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Trabalho escolar com sentido Relatos do desenvolvimento do trabalho autónomo, trabalho em projetos e a sua regulação coletiva no primeiro ciclo Carmen Correia e Pascal Paulus (org.)

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Trabalho escolar com sentidoRelatos do desenvolvimento do trabalho autónomo,

trabalho em projetos e a sua regulação coletiva no primeiro ciclo

Carmen Correia e Pascal Paulus (org.)

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Trabalho escolar com sentidoRelatos do desenvolvimento do trabalho autónomo,

trabalho em projetos e a sua regulação coletiva no primeiro ciclo

Carmen Correia e Pascal Paulus (org.)

Com contributos de:

Ana Paula Gonçalves, Carmen Corre ia , Cél ia Ganhão, Clara Costa, Elisabete Lourenço, Eunice Freitas, Fernanda Cachaço, Filipa Rodrigues, Isilda Branco, Leopoldina Araújo, Lina Figueira, Maria Antónia Carvalho, Maria do Céu Pires, Maria Judite Campos, Natália Gomes, Norberto Silva,Orlanda Carvalho, Pascal Paulus, Patrícia Pimpão, Susana Agostinho, Susete Albino, Tânia Alves, Teresa Bordelo.

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Título: Trabalho escolar com sentido

Organizadores: Carmen Correia e Pascal Paulus

Autores: Ana Paula Gonçalves, Carmen Correia, Célia Ganhão,

Clara Costa, Elisabete Lourenço, Eunice Freitas, Fernanda Cachaço,

Filipa Rodrigues, Isilda Branco, Leopoldina Araújo, Lina Figueira,

Maria Antónia Carvalho, Maria do Céu Pires, Maria Judite Campos,

Natália Gomes, Norberto Silva, Orlanda Carvalho, Pascal Paulus,

Patrícia Pimpão, Susana Agostinho, Susete Albino, Tânia Alves,

Teresa Bordelo.

Edição: E-livro

Conceção Gráfica: Jorge Belo

Capa: Pascal Paulus

Data de edição: Junho 2012

ISBN: 978-989-978-680-6

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Índice

Prefácio . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 7

O porquê deste livro . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 11

Lista de Siglas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 15

A comunidade escolar em formação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 17

Projetar a ação pedagógica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 17

Em busca de uma comunidade de aprendizagem . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 21

Diários de bordo de quem tem para contar e refletir . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 31

Quatro professoras falam . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 37

Projetar turmas em parceria . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 53

Trabalhar para a autonomia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 54

Rumo aos projetos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 78

Explicitar a regulação do trabalho . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 109

Refletir acerca da profissão . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 130

Três apontamentos finais e algumas sugestões de leitura . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 153

1. Pensar em escolas que escolhem a sua equipa pedagógica . . . . . . . . . . . . . 153

2. Pensar em escolas que facilitam a construção de memórias . . . . . . . . . . . . . 157

3. Uma escola menos burocrática . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 162

Algumas sugestões de leitura . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 163

Referências bibliográficas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 165

Endereços úteis . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 167

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Prefácio

Este livro, coordenado por Carmen Correia e Pascal Paulus, documenta de forma muitointeressante um processo de formação que tornou possível uma profunda transformaçãodas práticas pedagógicas, no sentido da melhoria das aprendizagens de todos os alunosdo Agrupamento de Escolas de Vialonga.

Pareceu-me relevante evocar alguns factos na base do projeto e da formação aquirelatada que o sustentou.

Num estudo que precedeu o início do projeto, tínhamos tentado entender algumas dasrazões que justificavam que, apesar de francos progressos do agrupamento em termos declima de escola, civismo e diminuição do abandono, persistisse grande dificuldade namelhoraria dos resultados escolares. A investigação apoiada na observação de várias tur-mas ao longo de jornadas escolares tinha permitido constatar que os alunos, apesar depresentes nas aulas, trabalhavam pouco durante o dia de escolaridade e o mesmo acon-tecia depois de saírem da escola, entregues que estavam a si próprios. Assumiam comfrequência um papel demasiado passivo que conduzia a atitudes de desmotivação. Emconsequência, aprendiam pouco. Neste agrupamento situado na periferia de Lisboa mui-tas famílias têm grandes dificuldades no apoio aos filhos, quer em virtude da baixa (e emalguns casos quase nula) escolarização que possuem, quer por outros motivos, designa-damente profissionais, determinando longas ausências de casa.

Numa primeira etapa, constatou-se que grande parte dos alunos do agrupamentoaprendia pouco apesar do esforço da escola e dos seus professores. Sem descartar comohipótese de justificação deste problema a falta de expectativas e de capacidade de apoiodas famílias, procurou-se encontrar estratégias que permitissem uma atuação do lado daescola. As questões essenciais que se colocavam no agrupamento eram essencialmenteas seguintes: como fazer para que se transforme o quotidiano dos alunos, de modo a quetrabalhem mais durante o período em que estão nas aulas e em consequência aprendammais? Como desenvolver a autonomia e a responsabilidade dos alunos perante as apren-dizagens? Como fazer para que o trabalho escolar tenha mais sentido para os alunos?

Destas interrogações nasceu um projeto assente em estratégias de diferenciaçãopedagógica que se alargou a todo o agrupamento, tendo-se desenvolvido primeiro na

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EB2,3 e de seguida nas escolas do 1.º ciclo. A ação foi considerada decisiva para a melho-ria das aprendizagens.

Um dos aspetos que vale a pena salientar em todo o processo foi a capacidade, cres-centemente revelada pelos professores, de utilização de uma pedagogia diferenciada,assente em estruturas sólidas. O ceticismo inicial sobre a possibilidade de desenvolveruma organização diferenciada do trabalho na sala de aula foi cedendo lugar a práticascada vez mais centradas nas aprendizagens, no trabalho dos alunos, apoiadas em instru-mentos de responsabilização de cada um pelas suas próprias aprendizagens e em práti-cas de regulação da vida da classe, assentes em regras em cuja definição e gestão ogrupo-turma participa.

A conceção do projeto e depois a sua generalização (apesar de alguns grupos/docen-tes se sentirem mais confortáveis mantendo os métodos a que se haviam habituado)foram tornados possíveis pelo pioneirismo de toda a direção do agrupamento, coordenadapela diretora Armandina Soares, e dos seus professores.

Para sustentar a ousadia das inovações propostas, era preciso, por um lado, que a for-mação assentasse em instrumentos de trabalho pedagógico sólidos e, por outro lado, quese transformassem as escolas em instituições aprendentes. Instituições que se repensam.Foi esse o papel assumido pelas formações desenvolvidas que, partindo de uma propostade trabalho em parceria com a Escola Superior de Educação de Setúbal, constituíramequipas pedagógicas como comunidades de aprendizagem, envolvendo quase todo oagrupamento. A ESE de Setúbal, da qual participaram no projeto Jorge Pinto, MargaridaGraça, Isabel Valente Pires, Pascal Paulus, Isabel Bento, Piedade Fernandes e eu própria,trouxe para o processo uma cultura de formação adotada em diferentes projetos de for-mação contínua daquela instituição. Raras vezes, porém, um processo de formação refle-xiva - em contexto e organizada como apoio a uma mudança ao serviço da melhoria dasaprendizagens - terá abrangido como neste caso a maioria dos professores de uma ins-tituição.

Os materiais de trabalho e os instrumentos de regulação da vida escolar e das apren-dizagens foram construídos e adaptados, muitos deles, a partir de propostas do Movi-mento da Escola Moderna e da Pedagogia Institucional, e revelaram-se uma base detrabalho essencial a todo o processo. Isabel valente Pires trouxe a experiência de diferen-ciação pedagógica e trabalho autónomo do Colégio de Sta. Maria. A formação e a expe-riência trazidas por Pascal Paulus da sua prática de formador e de professor foram deter-minantes, mas também o foram (como se pode constatar nos relatos) a disponibilidade ecapacidade dos professores que integraram o projeto.

Foi a partir deste contexto de múltiplas influências que se desenvolveu, no primeirociclo, o projeto relatado. As estratégias de diferenciação pedagógica foram levadas à prá-tica designadamente através i) do Trabalho Autónomo (visando estimular a responsabili-

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dade, a autonomia, o esforço e hábitos de trabalho) apoiado nos Planos de Individuais deTrabalho que, no dizer de uma professora, responsabilizam os alunos em todo o seu pro-cesso de aprendizagem, ii) as assembleias/conselhos de turma, e iii) o trabalho de projeto.

Os autores mostram-nos como a formação, da responsabilidade de formadores exter-nos à escola, foi progressivamente sendo internalizada graças ao emergir na equipa deprofessores-pivots para os quais foi organizado um projeto de formação específico, quepermitiu tornar a inovação mais sustentável.

Bem presente nos relatos a ideia de mudança em equipa, sustentada numa formaçãoque não se dirigia a indivíduos isolados, como é com frequência o caso das ações de for-mação contínua, mas sim a equipas de professores ligados a um mesmo contexto detrabalho, criando assim um ambiente de maior segurança para um questionamento sau-dável das práticas e uma análise das aprendizagens realizadas pelos alunos, sem que osprofessores sentissem a sua capacidade profissional diretamente ameaçada. Uma dasprofessoras acentuou mesmo a importância de serem acompanhados por outros profes-sores com experiência, para se sentirem mais seguros, considerando a formação umaoportunidade para partilharem os respetivos medos.

A formação surge inegavelmente nesta obra como um meio para a melhoria da escolae de desenvolvimento profissional dos professores. Os relatos constituem um instrumentomuito pertinente para quem pretenda refletir e trabalhar a formação de professores emcontexto, entender as suas vantagens e potencial de inovação, mas também encontrarconforto quando as dificuldades, inevitáveis, surgirem nos terrenos de formação. A refle-xão sobre os dispositivos criados é muito pertinente e útil. A criação de um grupo de for-mação interno à escola surge como um caminho de sustentação da inovação. Os diáriosde bordo foram instrumentos privilegiados de uma formação reflexiva que pode inspirarestratégias de formação, mas também práticas inovadoras visando melhorar as aprendi-zagens e a capacidade de trabalho e autonomia dos alunos.

Encontramos assim contributos quer para a reflexão sobre políticas de formação comoapoio à inovação quer para a construção de propostas de formação em contexto e aindapara a compreensão e construção de estratégias visando a diferenciação pedagógica eseus usos possíveis em sala de aula.

Para além dos méritos já enunciados gostaria de felicitar os autores por terem levadoa bom termo este esforço de escrita. Raramente valorizamos através da escrita práticasinovadoras que custam enorme dedicação a quem as desenvolve. Escrita que por si sórepresenta já um meio de autorregulação e que pode representar um auxílio importantepara outros projetos que visem melhorar as aprendizagens e os percursos escolares dosalunos portugueses.

Ana Maria Bettencourt

9Prefácio

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O porquê deste livro

Reunimos aqui os escritos de um grupo de professores, fruto do seu trabalho no agru-pamento de escolas de Vialonga, na periferia de Lisboa. São escritos que diferem entre sicomo diferem as pessoas que os escreveram, revelando como cada um dos autores temum ponto de partida e um percurso académico e profissional particulares.

Ainda assim, no final do percurso aqui relatado, da leitura dos textos sobressai umaaprendizagem que lhes é comum: a de que a formação no contexto do agrupamento per-mitiu que se aprendesse, com os alunos e com os colegas, a dar mais sentido ao traba-lho escolar.

Em julho de 2008, depois de uma primeira fase experimental1 com uma turma, o agru-pamento de escolas de Vialonga incluiu, no projeto intitulado «Formação e investigação--ação, visando a melhoria das aprendizagens e a educação para a cidadania»,2 a forma-ção em contexto, em torno das áreas curriculares não disciplinares. Um ano depois, estaformação evoluiu, no 1.º ciclo, de um figurino clássico de oficinas de formação para um for-mato de aprendizagem continuada, em sala de aula e através de uma plataforma Moodle– criada para o efeito e mantida por formadores e professores envolvidos, deste e deoutros agrupamentos.

Pretendeu-se passar de uma oficina baseada na troca de experiências para encontrosregulares de reflexão, mediados pela análise dos diários de bordo de quem neles partici-pou. Ao mesmo tempo, manteve-se uma oficina de formação, semelhante à que teve lugarno primeiro ano, para os professores que ainda a não haviam frequentado. No segundoano, o projeto de trabalho (delineado para três anos letivos) viu-se reforçado pela introdu-ção de pivôs, a quem se propôs uma cogestão da ação que foi, ao longo do ano, cada vezmais assumida.

Cientes das rápidas alterações das condições de trabalho neste tipo de projetos, ini-ciámos uma recolha sistemática de experiências, tanto dos pivôs como dos outros profes-sores em formação, para que permaneça a memória das mudanças necessárias, possí-

1 Ver p. 20 «Um pouco de história».2 Promovido pela Escola Superior de Educação de Setúbal.

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veis e realizadas na forma escolar deste agrupamento, incluído nos Territórios Educativosde Intervenção Prioritária (TEIP).

Paradoxalmente, os agrupamentos de escolas, quando substancialmente dedicados aquestões do foro administrativo (típico de países como Portugal, Espanha ou França ediferente da organização descentralizada da Grã Bretanha, por exemplo), nem sempre serevelam o contexto mais interessante para organizar uma equipa em torno de um projetoeducativo que se quer coerente. Uma ação desta natureza, obriga a considerar os múlti-plos pontos de partida, as múltiplas e diferentes formas de interpretar o processo deaprendizagem-ensino. Confronta direção e professores, que não se escolheram, com difí-ceis opções e tomadas de decisão pedagógica, sem haver, na maioria das vezes, proces-sos de monitorização centrados sobre a aprendizagem de alunos e professores, masantes uma aferição em função de rankings e exigências económicas superiormenteimpostas por quem, demasiadas vezes, não conhece as realidades nas quais estes agru-pamentos se inserem e funcionam.

Mas as condições de trabalho são as que existem e foi este o ponto de partida de umadireção com uma visão pedagógica baseada na diferenciação pedagógica e no trabalhoem projeto; foi este também o ponto de partida para a recolha e publicação dos textos aquiinseridos. Não se trata de descrever o processo educativo escolhido pelo agrupamento.Outros fazem-no muito melhor do que nós o poderíamos fazer. Trata-se de mostrar, regis-tar e dar a conhecer o processo de reflexão de um grupo de professores sobre o que é serprofessor nas condições existentes num agrupamento TEIP. Este processo revela-se nosseus escritos sobre as mudanças que conscientemente foram introduzindo na sua práticapedagógica, evoluindo para um projeto curricular de turma coerente, em torno de três pro-postas: mediar a aprendizagem das crianças, no sentido de uma autonomia crescente;investir no trabalho em projetos; e desenvolver instrumentos que permitam uma regulaçãoparticipada do trabalho em sala de aula. Situando-se no seu ponto de partida, cada parti-cipante escreveu e partilha agora o seu percurso. Esta partilha resulta de uma reflexãoescrita sistemática e da sua socialização – possível precisamente porque os pontos departida eram diferentes.

Os testemunhos das páginas que se seguem são complementados por materiais de tra-balho, produzidos e partilhados por quem escreve. Esta produção tão diversificada e ricaacontece também em sala de aula, onde o ponto de partida de cada um é também diferente,o que constitui uma mais-valia, quando se propõe a diferenciação pedagógica e a atenção,pela diversidade, no trabalho com crianças. Estes materiais não estão incluídos neste livro,mas foram partilhados entre quem os produziu. Outros são disponibilizados nos blogues dasturmas envolvidas e numa plataforma Moodle, cujos endereços incluímos no final deste livro.Ao contrário do que acontece quando se publica na internet em parceria com os alunos,sempre que se fala acerca deles nos textos aqui incluídos, recorre-se a nomes fictícios.

12 Trabalho escolar com sentido

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Agradecemos a paciência de todos os que nos acompanharam na organização e rees-crita deste livro. Um agradecimento especial à equipa de educação da Fundação AgaKhan, com destaque para a Sofia Ferreira que, incansavelmente, contribuiu para tornar otexto mais fluido.

Organizámos este livro em três partes. Abrimo-lo com «A comunidade escolar em for-mação», apresentando uma breve descrição do universo de trabalho e uma descriçãomais pormenorizada do processo formativo da comunidade de professores envolvidos.O segundo e maior capítulo «Projetar em parceria» (que consideramos o mais importante)ilustra, com dezoito testemunhos do trabalho e da reflexão desta mesma comunidade deprática, os percursos de formação e o efeito que eles tiveram sobre o trabalho em salade aula. Os «Três apontamentos finais e algumas sugestões de leitura» apontam cami-nhos para uma comunidade de aprendizagem mais duradoura com vantagens comprova-das para crianças e adultos da comunidade escolar.

Os organizadores

13O porquê deste livro

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Lista de Siglas

NEE: Necessidades Educativas EspeciaisPI: Pedagogia InstitucionalPIT: Plano Individual de TrabalhoTA: Trabalho autónomoTEA: Trabalho de Estudo AutónomoTEIP: Território Educativo de Intervenção Prioritária MEM: Movimento da Escola Moderna

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Os testemunhos apresentados no próximo capítulo decorrem de um processo de refle-xão e aprendizagem, que procuramos descrever e explicitar nesta primeira parte.

Situamos as escolas envolvidas e os pressupostos de trabalho do agrupamento em«Projetar a ação pedagógica», onde focamos alguns aspetos do projeto educativo doagrupamento de escolas de Vialonga e a sua tradução em formação em contexto.

«Em busca de uma comunidade de aprendizagem» explicita esta formação. Descre-vemos a forma como tentámos agregar, em espaços-tempo facilitadores da reflexão, osprofessores envolvidos que, em coerência com este projeto educativo, apostam namudança em sala de aula.

Em «Diários de bordo de quem tem para contar e refletir», expomos como foi utilizadaa informação dos diários de bordo para explicitar caminhos percorridos na incitação ao tra-balho autónomo (TA), no trabalho em projeto e na regulação das aprendizagens. Quere-mos sobretudo mostrar que os diários de bordo são instrumentos ao alcance de todos,fáceis de utilizar e permitem a reflexão sobre a profissão, de uma forma simples.

Fechamos este capítulo introdutório com «Quatro professoras falam». Revelamos,através do olhar dos pivôs sobre os escritos dos seus colegas, a relação entre o disposi-tivo de formação e quatro professores, ilustrativa de quatro pontos de partida diferentes dequem fez parte desta comunidade de prática ao longo de dois anos letivos.

Projetar a ação pedagógica

O agrupamento de escolas de Vialonga integra o programa de apoio a Territórios Edu-cativos de Intervenção Prioritária (TEIP) desde 1996. Em 2008, o primeiro dos dois anos dotrabalho aqui testemunhado, era composto por quatro jardins-de-infância (Alpriate, Granja,Sta. Eulália e Vialonga), seis escolas básicas do 1.º ciclo (Alpriate, Cabo, Granja, Sta. Eulá-lia, Vialonga n.º 1 e D. Cândida, Vialonga n.º 2) e a Escola Básica de 2.º e 3.º ciclos de Via-longa (sede do agrupamento). Em 2009, este grupo foi reforçado com a nova escola daQuinta das Índias, incluída na coordenação da escola de Vialonga n.º 1 e D. Cândida. No dis-positivo de formação aqui relatado participaram professores de todas as escolas básicas do

A comunidade escolar em formação

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1.º ciclo (exceto a de Alpriate), um professor de 1.º ciclo responsável por uma turma de cur-rículo adaptado na sede do agrupamento e alguns professores do 2.º ciclo com intervençãono 1.º e no 2.º ciclos, através de oficinas de Português como Língua Não Materna (PLNM).

Escola Básica do 1.º Ciclo do CaboInserida no Cabo, uma zona com típicas características suburbanas, a escola tinha,

aquando do projeto, catorze turmas frequentadas por crianças com origens muito diver-sas: uma comunidade cigana, famílias oriundas de vários distritos do país, dos PALOP, doBrasil, de Países de Leste e da China.

Escola Básica do 1.º Ciclo e Jardim de Infância da GranjaO lugar da Granja manteve as características de aldeia, com muito pouco comércio e

apenas algumas instituições – Escola do 1.º ciclo, Sociedade Recreativa e Igreja. A escola foi remodelada há pouco tempo, havendo duas turmas de 1.º ciclo e uma de

jardim de infância. No primeiro ano do projeto, o átrio foi transformado em sala de aula,para acolher um grupo de crianças ciganas que, devido a um complicado processo de rea-lojamento, ficou sem acesso regular à escola. Criou-se uma turma provisória de acolhi-mento, tendo as crianças sido reinseridas nas turmas de proveniência ao fim de dois anos.

Escola Básica do 1.º Ciclo e Jardim de Infância de Santa EuláliaTal como a Granja, Santa Eulália é uma pequena localidade com habitação dispersa e

com uma praça central, onde fica a escola e onde convergem, «em estrela», algumasruas. Atualmente, a população mais jovem trabalha sobretudo nos serviços. Saliente-se aafluência de imigrantes romenos a esta pequena escola com duas turmas de 1.º ciclo euma de jardim de infância.

Escola Básica do 1.º Ciclo n.º 1 de Vialonga (incluindo D. Cândida e Quinta das Índias)Durante vários anos, os dois estabelecimentos inseridos nas ruas principais da vila de

Vialonga funcionaram como um só, com uma média doze turmas e partilhando o mesmocorpo docente de cerca de quinze professores. Com o objetivo de garantir a todas ascrianças o normal horário diário de atividade letiva, tornou-se premente a transferência departe dos alunos e do corpo docente para a Quinta das Índias. À data deste projeto, aescola, constituída por estes três pólos, tinha treze turmas.

Escola Básica 1.º Ciclo n.º 2 de VialongaEsta escola está inserida na zona de prédios de realojamento e de rendas sociais,

situados na encosta nordeste de Vialonga. No ano aqui descrito, a comunidade escolarcontava com 229 crianças distribuídas por treze turmas. Tinha igualmente uma oficina delíngua para vinte e quatro crianças, que utilizavam o Português como Língua Não Materna(PLNM).

18 Trabalho escolar com sentido

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Um projeto educativo propulsionador de formação em contexto

O agrupamento propõe, no contrato de autonomia, entre outros:– a melhoria da qualidade das aprendizagens traduzida no sucesso educativo dos

alunos;– o combate ao abandono escolar e às saídas precoces do sistema educativo;– a criação de condições que favoreçam a orientação educativa e a transição qua-

lificada da escola para a vida ativa.

O dispositivo de formação, considerado necessário pelo agrupamento para concreti-zar estes objetivos gerais, decorre da identificação das problemáticas feita a partir da(s)realidade(s) do conjunto das escolas. Por isso, o projeto educativo do agrupamento1

(PEA) estipula:

«Todo o trabalho que temos vindo a realizar, e que, a partir de agora, deve ser perspetivadopara um horizonte de 12 anos de escolaridade, tem como objetivo melhorar os resultados dosnossos alunos, assegurando o cumprimento, com qualidade, da escolaridade obrigatória. Daquidecorre que o diagnóstico que fazemos de cada um dos nossos alunos deve identificar, clara-mente, quais os seus pontos de partida, capacitando-nos a intervir de forma eficaz, colmatandodificuldades e valorizando potencialidades.» (PEA, 2008, p. 2).

Segundo este documento, o acompanhamento necessário passa por:

«…criar condições [aos alunos] que façam emergir o seu sentido de responsabilidade pelassuas aprendizagens, a sua capacidade de tomar decisões e a aquisição de ferramentas quelhes garantam, progressivamente, um acesso autónomo ao conhecimento, conhecimento quedeve ser entendido na sua transversalidade e complementaridade e que se expressa na capa-cidade de elaborar projetos de trabalho com recurso à pesquisa.» (PEA, 2008, p. 2).

Constata-se que:

«O nosso trabalho deverá ter como centro a sala de aula, que deve ser entendida comoespaço de aprendizagem, centrada no aluno, recorrendo a metodologias diferenciadoras2,promotoras do sucesso educativo.» (PEA, 2008, p. 4).

As metodologias diferenciadoras aparecem, assim, como objeto de trabalho nos váriosdispositivos de formação que o agrupamento propõe, no âmbito do seu projeto educativo.Neste refere-se a importância de atuar aos primeiros sinais de dificuldades dum aluno ereforça-se:

19A comunidade escolar em formação

1 http://projetos.ese.ips.vialonga, consultado em 4 de janeiro de 2011.2 Realce dos organizadores.

