trabalho g2 processo

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    Introduo

    H muito tempo os mitos e os contos de fadas esto presentes no imaginrio do homem

    e desempenham um papel singular nas sociedades. Estas histrias sobrevivem ao longo

    dos anos pois contm smbolos universais que provm do inconsciente coletivo, que a parte da psique que retm e transmite a herana psicolgica comum da

    humanidade.1Mitos e histrias fantsticas acompanhados ou no de ritos ajudam o ser

    humano a lidar com problemas emocionais e pessoais que povoam sua psique, assim

    como a realizar difceis passagens e segundo Hendersen: alguns smbolos relacionam-

    se com a infncia e a transio para adolescncia, outros com a maturidade, e outros

    ainda com a experincia da velhice, quando o homem est se preparando para sua

    morte inevitvel.2

    Isso acontece pois os mitos e os ritos possuem, para a psicologiaanaltica, um elo muito forte com os smbolos do inconsciente.

    Os contos de fadas tem igualmente a funo de lidar com dramas existenciais, dramas

    psicolgicos inconscientes. Segundo Bruno Bettelheim: enquanto diverte a criana, o

    conto de fadas a esclarece sobre si prpria e favorece o desenvolvimento de sua

    personalidade.3, isso se d porque a partir dos contos de fadas possvel ter contato

    com os sentimentos mais profundos de forma menos ameaadora, a criana consegue

    simbolizar aqueles sentimentos. Como por exemplo, o medo de uma me que se torna

    ameaadora pode ser facilmente visto na figura da bruxa m, da madrasta, isso acontece

    porque embora a me seja na maioria das vezes a protetora dadivosa, ela pode se

    transformar na cruel madrasta se for m a ponto de negar ao menino algo que ele

    deseja.4, com isso a criana pode manter sua imagem da me boa a salvo.

    O conto de fadas da Bela Adormecida est enraizado h muitos anos na cultura

    ocidental e segundo Marie-Louise von Franz isso se d porque ele reflete uma

    estrutura psicolgica humana de base e portanto universal (...) ele exprime um

    1HENDERSON, J. , Os Mitos Antigos e o Homem Moderno, In: Jung et alli, O Homem e seus

    Smbolos, 2011, p. 138.2HENDERSON, J. , Os Mitos Antigos e o Homem Moderno, In: Jung et alli, O Homem e seus

    Smbolos, 2011, p. 140.3BETTELHEIM, B., O Conto de fadas: uma forma de arte nica, In: BETTELHEIM, B.,A

    Psicanlise dos Contos de Fadas, 2007, p. 20.4BETTELHEIM, B., A fantasia da madrasta m, In: BETTELHEIM, B. ,A Psicanlise dos Contos de Fadas,

    2007, p. 98.

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    processo comum a todos os seres humanos.5Isso faz com que o conto tenha tambm

    mltiplas verses, as mais conhecidas sendo a verso italiana Sole, Luna e Talia onde

    a herona recebe o nome da deusa da beleza Talia, a verso francesa de Charles Perrault

    La belle aubois dormant onde h um prncipe/rei que encontra a princesa porm este

    j casado com uma ogra(em algumas verses a me do prncipe que uma ogra) e a

    verso dos irmos Grimm que no ingls chamada Little Briar Roseque serviu de

    base para o aclamado desenho animado dos estdios Disney A Bela Adormecida, que

    tambm ser analisado mais a frente.

    Podemos perceber que os personagens heroicos, exceto os heris trgicos, no possuem

    uma subjetividade muito grande, apenas executam tarefas e passam por etapas, logo se

    trata de um modelo impessoal (...) so imagens de processos arquetpicos, aos quais

    falta o modelo humano, a vida real, individual e objetiva.6O heri ou a herona so

    sempre seres humanos mas que so de uma forma ou de outra especiais. A autora

    Isabela Fernandes fala que essa imagem arquetpica do heri funciona de forma a

    suprir as carncias existenciais da comunidade ou do sujeito. Nos grandes

    momentos de crises e transformaes culturais ou individuais, o arqutipo do heri

    ativado para oferecer a comunidade ou ao homem um modelo ideal de comportamento

    frente a dificuldades.

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    No conto da Bela Adormecida, no s a princesa Aurora (ou emoutras verses, Rosa) desempenha este papel como tambm o prncipe Phillip (em

    outras verses o prncipe/rei no possui nome), havendo ento dois heris no conto.

