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Universidade Federal do Rio Grande do Norte

Centro de Tecnologia

Curso de Arquitetura e Urbanismo

Disciplina: Trabalho Final de Graduação

STEPHANIE MACÊDO COLLARES MOREIRA

TRABALHO FINAL DE GRADUAÇÃO

COMPLEXO DE SAÚDE MENTAL JOÃO

MACHADO

Diretrizes projetuais de reuso para o Hospital João Machado

Natal, 2018

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STEPHANIE MACÊDO COLLARES MOREIRA

COMPLEXO DE SAÚDE MENTAL JOÃO

MACHADO

Diretrizes projetuais de reuso para o Hospital João Machado

Trabalho Final de Graduação apresentado ao Curso de

Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do

Rio Grande do Norte como requisito para obtenção do

grau de Arquiteta e Urbanista.

Orientadora: Profª Luciana de Medeiros

Natal, 2018

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Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN

Sistema de Bibliotecas - SISBI

Catalogação de Publicação na Fonte. UFRN - Biblioteca Setorial Prof. Dr. Marcelo Bezerra de Melo Tinôco - DARQ -

­CT

Moreira, Stephanie Macedo Collares.

Complexo de saúde mental João Machado: diretrizes projetuais

de reuso para o hospital João Machado / Stephanie Macedo

Collares Moreira. - Natal, 2018.

135f.: il.

Monografia (Graduação) - Universidade Federal do Rio Grande

do Norte. Centro de Tecnologia. Departamento de Arquitetura e

Urbanismo.

Orientadora: Luciana de Medeiros.

1. Hospital - Arquitetura - Monografia. 2. Hospital João

Machado - Monografia. 3. Reuso - Monografia. 4. Reforma

psiquiátrica - Monografia. I. Medeiros, Luciana de. II.

Universidade Federal do Rio Grande do Norte. III. Título.

RN/UF/BSE15 CDU 725.51

Elaborado por Ericka Luana Gomes da Costa Cortez - CRB-15/344

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STEPHANIE MACÊDO COLLARES MOREIRA

COMPLEXO DE SAÚDE MENTAL JOÃO

MACHADO

Diretrizes projetuais de reuso para o Hospital João Machado

Trabalho Final de Graduação apresentado ao Curso de

Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do

Rio Grande do Norte como requisito para obtenção do

grau de Arquiteta e Urbanista.

Aprovado em 03 de Dezembro, de 2018.

BANCA EXAMINADORA

________________________________________

Luciana de Medeiros

Professora orientadora – UFRN

________________________________________

Maisa Fernandes Dutra Veloso

Professora - UFRN

________________________________________

Aline Araújo D’amore

Arquiteta Convidada

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AGRADECIMENTOS

Agradeço aos meus pais que sempre com muito esforço

priorizaram me dar uma educação de qualidade. À minha mãe

especificamente por ter me dado uma educação feminista, de

esquerda e que valoriza os direitos humanos acima de tudo, por

ser o meu exemplo de mulher, formar minha personalidade e

sempre apoiar minhas escolhas.

Aos governos Lula e Dilma por terem ampliado as vagas nas

Universidades Federais e incluído tantas pessoas que nunca

tiveram acesso a uma educação básica melhor. Hoje podemos

nos orgulhar da universidade que temos por ela ser diversa: em

gênero, número, grau e cor. Que as gerações futuras saibam que

esse é o ambiente de resistir (#Elenão) e produzir conhecimento

para que as pessoas se tornem humanas.

Aos meus amigos que estiveram comigo durante toda essa

jornada enfrentando noites viradas, ansiedades, broncas de

professor, mas que nos divertimos, aprendemos, discutimos,

debatemos, projetamos e arquitetamos sonhos. Obrigada a Dani,

Bia, Gabi e Elisa por terem se tornado as minhas maiores

companheiras e ao esquadrão de Formatura por ser o melhor

time de todos: tamo junto!

À minha orientadora, Luciana, que embarcou nesse passeio pela

“loucura”, me ajudou desde o princípio da forma mais dedicada

e sensível e tornou esse trabalho possível. Obrigada por acreditar

em mim e por realmente participar disso.

Ao curso de Arquitetura e Urbanismo da UFRN e ao corpo

docente do Darq por ser tão incrivelmente bom e competente,

por terem aberto nossas cabeças ao longo desses 5 anos

mostrando o quanto a arquitetura é complexa, significativa,

sentimental e subjetiva. Nos ajudando a construir sonhos mais do

que edifícios, a ter ideias acima do que é concreto e a olhar

para cidade e ver pessoas mais do que prédios. Esse trabalho

resume muito do que aprendi com uma arquitetura que nos

ensina a ser humanos.

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“ Não se curem além da conta. Gente curada demais é gente

chata. Todo mundo tem um pouco de loucura. Vou lhes fazer

um pedido: Vivam a imaginação, pois ela é a nossa realidade

mais profunda. Felizmente, eu nunca convivi com pessoas

ajuizadas [...] É necessário se espantar, se indignar e se

contagiar, só assim é possível mudar a realidade...”

Nise da Silveira

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RESUMO

A crise do modelo hospitalocêntrico desde o fim do século XIX começou a delinear

os caminhos do que viria a ser a Reforma Psiquiátrica em todo o mundo. No Brasil, esse

processo começou em torno dos anos 70, junto ao movimento sanitarista, os quais

objetivavam se opor as formas de tratamento desumanas as quais os pacientes eram

submetidos nos manicômios. Com a promulgação da Lei 10.216 da Reforma Psiquiátrica em

2001, tem-se um grande passo para a consolidação da Rede de Atenção Psicossocial (RAPS)

e a partir de então vem-se tentando aos poucos substituir o modelo de internação hospitalar

pelas novas instituições desta rede. Considerando o caráter lento e gradual desse tipo de

mudança, algumas instituições de caráter asilar continuam funcionando, como é o caso do

Hospital João Machado (HJM), em Natal/RN. Conhecido como o maior hospital psiquiátrico

do Estado, teve sua capacidade de internação reduzida de quase 800 leitos, no início, para 117

leitos em consequência da reforma psiquiátrica. O hospital se encontra em uma situação

difícil, tanto financeira quanto física, com estruturas muito antigas, que ressaltam sua

arquitetura manicomial e significativos espaços em desuso. Mesmo assim, ele é referência

quanto ao atendimento de urgência em saúde mental ou dependência química e a procura

ainda é enorme pelas famílias. Dessa maneira, o objetivo geral desse trabalho foi elaborar

diretrizes de projeto para o reuso do HJM visando transformá-lo em um complexo de saúde

mental que contenha serviços substitutivos da RAPS como um Centro de Atenção

Psicossocial (CAPS) e um Centro de Convivência e Cultura. Para isso, foi necessário adentrar

o espaço, ainda pouco conhecido, para observar, compreender a dinâmica de funcionamento,

atualizar informações (inclusive gráficas) e avaliar as maneiras de intervir. Para tal, utilizou-

se as bases teóricas e métodos de intervenção em patrimônio (De Gracia, 1992) e (Vieira,

2008), em diretrizes de psicologia ambiental (Silva, 2008) e em estudos de referência

propostos, a partir dos quais será possível definir um novo zoneamento para os serviços do

complexo. Ao final, tem-se a reunião de diretrizes projetuais que trarão as contribuições da

arquitetura para a transformação gradativa do HJM de acordo com os preceitos da Reforma

Psiquiátrica.

Palavras-Chave : Hospital João Machado, Reúso, Reforma Psiquiátrica.

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ABSTRACT

The crisis of the Hospitalocentric model since the end of the nineteenth century began

to outline the paths of what would become the psychiatric reform worldwide. In Brazil, this

process began around 70 years, along with the sanitary movement, which objected to oppose

the inhumane treatment forms that patients were submitted to in the asylum. With the

promulgation of the law 10,216 of the Psychiatric reform in 2001, there is a major step

towards the consolidation of the Psychosocial Care Network (RAPs) and from then on it is

gradually trying to replace the hospital admission model with the new institutions of this

network. Considering the slow and gradual nature of this type of change, some institutions of

asylum character continue to function, as is the case of the Hospital João Machado (HJM), in

Natal/RN. Known as the largest psychiatric hospital in the state, it had a reduced

hospitalization capacity of almost 800 beds, at the beginning, to 117 beds as a consequence of

the psychiatric reform. The hospital is in a difficult situation, both financially and physically,

with very old structures, which emphasize its asylum architecture and significant spaces in

disuse. Even so, it is a reference in the care of urgency in mental health or chemical

dependence and the demand is still enormous for families. Thus, the general objective of this

work was to elaborate project guidelines for the reuse of HJM in order to transform it into a

mental health complex that contains substitutive services of raps as a Psychosocial Care

center (CAPS) and a center for Coexistence and culture. For this, it was necessary to enter the

space, still little known, to observe, understand the dynamics of functioning, update

information (including graphics) and evaluate the ways of intervening. For this purpose, we

used the theoretical bases and methods of intervention in patrimony (De Gracia, 1992) and

(Vieira, 2008), in Guidelines of environmental psychology (Silva, 2008) and in proposed

reference studies, from which it will be possible to define a new zoning For the services of

the complex. At the end, there is the meeting of projective directives that will bring the

contributions of the architecture to the gradual transformation of the HJM according to the

precepts of the psychiatric reform.

Keywords: João Machado Hospital, reuse, psychiatric reform.

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1 Stultifera Navis, de Sebastian Brant, 1494 ........................................................... 19

Figura 2: Don Quixote de la Mancha, de Miguel de Cervantes, 1505 .......................... 19

Figura 3:Panóptico de Bentham ......................................................................................... 23

Figura 4:Rede de atenção psicossocial............................................................................. 30

Figura 5: Modalidades dos CAPS ........................................................................................ 31

Figura 6: Parte externa da esquadria: emprego de brises ............................................. 39

Figura 7: Exemplo de hospital psiquiátrico horizontal ...................................................... 40

Figura 8: Trecho de uma enfermaria do Instituto Psiquiátrico de São Paulo contendo

dois clusters............................................................................................................................. 40

Figura 9: Uso da cor verde em um quarto de uma unidade psiquiátrica para

adolescentes, Estado da Califórnia, EUA. ......................................................................... 41

Figura 10: Espaço em “L” e relação dos bancos com os canteiros.............................. 42

Figura 11: Mobiliário do Sesc Vila Mariana, SP .................................................................. 43

Figura 12: Cobertura vegetal diminui a agressividade do muro ................................... 44

Figura 13: Painéis na parede com intervenções dos internos do Hotel da Loucura, no

Instituto Nise da Silveira, RJ................................................................................................... 44

Figura 14: Fachada principal do João Machado ............................................................ 47

Figura 15: Esquadrias do João Machado .......................................................................... 47

Figura 16: Vista externa da entrada principal do João Machado ................................ 47

Figura 17: Localização do HJM ........................................................................................... 49

Figura 18: Planta original da SESAP ..................................................................................... 50

Figura 19: Planta do zoneamento antigo digitalizada com base na original ............. 51

Figura 20: Maquete esquemática do HJM com zonas atuais ........................................ 52

Figura 21: Áreas livres para lazer ......................................................................................... 53

Figura 22:Áreas livres na planta ........................................................................................... 54

Figura 23: Repouso para funcionário (antiga enfermaria) ............................................. 55

Figura 24: Área de lavagem ................................................................................................ 55

Figura 25: Planta com novas zonas do João Machado ................................................. 56

Figura 26: Ala de internação Walfredo dentro do João Machado .............................. 56

Figura 27: Tipos de práticas compositivas ......................................................................... 59

Figura 28: Graus de compatibilidade por adjacência ................................................... 60

Figura 29: Relação mediante conector específico ......................................................... 60

Figura 30: O poché ............................................................................................................... 61

Figura 31: Autenticidade e integridade ............................................................................. 63

Figura 32: Escalas de intervenção ...................................................................................... 63

Figura 33: Hospital Ulysses Pernambucano ........................................................................ 67

Figura 34: Localização do Hospital ..................................................................................... 69

Figura 35: Implantação do HUP .......................................................................................... 70

Figura 36: Entrada principal do HUP ................................................................................... 71

Figura 37: Hortas do HUP ...................................................................................................... 71

Figura 38: Praça de entrada do HUP.................................................................................. 72

Figura 39: Parte da Fachada Frontal .................................................................................. 72

Figura 40: Vista aérea do hospital ...................................................................................... 73

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Figura 41: Zoneamento HUP................................................................................................. 74

Figura 42: Passarela central ................................................................................................. 75

Figura 43: Administração e Refeitório, respectivamente ................................................ 75

Figura 44: Antigo CAT............................................................................................................ 76

Figura 45:Pátio do antigo CAT (agora da enfermaria) ................................................... 77

Figura 46: Panfleto de divulgação do CAT ....................................................................... 78

Figura 47: Parte do acervo de pinturas do CAT ............................................................... 78

Figura 48: Produções dos internos produzidas no CAT .................................................... 78

Figura 49: Entrada Pronto Socorro ...................................................................................... 79

Figura 50:Entradas Sesc Vila Mariana e Sesc Pompeia ................................................... 81

Figura 51: Deck externo Sesc Ipiranga ............................................................................... 81

Figura 52: Deck externo Sesc Pompeia .............................................................................. 82

Figura 53: Átrios internos Sesc’s Vila Mariana .................................................................... 82

Figura 54: Mobiliários sesc 24 de maio ............................................................................... 83

Figura 55: Mobiliário de madeira Sesc’s Vila Mariana e Pompeia, respectivamente 83

Figura 56: Passarelas em concreto (Sesc Pompeia) Passarela metálica (Sesc Vila

Mariana) ................................................................................................................................. 84

Figura 57: Rampas SESC’s 24 de maio e V. Mariana ........................................................ 84

Figura 58: A parte fabril em tijolo terracota aparente e a intervenção de Lina Bo

Bardi- Sesc Pompeia ............................................................................................................. 85

Figura 59: Instalações acima da rampa e semi cobertas no átrio - Sesc Vila Mariana

e 24 de maio .......................................................................................................................... 85

Figura 60: Vigas/maõs francesas e contraventamento - Sesc Vila Mariana ............... 86

Figura 61: Treliças de metal e vigas de concreto - Sesc Pompeia ................................ 86

Figura 62: Fachada frontal e lateral direita da Pinacoteca ........................................... 87

Figura 63: Fachada frontal pela Av. Tiradentes ................................................................ 88

Figura 64: Fachada sul, nova entrada com acesso pela Estação Sul .......................... 89

Figura 65: Varanda na fachada da Av. Tiradentes ......................................................... 89

Figura 66: Fachada frontal e lateral direita da Pinacoteca ........................................... 90

Figura 67: Passarelas através dos pavimentos .................................................................. 91

Figura 68: Planta da proposta do parque ......................................................................... 93

Figura 69: Primeira etapa da obra: área esportiva .......................................................... 94

Figura 70: Manutenção de partes da estrutura nos passeios ......................................... 94

Figura 71: Passarelas metálicas de acesso aos mirantes ................................................ 95

Figura 72: Prédios institucionais construídos na terceira fase ......................................... 97

Figura 73: Rede de Atenção Psicossocial ........................................................................ 105

Figura 74:Áreas de internação a serem demolidas na planta .................................... 111

Figura 75:Esquema de sugestão de demolições ........................................................... 112

Figura 76:Croqui representando modificações no eixo central .................................. 113

Figura 77: Esquema das relações de congruência geométrica ................................. 114

Figura 78: Ilustração da prática compositiva por exclusão .......................................... 114

Figura 79: Ilustração das práticas compositiva com elementos conectores ............ 115

Figura 80: Esquema das relações entre serviços mantidos e os novos anexos ......... 116

Figura 81: Esquema da justaposição representada pelo Centro de Conv. e Cultura

................................................................................................................................................ 117

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Figura 82: Mapa resumo dos conceitos norteadores .................................................... 118

Figura 83: Estudo de Setorização/Zoneamento ............................................................. 121

Figura 84: Esquema de implantação do novo zoneamento ....................................... 121

Figura 85: Exemplos de suavização do muro .................................................................. 122

Figura 86: Integração entre o João Machado (muro à esquerda) e a Av.

Alexandrino de Alencar ..................................................................................................... 123

Figura 87: Zoom na sugestão de intervenção para o campo de futebol ................. 123

Figura 88: Referência de mobiliários sugeridos para a praça ...................................... 124

Figura 89: Zoom na sugestão de intervenção para a área verde do lado esquerdo

do terreno ............................................................................................................................. 124

Figura 90: Implantação esquemática demarcando áreas de acesso e

estacionamento .................................................................................................................. 126

Figura 91: Croqui demonstrando a relação do CAPS com sua área de convivência

anexa .................................................................................................................................... 127

Figura 92: Residências e CAPS integrados por um grande átrio de acesso .............. 128

Figura 93: Forma do centro de convivência favorecendo a circulação dinâmica 129

Figura 94: Decks externos para a praça de convivência com mobiliário ................. 130

Figura 95: Organização em diferentes blocos. Passarelas justapostas fazem parte da

identidade visual do centro .............................................................................................. 130

Figura 96: Prédios da frente a serem preservados, modificando a linguagem estética

................................................................................................................................................ 131

Figura 97: Passarelas e plataforma assumem uma nova identidade ao conjunto .. 131

LISTA DE TABELAS

Tabela 1: Número de atendimentos realizados na urgência do HJM segundo

diagnóstico...........................................................................................................................94

Tabela 2: Programa e pré-dimensionamento do CAPS III João Machado...............100

Tabela 3: Programa e pré-dimensionamento das Residências Terapêuticas...........101

Tabela 4: Programa e pré-dimensionamento do Centro de Convivência e

Cultura.................................................................................................................................101

Tabela 5: Programa e pré-dimensionamento do apoio logístico..............................101

Tabela 6: Programa e pré-dimensionamento do apoio técnico e áreas a serem

mantidas ............................................................................................................................102

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 13

17

CAPÍTULO 1: A CONSTRUÇÃO DO LUGAR DA LOUCURA 17

1.1 A história da loucura: da Nau ao Hospital 18

1.2 O paradigma da desinstitucionalização 24

1.3 A Psicologia Ambiental e a Arquitetura Hospitalar 33

45

CAPÍTULO 2: A INTERVENÇÃO NO AMBIENTE CONSTRUÍDO 45

2.1 O caso do João Machado 46

2.2 Construir dentro do construído 57

2.3 Escalas de intervenção 61

65

CAPÍTULO 3: ESTUDOS DE REFERÊNCIA 66

3.1 Hospital Ulysses Pernambucano: estudo de caso 66

3.2 A arquitetura dos SESC/SP 79

3.3 Pinacoteca do Estado de São Paulo 87

3.4 Parque da Juventude - Carandiru 92

99

CAPÍTULO 4: O REENCONTRO DA CIDADE COM A LOUCURA: DISCUTINDO FORMAS DE

INTERVENÇÃO 100

4.1 O João Machado e a Rede de Atenção Psicossocial 100

4.2 Programação arquitetônica 104

4.3 O reúso do João Machado sob a ótica patrimonial 110

119

CAPÍTULO 5: DIRETRIZES DE PROJETO PARA O REÚSO DO HOSPITAL JOÃO MACHADO

119

5.1 QUANTO AO ZONEAMENTO 120

5.2 QUANTO AO ESPAÇO EXTERNO 122

126

5.3 QUANTO AOS SERVIÇOS 127

CONSIDERAÇÕES FINAIS 132

REFERÊNCIAS 133

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13

INTRODUÇÃO

O início do processo de reforma psiquiátrica é contemporâneo ao movimento sanitário

dos anos 70 em favor da mudança dos modelos de atenção e gestão da saúde. Essa iniciativa

diz respeito a crise do modelo hospitalocêntrico que, desde o final do século XIX, era visto

como a forma de tratamento mais eficaz para pacientes com transtornos psiquiátricos. Com o

passar do tempo, o sistema asilar começou a entrar em discussão, o Movimento dos

Trabalhadores em Saúde Mental (MTSM) intensificou as denúncias contra a violência dentro

dos manicômios bem como os tratamentos ditos “de sucesso” como a lobotomia e o

eletrochoque passaram a ser vistos como desumanos. Assim, surgiu a possibilidade da

construção de uma rede de cuidados para substituir a figura do hospital (MINISTÉRIO DA

SAÚDE, 2005).

Em 2001, com a lei 10.216 tem-se um grande passo para a consolidação do processo

de reforma psiquiátrica no Brasil. O regulamento vem para especificar os direitos da pessoa

com transtornos mentais no que diz respeito à assistência médica. O período atual caracteriza-

se então pela construção de uma rede de saúde mental substitutiva ao modelo de internação

hospitalar e à fiscalização e redução progressiva e programada dos leitos psiquiátricos.

A Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) que integra o Sistema Único de Saúde (SUS)

estabelece os pontos de atendimento de pessoas com transtornos mentais, incluindo os efeitos

nocivos do uso de crack, álcool e outras drogas. A Rede é composta por serviços e

equipamentos variados, tais como: os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), os Serviços

Residenciais Terapêuticos (SRT’s), os Centro de Convivência e Cultura, as Unidades de

Acolhimento (UAs) e os leitos de atenção integral (em Hospitais Gerais, no Caps III).

Em 2013, segundo o Ministério da Saúde, a RAPS já contava com 1982 CAPS, 625

residências terapêuticas, 60 unidades de acolhimento, 81 consultórios de rua, 4121 leitos em

hospitais gerais e a redução de mais de 21.435 leitos de hospitais psiquiátricos desde 2002.

Apesar dessas mudanças no sistema, ainda há uma demanda muito grande de pacientes em

regime de internação e por isso ainda precisam ser fortalecidos serviços de CAPS III e leitos

em Hospitais Gerais. Desinstitucionalizar pessoas longamente internadas é um processo

delicado e complexo. Por esta razão, em 2010 o Ministério da Saúde abriu um

edital específico para potencializar os processos de desinstitucionalização em

municípios prioritários (com hospitais indicados para descredenciamento pelo

PNASH/Psiquiatria ou com denúncias de violações de direitos humanos ou acima

de 400 leitos). Em 2011 foi criada uma supervisão intitulada “Desinstitucionalização e

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14

redes substitutivas” a qual selecionou 27 projetos para a qualificação técnica e reformulação

da assistência em saúde mental em municípios onde se encontravam Hospitais Psiquiátricos

ou Hospitais de Custódia para tratamento psiquiátrico. Destes, apenas 1 ocorreu em Natal,

referente a Clínica Santa Maria.

A história dos hospitais psiquiátricos no estado do Rio Grande do Norte tem como

expoentes o Hospital Colônia Dr. João Machado e as instituições que o precederam: o

Lazareto (1882), o Asilo de Alienados (1911) e o Hospital de Alienados (1921). Atualmente,

tem-se dois grandes hospitais públicos que ainda sobrevivem com o modelo de internação

que a reforma visa abolir aos poucos: o Hospital Severino Lopes e o citado anteriormente,

Hospital Colônia João Machado, sendo este último ainda o maior do RN. Idealizado pelo

médico psiquiatra Dr. João da Costa Machado, o hospital funciona desde 1957, época na qual

o surgimento dessa instituição foi considerado uma renovação na psiquiatria potiguar já que o

médico pregava ideais de reintegração social e reabilitação dos doentes (SILVA e DANTAS,

2014).

Atualmente o João Machado não tem mais a demanda nem a força que já teve em

outrora (NOVO, 2017) O hospital que já contou com mais de 400 internos em suas

enfermarias, hoje, possui 117 leitos abertos para o setor psiquiátrico e atendimento para

pacientes com transtornos decorrentes de álcool e drogas, a unidade em muitos setores é um

imenso vazio. São inúmeros corredores e aposentos que vem sendo aos poucos desativados

pela nova política de saúde mental do Governo Federal. A instituição tem se sustentado

financeiramente através das 40 vagas de retaguarda que são utilizadas pelo Hospital Walfredo

Gurgel quando o mesmo encontra-se lotado. Segundo a Sesap existe a intenção, desde 2014,

de transformar o João Machado em Hospital Geral futuramente, projeto este que ainda não

tem prazos nem planejamento oficiais. De toda maneira, a expectativa é que haja uma

adaptação da instituição aos novos componentes da rede.