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«[…] com uma maior atenção no 1.º ciclo, corresponsabilizando-os pelo seu sucesso edu-cativo, mobilizando todos os recursos que estejam ao nosso alcance – materiais e humanos –e estabelecendo estratégias de diferenciação pedagógica que correspondam às suas necessi-dades.» (PEA, 2008, p. 5).

A reorganização da sala de aula aparece, igualmente, como uma ambição do PEA(2008, p. 18), associando-se-lhe um processo estruturado de formação de professores, dopré-escolar ao 9.º ano de escolaridade, em cooperação com a ESE de Setúbal e a DGIDC,a ter lugar no triénio de 2008-2011.

Afirma-se no PEA que a reorganização envolveria um trabalho que:

«… no pré-escolar e no 1.º ciclo introduz Planos Individuais de Trabalho, metodologias detrabalho autónomo, capacidade de pesquisa e produção, trabalho em projeto, sentido crítico eautorregulação de aprendizagens.» (PEA, 2008, p. 19).

Às ferramentas referidas juntam-se as que permitam levar a cabo esta diferenciaçãoincluindo assembleias de turma, apropriação de meios tecnológicos que permitam não sóa pesquisa, mas também a divulgação e a expressão de opiniões, bem como a monitori-zação:

«Desenvolver instrumentos de avaliação identificadores de progressos alcançados e apren-dizagens realizadas, resistindo à tentação de avaliar o que o aluno não sabe em vez de valori-zar percursos já efetuados. Esta avaliação deve sustentar as etapas seguintes do trabalho.»(PEA, 2008, p. 14).

A proposta de intervenção junto dos professores foi desenhada tendo em mente estespressupostos.

Iniciámos em 2008 com uma clássica oficina de formação em contexto para vinte enove pessoas, centrada no 1.º ciclo, o que representava aproximadamente cinquenta porcento do corpo docente com turma. A oficina permitiu, em primeiro lugar, acompanhar osprofessores na organização do trabalho autónomo dos alunos, desenvolvendo tutoriassempre que necessário. Em segundo lugar, facilitou e organizou a discussão sobre o tra-balho em projetos com as crianças e o seu acompanhamento. Por último, possibilitou dis-cutir e adaptar instrumentos de regulação coletiva do trabalho, tais como planos indivi-duais de trabalho, guiões de apoio para o trabalho em projeto e para o trabalho autónomo,assembleias ou conselhos de turma.

No segundo ano da intervenção neste ciclo, repetiu-se esta oficina para mais um terçodo corpo docente. Constituiu-se um pequeno grupo de pivôs internos, para quem se orga-nizou uma ação de formação específica na modalidade de projeto.

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No seguimento da primeira oficina, propôs-se uma segunda que, partindo das discus-sões em torno dos projetos curriculares de turma (PCT), permitisse a cada participanteentregar:

– o projeto curricular de turma de partida;– o projeto curricular de turma de chegada;– um texto (tipo artigo), com uma reflexão a partir das notas do diário de bordo.

Entretanto, as professoras escolhidas para pivôs comprometeram-se a acompanharas oficinas para professores do 1.º ciclo e a apoiar a condução do processo pedagógicoem curso nas várias escolas do 1.º ciclo do agrupamento.

Em busca de uma comunidade de aprendizagem

Aprender é um paciente e continuado processo de trabalho entre pessoas: de profes-sores com as crianças das suas turmas, de professores entre si, parceiros uns dos outros.Obriga a um processo de reflexão que, no caso presente, passou pela escrita, sob a sim-ples forma de diário de bordo profissional, que difere de pessoa para pessoa: para alguns,foi uma primeira experiência, incipiente; para outros, mais habituados à escrita, foi umaexperiência mais familiar, mais elaborada.

Foi claro, desde o início, que, para evoluir de uma situação de formação externa paraum processo de mudança internamente sustentável, teriam de ser propiciados tempos-espaços organizados em torno das propostas e dos desejos dos aprendentes, tanto narelação professor-criança, como na relação entre profissionais. Isomorficamente com oque se propõe para a sala de aula, quem assume o papel de formador fá-lo como media-dor. Nada de particularmente novo, quando nos lembramos de propostas de intervençãoe de formação cooperada (Niza, 1997) e de desenvolvimento de práticas reflexivas (Caná-rio e Santos (org.), 2002).

Retratamos aqui a caminhada desde a primeira oficina de formação até ao nascimentode um primeiro espaço de reflexão entre pivôs de formação, que acabou por se constituirtambém como espaço de apoio a um contexto de reflexão mais amplo dentro da comuni-dade escolar. Trata-se de um processo em curso que, na altura em que fixámos os teste-munhos, sabíamos que iria continuar no ano letivo seguinte, devido à relativa estabilidadedo corpo docente, pertencente aos quadros do agrupamento e recrutado através da ofertade escola, no sentido de valorizar a continuidade pedagógica.

Nas páginas que se seguem, debruçamo-nos sobre a mediação, a utilização dos diá-rios de bordo e a vontade de estimular uma comunidade de prática, alternando entre oolhar do formador e o das professoras que se tornaram pivôs da formação.

21A comunidade escolar em formação

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Um pouco de história

(Pascal Paulus)

Em junho de 2008, uma equipa multidisciplinar, coordenada por Ana Maria Betten-court, propõe uma intervenção em profundidade no agrupamento de Vialonga, incluídanum projeto de formação-investigação-ação apresentado à DGIDC.1 A proposta decorrede um conjunto de conclusões apresentadas num relatório de projeto, também coorde-nado por Ana Maria Bettencourt, que evidenciam o pouco tempo de trabalho das criançasna escola e a desorientação generalizada no desenvolvimento das áreas curriculares nãodisciplinares.2

Neste relatório, constatam-se duas realidades: em primeiro lugar, o facto de as crian-ças trabalharem muito tempo fora da escola e pouco dentro dela e, em segundo lugar, ofacto de, na opinião dos professores do 2.º ciclo, as crianças do 1.º ciclo apresentarempouca autonomia na realização individual ou coletiva das atividades, bem como na orga-nização do seu tempo e do seu espaço.

Em resposta à primeira constatação, optámos por sugerir uma intervenção no sentidode modificar a relação pedagógica com os alunos, valorizando antes o eixo aluno-saber,ideia central do paradigma de «aprendizagem» referido por Houssaye (2004, p. 38), e nãotanto o eixo professor-saber, que o mesmo autor identifica como paradigma escolar de«ensino». Assim, procurámos delinear um percurso formativo de grupo assente na cola-boração, em que o aprendente – professor ou aluno – domina o seu próprio processo deaprendizagem e no qual o formador ou o professor se assume como mediador do pro-cesso de aprendizagem de cada um.

A segunda constatação levou-nos aos seguintes pressupostos:

– os professores que se limitam ao paradigma «ensinar» verificam que os seusalunos não são recipientes eficazes para o armazenamento da informação trans-mitida;

– os professores do 1.º ciclo, limitando-se ao paradigma «ensinar», organizam to-das as atividades para as crianças, não tendo elas nenhuma autonomia de ação.

Em ambos os pressupostos, os professores contribuem para a normalização de com-portamentos e não para o ganho de uma verdadeira autonomia.

De facto, ao longo do primeiro ano do percurso formativo, observámos que os profes-sores do 1.º e do 2.º ciclos, longe de mediarem a aprendizagem das crianças, procuravamformas de tornar mais eficaz o «retorno dos depósitos» que procuravam fazer, para utili-

22 Trabalho escolar com sentido

1 Bettencourt, Ana Maria (2007). Ver referências bibliográficas.2 Bettencourt, Ana Maria (2009). Ver referências bibliográficas.

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zar uma imagem freiriana. Enquanto uns procuraram formas eficazes de «ocupar os tem-pos mortos» daquelas crianças que «se despacham» sempre primeiro, pois são mais rápi-das do que as outras, preenchendo assim o que consideravam ser o tempo de trabalhoautónomo, os segundos começaram por experimentar o «fatiamento» organizado das dis-ciplinas, elaborando «pacotes».

Foi necessário começar por discutir com os dois grupos de professores o conceito deautonomia, reflexão para a qual utilizámos um texto escrito.1

Com os professores do 1.º ciclo discutiu-se a gestão transversal do currículo e defi-niram-se, em consonância com o PEA, os assuntos a trabalhar nesta ação de formação:i) o trabalho autónomo e regulado e ii) o trabalho em projeto e a organização do tempo edo espaço, que permita às crianças uma maior participação na regulação das suas apren-dizagens. Introduzi-los na sala de aula implicava, à priori, algumas mudanças no processode aprendizagem-ensino. Por um lado, as crianças iriam ter conhecimento do que seriafeito na sala de aula e iriam utilizar vários instrumentos para regular o progresso das suasaprendizagens. Por outro, os professores, além de terem de lhes disponibilizar estes ins-trumentos, teriam ainda de organizar o espaço para permitir um trabalho diferenciado etraduzir as propostas das crianças em atividades (individuais e coletivas), de modo adesenvolver o projeto curricular de turma.

A difícil passagem do dossiê de turma para o projeto curricular de turma

O primeiro ano de trabalho

O início da formação permitiu um questionamento e uma primeira abordagem aoentendimento que cada participante tinha sobre o significado de trabalho autónomo, tra-balho em projeto, instrumentos de regulação, regulação coletiva da ação na sala de aulae projeto curricular de turma.

Foram levantados obstáculos, normalmente de natureza administrativa: as atividadesde formação foram muitas vezes interrompidas por assuntos relacionados com o início doano letivo. Estes assuntos tinham, muitas vezes, a ver com o que se entendia ser a ela-boração dos projetos curriculares de turma (PCT), muitas vezes um dossiê enorme deinformações genéricas acerca do concelho e da escola, alguns dados atualizados acercadas crianças e um conjunto de planificações, acrescido de uma lista de efemérides a cele-brar, porque estavam previstas no plano de anual de atividades (PAA) do estabelecimento.Algumas pessoas encaravam o PCT como se de um mega-estudo do meio se tratasse,fazendo de conta que agregava todo o currículo nacional em torno de algo intitulado como«Nós e os outros», «Trabalhar Juntos», «Laços interculturais»…

23A comunidade escolar em formação

1 Paulus, Pascal (2008).

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Ao longo da formação, construiu-se uma alternativa: um documento muito mais con-ciso e que se pretendia estratégico. De facto, com o avanço do ano escolar, a discrepân-cia entre o suposto PCT, nalguns casos um «arquivo morto», e a praxis tornou-se visívelpara muitos. Ao mesmo tempo, houve um envolvimento geral dos participantes na cons-trução e adaptação de materiais facilitadores do trabalho diferenciado com os alunos. Estematerial foi encaminhado para a plataforma Moodle do projeto, onde era partilhado comtodos os formandos e formadores envolvidos.

Mais do que os dossiês, era a própria plataforma que alimentava a discussão em tornodos projetos pedagógicos das diferentes turmas, transformando-se numa projeção cole-tiva e dinâmica do trabalho proposto para as mesmas. Introduzimos, sob forma de fórumna plataforma Moodle, um apoio coletivo «eu preciso de», acompanhando um guião deplanificação do trabalho em sala, para ser usado entre duas sessões de formação. O grupode professores construiu, pouco a pouco, um arquivo de instrumentos coletivo e um es-paço para a discussão sobre o desenvolvimento dos trabalhos nas diferentes salas.

Das vinte e nove pessoas que acabaram a oficina, onze apresentaram uma comuni-cação no seminário de fim de ano, na Escola Superior de Educação de Setúbal (ESES).Estas comunicações basearam-se em produções dos alunos e descrições de processosque documentaram as fichas de trabalho quinzenais exigidas na oficina.

Organizando o 2.º ano de trabalho

As discussões ao longo do primeiro ano, mas sobretudo as discussões que antecede-ram a preparação do seminário de troca de experiências acima referido revelaram clara-mente a ausência de um documento credível que caracterizasse, projetasse e avaliasse otrabalho feito pela turma.

Até ao fim do primeiro ano de formação, consolidou-se a organização do trabalho autó-nomo na sala de aula e avançou-se um pouco na sua regulação. Na maioria das turmas,as crianças passaram a saber com antecedência (normalmente de uma semana) o queseria abordado nos momentos coletivos, nos tempos do professor e ainda que tempo lhesera reservado para o trabalho autónomo. Nalgumas (poucas) situações, a gestão das ati-vidades tornou-se participativa e as reuniões de regulação do trabalho ganharam umaagenda, uma rotina e clarificou-se que elas constituíam um espaço-tempo para, em pri-meira instância, crianças e adultos discutirem a organização do trabalho da turma. Váriasturmas organizaram-se em torno de projetos coletivos ou de pequeno grupo. Verificámosuma crescente reflexão em torno do projeto curricular de turma e a cogestão da turmapelas crianças deixou de ser vista como uma utopia impossível de alcançar.

Mas, por norma, o PCT continuava a ser um dossiê de informações e não um docu-mento estratégico. Por essa razão, no início do ano letivo, foi apresentada uma matriz paraa elaboração do PCT, enquanto documento estratégico para a condução do processo de

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aprendizagem dos alunos1, tornando-se um dos principais objetos de estudo, no segundoano da oficina de formação:

«Existe alguma dificuldade em passar a escrito, no projeto curricular de turma, a informa-ção acerca da organização do trabalho e dos tempos, decorrente da introdução dos tempos detrabalho de estudo autónomo. A organização de assembleias de turma ou conselhos de coope-ração é uma prática ainda muito incipiente […]. Na reformulação da oficina para o primeiro ciclo,terá de se dar mais ênfase ao projeto curricular de turma, que dificilmente se organiza como umguião de trabalho e continua a ser apresentado, em muitos casos, como um mero diagnósticode uma situação.» (Paulus (2009), p. 7).

Consolidar a prática de gestão do currículo participada por crianças e adultos impunhauma permanente reflexão em torno do PCT e da sua gestão, o que, por sua vez, obrigavaa uma mediação mais eficaz e profunda e ao desenho da função de facilitador interno – afigura de pivô de formação/mediação –, prevendo-se formação em contexto específicopara acompanhar estes pivôs.

Na reformulação da proposta inicial dirigida à DGIDC, incluiu-se uma intervençãoespecífica:

«As ações de formação inscritas neste programa são todas centradas na formação de for-madores. Os destinatários são potenciais formadores, dada a sua função (coordenadores dedepartamento, diretores de turma e coordenadores de estabelecimento de 1.º ciclo ou de Jar-dim de Infância), ou porque são pivôs para projetos específicos.» (Pinto (2009), p. 10).

No primeiro ciclo e a partir do segundo ano, recorremos a uma oficina mensal, fazendolembrar o antigo conselho de docentes, em muitos agrupamentos substituído por reuniõesde teor mais burocrático. Estas reuniões mensais foram organizadas a partir da leitura e dainterpretação dos diários de bordo profissionais, que cada um se comprometeu a manter ecujos registos deveriam refletir a evolução do PCT. Até o fim deste ano, os PCT tinham-setornado instrumentos de planificação e avaliação em torno de quatro tópicos: (1) quemsomos, (2) o que vamos fazer, (3) como vamos fazer e (4) como avaliamos o que fizemos.

Assumir a diferenciação

A par da oficina mensal, teve lugar uma ação de formação acreditada na modalidadede projeto, para os professores que, enquanto pivôs, teriam que tratar e selecionar a infor-mação presente nos diários de bordo. Cientes de que os próprios formandos-professores,habituados a um modo de trabalho pedagógico eminentemente transmissivo e de orienta-ção normativa2, poderiam sentir dificuldades na conceptualização da formação como

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1 A proposta está na plataforma Moodle do projeto.2 Lesne, Marcel (1977). Ver referências bibliográficas.

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estratégia de mediação da reflexão, pareceu-nos importante introduzir no contexto forma-tivo instrumentos facilitadores para a inscrição de cada um dos participantes na gestão daprópria formação:

«Para acompanhar o 1.º ciclo, procurámos estratégias para que o contexto de formaçãofosse o mais isomorfo possível com o trabalho que propomos que os professores desenvolvamna sua sala de aula. Implicou um reconhecimento do terreno e da situação que se revelou com-plexo e moroso. Obrigámo-nos a perceber os pontos de partida de cada um dos formandos,para apresentarmos uma formação diversificada e adaptada a cada um dos professores ou dasequipas de professores.

Desenvolvemos uma formação modular, com propostas muitas vezes diversificadas e ins-trumentos de regulação, que permitem aos formandos intervir ativamente no decorrer da pró-pria formação.».

(Paulus e Valente Pires (2009), p. 8).

Mantivemos uma espécie de currículo formal da formação, pedindo aos formandosque discutissem e refletissem os seus contributos à luz do mesmo, procurando dar-lhe res-posta, negociando o seu cumprimento e avaliando o que se alcançou. Finalmente, o grupoassumiu a diferenciação pedagógica, reconhecendo a diversidade existente na sala deaula, pelo simples facto de uma turma ser constituída por vinte a vinte e cinco pessoasdiferentes.

A incitação à reflexão permitiu que cada um pudesse encontrar novos espaços de tra-balho. Ultrapassada a fase da procura de formação «empacotada» e de modelos, algunsmembros colocaram-se mais numa dinâmica de reflexão mediada do que na lógica de fre-quentar mais uma ação de formação.

Muito por causa do trabalho de alguns dos pivôs, surgiu um novo grupo de autoforma-ção cooperada, em que se passaram a trocar experiências de trabalho e em que a media-ção era feita entre colegas. Assim, foi constituída uma espécie de mini-comunidade deaprendizagem, tornando endógena a procura, para fomentar a reflexão em torno da prá-tica pedagógica no seio da sua comunidade.

Aprender enquanto pivô, contado por...

… FERNANDA CACHAÇO...

No ano passado, frequentei também esta ação de formação e tive o privilégio de estarcom uma turma do ensino regular. Implementei as práticas inovadoras que íamos conhe-cendo e adquirindo/sistematizando. Uma vez que sou professora de Educação Especial,trabalho com os alunos a nível individual ou em pequeno grupo e não tenho uma turmaonde possa aplicar estas novas pedagogias.

No início deste ano escolar, recebi a proposta da direção do agrupamento para meintegrar num grupo de trabalho, com a função de organizar/articular e trocar informações

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entre o formador e as formandas desta ação de formação. O grupo de pivôs foi sempremuito dinâmico e a experiência de participação neste grupo foi bastante enriquecedorapara mim.

As reuniões começaram e, com elas, a minha tarefa de fazer chegar às outras cole-gas as informações resultantes das reuniões entre pivôs.

Através da sua própria reflexão, ouvi atentamente tudo o que foi referido em relaçãoaos resultados, às incertezas e aos desafios do dia a dia que as minhas colegas partilha-vam com os alunos e com os colegas.

Senti-me envolvida por todas as novas práticas que as colegas implementaram (ouque já utilizavam) nas suas salas.

Como pivô, transmiti as informações discutidas e, nas reuniões, coloquei as dúvidasdas professoras envolvidas. Elas iam-nas partilhando comigo e eu ia servindo de elo deligação entre o formador e as/o formandas/o.

Tenho de referir que nem sempre a tarefa foi fácil. Por vezes, as colegas referiam asdificuldades que tinham em dar continuidade ao projeto: algumas referiam a falta de tempo;outras, o facto de estarem a frequentar duas ações de formação. Eu própria frequentei duasações e ainda pertenci a este grupo, por isso, compreendi as suas preocupações. Noentanto, o facto de eu não ter turma foi para mim, como pivô, o maior obstáculo. Penso que,vivenciando esta experiência, seria mais fácil para mim interagir como as outras pivôs.

Sempre que me foi possível, estive em contacto com as colegas da ação de formação,embora elas estivessem a lecionar em escolas diferentes. Gostaria de ter sido mais dinâ-mica em todo este processo, mas é minha convicção que me empenhei e reconheço queos poucos conhecimentos informáticos que possuo foram uma das minhas limitações,uma vez que era preciso sistematizar a informação em formato digital.

Apraz-me dizer que esta ação incentivou a mudança de algumas práticas e lamentoque em algumas turmas a mudança não tivesse sido mais significativa.

Por fim, quero ainda referir que houve colegas que não pertenciam a esta ação e queprocuraram implementar nas suas salas de aula novas práticas educativas. Para isso, foiimportante o facto de as discussões serem alargadas a todos os professores da escola enão apenas aos formandos, assim como a partilha dos vários espaços e tempos daescola. A formação prolongou-se, pois, para além das sessões presenciais da ação.

… CÉLIA GANHÃO, NATÁLIA GOMES E FILIPA RODRIGUES ...

Neste segundo ano da ação, foi criado um grupo de pivôs para que se pudesse darapoio aos professores que, de algum modo, ainda não tivessem interiorizado o processode trabalho proposto.

O grupo de trabalho de pivôs tinha reuniões quinzenais com o formador, onde eramcolocadas as dúvidas e ansiedades que nos eram transmitidas pelas colegas na escola.

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28 Trabalho escolar com sentido

Nestas reuniões, eram lançados desafios para sensibilizar os professores a mudarem assuas práticas. Foi também organizado o trabalho a pedir aos professores em formação(PCT, diários de bordo, trabalhos de projeto…) e discutiu-se a planificação das sessõespresenciais a realizar todos os meses.

Inicialmente houve alguma dificuldade na compreensão do papel dos pivôs, como sepode ver nos registos dos nossos diários de bordo:

«As colegas viam-me como alguém […] que se queria intrometer no trabalho delas. Aolongo do ano, esta imagem foi-se alterando: as colegas já colocavam dúvidas e faziam pergun-tas; no entanto, foi complicado cumprir os prazos estipulados para a entrega dos trabalhos soli-citados para a formação.» (FR);

«No início, os pivôs foram, por vezes, vistos como ‘inspetores de trabalho’. Havia algumreceio no que respeita à colocação de dúvidas e, quanto à comunicação do ‘trabalho encomen-dado’ pelo formador, muitas vezes entendiam que não teríamos de ser nós a fazê-la.» (CG)

«Foi com alguma dificuldade, mas com muita persistência que se levou até ao final o traba-lho de pivô que nos foi solicitado pelo formador. Não foi compreendida a função que estes ti-nham na escola… Era necessário incentivar, motivar, responder às solicitações, ajudar….» (NG).

Sabemos que foi um ano cheio de desafios, de muito trabalho, mas que nos enrique-ceu e nos fez crescer, abraçar novos desafios e não lhes virar as costas, mesmo quandoas dificuldades criadas por outros não nos deixavam avançar como gostaríamos.

… NATÁLIA GOMES ....

No ano transato, fiz esta mesma ação de formação do nível I, que me trouxe um outroconhecimento acerca do trabalho em sala de aula, pois embora o fizesse enquanto pro-fessora titular de turma, não lhe dava a importância que hoje reconheço ser necessária.

Foi com bastante interesse e empenho que participei, este ano, na ação do nível II. Aolongo do ano, o meu trabalho enquanto pivô foi diversificado.

Iniciei-o sem saber ao certo o que se pretendia, com pouca informação dada às outrascolegas que frequentavam a mesma ação, pelo que houve alguns constrangimentos.Estes foram sentidos nos momentos em que tínhamos de informar o grupo da ação de for-mação sobre o trabalho a fazer em função do que era pedido às pivôs.

É de salientar que, enquanto coordenadora de escola, tenho também uma perspetivamais próxima do trabalho realizado em sala de aula. Enquanto umas pessoas partilhavamideias e materiais para implementar o tempo de trabalho autónomo, outras distanciavam-se…

Foi assim que nos ocorreu criar um grupo de trabalho cooperativo para partilhar e res-ponder às dúvidas do dia a dia. Contactámos a Cármen Correia1, que logo se dispôs a virpartilhar connosco tudo aquilo que faz. Foi um sucesso para aqueles que connosco partilha-

1 Professora contratada pelo agrupamento, a trabalhar na EB1 /JI de Granja.

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ram estes três momentos de formação possíveis ao longo do ano. Foi também nestesmomentos que estive mais próxima do trabalho desenvolvido em sala de aula. Na escola, fuiobservando algumas evidências: nalgumas salas, os trabalhos de texto e a autonomia sãonotórios; noutras salas, o comportamento dos alunos melhorou, após a introdução de con-selhos de turma ou assembleias de turma; encontrei os meninos ciganos, na biblioteca daescola, à procura de livros e a fazerem pesquisas na internet para a elaboração dos seusprojetos; os meninos do 1.º ano fizeram coisas bonitas. Mas o que deu mais sentido a estesmomentos complementares à formação foi, sem dúvida, quem, não tendo frequentadonenhuma formação e tendo iniciado há pouco a vida profissional, colocou sempre questõespertinentes e procurou respostas para as mesmas dentro e fora do grupo e da escola.