    5FRANZ, M.-L. von, A Bela Adormecida, In: FRANZ, M.-L. von, O Feminino nos Contos de

    Fadas, 2010, p. 23.

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    FRANZ, M.-L. von, A Bela Adormecida, In: FRANZ, M.-L. von, O Feminino nos Contos deFadas, 2010, p. 36.7FERNANDES, I., A Imagem Mtica do Heri, p. 2.

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    A Bela Adormecida

    O conto da Bela Adormecida trata da temtica do desaparecimento de uma filha,

    temtica esta no sendo nova e j vista em diversos contos e mitos como por exemplo o

    mito de Demter, Persfone e Hades onde a deusa Persfone raptada por Hades e levada ao rebo sendo levada assim para longe de sua me Demter.

    O nascimento da princesa acontece j em situaes anormais e adversas. Uma r (em

    algumas verses, um peixe) que comunica a uma rainha que no conseguia engravidar

    que finalmente sua to desejada gravidez ir se concretizar. Sobre esta r e este anncio

    miraculoso a autora Marie-Louise von Franz diz: O aspecto irracional do nascimento

    do Heri ou da Herona uma prova de que no se trata de seres humanos, e sim de

    contedos psquicos.8Mas ainda, alm de ter o nascimento previsto por uma r este

    ainda foi acompanhado por uma maldio lanada por uma fada m. Neste sentido o

    nascimento da princesa se encaixa em uma das etapas propostas por Campbell9(citado

    por FERNANDES) para a trajetria do heri, esta etapa seria o nascimento complicado.

    No caso da Bela Adormecida, houve tambm um grande perodo de esterilidade pois h

    muito tempo a rainha desejava ter um filho e no conseguia. As condies do

    nascimento complicado vo fazer com que os pais (na verso dos estdios Disney)

    entreguem a princesa para que as fadas a cuidem, logo esses pais vo abandonar a filha.

    A maldio lanada sobre a criana quando uma das fadas deixa de ser convidada, isso

    ocorre em algumas verses porque h talheres e pratos de prata insuficientes (irmos

    Grimm) ou porque ela est reclusa em uma montanha h muitos anos (Perrault e

    possivelmente dos estdios Disney). A histria da deusa, neste caso fada, esquecida

    tambm no algo novo, na mitologia grega em certa ocasio de festa os deuses do

    Olimpo deixaram de convidar a deusa ris por esta ser a deusa da discrdia, a deusa

    apareceu mesmo assim e jogando uma ma dizendo esta ser a ma para a mais bela

    deusa provocou uma briga entre as deusas que mais tarde culminou na Guerra de Tria.

    Pode-se notar uma tentativa de excluso de algo que sempre retorna e ento causa

    estragos ainda maiores, neste sentido trata-se de uma aluso a ideia de sombra da

    psicologia analtica, que deve ser integrada ao ego e que se deixada de fora ela se

    torna imensa, ameaadora e devastadora. Para Henderson deve-se entrar em contato

    8

    FRANZ, M.-L. von, A Bela Adormecida, In: FRANZ, M.-L. von, O Feminino nos Contos deFadas, 2010, p. 32.9CAMPBELL, J., O Heri de Mil Faces, 1988, p. 59-101 In: FERNANDES, I. , A Imagem Mtica do Heri, p. 8

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    com o seu poder destrutivo (...) para que o ego triunfe, precisa antes subjugar e

    assimilar a sombra.10J para a autora Marie-Louise von Franz o tema da deusa

    esquecida refere-se a mulher ignorada que no suporta a situao11e isso em nvel

    arquetpico estaria ligado a um comportamento psicolgico natural, que neste caso seria

    uma face do feminino, que est sendo negligenciado e esquecido.

    A ideia de uma fada m semelhante a ideia de uma madrasta j citada anteriormente.

    Aps ser agraciada com presentes das fadas boas, figuras maternais boas, a criana

    recebe uma maldio da fada m, que seria o lado terrvel do arqutipo da Grande Me.

    Pode-se pensar na princesa como sendo tambm uma projeo humana desta fada m, a

    fada em si o instinto puro, esse feminino indomvel e a princesa aquela que vai

    integrar este feminino e canaliza-lo.

