trabalho final de graduação

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COLETIVO Oficinas colaborativas na antiga Fábrica São José hortênsia gadelha maia

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O Coletivo - oficinas colaborativas na antiga fábrica de tecidos Filomeno Gomes é um projeto formado por oficinas de arte de geral onde se aplica a metodologia do “aprender fazendo” estudada por John Dewey e Donnald Schön. As oficinas são as mais diversas como pintura, escultura, dança, marcenaria, etc. Tendo apoio de estruturas como um FabLab (Laboratório de Fabricação Digital), biblioteca, locais de convivência e exposição. Proposto para pessoas de diversas especialidades e conhecimentos troquem informações, aprendem uns com os outros e desenvolvem projetos conjuntos. A estrutura do Coletivo é proposta no terreno da antiga Fábrica de Tecidos Filomeno Gomes, anteriormente também chamada de São José no bairro do Jacarecanga Fortaleza-CE. As ruínas em deterioração são restauradas e consolidadas para receber um novo uso em seu interior.

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  • COLETIVOOficinas colaborativas na antiga Fbrica So Jos

    hortnsia gadelha maia

  • Dados Internacionais de Catalogao na Publicao Universidade Federal do Cear

    Biblioteca do Curso de Arquitetura, Urbanismo e Design

    M186c Maia, Hortnsia Gadelha.

    Coletivo: oficinas colaborativas na antiga fbrica de tecidos So Jos no bairro Jacarecanga/Hortnsia Gadelha Maia. 2013.

    nf. 93f. : il. color., enc. ; 30 cm. Monografia (graduao) Universidade Federal do Cear, Centro de Tecnologia, Departamento de

    Arquitetura, Urbanismo e Design, Curso de Arquitetura, Fortaleza, 2013. Orientao: Prof. Dr. Daniel Ribeiro Cardoso. 1. Arquitetura e educao Projetos e plantas Jacarecanga, Fortaleza 2. Oficinas de Arte

    Projetos Jacarecanga, Fortaleza 3. Arquitetura Histria Jacarecanga, Fortaleza. I. Ttulo.

    CDD 727.470

  • TRABALHO FINAL DE GRADUAOUniversidade Federal do Cear

    Curso de Arquitetura e UrbanismoOrientador: Prof. Dr. Daniel Ribeiro Cardoso

    HORTNSIA GADELHA MAIA

    COLETIVOoficinas colaborativas na antiga fbrica de tecidos

    So Jos no bairro Jacarecanga

    FORTALEZA

    2014JANEIRO

  • HORTNSIA GADELHA MAIA

    BANCA EXAMINADORA

    Orientador: Prof. Dr. Daniel Ribeiro Cardoso

    Profa. Dra. Alxia Carvalho Brasil

    Arquiteto Mrio Guerra Roque

    Universidade Federal do Cear

    Universidade Federal do Cear

    Convidado

    COLETIVO

    FORTALEZA

    201403 DE JANEIRO

    oficinas colaborativas na antiga fbrica de tecidos So Jos no bairro Jacarecanga

  • AGRADECIMENTOS

    Deus e todas suas formas e representaes de bonda-de e caridade.

    minha famlia, Cludia, Getlio, Clarissa e Maria Jos, por me aguentar e torcer por mim durante o fazer desse traba-lho.

    Ao curso de Arquitetura e Urbanismo por me proporcio-nar um crescimento pessoal e profissional que eu jamais imagi-nei. Pelas memrias presentes vividas nesse lugar que virou um lar pra mim.

    Ao Museu MAUC e ao professor Pedro Eymar, por seu acolhimento antes mesmo de eu ter qualquer envolvimento atravs de bolsa de estudo com o museu. Pelo prazer imenso de trabalhar criando exposies ou cortando madeira na ofici-na de xilogravura, antes de ela ser oficina de novo. Por sempre manter as portas abertas para qualquer coisa, como sempre foi.

    UFC, instituio de ensino que me proporcionou partici-par de diversas atividades, idas congressos, criao de grupos de estudo, participao em eventos etc.

    Ao Brafitec, cooperao franco-brasileira, o qual tive a grande oportunidade de participar. Uma experincia incrvel, enriquecedora, que proporcionou um desenvolvimento da vi-so de arquitetura e de vida o que certamente incorporei nesse trabalho, da melhor forma que consegui.

    Ao INSA de Strasbourg (Institut National des Science Appliques de Strasbourg) e a todos os seus professores, por complementar minha formao de arquitetura no Brasil, por mostrar uma arquitetura e um urbanismo diferente, solidrio e livre.

    Secult-for (Secretaria de Cultura de Fortaleza), por dis-ponibilizar documentos referentes preservao patrimonial no bairro Jacarecanga.

    Ao FIEC (Federao das Indstrias do Estado do Cear), por disponibilizar seu acervo de livros, e ainda pela doao do livro O Fiar e o Tecer, sobre histria txtil no Cear, fonte da pesquisa realizada.

    Ao senhor Pedro Philomeno, por sua entrevista, por sua memria e tempo despendido ao me contar sua histria e ex-perincia.

    Ao arquiteto Luciano Guimares por me fornecer o levan-tamento tcnico das runas da Fbrica Philomeno, e por sua experincia.

  • Ao professor Romeu, pela disponibilidade de reunies e orientaes avulsas, mesmo com seu horrio restrito. Por sua experincia em patrimnio a qual tive a oportunidade de ob-servar e tentar aprender um pouco.

    Helosa Neves, que por meio de e-mails, conversas e vdeo conferncias me mostrou como era um Fab Lab, me indi-cou referncias de projetos e programas relacionados fabri-cao digital.

    Ao engenheiro Calixto que me ajudou a desenvolver a es-trutura metlica da cobertura do Coletivo, por transmitir a sua grande experincia com esse tipo de material.

    Ao Jean, que disponibilizou o seu trabalho de concluso de curso de arquitetura (TFG), Parque Urbano em Jacarecanga, o qual uso como referncia para o presente trabalho. E por todo o seu apoio.

    Fernandinha que me ajudou bastante na parte final desse trabalho.

    turma de 2007.2, pelo companheirismo, amizade, por todas as disciplinas cursadas junto, foi um grande prazer estu-dar com todos.

    Aos meus amigos de fora da Universidade, jogadores de RPG, pela compreenso de minha ausncia, pela amizade. Por estimular em mim uma criatividade to natural quanto neces-sria e ao mesmo tempo de tanta responsabilidade. Com quem junto pude atuar tambm como arquiteta: de mundos sobrena-turais, seres e poderes mgicos. Uma arquitetura diferente que parte do mesmo preceito da criao.

    Ao professor Daniel, meu orientador, por me mostrar diversos caminhos dentro da arquitetura, pelo conhecimento construdo, pela ateno, disponibilidade, pacincia e ajuda.

    Ao Andr Camila Carol Simone,Minha equipe.Por 6 anos e por uma pequena parte que constitui esse

    trabalho.

    Muito Obrigada.

    Hortnsia.

  • Je vous salue, ruines solitaires, tombeaux saints, murs silencieux! C est vous que j invoque ! (...)

    Combien d utiles leons, de rflexions touchantes ou fortes noffrez-vous pas l esprit qui vous sait

    consulter ! (C-F Chasseboeuf , Comte de Volney, Les ruines,

    1792)

  • RESUMO

    palavras-chave:

    Coletivo - Oficinas Colaborativas na antiga Fbrica de Tecidos So Jos no bairro Jacarecanga.Inicialmente com uma discusso da diviso do trabalho mostra-se como essa ciso ocorreu, suas causas e consequncias. Pa-ralelamente feito um estudo sobre o ensino prtico reflexivo desenvolvidos por Jonh Dewey e Donnald Schn. Unindo prtica e teoria, tentando minimizar os efeitos da diviso do trabalho, surge o programa do Coletivo. Oficinas de arte em geral que se caracterizam como colaborativas na medida que realizam tra-balhos somando conhecimentos. Em seu programa includo ferramentas digitais que, sistematicamente, agrupam informa-es e estabelecem uma nova forma de integrar o sabere o fazer.

    coletivo; conhecimento; fabricao digital; oficinas; arte.

  • SUMRIO

    1.0. APRESENTAO DO TEMA2.0. METODOLOGIA UTILIZADA3.0. CONTEXTUALIZAO TERICA (SOBRE PENSARES)

    3.1. PROBLEMTICA -DISTANCIAMENTO E MEMRIA3.2. O PENSAR - FAZER -INTRODUO DIVISO DO TRABALHO -EVOLUO DA CISO -BAUHAUS E TENTATIVAS3.3. NOVOS PENSAMENTOS - INCIO - ERROS E FRAQUEZAS COMETIDOS PELA PRODUO E CONSTRU-O DE UM CONHECIMENTO - SUGESTO DE ESTRATGIAS PARA PRODUO E CONSTRUO DE UM CONHECIMENTO - O PROCESSO DO CONHECER / PRODUZIR

    - ALGUMAS CONCLUSES

    4.0. SOBRE O LUGAR4.1. HISTRIAS -HISTRIA DA CIDADE SE CONFUNDE COM HISTRIA DO BAIRRO4.2. LEIS E REGRAS -TOMBAMENTO, PRESERVAO DO BAIRRO SECULT-FOR - A QUESTO PATRIMONIAL NAS CARTAS - A QUESTO PATRIMONIAL NO PLANO DIRETOR 2009, LEI DE USO E OCUPAO E ANLISE DO BAIRRO.4.3. A FBRICA

    -HISTRIA DA FBRICA SO JOS

    5.0. SOBRE ARQUITETURA5.1. REFERNCIAS DE PROGRAMA5.2. REFERNCIAS DE LINGUAGEM

    5.3. REFERNCIAS DE ESPAO

    6.0. SOBRE O PROJETO6.1. FUNES E ATIVIDADES -RESUMO DA COMPARAO6.2. LINGUAGEM E PARTIDO -RESUMO DA COMPARAO -A POESIA DO PERCURSO6.3. DEFINIES -ELABORAO DO PROGRAMA DE NECESSIDADES -FLUXOGRAMAS DEFINIDORES -SISTEMA CONSTRUTIVO -PERSPECTIVAS EXPLICATIVAS

    - IMAGENS RENDERIZADAS

    7.0. REFLEXES8.0. BIBLIOGRAFIA9.0. ANEXOS

  • APRESENTAO

  • 18 COLETIVO APRESENTAO

  • 19COLETIVOAPRESENTAO

    O Coletivo - oficinas colaborativas na antiga fbri-ca de tecidos Filomeno Gomes um projeto formado por oficinas de arte de geral onde se aplica a metodo-logia do aprender fazendo estudada por John Dewey e Donnald Schn.

    As oficinas so as mais diversas como pintura, escultura, dana, marcenaria, etc. Tendo apoio de es-truturas como um FabLab (Laboratrio de Fabricao Digital), biblioteca, locais de convivncia e exposio. Proposto para pessoas de diversas especialidades e co-nhecimentos troquem informaes, aprendem uns com os outros e desenvolvem projetos conjuntos.

    A estrutura do Coletivo proposta no terreno da antiga Fbrica de Tecidos Filomeno Gomes, anterior-mente tambm chamada de So Jos no bairro do Ja-carecanga. As runas em deteriorao so restauradas e consolidadas para receber um novo uso em seu interior.

  • METODOLOGIA

  • 22 COLETIVO METODOLOGIA

  • 23COLETIVOMETODOLOGIA

    No incio,fui buscando aos poucos algo que me agradasse. Sabia que a escolha do tema deveria partir de algo que eu amasse, pois s assim poderia ter moti-vao suficiente para levar o trabalho de concluso de curso at o final. A escolha do tema partiu de aspec-tos soltos da arquitetura que chamam minha ateno. Temas avulsos como arquitetura contempornea me estimulavam bastante a ler e a estudar, principalmente arquitetos como Peter Eisenman, Rem Koolhaas. Idias provindas desses novos discursos da arquitetura con-tempornea serviram de base para a formao da parte terica.

