prestigiem a atenção aos parâmetros mínimos de qualidade

da educação do ensino público, que requer disponibilidade, acessibilidade,

aceitabilidade e adaptabilidade.

Assim, propõe-se pensar em uma educação que respeite o direito, a garantia e

acesso do indivíduo em privação de liberdade, inclusive, mobilizando ações que

proporcione a institucionalização de políticas educacionais específica, com preceitos,

praticas pedagógicas e orientações que reverenciem à dignidade da pessoa humana.

REFERÊNCIAS

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Brasília, DF: Senado, 1988.

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dezembro de 1996.

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no Brasil: Resolução no. 14 de 11 de novembro de 1994 do Conselho Nacional de

Política Criminal e Penitenciária (CNPCP) de, Brasília, 1994.

CARREIRA, Denise; CARNEIRO, Suelaine. Relatoria Nacional para o Direito

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DhESCA Brasil, 2009.

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educação para jovens e adultos em situação de privação de liberdade nos

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