Pela sua história e mesmo por ser o grande representante desse modelo

hospitalocêntrico na cidade, a imagem do Hospital João Machado carrega consigo o estigma

do manicômio e é visto pela comunidade no geral como “o lugar onde ficam os doidos”. Não

se conhece muito sobre o que acontece lá dentro, o espaço físico não é convidativo,

configura-se quase como uma arquitetura do medo. Os muros, as grades marcam a separação

entre o que é “normal” e o que é visto como “loucura”. A normalidade não adentra os muros

do manicômio, pois é lá que está tudo que não quer ser visto.

Em contraposição a essa imagem de segregação colocada pelo hospital, dispositivos

como Centros de Convivência e Cultura crescem no debate da política de saúde mental como

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15

componentes importantes dentro da RAPS no sentido da ressocialização de pacientes que já

passaram por experiências de internação. Este tipo de dispositivo não é assistencial,

tampouco realiza atendimento médico e terapêutico e, portanto, deve agir de maneira

integrada a outros componentes da rede. Complementarmente, Os CAPS são o “coração da

reforma psiquiátrica” pois coordenam o processo de conexão entre a RAPS e realizam o

serviço de assistência à saúde. A união destes dois componentes (em integração com os

demais) tem uma grande força enquanto complexo de tratamento à saúde mental, pois atuam

na atenção psicossocial em duas frentes: assistência médica e terapia através da arte e

convivência.

Em meados da década de 40, a psiquiatra Nise da Silveira revolucionou a história do

tratamento da loucura no Brasil ao ser pioneira na utilização da terapia através da arte.

(OCUPAÇÃO NISE DA SILVEIRA, SP). Após os estudos desenvolvidos e colocados em

prática pela médica no setor de terapia ocupacional do Hospital Pedro II, este setor que era

estigmatizado, passou a ter um papel protagonista no tratamento dos pacientes. A produção

dos “clientes” culminou na criação, em 1952, do Museu de Imagens do Inconsciente no Rio

de Janeiro que conta com mais 360 mil obras. Além disso, alguns dos pacientes de Nise

descobriram a partir de suas obras, um caminho através da arte e viraram grandes artistas.

Portanto, o questionamento dos espaços da loucura também faz parte das discussões trazidas

pela médica. Se hoje a RAPS dá espaço a locais como os centros de convivência e cultura,

boa parte desse debate sobre humanização e novas formas de terapia iniciaram a partir dos

resultados obtidos pelo trabalho da psiquiatra.

Nesse contexto, a reforma psiquiátrica cria um importante elo com a arquitetura. A

estratégia de criação da rede prevê o aparecimento de diferentes tipos de instituições que

devem estar em conexão para o bom funcionamento da RAPS. Desse modo, um estudo

aprofundado do que sempre foi esse “lugar da loucura” pode contribuir de forma a auxiliar

com que o processo de aparecimento dos novos locais de assistência se torne espacialmente

melhor resolvido viabilizando a construção de espaços socialmente mais adequados para o

tratamento desses pacientes. A arquitetura tem a função não só de projetar edifícios, mas

muitas vezes de ressignificá-los e dessa forma fazer com que a história esteja em contínua

transformação. Para o caso de Natal, o Hospital João Machado se torna foco dessa

intervenção por ser o maior hospital psiquiátrico do estado e carregar consigo o estigma do

manicômio. A intenção é de se contar aqui, então, uma nova história para os espaços da

loucura, não mais de muros e segregação e sim de vivência e integração.

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Diante disso, este Trabalho Final de Graduação tem como objetivo geral elaborar

diretrizes projetuais que promovam o reuso do Hospital João Machado transformando-o num

complexo de saúde mental contemplando serviços da Rede de Atenção Psicossocial. O

universo de estudo desta pesquisa se trata do próprio terreno onde está localizado o hospital, e

o seu entorno imediato, a Avenida Alexandrino de Alencar, no bairro do Tirol.

Os objetivos específicos, por sua vez, são três:

1. Adentrar os muros do Hospital João Machado a fim de apreender a dinâmica do

espaço e, através dos conhecimentos da área de patrimônio e psicologia ambiental,

avaliar como a intervenção poderá ser realizada;

2. Discutir e apontar possibilidades de reuso do espaço existente no HJM à luz da

reforma psiquiátrica e da Rede de Atenção Psicossocial existente na região;

3. Reunir, em forma de diretrizes, soluções arquitetônicas que dialoguem com a questão

da intervenção em um edifício existente e voltadas à humanização da assistência em

saúde mental e à socialização dos pacientes em contraponto com as vivências do

manicômio.

O desenvolvimento deste trabalho está organizado em três partes: a construção de um

referencial teórico, que tratará das quatro áreas que abarcam a complexidade desse estudo,

são elas: Psicologia social, Reforma Psiquiátrica, Psicologia Ambiental e Patrimônio

Histórico. Esses assuntos serão contemplados pelos Capítulos 1 e 2. Ainda como parte da

teoria, destacam-se no Capítulo 3 estudos de caso e referência que contribuíram aos

resultados, os quais são: O hospital psiquiátrico Ulysses Pernambucano (Recife/PE), A

arquitetura dos SESC/SP, a Pinacoteca do estado de São Paulo e, por fim, o Parque da

Juventude/Carandiru, também localizado em São Paulo/SP. A segunda parte consiste nas

análises do que foi encontrado no estudo de caso do próprio Hospital João Machado unidas às

discussões das teorias apresentadas nos primeiros capítulos a fim de chegar-se aos

direcionamentos para possíveis intervenções no espaço. Essas discussões estão colocadas no

Capítulo 4. Por fim na terceira parte, contida no Capítulo 5, elencam-se as diretrizes de reúso

para o HJM, elucidadas através de textos, plantas e ilustrações esquemáticas, concluindo o

objetivo do estudo.

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CAPÍTULO 1: A CONSTRUÇÃO DO LUGAR DA

LOUCURA

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1.1 A história da loucura: da Nau ao Hospital

Há um processo de exclusão da loucura que se relaciona diretamente com a sociedade

capitalista. Se hoje estamos acostumados a entender a lógica dos hospitais psiquiátricos como

o “lugar da loucura”, a história mostra que nem sempre foi assim. Do séc. XV ao XVII a

figura do louco fazia parte da paisagem da cidade, era no essencial experimentada

cotidianamente, pois a produtividade não era um critério de normalidade. A partir do advento

do capitalismo, com a ideia de “gestão da vida” há a exclusão completa do sujeito“louco”,

pois não sendo este um indivíduo produtivo, os excessos passam a provocar incômodo. Este

tópico trata-se então da sucessão histórica entre o século XV e o século XIX em que se

construiu essa ideia da loucura excluída da sociedade e de como ela foi parar dentro do

manicômio. Para isso voltaremos no tempo e veremos através de Foucault (1972) como

ocorreu essa evolução.

1.1.1 Stultifera Navis

A navegação entrega o homem à incerteza da sorte

Essa história começa a ser contada ao final da Idade Média, quando a lepra

desaparece do mundo ocidental. Às margens da comunidade, às portas das cidades, abrem-se

como que grandes praias que esse mal deixou de assombrar, mas que também deixou estéreis

e inabitáveis durante longo tempo (FOUCAULT, 1972). Será necessário um extenso

momento de latência para que o fenômeno da loucura surja como o grande medo que

sucederá a lepra como marca na história. Quase dois séculos depois é que a ela irá nascer sob

as raízes da divisão e da exclusão que lhes são tão características.

Esta primeira fase tem alegorias históricas que representam bem como a loucura

estava presente no imaginário da cidade antes de ser dominada ao final do séx. XVII. Uma

das mais características era a Stultifera navis (Nau dos Loucos), descrita por Foucault:

[...] todo embarque é potencialmente o último. É para o outro mundo que parte o

louco em sua barca louca; é do outro mundo que ele chega quando desembarca [...]

num certo sentido, essa ideia de navegação desenvolve ao longo de uma geografia

semi real, semi imaginária, a situação liminar do louco no horizonte das

preocupações do homem medieval. (FOUCAULT, 1972, p. 14)

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Figura 1 Stultifera Navis, de Sebastian Brant, 1494

Fonte: http://redehumanizasus.net

A figura do louco tornava-se lúdica (louco, simplório, bobo) e não marginal e tomava

lugar no centro do teatro. A loucura não conduzia a um estado “perdido” ou de cegueira e sim

à verdade individual de cada um (Elogio da Loucura, 1509). Personagens que ficaram

famosos e fizeram história como Don Quixote de La Mancha (Miguel de Cervantes, 1505)

surgiram a essa época; era uma imagem que causava fascínio e espanto, o delírio como forma

de encontrar a verdade.

Figura 2: Don Quixote de la Mancha, de Miguel de Cervantes, 1505

Fonte: http://www.donquijote.co.uk

Duas experiências eram relacionadas a loucura: a trágica, sonho e delírio como

revelação da verdade e a crítica, a loucura vista como desvio, como erro. No século XVI vem

à tona esses questionamentos relativos à razão. A loucura se torna uma medida relativa a

própria razão, ela é a medida do homem quando comparada a razão desmesurada de Deus

(FOUCAULT, 1972). Diferentes tipos de louco passam a ser considerados, era o início do

que seria alguma diferenciação, como cita Pascal: “os homens são tão necessariamente loucos

que não ser louco significaria ser louco de algum tipo de loucura”.

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No entanto, mesmo com essas novas concessões dadas a manifestação da loucura,

iniciam-se categorizações que levarão futuramente ao aprisionamento e condenação dos tipos

de loucura não aceitáveis à nova era. No século XVII nascerá a experiência clássica da

loucura. Nunca mais ela será esse “limite fugidio e absoluto; ei-la amarrada, solidamente, no

meio das coisas e das pessoas. Retida e segura. Não existe mais a barca, porém o hospital”.

(FOUCAULT, 1972)

A loucura tem um lugar na paisagem social. O começo do séc. XVII é

estranhamente hospitaleiro para com ela. Está está ali presente, no coração das casas

e dos homens […] mas novas exigências estão surgindo. (FOUCAULT, 1972, p.

25)

1.1.2 A Grande Internação

O hospital é a sequência do embarque

A partir da metade do século XVII a loucura esteve ligada a essa terra de

internamentos, e ao gesto que lhe designava essa terra como seu lugar natural (FOUCAULT,

1972). A data de referência é 1656, quando ocorreu o decreto da fundação, em Paris, do

Hospital Geral. A esta época o hospital não assume ainda o papel médico, ele é uma instância

da ordem. A instituição passa a ser um estranho poder que o rei estabelece entre a polícia e a

justiça, nos limites da lei: é a terceira ordem da repressão.

Existiam quatro grupos de excluídos: devassos, profanadores, libertinos e loucos. A

loucura tinha um parentesco com as culpas morais e sociais, aos desvios sexuais, aos

profanos e aos corrompidos pela paixão. Não se põe em questão as relações loucura - doença,

mas as relações da sociedade consigo mesma.

A prática da internação designa uma nova reação à miséria, um novo

patético - de modo mais amplo, um outro relacionamento do homem com aquilo

que pode haver de inumano em sua existência. O pobre, o miserável, o homem que

não pode responder por sua própria existência, assumiu no decorrer do séc. XVI

uma figura que a Idade Média não teria reconhecido. (FOUCAULT, 1972, p. 27 )

Relacionando a ideia da moral social e da miséria tem-se uma estreita relação com a

igreja em que se distingue os bons e os maus pobres, os de Jesus e os do Demônio. Enquanto

os primeiros aceitam e dão provas de utilidade as casas de internamento, recebem com

reconhecimento tudo que as autoridades lhes dão gratuitamente, os outros se queixam do

Hospital Geral e da coação que ali os mantém. O internamento se justifica, assim, duas vezes:

a título de benefício e a título de punição (FOUCAULT, 1972). São os “maus pobres” que

transformaram, mesmo a esta época, o hospital num empreendimento de repressão. O

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Hospital Geral se utiliza pois dessa dicotomia para designar a própria loucura e colocar o

interno nesse campo da questão ética.

A função de repressão do mesmo não se trata mais de prender os sem trabalho, mas

de dar trabalho aos que foram presos, fazendo-os servir com isso a prosperidade. A

justificativa era clara, pois a mão de obra barata fazia sentido em meio aos tempos

de pleno emprego e de altos salários; e em período de desemprego servia à

reabsorção dos ociosos e proteção social contra a agitação e as revoltas.

(FOUCAULT, 1972, p. 35 )

Nesse contexto, a obrigação do trabalho assume o sentido de garantia ética e moral;

existe nessa direção a ideia de combate à ociosidade na sociedade burguesa em emergência.

O que agrupa todos os excluídos que residem nas casas de internação é a incapacidade de

tomar parte na produção, na circulação ou no acúmulo de riquezas. Este é o início da

dinâmica da exclusão do louco na casa de internamento para reestruturação do espaço social

que vai se consolidar futuramente no capitalismo.

1.1.3 O surgimento da psiquiatria e a invenção do asilo de alienados

e a exclusão social foi legitimada pelo cientificismo...

No século XVIII encontra-se a criação de um novo personagem para a loucura; trata-

se de um gesto muito parecido com o que colocou à lepra em isolamento. Esse gesto descrito

por Foucault como “criador de alienação” é que dá início a inquietude da loucura. Ela passa a

ser agora desumanizada, o louco está afastado da sua essência racional e moral. Se a loucura

é uma doença, deve ser então isolada e tratada como tal.

Esse processo de separação das enfermidades caracteriza o período chamado

medicalização do hospital, que ocorreu em fins do século XVIII e que foi operado,

essencialmente, a partir de uma tecnologia política, que é a disciplina (AMARANTE, 2007).

O hospital torna-se a um só tempo espaço de exame, de tratamento e de reprodução do saber

médico. Essa mudança acontece em consonância com os ideais da Revolução Francesa de

igualdade, liberdade e fraternidade os quais levavam a uma democratização de todos os

espaços sociais. Foi assim que os hospitais passaram a ser objeto de profundas mudanças.

Phillipe Pinel é o médico francês, considerado pai da psiquiatria, que trouxe pela

primeira vez a ideia de loucura como patologia. Uma das principais atitudes que Pinel teve

quando trabalhou em Bicêtre (Paris, 1793) como chefe do asilo para homens foi separar os

doentes mentais dos demais marginalizados, isolando estes pacientes para realizar o

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tratamento. Isso demonstrou que havia diferença entre doente e não doente, diferente do que

se podia pensar antes, quando todos enclausurados tinham os mesmos adjetivos e eram

aglomerados no mesmo espaço. Pinel tinha a finalidade de restituir “liberdade aos loucos”

pois literalmente desacorrentava-os, mas para colocá-los no asilo partindo da lógica de que:

se as causas da alienação mental estão presentes no meio social só o isolamento permitiria

afastá-las (AMARANTE, 2007).

Neste momento, houve um processo de mudanças de amarras, pois os alienados, ao

serem libertados das correntes que estavam presas aos seus corpos, passaram a ser

acorrentados pelo saber médico científico e pelo hospital psiquiátrico. Assim os

ideários da Revolução Francesa “igualdade, liberdade e a fraternidade” que

fundamentaram a discussão da cidadania pela Europa não ecoaram nos hospitais,

local onde a loucura foi re-aprisionada e a exclusão social foi legitimada pelo

cientificismo. (QUEIROZ, 2009, p. 55)

Neste contexto em que o hospital se transformou numa instituição médica, e quando a

experiência da loucura já havia recebido uma conotação negativa, foi assumida pela

medicina. A loucura, ao deixar de ser percebida como um fenômeno passou a ser definida

como uma alienação, e, mais tarde, como doença que precisava ser observada, estudada,

classificada e tratada (QUEIROZ, 2009). O hospital passou a ser um espaço médico e a

disciplina hospitalar imposta tinha a função de “assegurar o esquadrinhamento, a vigilância e

a disciplinarização do mundo confuso do doente e da doença, como também de transformar

as condições do meio em que os doentes são colocados” (FOUCAULT, 1997, p. 108). É o

surgimento da lógica dos hospícios. As características básicas dessas instituições eram: o

hospital como instrumento para a cura e a transformação no sistema de poder dentro dele,

além é claro da grande preocupação com a organização interna.

Nesse contexto cabe falar sobre o arquétipo do panóptico, que surge da necessidade

contínua de vigilância dentro dessas instituições. A ideia original do panóptico é do filósofo

Jeremy Bentham como uma forma de estrutura arquitetônica projetada para cárceres e

prisões. Essa referida estrutura funciona como um arranjo circular de celas em torno de um

núcleo central, o qual seria uma torre de vigia de onde uma única pessoa poderia visualizar

todas as células a fim de controlar o comportamento de todos os indivíduos reclusos. A

grande questão é que estes não podem estar cientes de que são observados, já que a torre

central supõe um objeto opaco. Assim, o prisioneiro poderia ser monitorado a cada momento,

tendo que controlar seu comportamento para não ser punido.

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Figura 3:Panóptico de Bentham

Fonte: http://estudospos-fundacionais.blogspot.com

Foucault em sua obra Vigiar e Punir (1978) expande essa ideia para a sociedade como

um todo, com o princípio de que todas as suas instituições de poder se utilizam desse

mecanismo para manter o controle podendo assim vigiar e corrigir os problemas. Ele aponta

esse procedimento como a emergência da sociedade disciplinar dizendo que o panóptico

expressa muito bem o tipo de domínio que ocorre na era contemporânea: “os mecanismos de

vigilância são introduzidos em corpos, fazem parte de um tipo de violência que se articula

através das expectativas e significados que transmitem os espaços e as instituições”

(PENSAR CONTEMPORÂNEO, 2018)

Um dos precursores teóricos que veio trazer a tona os primeiros movimentos contra a

psiquiatria conservadora foi Franco Basaglia, psiquiatra italiano que relatou em diversas

obras a situação do doente no hospital psiquiátrico e veio dar direções ao que seria o início da

luta antimanicomial. Em sua obra L’istituzione negatta (A Instituição Negada, 1968) ele

caracteriza as instituições a partir desta relação de poder e de abuso e violência que é

estabelecida entre quem tem o poder (o profissional técnico) e que não o tem (o doente

mental). O que ele chama de “Instituições da violência”, em um de seus capítulos mantém

uma conversa com as ideias de Foucault (1978) no sentido de que ele afirma que toda a

sociedade está disposta sob essas relações de poder: assim como o pai é autoritário para com

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seu filho, a escola ameaça o aluno e o empregador explora o proletário, o manicômio destrói

o doente. Ele defende que a atuação técnica do hospital está em consonância com os

interesses do sistema econômico e serve para justificar a exclusão do indivíduo mais

vulnerável socioeconomicamente, como já foi visto antes. A partir da reflexão sobre as

instituições da violência delineiam-se os primeiros passos da luta antimanicomial nos anos

70. Veremos no próximo tópico os movimentos antecedentes à reforma psiquiátrica quando

surge então o paradigma da desinstitucionalização.

1.2 O paradigma da desinstitucionalização

Uma fábula oriental narra a história de um homem que dormia quando uma

serpente rastejou para dentro de sua boca. Tendo deslizado até o estômago, a

serpente ali se estabeleceu, impondo sua vontade ao homem, a ponto de privá-lo da

sua liberdade. O homem ficou à mercê da serpente: já não pertencia a si mesmo.

Até que, numa certa manhã, o homem sentiu que a serpente fora embora e ele

estava novamente livre. Mas então deu-se conta de não saber o que fazer com sua

liberdade. (BASAGLIA, 1968, P. 94)

Paulo Amarante em sua obra Saúde Mental e Atenção Psicossocial (2007) aponta

algumas experiências antecedentes de reforma psiquiátrica e as categoriza em distintas

atuações. As duas grandes guerras fizeram com que a sociedade passasse a refletir mais sobre

a natureza humana. Ao dirigir o olhar para o hospício, percebeu-se que as condições de vida

oferecidas ao paciente psiquiátrico em nada se diferenciava daquelas dos campos de

concentração. Era necessário mudar essa realidade. A partir dessa consciência houveram dois

grandes grupos de reformas que aconteceram em vários países (divididos para fins didáticos):

a ideia da comunidade terapêutica ou psicoterapia institucional e a psiquiatria de setor ou

psiquiatria preventiva. O primeiro grupo defendia que a solução era introduzir mudanças

dentro da instituição, pois partiam do princípio de que o fracasso estava na forma de gestão.

Já o segundo grupo acreditava na obsolescência do modelo hospitalar através da construção

de serviços assistenciais que qualificariam o cuidado terapêutico diminuindo a importância

do hospital psiquiátrico (AMARANTE, 2007).

Outro movimento forte a ser destacado seria a Antipsiquiatria, que teve início na

Inglaterra, nos anos 50. O ideal surgiu com os psiquiatras Ronald Laing e David Cooper ao

tentarem implantar experiências de Comunidade Terapêutica nos hospitais onde trabalhavam.

Porém em um curto período de tempo eles perceberam que os “loucos” não eram apenas

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oprimidos e violentados nas instituições, mas também na família e na sociedade

(AMARANTE, 2007). Esse conceito de “anti”psiquiatria aponta para uma antítese à teoria

psiquiátrica, então, no sentido de que compreende que a experiência patológica ocorre não só

no corpo/mente do indivíduo mas nas relações estabelecidas entre ele e a sociedade. O

hospital psiquiátrico como uma instituição disciplinar da sociedade reproduzia e radicalizava

as mesmas estruturas sociais opressoras fortemente manifestadas na família. Dessa forma,

não existiria enfim a doença como objeto natural, mas sim uma experiência do doente com o

ambiente social. Se esse conceito é então rejeitado, a proposta de tratamento terapêutico dada

pelo hospital de nada adiantava; assim a ideia da antipsiquiatria era de que o indivíduo

vivenciasse sua experiência e esta seria por si só terapêutica e o sintoma expressaria, por sua

vez, uma possibilidade de reorganização interior. A partir dessa noção a ideia de

desinstitucionalização passa a distanciar-se do conceito norte americano de desospitalização.

Agora voltamos a Franco Basaglia o qual apresenta a experiência da Psiquiatria

Democrática que vai mudar definitivamente os rumos da reforma psiquiátrica no mundo. A

experiência italiana começou no início dos anos 60 em Gorízia onde o médico vai trabalhar

no hospital psiquiátrico da cidade e se propõe a reformá-lo. Quando o psiquiatra entrou pela

primeira vez no manicômio foi como se tivesse recebido um choque. “Sua impressão foi de

estar em uma prisão ou em um campo de concentração” (AMARANTE, 2007, p 55).

Retomamos agora também a história da serpente contada no início deste tópico: para Basaglia

a serpente que tirou a liberdade do homem era a própria instituição.

A analogia entre a fábula da serpente e a condição institucional é traduzida pela ideia

da objetificação do doente mental pela instituição psiquiátrica. A experiência do médico em

Gorizia deu origem ao livro A Instituição Negada, que contém todo o debate, princípios e

estratégias da nova etapa de reforma psiquiátrica que tem como finalidade a desconstrução do

manicômio (AMARANTE, 2007). No capítulo “Corpo e Instituição” Basaglia (1968) aponta

a psiquiatria asilar como a “expressão concreta dos resultados de uma ciência que preferiu

dedicar-se a pesquisa ideológica da doença mental do que ocupar-se com o doente”. A

relação de poder descrita por ele é a tal ponto de inintelegibilizar o doente que confunde-se o

paciente com um corpo vivo o qual se mistura com as outras estruturas físicas do hospital.

“Antes de sair foram verificados fechaduras e doentes” é o exemplo que Basaglia

frequentemente utiliza para demonstrar na prática a visão objetificante que os profissionais

técnicos exprimiam ao juntar em um mesmo grupo doentes e objetos como fechaduras.

A ideia de desinstitucionalização basagliana vai ter como princípio, então, a relação

direta com a crítica à neutralidade científica, algo que transcende a esfera psiquiátrica e atinge

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as estruturas sociais (AMARANTE, 1996). Mudar a psiquiatria é como mudar a instituição e

suas práticas que por consequências mudam também os saberes psiquiátricos. Nesse sentido

pode-se entender qual o significado que Basaglia atribuía ao denominar o hospital

psiquiátrico como “instituição negada”. A negação parte como uma ação de revolta a essa

instituição que objetifica e torna a todos objeto da violência que nos impõe a agir na direção

por ela determinada (BASAGLIA, 1968).

