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Eronildo de Souza Lopes e Marileide Ferreira dos Santos Lopes têm 38 anos, e moram no Sítio Caldeirão, no município de Araripina, Araripe pernambucano. O casal tem três filhos: Mariclécia, de 16 anos; Maria Aniele, de 15 anos e Leandro, de 10 anos. São 17 anos de casamento, mas a família morou durante nove anos em outra propriedade. O terreno era pequeno, então investiram no plantio do feijão e da mandioca para alimentação da família e dos animais. Com a comercialização do excedente, eles conseguiram juntar algumas economias. Na época o agricultor também criava cabras e plantava feijão e milho numa terra arrendada, mas pouco tempo depois foi possível comprar uma vaca e investir na aquisição de pequenas propriedades. Através de muito esforço e trabalho, a família adquiriu a propriedade de 13 hectares em que mora atualmente. Como parte dela já estava arrendada por Eronildo, quando os proprietários decidiram vender, o agricultor mostrou interesse e negociou a compra da terra. No início o casal enfrentou dificuldades em relação à água, pois a única fonte próxima era a cacimba olho d'água. Quase sempre era preciso acordar de madrugada para se deslocar até a cacimba e voltar em tempo de organizar tudo para começar os trabalhos logo cedo. A água era utilizada pra beber, cozinhar e afazeres domésticos. Para matar a sede dos animais que aos poucos se multiplicavam, a família armazenava água num pequeno reservatório que tem na propriedade. Eventualmente Eronildo e Marileide trocavam porcos e galinhas por bodes nas feiras. Eles explicam que tudo acontecia conforme a propriedade se organizava. Pensando nos animais, o agricultor investiu na compra de uma propriedade vizinha que dispunha de um barreiro com bastante água acumulada, e também de uma área maior para distribuí-los. Além disso, a família planejou um espaço para plantar capim elefante, cana, caju, macaxeira e mandioca. “Depois dessa ideia a gente não passou mais Pernambuco Ano 6 | nº 962 | novembro | 2012 Araripina - Pernambuco Boletim Informativo do Programa Uma Terra e Duas Águas Trajetória de resistência: família sertaneja aposta na estocagem de alimentos como estratégia de convivência com a região 1 O agricultor alimentando a criação de gado. O criatório de bode da família.

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Eronildo de Souza Lopes e Marileide Ferreira dos Santos Lopes têm 38 anos, e moram no Sítio Caldeirão, no município de Araripina, Araripe pernambucano. O casal tem três filhos: Mariclécia, de 16 anos; Maria Aniele, de 15 anos e Leandro, de 10 anos. São 17 anos de casamento, mas a família morou durante nove anos em outra propriedade. O terreno era pequeno, então investiram no plantio do feijão e da mandioca para alimentação da família e dos animais. Com a comercialização do excedente, eles conseguiram juntar algumas economias. Na época o agricultor também criava cabras e plantava feijão e milho numa terra arrendada, mas pouco tempo depois foi possível comprar uma vaca e investir na aquisição de pequenas propriedades.

Através de muito esforço e trabalho, a família adquiriu a propriedade de 13 hectares em que mora atualmente. Como parte dela já estava arrendada por Eronildo, quando os proprietários decidiram vender, o agricultor mostrou interesse e negociou a compra da terra. No início o casal enfrentou

dificuldades em relação à água, pois a única fonte próxima era a cacimba olho d'água. Quase sempre era preciso acordar de madrugada para se deslocar até a cacimba e voltar em tempo de organizar tudo para começar os trabalhos logo cedo. A água era utilizada pra beber, cozinhar e afazeres domésticos. Para matar a sede dos animais que aos poucos se multiplicavam, a família armazenava água num pequeno reservatório que tem na propriedade.