Em geral, todas as colegas, mesmo as que por questões de horário não podiam par-ticipar na formação, mostraram interesse pelos temas, fizeram algumas mudanças nassuas práticas de sala de aula e na organização do espaço, de modo a poderem fazer umtrabalho melhor e mais diversificado.

Claro que a responsável pelo Gabinete de Apoio ao Aluno e à Família (GAAF), amediadora socioeducativa e eu própria ficámos orgulhosas do trabalho desenvolvido pelosnossos colegas e pelos sucessos obtidos pelos nossos alunos. Foi também importanteverificarmos que aos alunos mais «em apuros» foi dada a resposta possível, indo aoencontro dos seus interesses.

Aprendi muito em todos os espaços de formação em que estive envolvida, o que mepermitiu dar resposta ao que me era solicitado pelos professores, na escola, e tambémpelos alunos, nos momentos de recreio. Foi sem dúvida um ano muito enriquecedor! Foium ano em que pude confirmar que «eu tenho um saber que ponho à tua disposição paraque tu faças uso dele.»

… CARMEN CORREIA

Integrei o grupo de pivôs depois de a Susana Vaz entrar em licença de maternidade.Sabia que não a ia substituir, nem em termos de presença, nem de reflexão. Sabia que iaintegrar mais um espaço de reflexão no meu agrupamento, onde poderia aprender e inte-ragir mais de perto com o que é escrito pelos professores e com as suas dificuldades.

Os meus principais contributos nas reuniões de pivôs foram ouvir e fazer perguntassobre o que ouvia. Problematizei o que me era contado e relatei práticas de professoresque já conheço. Pensei com os outros sobre a prática pedagógica – a que nos é possívelter, dadas as nossas limitações, e a que gostaríamos de ter. Para mim, professora aindano início da profissão, não há nada mais gratificante do que estar à volta da mesa, falarsobre o que fazemos, expor as nossas dúvidas e procurar soluções em conjunto.

Sem ter feito o tratamento da informação recolhida nos escritos dos formandos, ouvios constrangimentos relatados, quando referiam as experimentações dos professoresenvolvidos na ação. Apercebi-me, mais uma vez, de que a implementação do trabalho

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autónomo e do trabalho em projeto envolve muitos medos. Podemos evocar sempre afalta de material e de condições físicas (todos nós já o fizemos!), mas são sobretudo osnossos medos que nos impedem de avançar, de mudar as nossas práticas. Precisamosde nos sentir seguros e acompanhados por outros que já têm uma prática com momentosprivilegiados de diferenciação pedagógica. Por isso, fazer parte deste grupo foi mais umaoportunidade para ouvir os medos que são também os meus, ouvir formas de resolver asdificuldades que surgem e dar a conhecer o que faço na sala. Porém, o mais relevante foio facto de relatar o trabalho diferenciado desenvolvido, em sala de aula, por colegas deoutros agrupamentos e partilhar a reflexão que fiz com eles, no âmbito de grupos de auto-formação cooperada.

Ser pivô pressupõe ter um grande conhecimento (o melhor possível) sobre a realidadeescolar, as crianças, o trabalho exigido aos professores pelo agrupamento e pelas diferen-tes ações de formação em curso, o trabalho dos professores para preparar as sessõespresenciais e organizar o trabalho da ação, de forma a responder às necessidades damaioria dos formandos. Por isso, ser pivô foi muito mais do que estar nas reuniões com oformador: foi sobretudo aproveitar os momentos em que estava com os professores, emoutras ações de formação ou num grupo de autoformação cooperada, para os ouvir falarsobre o que estão a fazer com as crianças, para conhecer outras realidades e outras for-mas de estar e refletir sobre a profissão.

Fazer parte de um grupo de pivôs implicou ainda uma grande disponibilidade e humil-dade, para ouvir o que queriam contar sobre a sua prática. Muitas vezes, foi preciso dizerque eu também enfrentava as dificuldades que encontravam e dar conta dos pequenosavanços que conseguiam e que ainda não conseguiam ver.

Em suma, ser pivô foi reconhecer que fazemos parte de um conjunto de profissionaisque apenas juntos podem refletir sobre a profissão e melhorá-la.

Notas

No ano letivo seguinte, o trabalho de pivô não teve continuidade no 1.º ciclo, porrazões logísticas que se prendiam com a intervenção formativa e com as horas disponí-veis. De qualquer forma, procurou-se que o pivô desenvolvesse a sua ação à imagem do«amigo crítico» proposto por Anne Jorro (2006). Além de conhecer bem o contexto, teruma turma é uma vantagem, «parce que on sait d’où on parle», para utilizar uma expres-são de Fernand Oury. Procurou-se facilitar a reflexão, com o olhar «externo» de alguémque está na escola para ajudar a perceber o que se passa em sala de aula. Esta vontadede perceber e o olhar privilegiado sobre o trabalho propiciaram uma situação de humildade– ainda mais necessária quando existia alguma dúvida inicial sobre o seu papel, como nocaso daqueles que se assumiram como pivôs entre pares. Os testemunhos coincidem:não foi fácil, às vezes apeteceu desistir mas, por outro lado, aprendeu-se a gerir melhoras próprias aprendizagens e as dos outros.

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Diários de bordo – a importância de escrever, para contar e refletir

Em todo o processo de formação desenvolvido, considerámos o diário de bordo profis-sional um importante instrumento de autoformação e, ao mesmo tempo, um documento faci-litador da partilha de experiências e das discussões mensais inscritas na segunda oficina deformação. Propusemos a todos os participantes escrever sobre o que lhes parecia mais sig-nificativo no trabalho, tendo o PCT em mente e olhando criticamente para a evolução dascrianças e do próprio professor em sala de aula. Depois de um ano e meio de trabalho,dezoito professores mantinham este diário para perceberem melhor o seu PCT ou, no casode não serem titulares de turma, um projeto de trabalho concebido como projeto estratégico.

Tínhamos sugerido fazer uma nova leitura dos seus apontamentos, de quinze emquinze dias, utilizando este projeto estratégico como espelho, e destacar o que conside-rassem as ocorrências mais significativas e críticas. Estas ocorrências eram devolvidas àsprofessoras-pivô e ao formador, para que preparassem as sessões mensais da ação.

Desta forma, o diário de bordo serviu como base para a reflexão individual e coletivaem torno da atuação em sala de aula. Continuava-se a focar o que desde o início foramconsiderados temas-chave: o trabalho autónomo, o trabalho em projetos e a regulaçãoparticipada e partilhada das aprendizagens.

Uma vez identificadas, as ocorrências críticas eram disponibilizadas a todos pelos pivôsda ação de formação, que procederam à sua recolha e análise e as completaram comsugestões de assuntos a abordar na reunião mensal com todas as pessoas envolvidas.Agrupam-se aqui algumas ocorrências críticas extraídas dos diários de bordo, referentes aosprimeiros seis meses de trabalho. Trata-se de um olhar coletivo, no meio de um processo aque se acrescentam, mais adiante, os olhares individuais de cada um dos participantes.

O trabalho autónomo

A introdução de momentos de trabalho autónomo dos alunos, regulados pelos própriose mediados pelo professor, não foi pacífica. Em fevereiro do segundo ano de trabalho,ainda se confundia o espaço-tempo de trabalho autónomo com o instrumento que o regula:

«O plano individual de trabalho (PIT)1 continua a funcionar no final do dia.».2

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1 Instrumento que permite a planificação e a avaliação do trabalho semanal. É utilizado pelos professorese sócios do Movimento da Escola Moderna e de grupos de trabalho da Pedagogia Institucional e existe em múl-tiplas versões. Na plataforma Moodle, utilizada durante a intervenção, encontram-se uma série de exemplosadaptados pelos professores envolvidos.

2 Os excertos em itálico são retirados da análise das ocorrências críticas focadas pelos próprios autoresdos diários de bordo. Trata-se de um universo de 18 professores de 4 escolas. Os registos completos estão naplataforma Moodle que o grupo utilizou: http://projetos.ese.ips.pt/moodle/course/view.php?id=213, consultadoem 20 de janeiro de 2011.

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Nalguns casos, a própria gestão do tempo ainda perturba: como fazer para anotar ostempos de Língua Portuguesa, Matemática, Estudo do Meio e Expressões, se os momen-tos de trabalho obedecem a uma lógica de leitura transversal do currículo, em que a diver-sificação implica não só as atividades de uma área curricular, mas também a abordagemdas várias áreas?

«(Sinto) dificuldades em “encaixar” o PIT num tempo definido no horário da turma».

Como inscrever um melhoramento de texto num trabalho em projeto, no qual parte dogrupo trabalhava, enquanto outros treinavam ortografia ou operações aritméticas, recor-rendo a ficheiros de trabalho ou ao manual adotado pela escola? Percebeu-se tambémque os registos e instrumentos de pilotagem da turma se deviam manter simples e teremsentido para os intervenientes, crianças e adultos:

«Ao longo do período, perdi a noção dos apoios individuais que dei, apesar de escrever noPIT deles… ainda não sei se no próximo período vamos ter um registo para marcar os apoiosdo professor e as parcerias de trabalho ou se é demasiado burocrático.».

Contudo, depois de ano e meio de intervenção, tornou-se mais claro que o trabalhoautónomo dos alunos obriga a uma gestão do espaço e do tempo que ultrapassa a ocu-pação de momentos mortos e que se trata efetivamente de uma implicação direta de cadauma das crianças como agente da sua própria aprendizagem:

«Introduzi uma nova grelha de PIT, baseada na grelha da Carmen. Achei esta grelha bas-tante interessante, pois responsabiliza os alunos em todo o seu processo de aprendizagem,quer no tempo de estudo autónomo (TEA) quer no tempo de trabalho coletivo.».

Se, para algumas pessoas, a relação entre um plano individual de trabalho mais estru-turado e evoluído e os momentos de trabalho autónomo se exprimiu através da identifica-ção de «atividade PIT», para outros, a falta de um instrumento deste tipo evidenciava ofraco desenvolvimento dado ao trabalho autónomo:

«Assim, creio ser necessário colocar, no plano de trabalho, algumas propostas de trabalhoautónomo, para evitar os tempos mortos nestas situações e para não prejudicar as criançascom ritmos de trabalho mais rápidos.».

Existe um conjunto de afirmações que revelam dúvidas e angústias, no início do anoletivo:

«Alguns alunos revelam bastante imaturidade/insegurança na participação no TEA.».

Ao longo dos primeiros seis meses, mantiveram-se algumas dúvidas e angústias:

«Sinto que os apoio muito e que sou bastante controladora: se me parece que não estão afazer nada, pergunto várias vezes o que estão a fazer. Eles têm-me mostrado que são sérios eque trabalham efetivamente, mas para mim ainda são demasiado lentos.».

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Não foi sempre fácil para os professores tirarem as ilações do que se constatava:

«Sinto que todo o tempo de TEA é pouco. Os meninos têm tantas dificuldades e precisamtanto de mim… cada um com a sua especificidade.».

Se uns se ficavam pela constatação, outros decidiam disponibilizar mais tempo para otrabalho autónomo, quando entendiam que as crianças ganhavam capacidade organizativa:

«Os alunos já se aperceberam de que o PIT é uma «folha» que os orienta – eles sabem oque têm de fazer numa determinada semana no TA e sabem avaliar o seu trabalho; se cumpri-ram ou não a previsão do trabalho a realizar.».

Há alterações introduzidas pelos adultos sem ficar claro se elas são previamente dis-cutidas com o grupo de crianças. Às vezes parece tratar-se de uma «dádiva», de umaoferta de mais tempo:

«(Alteração do TA para o primeiro tempo letivo). Alteração bastante positiva, pois os alunosestão mais concentrados, permite um melhor trabalho que incide nas dificuldades dos alunos.Com esta mudança, os alunos tornaram-se mais produtivos; no entanto, tenho receio de queeste tempo esteja a “roubar” muito tempo para as atividades do grande grupo. Tenho receio deestar sempre a apoiar o pequeno grupo, quando há dúvidas que poderiam ser tiradas no grandegrupo, para proveito de todos.».

Porém, ao longo da primeira metade do segundo ano de intervenção, notou-se a con-solidação do conceito de trabalho autónomo:

«Os meninos do primeiro ano têm um bom ritmo de trabalho e são eles quem mais puxapelos mais velhos [do segundo ano]. Partilham ainda os mesmos manuais e alguns do primeiroano já vão bem mais avançados nos manuais. Adoram trabalhar e saber que já têm muita coisafeita, é apenas um motivo para fazerem ainda mais! Os meninos do segundo ano ficam muitasvezes espantados e não percebem como é que eles já têm aquilo tudo feito!».

E aparecem referências à mediação da aprendizagem:

«Sinto que os alunos, inteligentes como são, fogem das atividades que ainda lhes são difí-ceis, até mesmo daquelas que lhes são aparentemente difíceis. O ficheiro de problemas é umbom exemplo disso: os alunos pedem-me sempre ajuda quando querem trabalhar neste ficheiroe depois, na resolução, percebem que não tinham assim tantas dificuldades como pensavam.».

A mediação das aprendizagens apareceu não só como tema de reflexão acerca do seupróprio papel, mas também na abordagem das relações pessoais e das relações com osaber:

«Durante a reunião de pivôs, abordei este tema e parece-me que a minha resolução estácorreta. Eu já usava as tutorias de forma implícita, agora vou mesmo usá-las de forma sistema-tizada, regular e sem preocupações de estar a prejudicar seja quem for. Vou usar uma grelha

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parecida com a da Filipa para planificar os dias das ajudas: quem vai ajudar quem. Esta grelhaserá preenchida de acordo com as dificuldades que os alunos apresentam, quando avaliamoso PIT, e também de acordo com a minha opinião. No segundo período, começamos e depoisvamos vendo como corre...».

«Os meninos ganharam consciência de que precisam de trabalhar e de fazer mais traba-lhos. Sinto que os incentivo a fazer muitas atividades, muitas coisas.».

O trabalho em projeto

Desde o começo, definimos que se ia trabalhar e refletir em torno de três aspetos darelação pedagógica: a estimulação do trabalho autónomo, a devolução do sentido às ati-vidades escolares, através do trabalho em projeto, e a procura de uma relação da criançacom o saber, valorizando a aprendizagem mediada.

Os diários de bordo revelam que o trabalho em projeto é definitivamente o que levantamais dúvidas e o que é propício a mais interpretações, sem dúvida, devido à conceçãoredutora do conceito de projeto. É invariavelmente associado, no pré-escolar e no 1.º ciclo,a um sucedâneo de primeira ciência denominado de Estudo do Meio e assim, muitasvezes, não passa de uma reprodução de respostas a perguntas previamente formuladase já largamente respondidas. Este tipo de «falsos projetos», que não passam de um«embrulho» para as aulas, era testemunhado em afirmações como:

«Na sequência do estudo dos sólidos geométricos surgiu uma ideia de construir umamaqueta “A cidade dos sólidos geométricos” (ainda não foi iniciada)».

Quando os alunos tomavam a iniciativa para ir além da fixação da resposta previa-mente definida, hesitava-se:

«No seguimento das atividades do Dia da Alimentação, uma aluna sugeriu fazer uma reco-lha de receitas, outra propôs que fossem só as receitas preferidas da turma, incluindo uma refei-ção, uma sobremesa e uma bebida. No entanto, ficou no ar a sugestão de se realizarem algu-mas destas receitas ao longo do ano (apenas as possíveis). Quero referir que ainda não seicomo organizar esta atividade, que poderá ser feita todas as semanas por um grupo de alunosmediante inscrições.».

Nalgumas situações, os alunos pareciam responder como era esperado a projetos pre-viamente definidos; no exemplo que se segue, talvez mesmo por causa da excessivamediatização do assunto:

«O trabalho em projeto tem suscitado bastante interesse por parte dos alunos. Têm-semostrado bastante empenhados nas pesquisas, seleção e organização da informação (trabalhosobre a Gripe A).».

Tal como nas primeiras abordagens ao trabalho autónomo, encontrávamos situaçõesem que se confundia o trabalho com o instrumento de apoio para o realizar:

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«No trabalho em projeto os alunos preenchem uma grelha em grupo com: nome do projeto,início, data da apresentação, o que já sabem sobre o tema escolhido, o que precisam, o quequerem saber, onde vão procurar.».

Nalgumas situações, a mediação da aprendizagem estava ausente ou, pelo menos,deslocada:

«Não sei se fiz de maneira correta: primeiro, dei total liberdade na pesquisa, recolha e sele-ção da informação e só no fim de as perguntas estarem respondidas é que fui analisar. Corrigie pedi aos alunos para reformularem as respostas. Será mais vantajoso fazer esta intervençãoquando a fiz ou durante todo o processo?».

Às vezes, a ação da professora limitou-se a constatar que as crianças não eram capa-zes de realizar a tarefa ou que se mostravam pouco interessadas:

«Alguns alunos revelam bastante imaturidade/insegurança na participação nos projetos ehá elementos no grupo de trabalho que revelam mais interesse e trabalham mais.».

Em outras situações, registou-se a satisfação das crianças nestes momentos:

«Maior aposta no trabalho em projeto. Nota-se uma enorme vontade, entusiasmo e motiva-ção para este tipo de trabalho. Os alunos adoram este tempo.».

Há igualmente afirmações, às vezes ainda pouco refletidas, que mostram que as crian-ças ganhavam autonomia de trabalho e uma nova relação com o saber:

«No estudo dos ossos, uma aluna teve a ideia de trazer uma radiografia dela para mostraraos colegas da turma. Por coincidência, no dia em que a trouxe, íamos estudar os ossos dacabeça e, como a radiografia era precisamente da cabeça, aproveitei-a para a sessão coletivade trabalho curricular. Os alunos mostraram-se mais atentos e curiosos por observarem ossosde uma das colegas. No dia seguinte, uma outra aluna trouxe várias radiografias de várias par-tes do corpo, que aproveitei para rever e identificar os ossos estudados.».

Contudo, a constatação de que o trabalho em projeto devolveu às crianças o sentidodas aprendizagens, nem sempre levou ao assumir de uma nova agenda de trabalho:

«Noto uma grande desilusão dos alunos quando está programado realizarmos TP e depoisnão temos tempo para o fazer.».

A constatação destas ocorrências críticas levou-nos a uma sessão de análise dos pro-dutos resultantes de trabalhos de projeto de algumas crianças que acompanhámos. Depoisdessa sessão, houve quem tivesse expressado que se via agora mais claramente a dife-rença entre produtos artificiais e produções autênticas das crianças – um aspeto queobriga, com certeza, a mais tempo de partilha das práticas e de reflexão sobre as mesmas.

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A regulação das aprendizagens

Como referimos anteriormente, na maioria das turmas, a regulação das aprendizagensé feita com base em alguns instrumentos de pilotagem simples, na altura em que surgemos testemunhos escritos que constituem este livro. O plano individual de trabalho écomummente aceite e, nalguns casos, acompanhado por listas de verificação do desen-volvimento e da aquisição de competências. Em várias turmas, o planeamento semanal éconhecido das crianças e nalgumas situações ele é feito em conjunto. Na maioria doscasos, a «burocracia comum» deriva de instrumentos de pilotagem desenvolvidos comprofessores sócios do Movimento da Escola Moderna (MEM). A pilotagem provocadapelos instrumentos levou algumas pessoas a introduzirem um conselho de alunos na suasala de aula – algures entre o conselho de cooperação (MEM), o conselho da cooperativa(Pedagogia Institucional) e a assembleia de turma –, que acaba por ser uma propostamenos focada na regulação das aprendizagens e do currículo desenvolvido na própriaturma e mais um fórum de discussão genérica.

Nalgumas situações e sempre que necessário (mesmo não sendo claro quem decidiuo que era preciso), observámos a existência de reuniões de trabalho:

«O conselho de turma é feito sempre que necessário, por isso mesmo a hora é variável;neste caso, foi feito no final da aula.».

Entretanto, foram surgindo reuniões com agenda organizada, a partir de um diário per-manente, onde cada criança e o próprio professor escreviam acerca dos acontecimentosna sala:

«Fizemos o diário de turma e acho que está a resultar bastante; sempre que possível,escrevemos o que nos vai na alma.».

Os diários de turma e as discussões que eles permitem fazem com que as reuniõesse tornem mais focadas sobre o grupo. Há turmas onde estas reuniões foram assumidascomo reuniões de conselho, centrando a discussão no que diz respeito ao grupo:

«As ocorrências positivas registadas em todos os diários foram essencialmente sobre ati-tudes em relação ao trabalho e mudanças de comportamento. […] As ocorrências negativasdizem respeito a atitudes como: tirar o lápis ou outro material, passar por cima das cadeirasdurante o recreio, correr na sala de aula. Nestes aspetos, os meninos conseguem explicar por-que o fizeram e colocar-se no lugar do outro e chegam rapidamente a uma resolução adequada:elaboram uma regra, fazem o compromisso de tentar não fazer.».

Algumas das turmas começaram a incluir a avaliação do trabalho realizado na sala deaula:

«Na segunda-feira, fazemos a avaliação das tarefas, dos planos individuais de trabalho e aplanificação do trabalho.».

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Passou-se a registar o que foi decidido e todos os elementos do grupo, crianças eadulto(s), passaram a ser capazes de controlar-se, tendo presentes as regras que haviamdecidido em conjunto:

«Quando se trata de uma questão que já foi discutida em conselho, relembramos só aregra.».

Mais professores salientam dúvidas e as discussões que elas provocam nas ocorrên-cias críticas, que anotam quando releem os seus diários de bordo:

«Quero começar este mês com o conselho de turma, mas não sei se estamos preparados(alunos + professora!)».

«Com a angústia de ter tantas críticas no diário, optei, por sugestão de um colega, por lero diário antes do conselho e agrupar algumas críticas sobre o mesmo assunto ou com as mes-mas características, mesmo que fossem de intervenientes diferentes. O facto de agrupar críti-cas ajudou o grupo a resolver uma série de problemas de uma só vez e, principalmente, a per-ceber que havia questões de fácil resolução e outras de difícil.».

A reflexão a partir do próprio diário, eventualmente combinada com a discussãodurante os encontros mensais, permitiu alterações:

«Mudei a disposição da sala durante o conselho. Os alunos continuam em círculo, masestão sentados com a sua mesa à frente. Assim, acabaram-se as pernas a abanar e as másposturas corporais.».

Ainda assim, admite-se que se trata de um processo difícil e muitas vezes moroso:

«O C.T. desespera-me, só falamos de comportamentos, ou melhor, de maus comportamen-tos. Tenho de encontrar uma maneira de resolver esta situação.».

Como acabamos de ver, a sistematização mensal das ocorrências críticas, solicitadaa todas as pessoas que participavam na formação, facilitava a orientação das discussõescoletivas, em reuniões mensais. Iriam também ajudar cada um na escolha de um tema deescrita que ilustrasse como aprendeu a organizar-se melhor, face à diversidade existentena turma.

Quatro professoras falam

No próximo capítulo «Projetar turmas em parceria» agrupamos as reflexões, escritaspelos próprios professores a partir dos seus diários de bordo e como resultado do conjuntode discussões mensais coletivas. Os escritos constituem uma síntese das reflexões, dife-rentes entre elas, dependendo de cada pessoa e da sua própria história profissional. Como tempo, o percurso de cada um tornou-se mais claro. Basicamente houve quatro pontosde partida típicos, que influenciaram as reflexões produzidas e o caminho percorrido.

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Para melhor se perceberem os testemunhos do próximo capítulo, explicitam-se quatropercursos decorrentes destes quatro pontos de partida, através da análise das reflexõescontidas em quatro diários de bordo escolhidos para o efeito.