A negação tem muitas dimensões e ângulos: negação da instituição manicomial; da

psiquiatria enquanto ciência; do doente mental como resultado de uma doença

incompreensível; do papel de poder puro do psiquiatra em relação ao paciente; do

seu mandato social, exclusivamente de custódia; do papel regressivo do doente,

colocado junto à cultura da doença; a negação é a denúncia da violência à qual o

doente é sujeito dentro e fora da instituição. (AMARANTE, 1996, p 56 )

AMARANTE (1996) conceitua esse movimento baseado na visão de Basaglia como o

“processo de desconstrução dos saberes e práticas psiquiátricas” onde o ponto central da

questão seria trabalhar com o sujeito concreto, sem o “véu” da doença mental.

Desinstitucionalizar seria inventar teórica e praticamente novas formas de lidar, não com a

doença, mas com o sujeito doente. Entende-se que a crise da instituição é também a crise da

psiquiatria que por sua vez denota a crise de uma sociedade como um todo, pois essa tríade

psiquiatria-ciência-sociedade praticamente defendeu-se do doente mental e do problema da

presença deles entre nós. “A exclusão no hospital livra a sociedade dos elementos críticos do

doente mental, mascara as contradições do ato de internar, confirma e sanciona a validade do

conceito de norma por ela estabelecido” (BASAGLIA, 1968, p. 71).

O processo de desinstitucionalização implica na reconstrução da complexidade do

fenômeno loucura, o que significa a superação da antiga instituição, com a ruptura do seu

paradigma fundante (Amarante, 1996). A instituição psiquiátrica funciona bem quando

consegue dar respostas rápidas, funcionais e objetivas aos problemas. A negação dela acarreta

em uma recusa a essa resposta definitiva, pois há sempre uma realidade subjetiva além do que

se conhece. Para Basaglia o sujeito doente deve ter na cidade o seu processo de reabilitação,

ou melhor, de sua habilitação social. Dessa ideia é que nascem as novas propostas relativas a

uma reforma institucional. No processo de fechamento do hospital em Gorízia foram muito

importantes a influência da comunidade terapêutica e da psiquiatria institucional, como uma

estratégia provisória e intermediária de desmontagem da estrutura manicomial. Passou-se a

haver então o entendimento da necessidade de serviços substitutivos.

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Os primeiros passos nesse sentido de substituição foi a criação dos centros de saúde

mental (CSM) regionalizados (AMARANTE, 2007). Eles passariam a assumir integralmente

o cuidado no campo da saúde mental, sendo vistos como centros de base territorial, o que

significa na prática que atuariam no território reconstruindo a forma com que as sociedades

lidam com o doente mental e teriam a função de restabelecer o lugar social da loucura que

desde Pinel foi confinado dentro do asilo. Outras estratégias relativas à inclusão social foram

a criação de cooperativas de trabalho e construção de residências para que o ex internos

pudessem habitar a cidade através de grupos musicais, de teatro, produtora de vídeos etc.

Rotelli que substitui Basaglia após seu falecimento em 1980, considera que o mal da

psiquiatria está em “separar a doença do corpo social do indivíduo e sobre esta separação

fictícia se ter construído todo um aparato médico, científico, legislativo, administrativo

referidos a doença”. A partir da desconstrução do manicômio seria possível considerar o ser

humano em sofrimento mental como um processo social complexo transcendendo a simples

organização do modelo assistencial e alcançando as práticas e concepções sociais

(AMARANTE, 2007).

1.2.1 Caminhos da Reforma Psiquiátrica no Brasil

No Brasil, o processo de Reforma Psiquiátrica ocorre em consonância com o

movimento sanitário, nos anos 70. Pode-se dizer que essa iniciativa é fruto de um lado pela

crise que ocorre desde o século XIX no mundo inteiro, como foi visto, do modelo centrado no

Hospital Psiquiátrico e por outro pela força protagonista que os movimentos dos

trabalhadores da saúde adquiriram à época. O movimento dos trabalhadores em saúde mental

(MTSM) surge no ano de 1978 composto por integrantes do movimento sanitário,

associações de familiares, sindicalistas, membros de associações de profissionais e pessoas

com longo histórico de internações psiquiátricas (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2005). É o

MTSM que vem trazer à tona as denúncias contra as violências dentro do manicômio e a

importante crítica à hegemonia da rede privada na assistência à saúde mental. O II Congresso

Nacional

do MTSM (Bauru, SP) em 1987, adota o lema “Por uma sociedade sem manicômios”. Neste

mesmo ano, é realizada a I Conferência Nacional de Saúde Mental (Rio de Janeiro).

Data de 1987 o surgimento dos primeiros CAPS no Brasil, na cidade de São Paulo.

Neste período, são implantados no município de Santos Núcleos de Atenção Psicossocial

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(NAPS) que funcionam 24 horas, são criadas cooperativas, residências para os egressos do

hospital e associações. A experiência do município de Santos passa a ser um marco no

processo de Reforma Psiquiátrica brasileira (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2005). Com a

Constituição de 1988, é criado o SUS – Sistema Único de Saúde, formado pela articulação

entre as gestões federal, estadual e municipal, sob o poder de controle social, exercido através

dos “Conselhos Comunitários de Saúde” e dando origem ao movimento dentro do legislativo,

em 1989 o projeto de lei do deputado Paulo Delgado (PT/MG) propõe a regulamentação dos

direitos da pessoa com transtornos mentais e a extinção progressiva dos manicômios no país.

Entre 1992 e 2000 começa a implantação da rede extra-hospitalar. O Brasil firma na

década de 90 um compromisso na realização da II Conferência Nacional de Saúde Mental e a

partir de então passam a entrar em vigor as primeiras normas federais que regulamentam a

implantação de serviços de atenção diária. Esses primeiros passos baseiam-se na experiência

dos CAPS e NAPS pioneiros, além dos Hospitais-dia; surgem também algumas normas para

fiscalização e classificação dos hospitais psiquiátricos (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2005). A

esta época o processo de expansão dos serviços ainda é descontínuo pois as normas não

preveem ainda especificidades quanto ao financiamento dos núcleos e ao mesmo tempo ainda

não instituem mecanismos para a redução de leitos dos hospitais. Ao final do ano 2000, tem-

se 208 CAPS em funcionamento, mas 93% dos recursos destinados ao tratamento da saúde

mental ainda são para os hospitais psiquiátricos.

Em 2001 o projeto de lei de Paulo Delgado vira realidade e dá origem a lei 10.216 a

qual “redireciona a assistência em saúde mental, privilegiando o oferecimento de tratamento

em serviços de base comunitária, dispõe sobre a proteção e os direitos das pessoas com

transtornos mentais, mas não institui mecanismos claros para a progressiva extinção dos

manicômios” (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2005). Nesse contexto e com a realização da III

Conferência Nacional de Saúde Mental, a política de saúde mental do governo federal passa a

consolidar-se, ganhando maior sustentação e visibilidade. Neste mesmo período, o processo

de desinstitucionalização de pessoas longamente internadas é impulsionado, com a criação do

Programa “De Volta para Casa”. Incorporada à política de recursos humanos também é

traçada uma estratégia relativa ao auxílio para a questão de álcool e drogas e realiza-se em

2004 o I Congresso Brasileiro de CAPS.

O documento da Política de Saúde Mental do Ministério da saúde publicado em 2005

traz também as diferentes estratégias que estavam sendo alçadas ainda naquela época para o

processo de desinstitucionalização dos pacientes, entre eles pode-se destacar a redução de

leitos, que até o ano de 2000 já estava contando com pouco mais de 20.000 leitos reduzidos

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desde 1996, a avaliação anual dos hospitais psiquiátricos, o financiamento das Residências

Terapêuticas, o Programa “De volta pra casa” já citado é uma das mais efetivas estratégias de

inclusão social dos doentes, a política de álcool e drogas e, claro, o funcionamento correto da

Rede de Atenção Psicossocial que abriga todos esses aspectos.

A rede de atenção psicossocial (RAPS) surge como uma rede de saúde mental

integrada, articulada e efetiva nos diferentes pontos de atenção para atender as pessoas em

sofrimento e/ou com demandas decorrentes dos transtornos mentais e/ou do consumo de

álcool, crack e outras drogas. Dela fazem parte diferentes tipos de serviço de base

comunitária que se articulam entre si com a finalidade de atender as especificidades que

abarcam o grupo de vulnerabilidade mental atuando no território. O conceito de território

para o entendimento da rede é fundamental, pois ele diz respeito a designação não apenas de

uma área geográfica, mas das pessoas, das instituições, das redes e dos cenários nos quais se

dão a vida comunitária. Assim, trabalhar no território não equivale a trabalhar na

comunidade, mas a trabalhar com os componentes, saberes e forças concretas da comunidade

que propõem soluções, apresentam demandas e que podem construir objetivos comuns

(MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2005).

Basicamente a RAPS se divide em 7 componentes: atenção básica em saúde, atenção

psicossocial estratégica, atenção de urgência e emergência, atenção residencial de caráter

transitório, atenção hospitalar, estratégias de desinstitucionalização e estratégias de

reabilitação psicossocial.

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Figura 4:Rede de atenção psicossocial

Fonte: Política de saúde mental, 2005

Como mostrado na figura o papel do CAPS é estratégico e necessário para que a

articulação entre os componentes ocorra de forma eficaz. É função dos CAPS: prestar

atendimento clínico em regime de atenção diária, evitando assim as internações em hospitais

psiquiátricos; promover a inserção social das pessoas com transtornos mentais através de

ações intersetoriais; regular a porta de entrada da rede de assistência em saúde mental na sua

área de atuação e dar suporte à atenção à saúde mental na rede básica. É ele portanto que está

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na base de toda a organização funcional da rede. Vale salientar que o CAPS é substitutivo e

não complementar ao hospital psiquiátrico, por isso ele é um dos focos desse estudo de reúso:

“o CAPS é o núcleo de uma nova clínica, produtora de autonomia, que convida o usuário à

responsabilização e ao protagonismo em toda a trajetória do seu tratamento” (Ministério da

Saúde, 2005). Os centros são abertos e comunitários, a principal característica em torno do

seu conceito é que ele seja um lugar dentro do território.

Para que um papel tão importante possa contemplar todas as atividades designadas ao CAPS

existem diversas modalidades, definidas pelo Ministério da Saúde, são elas:

Figura 5: Modalidades dos CAPS

Fonte: portalms.gov.br

A cidade de Natal hoje conta com 02 CAPSad, Zona norte e Zona leste e 01 CAPS

infanto-juvenil na Cidade da Esperança, 01 CAPS II em Lagoa Nova e 01 CAPS III em

Petrópolis. Neste último, os pacientes encontram diversos serviços. Entre psicólogos,

assistentes sociais, terapeuta ocupacional, enfermeiros, educadores, médicos, educadores

físicos e pessoas do setor administrativo, são cerca de 30 profissionais para o atendimento à

população. As atividades desenvolvidas também são inúmeras: oficinas de música, arte,

dança, jogos, filmes, beleza; rodas de conversa; e até mesmo passeios são organizados. A

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casa possui também 10 leitos para acolhimento de emergência, nos quais os pacientes ficam

em observação por no máximo 72h.

No presente trabalho resolveu-se utilizar como hipótese para um dos novos reúsos no

João Machado, o CAPS III tendo em vista que para agir de maneira substitutiva a um hospital

de tão grande porte, seria necessário uma modalidade de CAPS que abrigasse as diversas

complexidades. Posteriormente, através das visitas e avaliação dos números de atendimento

de urgência haverá a definição se será apenas um CAPS III ou CAPS III AD, dependendo de

qual público é mais frequente, já que hoje um dos grandes problemas do HJM é justamente a

junção dos dois tipos de público num mesmo espaço físico. Os CAPS atualmente em Natal

funcionam todos em edificações já existentes, de pequeno porte, as quais muitas vezes

apresentam limitações espaciais conforme aponta SILVA (2006) não há tantos espaços para

desenvolvimento de atividades ao ar livre, áreas verdes.. etc. Nesse sentido, a arquitetura tem

a função de ressignificar esses espaços melhorando-os tanto funcionalmente quanto

esteticamente.

O outro objeto foco desse estudo, o Centro de Convivência e Cultura é definido pela

portaria 396/2005 como “dispositivos componentes da rede de atenção substitutiva em saúde

mental, onde são oferecidos às pessoas espaços de sociabilidade, produção e intervenção na

cidade”. A finalidade dos CCC é de socializar a comunidade e através da convivência

construírem espaços de lazer, integração, cultura e inclusão social. A proposta dele muito se

assemelha às definições dadas por Basaglia do que seria a função da desinstitucionalização,

no sentido de que a cura do indivíduo está na própria cidade, está em vivenciar o lugar na

loucura não mais como o lugar do isolamento e da exclusão, mas sim o lugar onde estão

todos. Como aponta Gehl (2015): “A cidade é o cenário do encontro e dessa forma a

diversidade é o que traz a riqueza da mistura, do complementar”. É cada vez mais necessário

ao arquiteto preocupar-se com a dimensão humana do planejamento do que seria a cidade

para pessoas tão quista por nós e essa intenção deve nascer mesmo nos espaços dos quais

menos se espera o ímpeto da liberdade e da socialização. Os espaços da loucura precisam

habitar a cidade, precisam ser a própria cidade, a qual inclua os indivíduos em todas as suas

dimensões físicas e psicológicas. Esse é o princípio de unir nesse estudo preliminar os

conceitos dos CAPS junto aos CCC, tentar definir um novo espaço dentro do “lugar da

loucura” para a rede de atenção, levar a comunidade para dentro do João Machado e levar a

loucura a dar uma volta na cidade.

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1.3 A Psicologia Ambiental e a Arquitetura Hospitalar

Após o surgimento dessa nova rede extra hospitalar trazida junto com a reforma

psiquiátrica, cabe a pergunta: e como ficam os hospitais psiquiátricos já existentes? A que

tipo de alterações espaciais estes podem ser submetidos de acordo com a reforma? Esse

tópico, como último do capítulo 1, trata da evolução do “lugar da loucura”, de como ele pode

se constituir a partir de então. Nesse sentido, nos cabe resgatar os conceitos da psicologia

ambiental os quais apresentam as relações homem x ambiente que influenciam diretamente

no comportamento dos seres humanos. Além disso, busca-se fazer uma associação com o

movimento de humanização hospitalar e, como fechamento do subcapítulo serão

apresentadas diretrizes para projetos de arquitetura institucional pós reforma psiquiátrica.

1.3.1 Relação ambiente x comportamento

A psicologia ambiental é uma disciplina bastante recente que estuda a interação

usuário x ambiente e que permite observar a influência que estímulos físicos tem no

comportamento final do indivíduo. É possível sistematizar esse processo em etapas através da

linha temporal em que ocorrem (Okamoto, 2002 apud Silva, 2008):

ESTÍMULOS DO MEIO -> PERCEPÇÃO -> CONSCIÊNCIA -> COMPORTAMENTO

O ambiente afeta o comportamento assim como o comportamento afeta o ambiente.

Dentro dessa dinâmica, que acontece de interação do indivíduo com o meio, um conceito é

determinante, o de espaço pessoal. Ele é definido por Sommer (1973) como “[...] uma área

com limites invisíveis que cercam o corpo da pessoa, e na qual os estranhos não podem

entrar”, algo que poderia ser entendido como uma espécie de “bolha” ao redor do sujeito.

Porém, Gifford (1987) destaca importantes questões que devem ser consideradas para que o

conceito da bolha não seja interpretado de forma errônea. Essa bolha para ele não deve ser

entendida como um componente estático e sim como um gradiente que considera não só a

distância pessoal, mas a distância como um elemento das relações interpessoais que varia de

acordo com diversos fatores. Ele aponta as questões de aproximação e distanciamento como

fatores culturais que influenciam nosso comportamento, e que a necessidade de controle dos

seres humanos sob seus gestos e distâncias interpessoais é algo arraigado nas regras sociais as

quais estamos submetidos desde que nascemos. Dessa forma, o espaço social é moldado de

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acordo com a cultura de cada local. A visão do espaço pessoal para Gifford é construída

além disso pela situação, dependendo da atividade, se é individual ou em grupo; pelo gênero,

homens, por exemplo, tendem a sentir-se mais a vontade de aproximar-se de mulheres do que

de outros homens, enquanto as mulheres são no geral mais propícias a aproximarem-se de

mulheres. A questão da personalidade também é bastante importante, pois para pessoas

extrovertidas é naturalmente mais fácil ter um espaço pessoal mais curto do que para pessoas

introvertidas.

Quando leva-se em conta o fator - doença mental - a ideia do espaço pessoal pode ser

completamente não usual devido à variação de ansiedade, dificuldades de comunicação e

relacionamento com os demais indivíduos. Alguns estudos foram realizados por Sommer

(1973) sobre as variações de espaço pessoal em um hospital para doentes mentais, localizado

no norte da Califórnia; ele utilizava um método chamado invasão intencional, que consistia

em aproximar-se dos pacientes invadindo seu espaço pessoal sem falar nada. Ao fim deste,

concluiu-se que o espaço pessoal de esquizofrênicos é muito variável, constatando que por

vezes este espaço é muito grande e, por vezes, muito pequeno. Porém, destaca-se que existe

uma tendência maior de conservar uma distância física excessiva.

É pertinente novamente destacar o conceito de território e a ideia de territorialidade, a

qual é necessária a todos os seres humanos. Segundo Snyder e Catanese (1984, p.72), o

território é considerado como “um grupo de ambientes de comportamento que as pessoas

personalizarão, marcarão, possuirão e defenderão” Segundo Bins Ely (1997) outro conceito

importante, relacionado à territorialidade, diz respeito a nidificação. “Se refere à criação de

um local próprio para si e que, através de certos artifícios e organização, permite ao indivíduo

construir seu “ninho” (BINS ELY,1997, p.45). No caso específico de um hospital psiquiátrico

é ainda maior a necessidade da compreensão destes conceitos, por parte do arquiteto. Nessas

instituições onde são proibidos o uso de objetos pessoais, não são encontrados territórios

fixos, apenas situacionais (SILVA, 2008). Esses territórios situacionais acabam por sofrerem

nidificação. Segundo Sommer (1973), como os pacientes não gozam desse território

egocêntrico só os resta o uso repetitivo de determinado espaço ou equipamento.

São interessantes para a arquitetura essas conclusões, pois os estudos iniciais em

psicologia ambiental foram feitos justamente em hospitais psiquiátricos. Nessa época a

disciplina ainda era denominada engenharia ambiental e despertou o interesse de Sommer

quando um interno pediu sua ajuda para descobrir o que “havia de errado” com o ambiente do

hospital. Ele deu uma atenção especial aos móveis, principalmente à forma como as cadeiras

eram dispostas, uma ao lado da outra ou em torno de pilares na sala da enfermaria. As

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senhoras mal conversavam sentadas ombro a ombro, ele percebeu que essa posição era

inadequada para conversas contínuas. Na realidade muitas das soluções arquitetônicas

existentes no hospital eram questionáveis, nunca se pensou que os ladrilhos do chão, as cores

das paredes ou a posição das cadeiras pudesse ter alguma influência. É interessante como

nessas instituições em que se constroem territórios situacionais, certos objetos adquirem

caráter simbólico e as regras da instituição parecem sagradas aos olhos de enfermeiros e

pacientes. Muitas vezes a visão dos esquizofrênicos sofre deformações perceptivas que

influem na maneira com que os mesmos veem o ambiente, isso é resultante do fato de viver

numa grande instituição impessoal (SOMMER, 1973). Eles frequentemente adquirem

comportamentos ritualísticos, como sentar-se sempre no mesmo local todos os dias, por isso

mesmo qualquer mudança arquitetônica pode causar perturbação entre os internos.

Ao mudar a disposição das cadeiras para colocar as pacientes frente a frente e inserir

mesas na sala, a quantidade de conversas entre elas aumentou consideravelmente, além disso

Sommer realizou outros experimentos como pedir aos pacientes que lhe descrevessem qual

seria o ambiente ideal caso eles mesmos fizessem o projeto. Concluiu-se que a programação

ambiental e uma arquitetura adequada são aspectos primordiais principalmente em locais

como um hospital psiquiátrico no qual os pacientes são especialmente passivos e

dependentes. Deve ser papel do arquiteto planejador garantir um ambiente agradável já que

falta certa autonomia aos frequentadores; e também não se deve deixar a função de planejar o

ambiente a quem está deveras preocupado com a funcionalidade e manutenção da limpeza,

em detrimento da função terapêutica do espaço.

1.3.2 Humanização do espaço físico do hospital

Segundo Vasconcelos (2004) a humanização de ambientes consiste na “qualificação

do espaço construído a fim de promover ao seu usuário – homem, foco principal do projeto –

conforto físico e psicológico, para a realização de suas atividades, através de atributos

ambientais que promovam a sensação de bem-estar”. Esse ponto apesar de muito discutido

hoje em dia e de soar “redundante” já que, se o hospital é feito para seres humanos deveria

ser naturalmente humanizado, é de grande relevância quando se trata de hospitais

psiquiátricos. É necessário fazer ecoar esse conceito nos projetos de espaços de tratamento da

doença mental, pois constatou-se historicamente que a necessidade de uma Reforma

Psiquiátrica deu-se principalmente por causa da desumanização das instituições.

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Tradicionalmente, os projetos de edificações hospitalares estão centrados na

complexidade funcional destes espaços, o que muitas vezes acaba por remeter a um

segundo plano sua principal função enquanto Hospital, ou seja, sua função de cura

(SILVA, 2008, p. 59).

Roger Ulrich iniciou seus trabalhos na área de humanização hospitalar e investigações

científicas no campo da interação entre ambiente e cura em 1984. Ele reuniu em uma

pesquisa conceitos e atributos para humanização dos ambientes e fatores que influenciam no

bem-estar físico e emocional do ser humano. Segundo Ulrich (1990) o principal fator que se

configura como um obstáculo a bons projetos que garantam esse bem-estar é o estresse. Este

muitas vezes ocorre decorrente tanto de fatores como a doença em si, a ansiedade que ela

causa, a ação de procedimentos dolorosos, como pelo ambiente caótico, sem privacidade,

barulhento e desorganizado. O estresse causa danos psicológicos de incapacidade no

paciente, fisiológicos no sentido de uma série de mudanças hormonais que por consequência

afetam o comportamento final intensificando explosões verbais, isolamento, agitação,

passividade, entre outras diversas complicações que podem comprometer o tratamento do

doente. Os atributos reunidos por Ulrich visam então agir exatamente nessa questão do

estresse, colocando o projeto como o fator central para atingir o bem-estar do indivíduo, são

eles: o sentido de controle, o suporte social e as distrações positivas.