Eventualmente Eronildo e Marileide trocavam porcos e galinhas por bodes nas feiras. Eles explicam que tudo acontecia conforme a propriedade se organizava. Pensando nos animais, o agricultor investiu na compra de uma propriedade vizinha que dispunha de um barreiro com bastante água acumulada, e

também de uma área maior para distribuí-los. Além disso, a família planejou um espaço para plantar capim elefante, cana, caju, macaxeira e mandioca. “Depois dessa ideia a gente não passou mais

Pernambuco

Ano 6 | nº 962 | novembro | 2012Araripina - Pernambuco

Boletim Informativo do Programa Uma Terra e Duas Águas

Trajetória de resistência: família sertaneja aposta na estocagem de alimentos como

estratégia de convivência com a região

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O agricultor alimentando a criação de gado.

O criatório de bode da família.

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sufoco, pois o capim é a segurança dos bichos, já que rende muito na forrageira. Na verdade o planejamento é a base de todo trabalho”, garante Eronildo. Com isso, o casal começou a estocar palha de milho, feijão, casca da mandioca e manaíba. Segundo Marileide, tudo era aproveitado e, mesmo com poucas chuvas, não era preciso vender os animais, pois a prática adotada pela família permitia que os alimentos fossem suficientes para suportar o período de estiagem.

A s c o n q u i s t a s e o s aprendizados

O rebanho aumentava progressivamente. Há três anos foi construída uma cisterna de placas na propriedade. A tecnologia do Programa Um Milhão de Cisternas (P1MC), da Articulação no Semiárido Brasileiro (ASA), tem capacidade para armazenar 16 mil litros de água da chuva para consumo humano. “Essa cisterna foi uma alegria porque a gente sabia que não precisaria mais beber qualquer água, ela deu conta das nossas necessidades”, conclui Eronildo. No início de 2012, a família foi beneficiada com a cisterna calçadão – que armazena até 52 mil litros de água, do Programa Uma Terra e Duas Águas (P1+2), da ASA. Apesar da falta de inverno este ano, a tecnologia é considerada uma benção para família, principalmente porque ela armazena a água que é dada aos animais no atual período de seca.

Antes do período de seca começar, a família de Eronildo e Marileide possuía um animal de trabalho, 35 cabeças de bode e 15 de gado, entretanto, o casal faz um balanço positivo da atual situação. “Quando tive certeza que não ia chover esse ano fiquei preocupado, mas o planejamento, a estocagem e a mistura dos alimentos me fez acreditar que seria possível sobreviver às dificuldades. Vendi cinco gados e com o dinheiro comprei mais alimentos para manter os outros que ficaram, e não me arrependi dessa decisão”, desabafa o agricultor. Ele também destaca que o mandacaru e o milho transformado em silagem, contribuíram na alimentação animal, já que os bichos não engordaram, mas sobreviveram bem o ano inteiro. Hoje a família tem a mesma quantidade de bode e 11 cabeças de gado. De acordo com os cálculos de Eronildo, mesmo com a estiagem, eles conseguiram tirar 12 sacos de feijão, 14 de farinha e quatro de goma. Um saldo valioso considerando os desafios enfrentados.

A família já planejou e aguarda ansiosamente o inverno chegar. O agricultor e a agricultora já compraram os materiais, cercaram e dividiram a área onde será feito os canteiros. A ideia é fazer uma boa gestão da água da cisterna calçadão para investir na produção de alimentos. “Todo mundo aqui ta interessado em ajudar nas atividades da roça. Não começamos a plantar antes porque a prioridade era a água para os animais, mas tenho fé que quando a gente iniciar ficará mais fácil dividir as tarefas”, revela Marileide. Em breve, o casal pensa em parar de investir na compra de terras, para estruturar a propriedade do ponto de vista hídrico, produtivo e de criação animal. “Queremos ter uma moradia melhor, mas sem me deslumbrar com a vida de ninguém. O certo é que a gente tem que ter a casa cheia, nem que seja de sonhos”, confessa Eronildo.

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