    Um dos primeiros livros utilizados como refern-cia foi Uma nova agenda para arquitetura, da Kate Nesbit. Nele encontrei um discurso que se assemelhava ao que pensava: o perodo pluralista em que vivemos; a inexistncia de ponto de vista predominante; arqui-teturas diferentes que vivem juntas. Acredito que esses temas so interessante porque neles podemos ver a re-alidade atual, falam da contemporaneidade.

    Outro aspecto que estava disposta estudar era o da passagem do tempo. No comeo no sabia exa-tamente como adaptar esse tema um projeto arqui-tetnico, parecia algo que no poderia se concretizar em forma de projeto, apenas em forma terica. Ento veio a possibilidade de trabalhar em arquiteturas arrui-nadas. Runas arquitetnicas, formas antigas de abrigo. No queria chegar nvel de interveno patrimonial em uma edificao com importncia histrica-cultural, buscava algo que contasse uma histria, ou algo que pudesse ser aproveitado por j existir no local, uma es-trutura, seguindo os preceitos da sustentabilidade.

    Ento veio a idia de intervir nas fachadas em runas da antiga fbrica de tecidos Philomeno Gomes, tambm nomeada de fbrica So Jos alguns anos an-tes. Apesar do receio de trabalhar com esses fragmen-tos antigos e de confrontar sempre o nostlgico e o me-lanclico, as runas inspiravam. Para mim poderiam ser cenrio de um programa que nem mesmo sabia ainda, mas tinha certeza que era aquela paisagem a qual de-veria surgir o projeto arquitetnico.

    Posteriormente encontrei um fragmento de um texto de David Leatherbarrow que explicou com bas-tante clareza as questes de memria e de tempo as quais eu ansiava trabalhar:

  • 24 COLETIVO METODOLOGIA

    embora o uso e o desgaste subtraiam, eles tambm permitem um tipo significativo de adio. Ao longo do tempo e do uso, conjuntos arquitetnicos ganham legitimidade ao fazer a crnica dos padres de vida que acomodaram. O tempo no passa na arquitetura, ele acumula. Se ele passasse, no deixaria traos o que acaba ocorrendo. Tudo ao nosso redor exibe sinais de histria, desenvolvimento ou deteriorao. Todas as coisas fsicas, especialmente corpos e edifcios, se oferecem experincia visual como sedimentaes de aes e comportamentos. Se um rosto reconhecvel, porque o tempo escreveu sobre sua pele, ou superfcie, sinalizando as maneiras como ele se conduziu no mun-

    do. (SANTOS, ZEIN, 2011)

    Aps ter decidido o local, o terreno, o mais urgen-te e necessrio era decidir o programa, o que abriga-ria aquelas runas? Ao ler um trecho do livro Lina por Escrito, textos escolhidos de Lina Bo Bardi 1943-1991 obtive a primeira idia de programa:

    (...) criao de um grande museu vivo, um museu que poderia se chamar de Artesanato e Arte Industrial(...). Esse museu deveria ser completado por uma escola de arte industrial (arte no sentido de ofcio, alm da arte) que permitisse o contato entre tcnicos, desenhistas e executores. (RUBINO; GRINOVER, 2009,

    p.109)

    De fato, a criao de um museu-escola de artes e ofcios parecia bem adaptado ao local, propenso ainda por sua antiga funo industrial de fbrica de tecidos. Porm, o tema ainda parecia um pouco desconexo com a idia de contemporaneidade inicial. Para obter a final descrio do que seria o projeto, foi feita uma pesquisa que se dividiria em 3 partes que serviriam de refern-cias e formariam o equipamento proposto.

    2.1. Runas

  • 25COLETIVOMETODOLOGIA

    Buscou-se referncias de programa: onde se bus-cou idias de atividades e funes, se procurou refe-rncias para elaborar o que deveria acontecer no local proposto; referncias de linguagem: onde se procurou uma linguagem formal, principalmente aquelas que partiam de arquitetura em runas. Busca de materiais e argumentos necessrios para seus usos; e referncias de espao: onde se buscou as reas necessrias. Foi feito uma anlise comparativa de reas entre os equipamen-tos de referncia para a elaborao de um programa de necessidades.

    Nessa busca, conheci novos programas que se adaptavam bem ao que eu queria para aquele lugar. Entre eles o FabLab, Laboratrio de fabricao digital que oferece novas tecnologias ao fazer e estimula o aprendizado atravs da prtica; escolas como o Ensci, de ensino superior com formao atravs de prtica em laboratrios, entre outros que podem ser vistos no de-correr desse trabalho. Surgiu o conceito de coletivida-de e colaborao trazendo uma nova dinmica para a sala de aula, no caso, atelier ou laboratrio seria mais correto. Como nunca se pensou em fazer uma escola pelo motivo de ter figuras como professores ou

    2.2. Interior das runas

  • 26 COLETIVO METODOLOGIA

    orientadores, no ambiente proposto as pessoas tem a possibilidade de compartilhar conhecimentos em nvel horizontal, aprendendo com pessoas de outras especia-lidades, convivendo e elaborando projetos conjuntos.

    Concomitantemente a pesquisa de referncia, tambm foi feita uma anlise do terreno e do entorno. As leis do Plano Diretor e da Luos, surgiram para ob-ter definies dos espaos necessrios e permitidos, as cartas patrimoniais sobre como intervir numa runa sem descaracteriz-la. Foram feitas visitas a Secretaria de Cultura de Fortaleza que prope uma poligonal de interesse patrimonial no bairro do Jacarecanga, assim como a preservao especfica de algumas edificaes, permitindo uma maior riqueza do trabalho em desen-volvimento.

    Foi feito um levantamento fotogrfico das runas da fbrica analisando sua escala e os desgastes ocor-ridos no tempo. Atravs de uma entrevista cedida pelo Sr. Pedro Filomeno, antigo dono da fbrica, foi possvel analisar o aspecto histrico da fbrica alm de teste-munho real do funcionamento e histria da ascenso e queda da indstria txtil.

    Aps a pesquisa necessria para elaborao das referncias e partido, surgiram algumas formas a partir das reas necessrias e fluxogramas.

    O projeto foi sendo desenvolvido aos poucos, com alguns problemas e decises a serem tomadas. Entre as mais complicadas questes de serem resolvidas est a da cobertura, a qual foi dedicada bastante tempo. Tive ajuda de um engenheiro e um professor para realizar corretamente a estrutura metlica. Outra dificuldade foi elaborar uma linguagem a ser adotada, presente nos espaos e percursos. Para elabor-la, a busca foi um pouco diferente, pois essa deveria expressar a minha prpria linguagem desenvolvida durante todo o curso de arquitetura. Ela vem e se moldando e se construindo aos poucos em cada aprendizado, no decorrer do tem-po, certamente poder encontr-la e reconhec-la nes-se trabalho.

  • 27COLETIVOMETODOLOGIA

  • SOBRE PENSARES

  • 30 COLETIVO SOBRE PENSARES

    Distanciamento e memriaA PROBLEMTICA

    Num mundo ps moderno, o individualismo uma caracterstica marcante.

    O grupo de arquitetos holandeses MVRDV, em Farmax, 2006, sugere que o individualismo e suas ma-nifestaes como: solido, insegurana e desconforto devem ser combatidos com todos os meios possveis. O que muitas vezes podemos perguntar: O que eu ganho com isso?, demonstra que a comunidade s impor-tante quando conveniente. O tempo que dedicado ao coletivo est diminuindo em relao o dedicado ao individual, as pessoas programam seus dias baseado em necessidades individuais.

    Lina Bo Bardi em, Lina por escrito, prope a ne-cessidade urgente de uma maior coletividade na produ-o de um conhecimento:

    Abrir caminhos para uma interdisciplinaridade. Numa poca coletiva, os ho-mens devem estar preparados para uma colaborao, sem distino hierrqui-

    ca, onde somam conhecimentos.

  • 31COLETIVOSOBRE PENSARES

    Somente assim poder-se- voltar a felicidade de uma participao moral a uma obra. Uma participao coletiva, no mais individual; o resultado tcnico do ar-tesanato dos nossos dias: a indstria.(RUBINO; GRINOVER, 2009, p.110)

    Lina (1960) afirma que: um problema urgente que deriva justamente do fim

    da era artesanal: a ciso entre tcnico e operrio executor.

    fcil perceber o descompasso na produo atu-al. Tcnicos carecem de teoria, permanecem amargu-rados em seu fazer mecnico; enquanto tericos, ficam fora da realidade sem saber como realmente funciona na prtica.

    Essa ciso relacionada a especializao dos pro-fissionais, tambm est ligada diretamente a transfor-mao das cidades, do mundo, do modo de produo. Ou seja, da passagem do tempo e da nossa constante transformao e melhor adaptao s novas condies.

    Uma das caractersticas do perodo pluralista imprecisamente designado de ps-moderno a inexistncia de um tpico ou de um ponto de vista predomi-nante. Todas as tendncias contraditrias coexistem no ps-modernismo mos-tram claramente um desejo de ultrapassar os limites da teoria modernista (...)

    (NESBIT, 2008, p.15 )

    Diante da multiplicidade e da busca pela eman-cipao do dogmatismo moderno, novas relaes ar-quiteturais surgem. Atravs de uma nova lgica d-se importncia ao simblico, ao virtual, maneira de viver, ao imaginrio coletivo.

    Novas relaes so propostas para superar a pro-blemtica, ou minimizar seus efeitos.

    Agrupar conhecimentos prticos e tericos de uma forma didtica, curiosa, receptiva, faz-se necessrio.

    Rem Koolhaas afirma que numa cidade configu-rada pela grandeza (bigness) a arquitetura deixa de de-sempenhar seu papel, tornando-se um mero objeto em meio s transformaes socio-tecnolgicas das ltimas dcadas. Para Koolhaas, ocorre o anonimato da profis-so, a perda da sua dimenso heroica. O arquiteto passa a depender de outras foras para a convalidao de sua arquitetura: a conectividade com outros campos de co-nhecimento e a rendio s tecnologias, que para ele uma postura de neutralidade.

    Quando Koolhaas fala do anonimato da profisso ele est se referindo a participao de todos os profis-sionais envolvidos no processo de construo. Cada um faz sua parte anonimamente, separadamente. Por isso ele frisa a importncia de uma maior conexo com os outros campos do conhecimento. Tratando

  • 32 COLETIVO SOBRE PENSARES

    o sistema de produo arquitetnica, como um sistema aberto (nota 1), buscando ainda uma viso sistmica da realidade podemos encontrar caminhos e sadas para o novo e melhor adaptado; onde novas associaes so formadas para superar os problemas, uma questo tal-vez de sobrevivncia.

    Diante da problemtica, podemos analisar o sur-gimento dessa ciso para tentar estabelecer diretrizes e parmetros para superar ou ao menos amenizar seus efeitos negativos.

    Outra questo de evidente importncia a ser in-cluda na busca de solues o que pode ser chamado de perda de memria coletiva. Diversas cidades esto sujeitas a isso. Talvez o significado de cidade genrica atribudo a diversas cidades por Koolhaas caiba bem na tendncia de desenvolvimento de Fortaleza.

    Cidade genrica destituda de identidade e memria, calcada na congesto e densidade so algumas da caractersticas apresentadas por Rem Koolhaas ao narrar a cultura metropolitana. Cidades que se aproximam pela semelhana entre si, onde o passado demasiado pequeno frente ao crescimento humano exponencial; onde a arquitetura como depsito da histria perde sua refern-cia; onde a massa do turista se multiplica cada vez mais; onde a identidade no existe mais. (RESENDE, SIGRADI, 2012, p.515)

    Apagar bens culturais histricos apagar a mem-ria do povo. Aeroportos, Shopping centers, Fast-foods, viadutos, estacionamentos, padres, uma gama de no-lugares so distribudos erroneamente alegando o de-senvolvimento. Sujeita a esse desenvolvimento, Forta-leza tem destrudo e negligenciado seus bens histricos. Acredita-se que na cidade deva sempre haver um espa-o para o novo, e ao mesmo tempo, para o velho. Acre-ditando que dessa pluralidade respeitosa que devem surgir as relaes, tanto entre formas e arquiteturas, quanto entre pessoas de diferentes formaes e cultu-ras, segue-se com esse trabalho.