A primeira é representativa de quem começou a mudar a sua prática, unicamentedevido à ação de formação, e trilhou novo caminho a partir daí; a segunda é ilustrativa dosprofessores que mudaram algumas facetas do seu trabalho na sala de aula, não só devidoà formação, mas também porque já tinham dado conta da diversidade existente na sua salae experimentado, por isso, caminhos de diferenciação, por sua própria conta; a terceirasimboliza quem já experimentou mudar algumas facetas da sua prática, aproveitando areflexão que a formação permitia para consolidar determinados aspetos e desenvolveralguns outros; a quarta, por fim, evoca quem já fez um percurso na diferenciação pedagó-gica e na gestão conjunta do trabalho escolar com as crianças, o que em muitas ocasiõesfacilitou a discussão de grupo, através do debate dos exemplos práticos apresentados.

Baseamo-nos nos apontamentos dos pivôs Célia Ganhão, Fernanda Cachaço, FilipaRodrigues, Leopoldina Araújo, Natália Gomes, Maria Antónia Carvalho e Susana Vaz.

1. Quem mudou a prática devido à ação de formação

Segue-se uma análise concisa da reflexão de uma professora acerca do conteúdo dodiário de bordo de uma outra professora, que assume a mudança da sua prática devida àformação, quando estava com a turma há um ano letivo e meio.

A sua preocupação principal tinha a ver com as dificuldades de leitura e escrita dosseus alunos. Ela procurou direcionar algumas das suas atividades no sentido de facilitar oprocesso de aprendizagem das crianças nestas áreas. A análise revela a notória evoluçãoda participação dos alunos nas atividades propostas.

Trabalho autónomo

A professora iniciou o ano letivo com propostas para o trabalho autónomo, em setem-bro. No entanto, não há registos escritos sobre as atividades realizadas. No diário debordo, refere-se apenas que os alunos têm uma hora diária dedicada a este trabalho.

No início, ela ficou preocupada com a escolha das atividades por parte dos alunos. Elaobserva: «continua a haver uma predileção para os jogos e desenhos durante o trabalhoautónomo.». Em outubro, apresenta um novo contrato de trabalho mais complexo que oanterior e constata: «após a sua exploração, [os alunos] começaram o seu preenchimentopor grupos, um de cada vez. Ainda precisam de alguma orientação.». Mas continuou ahaver uma preocupação com a escolha das atividades. No PIT, impôs-se um limite de tare-fas relativas a jogos e desenhos. Em resposta, os alunos começaram a realizar mais ati-vidades de Tangram e Geoplano. A reação não se fez esperar: «no preenchimento dosnovos PIT, só podiam fazer um ficheiro de Geoplano/Tangram por semana.».

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Entretanto, é a pouca assiduidade das crianças que fez com que a professora deci-disse investir mais no trabalho autónomo e apoiar mais diretamente o percurso de apren-dizagem de cada um. Constata: «O trabalho individualizado dentro de cada grupo vaisendo cada vez mais necessário, pois, devido às faltas que dão, vai sendo cada vez maisdifícil gerir as aprendizagens no global.». Assim, no início de dezembro, o TA estava imple-mentado. Os alunos mais assíduos já cumpriam o seu contrato de trabalho. No mês dejaneiro, houve necessidade de adaptar a grelha do PIT às atividades que começavam aser mais direcionadas para a área de Língua Portuguesa, pois era onde se verificavaa grande maioria das dificuldades dos alunos. Nesta nova grelha, refere a professora:«o manual foi introduzido como mais uma proposta de atividades para o tempo de estudoautónomo [em vez de ser utilizado para atividades coletivas]1, o que, surpreendentemente,foi catalisador para novos interesses e aprendizagens.». Esta nova atividade teve umagrande aceitação por parte dos alunos. Mesmo assim, em março, surgiu uma nova altera-ção na grelha do PIT «de onde retirei algumas atividades e coloquei outras mais adequa-das à turma.».

Nesta altura, a professora refere a consciencialização dos alunos para a realizaçãodas atividades onde apresentavam maiores dificuldades, sem necessitar de os pressio-nar na sua escolha. Nas parcerias e nas tutorias entre alunos, a professora sente que«eles conseguem gerir as ajudas aos colegas e vão registando essas tutorias no PIT»,sem grandes interferências da sua parte, mas influenciados pelo seu exemplo, devidoaos apoios individualizados que prestava a alguns alunos nos diferentes momentos detrabalho.

Trabalho em projeto

No final de setembro, foram iniciados os trabalhos de projeto: «os alunos participaramcom afinco, dando diversas sugestões para futuros trabalhos»; e, embora não existamregistos escritos dos temas de estudo, sabemos que cada aluno decidiu qual o tema quequeria investigar. A professora refere que, devido à falta de assiduidade dos alunos, a rea-lização dos projetos foi bastante conturbada e a própria conclusão do preenchimento doprimeiro contrato de projeto terminou a 6 de outubro. Em meados de outubro, os alunoscomeçaram as suas pesquisas em livros da biblioteca e na internet.

Para colmatar a dificuldade em realizar os projetos, foi iniciado com a turma um pro-jeto coletivo, «As lengalengas», no entanto não é referida a sua apresentação nem a con-clusão.

Ao longo do ano, a professora foi observando indícios de maior interesse, participaçãoe a crescente autonomia na realização dos projetos.

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1 Nota dos organizadores.

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Em dezembro, houve uma alteração dos grupos de trabalho, de modo a que os alunosmais assíduos não ficassem prejudicados com a ausência dos colegas. No final de janeiro,os projetos começaram a fluir novamente. Em fevereiro, iniciou-se a apresentação deoutro projeto coletivo, «As Plantas», em que cada grupo de trabalho tinha um subtemaproposto pela professora. Em março, durante uma apresentação, a professora referiu queos alunos estavam menos tímidos e mais confiantes. Em abril, a professora deslocou-secom os alunos ao Centro Comunitário de Vialonga, num dos bairros junto à escola, paracontinuarem as suas pesquisas. Referiu nessa altura: «[os alunos] trouxeram novas infor-mações escritas em papéis e mostraram-se muito orgulhosos, por isso fiquei feliz.» Afir-mou ainda: «Os tempos de trabalho em projeto são produtivos não só para os trabalhosescolhidos pelos alunos, mas também para os de tema sugerido.».

Regulação

A organização do espaço de sala de aula foi feita de acordo com as necessidades daturma e com o trabalho a realizar. Lemos nas notas da professora:

«A sala de aula tem a parte central de trabalho (onde estão as mesas e cadeiras e cuja dis-posição varia consoante o trabalho a desenvolver no momento), uma parte de arrumação (comarmários para os alunos colocarem os seus materiais e onde se encontram alguns materiaisnecessários ao TA, entre outros), uma sapateira com propostas de atividades para o TA, umaárea para a informática (para dois alunos em simultâneo) e uma biblioteca de sala de aula (ondetambém podem estar dois alunos ao mesmo tempo). Há ainda um armário com materiais neces-sários para a realização das experiências, que se fazem na altura da «Experiência da Semana»).

Também as paredes se encontram divididas, havendo uma exposição dedicada à LínguaPortuguesa, outra ao Estudo do Meio, outra à Matemática e uma outra às Expressões. Há aindauma parede dedicada aos registos das atividades realizadas no TA.».

Neste cenário, duas novas rotinas, referidas desde o início do ano letivo e que nãoexistiam no ano anterior, ocorrem no começo de cada dia: o «Ler, Mostrar e Contar» –tempo de apresentação de produções e tempo dedicado à escrita.

Nas reflexões em torno das entradas do diário de bordo consta que alguns alunosrevelaram algumas dificuldades em se adaptarem às novas rotinas.

No final de janeiro, foi instaurada mais uma rotina:

«para motivar mais os alunos para a leitura, desenvolvi um momento de leitura para osoutros, em que todos os alunos preparam em casa um texto que têm de ler aos colegas. Essetexto pode ser feito por eles, pode ser do manual ou até de um livro.».

No início do ano era a professora que elaborava o plano do dia, onde referia as ativi-dades que iriam realizar, escrevendo-as no quadro, e a avaliação que seria feita no finaldo dia. Mas, em março, a professora explica a apresentação do plano do dia:

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«Comecei a dar-lhes asas para serem eles a construir o plano do dia, de acordo com ohorário semanal afixado. Quem faz o plano do dia tem também de se assegurar de que ele écumprido.».

O diário de bordo contém excertos do conselho de turma, mas não foi possível perce-ber a periodicidade deste conselho e que ocorrências eram discutidas. Mesmo assim,parece que nesta turma a regulação passou rapidamente por momentos de discussão emconjunto. Lemos nas reflexões da professora que no

«conselho de turma, o grupo abordou questões relacionadas com as rotinas do dia a dia:construção do horário semanal; apresentação de novas tarefas e regras no TEA; definição edistribuição de tarefas/responsabilidades e apresentação de atividades semanais (problema dodia, adivinha da semana e problema da semana). Foi ainda apresentado e explicado o novomodelo do PIT…»

2. Quem tinha iniciado caminhos de diferenciação

Notas iniciais

Nos apontamentos que se seguem, seguimos de perto o diário de bordo de uma dasprofessoras que afirma ter mudado alguns aspetos no seu trabalho na sala de aula não sódevido à formação, mas também, em parte, por sua própria conta. Agruparam-se cronolo-gicamente as notas relativas ao trabalho autónomo, ao trabalho em projetos e à regulaçãodesse mesmo trabalho, respeitando as datas das entradas no respetivo diário de bordo,que teve início no dia 18 de setembro.

Trabalho autónomo

Logo no fim do mês de setembro, a turma iniciou o primeiro trabalho individual ou empequeno grupo com o tema dado pela professora: o outono. Os alunos tinham liberdadepara se organizarem como quisessem e utilizarem todo o material disponível na sala. Otrabalho autónomo propriamente dito iniciou-se um mês mais tarde, com grande recetivi-dade por parte dos alunos. Continua a ser referido em novembro e, logo no início destemês, surge a primeira alusão ao plano individual de trabalho, com o seu preenchimentopelos alunos. A professora regista a adesão por parte dos alunos em relação ao TA e, emdezembro, o diário de bordo testemunha que este tempo de trabalho se tornou uma boarotina em sala de aula e evidencia a avaliação semanal do PIT. Em janeiro, a professoraassume que os alunos realizam as atividades e as tarefas por incumbência dela, com apreocupação de os fazer avançar nos conteúdos que o programa prevê e interroga-se se,com o TA instituído, irá cumprir este programa. Continua a mostrar preocupação em cum-prir o plano de aula e afirma ter falta de tempo para trabalhar o PIT e o TA.

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Pouco a pouco, o TA volta a ser um tempo de trabalho regulado pela professora e nãopelos alunos, como inicialmente fazia, devido ao receio de não ter disponibilidade sufi-ciente para conduzir bem os alunos na gestão autónoma do seu PIT.

Trabalho em projetos

Na mesma semana em que houve um primeiro momento de trabalho individual, a pro-fessora propôs um trabalho coletivo à turma, no qual cada aluno descrevia o seu fim desemana.

No início de outubro, os alunos sugeriram temas para trabalhos de projeto, mas os tra-balhos propriamente ditos só se iniciaram no fim do mês. Nessa altura, os alunos referi-ram o que pretendiam e o que queriam saber em relação ao seu tema de trabalho. Deramsugestões uns aos outros relativamente ao tema de cada um e quando, no fim deste mês,o formador veio à turma, cada grupo falou sobre o seu trabalho em projeto entretantocomeçado. O trabalho em projeto continuou nos meses de novembro e dezembro.

Janeiro foi um mês difícil para o trabalho em projeto e a professora sentiu necessidadede orientar mais firmemente o trabalho, dividindo as tarefas pelos alunos. O diário debordo de fevereiro aborda a apresentação dos trabalhos em projeto. No mesmo mês, odiário de bordo fala de um pai bancário que veio falar sobre a sua profissão, no âmbito doTP. Entretanto, a professora constatou que os alunos tinham muitas dificuldades de orga-nização no trabalho em projeto. Em abril, conseguiu ver mais claramente o seu papelnessa organização, concentrou-se nos aspetos organizacionais em que ajudou os alunose falou da compilação dos projetos em livros e em cartazes.

Regulação

A par das atividades de revisão, a professora teve a preocupação de iniciar a organi-zação da sala de aula. Organizou a turma em grupos heterogéneos e criou «espaços» quedefine da seguinte maneira: o espaço da Matemática com alguns jogos didáticos existen-tes na escola acrescidos de outros criados com material reciclável; o espaço da Leituracom livros trazidos por alunos e pela professora; o espaço da Informática com um compu-tador; o espaço das Ciências com sugestões de experiências e algum material elementar;o espaço das Expressões apetrechado com material de pintura e sugestões de atividades;o espaço dos Ficheiros com fichas dispostas por áreas curriculares.

No fim do mês de setembro, iniciou-se a assembleia de turma, fazendo-se a análisedos comportamentos e das aprendizagens dos alunos, vindo esta a tornar-se uma ativi-dade regular da turma. Em meados do mês de outubro, a professora sentiu necessidadede referir o mapa do comportamento. Em novembro, depois de uma discussão nosencontros mensais com o formador, é referida a alteração do nome «assembleia deturma» para «conselho de turma». Comenta que introduziu um registo afixado na parede,

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o diário de turma, que passou a ser lido e avaliado sempre no final da semana, no con-selho de turma.

Em janeiro, o TA regulado pelo PIT e o conselho de turma continuaram a fazer parteda rotina de sala de aula. A partir de março, o tempo para trabalho em projeto e trabalhoautónomo ficou muito reduzido. A professora refere a falta de tempo para os pôr em prá-tica, devido a outra formação que está a frequentar, a qual também lhe exige muita dispo-nibilidade.

Notas finais

No fim do mês de maio, a professora parou de escrever no diário de bordo, justifi-cando-se com a falta de tempo e com o cansaço que a escrita lhe provocava, mas tam-bém com a interferência de uma outra formação que obrigava à entrega de um portefólio.

A professora ganhou consciência de que frequentar duas ações de formação com for-tes implicações na organização do trabalho em sala de aula era muito desgastante, nãopermitindo um melhor enquadramento do trabalho autónomo e do trabalho em projeto. Aolongo do seu diário, notou-se a preocupação de cumprir o programa, através da implemen-tação de novas estratégias de trabalho propostas na formação e que iam ao encontro dassuas preocupações.

3. Quem consolidou aspetos da sua prática

Notas iniciais

No ano letivo anterior ao arranque do ciclo de formação, a professora que acompanha-mos aqui lecionou uma turma de 4.º ano. Reconheceu várias lacunas na condução do tra-balho de grupo, no assumir de regras e na autonomia demonstrada pelos alunos na exe-cução do seu trabalho. Contactou com colegas que conheciam o modelo pedagógico doMovimento da Escola Moderna e decidiu frequentar uma ação de formação desta associa-ção de professores, no seu núcleo regional de Tomar. A sua participação naquela atividadee, posteriormente, na ação de formação «Trabalho autónomo, Trabalho em projeto e a suaregulação no 1.º ciclo» contribuíram para implementar diferentes dispositivos de trabalhoe para que, nesse mesmo ano, as mudanças na sua sala de aula se tornassem bastantesignificativas. No ano seguinte, decidiu continuar a apostar na mudança da sua práticapedagógica, inscrevendo-se na continuação desta oficina, onde pretendia consolidar oque tinha aprendido e tornar as mudanças introduzidas mais seguras.

Trabalho autónomo

A partir de novembro do segundo ano de trabalho, o trabalho autónomo ganhouespaço na sala, mas ainda sem um tempo fixo e previamente estipulado, o que geroualguns problemas. Na sua reflexão acerca das ocorrências que registou, a professora

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conta: «Todos estes dias se tem sentido o mesmo problema. Não há um tempo próprio eestabelecido no horário para realizar o TA.» Porém, justifica a não formalização destetempo próprio, alegando que a diferenciação de trabalho se faz de acordo com os diferen-tes níveis de aprendizagem, deixando entender que este trabalho substitui bem o TA: «Aturma, por norma, já faz muito trabalho diferenciado e individualizado de acordo com assuas capacidades e aprendizagem.».

Porém, em janeiro, o grupo de alunos e a professora decidiram apostar mais na orga-nização das regras de trabalho entre eles. Houve uma reorganização da sala de aula rela-tivamente à arrumação de materiais disponíveis e à diferenciação do tipo de trabalho adesenvolver pela turma durante o dia. A professora começou a notar que as criançasganharam autonomia a nível da organização do trabalho e o seu comportamento duranteo tempo de TA melhorou. Sentiu que agora era necessário encontrar uma forma de regis-tar o trabalho efetuado durante o TA:

«Estamos finalmente a entrar na rotina do trabalho autónomo (temos ainda de pensar o quefazer para registar todo o trabalho realizado no TA). Os cadernos de textos também estão orien-tados e as caixas do material estão a dar bons frutos na organização da sala de aula.».

A partir de fevereiro, a professora verificou que não estava a ser fácil implementar ummétodo de trabalho direcionado para a autonomia. Definiu as prioridades e os objetivospara a turma, procurando que todos os alunos se tornassem, ao seu ritmo, mais autó-nomos:

«Então, estipulei as minhas primeiras prioridades:– Definir as tarefas de cada um, dando-lhe oportunidade de gerir a responsabilidade dessa

mesma tarefa. Em conselho de turma, decidimos quais as tarefas disponíveis, como as avaliá-vamos e como poderíamos fazer a «troca» de tarefa. Esses desejos seriam evidenciados nodiário de turma e, por consequência, abordados em novo conselho de turma.

– Ter o diário de turma sempre disponível e atualizado para todos.– Apostar na organização do espaço, definindo os cantinhos, assim como os materiais de

cada aluno.».

Mas continuava a haver dificuldades em utilizar o plano individual de trabalho comoinstrumento de pilotagem do TA. Todos os dias os alunos diferenciavam entre eles o seutrabalho e geriam-no de forma mais autónoma, mas persistiam falhas no registo das ativi-dades realizadas.

Nos meses de abril e maio, a professora deu menos atenção individualizada às crian-ças que estavam a trabalhar em áreas específicas da sala de aula, por haver muitasoutras solicitações que envolviam os grupos. Porém, o trabalho autónomo manteve-se enotou-se que as crianças se entreajudavam cada vez mais, iniciando assim, de formaintuitiva o trabalho em tutoria. A professora escreve:

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«Nesta altura, comecei a aperceber-me de que os miúdos estavam constantemente a aju-dar-se, ou seja, estavam a fazer tutorias. Estas tutorias não eram planeadas nem por mim nempor eles. No momento em que terminavam as suas tarefas, disponibilizavam-se a ajudar quemmais precisava, ou faziam trabalhos em conjunto, pelo prazer de os fazerem acompanhados.».

Trabalho em projetos

Em outubro, o diário de bordo refere o início de uma troca de correspondência comuma turma exterior à escola que, assim esperava a professora, lançaria o trabalho em pro-jeto. Este, apesar de ter sido planeado e de se incluir no tempo de trabalho autónomo,parecia de difícil arranque. Mas, diferentemente do que acontecia no trabalho autónomo,os alunos mostravam maior empenho na realização das tarefas. Ainda no primeiroperíodo, lemos no diário de bordo:

«Bem, hoje correu muito bem o trabalho em projeto e o trabalho autónomo. Aliás estive-mos quase todo o dia nisto. Achei os alunos mais empenhados – foram sozinhos à biblioteca,estiveram a procurar/pesquisar informação sozinhos e depois vinham perguntar-me o signifi-cado de algumas palavras difíceis ou desconhecidas. Escreveram à mão, no computador,desenharam…».

É de referir que a correspondência interescolar se manteve, gerando motivação extra,tanto nos alunos como na professora. O trabalho em projeto, uma vez assumido, deixoude fazer parte das observações registadas no diário de bordo.

Regular entreajuda

Para organizar as rotinas da turma, a maior dificuldade, quer para a professora, querpara os alunos, residiu na estruturação do espaço, na ocupação negociada do tempo e noestabelecimento de regras de trabalho sem os quais dificilmente as crianças ganhariamautonomia – um dos principais objetivos de toda a intervenção da professora.

Ela testemunha ter envolvido os alunos na organização da sala, na regulação do tra-balho e na criação e manutenção de rotinas, confrontando as crianças com um cenáriopedagógico que não lhes era familiar.

Reconhece que houve tarefas desenvolvidas mais com base na intuição do que nareflexão. Por exemplo, foi dado início a um trabalho de parceria entre todos os alunos, semgrandes preocupações de registar todas as parcerias de trabalho formadas na sala deaula. Logo que surgiram, observou-se que o Samuel, multideficiente, »... está integradonum grupo onde pode ser orientado e apoiado por colegas que já são mais autónomos...».Esta situação ilustra o potencial da entreajuda para os alunos e sensibilizou-os para incluí-rem o trabalho de pares e o trabalho de tutoria como estratégias a usar nos momentos deatividades diferenciadas na sala de aula.

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Notas finais

A leitura do diário de bordo e das reflexões que suscitou, escritas pela professora, evi-dencia que nem sempre foi fácil implementar o trabalho autónomo. No diário, encontramosvários indicadores que ilustram esta dificuldade, tanto no que respeita à reorganização doespaço e dos materiais da sala como à criação de instrumentos de regulação do trabalho.É a partir destes indicadores que, no final do ano letivo, a professora se apercebe de queas crianças estavam mais autónomas.

Também é evidente que a professora reorganizava, à medida que detetava algumasdificuldades, quer o espaço físico da sala de aula, quer o tipo de trabalho apresentado,mesmo se as crianças não registavam em grelhas ou em planos o que faziam ou o queestavam a trabalhar. Iam trabalhando uns com os outros, tendo instituído as tutorias entrepares de forma natural.

Durante o mês de junho, as numerosas atividades constantes no plano anual de ativi-dades e a burocracia escolar típica das avaliações finais (fichas de avaliação e outras soli-citações) não deixaram muito tempo para os momentos de trabalho autónomo. Por outrolado, a professora planeou e realizou, em conjunto com a professora da Oficina de Lín-gua, o trabalho em projeto.

A turma de segundo ano de escolaridade aqui referida tinha 18 alunos: 9 rapazes e9 raparigas. No segundo período, só duas alunas continuaram a revelar bastantes dificul-dades de leitura e de escrita. No fim do ano, treze crianças transitaram para o 3.º ano,tendo dez delas desenvolvido bem as competências do programa. O Samuel continuou ademonstrar notáveis progressos, nomeadamente ao nível da oralidade. De uma maneirageral, a turma evoluiu bem.

Apesar de ter sido difícil implementar mudanças no cenário pedagógico da sala deaula e instituir instrumentos consistentes de regulação, concluímos que, após algumtempo de trabalho, as crianças ganharam realmente mais autonomia e capacidade deorganização do seu trabalho escolar.

4. Quem já tinha percurso feito

Notas iniciais

Este diário é de uma professora que já tinha participado em grupos de autoformaçãocooperada com outros professores, habituada a ouvir e apresentar relatos de práticas.Tinha já uma prática de reflexão acerca do seu trabalho e estava familiarizada com mui-tas das estratégias que se propunha desenvolver, ao longo da formação em contexto: otrabalho autónomo – que ela designa como trabalho de estudo autónomo, o trabalho emprojetos e o desenvolvimento de instrumentos de regulação do trabalho para as crianças.A abordagem holística, que sobressai da reflexão aqui analisada, levou-nos a seguir amesma linha, elaborando o nosso comentário sob um único título comum.

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Trabalho autónomo, trabalho em projeto e sua regulação

A professora começou a escrita sistemática do seu diário de bordo em novembro,numa altura em que já tinha dado início ao trabalho em projetos, ao tempo de estudo autó-nomo e quando já funcionava o conselho de turma. Referiu que pretendia refletir sobrecomo fazer o tratamento da informação em TA e a avaliação escrita do TEA com criançasque ainda não dominam o código escrito.

Nas suas reflexões, observa que os alunos começaram a tomar consciência de quedeviam variar de parceiros de trabalho, assim como de tipo de ficheiros nos momentos deTEA e que era mais eficaz trabalharem em propostas que se adequavam mais ao saberjá detido. Apercebe-se de que, em geral, os alunos têm noção de que precisavam deescrever mais textos; esta consciência decorria, em parte, do facto de a professora tercombinado com eles que deveriam formular as suas opiniões e comentar as dos outros,aquando da apresentação de trabalhos no Ler, Contar e Mostrar.