Essa questão do controle seria a ideia de poder administrar coisas ao seu redor que lhe

dão o sentido de privacidade, de noção do funcionamento do ambiente, dos equipamentos,

como por exemplo: poder usar o controle da tv para mudar os canais, ter privacidade nos

espaços íntimos, possibilitar ao paciente a utilização de jardins e espaços externos, o controle

da temperatura do ambiente e promover locais onde o indivíduo possa praticar hobbies; trata-

se de fazer o paciente sentir que tem alguma liberdade, a fim de mudar essa ideia de prisão

em torno da instituição. O suporte social se trata de propiciar o contato do doente com

familiares, amigos como uma maneira de trazer benefícios a estes. Dessa maneira, a

edificação deve conter espaços de interação social como: pátios, salas de estar e convivência,

salas de jogos, jardins, entre outros locais para atividades terapêuticas. Para estes espaços, o

layout também é uma parte muito importante, como foi destacado no tópico anterior, o

próprio Sommer já havia identificado que a conformação dos móveis no ambiente poderia

ajudar ou não na sociabilidade dos pacientes. Assim, a colocação das cadeiras, as mesas

devem se organizar de maneira flexível de forma que facilitem a interação. Com relação as

distrações positivas, podemos entender que uma grande variedade de maneiras de

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entretenimento ajuda a reduzir o estresse. Segundo Ulrich (1990) com relação ao partido

arquitetônico deve-se priorizar o contato com a natureza, o que pode ser feito de diversas

formas como com a criação de pátios, peitoris baixos nas janelas, elementos de transparência,

além é claro dos locais já falados anteriormente que auxiliam na integração de pessoas. Essas

distrações também podem ser empregadas no projeto de interiores com fontes de água, a

iluminação, utilização de cores, pinturas e artes em geral que podem ser distribuídas no

ambiente para torná-lo lúdico. Além disso, segundo Gappell (1991 apud Silva 2008) nosso

bem estar físico e emocional é influenciado por seis fatores ambientais: luz, cor, som, aroma,

textura e forma. A boa aplicação destes no projeto de arquitetura pode beneficiar bastante o

paciente em seu tratamento. Resumidamente alguns aspectos importantes a serem

considerados no projeto por cada fator seriam:

a) Luz: o melhor tipo de iluminação é a luz solar, que comprovadamente diminui

a ação dos hormônios de estresse. Ela pode ser explorada com pátios, janelas,

clarabóias, entre tantos outros tipos de abertura. É importante, no entanto, se

ter cuidado com algumas aberturas nos espaços de controle e longa

permanência, como quartos e enfermarias.

b) Cor: as cores possuem grande influência no psicológico e nas emoções das

pessoas. As cores quentes como o vermelho, por exemplo, estimulam nosso

sistema nervoso simpático, o qual aumenta a frequência cardíaca, a pressão

sanguínea e nos deixa em alerta. Já cores frias como azul estimulam o sistema

parassimpático, responsável pelo relaxamento e trazendo efeitos

tranquilizadores. Enquanto as cores quentes dão a sensação de diminuição do

ambiente, as frias fazem o contrário. É dificil se propor um padrão de cores

que devem ser utilizadas, mas na arquitetura elas podem ajudar principalmente

a tornar o ambiente mais vivo e humanizado.

c) Som: sons barulhentos e inconvenientes podem provocar reações fisiológicas

adversas, principalmente se trata-se de doença mental, isso ocorre mesmo para

os profissionais também. É importante ressaltar que nesse sentido a

localização da instituição também influencia, dependendo se o local é

tranquilo ou não. O isolamento dos sons internos é importante, pois muitas

vezes o elevado estresse de algum paciente pode influenciar maleficamente os

outros. Por outro lado, os sons advindos da natureza são bem vindos.

d) Aroma: os cheiros e as emoções estão fortemente ligados, pois os mesmos

tem grande capacidade de evocar memórias. Cheiros desagradáveis podem

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desequilibrar o ambiente, mesmo como o dito “cheiro característico” de

hospitais psiquiátricos podem ser evocadores de sensações de estresse. O

emprego de jardins pode ajudar a reduzir odores ruins.

e) Textura: “A qualidade tátil do espaço pode ser enriquecida pelo uso de

tratamentos diferenciados para as superfícies, como variedade de tecidos e

acabamentos e a variedade e versatilidade dos móveis, proporcionando

conforto”. (VASCONCELOS, 2004, p.58). É necessário se ter atenção

especial quanto as normas relativas aos ambientes hospitalares e a certas

exigências que tornam muitas vezes o ambiente apático e tentar conciliar com

a colocação de texturas mais atrativas.

f) Forma: nos hospitais psiquiátricos tende-se a ter organizações formais com

características panópticas e geralmente opta-se pela linearidade. No entanto,

pensando nas disposições radiais pode-se ver maiores possibilidades de

integração, mesmo para qualidades funcionais. O emprego de formas

diferenciadas dentro do ambiente pode configurar-se como uma distração

positiva, já que foge ao esperado de um ambiente de hospital.

1.3.3 Diretrizes para arquitetura hospitalar pós reforma-psiquiátrica

As diretrizes apresentadas por SILVA (2008) abarcam os ambientes de maior uso por

parte dos pacientes que são enfermarias, pátios e espaços para atividades terapêuticas. Elas

consideram incentivos a saúde mental baseadas no contraponto com a instituição

caracterizada pela rispidez, dureza e frieza que agrava o quadro psicológico dos usuários. A

seguir tem-se um resumo das soluções mais importantes apontadas no estudo.

1.3.3.1 Da instituição

O primeiro ponto de destaque é a aproximação da comunidade. A implantação

dessas instituições deve ser feita em lugares de fácil acesso, como uma primeira medida para

evitar o isolamento e facilitar possibilidades de integração com a sociedade. Um boa forma

de aproximar-se também é os espaços de atividades terapêuticas serem abertos à comunidade

em si, podendo estabelecer convênio com associações locais e administrações de hospitais.

Para conseguir a consonância com os ideais de humanização deve se ter a

preocupação de distanciar a arquitetura ao máximo da dos hospitais psiquiátricos. Elementos

como grades, cobogós e o mobiliário fixo, em concreto ou alvenaria, despertam uma

conotação negativa no imaginário daqueles que freqüentaram esses espaços. As cores e o

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cheiro devem causar uma impressão contrária ao que é esperado do hospital. Deve-se

incentivar o suporte social com ambientes integradores e espaços de convivência, que gerem

também distrações positivas, as quais podem ser adquiridas através do contato com artes,

locais interativos e etc.

1.3.3.2 Da enfermaria

Nas enfermarias se faz necessária a setorização dos pacientes de acordo com doença,

grau de agitação e faixa etária. Dentro disso, se encaixa a divisão entre pacientes que tem

transtornos causados por substâncias psicoativas das demais enfermidades. É importante dar a

opção ao paciente tanto de locais para convivência como de locais para recolhimento para

que os mesmos se sintam confortáveis e possam ter poder de escolha. Para as enfermarias é

necessária a integração interior x exterior com elementos arquitetônicos que facilitem

também a entrada de iluminação e ventilação naturais, como brises móveis por exemplo, para

que não se perca a segurança e ao mesmo tempo se consiga soluções agradáveis ao usuário.

Figura 6: Parte externa da esquadria: emprego de brises

verticais móveis no Hospital do Cancêr, Arizona (EUA)

Fonte: Archdaily.

Um fator importante para a integração com o meio exterior é a enfermaria ser

horizontal. Áreas do hospital relacionadas à administração, pesquisas, e demais ambientes

burocráticos, podem ser posicionadas em estruturações verticais ou em pisos elevados. No

entanto, as áreas destinadas aos pacientes devem, preferencialmente, constituírem-se em

ambientes térreos, facilitando o contato físico direto do paciente com a área externa,

principalmente no que diz respeito à saída direta para os pátios.

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Figura 7: Exemplo de hospital psiquiátrico horizontal

Croqui do Rathbone Low Secure Unit, Liverpool,

Inglaterra.

Fonte: Silva, 2008.

A elaboração de espaços para atendimento em massa é prejudicial ao tratamento,

principalmente quando lembram os numerosos leitos, então sugere-se reverter a lógica do

atendimento em grande quantidade e empregar modelos de clusters. A palavra em inglês

significa grupo e aponta a necessidade de se dividir a enfermaria em grupos menores de

pacientes. Em cada cluster se configurariam espaços que funcionariam como casas contendo

todos os ambientes necessários para atender aos pacientes de cada grupo.

Figura 8: Trecho de uma enfermaria do Instituto Psiquiátrico de São Paulo contendo dois clusters.

Fonte: Silva, 2008

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É necessário mesmo com a iniciativa de dar mais liberdade ao paciente, tomar cuidado

com a segurança dos mesmos, visto que estão em situação de vulnerabilidade mental. Então

o emprego de materiais que não possam servir como arma é imprescindível. As portas devem

possuir aberturas para ambos os lados e as janelas devem constituir-se prioritariamente de

material transparente e inquebrável.

Utilizar os materiais de acabamento considerando sua funcionalidade e atratividade. O

piso deve ser de preferência antiderrapante e apresentar cores claras. Para o teto vários são os

materiais que podem ser utilizados na sua constituição, como: placas de PVC, fibra natural,

madeira e outros. No entanto, alerta-se somente para o emprego de cores claras,

possibilitando a reflexão da luz incidente e auxiliando na iluminação dos ambientes. Já com

relação às paredes é possível utilizar o emprego de cores, sempre observando qual o uso do

local, como cores frias em quartos e estares íntimos e em ambientes como pátios e cozinhas

cores mais vivas.

Figura 9: Uso da cor verde em um quarto de uma unidade psiquiátrica para adolescentes, Estado da Califórnia,

EUA.

Fonte:Silva,2008.

1.3.3.3 Dos pátios

O projeto desses locais devem seguir norteadores gerais para área externas como:

criação de diferentes ambientes, traçado de caminhos, emprego de vegetação, pisos e

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mobiliários adequados. Ressalta-se, porém, questões específicas relacionadas à segurança,

materiais a serem utilizados e a facilidade de manutenção dos elementos empregados.

A necessidade de configuração de espaços mais reservados e outros de convívio e

integração; e a criação de áreas sombreadas e áreas de incidência direta do sol. Os espaços

mais reservados podem ser em L ou delimitados por vegetação, conformando limites das duas

formas. Escolhas de pergolados também são boas para ambientes externos cobertos, pra que

eles não sejam reclusos.

A natureza é rica em formas, texturas, aromas e cores, constituindo-se em uma fonte

inigualável de estímulos para nosso sistema sensorial. Há de se atentar aos tipos de planta que

podem diminuir a temperatura do ambiente, ou das que exalam cheiro. As plantas podem ser

empregadas em pequenos canteiros de passagem, em pergolados, ou em canteiros que

também sirvam de bancos.

Figura 10: Espaço em “L” e relação dos bancos com os canteiros

Fonte: tjllandscapes.co

Com relação à locação de árvores nestes ambientes, destaca-se que estas devem

apresentar pequeno porte, ou seja, possuir altura entre 2 a 4 metros, visto que os pacientes

podem escalar seu tronco e vir a sofrer acidentes por quedas. O posicionamento das árvores

também deve evitar a proximidade junto a telhados e muros, pois os pacientes podem tentar

utilizá-las como meio de transposição para possíveis fugas.

Deve haver emprego de pisos com baixa absorção de calor e que sejam seguros, como

pisos antiderrapantes. Uma boa opção são os pisos intertravados e que também facilitam a

permeabilidade do solo, auxiliando na higiene do ambiente também.

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Os mobiliários devem ter material resistente e layouts compatíveis com a natureza dos

ambientes. A aplicação da madeira visa, principalmente, melhorar as condições de conforto,

ligadas à temperatura do material e à eliminação do caráter rígido e pesado do concreto, por

exemplo. Também é proposta a locação de bancos sem encosto, com largura suficiente a

garantir que o paciente possa utilizá-los para deitar-se, e conjuntos de mesas e cadeiras.

Figura 11: Mobiliário do Sesc Vila Mariana, SP

Fonte: acervo da autora

Os cuidados na delimitação espacial devem ser tomados para que o ambiente não

seja agressivo ao paciente, então deve-se amenizar os limites dos muros. Como os muros não

podem apresentar elementos que facilitem a escalada dos pacientes, recobri-los com

vegetação, por exemplo, pode servir de apoio para sua transposição. Tijolinhos, pedras e

cores são ótimas alternativas para os muros também. A aplicação de painéis pintados pelos

próprios pacientes também pode ser utilizada, em determinados pontos do pátio, alertando

principalmente para os cuidados relativos à poluição visual e uso de desenhos agressivos ou

por demais confusos, que possam vir a causar sensações perturbadoras.

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Figura 12: Cobertura vegetal diminui a agressividade do muro

Fonte: Pinterest

1.3.3.4 Dos ambientes de atividades terapêuticas

Estes ambientes por serem estimuladores de relaxamento e descontração devem ter

uma forma mais livre e uma configuração espacial não rígida. Devem ser exploradas

composições espaciais circulares e trabalhado o layout para permitir flexibilização de

atividades no espaço.

A integração com exterior deve ser potencializada ao máximo, com entrada de luz e

ventilação natural. O uso de cores estimulantes e demais distrações deve estar presente,

estimulando também o paciente a participar da construção do lugar, por exemplo com paineis

de pintura em grupo, tomando sempre cuidado com a poluição do ambiente.

Figura 13: Painéis na parede com intervenções dos internos do Hotel da Loucura, no Instituto Nise da Silveira,

RJ.

Fonte: Café com Psicologia

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CAPÍTULO 2: A INTERVENÇÃO NO AMBIENTE

CONSTRUÍDO

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O processo de entendimento teórico da intervenção no João Machado trata não só das

especificidades de ser um projeto que abarca as questões de saúde mental e psicologia

ambiental, mas também nos leva a uma reflexão arquitetônica maior em termos de patrimônio

construído. Por ser uma construção antiga e um marco na história dos hospitais psiquiátricos

do RN, cabe aqui adentrarmos as discussões patrimoniais que permeiam a necessidade de um

reuso e os métodos de intervenção aplicáveis neste caso. Ressalta-se a priori que o Hospital

João Machado não tem agregado a si um valor arquitetônico a ser preservado, mas sim um

valor de natureza simbólica (por vezes negativo), histórica e de localização dentro da cidade,

sendo assim, merece uma discussão em torno desses valores. Ao longo deste capítulo

apresenta-se a situação atual do hospital e as ideias em torno da crítica imprescindível ao se

intervir dentro de um sítio consolidado, bem como as bases operativas trazidas por DE

GRACIA (1992), além das escalas de intervenção e os conceitos de integridade e

autenticidade colocados por VIEIRA (2014).

2.1 O caso do João Machado

O Hospital João Machado foi um grande marco na assistência psiquiátrica do RN e

mesmo do Brasil quando foi inaugurado em 15 de janeiro de 1957. Idealizado pelo médico

psiquiatra Dr. João da Costa Machado lançou bases para o que poderia ser chamado de

reforma e humanização da instituição psiquiátrica àquela época. Não se tem registros sobre o

estilo arquitetônico do prédio, o que se percebe é que apesar de ter sido construído numa

época de intensa difusão do modernismo, o seu estilo tenta imitar uma espécie de arquitetura

Neocolonial, que segundo alguns relatos era “moda” em Natal à época. Tanto na fachada

quanto nas esquadrias internas percebe-se essa intenção: as portas são muito altas, bem como

o pé direito de boa parte das instalações. É importante ressaltar que essa configuração ainda

se mantém em todo o hospital. Outra característica importante em que se destaca sua

arquitetura são os muros externos: altos, apáticos, frios e “caindo aos pedaços”, eles explicam

de cara que há uma separação evidente entre liberdade e confinamento.

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Figura 14: Fachada principal do João Machado

Fonte: Acervo da autora

Figura 15: Esquadrias do João Machado

Fonte: Acervo da autora

Figura 16: Vista externa da entrada principal do João Machado

Fonte: Google Street View

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Quando criado, o HJM tinha a intenção de se distinguir ideologicamente das

instituições existentes na época, o Lazareto (1882) e o Asilo de Alienados (1921), nas quais o

atendimento era visto como bastante desumano por utilizarem-se de métodos como camisa de

força, tratamento de choque, contenções e calabouços. O Dr. João Machado tentava

implementar um novo modelo de assistência que estimulava a reintegração social e a

reabilitação dos doentes, trazendo a tona inclusive a disciplina de Psiquiatria para o curso de

Serviço Social. Infelizmente, com o tempo o HJM foi se tornando apenas um prolongamento

dos antigos locais e hoje em dia já passou por muitas mudanças, a principal delas é sua

transformação gradativa em hospital-geral com leitos em psiquiatria. Mas esse é um processo

que ainda não se efetivou totalmente. A princípio essa alteração começou a acontecer devido

à implantação da ala de Clínica Médica inaugurada no hospital, que funciona como anexo do

Hospital Walfredo Gurgel, também situado em Natal. A instituição tem se sustentado

financeiramente por causa desses 40 leitos de retaguarda e atualmente possui 117 leitos

psiquiátricos, o que significa uma redução bastante significativa já que em sua fundação

chegou a contar com quase 800 leitos, segundo relatos de funcionários do local.

O HJM é o único hospital psiquiátrico do RN que é totalmente público e integra a

média complexidade; os demais serviços compõem a Atenção Básica. Está localizado na

Avenida Almirante Alexandrino de Alencar, n° 1700, no Bairro Tirol, em Natal/RN. É

mantido financeiramente pelo Governo do Estado do Rio Grande do Norte, através da

Secretaria de Estado da Saúde Pública - SESAP. De acordo com o Capítulo I, do seu

Regimento Interno, que trata da sua finalidade, o Hospital presta assistência médica a

pacientes portadores de doenças mentais que necessitam de atendimento, através da

assistência de ambulatório (Ambulatório de Egressos), do atendimento em urgência realizado

no Pronto-Socorro e da internação integral, desenvolvendo atividades de natureza preventiva,

terapêutica ou de reabilitação individual, e integrada a órgãos públicos ou privados de saúde.

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Figura 17: Localização do HJM

Fonte: Google Earth (modificado pela autora)

Antigamente, o Hospital se chamava Hospital Colônia Dr. João Machado, por ter

desenvolvido atividades agrícolas (chamadas de colônias agrícolas) com os usuários como

forma de auxiliar no tratamento e de possibilitar seus meios de subsistência. Até hoje é

registrado e usado em documentos oficiais essa terminologia, mesmo o hospital tendo

superado o caráter de colônia. No entanto, o entendimento desta tipologia arquitetônica é

fundamental para a compreensão da preexistência do edifício João Machado e suas

características que se sobressaem até os dias atuais.

Segundo MEDEIROS (2005) o tipo colônia vincula-se à disseminação da Lepra no

Ocidente; nessas instituições os leprosos eram isolados para ter uma vida fora de sociedade.

Como já foi visto anteriormente, a loucura veio suceder a lepra como o mal que passou a

assombrar as cidades e, assim, trouxe consigo também essas heranças arquitetônicas do

passado. O tipo colônia se apresenta com uma idéia central que se pode resumir na

“disponibilização, em um espaço fisicamente segregado, de condições de vida comunal, em

contato direto com a natureza – especialmente as fontes de água – ao grupo de internos do

hospital” (Medeiros, 2005). A organização interior geralmente é limitada por um muro

segundo um retângulo ou uma elipse, priorizava a liberação da área central, de modo que as

celas individuais ou as casas isoladas ocupavam os espaços mais exteriores. No centro ou na

lateral, sempre erguia-se uma capela, já que esse tipo tinha uma estreita relação também com

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as práticas religiosas e estas, assim, influenciavam diretamente na estruturação dos espaços.

Com essa conformação, a colônia de leprosos deveria resumir as facilidades da vida das

cidades, levando os internos a resolverem, parcamente, suas necessidades no espaço da

instituição. (Medeiros, 2005)

Partindo para a observação da planta do edifício conseguimos identificar as heranças

de hospital colônia e das características típicas dos hospitais psiquiátricos de configuração

asilar que já foram citados (Ver fig. 20). Trata-se de uma organização extremamente

simétrica, de pavilhões que circulam em torno de áreas livres, nas quais deveria circular

ventilação e iluminação natural. A cada pavilhão tem-se a criação de núcleos comunitários,

separando homens e mulheres e colocando em cada um deles os apoios necessários aos leitos

que são os banheiros e os postos de enfermagem. Na área comum tem-se o refeitório e outros

espaços de convivência.

A planta do HJM tem o formato de avião e seu zoneamento é facilmente identificado

ao longo do corpo desse objeto. Antigamente, as zonas eram definidas pela separação dos

tipos de patologias que poderiam ser abrigadas no hospital, bem como um nivelamento de

“loucura” que ocorria para a separação espacial. Classificavam-se as zonas entre: calmos,

agitados, sórdidos, delinquentes, na planta abaixo (digitalizada na pág. 44), da qual não se

consegue identificar o ano, mas que era de propriedade da SESAP:

Figura 18: Planta original da SESAP

Fonte: Secretaria de Saúde do Estado

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Figura 19: Planta do zoneamento antigo digitalizada com base na original

Fonte: Secretaria de Saúde do Estado (modificada pela autora)

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Figura 20: Maquete esquemática do HJM com zonas atuais

Fonte: Produzido pela autora

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Ao caminhar pelo João Machado é possível perceber que o terreno de 61.647,30m²

abriga diversas áreas livres que antigamente eram utilizadas para agricultura, em que os

internos realizavam trabalhos braçais, e segundo funcionários a atividade era tida como

Terapia Ocupacional. Como já citado, era muito comum antigamente se utilizar esse tipo de

“terapia” que teoricamente deveria ajudá-los a manter-se produtivos, mas segundo a própria

psiquiatra Nise da Silveira servia muito mais para cansar os doentes e o espaço da terapêutica

ocupacional ser considerado um serviço subalterno. Hoje em dia, as áreas de jardins, praças e

quadras do HJM se encontram bastante subutilizadas, não há um planejamento paisagístico

ou mesmo um empenho em melhorar as condições de uso dessas áreas, as quais em sua

grande maioria, se resumem a bancos e alguma vegetação que não conta com muita

manutenção. Os internos gozam desses locais em seu tempo livre, no entanto, com a

diminuição significativa de leitos ao longo do tempo, o que se percebe é que há vários

espaços que não tem mais ocupação e perderam sua função.

Figura 21: Áreas livres para lazer

Fonte: Acervo da autora

Apesar de estarem nesse estado de subutilização, muitos desses locais teriam

potencial para tornarem-se ótimos espaços para atividades ao ar livre com um melhor

direcionamento arquitetônico/paisagístico. O mesmo vale para outros recursos interessantes

existentes como o campo de futebol, localizado na parte frontal direita do terreno e a extensa

vegetação existente no lado esquerdo, os quais denotam características interessantes a um

projeto de reuso.

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Figura 22:Áreas livres na planta

Fonte: Secretaria de Saúde do estado (Modificada pela autora)

O mesmo acontece com as alas de internação clínica. Com a reforma psiquiátrica e a

gradativa diminuição dos leitos, essas alas que chegavam a abrigar quase 800 pessoas

abrigam hoje 117 leitos e muitos espaços que eram usados como enfermaria agora funcionam

apenas de repouso para funcionários, o que pela lógica de zoneamento de ambientes

hospitalares é deficitário, pois se tem muitos espaços em subutilização e que estimulam uma

ociosidade funcional. Além disso, boa parte dessas estruturas ainda se mantém na

configuração original, o que significa que parte desses locais já encontram-se com

infiltrações, fissuras, peças antigas, sobre as quais uma simples reforma superficial não

resolveria o problema.

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Figura 23: Repouso para funcionário (antiga enfermaria)

Fonte: Secretaria de saúde do Estado

Figura 24: Área de lavagem

Fonte: Secretaria de saúde do Estado

O hospital já passou por várias reformas ao longo do tempo e atualmente teve uma

mudança de dois anos pra cá que foi a derrubada do Pronto Socorro com fins de se construir

uma UTI também para a utilização do Walfredo Gurgel. Essa mudança implicou num

rezoneamento de algumas áreas. O PS que antigamente se localizava na extremidade

posterior da planta agora ocupa o local que antigamente era todo para internação na lateral

esquerda, o que acarretou a abertura de um acesso por essa mesma lateral, o qual é de dificil

percepção para quem chega no local pela entrada principal, porquanto não há sinalização

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visual indicativa deste acesso. Na outra lateral, do lado direito, tem-se atualmente a

internação clínica destinada exclusivamente ao Walfredo Gurgel e também ocorreu a abertura

de um acesso específico para esta ala. É perceptível a diferença na ambiência dessa ala: não

há pessoas vagando nos corredores e é significativamente mais silenciosa e limpa.

Figura 25: Planta com novas zonas do João Machado

Fonte: Secretaria de saúde do estado (Modificada pela autora)

Figura 26: Ala de internação Walfredo dentro do João Machado

Fonte: Portal do Governo do estado

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Na parte frontal, antigamente funcionava o ambulatório do lado direito e laboratório

do lado esquerdo. Atualmente esse espaço destinado a ambulatório é na verdade a farmácia

de alto custo, onde as pessoas pegam os medicamentos. O ambulatório de egressos fica agora

do lado esquerdo, diferentemente do que indica a sinalização visual existente, o que denota

outra dificuldade de acesso. Há espaços de apoio também que foram projetados originalmente

para ter um uso e que hoje tem outro diferente, como por exemplo, a lavanderia que na

verdade é apenas guarda e distribuição de roupas, mas ainda sim tem o dimensionamento de

uma lavanderia que funciona com lavagem, etc. A central de esterelização funciona em um

espaço minúsculo que não foi projetado para esse fim e por isso não abriga as funções

corretamente também. A planta original também conta com inúmeros espaços de refeitório

que hoje funcionam com outros usos.