    1. Usa-se a definio de sistema aberto a de Jor-ge Vieira em Ontologia. Ou seja um sistema que passvel de interao. Como resultado da in-terao entre o sistema e o seu ambiente, trocas energticas e entrpicas levam o sistema a inter-nalizar informaes, des-de diversidade material e energtica (os nveis de energia de um tomo; reservas de vitaminas ou gorduras em sistemas vi-vos, etc.) at diversidade sgnica (conhecimento, competncia, talento, etc.) de vrios tipos. (VIEIRA, 2008, p. 34)

  • 33COLETIVOSOBRE PENSARES

  • 34 COLETIVO SOBRE PENSARES

    Podemos imaginar que o incio dessa ciso, a especia-lizao do trabalho tenha surgido a partir da transfor-mao da sociedade em capitalista, da passagem do mundo medieval para o mundo renascentista. Porm, j havia uma diviso entre as artes. Na antiguidade cls-sica (sculo 4 antes de Cristo) havia uma separao em artes do prazer ou artes liberais, praticadas pelos cida-dos livres, e artes utilitrias, praticadas pelos escra-vos. As artes do prazer eram: a filosofia, a msica, a re-trica, j as artes utilitrias eram: a pintura, a escultura e a arquitetura.

    Karl Marx ao caracterizar o trabalho j nas socie-dades da idade mdia, afirma:

    A lei que regula a diviso do trabalho na comunidade opera com a fora irresis-tvel de uma lei natural. Cada arteso particular, o ferreiro, o oleiro etc. realiza todas as operaes pertinentes a seu ofcio, de maneira tradicional, mas inde-pendente e sem reconhecer autoridade acima dele em sua oficina.

    (SILVA, 2010, apud. MARX, Karl. O Capital. So Paulo, Abril Cultural, 1983. Vol. I/1 e I/2, p. 410.)

    Introduo a diviso do trabalhoO PENSAR-FAZER

  • 35COLETIVOSOBRE PENSARES

    Desse modo, a diviso do trabalho nas socieda-des primitivas da idade mdia era, no geral, baseada na diferenciao dos ofcios e no na diviso do trabalho dentro da oficina. Entretanto, podemos afirmar que per-sistia a diviso entre artes liberais, agora ensinadas na universidade e artes mecnicas, ensinadas pelas corpo-raes de ofcios.

    Marx afirma que, nas corporaes de ofcios havia uma estrutura que impedia a transformao do mestre arteso em capitalista.

    A estrutura era baseada na organizao: nas cor-poraes de ofcios havia uma limitao do nmero de aprendizes para cada mestre-arteso. Havia a venda da mercadoria e no do trabalho como mercadoria. Havia uma posio horizontal de importncia no processo de produo onde no existia superior e inferior, cada um fazia o trabalho que lhe cabia.Na diviso do trabalho capitalista havia o parcelamen-to dos processos implicados na feitura do produto em numerosas operaes executadas por diferentes traba-lhadores

    Posteriormente observaremos como essa organi-zao caracterizou o processo de aprendizagem, tpicos e presentes nas sociedades primitivas.

    Segundo Braverman, a diviso do trabalho capi-talista, ao fracionar a fora de trabalho em seus ele-mentos mais simples (SILVA, 2010, apud. BRAVERMAN, Harry. Trabalho e capital monopolista. Rio de Janeiro, Zahar, 1981, p. 72.), desassocia-se do conhecimento e preparo especial. Outro aspecto implcito na diviso do trabalho capitalista fica reforado: a diviso vertical do trabalho (separao entre trabalho intelectual e manu-al):

    Toda a fase do processo de trabalho divorciada, to longe quanto possvel, do conhecimento e preparo especial, e reduzida a simples trabalho. Nesse nterim, as relativamente poucas pessoas para quem se reservam instruo e conheci-mento so isentas tanto quanto possvel da obrigao de simples trabalho.

    (SILVA, 2010, apud. BRAVERMAN, Harry. Trabalho e capital monopolista. Rio de Janeiro, Zahar, 1981, p. 80.)

    Exemplificao do trabalho industrial e diviso do trabalho capitalista:

    Um homem estica o arame, outro o retifica e um terceiro o corta; um quarto faz a ponta e um quinto prepara o topo para receber a cabea; a cabea exige duas ou trs operaes distintas: coloc-la uma funo peculiar, branquear os alfinetes outra e at alinh-los num papel coisa separada; e o importante na fabricao de um alfinete deste modo dividido em cerca de dezoito operaes que, em algumas fbricas, so executadas por mos diferentes, embora em ou-

    (ver imagem 3.1)

    3.1. Ofcios

  • 36 COLETIVO SOBRE PENSARES

    Christopher Alexander (1969), em seu livro Ensayo sobre la Syntese da Forma recorre ao modo de produo de edificaes de culturas primitivas para exem-plificar o que ele define de coerncia entre forma e contexto. Na busca pelas origens do bom ajuste entre estas duas entidades, Alexander revela as pecu-liaridades do modo pelo qual as culturas primitivas produzem arquitetura, sem arquiteto. Com relao diviso do trabalho, vrias particularidades ficam evi-dentes, entre elas, a no diviso do trabalho no interior da produo e, princi-palmente, o fato do membro da comunidade ser, ao mesmo tempo, o idealiza-dor da forma, o construtor, o usurio e o mantenedor da construo.

    (SILVA, 2010)

    Ao analisar a forma das rsticas cabanas dos n-dios africanos Mousgoum, Alexander revela como os construtores modelam suas formas de acordo com as exigncias do contexto no qual a comunidade indgena vive. Alm da influncia de poderosas tradies que so passadas entre as geraes ao longo dos anos. Outro aspecto importantssimo a possibilidade de ao ime-diata do trabalhador frente a algum desajuste, a algum problema. O fato do usurio ser o mesmo construtor, conhece como ningum sua morada, que regula os de-sajustes e exigncias de acordo com suas necessidades cotidianas. Podemos observar que o morador da

    Evoluo da ciso

    tras o mesmo homem s vezes execute duas ou trs delas.

    (SILVA, 2010 )

    A maneira robtica da diviso do trabalho no fa-vorecia de modo algum o aprendizado e a passagem de conhecimentos. Porm havia vrias vantagens para esse modo de produo como: a economia de tempo, aumento de produtividade e melhor controle gerencial.

  • 37COLETIVOSOBRE PENSARES

    comunidade compreende e participa de todas as fases do processo de produo: concepo, construo, ps-ocupao, reajustes.

    A aprendizagem era baseada em problemas, ape-sar da poderosa tradio j elaborar um plano a ser seguido, sugere uma produo a partir de experincias cotidianas. Esse modo de conhecimento, de ensino re-vela uma unio entre atividade de construir e o ofcio, ocorrendo de forma direta obtida no curso da ao. Aprende a fazer fazendo. Vemos claramente nos estu-dos do filsofo John Dewey, que a obra carregada de experincia possui valor artstico:

    Essa tarefa restabelecer a continuidade entre, de um lado, as formas refi-nadas e intensificadas de experincia que so as obras de arte e, de outro, os eventos, atos e sofrimentos do cotidiano universalmente reconhecidos como construtivos da experincia.(DEWEY, 2010, p. 60)

    Por ser a realizao de um organismo em suas lutas e conquistas em um mundo de coisas, a experincia a arte em seu estado germinal.

    (DEWEY, 2010, p. 94 )

    Na poca no havia representaes arquitetni-cas, desenhos. O conhecimento era passado oralmente e a forma era produzida atravs da prtica, da imitao e correo.

    Esse processo de aprendizagem pode ser observa-do nas corporaes de ofcios, na idade mdia. Nestas,

    (ver imagem 3.2)

    (ver imagem 3.3)

    3.2. Padeiro. Mestre e aprendiz medieval. 3.3. Construo de uma catedral

  • 38 COLETIVO SOBRE PENSARES

    porm, h uma relao de hierarquia inicial entre mes-tres e aprendizes que se desfaz quando o processo de aprendizagem chega ao fim.

    Um arteso, para dominar o saber e as regras de seu ofcio, deve conviver com os mestres durante vrios anos. H diviso de trabalho no incio, mas, ao cabo do processo de aprendizagem, eliminam-se as diferenas e a hierarquia. O saber, a forma de realizar o trabalho, atravs da convivncia duradoura com os mestres, no se cristaliza numa hierarquia social fixa, mas interiorizada por cada um dos artesos-trabalhadores. A socializao no trabalho artesanal elimina as di-ferenas naturais (s existentes devido diferena de idade ou tempo de apren-dizagem), enquanto a diviso capitalista do trabalho naturaliza a diviso social entre mandantes e mandados, entre planejadores e executores.

    (SILVA, 2010, apud. LIMA, Francisco P. A. Noes de organizao do trabalho In: OLIVEIRA, Chrysstomo Rocha de (org.). Manual Prtico de LER. Belo Horizon-

    te, Editora Health, 1998. p. 174)

    Interessante observar que no processo de cons-truo de catedrais gticas da Idade Mdia, onde no era possvel a qualificao de apenas uma corpora-o, havia ento a cooperao de vrias corporaes de ofcios. A cultura medieval no distingue entre arte e ofcio, os trabalhadores so classificados segundo os materiais usados. Cada corporao contribuir com ha-bilidades dos artesos em trabalhar determinado tipo de material: a pedra, a madeira, o vidro. A diviso era feita a partir da habilidade de cada arteso a fim de tra-balhar cada material especfico de uma construo:

    o mestre-cavouqueiro, o mestre-cortador de pedras, o mestre-escultor, o mes-tre encorregado da argamassa, o mestre-pedreiro, o mestre-capinteiro, o mes-tre-ferreiro, o mestre-telhador e o mestre-videiro

    (SILVA, 2010)

    A atividade do arteso pressupe uma ntima unio entre a atividade intelec-tual e a manual. O arteso conduz todas as fases de produo de um objeto, desde a concepo at sua execuo final. Indubitavelmente, o seu trabalho

    (ver imagem 3.4)

    (ver imagem 3.5)

    3.5. Sapataria, poca da revoluo industrial.3.4. Armeiros

  • 39COLETIVOSOBRE PENSARES

    altamente qualificado. Toda a potencialidade e habilidade, tanto manual, quan-to intelectual, so traduzidas na produo de um bem.

    (SILVA, 2010, apud. VARGAS, Nilton. Organizao do trabalho e capital: um es-tudo da construo habitacional. Dissertao de mestrado. Rio de Janeiro, CO-

    PPE, 1979. p. 35.)

    De fato, o modo de produo artesanal marca-do pela unio entre a atividade intelectual e manual, fundamental para o dominnio completo do processo do trabalho. Aps os anos de aprendizagem o arteso torna-se mestre, chagando, assim, a uma autonomia. As condies que possibilitaram tal aprendizado, contro-le sobre o objeto e independncia foram, como citado no texto da vitruvius: a propriedade dos meios de pro-duo, a relao direta do arteso com a atividade de construir e as normas implcitas nas rgidas tradies ou

    nas corporaes de ofcio.

    importante observar aqui que na prtica arquite-tnica anterior ao modo de produo capitalista, j ha-via uma diviso do trabalho na sociedade em diferentes ofcios.

    Segundo Marx (1983), a forma caracterstica do processo de produo capitalista surge na manufatura, espcie particular de cooperao. Marx identifica duas formas de origem da manufatura:

    Nasce quando so concentrados numa oficina, sob o comando do mesmo capi-talista, trabalhadores de ofcios diversos e independentes, por cujas mos tem de passar um produto at seu acabamento final. (...)Mas, a manufatura pode ter origem oposta. O mesmo capital rene ao mesmo tempo na mesma oficina muitos trabalhadores que fazem a mesma coisa ou a

    mesma espcie de trabalho (SILVA, 2010, apud. MARX, Karl. Op. cit., p. 386-388.)