Naquela altura, sensivelmente a meio do primeiro período, o conselho de turma sema-nal baseava-se num diário de turma ainda com muitas ocorrências e muito extenso. Elaconstatava:

«Escrevem muito no diário e, aparentemente, tentam falar uns com os outros antes deescrever, mas não conseguem resolver autonomamente o que os incomodou, chateou e/oumagoou.».

Implicava criar regras através deste conselho de turma, pois os alunos escreviam«problemas ‘pequeninos’ e ‘fáceis’ de resolver» desde que havia uma regulação coletiva:

«Agora já lhes é mais fácil colocarem-se no lugar do outro, conseguem verbalizar que ooutro se sentiu magoado com uma atitude/comportamento que tiveram. Alguns meninos come-çam a ter conhecimento sobre si mesmo e justificam o que fazem com características da suapersonalidade … este é um argumento que não pode existir.».

Foi também através da discussão em conselho de turma que a professora sentiunecessidade de melhorar o espaço de expressão plástica e de criar um espaço de ciên-cias, verbalizando as hesitações anteriores a esta criação:

«Ainda não consegui mobilizar-me para fazer um espaço das ciências, porque ainda nãoclarifiquei como as vou realizar em grupo. Os alunos estão motivados para as experiências eeu não estou a aproveitar isso.».

Entretanto, e na fase inicial de aprendizagem da escrita, o TEA surgia como ummomento privilegiado para «arriscar» na escrita de textos e descobrir o gosto de escrever:

«Estão com uma vontade incrível de escrever o que aprenderam. […] Reconhecem quelhes é difícil escrever, mas estão com imensa vontade de escrever e têm escrito bastante. (…)Escrevem quase tudo… rimas, histórias malucas, assustadoras, e têm vontade de escreversozinhos e a pares…

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Alguns meninos desbloquearam a escrita e começaram a escrever… outros apropriaram--se já do património escrito da sala e já escrevem autonomamente textos com sentido.E depois… o melhor: leem o que escrevem! Estou mesmo, mesmo contente!».

No entanto, a gestão do tempo de estudo autónomo foi sempre uma das suas preocu-pações, principalmente porque a gestão do tempo e do espaço era feita com os alunos.

«Como ajudar os meninos a dividir as tarefas, a ter consciência de que todos têm de fazer,têm todos a mesma responsabilidade de aprender e que determinadas discussões só nosfazem perder tempo e não ajudam a avançar o grupo?».

Rapidamente constatou que era no TEA que as crianças mostravam

«uma vontade incrível de querer fazer mais e melhor … pedem mais trabalho para fazer emcasa e na escola. Começam agora a autorregular-se e a estar mais atentos ao que fazem»…

Ao par com o TEA, foram combinados projetos de trabalho, a serem feitos em peque-nos grupos, mas acabaram por levar muito tempo a terminá-los, pelo que só em janeiroas crianças iniciaram a fase de preparação para as comunicações. O trabalho obrigava aalgum tateamento:

«Vou propor ao grupo apresentar um projeto por semana. Mesmo que já tenham terminado oprojeto e ainda não o tenham apresentado, se tiverem a comunicação preparada, podem come-çar um novo projeto. Penso que foi muito moroso o tratamento de informação que fizemos.».

Entretanto, surgiram algumas inquietações a respeito do cumprimento do programa ealgumas dúvidas em relação às funções dos ficheiros disponibilizados na sala de aula. Porsi só, podiam não chegar para que os alunos fizessem a ‘apropriação do programa’, peloque a professora verbalizava:

«Mas será que nós damos as condições e os materiais necessários para a apropriação doprograma? Os nossos ficheiros contemplam todos os objetivos e descritores de desempenhodo programa? Se os alunos fizessem todos os ficheiros que temos na sala, saberiam o pro-grama? Ao fazer a avaliação do primeiro período, ao olhar para os ficheiros da sala e ao ouviras minhas inquietações, percebi que alguns ficheiros não estavam a funcionar no grupo e mui-tos outros faziam ali falta.».

O processo de aprendizagem-ensino sofreu alterações ao longo do ano letivo, deacordo com os progressos conseguidos pelas crianças. Era claro que havia sempre aspe-tos a melhorar, novas exigências que eram feitas à professora e às crianças, a partir deuma reflexão feita com as próprias crianças, sozinhas, e com os seus pares pedagógicos:

– «Além dos ficheiros, o grupo já descobriu a escrita; precisa de ter consciência dos textosque produz. As crianças têm de começar a fazer revisões de texto sozinhas. Ainda é necessá-

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rio conseguir que os alunos tenham uma maior consciência do seu trabalho, do que podemfazer para o melhorar, das dificuldades que têm e de como as podem ultrapassar, bem comoelevar o nível de dificuldade, qualidade e apresentação dos seus trabalhos.».

– «De modo a potenciar ainda mais o trabalho e a ultrapassar as dificuldades de cada um,existe um espaço no plano individual de trabalho, onde é referida a dificuldade e onde, na ava-liação em conselho, à segunda-feira, é combinado em coletivo e registado o que vão fazer.No segundo período, foi construído um novo PIT para orientar melhor o trabalho autónomo.A grande maioria gere bem o seu tempo de trabalho e forma muitas parcerias, derivadas do tra-balho e não de afinidades ou da amizade, como acontecia no início do ano.».

– «Com a crescente evolução do nível de trabalho, aprofundou-se em grupo os critérios deavaliação deste momento, levando a que os alunos tenham uma maior consciência do seudesenvolvimento, o que podem fazer para ajudar ou onde podem ser ajudados.».

Em Março, iniciaram novos projetos, desta vez com os alunos mais direcionados parao trabalho que deveriam executar. Houve ainda uma alteração no PIT que regulava osTEA, pois percebeu-se que algumas crianças, mais do que compreenderem a importân-cia da criação de textos e da sua revisão em grupo, continuavam a concentrar-se dema-siado em responder a propostas colocadas em ficheiro:

«Há umas parcerias que eu vou permitindo, mas quando alguns meninos ainda não sabemque são capazes de realizar determinada ficha sozinhos e pedem ajuda, eu sou a primeira adizer que primeiro têm de tentar fazê-la sozinhos. É o caso da Dora, da Sofia e da Inês quecomeçaram a ler mas, como ainda se sentem inseguras, pediam muitas vezes ajuda para leras fichas de leitura B. Quando as incentivava a fazê-lo sem ajuda, sentiam-se um pouco aflitas,mas no fim do TEA vinham ao pé de mim e contavam-me que tinham conseguido ler tudo sozi-nhas. Conseguimos começar a fazer revisões de textos a pares e com a minha ajuda. Devagar,os alunos vão-se apropriando da revisão de texto.

Por vezes, olho o grupo enquanto trabalha em TEA… e não posso deixar de ficar orgulhosa.No início, havia muito barulho, mas agora já conseguimos trabalhar mais em silêncio.».

Em abril, os alunos já estão a trabalhar com alguma autonomia; já vão procurar noslivros as informações de que precisam, conseguindo obter as informações necessáriaspara o seu TP; nota-se, no entanto, que «ainda há coisas fundamentais que não estãocompreendidas», o que obriga a algum apoio acrescido por parte da professora.

No grupo das experiências, é necessário um apoio acrescido para que possam escre-ver o que concluíram com o trabalho feito. No TEA, o grupo trabalha normalmente em par-ceria, combinada entre todos, de modo a haver entreajuda de uma forma harmoniosa e res-ponsável. Aqueles que se sentem mais inseguros na escrita procuram mais a professora:

«Eu sinto que os meus apoios vão cada vez mais ao encontro das suas dificuldades, massinto também que sou obsessiva com a produção de trabalhos. Há meninos da minha sala queinsistem em demorar nalguns trabalhos, que brincam, que não produzem. [...] Os compromis-sos assumidos em conselho têm sido fundamentais. Combinamos a quantidade de trabalho quecada um faz e quais as dificuldades em que têm de trabalhar e isso é muito orientador.».

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E constatava a seguir: «Foi a Regulação do trabalho autónomo que permitiu que ogrupo crescesse muito.» Para isso, foi necessário realizar semanalmente reuniões para aavaliação do trabalho de cada um, onde era valorizado o trabalho desenvolvido, onde seplanificava o PIT e se registava o que cada aluno se comprometia a realizar, num instru-mento de pilotagem coletivo. Procuraram, assim, organizar-se de modo a conseguiremacabar todo o trabalho que estava programado até ao final do ano.

Os assuntos que mais os preocupam são trazidos às reuniões de conselho de turma,de modo a assumirem compromissos que os possam levar à resolução dos conflitos. Aprofessora tenta transmitir aos alunos que

«fazer compromissos não chega, não nos muda por dentro, não nos altera em nada, nãonos desenvolve social e moralmente. (…) Estes meninos encontram algumas dificuldades namudança do que são e do que fazem. Têm de mudar na escola, mas no meio da sua comuni-dade como é? Será que esperam o mesmo deles?».

Notas finais

Na apreciação final do projeto curricular de turma, a professora constata:

«É um grupo feliz, que tem prazer e alegria em estar na escola, que gosta de trabalhar efazer muitas coisas. São alunos curiosos e bastante ativos na vida da sala, partilham saberes,curiosidades e momentos de vida.».

Afirma que, para o trabalho cooperativo que desenvolveu com a turma,

«foi necessário uma constante reflexão de todos, alunos e professores, que constante-mente procuravam construir critérios, ouvir opiniões sobre o seu trabalho e as suas competên-cias cognitivas, mas, principalmente, sociais.».

De seguida, revê em 11 pontos o que foi projetado para e com a turma: Na Língua Portuguesa destaca quatro. No que se refere à apresentação de produções

ou «Ler, contar e mostrar», as crianças mostraram claramente o que aprenderam nosmomentos coletivos e «por isso sempre que ouviram ler um texto foram capazes de fazercríticas para que o(a) autor(a) o melhorasse.».

O trabalho de texto continuado e a análise em conjunto fizeram «o grupo do 1.º ano[…] bastante seguro das suas aprendizagens: arrisca muito na escrita de textos, solicitaajuda para escrever palavras que ainda não foram trabalhadas [...].». A dinamização daleitura dos livros da biblioteca da turma e da escola favoreceu também a leitura indivi-dual, nos momentos de trabalho e de estudo autónomo. Por último, a correspondênciainterescolar permitiu promover «a leitura e a produção escrita funcional, a interação dasproduções das crianças em circuitos comunicativos, dando um sentido social às pro-duções.».

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Na Matemática a professora retém três pontos de trabalho coletivo. Constata as difi-culdades na sistematização de conteúdos, o que obrigou a muitos momentos de Matemá-tica coletiva, para ajudar a explicitação. Como ponto separado, refere também o trabalhocoletivo em torno de problemas matemáticos – importante para mobilizar «estratégias icó-nicas, algoritmos, esquemas e retas numéricas.». Assim,

«As crianças aprenderam a procurar, a fazer e a testar soluções, a argumentar e a comu-nicar oralmente e por escrito as suas conclusões.».

Fala ainda do cálculo mental, fundamental para resolver situações simples, sem recor-rer a material estruturado.

Aponta o Estudo do Meio como «potenciador» para saídas da escola.Os últimos três pontos que destaca do PCT são aqueles que têm diretamente a ver

com a diferenciação que se testemunha aqui: o trabalho em projetos, o trabalho autó-nomo, aqui referido como tempo de estudo autónomo e a sua regulação, neste caso muitocentrada na interação de todos os elementos do grupo-turma, através do conselho deturma.

Com o trabalho em projetos, a professora resume que

«os meninos escolheram os temas, procuraram nos livros, processaram a informação noscomputadores, fizeram as ilustrações, os cartazes e as capas dos livros.».

Constatou que a pesquisa e o tratamento da informação se revelou um processo muitolento e complexo que não se esgotou nos tempos especificamente previstos para o efeito.Observa:

«Na atitude da maioria dos alunos, notei uma responsabilidade que me deslumbra eespanta e um saber efetivo sobre o tema que estão a estudar, não só no momento do trabalhoem projetos.».

Não tem dúvidas de que o tempo de estudo autónomo foi

«… um dos mais importantes momentos na agenda. As crianças conseguiram ganhar umamaior consciência do seu trabalho, do que poderiam fazer para o melhorar, das dificuldadessentidas, de como ultrapassá-las e elevar o nível de dificuldade e de qualidade, bem como aapresentação dos seus trabalhos».

Considerou que foram estes tempos que mais ajudaram as crianças a crescer,tomando consciência e reforçando as suas próprias capacidades, e que permitiram que seorganizassem para desenvolver novas competências.

Por fim, remata, focando a reunião de conselho: «Foi um dos momentos onde o grupomais refletiu e mais amadureceu.» Compreende que valorizou sempre a importância da

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participação de cada um, ficando às vezes deslumbrada com a capacidade de reflexão ecom o grau de maturidade que algumas das crianças revelavam nestes momentos de dis-cussão organizativa no sentido mais lato da palavra.

Terminamos, assim, a panorâmica do percurso de um grupo de professores de pri-meiro ciclo, respondendo a uma proposta de formação que procurava proporcionar a pro-fessores e alunos a reflexão sobre o trabalho em sala de aula centrado na diferenciaçãonecessária para que cada um aprenda melhor.

No próximo capítulo deixamos a palavra a dezoito participantes que testemunham asua caminhada.

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Dos diários de bordo, da sua autoanálise e da subsequente reflexão, nasceram dezoitotextos de professores que, a partir do seu próprio ponto de vista (e alguns pela primeiravez), responderam ao desafio de produzir um curto relato refletido de prática. O resul-tado é uma rica diversidade de textos, com pontos de partida por vezes muito diferentes,que contam diferentes histórias de mudança, percursos pessoais e reflexões individuaisacerca do próprio percurso. Uma diversidade de textos evidenciando que, na atividadedocente, os percursos são tão diferentes entre si, tanto como as próprias pessoas. Estaevidência mostra que a escola que homogeneíza sai a perder e a escola que valoriza adiversidade só tem a ganhar, porque esta diversidade gera a discussão – essencial paramediar a aprendizagem de cada um. Devolvemos aqui a escrita produzida, para quepossa provocar ainda mais discussão, em outros espaços e tempos, até mesmo discus-sões interiores em quem lê. Como cada texto tem a sua unidade, optámos por manteras referências bibliográficas junto dos respetivos textos, em vez de se diluírem nas refe-rências finais do livro.

Agrupámos os textos – alguns mais descritivos, outros mais reflexivos – em quatrotítulos. Os três primeiros relacionam-se com as três principais preocupações inscritas noprojeto educativo da escola e em todo o projeto de formação que relatamos aqui: o traba-lho autónomo, o trabalho em projetos e a regulação das aprendizagens. O quarto agrupaalguns textos que consideramos mais explicitamente reflexivos.

Todos os textos são fruto do vivido e mostram que, tal como no trabalho de sala deaula, também nas ações de formação em contexto contamos com a diferenciação própriae necessária, decorrente do facto de trabalharmos com pessoas com histórias, idades epercursos profissionais diferentes, que se encontraram neste agrupamento através dosmecanismos normais de colocação de professores.

Projetar turmas em parceria

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Trabalhar para a autonomia

a) Trabalho autónomo num contexto de Educação Especial?

(Fernanda Cachaço)

Sou professora de Educação Especial e, na maior parte das vezes, trabalho com osalunos individualmente ou em pequeno grupo.

No ano anterior, como formanda, tive o privilégio de articular com uma professora deuma turma do ensino regular e aplicar as práticas inovadoras que íamos adquirindo/siste-matizando na ação de formação.

Este ano, nem todas as professoras das turmas dos meus alunos com necessidadeseducativas especiais participaram nesta ação de formação, por isso não consegui dar con-tinuidade ao trabalho realizado no ano letivo transato. Sendo assim, resolvi centrar a mi-nha reflexão sobre o percurso de aprendizagem de um aluno que apoiei desde o ano ante-rior. Escolhi o Paulo, devido às suas dificuldades e aos progressos obtidos.

Atitudes agressivas

Analisando os comportamentos e as atitudes do Paulo, devo sublinhar que há váriosaspetos que revelam as suas dificuldades no desenvolvimento das aprendizagens es-colares. No início manifestava uma grave incapacidade em manter um comportamentoaceitável para o quotidiano escolar: não respeitava as mais elementares regras do bomfuncionamento das atividades letivas, não conseguia manter-se atento e em silêncio eafrontava constantemente a professora, utilizando uma linguagem pouco adequada.Como fator agravante, devo acrescentar que esta agitação permanente era acompanhadapor uma postura agressiva, que se traduzia em ameaças à sua integridade física bemcomo à dos colegas. Este comportamento verificava-se na sala de aula e em todos osespaços da escola. Devido a todos estes fatores, posso acrescentar que a capacidade deatenção/concentração era muito reduzida, não conseguindo trabalhar de forma perseve-rante, no sentido de concluir as atividades das diversas áreas curriculares. O aluno não faziaaquisições nem académicas nem de caráter social.

Sugeriu-se o acompanhamento em pedopsiquiatria, de forma a ajudar esta criançaque manifestava um grande sofrimento.

No início do ano letivo de 2008-2009, avizinhava-se uma tarefa árdua: como ensinaruma criança com este tipo de comportamentos, que estava no 3.º ano de escolaridadequase sem ter feito aquisições académicas e que tinha uma tão baixa autoestima?

A princípio, repetia muitas vezes frases como «não sei» e «não sou capaz» e foi neces-sária muita calma para incentivar neste aluno, com uma imagem tão denegrida de si pró-prio, o gosto por aprender. A valorização que diariamente lhe foi dada, o incentivo para

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aprender, o reforço da sua autoestima foram fazendo com que ele ganhasse confiança egosto pelas aprendizagens realizadas: quanto mais aprendia, mais queria aprender.

A professora do ensino regular também contribuiu, de uma forma exemplar, para queo Paulo mudasse o seu comportamento e a sua mediação foi fundamental para as apren-dizagens. O trabalho em equipa com a professora da turma, a professora de EducaçãoEspecial e a psicóloga foi importante para mudar o comportamento do Paulo e para lheproporcionar oportunidades de aprendizagem.

É de salientar a aceitação dos seus colegas de turma, que propiciou a sua a inclusão,quer em sala de aula quer no recreio.

A pouco e pouco, o Paulo foi modificando o seu comportamento e adquirindo cada vezmais gosto por aprender.

No início do ano de 2009-2010, deu-se continuidade ao trabalho começado no ano ante-rior. O Paulo já conseguia ler textos simples e fazia operações simples com números até 99.

Foi definido um programa educativo, elaborado por mim e pela professora da turma,com os objetivos a atingir pelo Paulo. Em todo este processo de aprendizagem-ensino, oaluno começou por ser um agente passivo das suas próprias aprendizagens mas, aolongo do ano letivo, o Paulo foi-se tornando uma criança muito observadora e sedenta desaberes: seguia muito atentamente as aprendizagens dos colegas (4.º ano) e ele próprioaprendia com eles, sentindo o desejo de se aproximar do seu nível. A pouco e pouco, oPaulo não só fazia mais aquisições, como tinha cada vez mais consciência do que queriaaprender e ainda que atividades era necessário realizar para aprender. Comecei, então, aplanear a semana de trabalho com ele, de acordo com as suas opiniões e com o seu pro-grama educativo individual.

Trabalho autónomo

O trabalho autónomo foi um dispositivo de trabalho implementado durante o tempo emque apoiei o Paulo e que foi regulado pelo plano individual de trabalho – preenchido comas atividades que pretendia e ainda com as propostas de trabalho a realizar durante asemana. No final da semana, fazíamos a avaliação do PIT, verificando se cada atividadetinha ou não sido concluída e preenchia-se o novo PIT.

Considerei que era importante o Paulo ter momentos em que trabalhava sozinho eoutros em que trabalhava diretamente comigo. No trabalho autónomo, ele tinha fichas,material didático e jogos interativos para utilizar no computador.

O recurso às Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC) foi uma mais-valia noseu processo de aprendizagem, ao longo do ano letivo: processava os seus textos no com-putador e partilhava-os com os colegas, lendo-os ou expondo-os no placar da sala de aula.

Para finalizar, quero referir que os progressos alcançados pelo Paulo lhe permitiram asua transição ao 2.º ciclo.

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b) Trabalho em tutoria

(Susana Vaz)

No ano letivo de 2009-2010, a minha turma contava com dezasseis alunos inscritos,estando dois deles matriculados no 2.º ano e os restantes no 3.º ano de escolaridade. Estaturma era bastante heterogénea, havendo alunos com acentuadas dificuldades de apren-dizagem que necessitavam constantemente do meu apoio, por vezes apenas para lhes daruma palavra de incentivo, outras para os ajudar a organizar o seu trabalho. Esta heteroge-neidade e esta necessidade de «estar» em permanência com alguém que lhes desse forçafez com que o meu papel na sala de aula fosse muito difícil, isto é, eu precisava literalmentede me dividir em vários momentos do trabalho, o que se estava a tornar muito complicado.

Este imprescindível e simultâneo apoio a vários grupos foi-se agravando com o pas-sar do tempo: os conteúdos curriculares iam-se complexificando e o aparecimento de di-versos trabalhos de projeto (que pressupõem preparação, organização e pesquisa, comalguns dos grupos a necessitarem de apoio mútuo) veio dificultar a organização do meutempo durante a aula. Apercebi-me também de que os alunos trabalhavam de forma muitodiferente, durante o tempo de trabalho autónomo, e que havia um grupo de alunos (aindaque reduzido) que nunca concluía o pouco trabalho que planificava e que essa sua des-responsabilização pela aprendizagem poderia gerar mais problemas (o que não é de todoo objetivo da implementação do trabalho autónomo), não só pelo facto de ser geradora dedesigualdades na sala de aula, como também por poder prejudicar o progresso nas apren-dizagens académicas dos alunos.

«Hoje o Mário e a Josina estiveram durante mais de vinte minutos a escolher fichas doficheiro de Língua Portuguesa para fazerem, acabaram por não trazer nenhuma e, depois deos ter avisado que estavam a demorar demasiado tempo, foram sentar-se a reorganizar o planoindividual de trabalho. Acho que hoje não fizeram nada (…).»

Diário de bordo, outubro de 2010

Ao longo de vários dias, tentei encontrar soluções para este problema que me estavaa preocupar seriamente, até que, em conversa com o grupo de pivôs de formação, surgiua ideia de implementar, durante o tempo de trabalho autónomo, o trabalho de tutoria.

Questões (im)pertinentes

No primeiro período deste ano letivo, ao acompanhar os grupos de alunos e ao reali-zarmos as assembleias e avaliações do trabalho semanal, apercebi-me de que haviasituações que se repetiam constantemente e que eu comecei por considerar geradoras dealgumas desigualdades dentro da sala de aula. Estas situações relacionavam-se essen-cialmente com: o não cumprimento do trabalho planificado para o tempo de trabalho autó-

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nomo; a falta de responsabilização pelo trabalho realizado (ou não); a necessidade cons-tante de recorrer ao apoio individualizado da professora para organizar o trabalho ou paraopinar acerca da planificação que deveria ser feita; e a fraca produção de trabalhos (emquantidade e qualidade) por parte de um grupo reduzido de alunos.

Todos estes fatores me causaram desagrado, uma vez que entre os objetivos daimplementação do tempo de trabalho autónomo figura a promoção da autonomia dos alu-nos e a responsabilização pelo seu trabalho e pela sua aprendizagem e, nestes aspetos,os objetivos não estavam a ser cumpridos. Reparei, também, que estas situações esta-vam a causar desentendimentos entre os próprios alunos: havia os que trabalhavamimenso e produziam (em quantidade e qualidade), definiam os seus objetivos e tentavamalcançá-los e os que iam trabalhando, iam produzindo… mas… sem grande motivação oupreocupação com o seu percurso e não conseguiam definir nem o seu ponto de partidanem o de chegada.

«Mais uma sexta-feira de problemas, estivemos a avaliar os PIT! O Mário, a Josina e o Leo-nardo não cumpriram o que planificaram e SÓ planificaram quatro trabalhos! É pouco e mau! Per-guntei porque não cumpriram… A Josina porque não teve tempo (a Sónia disse que era mentiraporque ela tinha estado a conversar sobre namorados…), o Mário depois de revirar os olhos, olharpara o ar e coçar a cabeça disse que era tudo muito difícil (esta observação nem teve comentá-rios, nem eu consegui dizer nada que me parecesse útil…e educado para dizer a uma criançadentro de uma sala de aula!) e o Leonardo também se queixou de falta de tempo, de vontade edisse que precisava de ajuda para fazer os trabalhos (o Leandro disse que podia ter ajudado, por-que estiveram a fazer a mesma ficha de Matemática, mas que o colega não queria… ao que oLeonardo respondeu que nessa altura já estava a fazer outra, que também não acabou…)

(…) Isto é impossível… desculpam-se com tudo e com todos para não trabalharem, mas adesculpa favorita é a falta de tempo… ESTOU A ARRANCAR OS CABELOS!!!»