    A maldio lanada sobre a princesa a de que ao completar 15 anos (16 anos em

    algumas verses) ela picar o dedo no fuso de uma roca e morrer. Para atenuar este

    destino a ltima boa fada, que ainda no havia dado seu presente, a encanta para no

    morrer e sim dormir um sono de 100 anos at que um beijo doce a despertar. Diante

    deste destino os pais da princesa mandam queimar todas as rocas existentes no reino,

    esse ato pode ser visto como uma tentativa v dos pais de evitar que a filha entre em

    contato com a sexualidade e assim evitar tambm este crescimento da filha. Para Bruno

    Bettelheim12a tentativa de evitar a maldio est profundamente ligada ao desejo de

    no crescimento dos filhos pois para ele a maldio da fada m simboliza a

    menstruao, o sangramento fatal, que a menina tem uma vez chegada a puberdade.

    Na verso dos estdios Disney, a criana entregue aos cuidados das trs boas fadas

    para que a crie escondida na floresta, no Chal do Lenhador, para que depois de passado

    o tempo da maldio esta retorne ao palcio. Nesta altura podemos identificar outraetapa do heri proposta por Campbell(apud FERNANDES)13, a educao inicitica,

    onde o heri ou herona no caso abandonado por seus pais verdadeiros e criado por

    10HENDERSON, J. , Os Mitos Antigos e o Homem Moderno, In: Jung et alli, O Homem e seus Smbolos,

    2011, p. 155.11

    FRANZ, M.-L. von, Me e Filha, In: FRANZ, M.-L. von, O Feminino nos Contos de Fadas,

    2010, p. 50.12

    BETTELHEIM, B., A Bela Adormecida, In: BETTELHEIM, B. ,A Psicanlise dos Contos de

    Fadas, 2007, p. 320.13CAMPBELL, J., O Heri de Mil Faces, 1988, p. 59-101 In: FERNANDES, I. , A Imagem Mtica do Heri, p.

    10.

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    pais adotivos que so o oposto dos pais verdadeiros. No caso da princesa que cresceria

    em meio ao luxo e um tanto quanto mimada pela me, por ser uma filha nica e muito

    deseja, ela crescer ento em meio a floresta em um chal simples e bastante prxima da

    natureza. Segundo Isabela Fernandes: a educao incitica possui as caractersticas

    simblicas de um rito sagrado.14E isto se deve ao fato de que prepara o heri para a

    aventura.

    Apesar de todos os esforos para afastar da princesa a maldio, esta se concretiza

    mesmo assim mostrando serem inteis os esforos dos pais para evitar este encontro

    com o amadurecimento, mais cedo ou mais tarde essa princesa ter de morrer. Em

    algumas verses a princesa est andando sozinha pelo palcio e em outras(estdios

    Disney) ela hipnotizada, mas em ambas ela encontra um quartinho com uma chave nafechadura onde h uma velha senhora fiando. Segundo Bettelheim: um quartinho

    trancado costuma representar, nos sonhos, os rgos sexuais femininos; girar uma

    chave na fechadura com frequncia simboliza a cpula.15 importante ressaltar o fato

    de que a princesa est sozinha neste momento quando sua maldio se cumpre e a

    ausncia temporria de ambos os pais quando este fato ocorre simboliza a

    incapacidade de todos os pais de protegerem a criana das vrias crises de crescimento

    pelas quais todos os seres humanos tem de passar.

    16

    Por mais que os pais tentem nopodem evitar que a fatdica morte acontea.

    Aqui h uma ideia de um sono com simbolizao de morte, um sono de longos 100

    anos. Podemos dizer ento que h uma katbasisda princesa, sua descida ao reino dos

    mortos para ento renascer. Esse sono de 100 anos uma morte simblica que a

    princesa precisa passar para retornar ento com uma maturidade interior alcanada. Esta

    morte simblica simboliza a morte de um estado anterior infantil, o sacrifcio do

    velho eu17para que possa ento permitir um crescimento e um amadurecimento.Segundo Isabela Fernandes: a morte simblica representa o despedaamento de

    estgios ultrapassados do indivduo, a superao dos desejos regressivos e dos medos

    14FERNANDES, I., A Imagem Mtica do Heri, p. 10.

    15BETTELHEIM, B., A Bela Adormecida, In: BETTELHEIM, B. ,A Psicanlise dos Contos de

    Fadas, 2007, p. 320.16

    BETTELHEIM, B., A Bela Adormecida, In: BETTELHEIM, B. ,A Psicanlise dos Contos de

    Fadas, 2007, p. 320.

    17Termo empregado por Isabela Fernandes em: FERNANDES, I., A Imagem Mtica do Heri,

    p. 7.