    (ver imagem 3.6)

    3.6. Galileo 3.7. Galileu e estudos

  • 40 COLETIVO SOBRE PENSARES

    Convm citar agora a importncia da manufatura de um estaleiro, precursora da primeira forma de ma-nufatura onde abrigava numerosos artesos de mesmo ofcio e tambm de ofcios diferentes para trabalharem numa mesma obra. A, os problemas tcnicos eram a cargo exterior, resolvidos pela empresa.

    Como um trabalhador livre era pressuposto para formao de uma manufatura, era necessria a elabo-rao e desenvolvimento de uma cincia, para a resolu-o de problemas de ordem tcnica.Ento surge a cincia. Seus estudos nasceram exata-mente para resolver os problemas ocorridos na manu-fatura.

    As investigaes comearam a partir de Galileu. Sobre teoria dos materiais e solues genricas mate-mticas aplicveis aos materiais utilizados em diversos ofcios: madeira, pedra, corda.

    Com a ajuda da cincia foi elaborado um conheci-mento independente do saber do arteso e a atividade construtiva foi pioneira no emprego dos princpios da cincia voltados para a produo. Leonardo Benvolo (1976) aponta o fato histrico que marcou a origem da denominada cincia das construes:

    A cincia das construes, da maneira como entendida hoje, estuda algu-mas consequncias particulares das leis da mecnica e nasce, pode-se dizer, no momento em que essas leis so formuladas pela primeira vez, no sculo XVII; Galileu, em 1638, dedica parte de seus dilogos discusso de problemas de estabilidade (SILVA, 2010, apud. BENEVOLO, Leonardo. Histria da arquitetura

    moderna. So Paulo, Perspecitva, 1976, p. 37).

    Leonardo Benvolo (1976) afirma que a aplicao dos princpios da cincia produo produziu uma separao entre engajamento terico e prtico, contri-buindo para a desagregao da cultura tradicional.... Era preciso evidenciar a necessidade dos arquitetos distinguirem o trabalho manual do intelectual, reivindi-cando a ruptura do seu trabalho com o saber-fazer das corporaes:

    Em outros termos, esta categoria deve se distinguir tambm por um critrio visvel aos olhos da sociedade, critrio que assegure o reconhecimento de sua arte como maior ou mesmo superior s outras artes. O nico recurso que ela tem, para isto conseguir, de se colocar como liberal, isto , como tendo inte-grado na sua habilidade o pensamento terico, fazer passar o seu trabalho por intelectual (SILVA, 2010, apud. Moscovici, Serge. Apud BICCA, Paulo. O arquite-to: a mscara e a face. So Paulo, Projeto Editores Associados, 1984, p. 74.)

  • 41COLETIVOSOBRE PENSARES

    Devemos fazer um pequeno parntese para de-monstrar e contrapor o pensamento acima. Pois John Dewey argumenta: (...) a prpria cincia no passa de uma arte central que auxilia na gerao e utilizao de outras artes. (DEWEY, 2010, p. 94.) Colocando a cincia em lugar igual e no superior s artes. Afirma ainda:

    (...) a arte, forma de atividade carregada de significados passveis de uma posse imediatamente desfrutada, a culminao completa da natureza, e a cincia, no sentido apropriado, a serva que conduz os eventos naturais a esse final

    feliz. (DEWEY, 2010, p.94)

    A categoria dos arquitetos, fundamentada pela ci-ncia, passou a incluir um saber-fazer terico integrado habilidade. Passava-se ento a haver uma necessida-de de definir novos princpios da arquitetura e de op-lo s prticas adotadas pelos mestres-de-obra da idade mdia. Leon Battista Alberti em sua obra Tratado da Arquitetura, entre 1443 e 1452, diz mais ou menos:

    3.8. Perspectiva 3.9. Homem vitruviano

  • 42 COLETIVO SOBRE PENSARES

    Antes de ir mais longe, creio que seria bastante til dizer a quem reservo o nome de arquiteto; no vos apresentaria, certamente, um carpinteiro, pedindo-vos consider-lo como igual a um homem profundamente instrudo em outras cincias, mesmo que na verdade o homem que trabalhe com suas mos seja o instrumento do arquiteto. Chamarei arquiteto aquele que, com uma razo e um mtodo maravilhoso e preciso, sabe primeiramente dividir as coisas com seu esprito e inteligncia, e em segundo lugar como associar com justeza, no curso do trabalho de construo, todos os materiais que, pelos movimentos dos pesos, pela reunio e a superposio dos corpos, podem servir eficaz e dignamente s necessidades do homem. E na realizao dessa tarefa, ele ter necessidade do

    saber mais apurado e mais refinado (SILVA, 2010).

    Foi nesse perodo do renascimento italiano que a situao se alterou. A situao do arquiteto passa por uma transformao. Foi Alberti que inventou o sistema de notao em arquitetura atravs de projees ortogo-nais, desenhos em escala, e mais importante, definia a edificao como um produto do processo do projetar.

    Outro nome importante responsvel por essa transformao Filippo Brunelleschi. Ao criar a pers-pectiva cientfica, permitiu que se elaborassem previ-ses, ou seja, prever como o edifcio ficaria atravs des-sa geometria previsiva.

    (...)O arquiteto faz o projeto, e no mais se confundem com os operrios e suas organizaes, que se ocupam da execuo.(...) Deste modo a arquitetura muda de significado: adquire um rigor intelectual e uma dignidade cultural que a distinguem do trabalho mecnico, e a tornam semelhante s artes liberais: a cincia e a literatura.Brunelleschi sustenta esta nova concepo da arquitetura como uma propos-ta pessoal, em pleno contraste com a tradio a qual permanecem ligados os comitentes, os executores e tambm os artistas que colaboram com ele no aca-bamento de seus edifcios. Deve enfrentar as dificuldades quase insuperveis, e no consegue quase nunca realizar integralmente seus projetos.

    (BENVOLO, 2005, p. 401)

    3.10. Construo de catedrais

    3.11. Construo de catedrais 2

    (ver imagem 3.10)

  • 43COLETIVOSOBRE PENSARES

    Destaca-se nesse momento, ento, o papel do de-senho no processo de abolio das corporaes de of-cio e o fim da prtica associada ao aprendizado mestre-arteso. O desenho tcnico surge como ferramenta de representao do objeto, faz a intermediao entre o conceber e o executar. Srgio Ferro (1982) mostra como o desenho empregado pela exteriorizao do conhe-cimento prtico e para a monopolizao da informa-o, e critica:

    (...)O objetivo de seu uso no nem a qualidade do produto (as normas da cor-porao eram muito mais rgidas e detalhadas), nem sua constncia (a ausncia do desenho fazia, se fosse o caso, da cpia direta um mtodo mais fiel). O que constrange a histria do desenho a diviso desigual do trabalho que avana e seu outro plo, o acordo a ser imposto aos componentes produzidos pelos

    trabalhos divididos (FERRO, 1938, p.63).

    A separao entre conhecimento terico e conhe-cimento prtico promoveu a separao entre Arquitetu-ra e Construo.

    Observa-se, com acuidade, que nesse perodo a arquitetura comea a destacar-se dos problemas da prtica da construo; estes passam s mos de uma cate-goria especial de pessoas, os engenheiros, enquanto que os arquitetos, perdido o contato com as exigncias concretas da sociedade, refugiam-se em mundo de formas abstratas. Os dois fenmenos, portanto, seguem-se paralelamente, porm sem que se encontrem; pelo contrrio, divergem cada vez mais entre si; produz-se, como diz Giedion, a ciso entre a cincia e sua tcnica, de um lado, e

    a arte, do outro, isto , entre arquitetura e construo (SILVA, 2010)

    (ver imagem 3.12, em tem-pos moderno

    o filme relata a vivncia de um operrio numa

    fbrica, vti-ma da diviso

    do trabalho)

    3.12. Tempos modernos

  • 44 COLETIVO SOBRE PENSARES

    Essa diviso do trabalho a que se perpetua at hoje. Causando uma extrema disparidade, muitas ve-zes durante a elaborao do projeto e a sua execuo. Salientamos que isso no consequncia do surgimen-to da cincia, mas da organizao nas cooperaes das manufaturas, muitas vezes destinadas inicialmente para grandes obras, como catedrais. Posteriormente, com o advento do modo capitalista de produo, novas organizaes do trabalho foram elaboradas, reforan-do cada vez mais a diviso do trabalho e do social.

    Frederick W. Taylor, conhecido pela prtica do Taylorismo, afirmou ainda mais a separao entre tra-balho intelectual e trabalho manual, tornando-se uma prtica comum na poca da industrializao. Hoje em dia, podemos ver claramente a forte diviso vertical do trabalho que se iniciou por esse processo. Um concebe a idia, outro executa, outro usa e se serve.

    A consequncia deste princpio para o processo de produo arquitetnico re-side justamente nesta separao. O arquiteto enquanto a pessoa que concebe o desenho destitudo do conhecimento da prtica. Ao contrrio dos mestres-ar-tesos da Idade Mdia, o arquiteto no mais possui domnio sobre o seu objeto de concepo.

    (SILVA, 2010)

    A idia que prevalece a da especializao das tarefas ao verificar que o trabalho pode ser melhor executado e de maneira mais econmica atravs da subdiviso de tarefas, limitando uma nica e simples tarefa. Desse modo busca-se uma maior eficincia.

    Desde sua divulgao, a especializao vem sendo difundida e, sem dvidas, ela tm suas vantagens: permitido ao homem se aprofundar no problema. No en-tanto, quanto mais especializado se torna, menor o controle sobre o seu objeto de trabalho. Os efeitos da diviso do conhecimento somente podem ser ameni-

    zados pelo trabalhador coletivo. (SILVA, 2010).

    3.13. Era Industrial 3.14. Indstria chinesa

  • 45COLETIVOSOBRE PENSARES

    Fazendo uma comparao com os cursos especia-lizantes da contemporaneidade podemos observar que a medida que nos especializamos perdemos o conhe-cimento do todo. mais ou menos como saber muito sobre poucas coisas ou pouco sobre muitas coisas. Essa especializao tambm notada na diviso de depar-tamentos dos cursos de universidades, inclusive no de arquitetura. Isso reflete a especializao e diviso do conhecimento e do trabalho, do fazer.

    Alm da prtica de estabelecer tarefas simples e especficas, tambm era importante haver um pr-pla-nejamento do processo de trabalho, substituir a impro-visao e a atuao emprico-prtica (dos operrios), pelos mtodos baseados em procedimentos cientfi-cos. Desse modo acaba com a possibilidade de surgi-rem novas adaptaes a partir da prtica, e o trabalho do operrio passa a ser planejado completamente.

    Importante notar que tambm era controlado o tempo para a execuo das tarefas, sempre adaptado s exigncias do capitalismo. Reduz-se o tempo de in-tervalo, ou o tempo para o cio, pois este caracteriza-do como tempo no produtivo.

    Cabe agora, citar o pensamento do cientista italia-no Domenico De Masi. Ele elaborou uma tese chamada cio criativo que refuta as idias do trabalho primitivo que ainda podem ser encontradas hoje. Diz que vive-mos atualmente uma sociedade ps-idustrial, onde o cio no significa preguia, sedentarismo ou alienao, mas um exerccio do sincretismo entre atividade, lazer e estudo, propondo ao homem que ele se desenvolva em todas as suas dimenses.

    Entretanto, voltando evoluo da diviso do trabalho, com a chegada da ideologia capitalista e da necessidade de produo, houve primeiramente uma mudana nas cooperaes de manufatura, uma mudan-

    3.15. Tirinha Jornal do Brasil

  • 46 COLETIVO SOBRE PENSARES

    a do que acontecia nas antigas corporaes de ofcio quando tinham por exemplo uma catedral a executar.