Diário de bordo, outubro de 2010

Depois de algum tempo a analisar este estado de coisas, tentámos (professora e alu-nos) perceber que situações se repetiam no decorrer das avaliações do plano individual detrabalho. Assim, durante três sessões semanais, foram registadas as seguintes situações:

– alunos que não concluíam os seus planos individuais de trabalho (sempre os mes-mos nomes e sempre pelos mesmos motivos: falta de tempo, falta de compreensãodo que era solicitado…) e que não se mostravam grandemente preocupados comeste facto;

– alunos que procuravam sempre o auxílio da professora, para planificar/realizar asatividades do plano individual de trabalho, visto que desta forma se sentiam maisseguros em relação à qualidade dos trabalhos que produziam;

– alunos que necessitavam de apoio individualizado da professora, para conseguiremsuperar as grandes dificuldades de aprendizagem que apresentavam em todas as

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áreas curriculares e que tinham este apoio agendado pela própria professora para ahora de trabalho autónomo;

– alunos que gostavam de trabalhar com um grupo restrito de colegas, mas que ofaziam de forma intuitiva, não organizada;

– alunos que eram constantemente solicitados para «ajudar», mas que não gostavamde ajudar ou que faziam rapidamente o trabalho do colega, para que ele não os vol-tasse a incomodar.

Após este levantamento, ficou claro que o tempo de trabalho autónomo estava a serutilizado de forma muito diferente por parte dos alunos e com pouco proveito para a apren-dizagem de alguns deles.

Para mim, enquanto professora, ficou claro que, apesar de ter de respeitar os diferen-tes ritmos de aprendizagem e de trabalho das crianças, é necessário fomentar junto delasuma cultura de trabalho, um desejo de aprender, de superar as dificuldades, de recorreraos saberes do outro sem vergonha e sem medo de ser julgado, de desenvolver o gostopela partilha dos saberes que julgamos dominar, de não julgar os outros por aquilo quesabem ou não e de os ajudar a aprender, para que juntos aprendam mais (mesmo quesejam coisas diferentes). Nem sempre é fácil desenvolver estas atitudes entre adultos,quanto mais entre crianças de 7, 8, 9 anos….

Confesso que estas questões me fizeram pensar muitas vezes na validade do meu tra-balho, na qualidade do processo de ensino-aprendizagem que estaria a proporcionar aosmeus alunos e na verdadeira essência do trabalho autónomo…

Anotei todas estas dúvidas no meu diário de bordo e, em reunião de pivôs de forma-ção, coloquei todas estas minhas interrogações, no sentido de obter ajuda por parte dosmeus pares. Depois de me ouvirem e de conversarmos um pouco, chegámos à conclusãode que seria mais útil e proveitoso para a turma, iniciar um trabalho de tutorias, que estavajá a decorrer noutra turma, com bons resultados. Foram-me mostradas grelhas de organi-zação, formas de regulação de trabalho, sugestões… Seria uma proposta a considerarseriamente…

Da teoria à prática…. um caminho nem sempre fácil

Após amadurecer um pouco a ideia do trabalho em tutoria e de ponderar sobre aspalavras de Sérgio Niza – «só a partir de uma diferenciação pedagógica, centrada na coo-peração entre professor e alunos e destes entre si, poderão pôr-se em prática os princí-pios da inclusão, da integração e da participação democrática» –, iniciei um primeiroesboço de trabalho em tutoria.

Contextualizando: considerei que conhecia bem a minha turma, os meus alunos, asrelações que estabeleciam entre si, o lugar que cada um ocupava na teia relacional que é

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uma turma. Perante esta realidade, por vezes tão difícil de gerir, tentei apresentar umaproposta de trabalho apelativa para todos e que desenvolvesse a autoestima dos «ajudan-tes» e dos «ajudados».

A primeira proposta: «Ó professora, isto é tão difíííííícil!!!!»

Na primeira semana do segundo período, entrei na sala de aula munida de duas gre-lhas (em anexo). Estas grelhas estavam divididas pelos cinco dias da semana nas áreascurriculares de Língua Portuguesa e de Matemática. Para estas duas áreas havia três res-ponsáveis (a professora, que era comum às duas áreas) e dois tutores fixos para LínguaPortuguesa e para Matemática. Estes tutores foram escolhidos por mim, com base nasrelações que estabeleciam com os seus pares e na facilidade com que aprendiam os con-teúdos curriculares.

Ao apresentar o funcionamento do trabalho em tutoria, referi à turma que esta seria aforma mais justa de todos os meninos terem uma ajuda, sempre que fosse necessário,mesmo que a professora não estivesse disponível. Em conjunto, durante o tempo dedi-cado à assembleia, definimos regras simples de funcionamento do trabalho em tutorias:

– os tutores não fariam o trabalho dos colegas, a função seria ajudar, explicar, enca-minhar…

– os tutores poderiam trabalhar apenas com dois colegas de cada vez;– as grelhas de tutoria seriam preenchidas todas as sextas-feiras, depois da assem-

bleia e da avaliação do trabalho semanal;– as pessoas que nunca conseguiam organizar o seu PIT ou concluí-lo durante várias

semanas seguidas iriam ter um tutor (esta regra era aplicada só a duas crianças daturma que NUNCA tinham conseguido objetivamente definir um percurso e percorrê-lo);

– para organizar o tempo de todos de forma útil, quem precisasse de ajuda, inscrever-se-ia na grelha, com o tutor à escolha e ficaria logo definido que tipo de trabalhodeveria ser feito (se alguém precisasse de ajuda a Matemática, por exemplo, deve-ria dizer logo se queria resolver problemas, fazer ficheiros de números...);

– a professora trabalharia com os dois alunos que estava matriculados no segundoano e, duas vezes por semana, teria alunos também inscritos em tutoria.

Estas regras, tais como todas as outras que existem dentro da sala, não ficaram regis-tadas ou afixadas na sala, porque a turma, em geral, mostra-se bastante zelosa no cum-primento das regras negociadas em conjunto – como são as regras «de todos» e nãosomente as da professora, há uma grande preocupação em cumprir e fazer cumprir aquiloque é estipulado para o bom funcionamento do trabalho. É claro que por vezes foi neces-sário parar o trabalho e relembrar o combinado, mas foram momentos excecionais e comum grupo muito restrito de alunos.

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Depois de discutirmos e assumirmos que as tutorias funcionariam deste modo, iniciou-se o processo de trabalho.

Confesso que foi engraçado ver alguns tutores a «arrancarem o cabelo» para conse-guirem explicar a alguns colegas o que quer que fosse. Os momentos mais difíceis verifi-cavam-se nos ficheiros de problemas, quando era necessário explicitar o raciocínio quedeveria ser feito, explicitar um enunciado várias vezes sem nunca dar a resposta. Frasescomo: «Nunca serei professor» ou «Ó professora, isto assim é difícil!!!!!!» começaram aser normais dentro da sala. Os tutores começaram a ser muito solicitados e notei quehavia mais objetividade na organização do trabalho e na análise das reais dificuldades decada um. Gostei de verificar que, ao contrário do que esperei, os tutores responsabiliza-ram-se pelo trabalho dos seus colegas e ajudaram genuinamente aqueles que os procu-raram, sem fazer julgamentos negativos ou comentários desagradáveis aos colegas.

Neste trabalho de tutorias, os tutores poderiam ser também apoiados, ou seja, deacordo com as suas dificuldades poderiam também ser ajudados noutra área curriculardisciplinar e isto aconteceu várias vezes com o Fernando, que era tutor de Matemáticamas que trabalhou diversas vezes com a Sandra, que era tutora de Língua Portuguesa.

Após duas semanas deste trabalho de tutorias, resolvi fazer uma análise da situação,centrando-me nos pontos positivos, negativos e nos aspetos que considerei ser necessárioalterar/eliminar. Desta forma, pareceu-me mais fácil traçar um caminho a seguir, que fosseo mais sólido e o mais positivo possível para todos os intervenientes. Mais uma vez, o meuobjetivo era proporcionar aos alunos tarefas diferenciadas e continuar a apoiá-los adequa-damente, de forma a ir ao encontro do desenvolvimento de um conjunto de competências.

Primeiras considerações:

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Aspetos Positivos

Foram estabelecidas novas relações de trabalho dentro da turma

As modificações do trabalho foram bem aceites por todos

Começa a notar-se uma maior responsabilização pela definição / / realização / conclusão dos trabalhos

Os tutores foram nomeados por mim, a turma não foi ouvida

Há tutores que, apesar de terem boasnotas, não conseguem transmitir aos colegas os seus conhecimentos

É complicado definir horários que consigam ser “flexíveis” para todos os envolvidos

Há poucos tutores e muitas solicitações de ajuda

Há alunos que não foram considerados por mim como tutores, mas que são muito solicitados pelos colegas

Deixar que haja novas propostas feitaspela turma, no sentido de alterar os tutores ou juntar novos elementosao grupo de tutoria

Eliminar a professora do grupo de tutores e deixá-la apenas a trabalhar com o grupo do segundo ano, durante o tempo de TEA

Aspetos Negativos Propostas de Alteração

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A segunda proposta apresentada: «Como fazemos as tutorias e todo o trabalho de TEA?»

Após todas estas considerações e, mais uma vez, durante o tempo de assembleia,apresentei à turma as minhas inquietações e ouvi as considerações que quase todos qui-seram partilhar.

A generalidade estava contente com esta modalidade de trabalho; no entanto, tambémpensava (tal como eu) que estava a ser complicado conciliar o trabalho de tutores com oseu próprio trabalho. Houve também quem referisse que gostou de trabalhar com colegasdiferentes. Durante os trabalhos de projeto, os grupos eram definidos a partir de afinida-des pessoais, enquanto neste tipo de trabalho havia que procurar alguém que conse-guisse dar ajuda. Houve necessidade de relembrar que a função dos tutores era só aju-dar e explicar e não resolver exercícios para «despachar» trabalho alheio.

Depois do que discutimos em assembleia, apresentei outra proposta:

– definir novos tutores em função da sua posição relacional dentro da turma;– deixar a grelha coletiva de inscrições para o trabalho de tutorias (que nos pareceu

demasiado rígida) e reservar um espaço no PIT para registar o trabalho de tutoria:quem e quando ajudou ou foi ajudado. Este registo escrito permitia uma maior orga-nização e gestão de tempo para o trabalho de tutoria e para o trabalho individual,que cada um se comprometia a realizar e que também estava registado no PIT;

– manter registos obrigatórios de trabalho em tutoria, para quem fosse consideradonecessário, de forma a que não se perdesse o objetivo deste tipo de trabalho;

– continuar a avaliar o trabalho todas as sextas-feiras, para traçar sempre o melhorcaminho a seguir para todos os intervenientes;

– esclarecer todas as dúvidas relativas ao trabalho na «hora certa» e não fazer «quei-xinhas» às sextas-feiras, visto isso afetar o cumprimento das ordens de trabalho.

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Trabalho com a Professora Trabalho com os colegas

Assunto Nome Assunto

Ler, contar e mostrar

(excerto do PIT utilizado na turma)

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Lançámo-nos uma vez mais ao trabalho. Parece-me que desta vez foi muito mais útile menos cansativo para todos. A minha participação deixou de ser tão necessária. Haviamais tutores, mais gente a ajudar, começou a manter-se um ritmo e estavam a criar-sehábitos de trabalho. Fiquei mais tranquila, porque enquanto uns trabalhavam autonoma-mente, eu podia trabalhar com os meus meninos do segundo ano de escolaridade, quetanto necessitavam de ajuda.

Relativamente à qualidade das produções apresentadas, parece-me que se tornarammais completas, mais ricas e foi engraçado verificar que os próprios alunos conseguiramperceber que todos ganhavam com este trabalho de tutoria, incluindo os próprios tutores,reaprendendo o que sabem e adquirindo novas ferramentas, novas linguagens, outrosolhares sobre si e sobre os outros.

Considerações finais

Ao olhar para o caminho que percorri, apercebo-me de que mantenho a minha posi-ção de sempre em relação às questões da educação: é um caminho tão difícil quanto oquisermos tornar.

Quanto mais nos questionamos, mais percebemos que somos pequenos, que en-quanto educadores a nossa função é questionarmo-nos sempre, alterarmos práticas, ava-liarmos o que fazemos com os nossos alunos. Estaremos a trabalhar para todos eles?Com todos eles?

A nossa função é esta: trazermos ao de cima as nossas fraquezas enquanto educado-res e refletirmos com os nossos pares, torná-las forças, aprendermos com os que nosrodeiam. Penso que, enquanto professora, proporcionei aos meus alunos estas vivências,tentei que se desenvolvessem enquanto pessoas, que errassem e corrigissem os seuserros, que mostrassem o que tinham de bom e também o que de menos bom todos têm.

Neste processo de trabalho que aqui aflorei, interroguei-me tantas vezes! Será queestou a desenvolver competências nestas crianças? Aquelas competências que vãodepois ser aferidas nas provas nacionais? As que estão presentes em todos os documen-tos oficiais? Estarei a ser só sonhadora?

Continuo a interrogar-me e, muitas vezes, não obtenho respostas!Mas mantenho a vontade de mudar, de melhorar, de encontrar novas formas de estar

na escola… Aprendo com os meus alunos e, confesso, aprendo muito com os meus pares,aprendi muito com o grupo de trabalho de pivôs em que tive o privilégio de estar integrada.

Anexo

Grelhas apresentadas no início da implementação do trabalho em tutoria com a turma. Cada aluno inscrevia-se para trabalhar com um dos tutores e planificavam o trabalho

que iriam realizar (ficheiros, trabalho de texto, leitura, etc.).

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Anexo 1

Anexo 2

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c) Passo a passo … a caminhar para a autonomia

(Lina Figueira)

Ao chegar ao agrupamento de escolas de Vialonga, deparei-me com um dos maioresdesafios da minha vida: ensinar crianças ciganas que tinham apresentado, em anos ante-cedentes, dificuldades de aprendizagem, associadas a um elevado absentismo e a umafraca expectativa face ao seu percurso escolar.

Trabalhei num espaço provisório (e reduzido) da escola e tinha como principal funçãoajudar as crianças na sua reinserção escolar.

Desde logo verifiquei que os alunos dependiam muito de mim: ainda não conseguiamorganizar o seu espaço de trabalho, deixavam tudo espalhado, afiavam os lápis para ochão e chegavam mesmo a roê-los. Não apresentavam iniciativa nem qualquer indício deautonomia e demonstravam possuir uma fraca autoestima, uma vez que duvidavam detudo o que eram capazes de fazer. Não demonstravam interesse nem valorizavam aaprendizagem escolar, devido à influência dos pais e a uma cultura muito distante da cul-tura da escola.

A minha ideia é a de que a educação inclusiva foi implementada, essencialmente, paraconceder mais oportunidades de acesso ao ensino a determinados grupos sociais e paracombater a discriminação e a marginalização. Com este intuito, pretendi criar condiçõestécnicas, metodológicas e humanas para garantir a socialização e a aprendizagem-ensinoa estas crianças. Foi para encontrar resposta para as necessidades destes alunos que sejustificou a formação da turma de características especiais (discriminação positiva) no anoletivo de 2007-2008.

Numa primeira abordagem, foi essencial estabelecer regras para o desenvolvimentopessoal e social das crianças e de um espírito comunitário, bem como para incutir hábitosde higiene pessoal e alimentar. Face aos resultados positivos, deu-se continuidade ao pro-jeto iniciado, até ao presente ano letivo.

Mas, se os problemas iniciais tinham sido resolvidos, urgia agora colmatar as carên-cias escolares dos alunos, a maioria das quais se centrava na Língua Portuguesa: nomodo oral, apresentavam um vocabulário reduzido, que lhes dificultava a compreensão ea expressão; na leitura e na escrita, notava-se um défice muito acentuado ao nível da des-codificação, da compreensão e da expressão. Senti, pois, que era urgente aplicar estraté-gias que motivassem e implicassem estas crianças na sua própria aprendizagem e querespeitassem os diferentes ritmos de trabalho. Tinha de proporcionar aos alunos um am-biente escolar propício à aprendizagem, mas de forma diferenciada, para ir ao encontrodas necessidades da turma e, em simultâneo, de cada um.

Com base nestas necessidades, e porque todos os professores se devem prepararpara a inclusão escolar, para criar um ambiente de trabalho favorável à aprendizagem e

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para ter disponibilidade e competências para acompanhar todas as crianças, implementei,no início do ano letivo transato, a metodologia implícita no trabalho autónomo na sala deaula. Este dispositivo possibilitou o desenvolvimento do trabalho autónomo dos alunos e,ao mesmo tempo, facilitou o meu trabalho de professora, ao proporcionar-me um tempodedicado especificamente ao apoio individual dos alunos com mais dificuldades. Foi ela-borado um plano de trabalho semanal para facilitar e orientar os alunos nos diferentesmomentos de trabalho diário a realizar e, obviamente, nos momentos dedicados ao TA.Baseando-se neste instrumento, os alunos começaram, pouco a pouco, a construir oplano do dia, que contemplava aproximadamente uma hora diária dedicada ao TA (dei-xando essa tarefa de ser exclusivamente minha).

Uma outra prioridade da minha prática reporta-se à constante preocupação de fazer olevantamento das dificuldades dos alunos e de adequar tarefas que respondessem aosinteresses do grupo e que fossem também ao encontro do currículo. Assim, no início doano, apresentei aos alunos as atividades que podiam realizar durante o tempo de TA e quecorrespondiam às suas expectativas, permitindo, ao mesmo tempo, a aprendizagem docurrículo.

As atividades que os alunos realizavam durante este tempo eram orientadas por umplano individual de trabalho, geralmente semanal, destinado ao registo e planificação dasatividades selecionadas de comum acordo entre mim e os alunos, bem como à verifica-ção do cumprimento dessas atividades e da superação das dificuldades.

No final da semana, era feita a avaliação individual do PIT, assim como a análise dasdificuldades sentidas pelos alunos, de forma a contemplá-las na planificação do trabalhoda semana seguinte. Ao regularem a gestão do trabalho através do PIT (um instrumentoque permite a diferenciação), os alunos eram parte participativa e ativa no processo deaprendizagem.

Enquanto os alunos se dedicavam ao cumprimento das suas tarefas no TA, em funçãodo que estava planeado, fiquei com tempo para trabalhar com outros que apresentavammaiores dificuldades de aprendizagem, conduzindo-os cada vez mais a um ensino indivi-dualizado. Tive possibilidade de proporcionar tarefas diferenciadas e apoiar de maneiradiversa todos os alunos, onde eles mais necessitavam.

Para implementar o TA e para fazer um apelo à participação ativa das crianças, foinecessário adaptar a nossa reduzida sala de aula e dividi-la em espaços distintos. O es-paço central da sala era constituído por mesas e cadeiras que ocupavam a maioria (dopouco) espaço disponível, proporcionando uma área para os onze alunos trabalharemindividualmente, a pares ou em grupo, conforme as necessidades e as atividades propos-tas. Num canto da sala, foi organizado um espaço de leitura, a biblioteca da sala, consti-tuída por um tapete (onde cabiam no máximo duas crianças), dois pequenos armários comlivros oferecidos (por mim e por eles) e com trabalhos realizados na sala, como históriase trabalhos de projeto. Contíguo a este, encontrava-se o espaço para a utilização do com-

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putador, no qual podiam estar dois alunos de cada vez. Para além de se aproveitar a ver-tente da edição de texto, este recurso também proporcionou momentos dedicados aosjogos didáticos, muito do agrado dos alunos. A zona de experiências (que registara, noano anterior, uma adesão pouco significativa) era constituída por um armário de arruma-ção do material necessário para o momento «Experiência da Semana». Junto a estearmário encontrava-se uma zona de ficheiros construída a partir de uma sapateira comdoze divisórias, contendo propostas de atividades para o TA. Por fim, havia a zona domaterial, constituída por um armário com jogos e com diversos materiais estruturados enão estruturados para realizarem o seu trabalho.

Para além do aproveitamento físico do espaço horizontal da sala de aula, também aárea vertical foi completamente utilizada com afixação de cartazes e produções dos alu-nos, que lhes servissem de apoio. O espaço foi dividido, de forma a fixar materiais desuporte às áreas de Língua Portuguesa, Matemática, Estudo do Meio e Expressões. Haviaainda um placar com os instrumentos de organização: os registos dos ficheiros realizados,o programa com uma linguagem acessível às crianças, as grelhas de registos diversos.

Toda a disposição da sala de aula foi pensada de forma a proporcionar atividades quepromovessem a autonomia na realização dos trabalhos nas diversas áreas do saber.

Os alunos aderiram completamente ao dispositivo do trabalho autónomo, sendo atéum dos seus momentos preferidos. Esta grande adesão deveu-se, talvez, ao facto deserem eles a planear as tarefas, pois, deste modo, houve afetividade no trabalho e maiorempenho em cumpri-lo. Partindo do princípio de que todos os alunos são diferentes,adquirem conhecimentos e desenvolvem competências com um ritmo diferente num per-curso de aprendizagem próprio, as atividades propostas foram adaptadas a esta diversi-dade. Na Língua Portuguesa, realizaram-se atividades de leitura de livros, escrita de tex-tos, palavras cruzadas, fichas do manual e ficheiros de leitura, de leitura funcional, deescrita e de ortografia. A Matemática foi trabalhada através da realização de exercíciospropostos em ficheiros de contas, de geoplano, de tangram e de blocos lógicos, escrita eestudo das tabuadas e fichas do manual. A área de Estudo do Meio foi trabalhada atravésde um ficheiro de experiências e do estudo do manual.

Para proceder à análise das tarefas a que os alunos mais aderiram, recolhi os dadosdas grelhas de registo coletivo presentes no placar da organização, onde os alunos regis-tavam a tarefa que tinham feito. De referir que o registo da realização das tarefas eraduplo, tendo o registo coletivo (colocado na parede) o objetivo de o aluno assumir peranteo grupo a tarefa realizada e, simultaneamente, servir de base ao controlo da professorana execução e adesão às propostas facultadas. O registo das atividades realizadas no PITservia para a orientação individual do aluno em relação ao plano delineado para um deter-minado prazo contratual.

As tarefas que tiveram maior adesão foram as do geoplano e do tangram que, ao longodo tempo, apresentaram um decréscimo gradual em prol dos manuais de Língua Portu-

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guesa e Matemática e da realização do ficheiro com propostas de escrita de textos. Se,no início, tive de negociar com os alunos as tarefas a que eles tinham de dar preferênciae que estavam relacionadas com as suas dificuldades, a meio do ano, comecei a verificarque já não precisava de intervir, pois eles assumiram o compromisso de trabalhar as áreasem que tinham maiores dificuldades.

Cabe-me a mim, enquanto professora, recolher e analisar a informação sobre a cres-cente utilização que cada aluno faz dos ficheiros e dos manuais, sobre o seu desempenhoem situações de aprendizagem e sobre a facilidade ou dificuldade em compreender ou pro-duzir saberes. É com base nestes dados que eu devo refletir. Devo possuir um conheci-mento na ação que reúna a sabedoria (conteúdos programáticos), a prática (estratégias) eo talento (capacidade de passar dos conteúdos implícitos aos conteúdos explícitos).

Uma das dificuldades respeitava às atividades disponibilizadas que, em determinadomomento do ano letivo, necessitaram de um ajustamento às necessidades da turma, ha-vendo urgência em retirar umas tarefas e colocar outras que fossem ao encontro das apren-dizagens ancoradas na zona proximal de desenvolvimento de cada uma das crianças.

A certa altura, senti necessidade de reformular a grelha do PIT e readaptá-la à turmae às novas atividades. Ele deixou de assumir apenas o papel regulador do TA, para regu-lar também a assiduidade e o comportamento dos alunos na participação na rubrica mati-nal «Ler, contar e mostrar», nas responsabilidades, nos trabalhos em projeto em curso,nas parcerias e na avaliação do trabalho realizado durante o tempo de estudo autónomo.