A partir dessa análise podemos concluir que o João Machado hoje é um hospital com

muitas estruturas em desuso, desativadas e sem função; o seu tamanho e escala passam a ser

mais um problema diante da realidade de Reforma Psiquiátrica com a qual estamos lidando,

porquanto mantém estruturas extremamente antigas, com lógicas espaciais arcaicas e que não

servem para ser reformadas. Dessa maneira, acredita-se que a melhor forma de reaproveitar o

terreno de ótima localização e os espaços que ainda funcionam seria dando um novo uso e

transformando-o num complexo com edificações anexas, já que uma simples reforma em

suas antigas estruturas não seria satisfatória, nem recomendada. Pela preexistência do edifício

não pode-se deixar de discutir a crítica metodológica em torno de uma intervenção no

ambiente construído. É o que veremos na sequência.

2.2 Construir dentro do construído

Um projeto de reúso ou restauração de qualquer edificação já existente configura-se

como uma ação modificadora: de um contexto, de significados, de relações espaciais, tudo

isso através da arquitetura. Ao tomar consciência desse poder modificador cabe ao

intervencionista reconhecer a categoria de unicum dada a qualquer marco espacial existente.

Nesse sentido, DE GRACIA (1992) aponta que: se intervir é modificar, a execução de cada

intervenção deve se compor de uma crítica metodológica já que “unicamente o método é

necessário, mas não suficiente”. As preocupações expressas pelo autor levam em conta uma

herança moderna que deixou um rastro de pathos intervencionista, a qual expressa nas atuais

modificações tendências homogeneizadoras, e para ele é imprescindível haver a garantia de

que a transformação do lugar não vai alterar sua especificidade.

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Para construir essa crítica, De Gracia vai se utilizar também das ideias que permeiam

a área da psicologia em conceitos como “imagem da cidade”, preexistências ambientais,

memória coletiva, permanências e outros, porquanto todos esses aspectos bem como a noção

de lugar e o seu simbolismo são pontos de tensão em favor da pertinência de um contexto. A

dinâmica urbana para ele parece não entender de questões psicológicas e sentimentais

exercendo uma tensão dialética frente a necessidade individual e social de estabilidade formal

(De Gracia, 1992). Vendo a cidade como “um patrimônio do passado a ser transferido para o

futuro e melhorado no presente” intervir equivale a atuar conscientemente nessa mesma

dinâmica e para isso o primeiro passo seria reconhecer os limites da área afetada pela

operação que se projeta. Onde acaba a conservação e começa a modificação? Esses limites

imprecisos são encontrados entre as noções de restauração e reabilitação.

Aceitar a dimensão temporal da arquitetura, tanto no uso como na prática projetual,

significa reconhecer o inevitável processo de modificação através do tempo, não só

por meio de processos de entropia, de usura ou de mudança de função, mas sim

sobre toda mudança de significado dentro do contexto. (DE GRACIA, 1992, p.

178).

Viollet Le Duc foi o máximo representante da chamada restauração reconstrutiva. Ele

assume uma postura positivista ao reconstruir ou terminar monumentos introduzindo sua

interpretação pessoal nas partes onde intervém. A bagagem de conhecimentos do arquiteto

francês fez com que suas intervenções fossem reconhecidas como práticas eruditas de

modificação, as quais se distanciam de uma possível ideia de frivolidade. Mesmo assim Le

Duc recebeu críticas por parte da corrente de restauração conservativa. A ideia é que se faça

uma mediação nova e melhor entre o passado e o presente, o restaurador e o conservador

seguem sendo artistas do seu tempo (De Gracia, 1992).

Essa noção teórica de modificação surge no Renascimento juntamente à ideia de

intervir na arquitetura do passado assumindo um particular compromisso crítico. A

consciência questionadora do renascimento dizia respeito a necessidade de manifestar

mediante a regularidade o conceito da beleza. As intervenções davam ênfase ao exterior,

tendo sua sustentação nos muros enquanto “depreciavam” o interior renegando a este uma

qualidade inferior, processo esse o qual De Gracia denomina “prestígio da caixa mural”. Essa

mesma ideia é reproduzida na contemporaneidade, no entanto sob a luz de outros

argumentos: a influência da sociedade de comunicação/ imagem culmina em

experimentalismos aleatórios. Para Scruton, se a ignorância contemporânea é insolente, a

falsificação pós-moderna é encobridora. Frente a todas essas razões, De Gracia defende a

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ideia de restauração traduzida em “deixar falar o edifício”, entendendo que na própria

edificação já existe uma lógica que de algum modo tem em si mesma sua terminação e

plenitude e que portanto a intervenção deve seguir a dinâmica ditada pela obra original, ela

será a chamada matriz gestáltica. Esse nível de intervenção limitado apenas ao edifício

considerando sua realidade individual ele classifica como “modificação circunscrita”.

Partindo de exemplos precedentes e dada a sua postura crítica, De Gracia então

constrói a chamada “Teoria da Modificação” que reúne níveis de práticas compositivas que

estabelecem a seguinte questão primária:

➔ Uma forma “A” existente

➔ Uma nova forma “B”

respondem a uma das três possibilidades de interação: INCLUSÃO, INTERSECÇÃO E

EXCLUSÃO.

Figura 27: Tipos de práticas compositivas

Fonte: Material digital da disciplina de Projeto Integrado 05 (Esquemas originais retirados de

De Gracia, 1992)

Resumidamente: a inclusão supõe o novo elemento “B” compartilhando todos os seus

limites com a forma original “A” de forma que esta última absorva e inclua em si a

intervenção. A intersecção se manifesta quando a forma “A” compartilha com “B” uma

mesma porção espacial tendo um mesmo conjunto de pontos em comum. Já a relação de

exclusão pede uma análise um pouco mais complexa, mas por definição ela designa a

inexistência de pontos em comum entre as duas formas de maneira que cada um represente

um conjunto distinto em termos topológicos. Tendo ela essa especificidade faz-se necessário

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um elemento nexo para constituir uma forma arquitetônica integrada; estas podem ser tanto

ligações físicas propriamente ditas quanto técnicas conectoras.

A primeira ideia de técnica conectora é a justaposição ou mera adjacência, a qual cabe

aproximar as formas arquitetônicas colocando-as em contato parcial. A relação de

congruência compositiva pode melhorar entre os conjuntos através do estudo da

compatibilidade geométrica. De Gracia também apresenta esquemas para entendimento dessa

ideia: tendo novamente uma forma A e outra forma B, as mesmas são mais ou menos

compatíveis variando a orientação geométrica de forma que no primeiro esquema tem-se o

maior grau de congruência compositiva, o qual vai reduzindo-se da esquerda para a direita.

Figura 28: Graus de compatibilidade por adjacência

Fonte: Esquemas originais retirados de De Gracia (1992)

A outra forma de integrá-las seria utilizando-se das ligações físicas, com um conector

específico “C” ou mesmo com a técnica denominada Poché que seria um “acômodo

compositivo” feito através de algum elemento bilateral que não afete a forma como um todo.

Figura 29: Relação mediante conector específico

Fonte: Esquemas originais retirados de De Gracia (1992)

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Figura 30: O poché

Fonte: Esquemas originais retirados de De Gracia (1992)

Assim, as ligações físicas estabelecem vínculos determinados pelas relações

compositivas e figurativas e desde o projeto de arquitetura precisam se concretar pelos

seguintes instrumentos:

- Busca de correspondências métricas, geométricas e de proporção com intenção

de conseguir congruência gestáltica;

- Reiteração de recursos figurativos ou estilísticos para favorecer a continuidade

da imagem;

- Homologação das eleições formais mediante o recurso do parentesco

tipológico.

Todos esses níveis e práticas apresentadas em De Gracia consideram uma visão mais

prolixa e metódica da crítica ao se intervir. A adoção de um ou outro configura-se como um

instrumento projetual que dará bases de sustentação metodológica ao projeto de restauração.

A seguir veremos outra noção de escalas de intervenção, mais usual quando se fala do

patrimônio construído e que contextualiza o projeto em termos mais gerais levando-se em

conta a classificação do conjunto e não tanto da organização formal em si.

2.3 Escalas de intervenção

Antes de adentrar às escalas em si faz-se necessário o entendimento de dois conceitos

primordiais quando se trata de intervenção patrimonial: integridade e autenticidade. É

importante destacar que estas são definições muito utilizadas nas discussões de Patrimônio

cultural, em nível mundial, e que nesse caso, apesar de não estarmos tratando de um edifício

tombado cabe aplicar a lógica de qualificação dos sítios para poder se considerar o caráter de

unicum já dito anteriormente, importante a qualquer intervenção dentro do construído.

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A noção de autenticidade vem surgir a partir do século XX com a publicação da Carta

de Veneza na qual o termo aparece como característica intrínseca do patrimônio. Ela

reconhece que são válidas para a edificação as contribuições de todas as épocas tendo em

vista que a finalidade da restauração não é a “unidade de estilo” e além disso coloca que o

julgamento do valor dos elementos e a decisão sobre o que pode ser eliminado não dependem

somente do autor do projeto. Segundo Vieira (2008), na década de 70, a UNESCO adiciona o

“teste de autenticidade” como requisito para inscrição do bem cultural na lista do patrimônio

mundial e assim abre margens para novas discussões e aprofundamentos sobre o conceito

porquanto estabelece 4 critérios principais para avaliação da autenticidade, são eles: projeto

(design), material, técnicas construtivas e entorno. No entanto, pode-se perceber que esses

critérios tocam apenas o patrimônio material e tangível, não levando em conta por exemplo o

contexto cultural e diverso em que tal obra está inserida. Por esse motivo as definições

sofreram exacerbadas críticas por serem extremamente ocidentalizadas. Em 1994, ocorre a

conferência de Nara, no Japão, e apresenta-se um novo conceito aperfeiçoado ao defender

que a autenticidade está ligada a diversidade cultural (espiritual e intelectual) e o julgamento

sobre ela vai depender assim de seu contexto cultural (LARSEN, 1995). A UNESCO, então,

em 2005 redefine os critérios passando a considerar além dos 4 primeiros: tradição, técnica,

linguagem e outras formas de patrimônio intangíveis, mostrando um entendimento muito

mais amplo e multicultural do conceito (JOKILEHTO, 2006). A autenticidade está, dessa

maneira, relacionada com a noção de verdade e também com as noções de continuidade e

mudança; segundo (LIRA, 2009) um bem autêntico não precisa estar intacto e que se ganha

valor com o passar do tempo e as alterações sofridas acabam por se incorporar à sua imagem.

O conceito de integridade, por sua vez, está relacionado a completude do bem e seu

estado de conservação. Segundo a UNESCO (2005), ele é definido justamente como “a

medida da inteireza e caráter intacto do patrimônio cultural ou natural e seus atributos”.

Jokilehto chama atenção para aspectos como a integridade sócio-funcional que abrange a

espacialidade de toda uma área identificando processos e funções além da evolução dos

elementos edificados que foram sujeitos às mudanças das dinâmicas espaciais e também para

a integridade visual do bem. Os dois conceitos apesar de terem significados distintos são

vistos em associação para se ter uma melhor noção dos atributos necessários ao edifício de

valor patrimonial: enquanto a autenticidade representa a verdade da obra, com todas as suas

contribuições criativas e inovadoras, a integridade diz respeito a sua completude e estado de

conservação.

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Figura 31: Autenticidade e integridade

Fonte: Esquema produzido pela autora

VIEIRA (2014) nos apresenta que a noção de escala para a intervenção propõe o fato

de que existem caminhos que buscam desde a distinguibilidade da obra e sua inserção no

contexto histórico até as vertentes que defendem uma visão mais oitocentista do restauro. Ela

coloca primeiro as análises de KUHL (2009) a qual identifica no contexto italiano três

posições principais: a manutenção-repristinação, o restauro crítico conservativo e a

conservação integral. É possível, a partir destas primeiras fazer um paralelo com as propostas

de Tiesdell, Oc, Heath (1996) os quais propõem categorias de intervenção que identificam o

caráter arquitetural das intervenções em áreas históricas a partir dos conceitos de

"uniformidade contextual", "continuidade contextual" e "justaposição contextual".

Figura 32: Escalas de intervenção

Fonte: Esquema produzido pela autora

O primeiro nível da escala, de uniformidade contextual, corresponde a manutenção-

repristinação e busca a conservação do patrimônio edificado a partir da cópia ou imitação dos

estilos vizinhos. Possui uma visão oitocentista do restauro através da unidade estilística de

Le Duc. Essa ideia de repristinação propõe o tratamento da obra através de manutenções e

integrações empregando técnicas do passado para manter sua configuração e significado

linguístico aplicando-a quando estritamente necessário. Essa posição prioriza a integridade

em detrimento da autenticidade. Já a justaposição é correspondente a conservação integral e

busca o zeitgeist ou “espírito do nosso tempo”. Nela se aceitam descontinuidades na

configuração final e até mesmo situações conflituosas. A adição exclui qualquer possibilidade

de imitação ou analogia, possibilitando grande liberdade expressiva à intervenção (VIEIRA,

2014). Considera-se o respeito a preexistência como afirma Bardeschi apud Kuhl (2009):

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“um projeto novo e compatível mas não mimético, isto é respeitoso, dialeticamente

consciente e ao mesmo tempo declaradamente legível e autônomo”. Nesse caso,

contrariamente a uniformidade, valoriza-se a autenticidade deixando clara a passagem do

tempo, mas afeta a integridade, pois atua criando uma nova dinâmica para o patrimônio

podendo prejudicar a completude do conjunto e talvez vir a chamar mais atenção do que o

próprio edifício original.

Figura 33: Da esquerda para a direita: uniformidade c. (Cidade de Bruges, Belgica), continuidade c.

(Pinacoteca do estado de SP) e justaposição (Museu de Arte do Rio, RJ)

Fonte: Archdaily.com

A posição central, denominada continuidade contextual estabelece um diálogo com a

postura crítico-conservativa e prevê o restauro a partir de uma lógica dedutiva fundamentada

técnica e cientificamente e posteriormente voltando-se para a análise material, estilística e

histórica da obra. Essa postura tenta criar um diálogo mais efetivo entre as noções de

autenticidade e integridade. VIEIRA (2014) destaca ainda que é importante ter o

entendimento de que a escala criada com essas três posições não é algo físico, pois em se

tratando de patrimônio tem-se a noção que acima da intervenção física existe a imaterialidade

do valor do bem que está também relacionada à visão individual de cada um e portanto antes

de qualquer escolha teórica precisa-se estar ciente da crítica vinculada ao significado da obra

ou monumento.

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CAPÍTULO 3: ESTUDOS DE REFERÊNCIA

Neste capítulo serão apresentados os estudos de referência que ajudarão a pensar as

estratégias que serão utilizadas na intervenção, pois são projetos que conversam em algum

nível com o proposto por este trabalho. Os três primeiros estudos foram diretos, feitos durante

uma viagem para Recife, no primeiro, e São Paulo, no segundo e terceiro casos – a visita ao

Hospital Ulysses Pernambucano (HUP) ocorreu no dia 17 de agosto (sexta) e aos Sesc

Pompéia/Pinacoteca nos dias 19 de julho (quinta) do ano de 2018. A escolha desses edifícios

se dá por ambos se tratarem de projetos tanto com semelhança tipológica e funcional, como é

o caso do HUP, como por serem referências relacionadas a intervenções em sítios existentes

(Pinacoteca e Parque da Juventude). No caso dos SESC, são estudos mais específicos para o

caso do centro de convivência e cultura.

3.1 Hospital Ulysses Pernambucano: estudo de caso

A escolha do Hospital Ulysses Pernambucano (HUP) como estudo de referência se dá

por muitos motivos porquanto pode-se trazer através dele uma discussão bastante

interdisciplinar. O HUP está localizado entre as Avenidas Conselheiro Rosa e Silva e

Cônego Barata, no bairro da Tamarineira, em Recife e é o maior hospital psiquiátrico da

cidade e também o mais antigo, dado que foi o segundo a ser criado no Brasil. Os prédios do

hospital conservam uma bela arquitetura eclética, seu projeto original foi feito pelo arquiteto

francês Victor Fourier, e em seu início chamava-se “Hospital de Alienados”. Sua história

começou ainda no século XIX, mais precisamente em 1883, sendo privado, mas vindo a

tornar-se público em 1924 e passando por uma restauração em 1930 organizada pelo

psiquiatra Ulysses Pernambucano, dessa forma, passando a possuir o seu nome (Fonte, 2018).

Em 1992 foi tombado e reconhecido como Patrimônio Histórico da cidade do Recife.

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Figura 33: Hospital Ulysses Pernambucano

Fonte: Fonte, 2018

O HUP é, assim como o João Machado, representante do modelo ainda antigo de

manicômio, que segundo a Reforma Psiquiátrica, deve deixar de existir aos poucos. No

entanto, como a própria diretora da instituição Ruth Bonow Teil afirma, “o internamento

psiquiátrico ainda é uma necessidade, uma vez que existam pacientes com transtornos

mentais graves, precisando assim, serem internados para receber o suporte médico de acordo

com o seu agravamento” (DIÁRIO DE PERNAMBUCO, 2017). Pode-se avaliar essa posição

no sentido de que, mesmo existindo a Rede de Atenção Psicossocial e as novas instituições

postas por ela, ainda há muitas lacunas a serem preenchidas para que os pacientes possam

gozar de seu pleno funcionamento. A demanda por vezes é muito maior do que os CAPS e as

Residências Terapêuticas parecem dar conta, principalmente, quando há casos recorrentes de

abandono pela família, os quais acabam tendo seu destino fadado a viver indefinidamente

dentro de hospitais psiquiátricos. Mesmo ainda fazendo parte desse sistema antigo, o Ulysses

Pernambucano torna-se referência a partir de tentativa de implantação de sistemas como o

CAT (Centro de Atividades Terapêuticas) que funcionou por anos dentro do espaço do

hospital e serviu como uma aproximação da ideia de reforma psiquiátrica dentro do ambiente

manicomial. Mais à frente daremos destaque a pauta do CAT.

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Atualmente, seguindo os parâmetros da Reforma, o hospital só abre suas portas para

novos pacientes para o atendimento emergencial, onde, segundo a direção do hospital, o

tempo máximo de abrigo no hospital dos internos, apesar de existir casos excepcionais de

pacientes que ficam mais tempo, é de até três meses. Ainda no contexto da adequação à

Reforma Psiquiátrica, o hospital trabalha conjuntamente com outras tipologias para a

desinstitucionalização:

No contexto da nova política, o encaminhamento dos antigos pacientes para as

residências terapêuticas ou para suas famílias foi o principal avanço, destaca a diretora

na unidade, Ruth Theil. Uma outra iniciativa considerada importante é a aquisição de

trinta poltronas para os familiares acompanharem seus pacientes internados na

enfermaria. A ideia é estender a ação para os 115 leitos. “A maioria tem co-morbidade

com álcool e outras drogas e é paciente agudo. Se o familiar não puder ficar o dia todo,

vem para reunião, acompanha consultas. É uma forma de empoderamento da família,

de ajudá-la a cuidar”. (Alice de Souza apud Fonte, 2018)

Atualmente o HUP é o único que funciona com Serviço de Emergência psiquiátrica,

segundo a Secretaria Pernambucana de Psiquiatria (SPP), devido à demanda emergencial

vinda de todo o Estado muitas vezes o espaço é superlotado. Segundo a Secretaria de Saúde,

existem 160 leitos para internamento, 25 dos leitos são para casos de fase aguda na

emergência. Os pacientes mais perigosos ou que ofereçam risco de vida para as pessoas ou a

ele próprio permanece nesses leitos, os que não se encontram em crise são enviados para o

CAPS. O HUP conta com 394 profissionais, contendo 44 médicos e o Serviço de Emergência

funciona 24 horas com capacidade de atendimento para até 80 pessoas (Fonte, 2018).

Segundo funcionários, atualmente conta-se com 115 leitos psiquiátricos divididos entre os

pavilhões ainda em atividade das enfermarias, pois veremos mais à frente que boa parte das

estruturas já foram desativadas por causa da Reforma Psiquiátrica, realidade semelhante a do

Hospital João Machado.

O estudo de referência ao HUP foi feito de maneira direta; a visita ao hospital ocorreu

no dia 17/08, no período da tarde, pós-almoço, em que os internos estavam em sua maioria

descansando. A entrada principal ao terreno se dá pela Av. Conselheiro Rosa e Silva, uma das

principais avenidas de Recife, de grande adensamento de carros e circulação de pessoas, algo

positivo diante das recomendações da política de saúde mental, de que as instituições estejam

inseridas dentro da sociedade e não isoladas como antigamente. Essa região circundante

reúne variados usos como escola, faculdades, posto de combustível, lojas, farmácias e tem

uma grande extensão residencial, o que, possibilita ao hospital e seus pacientes uma conexão

Page 70: TRABALHO FINAL DE GRADUAÇÃO...Trabalho Final de Graduação apresentado ao Curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do Rio Grande do Norte como requisito para obtenção

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com o mundo externo com uma maior facilidade, através de programas, eventos ou outros

tipos de contato. O HUP se encontra em um terreno predominantemente verde de 9 hectares

correspondendo a 58.820 m², e sua área construída possui um total de 9.497,39 m² (Fonte,

2018).

Figura 34: Localização do Hospital

Fonte: Fonte, 2018

É possível perceber a alta quantidade de vegetação que ocupa a maior parte do

território, estando o hospital implantado praticamente na parte posterior do terreno. Segundo

Foucault, essa é uma das estratégias de construções asilares que pode servir para dificultar a

visibilidade do que ocorre nas edificações (FOUCAULT apud FONTE, 2018). Na área

externa, sem incluir as obras propriamente referentes ao hospital e seus anexos, também há

campos de futebol para práticas esportivas e o Centro de Prevenção Tratamento e

Reabilitação de Alcoolismo (CPTRA) e um depósito como podemos ver na Figura 35.

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Figura 35: Implantação do HUP

Fonte: Fonte, 2018

Diferentemente do que se pode esperar da ambiência de um hospital psiquiátrico por

todos os pontos já elencados em capítulos anteriores, a entrada de acesso ao prédio é bastante

agradável e se assemelha muito a aparência de um parque ou jardim botânico. O passeio

principal é todo cercado por frondosos coqueiros que dão uma sensação de imponência da

natureza que parecem anunciar à frente uma edificação também de grande valor, o que de

fato conversa bem com o estilo arquitetônico do prédio. O conforto ambiental nesse espaço é

bastante presente, porquanto estimula de forma positiva os sentidos: o cheiro é agradável, o

caminho é sombreado, a vegetação é bem mantida, a grama é bem verde e as árvores são

frutíferas. Esta primeira observação recorda o que foi visto no tópico 1.3.3 deste trabalho em

que se destacam diretrizes para instituições pós reforma psiquiátrica, nas quais se dá destaque

para a utilização da natureza em favor da sensação de bem-estar.

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Figura 36: Entrada principal do HUP

Fonte: Acervo da autora

Pouco mais à frente, do lado direito vê-se também belas hortas que são também

mantidas pelos pacientes. Essa atividade, segundo funcionários do HUP, ocorre em alguns

dias da semana com um número limitado de pacientes (20 em geral) que forem autorizados

por seus médicos. As hortas se encontram em um ótimo estado de cuidado e manutenção.

Figura 37: Hortas do HUP

Fonte: Acervo da autora

Ao chegar mais próximo do prédio a visão é impedida pela vegetação existente,

apesar da arquitetura eclética ser o principal destaque, sua fachada principal é completamente

escondida pelas árvores, o que não é uma estratégia muito interessante visto que o prédio

tombado por ter valor patrimonial deveria estar em evidência. A pracinha que se encontra na

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entrada, no entanto, é bastante agradável, os bancos de concreto em formato côncavo são bem

sombreados e convidativos a passar um tempo por lá.

Figura 38: Praça de entrada do HUP

Fonte: Acervo da autora

Figura 39: Parte da Fachada Frontal

Fonte: Acervo da autora

A fachada principal ainda tem a mesma aparência de sua construção, as marcas da

arquitetura eclética principalmente nas esquadrias, as portas e janelas com os arcos marcados

e o frontão triangular caracterizam a sua tipologia. O prédio atualmente é pintado nessa cor

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laranja-avermelhada a qual dá um grande destaque a sua arquitetura diferenciada, as colunas

laterais tem uma cor mais clara, o que as coloca em evidência também.