    Tal mudana faz ocorrer uma ciso, no por tc-nica adquirida pelo aprendizado, mas por uma diviso entre teoria e prtica valorizando uma cincia. Poste-riormente, aborda uma separao ainda maior dos ope-rrios em simples tarefas visando o maior rendimento (no sentido de renda), e prioriza o trabalho feito num tempo mnimo e estipulado pela gerncia, detentora da cincia. evidente que tal ciso levou tambm a uma ciso social e intelectual da sociedade, visualizada sem-pre de forma de hierarquia vertical.

    Consequncias da separao entre concepo e execu-o para a produo arquitetnica atual

    Viviane Zerlotini da Silva em seu artigo publicado na Vitruvius A Diviso Social do Trabalho e as Transforma-es na Produo Arquitetnica enumera aspectos da diviso do trabalho capitalista comparando-os com os anteriores ao capitalismo, evidenciando principalmente a produo arquitetnica.

    1. Separao entre conhecimento terico e saber prtico.

    Atualmente se expressa pelo fato do projetista, enquanto idealizador do projeto, ser parcialmente des-titudo do saber prtico de execuo, manuteno e uso do ambiente construdo.

    No mbito da produo arquitetnica, Brunelleschi um exemplo marcante deste tipo de intelectual criado pelo capitalismo nascente. O controle da pro-

    3.16. Construo de catedral na Idade Mdia

  • 47COLETIVOSOBRE PENSARES

    duo arquitetnica ser confiado exclusivamente ao arquiteto. Este, separado socialmente dos trabalhadores manuais, faz emergir um novo processo de tra-balho no canteiro de obras:Ele (o arquiteto) racionaliza as tcnicas e os meios de produo da construo, quebra a continuidade da organizao coletiva do canteiro tradicional e faz emergir impiedosamente o modelo atual da diviso do trabalho social (SILVA,

    2010).

    2. Separao temporal entre concepo, execu-o, uso e manuteno.

    Essa separao entre as fases do processo de fei-tura do objeto acarreta um no conhecimento da situ-ao futura, levando o arquiteto a ter uma prtica de previso. Deve-se elaborar estratgias para possveis situaes, e imaginar o que poder ocorrer.

    O modo capitalista atribui a indivduos e grupos sociais distintos etapas diferentes do processo de pro-duo de um artefato qualquer.

    3. Distncia espacial entre concepo e execuo.Diferentemente das corporaes de ofcio, quando

    havia algum problema de compatibilizao, por exem-plo, durante a construo de uma catedral, as corpora-es envolvidas resolviam os problemas no canteiro de obras. Hoje, o local de concepo bem distante do de execuo, podendo ser at num pas diferente.

    4. Distncia temporal entre concepo e execuo

    5. EspecializaoA especializao levou a um conhecimento limita-

    do do processo como um todo.

    3.17. Catedral Itlia

  • 48 COLETIVO SOBRE PENSARES

    6. Desqualificao do trabalhoDefinida pela incapacidade de prever situaes futu-ras; e o desconhecimento das particularidades de novas tecnologias. Essa desqualificao do trabalho aqui deve ser entendida como uma perda de compreenso do todo. Na produo arquitetnica, o conhecimento especia-lizado revelado principalmente pela necessidade de se realizar a denominada compatibilizao de projetos. (SILVA, 2010.)

    7. Perda do controle sobre o processo de produoNas antigas corporaes o arteso desempenhava

    todas as funes necessrias para a produo de uma edificao: concepo, execuo, uso e manuteno.

    Comparando com o pr-artesanato nordestino, onde o arteso tratava o couro do animal, cortava o molde, costurava o sapato, vendia o sapato e via o usu-rio com o seu produto andando pela cidade, essa liga-o foi perdida com o tempo.

    A perda do controle total advm do capitalismo, isso contribuiu tambm para a perda da autonomia so-bre o processo de trabalho.

    Com a venda da sua fora de trabalho, o oper-rio presta servio a uma gerncia. Esta assume cada vez mais formas rgidas de controle, como imposio de ho-ras de trabalho.

    Srgio Ferro relata os recursos utilizados por Bru-nelleschi na construo da cpula de Santa Maria dei Fiori, em Florena no sc. XV:

    Assim, diante de uma greve por aumento de salrios (j extremamente diversi-ficados), (Brunelleschi) importa operrios no florentinos, conseguindo quebr-la. E s aceita novamente os primeiros por salrios inferiores aos que ocasio-naram a greve (em outros termos, feroz no zelo pela mais-valia absoluta). Ou ainda; preocupado com a perda de tempo e energia, instala no alto da cpula uma cantina (fordizada, na concepo de Gramsci) evitando que os operrios desam para comer, beber, se reunir e conversar (reconhecemos a meta: a mais-

    valia relativa) (SILVA, 2010).

    importante observar que, com isso, o trabalho torna-se necessariamente coletivo. Visto atualmente a pluralidade de profissionais, faz-se necessrio o conta-to cada vez mais prximo entre eles para o bom anda-mento de um projeto ou de uma empresa com a devida orientao de uma gerncia ou um superintendente.

  • 49COLETIVOSOBRE PENSARES

    A arte ... una, e qualquer separao entre belas-artes e artes aplicadas

    destrutiva e artificial (DONDIS, 2007, p. 10, apud. John Ruskin)

    O que o grupo de Ruskin e Morris gostaria de pro-por com seus testemunhos era exatamente o que j havia sido feito h algum tempo atrs, ainda na idade mdia quando o artista aprendia seu ofcio a partir de tarefas simples, juntamente com o verdadeiro arteso em sua guilda, corporao de ofcio. Acreditava ser um sistema de aprendizagem mais slido, com pouca espe-cializao partindo de uma livre interao entre artista e arteso. Os dois participavam de todas as etapas do trabalho.

    Apesar da dificuldade de estabelecer uma pro-duo em srie proporcional necessidade, e da m qualidade dos produtos industrializados naquela po-ca, alm da pssima situao trabalhista, podemos ob-

    Bauhaus e tentativas

    (ver imagem 3.18, Bauhaus)

    3.18. Bauhaus em Dessau

  • 50 COLETIVO SOBRE PENSARES

    servar um sistema de produo-aprendizagem interes-sante.

    O fato de aliar tcnica e teoria (artista e arteso) remete um sistema de investigao reflexiva sobre a prtica. Esse sistema possibilita buscar formas mais adequadas de prticas e alternativas didticas para en-frentar as situaes-problemas na promoo da apren-dizagem. John Dewey caracteriza essa experincia re-flexiva como o pensar sobre a ao e o efeito desta, pois quando pensamos e refletivos sobre uma ao e sua consequncia, esse elemento de pensar muda para uma experincia de mais qualidade, mais significativa e, portando reflexiva.

    Ruskin e Morris propunham e, anteriormente, os mestres-artesos realizaram, uma forma de aprendiza-do que no desvinculava o pensamento do sentimento da ao. A interao entre os dois profissionais (artista e arteso) proporcionava uma reflexo sobre sua prti-ca. Essa reflexo busca caminhos para gerar uma maior confiana para ambos profissionais promovendo por meio do trabalho um conhecimento que tem solidez terica, transformando a prtica e superando o mero fazer.

    Essa atitude do pensar-fazer como soluo de pro-blemas pode tambm ser encontrada, em parte, com o surgimento, no incio do sculo XX, da Bauhaus (A Casa da Construo).

    Propunha uma fuso da Academia de Belas Artes de Weimar com a Escola de Artes de Ofcios (a Kunst-gewerbeschule). Mantm-se at 1933, quando desati-vada pelo nazismo.A criao da Bauhaus foi um marco na histria do ensi-no das artes. Seus objetivos eram:

    1. Promover o trabalho conjunto de artesos, pintores e escultores em projetos colaborativos, reunindo suas especialidades, libertando todas as artes do isola-mento - democratizar a arte.2. Derrubar as barreiras entre arte vulgar e arte elevada.3. Estabelecer a parceria entre arte e indstria. Estabelecer um contato cons-tante entre os artfices e as indstrias do pas. Na poca, era questo de sobre-vivncia econmica.

    (BARROS, 2009, p. 33-34 )

    Exploravam um ambiente educacional diferencia-do. Ao democratizar a arte, a proposta tinha um esprito de trabalho comunitrio. Atuavam em diferentes esfe-ras profissionais, integrava a arte, artesanato, desenho industrial e construo. A interao entre eles propor-cionava uma mistura de prticas e idias, levando-os as-sim a um conhecimento mais abrangente e formao

    (ver imagem 3.19, mostrar esquema de unio de artes donis a. dondis)

    3.19. Unio das artes

    (3.20, esquema de desenvolvimento da Bauhaus)

    (imagem 3.21)

  • 51COLETIVOSOBRE PENSARES

    de um profissional mais eficiente.

    ... um saber fazer slido, terico e prtico, inteligente e criativo que permite ao profissional agir em contextos instveis, indeterminados e complexos, carac-terizados por zonas de indefinio que de cada situao fazem uma novidade a exigir uma reflexo e uma ateno dialogante com a prpria realidade que lhe

    fala. (ALARGO, 1996, p. 14)

    Podemos claramente associar o sistema de ensi-no-aprendizagem que ocorreu durante a Bauhaus, pelo menos em sua primeira fase; o sistema artista-arteso

    presente nas antigas guildas renascentistas; e os ideais, mesmo que utpicos do Arts and Crafts. interessante observar que em todos esses sistemas havia uma bus-ca pela qualidade do produto, alm da clara produo proporcional demanda, por vezes elitizada, outras ve-zes, insuficiente. Essa busca pela qualidade reflete uma preocupao artesanal, com o manejo das ferramentas, com a tcnica aplicada e com as tomadas de decises diante dos problemas encontrados. A busca de qualida-des profissionais estimulava o contato entre diferentes reas, o que pode ser facilmente visto na Bauhaus que agrupava pintura, escultura, arquitetura, artesanato, fo-tografia, artes grficas, desenho industrial num nico ponto, ponto este que seria o encontro de novos cami-nhos e de possveis solues.

    Em The Reflective Practitioner (1983), Donald Schn critica o atual paradigma da educao profissionalizante que, baseando-se num racionalismo tcnico, se traduz num modelo de aplicao da cincia aos problemas concretos da prtica atravs da cincia aplicada. (...) sintetiza o seu pensamento pedaggico ao de-fender que a formao do futuro profissional inclua uma forte componente da reflexo a partir de situaes prticas reais. esta, segundo ele, a via possvel para um profissional se sentir capaz de enfrentar as situaes sempre novas e diferentes com que vai deparar na vida real e de tomar decises apropriadas

    3.20. Esquema de desenvolvimento Bauhaus

    3.21. Grfico estrutura do curso

  • 52 COLETIVO SOBRE PENSARES

    nas zonas de indefinio que a caracterizam. (ALARGO, 1996, p. 12)

    A crtica de Schn, como exposto no pargra-fo acima, feita ao conhecimento de uma cincia e a aplicao direta desta cincia aos problemas encontra-dos na prtica. Isso ocorre quando no h a reflexo de Dewey e Schn. Contrapondo-se a uma viso tecnicista da prtica profissional e a partir dos estudos de Dewey busca-se compreender a perspectiva da reflexo sobre a epistemologia da prtica.

    Schn elabora critrios de investigao reflexiva sobre a prtica, tais critrios poderiam ser praticados na Bauhaus devido facilidade de interao entre os pro-fissionais. Exemplos do saber-fazer so encontrados nas idias de Schn quando ele explica a reflexo na ao; a reflexo sobre a ao e; a reflexo sobre a reflexo na ao. O primeiro ocorre quando refletimos ao mesmo tempo que agimos, simultaneamente. Ao fazer algo es-tamos pensando como devemos proceder e refletimos enquanto fazemos. A segunda situao acontece quan-do refletimos aps a ao ser realizada, o pensar se d depois do fazer; e a terceira situao quando refleti-mos aps a reflexo na ao.