Com a introdução desta nova grelha, também eu senti necessidade de fazer o registodas tarefas que os alunos se propunham realizar, para que, no final, houvesse uma ava-liação coletiva. Desta forma, criei uma grelha para afixar na sala de aula com as tarefasque cada um se propunha realizar naquela semana. Foi através desta grelha que pudeanalisar o trabalho individual de cada aluno, ao mesmo tempo que tinha uma visão geraldo trabalho de toda a turma.

Uma grande preocupação que me inquietou deveu-se ao contexto em que desenvolvia minha prática, pois não foi o mais favorável devido à falta de assiduidade dos alunos.Este facto impediu o bom funcionamento de sequências didáticas planificadas e inviabili-zou aprendizagens contínuas. Assim, um dos contributos da implementação do TA refle-tiu-se na adaptação das minhas práticas pedagógicas às necessidades educativas dosalunos, visando o tão esperado sucesso no seu desempenho.

No entanto, esta problemática, já de si preocupante, foi associada às característicasdos alunos, cujas idades e níveis de desempenho escolar se apresentavam díspares, etambém por isso se tornava difícil planificar uma atividade que proporcionasse a individua-lização de tarefas, de modo a adaptar o trabalho às dificuldades de todos e, simultanea-mente, às de cada um.

No geral, esta metodologia, em que, durante um momento do dia, focalizavam a suaaprendizagem na execução de tarefas planificadas, promoveu a crescente autonomia dos

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meus alunos, pois, para além de desenvolver competências fundamentais, também lhesdesenvolveu o sentido de responsabilidade. Com esta diferenciação do trabalho, respei-tava as diferenças individuais dos alunos e tinha tempo para dedicar maior atenção aosque estavam a precisar de mim ou que demonstravam maiores dificuldades. Aprendi aproporcionar aos meus alunos tarefas diferenciadas e a apoiá-los de modo diferente, deacordo com os seus ritmos e dificuldades. Os alunos revelaram cada vez mais interessee empenho na aprendizagem, mais autonomia e responsabilidade e ainda uma melhororganização do seu trabalho.

A evolução foi de tal modo positiva que, a dada altura, vim a aperceber-me das rela-ções de cooperação que estavam a nascer através da realização do TA. Enquanto eudedicava o meu tempo a trabalhar individualmente com os alunos, começava a ouvir «pro-fessora: vou ajudar o/a ….». Esta situação foi uma das causas que me levou a adaptarnovamente o PIT, criando um espaço específico para o registo destas tutorias que, ape-sar da minha constante insistência, não foi tão usado como eu gostaria, talvez porque aajuda era real, mas a obrigatoriedade do seu registo transformava o momento em algodemasiado formal, o que levou os alunos a distanciarem-se dele.

Ao promover uma prática educativa de integração, a escola teve de fornecer às crian-ças atividades escolares em que elas participassem, criar situações de aprendizagem coma ajuda de materiais e estratégias apropriadas às suas condições, para minimizar as suasdificuldades. É imprescindível ter uma atitude positiva para com o grupo, pois só destemodo se consegue promover o desenvolvimento da sua autoconfiança e do seu sentidode responsabilidade.

A única e verdadeira solução para o problema da exclusão social reside na modifica-ção das mentalidades e na aceitação da diferença, de modo a que qualquer indivíduo,independentemente das suas capacidades e competências, seja aceite e integrado nasociedade. Torna-se necessário apostar na integração escolar conjunta e, a partir dela,trabalhar por uma total integração familiar, social e cultural.

Penso que a dedicação e o trabalho agora desenvolvido no âmbito desta turma sedeverá estender, durante toda a minha vida profissional, a muitos outros problemas, como intuito de melhor responder às necessidades das crianças em sala de aula. Aprendi quetenho de ser criativa e observadora, proporcionando-lhes materiais diversos para explora-rem e trabalharem, porque considero que o mais importante é a satisfação e proveito decada criança, as suas descobertas e dúvidas, as suas conquistas e, principalmente, a von-tade de continuarem a aprender... Só deste modo posso fugir à formação de preconceitose estereótipos, que apenas me prejudicarão na minha função de professora, assim comopoderão prejudicar os alunos que necessitam de ajuda para aprenderem a ser felizes.

Está nas minhas mãos contribuir para a construção de um mundo melhor para ascrianças.

Elas são o futuro…

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d) Tempo de Estudo Autónomo… um percurso

(Filipa Rodrigues)

O presente artigo descreve o meu percurso com uma turma do 3.º ano de escolari-dade, em tempo de estudo autónomo.

A turma de 3.º ano tem 21 alunos, com idades compreendidas entre os 7 e os 9 anos.O tempo de estudo autónomo é um momento onde cada aluno treina as suas competên-cias individualmente ou a pares e é regulado por uma grelha de tarefas denominada planoindividual de trabalho, que é o contrato do trabalho semanal do aluno. Esta grelha é com-posta por uma tabela de dupla entrada: na primeira coluna, estão definidas as atividadesque cada aluno pode realizar e, nas colunas seguintes, os alunos registam a quantidadede atividades realizadas.

É importante que, no início da semana, os alunos indiquem quantas e quais as ativi-dades que irão realizar ao longo da semana. À medida que as vão realizando, vão-nasmarcando na grelha. O PIT possibilita a cada aluno traçar o seu percurso de aprendiza-gem e organizar-se face ao seu ritmo de trabalho. Durante o tempo de estudo autónomo,cada aluno realiza as atividades que marcou no seu plano individual de trabalho e que inci-dem principalmente nas suas necessidades e dificuldades.

A turma contactou com o tempo de estudo autónomo desde o seu 1.º ano de escola-ridade e, logo no início deste ano letivo, uma das suas preocupações era saber se eu iriaacabar com o TEA. Este é um momento muito motivante para os alunos e todos ansiavamcomeçá-lo, por isso foi urgente retomá-lo.

No início do ano letivo, a turma recebeu dois colegas novos, a quem foi importanteexplicar em que consistia o TEA. Os colegas explicaram o que era, o que faziam e o Antó-nio ficou muito entusiasmado ou deixou-se entusiasmar com a euforia dos colegas.

A primeira vez que o António contactou com a grelha do plano individual de trabalho,não revelou dificuldades, apesar de só escolher as tarefas mais fáceis para ele.

A Luísa foi muito menos autónoma: ao longo de todo o ano precisou de orientação nopreenchimento da grelha e até mesmo na organização do seu portefólio.

No primeiro dia de TEA, quase todos os alunos trabalharam a pares: ditados, opera-ções, jogos…

Logo na primeira semana, foi interessante ver que os alunos estavam a trabalhar asdificuldades sentidas durante a realização das fichas de avaliação diagnóstica.

As minhas principais tarefas antes e durante o TEA foram:

– construir e organizar ficheiros e materiais de acordo com o currículo escolar (visívelnos ficheiros construídos em torno das sequências didáticas);

– apoiar e orientar os alunos na resolução das atividades em que manifestavam difi-culdades individuais;

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– fazer balanços semanais do trabalho desenvolvido pelos alunos;– fazer ajustes para a otimização dos trabalhos com os alunos;– dar um feedback constante aos alunos em relação ao seu desempenho.

Durante o TEA, os alunos deviam:

– desenvolver atividades de treino, consolidação e/ou aprofundamento dos conteúdosjá aprendidos, orientados pelo seu plano individual de trabalho;

– desenvolver atividades de acordo com as suas dificuldades;– recorrer a materiais diversificados como suporte das suas aprendizagens;– responsabilizar-se pelo desempenho de tarefas que asseguram o bom funciona-

mento das aulas e a manutenção do espaço e dos materiais de trabalho;– receber o apoio individualizado do professor;– cooperar com os colegas na concretização de tarefas;– regular e autoavaliar o seu percurso de aprendizagem e definir novos percursos.

Ao longo do ano, os alunos mostraram sempre grande interesse e motivação duranteo TEA.

Na maioria dos dias, consegui cumprir os objetivos deste momento (trabalhar as difi-culdades individuais de cada aluno, promovendo a diferenciação pedagógica); noutros, foidifícil fazê-lo, pois os alunos tendiam a realizar as suas atividades preferidas e aquelas emque se sentiam mais seguros.

Preparação/organização do cenário da sala de aula

É fundamental que a sala de aula esteja bem estruturada, de modo a facilitar a apren-dizagem dos alunos. Para isso, no início do ano letivo, organizei-a em duas grandes áreas:

– As áreas de Apoio Geral, compostas por armários, bancadas de ficheiros e placares.Nos armários estão os materiais de desgaste, arrumados e organizados. As banca-das de ficheiros contêm baterias de ficheiros e guiões para o desenvolvimento dotrabalho autónomo. Por cima de cada ficheiro, na parede, há uma tabela de registoda realização de cada ficheiro (tabela de dupla entrada, em que cada aluno vai regis-tando os ficheiros já trabalhados).

– As áreas de Apoio Específico:• área da Biblioteca, onde estão disponíveis livros de leitura e de consulta, assim

como as respetivas fichas de leitura para que as crianças preencham no tempo deestudo autónomo;

– • área da Língua Portuguesa, composta por ficheiros de atividades de Língua Portu-guesa, fábrica de histórias, dicionário e o correio;

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– • área da Matemática, onde estão disponíveis ficheiros de Matemática, materiaisdidáticos para trabalhar esta área, materiais não estruturados (feijões, missangas)e jogos lúdicos;

– • área da Informática, espaço composto por um computador com ligação à internete com alguns jogos didáticos instalados;

– • área de Expressão Plástica, onde estão disponíveis materiais de pintura e folhaspara os alunos poderem desenvolver autonomamente o seu projeto individual;

– • área das Ciências, constituída por ficheiros de Estudo do Meio e por uma área deexperiências, ainda em construção;

– • espaço Central da Sala, onde os alunos têm o seu lugar de trabalho, o seu mate-rial e onde realizam as suas tarefas; este espaço está organizado por grupos detrabalho, existindo neste momento 5 grupos.

A criação destas áreas de trabalho pretende cultivar o espírito de autonomia nos alu-nos, bem como promover uma pedagogia diferenciada, em que cada aluno tome cons-ciência das suas dificuldades, para as trabalhar em tempo de estudo autónomo.

Os ficheiros dispostos em cada área foram sendo completados ao longo do ano, àmedida que os conteúdos programáticos iam sendo trabalhados.

No final de outubro, notei que existiam muitos ficheiros inúteis na sala de aula: algunsdeles eram muito fáceis e em nada ajudavam os alunos, apenas os ocupavam em TEA.Assim, foi importante negociar com os alunos e fazê-los perceber o porquê da sua remo-ção da sala de aula. É muito importante regular o grau de dificuldade dos ficheiros à dis-posição dos alunos: os ficheiros demasiado fáceis provocam, por vezes, a desmotivação,pois os alunos não sentem as suas competências treinadas; e os ficheiros demasiado difí-ceis podem provocar a frustração, pois os alunos ainda não têm competências necessá-rias para os realizar, levando-os a desistir.

Definição e horário do TEA

No início do ano, não defini qual o horário para o TEA.Inicialmente, eram-lhe destinados 40 minutos diários, sempre no último tempo das ati-

vidades letivas. Este tempo era sempre um momento de grande agitação, pois no final dodia as crianças já estavam cansadas e dispersavam-se mais facilmente. Assim, as ativida-des em que as crianças deveriam estar mais concentradas e empenhadas, para superaremas suas dificuldades, revelavam-se muito pouco produtivas, com barulho e confusão.

Perante este facto, resolvi alterar o horário do TEA para o primeiro tempo do dia. Alémdo horário, também a duração foi alterada: em vez de 40 minutos, passámos a ter umahora diária e, assim, os alunos passaram a ter mais tempo para treinar e ultrapassar assuas dificuldades.

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Foi notória a produtividade dos alunos com a alteração do horário. Agora, estavammais calmos, mais concentrados e não demonstravam o cansaço outrora revelado. Houveum maior investimento neste tempo e as produções dos alunos começaram a ser notórias:eles começaram a trabalhar mais e, sobretudo, nas suas dificuldades.

Este horário nem sempre foi fixo; houve muitos dias em que foi difícil iniciar as ativida-des com este momento: elaboração de fichas de avaliação, introdução de novos conteú-dos programáticos, entre outros.

Inicialmente, fiquei muito apreensiva em alterar o horário. Ainda me sinto muito«colada» ao Programa Nacional e tinha receio de roubar muito tempo ao trabalho dos con-teúdos programáticos, principalmente no 3.º ano, em que o programa é muito extenso.

Uma outra angústia minha teve a ver com a metodologia para trabalhar as dificuldadesreveladas pela maioria dos alunos, uma vez que, ao primeiro tempo, eles trabalhavam assuas dificuldades individuais. Podia optar por explorar as dificuldades gerais com todos oudeixar este trabalho para os tutores. A solução que encontrei foi trabalhar com todo o grupo.

Evolução das grelhas do plano individual de trabalho

Antes de iniciar o tempo de estudo autónomo, decidimos que era importante ver osficheiros existentes na sala de aula. Uns já tinham sido utilizados no ano letivo transato,outros estavam reformulados/completados e tinham surgido ficheiros novos.

Depois da análise dos ficheiros, construímos uma grelha de planeamento do trabalhoindividual, onde se discriminaram todos os ficheiros existentes na sala de aula e outras ati-vidades que os alunos achavam pertinentes e importantes: ditado a pares, tabuadas, con-clusão de trabalhos, entre outras. (Ver Figura 1).

Esta grelha era um pouco complexa para os alunos: uma vez que todos os ficheirosestavam discriminados, eles sentiam-se um pouco perdidos, demoravam muito tempo afazer o seu planeamento semanal e a procurar os ficheiros escolhidos.

Então, em meados de outubro, decidimos elaborar uma nova grelha de trabalho, com-posta somente pelas áreas curriculares disciplinares, onde não estavam discriminados osficheiros e em que os alunos colocavam o número de atividades que iriam realizar emcada área.

Na mesma grelha, existiam os mesmos campos com as atividades que os alunos con-sideravam importantes para o seu trabalho. (Ver Figura 2).

No final de novembro, numa reunião com a Carmen Correia resolvemos discutir os ins-trumentos de pilotagem que utilizávamos.

Ao contactar com o PIT da Carmen, deparei-me com um plano muito mais completo,onde todo o trabalho realizado era registado: cada plano semanal referia a vida escolar doaluno durante essa semana. Foi deste modo que surgiu a minha terceira grelha de PIT.

Mostrei a grelha da Carmen à turma, expliquei a importância de cada item que a cons-

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tituía e, em conjunto, adaptámos essa grelha à nossa realidade: as atividades que cons-tavam da nossa antiga grelha foram transpostas para a nova grelha. (Ver Figura 3).

Esta nova grelha foi mantida até ao final do ano, apenas com o acrescento ou a alte-ração de algumas atividades.

O preenchimento desta nova grelha nem sempre foi bem conseguido, principalmentequando os alunos tinham de referir o trabalho fora do TEA.

Estabelecimento de tutorias

Durante o TEA, senti que não conseguia dar resposta às solicitações de apoio a alu-nos com dificuldades.

Perante esta minha incapacidade, resolvi pedir auxílio aos alunos da turma: um alunoque não revelava dificuldades em determinado assunto apoiava um aluno em dificuldade.A este auxílio dei o nome de tutorias e parcerias.

No início da semana, aquando da planificação do trabalho individual, fazia-se o levan-tamento da(s) dificuldade(s) que os alunos queriam trabalhar durante essa semana.Registavam-se essas dificuldades numa folha e combinavam-se as ajudas/apoios: quemtrabalhavam com quem, o que ia ser trabalhado e quando. Estes aspetos eram registadosna mesma folha que, posteriormente, era fixada na sala de aula.

Um aspeto importante era definir o tempo dos apoios. Ao fazer a sua programaçãosemanal, o aluno-tutor já sabia que naquele dia iria apoiar um colega, por isso não pode-ria programar nenhum trabalho individual.

Os tutores normalmente eram autopropostos, sempre com a minha supervisão.Inicialmente, as tutorias estavam relacionadas com as amizades mas, com a discus-

são permanente acerca das funções das tutorias, os alunos começaram a escolher o seututor de acordo com as áreas fortes dos colegas.

O estabelecimento das tutorias foi um passo muito importante para o trabalho com osmeus alunos.

Na definição do trabalho com a professora eram combinados os dias, o grupo e as ati-vidades a realizar.

Essa definição prévia permitia-me maior concentração nas dificuldades do grupo dealunos com quem estava a trabalhar e permitia-me também ficar tranquila em relação aosoutros alunos, pois sabia que também estavam a trabalhar para superar as suas dificulda-des e alguns deles até tinham tutores para os apoiar.

Mas as tutorias nem sempre funcionaram bem. Houve tutores que, apesar de se teremproposto, se recusavam a trabalhar com o colega, no tempo destinado a este apoio, eoutros desistiam de apoiar, pois não conseguiam ajudar o seu par.

Assim, houve necessidade de se fazer também uma avaliação semanal das tutorias.Cada tutor avaliava o colega que tinha apoiado e o aluno apoiado avaliava o trabalho doseu tutor.

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Durante o ano, existiu um grupo de alunos que foram excelentes tutores, exigindo tra-balho e ajudando os colegas a superarem as suas dificuldades.

Um aspeto evidente ao longo do ano tem a ver com os alunos que raramente manifes-tavam dificuldades, mas que, por vezes, solicitavam a ajuda da professora para realizaratividades nas quais não tinham dificuldades. Talvez sentissem essa necessidade, porraramente trabalharem comigo em TEA, e solicitavam o meu apoio somente para estar atrabalhar com eles.

Avaliação do PIT

Inicialmente, não se dava uma importância tão grande à avaliação do PIT como secomeçou a dar, no final do primeiro período.

Até aqui, a avaliação do trabalho em TEA feita por cada aluno só era lida por mim, queposteriormente também avaliava o trabalho do aluno.

Em novembro, com a introdução da nova grelha de PIT, foi necessário criar ummomento para cada aluno ler a sua avaliação à turma e para, posteriormente, se fazer aheteroavaliação.

Antes de ler a sua avaliação, cada aluno tinha de referir o trabalho programado, reali-zado e as dificuldades que se propôs trabalhar; posteriormente, a turma fazia a he-teroavaliação: «Trabalhaste bem, mas não trabalhaste as tuas dificuldades!»; «Traba-lhaste bem e esforçaste-te para superares as tuas dificuldades!»

Cada aluno ficava responsável por escrever a heteroavaliação no seu plano de trabalho.Nem sempre os alunos eram produtivos neste tempo. Uma luta que travei com o grupo

teve a ver com o facto de muitos não cumprirem o seu contrato de trabalho, nem fazeremesforços para o cumprir. Foi necessário orientar diariamente as atividades destes alunos,para que, no final da semana, tivessem cumprido o seu contrato.

Por outro lado, existiam alunos que apresentavam um grande número de tarefas, noentanto não trabalhavam as suas dificuldades.

Existiram também algumas situações como a da Andreia Catarina: numa semanaapresentou 162 atividades, mas elas não estavam adequadas ao seu nível, pois eramdemasiado fáceis para a aluna.

É preciso estar atenta a este tipo de situações, para que os alunos aproveitem bemeste momento que lhes é concedido diariamente.

A avaliação do PIT é fundamental para a regulação do percurso escolar de cada aluno:as atividades desenvolvidas, as dificuldades trabalhadas, o ritmo de trabalho, a forma decada aluno se organizar no tempo e no espaço.

A minha avaliação também tinha uma função reguladora: além de incentivar as evolu-ções, fazia propostas de trabalho para a semana seguinte, valorizando as atividades rea-lizadas em função das dificuldades de cada aluno.

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Conclusão

É durante o tempo de estudo autónomo que mais me apercebo que ajudo no desen-volvimento de cidadãos pensantes. Os meus alunos têm consciência das suas dificulda-des, assinalam-nas e procuram ajuda para as ultrapassar. Sabem onde e o que têm detrabalhar para poderem evoluir enquanto alunos de um sistema de ensino que estabele-ceu metas bem definidas, que todos têm de alcançar para progredir.

Conhecem o programa e apropriam-se dele em autonomia, em parceria com os cole-gas e nos apoios individualizados comigo. São corresponsáveis pelo seu percurso deaprendizagem. Por isso, foi visível o entusiasmo e a motivação com que os alunos reali-zaram as suas tarefas. Para trabalharem, não foi preciso distribuir fichas: eles procuraram-nas, selecionaram-nas e adaptaram-nas às suas dificuldades, tentando resolvê-las portentativa e erro ou procurando ajuda nos restantes parceiros educativos da sala de aula.

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Figura 1: Plano Individual de Trabalho – início do ano

Figura 2: Plano Individual de Trabalho – outubro

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Figura 3: Plano Individual de Trabalho – novembro

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Figura 3 (cont.)

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Rumo aos projetos

a) Os trabalhos de projeto

(Maria Isilda Branco)

Sou professora de apoio socioeducativo e, por isso, o meu trabalho é regido pelos pro-jetos curriculares das turmas das crianças que apoio. Uma vez por semana, durante45 minutos (por alargamento de horário), fiz um trabalho em projeto sobre lengalengascom um grupo de alunos do 1.º ano de escolaridade da EB1 n.º1 de Vialonga. Na EB1 deSanta Eulália, implementei um projeto semelhante, cujo tema eram as adivinhas, com umaaluna do 3.º ano de escolaridade com dificuldades de aprendizagem.

O projeto Lengalengas teve por base o facto de algumas meninas deste grupo anda-rem constantemente, no recreio, a dizer lengalengas. Quando comecei a trabalhar comestas sete crianças numa espécie de ludo-clube, pedi às meninas que repetissem a len-galenga «Dominó» para todos ouvirem e escrevi-a.

Resolvi, então, propor a aprendizagem de outras lengalengas que as nossas mães eavós diziam. As crianças aceitaram a proposta e pusemos logo mãos à obra.

Por não saberem ainda ler e escrever corretamente, começámos pelo preenchimentode uma grelha onde os alunos respondiam às seguintes perguntas: O que já sabemos?;O que queremos saber?; Onde vamos procurar?; De que material precisamos?. Deseguida, com a professora da biblioteca da escola, fomos procurar livros dedicados àqueletema. Como se tratava de crianças que ainda não conseguiam ler, li algumas lengalengasmais conhecidas e os alunos escolheram as que queriam aprender. Repetimo-las váriasvezes até as conseguirem memorizar. Entretanto, solicitei-lhes que pedissem às mães eàs avós para lhes ensinarem algumas lengalengas da sua infância, mas não houve res-postas positivas, alegando que elas já não se lembravam.

No fim do 2.º período, numa fase mais adiantada da aprendizagem da leitura e daescrita, propus que copiassem as lengalengas no computador, uma vez que já conheciamas letras do alfabeto e seria uma outra maneira de aprenderem a escrever. E assim foi:todas as semanas treinavam a leitura e a escrita no computador, de uma forma maislúdica. As crianças fizeram desenhos alusivos aos textos das lengalengas. Imprimiram-seos textos, montaram-se os desenhos e fez-se um livrinho que, depois de fotocopiado, foientregue aos alunos. Este trabalho foi feito por mim e pela auxiliar de educação.

Terminámos o projeto com a apresentação do trabalho aos restantes alunos da turmae com a oferta do livrinho das lengalengas ilustrado. Por fim, foi feita uma reflexão sobreo modo como decorreu este trabalho em projeto.

O projeto das adivinhas foi proposto por mim a uma aluna do 3.º ano com quem tra-balhava.

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Enquanto a aluna escrevia o reconto de alguns contos tradicionais para desenvolveras competências de escrita, folheou um manual mais antigo de Língua Portuguesa e mos-trou curiosidade na leitura de várias adivinhas, bem como na procura das soluções paraas mesmas. Propus-lhe fazer um trabalho em projeto baseado na pesquisa de mais adivi-nhas, para depois apresentar aos colegas que, certamente, também gostariam de asconhecer. A aluna aceitou a minha proposta e começou-se o trabalho com o preenchi-mento de uma grelha onde respondeu às seguintes perguntas: O que já sei?; O que querosaber?; Onde vou procurar?; De que material preciso?. Depois, fui com a aluna à biblio-teca da escola para procurar livros de adivinhas. Também propus aos colegas da suaturma que perguntassem às famílias se sabiam alguma adivinha e pedi que as trouxes-sem para a escola.