Adentrando a organização do prédio em si pode-se notar que que a disposição do

Hospital Ulysses se dá a partir de um conjunto de blocos em que existem espaçamentos entre

eles, suas estruturas, como em outros hospitais da época, são em formato pavilhonar, feitas

dessa maneira para facilitar a circulação de ventilação e a entrada de iluminação natural, à

fim de reduzir a umidade e, por consequência, a propagação de doenças. Com os dois

principais blocos, conhecidos por Pavilhão Virgínia Lócio (ao norte) e Pavilhão Adail Santos,

onde funcionam as enfermarias/dormitórios, sua arquitetura forma claustros (padrão que

surgiu nos hospitais do século XV), ou seja, pátios internos criados a partir das alas dos

edifícios. É possível ver também, alguns elementos da arquitetura tipicamente francesa

influenciada por Pierre Gauthier no século XIX, no qual, o pátio central, formado e ligado

pelos quatro edifícios que o circundam são instalados por longos corredores para uma

movimentação mais flexível em que a ventilação circule melhor (Fonte, 2018).

Figura 40: Vista aérea do hospital

Fonte: Fonte, 2018

O hospital como já dito anteriormente passou por muitas alterações em suas

configurações pós Reforma Psiquiátrica até chegar no zoneamento em que se encontra

atualmente. Como muitos locais estão em desuso, a realidade do HUP atualmente se

assemelha um pouco ao João Machado pois acaba se configurando numa enorme estrutura

em que há espaços mal utilizados. No entanto a organização do hospital devido a sua

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configuração em pavilhões o torna de muito fácil entendimento, o que é um ponto bastante

positivo. Ao entrar se tem primeiramente um pequeno bloco de recepção que dá acesso ao

corredor principal de convivência (masculino) por onde os pacientes ficam vagando a maior

parte do tempo. Dentro desse espaço há pequenas edificações separadas, do lado direito a

diretoria e do esquerdo a administração. À direita da planta tem-se o pavilhão que

antigamente era enfermaria para idosos e que agora encontra-se desativado. Do lado esquerdo

tem-se o antigo prédio do CAT que agora é apenas a Ala Masculina, seguida da ala feminina

que tem o seu próprio espaço de convivência, já que homens e mulheres não podem misturar-

se. Mais à direita ainda tem-se o Pronto Socorro, serviço de Emergência, o qual tem um

acesso próprio que se dá pela Av. Cônego Barata. Na parte posterior tem-se o refeitório que

se liga com o espaço de convivência e atrás os serviços de manutenção de equipamentos,

lavanderia e armazenamento. Há também edificações muito antigas que estão em situação de

ruína como podemos identificar no esquema abaixo:

Figura 41: Zoneamento HUP

Fonte: Secretaria Estadual de PE (modificada pela autora)

A área de convivência liga os outros blocos através de passeios e uma passarela

central, a qual é tem uma cobertura simples de duas águas em telha colonial e é sustentada

por pilaretes. Todo esse ambiente conta com iluminação e ventilação naturais e na parte

gramada existem árvores e bancos também em formatos côncavos que são uma distração

positiva aos pacientes, já que atualmente é este o único ambiente de convivência existente e

por isso sempre há muitos internos circulando por ele.

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Figura 42: Passarela central

Fonte: Fonte, 2018

Nas laterais da passarela existem dois blocos separados que apresentam a mesma

linguagem do prédio principal onde funcionam funções administrativas. Através do passeio

se chega ao refeitório que é coberto por azulejos que se assemelham a azulejos portugueses

que valorizam bastante a sua entrada.

Figura 43: Administração e Refeitório, respectivamente

Fonte: Acervo da autora

Indo para o lado esquerdo dessa circulação tem-se as enfermarias, as quais funcionam

no prédio onde funcionava o antigo CAT, ao qual daremos uma atenção especial visto que as

estruturas de enfermaria não são interessantes a esse estudo.

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3.1.1 O CENTRO DE ATIVIDADES TERAPÊUTICAS

Como já dito, além da importância do seu valor patrimonial, até 2015 o Ulysses

Pernambucano contava com a existência do CAT (Centro de Atividades Terapêuticas) que foi

por anos exemplo e referência de tratamento dinâmico para os pacientes internos. O centro

complementava o complexo psiquiátrico com atividades recreativas e terapêuticas, com

auxílio de música, pintura, teatro e outras artes. O espaço contava com uma equipe técnica

de terapeutas ocupacionais, educadores físicos, artistas plásticos, arte-educadora, psicóloga,

artesãos, músicos, cabeleireiras e assistente administrativo. Onze projetos terapêuticos foram

desenvolvidos no centro: Rock na Tamarineira, Ateliê terapêutico, Atividade com bola e sala

de jogos, Música, Cinema no CAT, Jardinagem, Artesanato, Biodança, Oficina de

Alimentação, Jornal Mural e Salão de Beleza – esse último, é importante ressaltar, ganhou o

prêmio nacional Loucos pela Diversidade, concedido pela Fiocruz em 2009. Vencendo 400

inscritos de todo o Brasil, o projeto recebeu um incentivo de R$ 15 mil para ampliação das

atividades e compra de equipamentos (SECRETARIA DE SAÚDE DE PE). Todas essas

atividades foram desenvolvidas até o ano de 2015, quando foram repentinamente encerradas,

segundo funcionários do hospital, e hoje o prédio do CAT funciona apenas como enfermaria

masculina. Dessa maneira, hoje se encontram defasadas as atividades de cunho terapêutico no

hospital que outrora foi referência nesse sentido.

Figura 44: Antigo CAT

Fonte: Fonte, 2018

Apesar do encerramento das atividades do CAT, o legado do Centro permanece nas

produções que atualmente encontram-se guardadas no HUP e nos servem como exemplo de

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uma tentativa de implantação de reforma dentro das bases da instituição que funcionou por

mais de 11 anos. Outro ponto importante de análise vem a ser a relação que o espaço do

centro tinha com os outros ambientes do hospital.

Como já assinalado anteriormente o Centro de Atividades Terapêuticas funcionava

onde hoje se encontra a ala masculina, diretamente à esquerda da área de convivência

principal, então o espaço se encontrava numa localização privilegiada dentro do próprio

edifício, denotando sua importância funcional para o HUP. A intervenção do CAT passou a

ser tão primordial em termos de uso que foi englobada num dos espaços principais, projetado

originalmente para ser um pavilhão de enfermarias. Neste projeto original o centro

terapêutico foi colocado na extremidade superior do pavilhão esquerdo, bem mais atrás de

onde ele realmente funcionou. Antes disso, ele também ocupou um galpão que ficava anexo à

direita da edificação, sendo uma intervenção que DE GRACIA classificaria como exclusão, e

com o passar dos anos com o natural crescimento da função desse espaço o mesmo foi

redirecionado para dentro do edifício.

Figura 45:Pátio do antigo CAT (agora da enfermaria)

Fonte: Acervo da autora

A época de atividades do CAT foi bastante rica em produções dos internos, de pintura

a artesanatos no geral. Hoje em dia elas ficam guardadas no centro de estudos do hospital, são

tantas que poderiam estar facilmente expostas em alguma espécie de museu, assim como

aconteceu com as produções dos internos do hospital Pedro II liderados pela Nise da Silveira

que deram origem ao Museu de imagens do inconsciente. O centro inclusive tinha muitas

atividades voltadas ao público externo, prezando pela integração dos internos com a

sociedade.

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Figura 46: Panfleto de divulgação do CAT

Fonte: Acervo do hospital

Figura 47: Parte do acervo de pinturas do CAT

Fonte: Acervo do hospital

Figura 48: Produções dos internos produzidas no CAT

Fonte: Acervo do hospital

Percebe-se assim que a reforma psiquiátrica influenciou totalmente as mudanças

espaciais dentro do HUP, porquanto boa parte dos pavilhões de enfermaria foram desativados

e o hospital passou a ser conhecido por suas atividades integradoras realizadas no CAT. Hoje,

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o principal serviço seria o de atendimento de urgência que ocorre num edifício anexo que

encaminha os pacientes para internação apenas caso seja necessário mais do que 72h.

Figura 49: Entrada Pronto Socorro

Fonte: Fonte, 2018

Após toda essa análise, destaca-se os pontos mais importantes a serem utilizados

como referência para o desenvolvimento desse trabalho:

a) Restauro e manutenção do patrimônio;

b) Utilização da natureza em favor do usuário;

c) O Centro terapêutico como protagonista;

d) Serviços de apoio em anexo.

3.2 A arquitetura dos SESC/SP

Antes de adentrar a essa referência ressalta-se que, no sentido do reúso, o grande

diferencial do projeto vem a ser a ideia de implantação de um Centro de convivência e cultura

aberto à comunidade, no terreno do João Machado. Para isso daremos uma atenção especial

às ideias de materialidade, tectônica e aspectos formais da organização desses espaços que

podem servir de referência para as diretrizes dessa edificação em anexo. Utilizar-se-á,

portanto, a análise da arquitetura dos sesc sp em tópicos especiais dando destaque aos

elementos em comum a todos, pois são estes centros culturais e de convivência que

representam bem a ideia de espaços pensados PARA PESSOAS e, dessa forma, apresentam

intervenções criativas que entram em consonância com as diretrizes de projeto em psicologia

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ambiental, vistas no tópico 1.3.3 deste mesmo trabalho. Todos os SESC citados aqui foram

visitados em Julho de 2018, em diferentes datas.

Mantido pelos empresários do comércio de bens, turismo e serviços, o Sesc - Serviço

Social do Comércio é uma entidade privada que tem como objetivo proporcionar o bem-estar

e a qualidade de vida aos trabalhadores deste setor e sua família. Sua base conceitual é a

Carta da Paz Social e sua ação é fruto de um sólido projeto cultural e educativo que trouxe,

desde a criação pelo empresariado do comércio e serviços em 1946, a marca da inovação e da

transformação social.

Ao longo destes mais de 70 anos, o Sesc inovou ao introduzir novos modelos de ação

cultural e sublinhou, na década de 1980, a educação como pressuposto para a transformação

social. A concretização desse propósito se deu por uma intensa atuação no campo da cultura e

suas diferentes manifestações, destinadas a todos os públicos, em diversas faixas etárias e

estratos sociais. Isso não significa apenas oferecer uma grande diversidade de eventos, mas

efetivamente contribuir para experiências mais duradouras e significativas.

No estado de São Paulo, o Sesc conta com uma rede de 39 unidades operacionais –

centros destinados à cultura, ao esporte, à saúde e à alimentação, ao desenvolvimento

infantojuvenil, à terceira idade, ao turismo social e a demais áreas de atuação. Este

patrimônio forma um conjunto arquitetônico de múltiplas linguagens e influências,

constituído a partir da contribuição de nomes como Lina Bo Bardi, autora do Sesc Pompeia, e

Paulo Mendes da Rocha, responsável pelo Sesc 24 de Maio. Vamos analisar a seguir os

aspectos que chamam atenção nessas edificações e fazem com que sua arquitetura se torne

referência.

3.2.1 ACESSOS

Para começar “do começo” podemos iniciar falando dos acessos. A maioria dos SESC

nos passa uma ideia de abertura à comunidade. Geralmente os acessos se dão por grandes

portões que já saem diretamente para espaços de convivência, algo que é bastante convidativo

pois no geral esses espaços tem uma boa ocupação. Em alguns casos, como no Sesc Pompeia,

por exemplo é possível se ter a visão de boa parte do conjunto desde a entrada, o que é

positivo em termos de atratividade.

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Figura 50:Entradas Sesc Vila Mariana e Sesc Pompeia

Fonte: Acervo da autora

3.2.2 ÁREAS DE CONVIVÊNCIA

Um dos aspectos que mais chama atenção nos centros são os espaços destinados à

convivência. Vemos que esses locais podem ser tanto átrios internos como decks externos.

Geralmente são espaços bem abertos que prezam pela circulação de iluminação e ventilação

naturais. Nestes locais sempre é comum ver ocupação de pessoas, funcionando como espaços

de “suporte social” que incentivam a integração através de um mobiliário bem pensado e

distrações positivas.

Figura 51: Deck externo Sesc Ipiranga

Fonte: Acervo da autora

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Figura 52: Deck externo Sesc Pompeia

Fonte: Acervo da autora

Figura 53: Átrios internos Sesc’s Vila Mariana

Fonte: Acervo da autora

3.2.3 MOBILIÁRIO

Adentrando com destaque ao mobiliário observamos que geralmente os SESC

apresentam uma variedade bastante criativa de mesas, cadeiras, bancos, etc..tanto para

atividades em grupo, quanto para individuais. Utilizam-se de composições com materiais

como caixotes, pallets, perfis de metal, entre outros para criar mobiliários diferenciados que

chamam atenção e acabam sendo atrativos ao público. Em alguns casos podemos notar uma

característica de que os mobiliários poderiam vir a ser produzidos pelos próprios usuários e

por serem dinâmicos, também poderiam ser modificados pelo uso, como é o caso dos “banco-

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mesa” do Sesc Vila Mariana feitos de caixotes de madeira, que não são fixados e, portanto,

dão ao usuário mobilidade e liberdade quanto ao seu uso. Podemos observar uso de material

parecido também no sesc pompeia. No sesc 24 de maio é possível encontrar uma grande

quantidade e variedade em termos de mobiliário, tendendo a uma estética formal mais

moderna e industrial. No caso deste SESC em específico, assim como o projeto, os móveis

também foram desenhados por Paulo Mendes da Rocha:

Figura 54: Mobiliários sesc 24 de maio

Fonte: Acervo da autora

Figura 55: Mobiliário de madeira Sesc’s Vila Mariana e Pompeia, respectivamente

Fonte: Acervo da autora

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3.2.4 PASSARELAS E RAMPAS

Outro elemento bastante comum na arquitetura desses locais são as passarelas. Elas

geram uma impressão de dinamicidade ao conectar ambientes e também são uma maneira de

manter a permeabilidade visual durante os deslocamentos. Muitas vezes a estética das

passarelas é integrada ao local passando a pertencer a ele como uma intervenção formal

diferenciada que agrega valor com uma multiplicidade de escolhas tectônicas.

Figura 56: Passarelas em concreto (Sesc Pompeia) Passarela metálica (Sesc Vila Mariana)

Fonte: Acervo da autora

Até pela questão da acessibilidade as rampas são elementos primordiais na questão do

acesso vertical dos prédios. No entanto, os SESC buscam fazer das rampas partes atrativas da

construção, seja através do seu material ou mesmo da relação que ela tem com as outras

partes do ambiente, mas acabam sendo sempre convidativas a utilizá-las e experienciar a sua

materialidade ao invés de subir de elevador.

Figura 57: Rampas SESC’s 24 de maio e V. Mariana

Fonte: Acervo da autora

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3.2.5 A VERACIDADE DO MATERIAL

Não é incomum encontrar nos SESC a utilização do material aparente como

referência tectônica. Em praticamente todos podemos perceber a relação que a materialidade

tem com os espaços e como a estética dos materiais assumem para cada ambiente uma

identidade muito única. Percebe-se uma clara inclinação ao modernismo em grande parte das

construções em que se é possível estabelecer essa conexão entre a verdade do material e a

configuração/função do espaço, mas principalmente no Sesc Pompeia e 24 de maio que foram

projeto de arquitetos modernistas.

Figura 58: A parte fabril em tijolo terracota aparente e a intervenção de Lina Bo Bardi- Sesc Pompeia

Fonte: Acervo da autora

Essa intenção ocorre até mesmo nas instalações que acabam por ser colocadas como

parte do espaço em alguns casos, como tem sido comum em edificações com um partido

ligado a estética industrial.

Figura 59: Instalações acima da rampa e semi cobertas no átrio - Sesc Vila Mariana e 24 de maio

Fonte: Acervo da autora

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O mesmo vale para a estrutura em si que assume um forte papel na identidade visual

dos ambientes quando é deixada de maneira aparente. Muitas vezes mesclam-se diferentes

métodos construtivos, trazendo uma diversidade de materiais aos ambientes.

Figura 60: Vigas/maõs francesas e contraventamento - Sesc Vila Mariana

Fonte: Acervo da autora

Figura 61: Treliças de metal e vigas de concreto - Sesc Pompeia

Fonte: Acervo da autora

Através das características dos SESC é possível pensar como seria a dinâmica de

abertura de um espaço voltado à convivência e cultura dentro do Hospital João Machado. A

importância dada aos elementos criadores de integração se evidencia na organização de todos

os SESC, direcionando um caminho em torno de soluções que deem protagonismo ao papel

de átrios, mobiliários coletivos, circulações que integrem espaços, entre outros elementos

citados.

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3.3 Pinacoteca do Estado de São Paulo

O conjunto que hoje abriga a Pinacoteca data originalmente de 1886 e foi pensado por

Francisco de Paula Ramos para ser o Liceu das Artes de SP. Em 1930 o prédio é fechado por

dois anos e tem suas instalações adequadas para receber temporariamente um alojamento

militar. A edificação ainda abrigou o Grupo Escolar Prudente de Morais a pedido da

Secretaria de Segurança Pública e o Batalhão Santos Dumont (FASSA, 2007). O projeto de

intervenção teve início em 1993 quando Paulo Mendes da Rocha, juntamente com os

arquitetos Eduardo Colonelli e Welliton Torres, impulsionados pela entusiasmada direção do

artista plástico Emanoel Araújo frente à Pinacoteca, deram início ao empreendimento de

reformar o edifício do antigo Liceu para ali instalar as novas dependências do museu artístico

mais antigo de São Paulo.

Esta iniciativa, completada em fevereiro de 1998, transformou o então "invisível"

edifício neoclássico, localizado numa das regiões mais deterioradas da capital paulista, num

dos museus mais modernos do país. A obra, financiada pelo Ministério da Cultura e pelo

Governo de São Paulo, através de sua Secretaria da Cultura, participa de um projeto de

revitalização mais amplo que busca progressivamente devolver a vida ao Bairro da Luz,

transformando-o em um democrático espaço cultural no coração da cidade (Muller, 2000).

Figura 62: Fachada frontal e lateral direita da Pinacoteca

Fonte: Archdaily.com

O objetivo primordial da obra foi a adequação do edifício às necessidades técnicas e

funcionais para receber definitivamente a Pinacoteca do Estado, cujo perfil funcional estava

perfeitamente delineado pela sua localização urbanística, pelos espaços internos, pelo público

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potencial e pela idéia de ampliação do acervo, recepção de exposições temporárias e dotação

do prédio de toda a infraestrutura necessária. (Archdaily, 2015)

O projeto procurou resolver os problemas detectados no diagnóstico do prédio: a

umidade que paulatinamente degradava as robustas paredes em alvenaria de tijolos

de barro; a complicada distribuição das áreas de exposições espalhadas por

inúmeras salas e estruturada a partir dos vazios internos conformados por uma

rotunda central em forma octogonal e dois pátios laterais e, ainda, o plano de

acesso, comprometido pelas transformações urbanas ocorridas nas áreas entorno do

edifício (Archdaily, 2015).

Em um primeiro momento, a rotação do eixo principal de visitação, graças à manobra

sutil de cruzar, com pontes, os espaços vazios dos pátios internos, altera a implantação do

edifício e sua relação com a cidade. Devido ao crescimento da cidade e à modificação do

entorno da Pinacoteca, principalmente o aumento do tráfego da avenida Tiradentes e o

estrangulamento espacial que esta causava na fachada frontal, a rota de acesso foi realocada

para a Praça da Luz, fachada sul da edificação, modificando sua implantação. A nova entrada

dialoga com a Estação da Luz, tornando o prédio mais integrado com seu entorno imediato e

o transporte público, especialmente o metrô. Essa mudança ainda possibilita o desembarque e

embarque de visitantes devido ao grande recuo e o menor movimento da via.

Figura 63: Fachada frontal pela Av. Tiradentes

Fonte: Archdaily.com

A nova entrada pela face sul , aproveitando-se das varandas, cria um espaço de

transição entre a área externa e interna da Pinacoteca e ainda permite a instalação da

bilheteria e guarda-volumes do local. O espaço seguinte, a ala esquerda do segundo piso, é

transformado em um hall de entrada.

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Figura 64: Fachada sul, nova entrada com acesso pela Estação Sul

Fonte: Archdaily.com

Ressalta-se a utilidade importante do uso das varandas como espaços de acolhimento.

Ao realizar um novo eixo de circulação e modificar o acesso, o projeto criou um terraço no

local da antiga entrada, área de estar externa e aberta que possibilita a vista da paisagem

urbana próxima. (Archdaily, 2015)

Figura 65: Varanda na fachada da Av. Tiradentes

Fonte: Archdaily.com

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Algumas medidas pontuais foram efetivadas. Sobre os pátios internos e sobre o

octógono central da tipologia neoclássica do antigo Liceu, muito semelhante em planta ao

Altes Museum, em Berlim, de Schinkel, no lugar onde haveria uma cúpula (nunca construída

pelo edifício ter ficado incompleto) os arquitetos dispuseram clarabóias planas em estrutura

metálica reticular e vidros laminados que levemente pousam sobre as estruturas de alvenaria,

evitando a entrada da chuva no interior dos até então úmidos e sombrios poços de luz. Com

esta ação triplicou-se os espaços de exposições e providenciou-se exuberância de luz natural

no interior do edifício, enriquecendo a apreciação das obras de arte e da própria Arquitetura.

As cerca de cem esquadrias de suspensão que vedavam estes poços foram retiradas, ficando

seus vãos abertos de modo a criar transparência e potencializar a perspectiva através dos

ambientes, assim como permitir que a bela alvenaria portante do edifício pudesse ser

visualizada, pois não há reboco encobrindo a estrutura. (Muller, 2000).

Figura 66: Fachada frontal e lateral direita da Pinacoteca

Fonte: Archdaily.com

As quatro passarelas metálicas introduzidas nos pátios internos das duas alas da

Pinacoteca fortalecem o novo eixo. Elas os “corta” no primeiro e segundo pavimento,

tornando o espaço interno mais dinâmico e fluido e integrando fisicamente salas que antes

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não possuíam nenhuma conexão, dessa forma criam-se novas possibilidades de percurso.

Paulo Mendes da Rocha comenta essa nova relação com os pátios a partir de uma analogia:

“agora é possível visitar o prédio como só as andorinhas podiam fazer, não precisa mais ficar

circundando os pátios como num convento” (BRAVO apud. MÜLLER, 1998). As passarelas

ainda suavizam a verticalidade dos átrios.

Figura 67: Passarelas através dos pavimentos

Fonte: Archdaily.com

A construção original foi essencialmente mantida como encontrada, conservadas,

inclusive, as marcas dos antigos andaimes e as das ocupações e intervenções anteriores.

Todas as intervenções propostas pelo projeto foram justapostas e tornadas evidentes. A

alvenaria de tijolos aparentes foi mantida original como marca da cidade. No entanto, a

solução foi limpar e neutralizar agentes agressivos acumulados pela poluição. Na intervenção

o principal material utilizado foi o aço: nas passarelas, nos elevadores, nos parapeitos, nas

novas escadas, nas estruturas dos novos pisos e coberturas, nas esquadrias e nos forros. Seu

uso foi devido a sua melhor adequação às condições locais de execução, sua leveza (material

e desenho) e por estabelecer um diálogo interessante e desejável com a construção original,

entre o novo e o antigo (Archdaily, 2015).

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Diante disso, os conceitos que servirão de referência para as diretrizes são:

a) intervenção na comunicação com o urbano através da modificação de acessos;

b) acréscimo de novas circulações;

c) distinção visual e material entre intervenção e conjunto original;

d) preservação da estética externa do prédio principal.

3.4 Parque da Juventude - Carandiru

O conjunto hoje conhecido como Parque da Juventude esteve presente na memória

dos paulistanos por anos como um espaço marcado pela violência. A área com mais de 240

mil metros quadrados, localizada no bairro de Santana, na zona norte da capital paulista, até

2002 abrigou o antigo Complexo Penitenciário do Carandiru, historicamente conhecido como

o maior da América Latina. Além da imagem negativa e da área ser praticamente rejeitada

pelo Estado e sociedade, em 1992 ocorreu ali o massacre de 111 presos, retratado em

músicas, livros e no cinema (Archdaily, 2017).