    Schn traz uma forte componente da reflexo a partir de situaes prticas, porm devem ser sempre orientadas por um mestre.

    Saberes e fazeres so misturados e levados a ou-tros, mais adaptados aos problemas. Entendendo que o pensamento analtico surge apenas quando h um pro-blema para resolver, o elemento reflexivo surge para superar tcnica do tentativa e erro, superando uma ao automtica fadada s implicaes da sorte-azar. Na compreenso das coisas, das relaes h um enten-dimento. Sempre, ao deparar com um problema, encon-tramos tambm a incerteza, possibilidades, caminhos, hiptese.

    3.23. Mesa dobrvel 1928 Gustav Hassenpflung3.22. Bule 1923 Theodor Bogler

  • 53COLETIVOSOBRE PENSARES

    Cabe contrapor os dados e a suas interpretaes.

    Para Dewey, a chave da liberdade a inteligncia, e se nos tornarmos cons-cientes das contingncias de nosso meio, que controlam nossos atos, pode-mos alterar aquelas contingncias e desse modo alterar a ns mesmos. A soluo de uma situao problemtica pode envolver a transformao do investigador, do meio e de ambos. A nfase na transformao. (DEWEY,

    1938 in Garrison).

    Desse modo, havia uma sntese social: orienta-o da produo esttica para uma camada mais am-pla da populao sem privilgio uns poucos; e uma sntese esttica: a integrao de todos os gneros ar-tsticos numa linguagem sem fronteiras (reunir uma pequena comunidade atravs da quebra do isolamen-to de cada um). Essas foram as principais atitudes da escola.

    Apesar das idias inovadoras da Bauhaus, do fato dela ser uma das mais importantes instituies de ensino de artes aplicadas, de ter provocado uma mu-dana na forma de ensino-aprendizagem, de aplicar a pedagogia da ao na qual se rejeita o modelo de ensino que focaliza a transmisso de conhecimento, e se prioriza a auto-formao do educando (PEREIRA, MEDEIROS, HATADANI, ANDRADE, SILVA, 2010, p. 8) levando prtica os pensamentos de Donnald Schn e John Dewey; notamos que nem todos os objetivos foram alcanados.

    O ideal de Gropius de fazer com que a Bauhaus fosse uma escola de arte voltada para indstria nunca foi realizado completamente por que a produo no era feita em larga escala. Havia um pequeno nme-ro de produtos manufaturados. Apesar da introduo das novas possibilidades tcnicas, muitos mtodos

    3.25. Linha de Marianne Brandt da Bauhaus3.24. Cadeiras tubulares 1926 Marcel Breuer

    (ver imagem 3.22, imagem do Bule)

    (ver imagem 3.23, 3.24, fotos de mobi-lirio produzido pela

    Bauhaus)

  • 54 COLETIVO SOBRE PENSARES

    utilizados se baseavam nos ofcios, artesanais.Outro aspecto a questo do funcionalismo. Ape-

    sar da Bauhaus ser sempre associada ao funcionalismo, havia uma preocupao com a esttica causando crti-cas ela gerava um distanciamento com seus usurios tornando os objetos e arquitetura pouco sensveis s necessidades de uso e assumindo principalmente fun-es estticas, com poucos atrativos visuais. (PEREIRA, MEDEIROS, HATADANI, ANDRADE, SILVA, 2010, p. 5).

    Os produtos eram considerados caros, pois havia dificuldade de produo em larga escala.

    Apesar de Gropius incentivar e almejar os diversos tipos de oficinas, que para ele o ensino de arquitetura s seria completo com a coletividade incluindo pintura, teatro, msica, dana, fotografia, todos os tipos de cria-o; apesar disso, certas oficinas tiveram um reconhe-cimento maior como a de mobilirio e de metais, pois essas eram mais importantes para o reconhecimento da escola e eram as que rendiam um retorno financeiro.

  • 55COLETIVOSOBRE PENSARES

  • 56 COLETIVO SOBRE PENSARES

    incioNOVOS PENSAMENTOS

    Desde o comeo da construo do mundo e da sociedade so desenvolvidos projetos colaborativos, ou seja, aqueles em que trabalham diversas pessoas com funes diferentes. Principalmente com relao construo civil esse um trabalho primordialmente coletivo, impossvel pensar em reliz-lo sozinho devi-do sua complexidade e extenso. Culturas mais antigas realizavam uma comoo social para o esforo coleti-vo, tanto para construo de um equipamento pblico como para construo para uma famlia ou um s indi-vduo.

    Numa obra, onde h essa colaborao de diversas pessoas, existe por consequncia interesses, talentos, facilidades, gostos diferentes, pois so desenvolvidos em cada pessoa diferentemente. Essas ferramentas, so destinadas a cada um para que sejam desenvolvi-das e aplicadas da melhor forma em sua experincia de vida.

    Uma pessoa que tem determinado talento, por exemplo, pode at desenvolver bem certa funo, en-

  • 57COLETIVOSOBRE PENSARES

    tretanto se aplicar seu talento sua funo correspon-dente haver uma melhor performance, melhores re-sultados.

    Essa diversidade de interesses sugere uma espe-cializao profissional, trabalho destinado uma rea especfica. Da mesma maneira que essa especializao aprofunda e desenvolve aspectos relacionados mes-ma rea, tambm pode negligenciar assuntos gerais e de outras reas podendo at estar relacionados. A co-municao entre os participantes do projeto impor-tante para complementar e sistematizar as especiali-zaes e consequentemente as operaes necessrias para o sucesso do projeto.

    Willem Kymmel em BIM (Building Information Mo-deling, planning and managing construction projects with 4D cad and simulations) afirma que existem 4 con-ceitos bsicos da ao e interao humana: Colabora-o; Comunicao; Visualizao; Compreenso (Enten-dimento).

    Esses 4 elementos esto conectados, geram e reforam um ao outro. Sugerem que, por exemplo, a Comunicao pode levar ao Entendimento e uns aos outros.

    A imagem de um tomo de carbono presente nos diamantes revela uma estrutura tridimensional coesa e estvel, ela representa os conceitos bsicos. Demons-trando assim uma situao que pouco se transformar, devido a estabilidade, eficincia e fora na estrutura.

    Kymmel fala da necessidade de uma mudana fundamental na indstria, realizada atravs dos 4 con-ceitos de interao. Sobretudo na construo civil essa interao essencial para o bom andamento do pro-jeto, j que profissionais de diferentes reas trabalham para este mesmo projeto. O planejamento, o design

    3.26.

  • 58 COLETIVO SOBRE PENSARES

    e a construo que at antes do Renascimento eram administrados e orientados por uma s pessoa, o mestre-arteso, hoje feito por inmeros profissionais. Estes realizam tarefas diferentes em cada fase, fazendo-se necessria uma interao.

    H a necessidade de uma relao cada vez mais prxima entre esses profissionais, de modo que cada vez mais se faz necessrio o papel de um gerente. Kym-mel explica como o papel da gerncia ou aquela pes-soa superintendente importante e ao mesmo tempo to complicado. Dia-a-dia essa funo se torna mais difcil e ningum consegue desempenhar bem esse pa-pel. Esse tem sido um dos maiores dilemas enfrentados pela construo (industrial).

    Erros e fraquesas cometidos pela pro-duo

    Novamente no livro do BIM so enumeradas algu-mas fraquezas com relao a projetao e construo. Os construtores no participam da elaborao do pro-jeto feita pelo arquiteto. A comunicao feita a partir dos desenhos que so baseados em previses. O papel do arquiteto super estimado, ele carrega uma grande responsabilidade. Erros nos desenhos so comuns, ou h falta de um melhor esclarecimento pelo desenho. Esses erros so corriqueiros no atual sistema de produo de construo. Fica evidente que a principal falta est na comunicao/ interao entres os profissionais. O livro do BIM cita e explica algumas fraquezas:

    1. Informao no projeto (Falha no entendimento arquiteto e dono do empreendimento)

    2. Falhas nos desenhos (Erro ou falta de alguma informao)

    3. Dificuldade de comunicao e entendimento entre as pessoas, profissionais do projeto.(Pessoas de culturas diferentes, educao diferente)

    4. Idias representadas por diversas pessoas em 2D num mundo 3D. (Essa operao de desenho exi-ge inmeros artifcios como rebatimento do desenho, translao, operaes geomtricas que dificultam a co

  • 59COLETIVOSOBRE PENSARES

    municao, principalmente por serem realizadas por muitas pessoas.)

    5. Competio entre os membros. (Quando no h objetivos em comuns, quando no h um compar-tilhamento de sucessos e fracassos, ocorre competio ruim).

    6. Riscos (Alguns participantes do contrato da construo tendem a criar mtodos de se beneficiar, geralmente os donos)

    7. Processos (traduo Litigation). Muitos proces-sos jurdicos ocorrem no decorrer de uma construo devido aos desentendimentos e discordncia.

    Sugesto de Estratgias para produo e construo de um conhecimento

    Willem Kymmell sugere um mtodo, para eliminar ou pelo menos diminuir as faltas do atual sistema ana-lisado. Nesse mtodo h uma colaborao e interao. H uma integrao das fases realizadas no projeto-exe-cuo, onde cada membro participa com o que sabe melhor fazer, ou se sente mais apto. Responsabilidades so divididas de acordo com a competncia, e a coorde-nao feita respeitando as individualidades de cada membro.

    Encontramos em outros lugares a busca desse m-todo de produo e produo de um conhecimento.

    3.27.

    Imagens retiradas do livro: Building

    Information Model-ing, W. Kymmell)

  • 60 COLETIVO SOBRE PENSARES

    No se trata, portanto, de procurar alguma intuio que nos ilumine quanto natureza do conceito, tambm no se trata de desconfiarmos de nossa capaci-dade atual de esclarec-lo. Estamos diante da proposta de um mtodo de traba-lho que exige, em primeiro lugar, observao atenta da forma como se apresen-ta o conceito em cada estgio de sua elaborao, de sua relao aos objetos que denota e, portanto, das relaes em que as rplicas do conceito com os exem-plares dos objetos denotados. Proposta que, em segundo lugar, exige criativida-de na procura de uma forma que possa representar as articulaes dos procedi-mentos interativos da conduta com o objeto. Em terceiro lugar, a observao do diagrama construdo, para que se explicite quais relaes que, pertencendo ao diagrama, so to verdadeiras quanto ele. Podem elas simplesmente decorrer da simples construo do diagrama ou exigirem que sobre ele se construam ou-tras formas que, obedecendo ao mesmo princpio condutor, sejam igualmente vlidas. Produzidas pela construo diagramtica, mantidas sob a forma grfica, algbrica ou da linguagem natural, relaes obtidas se constituiro no significa-do (meaning), como concepo dos efeitos. (SILVEIRA, 2007, p.186)

    A citao explica, a partir do conceito de pragma-tismo do semilogo e filsofo americano Charles San-ders Peirce, um mtodo de construo do conhecimen-to. Nele, citado como diagrama uma rede de relaes entre os fatos e agentes da produo do conhecimento se faz necessria para a busca. Essa procura da verda-de citada muitas vezes nas obras de diversos filsofos, em anlises cientficas e outros trabalhos, tambm buscada na realizao de um projeto ao serem enfren-tados os problemas.

    O que se busca um hbito de conduta bem fundamentado que cresa na me-dida em que, testado ao nvel da experincia, confira ao conceito um significado cada vez mais adequado para dirigir a busca do objeto. Em termos estritamente lgicos, a mxima pragmatista constitui-se no mtodo de se produzir, ao longo do tempo, um interpretante lgico cada vez mais rigoroso. Em termos ticos, constitui-se no encaminhamento mais seguro de se encontrar o objeto pretendi-do, pelo aprimoramento de um hbito geral de conduta. (SILVEIRA, 2007, p.187)

    A mudana fundamental estimada por Kymmell vai ao encontro de toda a teoria elaborada por John Dewey, estudada por Donnald Schn, presente nos es-tudos de Peirce. A mudana vem a partir do comporta-mento daquele que busca solues diante do problema. A demanda de uma reflexo, a busca de novos cami-nhos, a interao entre as pessoas e a procura conjunta de solues, tudo isso faz parte da mudana fundamen-tal.