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    que dominam o sujeito na sua passagem para o mundo adulto.18Essa descida a morte

    tambm pode estar relacionado com a entrada em contato com o masculino

    inconsciente, chamado pela psicologia analtica de nimus.

    Quando a princesa adormece, o castelo tambm adormece junto e tomado porespinhos. Esta imagem semelhante a imagem do mito de Persfone que quando

    raptada por Hades e desaparece sua me Demter faz toda terra secar enquanto sua

    filha est desaparecida.

    O despertar da princesa ocorre a partir do beijo do prncipe/ rei porm em algumas

    verses ele s ocorre depois de passado o perodo de 100 anos previstos na profecia

    havendo antes vrios prncipes que ficaram presos e mortos nos espinhos por tentar

    adentrar o castelo antes do prazo determinado. Segundo Bettelheim19isso significa que

    o despertar sexual antes do tempo de maturao terminado(simbolizado pelo sono) pode

    ser extremamente destrutivo. E tambm a autora Marie-Louise von Franz segue nesta

    linha ressaltando que em situaes que dependem do princpio feminino o tempo

    essencial e que nada deve tentar prolongar ou reduzir este tempo.20O beijo do prncipe

    simboliza tanto o despertar sexual quanto a integrao do nimuspor parte da princesa e

    assim o fim de seu processo de individuao e de sua maturao.

    Mas j em relao ao prncipe em algumas verses o final feliz ter de ser retardado

    por mais algum tempo. Segundo Henderson21a misso de salvar uma donzela em perigo

    simboliza a misso do homem de integrar sua nima, feminino existente dentro da

    psique masculina. Em algumas verses22o prncipe ou abandona a princesa (aps o

    casamento) aos cuidados de sua me ogra que pretende devora-la e aos filhos que ambos

    tiveram e parte para guerra ou, na verso de Perrault, retorna ao reino sem contar ao pai

    que havia se casado e somente aps a morte de seu pai que assume a esposa e os

    filhos. Na viso da psicloga Marie-Louise von Franz23isso significa que o prncipe

    18FERNANDES, I., A Imagem Mtica do Heri, p. 7.

    19BETTELHEIM, B., A Bela Adormecida, In: BETTELHEIM, B. ,A Psicanlise dos Contos de

    Fadas, 2007, p. 321.20

    FRANZ, M.-L. von, A Reao da Deusa, In: FRANZ, M.-L. von, O Feminino nos Contos de

    Fadas, 2010, p. 85.21

    HENDERSON, J. , Os Mitos Antigos e o Homem Moderno, In: Jung et alli, O Homem e seus Smbolos,

    2011, p. 159.22

    Verso de Charles Perrault e tambm de Baldini com algumas variantes.23FRANZ, M.-L. von, A Bela Adormecida, In: FRANZ, M.-L. von, O Feminino nos Contos de

    Fadas, 2010, p. 31.

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    ainda no esta amadurecido o suficiente em sua afetividade e virilidade para poder

    assumir um casamento. Em palavras da mesma: Ele incapaz de afirmar-se diante do

    pai (...) uma atitude de adolescente ainda enrolado nos Complexos parentais, e

    parece que precisa enfrentar o fogo dos combates para tornar-se enfim um homem

    capaz de viver feliz no casamento.24Em todos as verses do conto o prncipe consegue

    superar suas dificuldades e ambos vivem felizes para sempre.

    Tanto o prncipe quanto a princesa neste conto passam pelo Processo de Individuao

    em que cada um, de sua forma, consegue cumpri-lo e vencer as dificuldades. A mulher

    de forma um tanto mais passiva, feminina, sua longa morte. O prncipe mais heroico e

    ativo porm igualmente complicada e enredada passagem, onde tem de enfrentar seus

    pais e assumir seu casamento.

    24FRANZ, M.-L. von, A Bela Adormecida, In: FRANZ, M.-L. von, O Feminino nos Contos de

    Fadas, 2010, p. 31.

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    Bibliografia

    BETTELHEIM, Bruno,A Psicanlise dos Contos de Fadas. So Paulo, Editora Paz e Terra, 2010.

    FERNANDES, Isabela,A Imagem Mtica do Heri

    FRANZ, Marie-Louise, O Feminino nos Contos de Fadas. Petrpolis, Editora Vozes, 2010.

    HENDERSON, Joseph L., Os Mitos Antigos e o Homem Moderno, In: Jung et alli, O Homem e

    seus Smbolos. Rio de Janeiro, Editora Nova Fronteira, 2011.