O Parque da Juventude é o resultado de um longo processo que se iniciou em 1999

com um concurso de projetos para transformação do Complexo em um espaço público para a

comunidade com a criação de um grande parque, com edifícios institucionais e equipamentos

de lazer. A proposta da Aflalo/Gasperini, vencedora desse concurso, incluía a remodelação de

dois conjuntos de edifícios existentes nas extremidades da gleba, ligados por um parque com

momentos distintos, sendo um composto por quadras e equipamentos esportivos e outro

voltado ao lazer passivo e à contemplação (Aflalo Gasperini, 2015)

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Figura 68: Planta da proposta do parque

Fonte: Archdaily.com

Com o fechamento do presídio em 2002 os presos foram transferidos para outras

penitenciárias do estado e parte dos prédio antigos foram explodidos. A proposta foi dividida

em três fases, sendo construída em etapas. Com o projeto em mãos, a primeira etapa da obra

foi responsável por construir uma nova paisagem e espaço dedicado à área esportiva, com

entrada pela Avenida Zaki Narchi. A primeira etapa foi entregue em 2003, com 35 mil metros

quadrados, contava com as quadras poliesportivas e pistas de skate. Mas o grande

protagonista da ressignificação espacial foi paisagismo: com papel ativo, o projeto de Kliass

estabeleceu a vegetação conformando planos de teto e pisos, isto é, as árvores laterais e suas

coberturas conformaram espaços sombreados; as terras movidas criaram leves topografias na

área gramada; criando aberturas destinadas às áreas caminháveis (Archdaily, 2017)

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Figura 69: Primeira etapa da obra: área esportiva

Fonte: Archdaily.com

As ruínas e estruturas do antigo pavilhão ainda em fase construção na época, ao fundo

do terreno, também foram preservadas, e por meio da instalação de decks, passou a interligar

as estruturas, permitindo caminhada pelo espaço e observação.

Figura 70: Manutenção de partes da estrutura nos passeios

Fonte: Archdaily.com

O edital já previa a manutenção parcial de construções, como uma forma de preservar

a memória do lugar, de certa forma resguardada no filme de Hector Babenco. Contudo, no

longo e desgastante processo que vai do concurso à contratação - durante o qual houve

dezenas de encontros entre autoridades e os arquitetos, decidiu-se que grande parte da área

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prisional não seria desativada. Ainda funciona, por exemplo, a penitenciária feminina, imensa

edificação na extremidade norte do parque (Arcoweb)

A segunda etapa da obra, definida como área central, foi inaugurada em 2004.

Pensada como espaço de contemplação, justifica a ausência de equipamentos públicos,

dispondo apenas de bancos ao longo do percurso.

Os antigos muros e passarela de vigia, que obstruíam a paisagem, foram mantidos

como marca histórica. Contudo, assim como em muitos de seus projetos, a arquiteta

paisagista trouxe novo simbolismo, transformando o antigo observatório em área

caminhável, acessada por estruturas metálicas que dispões de escadas, permitindo

amplo mirante à nova paisagem e do outro, o córrego Carajás (Archdaily, 2017)

Figura 71: Passarelas metálicas de acesso aos mirantes

Fonte: Archdaily.com

Essa segunda parte como área de contemplação tem 90.000 metros quadrados preza

pelo desenho paisagístico, preservação e tratamento das áreas verdes e respeito às espécies

existentes. Entre as alterações topográficas, um pequeno morro de terra foi criado, quebrando

a estaticidade visual do terreno planificado e também por recobrir os resquícios de entulho da

demolição. Trilhas foram adicionadas e paus-ferro foram plantados na extensão da alameda

(Archdaily, 2017)

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Por último, foi inaugurada a área institucional em 2007, com um conjunto de edifícios

propostos pelo escritório Aflalo & Gasperini. Na nova área, a praça, prédio da Biblioteca e

ETEC, são facilmente acessados, visto que têm entrada ao lado da estação Carandiru (linha

azul do metrô).

Outros estudos foram feitos para decidir quais prédios permaneceriam. “Poderiam ser

os dois da frente, ou os dois do fundo. No final, achamos mais interessante conservar os dois

da lateral, mantendo a idéia da praça de acesso e reforçando a divisa natural da área”, lembra

Aflalo. “Mas alguma coisa ainda me incomodava. Uma praça não é um piso, mas um espaço.

Dessa forma, apresentamos ao governador - e ele aprovou - a proposta de um novo pavilhão,

pequeno, com 4 mil metros quadrados, que, junto com o teatro e os antigos volumes,

conforma a praça.” Se os elementos construtivos que marcam as duas primeiras fases do

parque são o aço corten e o concreto, na etapa final se destacam os fechamentos pré-

moldados. “Na parte antiga não foi fácil utilizar as placas, pois a modulação não era regular”,

diz Aflalo (Arcoweb). Internamente, os vazios dos pavilhões existentes foram ocupados por

escolas profissionalizantes. Uma cobertura de vidro (já presente no projeto inicial) transforma

o pátio em átrio, tal como na Pinacoteca do Estado (de Paulo Mendes da Rocha) ou na sede

dos Correios (Una Arquitetos), ambas em São Paulo.

No térreo ficam salas de reuniões e de convenção e um espaço que preserva a

memória do Carandiru; no primeiro andar estão a área de acesso público à internet e a

administração; os três pisos acima receberam as salas de aulas - por enquanto, somente um

deles está em funcionamento. Internamente, as escadas diferenciam os dois volumes.

O pavilhão novo, com dois pisos, foi criado para ser uma área de exposições.

Contudo, como tem estrutura flexível, antes da inauguração aventou-se instalar ali uma

unidade do Poupatempo (centro que reúne uma série de serviços prestados pelo poder

público). Ele permanece sem uso definido, mas o mais provável é que abrigue uma

biblioteca. Nesse caso, seria necessária a construção de outro volume.

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Figura 72: Prédios institucionais construídos na terceira fase

Fonte: Archdaily.com

O terreno se apresenta com fortes possibilidades de ocupação e por isso está sendo

sempre utilizado pela população: ele promove uma ligação entre a estação do metrô e está

localizado em uma área fortemente residencial e comercial. Cerca de 80mil pessoas

frequentam mensalmente esse espaço que foi ressignificado passando de um local de grande

imagem negativa para um espaço democrático e integrador por meio da arquitetura e do

paisagismo.

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Diante disso, os conceitos desse projeto que servirão de referência para as

diretrizes são:

a) Ressignificação do espaço através do paisagismo e da arquitetura;

b) Abertura em contraposição ao antigo espaço segregador;

c) Distinção visual e material entre intervenção e conjunto original;

d) Preservação de algumas partes da antiga edificação.

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CAPÍTULO 4: O REENCONTRO DA CIDADE

COM A LOUCURA: DISCUTINDO FORMAS DE

INTERVENÇÃO

A partir do exposto até este ponto do trabalho, nos concentraremos nas vivências,

descobertas e reflexões dos meses de pesquisa sobre o HJM. Coloca-se em discussão tudo o

que foi visto para ser analisado: como intervir em uma instituição que traz as marcas da

arquitetura manicomial a luz da Reforma Psiquiátrica? Levando-se em conta o seu valor de

patrimônio construído, é possível manter uma identidade? A intenção é estabelecer um

reencontro, tomando como base o que foi estudado, entre edifício, cidade e significado da

arquitetura.

4.1 O João Machado e a Rede de Atenção Psicossocial

Nas primeiras experiências de visita ao hospital e conversas informais com

funcionários da diretoria foi possível realizar um diagnóstico da situação funcional,

física/estrutural e operacional da instituição em conversas informais. Como já falado

anteriormente, o João Machado conta hoje com 3 serviços de atendimento ao paciente: o

ambulatório, a urgência e emergência e a internação psiquiátrica. Além destes, conta com um

serviço extra que engloba leitos de retaguarda do hospital Walfredo Gurgel e todos os

serviços de apoio técnico e logístico necessários ao funcionamento do local. Futuramente, o

HJM contará com uma Unidade de Tratamento Intensivo que se encontra atualmente em

construção. Nesse sentido, é possível observar que lida-se com uma complexidade funcional

enorme dentro do espaço da instituição.

De acordo com as informações obtidas “in loco”, 117 leitos são direcionados

exclusivamente para o internamento psiquiátrico, divididos da seguinte forma: 56 masculinos,

45 femininos e 16 para casos decorrentes do uso de álcool e drogas. O pronto socorro, um dos

serviços de maior referência, atende em média 462 pessoas por mês. Em 2015 foi feito pelo

Núcleo Hospitalar de Vigilância Epidemiológica da SESAP, um levantamento numérico dos

atendimentos realizados no PS os quais foram analisados e separados em diferentes

categorias. Uma das categorias era o número de atendimentos segundo o diagnóstico. De

acordo com o Núcleo, os casos mais recorrentes de atendimento são de pessoas com

Esquizofrenia Paranóide (F – 20,0), seguidos de Transtorno Bipolar (F – 31,0) e Transtornos

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mentais e comportamentais devido ao uso de múltiplas drogas (F – 11/19,0), como podemos

identificar na tabela abaixo:

Tabela 1: Número de atendimentos realizados na urgência do HJM segundo diagnóstico

Fonte: Secretaria de Saúde do Estado, 2015

Essa primeira análise corresponde a dois posicionamentos:

a) Substituir o atendimento de urgência/emergência atual pelo serviço proposto na

Rede de Atenção Psicossocial. Juntos, os serviços passam a dar conta das

demandas de saúde mental com atendimento de urg./emerg. nos CAPS;

b) Decidir que tipo de CAPS (I, II, III ou AD) seria mais indicado para o local;

Ao diagnosticar-se, a partir dos números, que os casos AD somados eram menores do

que os números de atendimento para casos de esquizofrenia foi possível entender que a

implantação de um CAPS teria que levar em conta essa particularidade.

Desde o início, uma das proposições deste estudo seria a tentativa de estudar a

implantação de um CAPS no terreno do João Machado, já que esse serviço é essencial na

articulação da RAPS. Assim, uma das formas de refletir sobre o assunto foi a participação na

1ª semana de Psicologia do HJM, que ocorreu durante a realização deste TFG. No evento

foram discutidos diversas temáticas relacionadas ao contexto atual da instituição: as

atividades, a desconstrução da loucura em diversos sentidos e também a conexão do HJM

com a rede de atenção presente na cidade. Com relação a esta última, viu-se que a cidade de

Natal possui 5 CAPS: Na zona Leste 1 CAPS III e um CAPS AD, na zona Oeste 1 CAPS II e

um CAPS infantil e na zona Norte 1 CAPS AD. Também foi falado sobre as residências

terapêuticas, as quais existem 3 na cidade até o presente momento: 2 na região Oeste e 1 na

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região Leste. É evidente que para uma cidade como Natal, com 877.640 habitantes, contar

com apenas um CAPS III, que é a única modalidade que considera o atendimento 24h com

regime de internação por até 72 horas, torna o funcionameno da rede ineficaz e ainda faz com

que surjam outros problemas relativos a articulação desta com instituições como o João

Machado.

Como foi visto, dentro da RAPS, a redução do número de leitos em hospitais

psiquiátricos tem sido gradativa, inclusive dentro do próprio João Machado, que antes chegou

a abrigar quase 800 leitos e atualmente encontra-se com 117. No entanto, a falta de

articulação entre os serviços da Rede na cidade traz à tona um grande problema: o hospital

JM continua sendo referência em situações de crise e continua internando mais do que o

necessário. O que isso significa? O CAPS III, segundo a psicóloga Karin do HJM, não tem

dado conta da resposta à urgência 24h e muitos pacientes acabam sendo encaminhados para o

João Machado ou o escolhem como 1ª opção, o que explica médias tão altas de atendimento

no Pronto Socorro. Para atenuar o problema houve acordos com as UPA’s e os Hospitais

Gerais para que recebessem a demanda de surtos de dependentes químicos, de forma que esse

papel não fosse quase que inteiramente só do João Machado. Além disso, existe uma ideia de

“segurança” trazida pela imagem e história do hospital, de que é possível garantir sempre o

acolhimento. O que teoricamente seria uma ideia boa a respeito dele, acaba provocando

dezenas de casos de abandono que ocorrem com frequência por parte das famílias. Muitas

acabam considerando o João Machado como uma segunda casa para os pacientes e, para

evitar o desgaste de tomar conta dos doentes, acabam por confiar o seu tratamento e muitas

vezes suas vidas ao hospital, já que o Estado não pode recusar o acolhimento. Citam-se casos

muito comuns de reinternação, em que o paciente passa algum tempo em casa e meses depois

volta à instituição, como em um ciclo vicioso. Por essa razão, existe uma necessidade urgente

de os serviços da rede funcionarem de modo articulado, no sentido de fazerem visitas às

famílias e auxiliarem na continuidade do tratamento fora da instituição, o que na prática não

ocorre.

Essa questão da “segurança” colocada pelas famílias sobre o hospital leva a outra

questão: existem pacientes residentes na instituição, abandonados pela família, os quais não

podem simplesmente ser desconsiderados num projeto de reúso. Essa foi uma das perguntas

feitas durante as visitas ao local, constatando-se que existem cerca de 20 pacientes nesta

situação, no momento. Essa estimativa foi confirmada por uma das enfermeiras do local, que

durante uma palestra da Semana de Psicologia do João Machado, afirmou que existem

números suficientes para se abrirem 2 residências terapêuticas. Surgiu então a demanda de

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uma proposta para abrigar esses residentes no caso de um reuso, assim, outras pesquisas

foram feitas para entender melhor a ideia das residências terapêuticas.

De acordo com o Ministério da Saúde (2004), o Serviço Residencial Terapêutico

(SRT) – ou residência terapêutica ou simplesmente "moradia" – são casas localizadas no

espaço urbano, constituídas para responder às necessidades de moradia de pessoas portadoras

de transtornos mentais graves, institucionalizadas ou não. O número de usuários pode variar

desde 1 indivíduo até um pequeno grupo de no máximo 8 pessoas, que deverão contar sempre

com suporte profissional sensível às demandas e necessidades de cada um. Eles dividem-se

em dois tipos:

SRT I – O suporte focaliza-se na inserção dos moradores na rede social existente (trabalho,

lazer, educação, etc.). O acompanhamento na residência é realizado conforme recomendado

nos programas terapêuticos individualizados dos moradores e também pelos Agentes

Comunitários de Saúde do PSF, quando houver. Devem ser desenvolvidas, junto aos

moradores, estratégias para obtenção de moradias definitivas na comunidade. Este é o tipo

mais comum de residências, onde é necessário apenas a ajuda de um cuidador (pessoa que

recebe capacitação para este tipo de apoio aos moradores: trabalhador do CAPS, do PSF, de

alguma instituição que faça esse trabalho do cuidado específico ou até de SRTs que já pagam

um trabalhador doméstico de carteira assinada com recursos do De Volta Para Casa).

SRT II - Em geral, cuida-se de idosos, doentes e/ou dependentes físicos, inclusive com ajuda

de profissionais: o SRT II é a casa dos cuidados substitutivos familiares desta população

institucionalizada, muitas vezes, por uma vida inteira. O suporte focaliza-se na reapropriação

do espaço residencial como moradia e na inserção dos moradores na rede social existente.

Constituída para clientela carente de cuidados intensivos, com monitoramento técnico diário

e pessoal auxiliar permanente na residência, este tipo de SRT pode diferenciar-se em relação

ao número de moradores e ao financiamento, que deve ser compatível com recursos humanos

presentes 24h/dia.

Em termos de arquitetônicos, a grande diferença entre os dois tipos é que o segundo

deve ter um aparato maior com relação à acessibilidade e espaços para os profissionais. Pela

característica dos pacientes debilitados residentes no João Machado, pode-se entender que se

encaixariam melhor no perfil da SRT II. Dessa maneira, pode-se dizer que uma residência

terapêutica é basicamente uma casa oferecida pelo poder público, onde os doentes que não

tem o vínculo familiar ou não podem voltar pra casa por falta de algum tipo de condição

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passam a viver para que possam ser desinstitucionalizados. A ideia do SRT é de, junto a

outros dispositivos da RAPS, concretizar a superação do modelo de atenção centrado no

hospital, entendendo que para o tratamento da saúde mental a melhor coisa é conviver em

sociedade com autonomia. Por isso mesmo, o projeto dessas casas deve-se distanciar ao

máximo das lógicas espaciais vivenciadas no manicômio.

Fortalecendo a dialética da integração em contraposição à construção psicológica

institucional, tem-se também a ideia do Centro de convivência e cultura (CCC). Esse é um

outro dispositivo da RAPS, o qual não é assistencial e tem o seu lugar dentro da rede na linha

de frente da abertura à comunidade. Ele representa a necessidade de romper os muros da

mudança apenas nos serviços assistenciais e partir para uma produção cultural e de trabalho

que coloque o paciente no lugar de indivíduo produtivo socialmente, como ator protagonista

de novas complexidades.

Até o momento discutiu-se a possível substituição de serviços por um CAPS e pelas

Residências e o acréscimo do CCC, mas para além do que seria substituído existem os

serviços que hoje funcionam bem e que tiveram seus espaços reformados a pouco tempo. É o

caso da Ala de internação do Walfredo Gurgel e da UTI que está em construção e, portanto,

não podem ser desconsiderados. Como visto anteriormente, o João Machado passa hoje por

um problema financeiro que o coloca na situação de ser mantido pelos leitos de retaguarda do

WG e em decorrência disso acabou-se investindo mais nesse espaço. Problemas na gestão da

saúde do RN, ausência de recursos e espaços adequados à demanda atual, além da falta de

leitos na cidade fazem com que seja necessário manter leitos em funcionamento e em

construção. Por ser um local em melhores condições de manutenção leva-se em consideração

a ideia de que poderia ser mantido readequando-se apenas às possíveis alterações que

viessem a ocorrer em espaços adjacentes.

4.2 Programação arquitetônica

Tendo em vista todas as demandas levantadas no tópico 4.1 chega-se à conclusão de

que, para conseguir a adequação do espaço do João Machado de forma eficaz considerando

as exigências da Reforma Psiquiátrica teria-se que trabalhar com a ideia de um “Complexo”

que envolvesse serviços substitutivos da Rede de Atenção Psicossocial, os quais unidos a

alguns serviços que seriam mantidos no joão machado, conseguiriam abarcar a ideia do

tratamento de saúde mental em duas frentes: assistência médica e terapia através da arte e

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cultura. Sendo assim, chega-se a nova denominação de Complexo de Saúde Mental Dr. João

Machado que funcionaria esquematicamente da seguinte maneira:

1. O serviço de Pronto Socorro seria agora feito por um CAPS III 24h;

2. O serviço de Internação Psiquiátrica acabaria integralmente, no entanto os pacientes

residentes seriam remanejados para Residências Terapêuticas que funcionariam num

novo espaço do Complexo;

3. Mantém-se a Ala de Internação Walfredo Gurgel e o projeto da futura UTI

readequando-o aos novos espaços adjacentes. Serviços como a Administração e os

apoios técnico e logístico também são mantidos, no entanto, com novas lógicas

espaciais.

4. O acréscimo do Centro de Convivência e Cultura expande os limites da instituição

para o território e abre as portas do complexo à integração dos pacientes com a

população.

Com essa conformação, atinge-se diversos níveis de conexão com a Rede de Atenção

Psicossocial: atenção psicossocial estratégica, atenção de urgência e emergência, atenção

residencial de caráter transitório, atenção hospitalar, estratégias de desinstitucionalização e

estratégias de reabilitação psicossocial.

Figura 73: Rede de Atenção Psicossocial

Fonte:Política de saúde mental, 2005 (modificada pela autora)

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A partir da definição dos novos serviços do HJM considerou-se importante sugerir um

programa arquitetônico e pré dimensionamento para guiar uma futura intervenção no local. O

programa do CAPS III foi feito através do Manual de Estrutura Física dos CAPS (2013) que o

próprio Ministério da Saúde fornece já com as informações para o pré dimensionamento mínimo.

De acordo com a Portaria SAS/MS n. 854/2012 (Brasil, 2012), poderão compor, de diferentes

formas, os Projeto Terapêuticos Singulares (PTS), de acordo com as necessidades de usuários e

familiares, as seguintes estratégias:

a) Acolhimento inicial por demanda espontânea ou referenciada, incluindo situações de

crise;

b) Acolhimento diurno e noturno, no caso do CAPS III o funcionamento é 24h incluindo

finais de semana e feriados;

c) Atendimento individual: atenção direcionada aos usuários visando à elaboração do

projeto terapêutico singular ou que dele derivam, consultas no geral;

d) Atenção às situações de crise: ações desenvolvidas para manejo das situações de crise,

entendidas como momentos do processo de acompanhamento dos usuários;

e) Atendimento em grupo: ações desenvolvidas coletivamente, como recurso para

promover sociabilidade, intermediar relações, manejar dificuldades relacionais;

f) Atendimento em grupo: ações desenvolvidas coletivamente, como recurso para

promover sociabilidade, intermediar relações, manejar dificuldades relacionais;

g) Práticas corporais: estratégias ou atividades que favoreçam a percepção corporal, a

autoimagem, a coordenação psicomotora;

h) Práticas expressivas e comunicativas: estratégias realizadas dentro ou fora do serviço

que possibilitem ampliação do repertório comunicativo e expressivo dos usuários;

i) Atendimento para a família: ações voltadas para o acolhimento individual ou coletivo

dos familiares e suas demandas;

j) Atendimento domiciliar: atenção desenvolvida no local de morada da pessoa;

k) Ações de reabilitação psicossocial: ações de fortalecimento de usuários e familiares,

mediante a criação e o desenvolvimento de iniciativas articuladas com os recursos do

território;

l) Acompanhamento de serviço residencial terapêutico: suporte às equipes dos serviços

residenciais terapêuticos.

m) Fornecimento de refeições diárias para os pacientes assistidos;

n) É importante a ressalva de que o CAPS deve funcionar em uma área independente de

qualquer instituição hospitalar, com uma equipe e espaços próprios.

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O programa das residências terapêuticas foi feito com base na ideia de uma moradia com

características que pudessem abrigar várias pessoas considerando-se, no entanto, as demandas

relevantes a uma SRT tipo II que sinaliza uma atenção a possíveis adaptações para portadores de

necessidades especiais. Para o Centro de Convivência foi levado em parte do programa dos SESC

apresentados aqui no capítulo 3. Os apoios técnico e logístico foram montados e dimensionados

com base na RDC 50 (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2002) que dispõe sobre o Regulamento

Técnico para planejamento, programação, elaboração e avaliação de projetos físicos de

estabelecimentos assistenciais de saúde. São apresentados abaixo os Programas e pré-

dimensionamento para cada serviço:

Tabela 2: Programa e pré dimensionamento do CAPS III João Machado

Fonte:Produzida pela autora

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108

Tabela 3: Programa e pré dimensionamento das Residências Terapêuticas

Fonte:Produzida pela autora

Tabela 4: Programa e pré dimensionamento dos Centros de Convivência e Cultura

Fonte:Produzida pela autora

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109

Tabela 5: Programa e pré dimensionamento do Apoio Logístico

Fonte:Produzida pela autora

Tabela 6: Programa e pré dimensionamento do Apoio Técnico e áreas a serem mantidas

Fonte:Produzida pela autora

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110

Essa nova organização nos coloca em um panorâma intervencionista que apresenta

serviços que são mantidos, mas espaços que serão demolidos além é claro dos acréscimos.

Faz-se necessária a reflexão de como será reconstruída a lógica desses espaços que darão

lugar aos novos usos. Dessa maneira, discute-se a partir de agora as decisões do reuso

baseadas nas teorias de patrimônio construído apresentadas nos tópicos 2.2 e 2.3 do Capítulo

2 deste trabalho.

4.3 O reúso do João Machado sob a ótica patrimonial

“A simples abertura do hospital não bastava para abater a espessura dos muros, era

preciso inventar novas estratégias” (BASAGLIA, 1968).

Neste ponto chegamos ao questionamento da ação arquitetônica modificadora. Como

dialogar com a pertinência de um contexto quando o contexto em referência é a própria

motivação para a ideia do reúso em si? Cabe aqui traçar estratégias a partir de determinadas

escalas de intervenção que auxiliem na harmonização das novas edificações, as quais entrarão

em diálogo com o edifício antigo de forma a manter-se uma lógica espacial funcional e

esteticamente melhor trabalhada. Nesse sentido, realiza-se uma discussão entre os dois níveis

de escalas trazidos no Capítulo 2: a partir das práticas compositivas de De Gracia (1992)

consegue-se sugerir modificações numa escala menor, um pouco mais prolixa e detalhada,

quando trata-se de tentar manter uma identidade ao edifício existente; e com as escalas

propostas por Tiesdell, Oc e Heath apresentadas em Vieira (2008) classificando a intervenção

como um todo num olhar mais macro, no qual há a possibilidade de discutir-se a dialética da

crítica feita através da ideia de um reúso. Desse modo consegue-se, abarcando essas questões,

apontar uma sugestão mais prática de diretrizes que serão listadas no capítulo seguinte. É

importante ressaltar que todo esse estudo configura-se como uma sugestão de possíveis

novas organizações espaciais para um projeto que viria a ser melhor detalhado futuramente,

mas de toda maneira, apresentam-se as questões teóricas mais pertinentes a serem refletidas

previamente.