    Refletir sobre sua prtica, seu fazer, seu pensar educativo, suas condies de trabalho, sua identidade como profissional, assume constatar como o que faz, reinventa e protagoniza a ao, est constitudo social e historicamente. Uma mudana de atitude, do modo de pensar e fazer, de compreender e de explicar

    inevitvel e necessria. (ALARGO, 1996, p. 18).

  • 61COLETIVOSOBRE PENSARES

    Kymmell cita algumas estratgias para desenvol-vimento das atividades produtoras:

    1. Reduzir Riscos: 1.1. Melhorar a comunicao entre os membros,

    abrir novos canais de comunicao, clareza.1.2. Estimular a colaborao, compartilhar suces-

    sos e fracassos.1.3. Antecipar os problemas, prever possveis erros.1.4. Segurana no local.

    2. Reduzir Custos:2.1. Analisar outras indstrias, formas de produ-

    o. Buscar exemplos de funcionamento de outras in-dstrias.

    2.2. Aplicar Princpios. Destinar funes especfi-cas para cada etapa e parte da equipe, em tempos es-pecficos.

    2.3. Pr-fabricao. Melhora a visualizao, prever erros e melhora o controle da construo.

    3. Reduzir Tempo:3.1. Melhorar planejamento pr-construo.3.2. Melhorar os calendrios. Elaborao de cro-

    nogramas. 4. Melhorar qualidade do projeto4.1. Melhorar o projeto enquanto desenho. Intera-

    o entre competncias diferentes, consultas. Estimu-

    3.28.

  • 62 COLETIVO SOBRE PENSARES

    lar o design charettes, ou seja um intenso perodo de concepo projetual e planejamento feitos por diferen-tes grupos de profissionais em dilogo contnuo.

    4.2. Melhorar a qualidade da construo. Processo de construo, impacto ambiental, anlise do terreno.

    5. Aumentar o tempo de vida da performance ocorrida.

    5.1. Buscar uma longevidade dos materiais e com-ponentes da construo

    5.2. Reduo do consumo de energia.

    (...) enquanto, ao longo do tempo, o crescimento do valor da informao tende a desacelerar-se, o custo para obt-la tende a assumir uma acelerao positiva cada vez mais acentuada. (SILVEIRA, 2007, p. 195)

    Ou seja, deve-se sempre procurar gastar menos energia possvel, apesar da informao ser cada vez mais escassa com o passar do tempo e da pesquisa.

    Por mais que sejam elaborados hbitos de condu-ta, formas de fazer, de agir, maneiras mais adaptadas, todas elas, sem exceo esto sujeitas a mudana. Ao casar ao ao conhecimento; prtica teoria; saber ao fazer, estamos em constante mudana. Novas experin-cias sempre podem refutar uma conduta j estabeleci-da.

    O processo do conhecer / produzir

    O sistema da ferramenta BIM ajuda a coletar in-formaes de diversas reas e desenvolve essas infor-maes relacionadas ao projeto no tempo. Essa ferra-menta pode ser considerada como a pr-visualizao inteligente do projeto por possuir dimenso 3D e infor-maes paramtricas e compartilhveis. No cabe ao presente trabalho explicar a ferramenta como seus ar-tifcios, softwares, mecanismos, apenas orientar, atravs de seus conceitos fundamentais, uma nova postura a ser adotada na procura do conhecer e produzir.

    Ento, nesse processo de coletar informao e as

  • 63COLETIVOSOBRE PENSARES

    relacionar com o projeto e com o tempo, tornando-as paramtricas, ocorre um fato interessante: esse desen-volvimento ocorre de forma cclica. Quando cada par-ticipante do projeto colabora com suas informaes e as relaciona, o projeto vai crescendo, tornando-se mais complexo e mais completo.

    Os participantes passam a entender as informa-es compartilhadas pelos outros, apesar de no pos-surem o mesmo conhecimento. So essas relaes de entendimento, a partir da relao das informaes, das tentativas que fazem tanto o projeto evoluir como tam-bm os participantes dele.

    Para Dewey, a chave da liberdade a intelign-cia, e se nos tornarmos conscientes das contingncias de nosso meio, que controlam nossos atos, podemos al-terar aquelas contingncias e desse modo alterar a ns mesmos. A soluo de uma situao problemtica pode envolver a transformao do investigador, do meio e de ambos. A nfase na transformao. (DEWEY, 1938 in Garrison).

    Mas atuao do experimentador, segue-se necessariamente uma resposta ao mundo, sob a forma da resistncia deste ltimo s modificaes que lhe fizeram sofrer. Percebido o mundo neste novo estado, aprende o experimentador sobre

    aquilo que interrogava (SILVEIRA, 2007, p. 193)

    3.29.

  • 64 COLETIVO SOBRE PENSARES

    Algumas concluses

    Da mesma maneira que foi explicado no tpico anterior, a ferramenta utilizada para integrar as infor-maes e parametriz-las no projeto podem ser enten-didas como modelizao da informao ou informa-tion modeling. Essa ferramenta, alm de servir como soluo, ou parte da soluo para melhorar e enrique-cer a comunicao e integrao dos participantes do projeto, ela tambm possibilita a insero dos chama-dos sistemas generativos de projeto.

    Os sistemas generativos podem ser entendidos de diversas maneiras. Nesse trabalho a partir da lgica econmica da produo que sero apresentado.

    Durante a produo artesanal, presente nas cor-poraes de ofcios, o projeto no existe, os arteso so encarregados de produzir diretamente a partir de seu conhecimento. J a mo-de-obra geralmente cara, pois qualificada atravs da prtica e aprendizado. As ferramentas usadas so simples e genricas, ento so de baixo custo. Entretanto os produtos desenvolvidos so bastante caros, quase nunca se repetem e podem ser personalizados, diferenciados.

    O processo de trabalho segue-se assim, buscando novas formas, melhores adaptaes que so desenvol-vidas com o contato entre os diferentes profissionais e diferentes tcnicas, assim como novos erros. A mudana se faz necessria.

    A seguir vem a reao do mundo sobre o experimentador numa percepo; e finalmente, seu reconhecimento das lies do experimento.

    (...) na busca (...) acolher nova dvida e dar lugar a um novo errar (...)

    Progride assim, o conhecimento, sem nunca perder sua intrnseca falibilidade, em um esforo social, ao longo da histria, em busca da Verdade. (SILVEIRA, 2007, p. 193)

  • 65COLETIVOSOBRE PENSARES

    Na produo industrial, caracterizada pela produo em massa de produtos exige ferra-mentas e equipamentos super caros e especfi-cos para produo de diferentes materiais. Em contrapartida a mo-de-obra barata, pois se realiza apenas atividades simples no-qualifica-da. O projeto bastante valorizado, custa caro pois deve ser bem realizado, qualquer erro pode se propagar em vrios produtos.

    A produo ps-industrial automatizada exige ferramentas e equipamentos caros, mas flexveis. No so necessrias frmas ou um novo equipamento a cada novo produto, ento possui uma durabilidade. Nesse tipo de produ-o cada produto pode ser personalizado de acordo com o projeto, pode ser feito em larga escala sem a standartizao que ocorre na pro-duo em massa. Isso permite que o preo final do produto seja equivalente ao de um feito em srie.

    A mo-de-obra necessria destinada realizao dos projetos. Entretanto muito comum, nesse tipo de produo automatizada serem incorporados Sistemas Generativos de Projeto. Sistemas como o BIM, onde podemos parametrizar e integrar as informaes dos participantes, so ferramentas que possibili-tam o sistema generativo. Neste, a organizao das informaes auto-geram formas e tipos de projeto. So muitas vezes sistemas inteligentes que a partir de dados, orientaes e parmetros realizam projetos diferentes. Cabe ao artista (pessoa, ou grupo de pessoas que alimentaram o sistema com dados e parmetros) dizer a qua-lidade do produto, se bom, ou se deve ser des-cartado.

    3.30. Grficos: Produo artesanal, industrial e automatizada.

  • SOBRE O LUGAR

  • 68 COLETIVO SOBRE O LUGAR

    Histria da cidade se confunde com histria do bairro

    HISTRIAS

    Circular pelas ruas do bairro Jacarecanga um convite para viajar no tempo. Os casares, sobrados, bangals e chcaras antigas nos transportam para a For-taleza de muitas dcadas atrs. Poucos bairros em Fortaleza concentram um patrimnio cultural material to rico.

    (Coluna , O Povo, 04/02/2013)

    Aproximadamente a partir de 1915 as aglomera-es de famlias abastadas do Centro de Fortaleza fo-ram se transferindo para uma rea mais afastada por causa de conflitos decorridos de influncia da segun-da guerra, alm da presena de outras atividades l existentes, como o comrcio. Um pouco mais afastado, surge o bairro Jacarecanga. Em 1930, ocupado por manses e palacetes, como um refgio das elites. At o incio dos anos 40, ele viveu seu apogeu.

    (...) um bairro prximo praia, com uma boa brisa, um timo local para cons-truirstios e casas monumentais. Rapidamente, Bares, Ministros, grandes fazendei-ros e aristocratas da cidade comearam a se deslocar para Jacarecanga e o bairro foi se urbanizando. (...) (Instruo Tcnica/CPHC/SECULTFOR No 01/2012)

  • 69COLETIVOSOBRE O LUGAR

    Incomodada com as conturbaes do Centro, a classe mais abastada preferiu se deslocar para o Ja-carecanga porque h registros de que l era possvel encomendar casas com projetos especficos, casas per-sonalizadas. Dava a sensao de que estariam concen-trando exemplares arquitetnicos importantes, sendo assim uma demonstrao de posse. Fato que explica valioso patrimnio arquitetnico deixado.

    Com a mudana da zona porturia de Fortaleza para o bairro Mucuripe, espao do Jacarecanga come-ou a ser dividido com a indstria e as vilas operrias, que, aos poucos, se tornaram predominantes na rea, junto com o comrcio.

    Posteriormente, as famlias que l habitavam des-locaram-se para a Aldeota, sendo at hoje um bairro primordialmente residencial rico. Aps essa transfern-cia, o Jacarecanga sofre um declnio.

    Nesse perodo surge a Fbrica Philomeno Gomes, juntamente com as primeiras indstrias formadas ao longo da avenida Francisco S. Entre 1960 e 1970 essa avenida torna-se o maior eixo do polo industrial no Ce-ar.

    A degradao das indstrias e das vilas operrias aconteceu, entre outros motivos, pela falta de plane-jamento da proximidade das vilas e indstrias. Com a construo do plo industrial de Maracana, ainda nos anos 1970, as indstrias que se localizavam principal-mente na Barra do Cear e no Jacarecanga se desloca-ram para l. Houve um abandono dos antigos prdios das fbricas, entre eles o da fbrica de tecidos Philome-no Gomes.

    O Plano Diretor de 2008 passou a classificar o bairro Jacarecanga como ZOP1 Zona de Ocupao Preferencial. Prope, atravs de seus instrumentos e classificaes intensificar seu uso e ocupao do solo, principalmente por ser uma rea bem dotada de infra-estrutura e servios. Desse modo h um incentivo pre-servao e a recuperao dos imveis, o que bastante vlido visto o valor histrico-cultural das edificaes do bairro. Entretanto, h algum tempo pode-se observar o surgimento de investimentos imobilirios, principal-mente para construo de condomnios.

    4.1. Localizao

  • 70 COLETIVO SOBRE O LUGAR

    O Jacarecanga volta a ser valorizado. O bairro tem como atrativo o fato de estar localizado na regio cen-tral de Fortaleza e prximo orla martima. Novos edi-fcios e um shopping esto sendo construdos. O novo shopping se localizar no local da antiga fbrica de tecidos e redes Philomeno Gomes. O projeto demolir parte das fbricas existentes no local.

    Outro aspecto importantssimo do Bairro a pre-sena do riacho Jacarecanga, um recurso natural extre-mamente degradado e poludo. Atualmente ele se en-contra em pssimo estado, ignorado pela maioria das construes locais. triste perceber que um riacho to importante, visto que Fortaleza nasceu s suas margens, se encontra em estado deplorvel.

  • 71COLETIVOSOBRE O LUGAR

    Mapas 4.2. Equipamentos; 4.3. Uso e ocupao e 4.4.

    Vias

  • 72 COLETIVO SOBRE O LUGAR

    Imagens do entorno (arquivo pessoal)Esquerda para direita:

    4.5. Escola de artes e ofcios Tho-mas Pompeu; 4.6.Trilhos da RFFESA; Bangal Aristides Capibaribe; 4.7.Ha-

    bitaes; 4.8. Vila So Jos; 4.9.Escola Aprendizes Marinheiros; 4.10. Riacho

    Jacarecanga poludo.

  • 73COLETIVOSOBRE O LUGAR

  • 74 COLETIVO SOBRE O LUGAR

    Tombamento, preservao do bairro Secult-For

    LEIS E REGRAS

    Ao fim do ano passado, 2012, o conjunto urbano do bairro Jacarecanga foi considerado um bem de re-levante interesse cultural pela Secretaria da Cultura de Fortaleza (SECULT-FOR). Antes, s a Praia de Iracema ostentava este posto.

    Constitui um conjunto de reas de domnio pblico ou privado que, por seus atributos naturais, paisagsticos, histricos e cultu-rais, constituem referncia para a paisagem da Fortaleza. (Instru-o Tcnica/CPHC/SECULTFOR No 01/2012)

    A partir da instruo tcnica promovida pela se-cretaria, essas reas so reconhecidas e esto sujeitas a um regime de proteo especfico e a intervenes de recuperao ambiental, visando o melhor para sua inte-gridade e adaptao aos novos usos.

    Entre os objetivos da declarao esto:

    -Manter a ambincia histrica da rea;-Definir Normas de Interveno na rea visando a

  • 75COLETIVOSOBRE O LUGAR

    preservao e recuperao de seus conjuntos urbanos e a proteo da sua paisagem;-Estabelecer regras para uma ocupao compatvel com a permanncia dos valoreshistricos da rea;-Implantar formas de acautelamento e preservao da rea por meio de inventrios, registro, vigilncia, fiscali-zao, estmulos fiscais, investimentos pblicos, tomba-mento e, se necessrio, desapropriao;

    Foi elaborado um permetro urbano, nomeado de: Conjunto Urbano do Bairro Jacarecanga. Os elemen-tos mais interresantes do bairro esto contidos e prote-gidos atravs dessa instruo. Entre eles, alguns foram tombados separadamente: o Bangal de Aristides Capi-baribe e a Casa de Acrsio Moreira da Rocha.

    Mesmo com as paredes descascadas e janelas quebradas, o bangal um dos smbolos de que a histria de Fortaleza est ali, ao lado do ponto de nibus e

    do carrinho que vende sanduches na calada do casaro. (Instruo Tcnica/CPHC/SECULTFOR No 01/2012)

    Fortaleza tem perdido a cada dia suas mem-rias, seus saberes-fazeres. A cidade persiste em querer se desenvolver sem preservar os elementos essenciais que carregam sua histria atravs do tempo, histria de arte, de arquitetura, de saberes.

    A falta de lugares (espacial-arquitetnico) que conte histria faz um povo sem lar, sem memria, como se no tivesse participado daquela produo de espao. Uma cidade sem referncias uma cidade sem lar. Al-gumas memrias tentam persistir e ficar de p, e ainda tem a chance de sobreviver. As pessoas poderiam revi-ver esse tempo que no volta mais. Se no h marcos referenciais, parece que algo morreu, no h identifica-o da populao com o lugar.

    De acordo com Maria Roseli Sousa Santos,Memria no algo do passado, um fenmeno que traz em si um sentimen-to de continuidade e de coerncia, seja ele processado individualmente ou em grupo, em reconstruo em si torna-se o fator preponderante para o entendi-mento de sentimento de identidade. (ENTRE O RIO E AS ARTES- Dissertao de mestrado do Centro de Cincias Sociais e Educao da Universidade do Estado do Par. 2007 apud SECULT-FOR)

    Segundo P. Rimbaud a cidade transforma tudo, inclusive a matria inerte, em elementos de cultura. A cultura, forma de comunicao do indivduo e do grupo com o universo, uma herana, mas tambm um reaprendizado das relaes profundas entre o homem e o seu meio.(Santos, Milton O espao do cidado - , 7. ed. So Paulo: Editora da Universida-de de So Paulo, 2007. p.84) do espao - , 4. ed. 2. reimpr. - So Paulo: Editora da

  • 76 COLETIVO SOBRE O LUGAR

    4.11. Mapas anlise Secult-for

  • 77COLETIVOSOBRE O LUGAR

    Universidade de So Paulo, 2006. p.223 apud Secult-For)

    (...) A memria coletiva apontada como um cimento indispensvel sobre-vivncia das sociedades, o elemento de coeso garantidor da permanncia e da elaborao do futuro. Essa tese ganhou tal fora que hoje, diante de uma sociedade e de uma cultura em perptua agitao, a cultura do movimento apontada como o dado essencial da desagregao e da anomia. (Santos, Milton A natureza do espao - , 4. ed. 2. reimpr. - So Paulo: Editora da Universidade

    de So Paulo, 2006. p.223 apud Secult-For)

    A partir dessa instruo foram elaborados tam-bm alguns critrios para futuras intervenes na rea:

    1- A altura mxima das edificaes sero mantidas a partir do nvel do meio fio do logradouro, no ponto mdio da testada do lote, incluindo todos os elementos construtivos.2- Novas edificaes, reformas e/ou acrscimos em edificaes e-xistentes devero contemplar tratamento plstico (e de materiais) condizente com a ambincia da rea. No sero permitidos quaisquer tipos de uso ou ocu-pao que possam ameaar, causar danos ou prejudicar a harmonia arquitet-nica e urbanstica da rea.3- Nas reas compreendidas pelo Conjunto Urbano do Bairro Jacarecanga na forma que indica o Anexo 01 sero aplicadas, especialmente, os seguintes ins-trumentos: transferncia do direito de construir e direito de preempo.4- Nas reas compreendidas pelo Setor 3 - Riacho Jacarecanga, no ser ad-mitida a retirada de vegetao nativa remanescente. 5- Estas mesmas reas podero, contudo, ser objetos de projetos paisagsticos a serem previamente analisados pelo rgo de Pa-trimnio Cultural e Histrico do Municpio.6- Em todo o Conjunto Urbano do Bairro Jacarecanga dever ser evitada a poluio visual. Considera-se como poluio visual o excesso de elementos liga-dos a comunicao visual, tais como cartazes, placas, painis, cavaletes, faixas, banners, inflveis, bales, totens, outdoors, backlights, frontlights, painis ele-trnicos e painis televisivos de alta resoluo, anncios estampados em nibus (busdoor), o grafite, pichaes, propaganda eleitoral, rede de fiao eltrica e de telecomunicaes, as edificaes com falta de manuteno, o lixo exposto e outros resduos urbanos entre outros instrumentos de publicidade, dispostos no permetro do Conjunto. Dever ser rigorosamente cumprida a Lei N 8.221, de 28 de Dezembro de 1998.7- Os passeios devem incorporar dispositivos de acessibilidade nas condies especficas na NBR 9050 da ABNT ou norma tcnica oficial superveniente que a substitua, bem como nas resolues municipais especficas. Fica recomendado o uso de sinalizao ttil de piso e o emprego de rebaixamento de calada e guia pr-fabricado junto faixa de travessia de pedestres e junto marca de ca-nalizao de vagas destinadas ao estacionamento de veculos que transportam pessoas com deficincia nas vias e logradouros.8- O Mobilirio Urbano e a Sinalizao viria ou turstica sero ins-talados respeitando a padronizao especfica a ser criada para a rea. Deven-do este projeto especfico atentar as condies de preservao da visibilidade do Conjunto Urbano do Bairro Jacarecanga e da relao da comunidade com o espao.9- Toda rea do Conjunto Urbano do Bairro Jacarecanga em especial o Setor I dever passar por um processo de internalizao subterrnea da rede eltrica, telefnica e lgica a fim de proporcionar uma melhoria das visuais da paisagem.

    (Instruo Tcnica/CPHC/SECULTFOR No 01/2012)

  • 78 COLETIVO SOBRE O LUGAR

    Aps estabelecer esses critrios, a Instruo passa a enumerar normas para cada setor delimitado no Con-junto Urbano. O terreno escolhido para a elaborao do projeto arquitetnico, objetivo final desse trabalho de graduao, encontra-se no Setor II, onde se localizava a antiga Fbrica de tecidos So Jos e posteriormente Philomeno Gomes, atualmente em runas.

    Este setor o mais descaracterizado do Conjunto Jacarecanga, ainda assim deve se manter em harmonia com os demais a fim de valorizar o perfil urbano.

    Para os terrenos inseridos no Setor II, segue-se as normas:

    I- a altura mxima das edificaes no poder exceder o limite de 45m (quaren-ta e cinco metros) equivalente a 15 (quinze) pavimentos.II- ser permitida a demolio de edificaes neste setor, desde que aprovadas pelo rgo de patrimnio histrico do municpio e de a nova construo ou uti-lizao no descaracterize as articulaes entre as relaes espaciais e visuais ali envolvidas.III- todos os lotes devero manter o afastamento frontal mnimo de 10 metros a ser usado com ajardinamento e muro de at 1,50 metro.IV- ser permitido o amembramento de lotes desde que a rea mxima seja de 10.000,00m2 (dez mil metros quadrados).

    (Instruo Tcnica/CPHC/SECULTFOR No 01/2012)

    A questo patrimonial nas cartas

    Assim como as vilas operrias, as antigas fbricas marcam o incio da era industrial. Em Fortaleza elas se iniciaram ao longo da avenida Francisco S e nas proxi-midades do Bairro Jacarecanga.

    Os vestgios histricos dessa transformao (in-dustrial) so importantes para a memria coletiva de uma sociedade, possui um valor humano, um importan-te valor histrico que deve ser preservado, dessa forma sua conservao deve ser reconhecida.

    O patrimnio industrial compreende os vestgios da cultura industrial que possuem valor histrico, tecnolgico, social, arquitetnico ou cientfico. Estes vestgios englobam edifcios e maquinaria, oficinas, fbricas, minas e locais de

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    processamento e de refinao, entrepostos e armazns, centros de produo, transmisso e utilizao de energia, meios de transporte e todas as suas estru-turas e infra-estruturas, assim como os locais onde se desenvolveram atividades sociais relacionadas com a indstria, tais como habitaes, locais de culto ou de educao.

    (Carta de NIZHNY TAGIL)

    O patrimnio industrial apresenta todo um teste-munho das atividades ocorridas num tempo, as quais ti-veram conseqncias importantes para cidades e a vida coletiva. So registros de vida. Afora o valor histrico-social, importante salientar a presena de valores es-tticos-arquitetnicos, por sua qualidade arquitetnica e por sua lembrana de estilo de certa poca.

    Tais edificaes, que carregam em suas runas me-mrias de uma poca, histria de seus usurios traba-lhadores, tem a obrigao de contar essa histria aos que dela no participaram, uma histria da cidade, uma histria de formao e transformao de um bairro.

    Adaptar e continuar a utilizar edifcios industriais evita o desperdcio de ener-gia e contribui para o desenvolvimento econmico sustentado. O patrimnio pode desempenhar um papel importante na regenerao econmica de regies deprimidas ou em declnio. A continuidade que esta reutilizao implica pode proporcionar um equilbrio psicolgico s comunidades conf