O primeiro passo foi pensar em quais espaços não teriam mais condições de serem

mantidos e precisariam ser demolidos. As primeiras áreas que entraram em xeque foram

justamente as internações, porquanto esse era o principal serviço a ser excluído do

zoneamento do complexo. Mas por que derrubar e não restaurar? A internação psiquiátrica

funciona em pavilhões, como mostrado anteriormente, que são núcleos comunitários que

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mantém-se ainda como no projeto original com suas características: corredores grandes, pés

direitos altíssimos, quartos de enfermaria lado a lado e grades fechando todos os acessos,

além disso, eles tem uma relação direta com áreas livres que eram agricultáveis antigamente

mas que hoje estão vazias e servem apenas para “banho de sol ao ar livre”. Essa conformação

do pavilhão carrega consigo um peso psicológico muito grande para quem viveu boa parte da

vida na instituição, então, considerando que esse serviço seria substituído pela Residência

Terapêutica achou-se mais adequado destruir qualquer possibilidade desses espaços

assemelharem-se às memórias arquitetônicas do antigo manicômio, tendo em vista que esse

estudo não se aprofunda especificamente no viés patrimonial. Em estudos mais detalhados de

projeto poderia-se sugerir a possibilidade de construírem-se casas geminadas aproveitando o

pavilhão. Dessa maneira, atendo-se a postura defendida no nosso caso, desapareceriam os

pavilhões de internação masculino e feminino e manteria-se apenas o de internação geral do

Walfredo, já que, este apresenta modificações recentes que o tornam um pouco mais

adequado em termos de ambiência. Por questões estruturais, tendo em vista que boa parte do

“braço” direito da planta sumiria, o pronto socorro que hoje funciona na extremidade desse

braço também seria excluído, pois projeta-se previamente a possibilidade de implantar o

CAPS nesse local, no entanto, modificando-se o acesso, já que, atualmente, o acesso ao

Pronto Socorro é absolutamente inadequado e dificil.

Figura 74:Áreas de internação a serem demolidas na planta

Fonte: Secretaria de Saúde do Estado (modificada pela autora)

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112

Figura 75:Esquema de sugestão de demolições

Fonte:Produzida pela autora

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O eixo central foi uma grande questão a ser trabalhada. Nele estão localizados os

serviços de apoio mais importantes da instituição como os de nutrição e dietética, farmácia etc.

Foi acertado que a importância funcional dele deveria ser mantida como central na organização

funcional. Os corredores até certo ponto poderiam ser mantidos pois são abertos para área livres

na lateral direita do prédio, no entanto, a partir das entradas das internações eles tornam-se

fechados e longos provocando um incômodo que não é considerado proveitoso para a

conformação do novo uso. Sendo assim, pensou-se que poderia se manter a “lógica” do eixo

central com um núcleo de apoio, mas os corredores não deveriam mais ser -fechados- então

poderiam ser substituídos por novas circulações como passarelas, por exemplo, que tivesse uma

relação melhor com a parte externa.

Figura 76:Croqui representando modificações no eixo central

Fonte: Produzido pela autora

As práticas compositivas de De Gracia auxiliam bastante a pensar em como elencar

soluções de projeto que remetem a preexistência. A escolha nesse caso para o João Machado,

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no sentido do complexo, seria anexar edificações por exclusão. Quando se assume essa postura

faz-se necessário, segundo o autor, procurar a harmonização do conjunto a partir de elementos

nexo ou elementos conectores. No momento em que há a escolha de se demolir um dos braços do

João Machado temos um rompimento estético da espacialidade do edifício, já que parte da forma

é mantida do outro lado. Dessa forma, sugere-se que a edificação anexa do lado direito favoreça

uma congruência geométrica em ‘L’ como é atualmente. A ideia é que se mantenha uma leitura

compatível com a preexistência: um eixo central, mantendo-se as edificações frontais e

posteriores e os “braços” laterais como representadas no esquema abaixo:

Figura 77: Esquema das relações de congruência geométrica

Fonte: Produzido pela autora

Figura 78: Ilustração da prática compositiva por exclusão

Fonte: Ilustração original de De Gracia, 1992

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Ao anexar edificações a uma existente faz-se necessário procurar a harmonia do

conjunto. Quando se utiliza a exclusão procuramos a integração através de

elementos-nexo. (De Gracia, 1992).

O núcleo que seria central de apoios seria conectado por passarelas justapostas, como

já sinalizado, sendo esta uma estratégia de elementos conectores:

Figura 79: Ilustração das práticas compositiva com elementos conectores

Fonte: Ilustração original de De Gracia, 1992

É evidente que pelo nível de modificação dos espaços temos uma limitação quanto a

utilização das teorias de De Gracia, pois o autor defende a ideia da conservação da identidade e do

contexto o máximo possível, na busca de manter a característica de unicum. Não se pode pensar

que demolindo certas partes do conjunto existe uma tentativa de “esvaziamento interior” fruto de

um pathos intervencionista apontado por De Gracia ao se construir dentro do construído; na

verdade, existe o esforço da ressignificação sem que haja danos a especificidade do prédio. Ao

trazer essa referência para a discussão há uma tentativa justamente de harmonizar essa

diversidade de ideias a respeito do que poderia ser a organização de tantos serviços numa

complexidade funcional. Usando essas estratégias mantemos um diálogo interessante com a outra

escala de intervenção, proposta por Tiesdell, Oc e Heath no sentido de que, existindo a intenção

de manter a leitura espacial do conjunto remetendo à preexistência trazemos a modificação no

edifício principal para perto do meio da escala, aproximando-se da continuidade contextual. As

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outras edificações anexadas podem ser distribuídas nos espaços onde foram derrubados os

pavilhões, mantendo algum diálogo estético com o edifício principal.

Figura 80: Esquema das relações entre serviços mantidos e os novos anexos

Fonte: Produzido pela autora

Existem muitos debates importantes a serem lembrados na hora dessa proposição,

relativos a toda a crítica já feita à arquitetura manicomial. Algumas dessas discussões

apresentadas também no referencial teórico deste trabalho podem ser relembradas agora, no

sentido de justificar determinadas posturas. Cabe recapitular Basaglia quando ele sinaliza que “a

simples abertura do hospital não era suficiente para abater a espessura dos muros, era preciso

utilizar novas estratégias”. Esse pensamento, que foi trazido como precedente e motivador à luta

antimanicomial e a Reforma Psiquiátrica em si reflete-se na hora da decisão arquitetônica quase

que como um conceito: os novos serviços devem distanciar-se da realidade do manicômio. Se na

intervenção adjacente foram utilizadas técnicas que serviriam para “suavizar” o efeito

contrastante que as novas edificações poderiam apresentar levando o conjunto à continuidade

contextual, na implantação do Centro de Convivência sugere-se exatamente o contrário, nesse

caso a justaposição deve servir de partido à uma crítica estrutural. Esquematicamente mostrado na

figura 81, a ideia é que o Centro seja implantado de maneira independente dentro do terreno e que

na sua arquitetura se sobressaia a autenticidade de forma que seja essa edificação a expandir os

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limites do novo Complexo, tanto em termos de arquitetura quanto em níveis psicológicos de

entendimento do novo funcionamento do João Machado.

Figura 81: Esquema da justaposição representada pelo Centro de Conv. e Cultura

Fonte: Produzido pela autora

Como conclusão a essa reflexão, temos dois níveis de escalas sugeridas a esta

intervenção: uma representada pelos espaços mantidos no João Machados que unidos aos novos

serviços formariam um conjunto que preserva a leitura espacial já existente tendendo à

continuidade contextual e a outra representada pelo centro de convivência e cultura que seria

implantado de forma mais independente trazendo uma arquitetura contrastante em termos de

forma com o prédio principal levando a classificação para a extremidade da justaposição,

colocando-a propositalmente como uma crítica estrutural. Abaixo temos um mapa resumo das

ideias norteadoras das futuras diretrizes baseado nas escalas de intervenção de Tiesdell, Oc e

Heath:

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Figura 82: Mapa resumo dos conceitos norteadores

Fonte: Produzido pela autora

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CAPÍTULO 5: DIRETRIZES DE PROJETO PARA O

REÚSO DO HOSPITAL JOÃO MACHADO

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A complexidade do ambiente do Hospital João Machado e as dificuldades de reunir as

edificações com novos usos em um programa de necessidades nos conduziram a esta última

parte do trabalho, onde reúnem-se recomendações e soluções que poderão guiar um futuro

projeto arquitetônico de intervenção no local. Os estabelecimentos voltados para a saúde

mental devem levar em conta, de maneira urgente, o bem-estar do seu usuário e a rede de

atenção estabelecida em cada região, não sendo mais possível continuarmos nos sustentando

sobre os pilares de uma arquitetura fria, sem empatia e que piora o estado de saúde dos

indivíduos. Por isso a necessidade das respostas ou, neste caso mais especifico, da

ressignificação desses espaços. Estas diretrizes seguem uma sequência lógica que considera o

nível de complexidade das intervenções - de fora para dentro - iniciando as orientações pelo

novo zoneamento, delineando o espaço externo e depois para as sugestões de uma nova

configuração espacial das edificações/espaços com novos usos ou serviços.

5.1 QUANTO AO ZONEAMENTO

Considerando mais uma vez a complexidade do conjunto edificado e seus espaços

livres, propõe-se uma nova configuração dos setores antes de apresentar as soluções. Faz-se

isso porquanto um dos principais objetivos deste estudo é que o projeto de reuso dialogue

com as preexistências. Sendo assim, inicia-se essa linha de raciocínio da seguinte maneira: os

prédios da frente (Administrativos), a UTI e o Walfredo mantém-se no lugar em que

funcionam hoje e a partir das relações que os mesmos propõem distribuem-se os outros

tentando aproximar-se da lógica funcional atual, de modo que, onde era o Pronto Socorro, na

configuração do reuso será o CAPS. Onde localizam-se hoje as enfermarias masculinas ou o

Pavilhão Masculino seriam implantadas as Residências Terapêuticas, de maneira que, estas

passem a ter uma relação de maior proximidade com a rua. O centro de convivência e Cultura

dessa forma iria localizar-se na parte direita do terreno, de maneira mais independente e com

acesso próprio visando uma abertura à comunidade como citado anteriormente. Todos os

novos usos seguem um padrão de horizontalidade já presente no estado atual e que devem ser

preservados já que esse é um ponto que favorece o contato físico do paciente com o ambiente

externo.

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Figura 83: Estudo de Setorização/Zoneamento

Fonte: Produzida pela autora

Figura 84: Esquema de implantação do novo zoneamento

Fonte: Produzida pela autora

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122

5.2 QUANTO AO ESPAÇO EXTERNO

5.2.1 Aproximação com a comunidade

Em contraponto ao histórico de isolamento e segregação esse é um dos pontos de

maior importância. Trata-se de facilitar a relação do Complexo com o território, algo que é

bastante reiterado nas referência que tratam das funções da Rede de Atenção Psicossocial.

Um dos elementos físicos de maior destaque quando se pensa na arquitetura dos manicômios

são de cara os muros externos que escondem o que acontece lá dentro, portanto, uma das

primeiras recomendações seria a suavização dos muros, melhorando a permeabilidade entre

o externo e o interno.

Figura 85: Exemplos de suavização do muro

Fonte: Ilustração produzida pela autora

Essa alteração pode ser feita pela diminuição do muro e acréscimo de diferentes

texturas. Novos materiais como tijolinhos, gradis com padrões diferenciados (para que não se

assemelhem ao de prisões) e até mesmo pinturas artísticas podem surtir um efeito

interessante, além de alternâncias com vegetação.

Considera-se também a abertura de um novo acesso independente, que

provavelmente terá relação com o uso do centro de convivência, algo que tornará o aspecto

da “abertura” mais evidente. Unindo-se a isso indica-se a ideia de melhorar a relação com a

rua, contando com a possibilidade de alguma integração entre novos espaços de convivência

externos do complexo com a Av. Alexandrino de Alencar que apresenta uma característica

interessante para os pedestres que é a regulação da velocidade dos carros, a partir de

determinado ponto e uma faixa exclusiva para caminhantes. Essas iniciativas poderiam vir a

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conectar-se com as mudanças no terreno, como por exemplo: a paginação do piso

semelhante, espaços de permanência nos canteiros da avenida que se assemelhem aos do

complexo, ciclovias conectadas; abaixo um esquema representativo dessa dinâmica:

Figura 86: Integração entre o João Machado (muro à esquerda) e a Av. Alexandrino de Alencar

Fonte: Ilustração produzida pela autora

5.2.2 Utilização dos recursos existentes para a criação de novos espaços

Atualmente no terreno existe um campo de futebol na parte frontal direita. Esse

equipamento é apreendido como um ótimo ponto de partida para a criação de uma espécie de

praça. Sugere-se então a urbanização no entorno desse campo de futebol na intenção de

criarem-se espaços de convivência. A praça, por sua vez, pode funcionar como o caminho de

acesso independente ao centro de convivência e cultura.

Figura 87: Zoom na sugestão de intervenção para o campo de futebol

Fonte: Planta esquemática produzida pela autora

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124

Figura 88: Referência de mobiliários sugeridos para a praça

Fonte: Pinterest

Outra forma de utilizar os recursos seria aproveitar-se da extensa vegetação

existente em alguns locais para criar ambientes sombreados. Na lateral oposta a do campo de

futebol existe uma concentração vegetal que forma uma espécie de bosque. A proposta seria

unir essas árvores em grupos de canteiros, os quais sombreariam passeios que conectariam

estacionamentos. De acordo com o código de obras, para uma edificação desse porte com até

2 andares classificando-a como “instituição de saúde” precisaria-se de 114 vagas de

estacionamento. Parte delas poderia localizar-se nessa lateral em questão de forma harmônica

com a ambiência sugerida.

Figura 89: Zoom na sugestão de intervenção para a área verde do lado esquerdo do terreno

Fonte: Ilustração produzida pela autora

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125

5.2.3 Facilitar os acessos aos serviços

Um dos problemas mais perceptíveis no João Machado é o obstáculo de se entender

espacialmente onde fica cada serviço. Isso decorre da dificuldade dos acessos e também da

falta de sinalização. Um ponto importante para resolver esse problema seria a reorganização

das vias existentes apontando novos acessos. A via que atualmente leva ao Pronto Socorro

pode ser trazida um pouco mais pra perto do acesso principal e agora levaria ao CAPS e a

UTI na parte posterior, esta seria uma via preferencialmente para fluxos de carros,

ambulâncias e caminhões e, portanto, dupla (identificada com “a” na figura). Da mesma

forma que o acesso ao CAPS seria trazido para perto da entrada principal, o da Ala Walfredo

também passaria por essa alteração, abrindo-se então uma via específica (identificada com

“b” na figura) que levaria carros e ambulâncias a acessar esta ala em questão.

Os acessos a pedestres devem aproximar-se do eixo central como uma forma de

comunicação espacial mais fácil, já que hoje em dia facilmente se perde na enormidade do

local. Na figura estão identificados com “c” e “d” respectivamente as entradas para os

pedestres. Além dessas medidas é importante trazer uma comunicação visual coerente e

fácil de ser entendida, pois hoje além de não se ter a indicação de quase nenhum serviço, as

existentes são equivocadas.

Também foi necessário demarcar novas áreas de estacionamento sinalizando vagas

próximas aos diferentes serviços. Na planta acima tem-se um esboço de como poderiam ser

melhor distribuídas as vagas (marcações com a letra “E”), considerando o número de 114 já

explanado anteriormente.

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Figura 90: Implantação esquemática demarcando áreas de acesso e estacionamento

Fonte: Planta produzida pela autora

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127

5.3 QUANTO AOS SERVIÇOS

5.3.1 Do CAPS

O centro de atenção psicossocial, como um dos serviços base dessa intervenção, deve

ter uma arquitetura simples e acolhedora, remetendo sempre da definição de sua função na

RAPS de ser um “lugar dentro do território”. A partir dos argumentos apresentados no tópico

4.3 deste trabalho, viu-se que, para atender as estratégias de congruência geométrica das

edificações, o serviço implantado no lugar do “braço esquerdo” do João Machado deveria

seguir visualmente o padrão do outro braço. Desse modo, o CAPS deve ter uma planta em

“L’’, o que ajuda tanto na leitura visual do conjunto enquanto unidade, quanto nos acessos

diferenciados, para pedestres e para carros.

Assim, no que diz respeito aos blocos do lado esquerdo do HJM, denominados acima

de “braço esquerdo”, acredita-se que sua derrubada favoreceria o local com uma nova

estrutura, completamente diferente do padrão manicomial atual. No entanto, seria necessário

aprofundar esses estudos a fim de avaliar a possibilidade de aproveitamento de algum trecho

desse bloco para a consolidação do CAPS. O centro deve apresentar ainda um espaço próprio

de convivência, indicado no seu programa, para atividades coletivas, podendo ter uma relação

com o pátio existente hoje para o lazer dos pacientes. Propõe-se que seja mudada a cobertura

desse pátio, que hoje é de fibrocimento, para um caramanchão, com alguma vegetação para

que o mesmo torne-se um espaço de permanência mais atrativo.

Figura 91: Croqui demonstrando a relação do CAPS com sua área de convivência anexa

Fonte: Produzido pela autora

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5.3.2 Das Residências Terapêuticas

O Serviço Residencial Terapêutico tem a função de consolidar a

desinstitucionalização e deve ter a característica de moradia. Apesar de manter a dinâmica de

uma vida em comunidade deve ser preservada ao máximo a individualidade dos usuários

em suas dependências. Sugere-se a implantação de 2 residências separadas para 8 pessoas

cada, como aponta o programa de necessidades, e relembra-se que elas devem dotar-se de

espaços adaptados e cômodos-extra para funcionários. Para além destas recomendações, o

projeto arquitetônico das casas pode seguir diretrizes próprias para questões de materiais e

outros elementos relacionados à tectônica.

Figura 92: Residências e CAPS integrados por um grande átrio de acesso

Fonte: Imagem produzida pela autora

É interessante que as mesmas venham a aproximar-se esteticamente da nova

linguagem do prédio principal ou do CAPS de forma que não fiquem “deslocadas” no meio

da intervenção, por terem uma escala construtiva menor. Outra observação necessária é que

poderia-se estudar a possibilidade de serem feitas casas geminadas de modo a restaurar o

pavilhão hoje existente, no entanto, seria necessário um debruçar bem mais elevado sobre a

relação entre projeto e patrimônio neste caso para conseguir se chegar a uma solução viável

em termos de psicologia ambiental para esses espaços; de toda forma, serve como uma

sinalização para futuros estudos.

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129

5.3.3 Do Centro de Convivência e Cultura

Este é dos dispositivos o mais essencial em se tratando da ressignificação do espaço.

Nesse sentido, seguindo as conclusões do capítulo 4, usando a ideia da justaposição como

crítica metodológica deve-se distanciar o máximo a sua arquitetura da do hospital.

Sugere-se formas mais dinâmicas que facilitem os fluxos para interação de pessoas e por

isso também, é interessante que se organize o programa em mais de um prédio para que

possibilite a criação de espaços de permanência. Preza-se nesse caso pela abertura de espaços

multiuso que estejam voltados à áreas de convivência.

Figura 93: Forma do centro de convivência favorecendo a circulação dinâmica

Fonte: Imagem produzida pela autora

Essas áreas de convívio podem ser átrios internos e/ou decks externos, espaços

abertos que favoreçam o suporte social e as distrações positivas que beneficiam a

ocupação. Essa integração deve ser feita com a praça da quadra. A utilização de mobiliários

originais também é convidativa à uma apropriação, com formas distintas e cores chamativas,

materiais de fácil manuseio e que possibilitem ser modificados pelo uso, para que os espaços

possam tornar-se mais atrativos.

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Figura 94: Decks externos para a praça de convivência com mobiliário

Fonte: Imagem produzida pela autora

Passarelas podem ser utilizadas para conectar os diferentes blocos, referenciando o

mesmo material/estrutura das que modificariam agora o eixo central do João Machado para

que haja uma similaridade mesmo na justaposição entre os dois conjuntos. A identidade

visual dos prédios pode ser fortalecida com o emprego do material aparente, tanto para as

passarelas quanto para o edifício, variando as texturas entre eles, os quais podem ter

diferenças de altura também marcando sua distinção visual (Ver fig. 95). A noção de

materialidade segue bastante a influência dos SESC/SP referenciados no Capítulo 3.

Figura 95: Organização em diferentes blocos. Passarelas justapostas fazem parte da identidade visual do centro

Fonte: Imagem produzida pela autora

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5.3.4 Dos Edifícios Existentes

Pretende-se manter a configuração original dos prédios administrativos mas

acrescentando uma nova leitura estética afinada com o resto do conjunto. É interessante que

permaneçam as esquadrias que remetem a arquitetura neocolonial, pois são marca da história

do hospital (Ver fig. 96).

Serão incluídas novas circulações como as passarelas (Ver fig. 97), que conectam a

zona administrativa, o núcleo de apoio central e a uti; e também a plataforma elevatória que

seria a circulação vertical adaptada aos prédios de administração. Essas novas circulações

estarão justapostas aos edifícios existentes e sua linguagem arquitetônica deve ter a intenção

de destacar-se do conjunto. Sugere-se materiais metálicos como foi empregado na Pinacoteca

do estado de São Paulo e no Parque Da Juventude (vide tópicos 3.3 e 3.4 deste trabalho).

Figura 96: Prédios da frente a serem preservados, modificando a linguagem estética

Fonte: Croqui produzido pela autora

Figura 97: Passarelas e plataforma assumem uma nova identidade ao conjunto

Fonte: Croqui produzido pela autora

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

A problemática em torno da existência de Hospitais como o João Machado é a

representação não mais quista do modelo de assistência centrado no hospital psiquiátrico.

Apesar de ser referência na cidade, suas estruturas, seus espaços enormes e subutilizados

transformaram-no no maior marco de modelo manicomial de Natal, as pessoas tem em seu

imaginário uma imagem negativa do João Machado sem mesmo conhecê-lo.

Ao adentrar esse espaço do hospital, tão estigmatizado, percebeu-se muitas

potencialidades que precisavam de uma análise teórica maior para chegar-se a possibilidades

de intervenção. Para isso, foi necessária desde a construção teórica desse “lugar da loucura”,

passando pelo questionamento dos hospitais, o conhecimento da RAPS em Natal até chegar

aos conceitos da área de patrimônio construído que guiaram a formulação das diretrizes. A

partir destas, defende-se que a arquitetura vem estreitar os laços com a Reforma Psiquiátrica

com a intenção de ser uma das grandes responsáveis por promover as bases dessa mudança.

Não pode-se mais projetar os espaços de saúde mental sem que eles estejam voltados para o

alvo principal a que são destinados: as pessoas. Para além do manicômio temos gente.

Com base nos estudos de referência, nas questões colocadas pela psicologia ambiental

para estes espaços e nas noções de escala de intervenção trazidas pela ótica patrimonial foi

possível apontar algumas recomendações para um futuro projeto de reúso. Estas dividem-se

em soluções para o ambiente externo e para os novos serviços sugeridos, que unidas visam

transformar o João Machado num complexo de serviços da Rede de Atenção Psicossocial.

Propõe-se um novo zoneamento, abertura de novos acessos e outras soluções na intenção de

trazer uma nova leitura estética para o conjunto baseando-se na ideia de que a justaposição de

elementos neste caso funciona como uma crítica metodológica. Embora esse seja o partido

principal da intervenção, buscou-se ao máximo manter a identidade original da organização

do conjunto.

A partir das diretrizes projetuais elencadas neste trabalho, o agora Complexo João

Machado pode direcionar-se a uma abertura: para a rua, para o território e para a cidade a fim

de encontrar para a complexidade do fenômeno loucura, perdido em meio as grades, um lugar

na sociedade.

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REFERÊNCIAS

AMARANTE, Paulo Duarte de Carvalho . O homem e a serpente: outras histórias

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