A aluna fez a leitura dos livros que encontrou na biblioteca e escolheu as adivinhas queconsiderou mais interessantes. Uma colega da turma também mostrou o resultado da suapesquisa. De seguida, passou os textos escolhidos para o computador com a colega ecom a minha supervisão.

Os textos foram impressos, a aluna fez desenhos alusivos às soluções das adivinhase elaborou-se um livrinho que foi distribuído aos restantes alunos da turma. A aluna e acolega memorizaram algumas adivinhas e apresentaram o trabalho à turma. No final, fize-mos uma reflexão sobre o trabalho apresentado.

Conclusão

Com a realização destes trabalhos tentei preservar, pelo menos nestas crianças e nassuas turmas, as tradições de antigamente, quando os pais e os avós contavam históriasaos filhos e netos, histórias essas que já lhes tinham sido contadas também pelos seuspais e avós, tal como aconteceu comigo quando era menina e tinha um avô que era umgrande contador de histórias. Muitas destas lengalengas e adivinhas já o meu avô mascontava, mesmo sendo um simples trabalhador do campo com apenas a 3.ª classe daescola primária de há cem anos. Como estas lembranças estão ainda muito presentes emmim, sinto muito gosto em partilhar estes textos com as gerações mais jovens, de modoa despertar nelas o gosto pelas tradições e a levá-las a questionarem os seus avós sobrea vida nos seus tempos de juventude.

Tanto no caso das lengalengas como no das adivinhas, as crianças que participaramnos projetos ficaram entusiasmadas com a realização do trabalho e, quando o apresenta-ram aos colegas de turma, estes também mostraram grande interesse em ouvir, repetir (aslengalengas), ler o livrinho, encontrar as soluções para as adivinhas, e também em ir àbiblioteca da escola procurar os livros que lhes foram mostrados pelos colegas. Após aapresentação do trabalho e durante vários dias, quase toda a turma sabia as lengalengase repetia-as durante o recreio.

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Em suma, o trabalho em projeto foi muito gratificante tanto para nós, professores,como para os alunos, porque não foi um trabalho imposto. Foi um trabalho feito com gostoe de acordo com os interesses das crianças, embora nós, por vezes, tenhamos de as aju-dar nas suas escolhas.

b) Na turma combinada: projetos que combinam…

(Maria Judite Campos)

Introdução

Falo de uma turma constituída por treze alunos, sendo seis do 2.º ano e sete do 3.ºano. O grupo já vinha formado do ano letivo anterior, com exceção de uma aluna romenado 3.º ano. Integrada pelo segundo ano nesta ação de formação, tem sido e continua aser um desafio gratificante trabalhar numa turma combinada, embora seja bastante traba-lhoso enquanto não se tem tudo organizado.

Como começámos

Em setembro iniciámos a organização dos espaços e do quadro das tarefas.Com base no ano anterior, combinámos que em setembro não iríamos ter momentos

fixos de trabalho autónomo, mas antes procurar funcionar de acordo com as necessida-des e disponibilidade de cada um.

Estes momentos de TA foram geridos de modo a haver alguns tempos para uma rela-ção pedagógica, professora/alunos, ainda sem utilizarmos o plano individual de trabalho.

Em outubro, foi iniciado o PIT e todos os momentos de TA foram aproveitados pararevisões. Foi feita uma alternância entre o 2.º e o 3.º ano, de modo a criar momentos deTA para uns e trabalho direto comigo para outros.

Durante o mês de novembro, consolidámos as rotinas. Deixei de estar preocupadacom o quadro das presenças, tarefas e comportamentos, cuja estrutura foi remodelada, oque facilitou a reorganização semanal.

A minha intervenção no trabalho autónomo passou para a «fase expectante», o queme proporcionou algum tempo para dedicar os alunos com necessidade de apoio. A pla-nificação do trabalho autónomo passou a ser feita todas as semanas e a ser regulada indi-vidualmente. No segundo período, tive de orientar e «desviar» um pouco as escolhas querecaíam mais nos manuais.

O conselho de turma reunia-se à sexta-feira: fazíamos um balanço da semana e resol-víamos as situações registadas pelos alunos. Demorou, mas passaram a escrever tam-bém no registo do «Gostei». A rotina foi adquirida e, uma das vezes em que não foi pos-sível realizar o conselho de turma, o presidente veio logo reclamar a sua realização, queocorreu durante um dos intervalos da segunda-feira seguinte.

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No segundo período, fixámos dias de TA na agenda semanal: passaram a ser às ter-ças-feiras à tarde e às quintas-feiras durante todo o dia. Cada aluno tinha ainda oportuni-dade de gerir momentos próprios. Eu aproveitei os tempos de TA para estar alternada-mente com dois alunos com dificuldades a nível da leitura e da escrita, ajudando-os naelaboração de textos e em exercícios de leitura. Às segundas-feiras de manhã, cada alunoelaborava ou revia o seu PIT semanal.

No TA, surgiram muitas oportunidades para a realização de atividades a pares. Naminha turma formaram-se pares entre os mais fracos e os melhores alunos do 2.º e do 3.ºano. Estes pares realizavam alguns projetos de língua portuguesa e ditados entre si.

As tutorias surgiram com mais frequência a partir do 2.º período, dentro do mesmo anoou entre os dois anos de escolaridade.

Aconteceu com dois alunos da minha turma. Um aluno do 2.º ano, com dificuldades naleitura e na escrita, faltou no dia em que os colegas fizeram a ficha de avaliação de Estudodo Meio. No dia em que veio, eu disse-lhe que iria fazê-la sozinho mas, quando reparei, oseu tutor estava a um canto a estudar com ele, no intervalo. É interessante ver como astutorias passaram para fora da sala de aula.

Penso que os meus alunos encararam as tutorias como troca de ajudas e não comouma substituição da professora, o que considero bastante positivo. Ajudam-se nos diferen-tes momentos de trabalho: quando a turma trabalha sobre o mesmo tema, os mais velhossão fundamentais para transmitir o que já sabem aos mais novos. Quando funcionamospor anos de escolaridade, as crianças trabalham a pares.

Estão muito atentos uns aos outros, às dificuldades que apresentam e tornam-se tuto-res uns dos outros espontaneamente.

Projetos

Os primeiros projetos surgiram logo a partir do dia 21 de setembro.Os temas dos primeiros TP foram propostos pelos alunos, seguindo-se a sua seleção

e a formação dos grupos por interesses. Esta formação depende sempre do tema que sepropõem estudar. Por vezes, são as crianças que escolhem o grupo de trabalho; outrasvezes, sugiro que incluam elementos mais novos. A planificação dos projetos foi feita noquadro, passada para os cadernos e, mais tarde, para as «folhas de trabalho». Os ele-mentos do grupo combinam o que vão fazer e quais as tarefas de cada um.

O projeto sobre as múmias foi realizado por dois alunos do 2.º ano de escolaridade. Afase inicial do trabalho, a investigação, correu razoavelmente mas, devido às dificuldadesde leitura e escrita dos dois alunos, o trabalho não foi acabado e, por isso, não o apresen-taram na data marcada.

Foi combinado que este TP ficaria suspenso mas que, até ao final do ano letivo, teriade ser terminado. Assim, o trabalho foi apresentado no mês de maio. Contudo, um dos ele-

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mentos, com um sentido autocrítico muito acentuado, não ficou contente com o resultadoe propôs repetir o projeto.

No projeto sobre os planetas, também realizado por dois alunos do 2.º ano, houve apreocupação de pedir ajuda em casa para a pesquisa da informação e trouxeram algunsdados. Como a apresentação não foi muito bem-sucedida, prometeram uma outra apre-sentação, agendada para o final do ano letivo e realizada em maio.

O projeto sobre Amália Rodrigues foi realizado por três alunas do 3.º ano e uma alunado 2.º ano. A formação deste grupo heterogéneo – constituído por uma criança romena etrês crianças portuguesas, duas das quais de etnia cigana – foi engraçada e funcionoumuito bem.

A planificação foi feita em conjunto, o grupo organizou-se e distribuíram-se tarefas:pesquisa de informação na internet, em revistas e entrevista a uma vizinha, que sabiamuito sobre Amália. O projeto foi apresentado e ouvimos um fado de um CD. Estava pre-visto a avó de uma menina cigana vir cantar, mas não foi possível, o que foi pena.

Um aluno do 3.º ano e outro do 2.º ano escolheram fazer um projeto sobre futebol,nomeadamente, sobre o Sporting. Este tema foi escolhido por dois sportinguistas, quequeriam saber mais sobre o seu clube. Por isso, foi um trabalho rápido, mas interessante.Os dois organizaram-se muito bem: primeiro fizeram a planificação; depois pesquisaraminformação na internet e organizaram as questões a que se tinham proposto responder;em seguida, colaram as informações numa cartolina e, por último, fizeram a apresentaçãodo projeto à turma, no dia 3 de novembro.

O trabalho sobre dragões foi outro tema de projeto, realizado por três alunos do 3.ºano. Formou-se este grupo, cujos elementos eram todos adeptos do Futebol Clube doPorto e que, em conjunto, fizeram a planificação do trabalho e distribuíram tarefas. Que-riam recolher informações acerca dos dragões, uma vez que o dragão é o símbolo doFutebol Clube do Porto. Pesquisaram, organizaram as respostas, colaram-nas numa car-tolina e apresentaram o trabalho à turma, no mesmo dia da apresentação do trabalhosobre o Sporting (3 de novembro).

Os primeiros projetos estavam feitos e apresentados (à exceção do projeto sobre asmúmias).

Passámos a uma segunda escolha: os alunos propuseram uma lista de temas, fizeramas suas escolhas e organizaram-se em grupos com formações diferentes dos primeiros TP.

Assim, em meados de novembro estavam a ser iniciados novos TP. O projeto sobre o corpo humano foi trabalhado por um aluno do 2.º ano e quatro do 3.º

ano – três rapazes e uma rapariga. Quando vi uma menina na formação do grupo penseique não ia resultar muito bem, pois este grupinho era um pouco machista. Mas, ao con-trário do que eu tinha previsto, ela conseguiu integrar-se e ajudar na planificação e na dis-tribuição de tarefas. Organizaram toda a informação, elaboraram um livrinho, montaramum esqueleto articulado, que juntaram ao TP, e apresentaram o projeto à turma.

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Duas alunas do 3.º ano e duas do 2.º ano realizaram o projeto «Os Jonas Brothers».Elaboraram a planificação do TP e distribuíram tarefas. Queriam saber: onde nasceram osJonas, onde vivem e porque é que se tornaram cantores. Investigaram na internet e emrevistas, organizaram as informações, montaram um livrinho e, em janeiro, fizeram a apre-sentação do TP à turma.

Um aluno do 3.º ano e dois do 2.º elaboraram um projeto sobre a água. Este grupoteve alguma dificuldade em organizar-se e em chegar ao fim do trabalho. Pelo que obser-vei, cheguei à conclusão de que apenas uma criança trabalhava, daí a dificuldade emcumprirem os prazos a que se tinham proposto. Os elementos do grupo, depois de veremque apenas eles não tinham apresentado o trabalho, esforçaram-se e conseguira apre-sentar o TP em fevereiro.

No mês de março, o trabalho em projetos foi alargado a todas as turmas da escola. Apartir de ofertas feitas pela comunidade escolar (pais, irmãos e avós) surgiram vários tra-balhos:

– A história Degas e a Pequena Bailarina foi lida pelo pai de uma aluna do 4.º anoe deu origem a um reconto feito pela turma dos 2.º e 3.º anos. Desta mesma his-tória surgiu um projeto feito ao nível de escola: a reprodução, com colagens, deum quadro do pintor Degas. Yarov e os sete ladrões, uma história lida pela mãede um aluno do 2.º ano, deu origem a um trabalho de reflexão feito por todos osalunos da escola. A mãe de uma aluna do 1.º ano leu o livro Os 102 Dálmatas,que originou três projetos: o 1.º ano desenhou os dálmatas; um grupo de alunosdo 2.º, 3.º e 4.º anos fizeram um dálmata em material reciclado; e um terceirogrupo, constituído pelos restantes alunos do 2.º, 3.º e 4.º anos, fez pesquisasobre os dálmatas, que foi complementada com os desenhos do 1.º ano.

– A história do Capuchinho Vermelho foi lida pela irmã de uma aluna do 1.º ano einspirou toda a escola para um concurso de desenhos de lobos.

– A irmã de uma aluna do 4.º ano veio à escolar ler a história Uma casa nova, queoriginou a elaboração da maqueta da casa dos ursos, um trabalho feito por todosos alunos.

– A história Winnie the Pooh adora a primavera foi lida pela avó de uma aluna do2.º ano e deu a todos a ideia de fazer um urso articulado, em tamanho grande.

– A versão romena da história A Cabra e os Cabritinhos foi lida pela mãe de umaaluna romena. Como eu e uma aluna romena da minha turma já estávamos afazer um trabalho de tradução de frases e palavras, surgiu a ideia de elaborar umdicionário de romeno-português, a ser apresentado no próximo ano letivo.

Em abril, surgiu um projeto de escrita, a nível de escola, integrado no Dia do Livro, quedeu origem a textos de reflexão.

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O projeto «A Brigada do Amarelo», relacionado com a separação e reciclagem de resí-duos, trabalhou os valores que educam para a cidadania e envolveu toda a Escola e o Jar-dim de Infância.

Este projeto surgiu com a candidatura proposta pelo Departamento de QualidadeAmbiental da Câmara de Vila Franca de Xira, que envolveu nove escolas do Concelho,desde o pré-escolar até ao 3.º ciclo. O projeto teve início em janeiro, terminou em maio efoi com entusiasmo que os alunos participaram e envolveram a comunidade. A nossaescola liderou as recolhas e conseguimos ficar em primeiro lugar.

A par dos «grandes» projetos, foram desenvolvidos «projetos individuais», como o dosadágios e provérbios, que motivaram e envolveram pais e avós.

Reflexão

Neste ano letivo, conseguimos ter uma sala de aula mais dinâmica e com alunos maisautónomos.

Aprendemos muito uns com os outros. Os bons resultados do nosso trabalho forammotivo de alegria, e o que não resultou como queríamos serviu para refletirmos e encon-trarmos outras motivações.

Senti que a turma está mais unida e empenhada. Fui surpreendida com atitudes dealguns alunos, que demonstraram que, a par dos saberes adquiridos, ganharam aindavalores que os formam como cidadãos. Em todos os momentos de trabalho, conseguiramajudar-se uns aos outros. As crianças com mais dificuldades tinham dois tutores comquem gostavam muito de trabalhar e a quem recorriam sempre que precisavam.

A autocrítica de um aluno do 2.º ano, que no fim do dia e depois de umas horas de TAe de TP disse «estou aborrecido comigo mesmo, pois durante este tempo todo não fiznada de jeito», fez-me pensar o quão importante é o trabalho autónomo.

A interligação do TP com as competências curriculares de Língua Portuguesa, Mate-mática, Estudo do Meio e Expressões foi bastante positiva.

c) A construção do ser e do saber através da escrita

(Patrícia Pimpão)

O conselho de turma do 5.º ano com o qual trabalhei não desenvolveu um projeto cur-ricular de turma (PCT), logo não construiu um projeto que refletisse a análise das neces-sidades, interesses e expectativas dos alunos, nem que definisse as metas de aprendiza-gem finais ou intermédias e as competências transversais a desenvolver. Apesar de esteprojeto não ter sido produzido formalmente, alguns dos pontos, como o perfil de partida dogrupo-turma e as suas dificuldades, foram sendo abordados e discutidos, ao longo do ano,

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pelos professores do conselho de turma (constituído por todos os docentes da turma e quese reunia quinzenalmente). Considero que a não elaboração do PCT pode ter sido preju-dicial, no que diz respeito à definição de estratégias iniciais e de competências a desen-volver, partindo das dificuldades e necessidades do grupo-turma. Esta planificação servi-ria de regulação das atividades dinamizadas, permitindo a realização de um balanço queconduziria (ou não) a reajustes e levaria a uma reflexão sobre a adequação de práticas.Este trabalho foi desenvolvido na disciplina de Língua Portuguesa, no 2.º e 3.º períodos.

Num primeiro momento e em Conselho de Turma, foram enunciadas as característi-cas da turma e as suas dificuldades principais. O perfil da turma caracterizava-se por umabaixa autoestima, muita falta de confiança, falta de autonomia, de iniciativa e desconheci-mento das suas próprias capacidades decorrentes de um percurso de insucesso escolarno 1.º ciclo. Acrescia, ainda, o facto de o grupo ter memória curta, não conseguindo reterou relembrar informações, necessitando de uma contínua repetição dos conteúdos ou deestímulos visuais e concretos para a sua assimilação. Estas características refletiram-senas dificuldades de aprendizagem, designadamente, ao nível da produção escrita, aindafrásica e não textual, com uma extensão reduzida e de difícil compreensão. A maioria dosalunos consegue ler, à exceção de um que, inicialmente, efetuava uma leitura silabada.Apesar do razoável nível de leitura, não conseguiam fazer a interpretação de um texto. Aintroversão e timidez, características pessoais dos alunos, constituíam entraves à orali-dade que, num momento inicial, era quase inexistente.

Perante este cenário de constrangimentos, a professora de Língua Portuguesa solici-tou o meu apoio como professora da oficina de Português língua não materna, no sentidode encontrar e dinamizar estratégias/atividades que despertassem e desenvolvessem ascompetências dos alunos e, ao mesmo tempo, os fizessem acreditar em si próprios e nasua capacidade de aprender.

O primeiro período foi um tempo de diagnóstico das dificuldades, de tentativa e errona implementação de estratégias, de estabelecimento de regras e de uma relação de con-fiança com o grupo. Em suma, de criação de condições para iniciar um percurso significa-tivo de ensino-aprendizagem. É importante referir que, inicialmente, as aulas se centra-vam na figura do professor, mas a inexistência de resultados e a contínua apatia dosalunos levou a docente a perspetivar a necessidade de mudanças e adaptações das prá-ticas.

Iniciei o trabalho com este grupo no final do 1.º período. Comecei por lhe apresentaruma imagem e listar os objetos/ações que mostrava e passámos à sua descrição oral, quedecorreu através de questões colocadas por mim, de forma a assegurar o desenrolar daatividade com a intervenção de todos. Os alunos responderam sem dificuldades às ques-tões diretas sobre a imagem, mas quando propus a associação da imagem com um enredopara criar uma história, o discurso dos alunos reduziu-se a quatro ou cinco pequenas fra-ses, revelando uma imaginação bloqueada ou pouco estimulada pela falta de leitura.

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O bloqueio foi total quando se quis passar à escrita: alguns ficaram em silêncio e nãoescreveram; outros verbalizaram que não eram capazes de o fazer. Decidi fazê-lo, então,coletivamente, fornecendo-lhes algumas estratégias de como produzir o texto: dividir aimagem em duas partes e utilizar a lista de ação/objetos já realizada. Partindo das suasintervenções, conseguimos escrever um pequeno texto coletivo.

Para ter uma noção das dificuldades destes alunos, estabeleço um termo de compa-ração com as minhas turmas do 2.º ano do 1.º ciclo. Estas produziram histórias ricas emacontecimentos imaginados, partindo das imagens por si selecionadas, apesar de aindaestarem em fase de aquisição da escrita e da leitura. O medo de escrever, individual-mente, ou mesmo a pares, era patente nos rostos deste grupo-turma de 5.º ano. No finaldaquela aula, cheguei à conclusão de que fossem quais fossem as estratégias a dinamizarelas tinham de passar pelo desbloqueio da escrita, pela promoção da leitura, da autono-mia, pelo estimulo da autoconfiança, do acreditar nas suas capacidades de aprendizagemenquanto seres individuais. Estas foram as metas estabelecidas, estando eu conscientede que, muito provavelmente, a evolução seria mínima, mas muito significativa e umganho para estes alunos.

Após reflexão e discussão com a professora da turma, concluímos que teríamos dedividir a semana/carga horária de seis horas em vários tempos, de forma a trabalhar ascompetências em que os discentes revelavam mais dificuldades. Destinar-se-ia um tempoà promoção da autonomia e ao trabalho individualizado/diferenciado com cada aluno, umtempo ao estudo autónomo, outro aos projetos e, por último, aos momentos coletivos.Estes dispositivos de trabalho foram apresentados aos alunos através de um plano quelhes foi distribuído. Dele constava o calendário dos diferentes dispositivos, os ficheiros/ati-vidades que podiam realizar em estudo autónomo, o registo do que tinham feito e a autoe heteroavaliação. Com a introdução deste plano, pretendia-se que os alunos, ao chega-rem à sala de aula e sob a nossa orientação, soubessem o que iriam fazer, fomentando oseu sentido de autonomia.

Como já foi referido, a necessidade de criar um tempo para o estudo autónomo surgiupor causa da excessiva dependência na realização das atividades, na tomada de decisõese, sobretudo, para diferenciar os percursos de aprendizagem e respeitar os diferentes rit-mos, que se revelavam muito díspares, neste grupo-turma. A adaptação ao estudo autó-nomo foi feita progressivamente. Num primeiro momento, apresentaram-se os conteúdosonde cada aluno tinha mais dificuldades e distribuíram-se as atividades que cada um iriadesenvolver. Decidiram maioritariamente trabalhar a pares, entreajudando-se. Quandocomeçaram a escolher as atividades, centravam-se nos ficheiros de ortografia ou pediamconstantemente para fazer cópias, sendo estas as atividades onde se sentiam mais segu-ros e que tinham mais facilidade de realizar. Logo, o desafio foi quebrar esta zona de segu-rança. O objetivo principal era que iniciassem a produção escrita e, para isso, tinham àdisposição várias atividades: o reconto de pequenas histórias e o início de histórias a par-

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tir de imagens. Decidimos sentar-nos individualmente com os alunos e começar a escre-ver a pares. Na maioria das vezes, primeiro verbalizavam o que queriam escrever e nóscolocávamos-lhes perguntas para desenvolverem as suas ideias e, ao mesmo tempo,expandirem a história. Pretendíamos desbloquear a escrita e, como tal, ficávamos conten-tes quando o aluno escrevia três ou quatro linhas. Duas alunas só precisaram de sentirconfiança e escreveram um texto com alguma extensão. Claro que lhe faltava alguma coe-rência, mas o importante é que tinham iniciado um percurso de escrita, que não íamos cor-tar com uma correção linguística minuciosa, pelo menos não naquele momento em quedesbloquearam e arriscaram escrever. Aquando da leitura às professoras, íamos focandopartes do texto que não percebíamos, a aluna explicava e dizíamos-lhe o que devia rees-crever, acrescentando as nossas indicações. Quando os alunos escreviam uma história deduas ou três linhas, fazíamos-lhes perguntas para continuarem o texto. A coerência ficavacomprometida, porque respondiam às perguntas, não havendo um encadeamento deideias; por isso, os alunos começaram a fazer o processamento de texto e, durante o pro-cesso de reescrita, davam-se conta que havia partes sem sentido. Então, nós ajudávamo-los a organizar o texto e a conferir-lhe sentido. Eles ficavam claramente satisfeitos quandoviam um texto seu redigido a computador, podendo apenas ter oito ou nove linhas. Noentanto, um dos erros que cometemos foi não instituir uma rotina de leitura dos seus pró-prios textos, como forma de comunicação e partilha dos escritos.

Considero que o objetivo de promover a autonomia, no sentido de os alunos realiza-rem sozinhos ou a pares as suas atividades, foi gradualmente atingido, o que lhes permi-tiu realizar semanalmente um trabalho diferenciado, ultrapassando dificuldades e dúvidas.Além disso, constitui-se uma comunidade de trabalho, pois os alunos menos empenhadosou motivados foram observando a vontade e o interesse dos outros, implicando-se tam-bém e querendo-os como parceiros de trabalho. Para a maioria do grupo, outro ganho doestudo autónomo foi o início do desbloqueio da escrita e da leitura, fortalecido tambémpela dinamização de projetos, que surgiram das nossas sugestões e da vontade de os alu-nos regressarem ao 1.º ciclo e apresentarem um trabalho que tivessem elaborado.

Dado o perfil da turma, decidimos realizar a dramatização de um conto, uma vez queesta estratégia permitia trabalhar características como a introversão, a timidez e a falta decoesão do grupo, pois o sucesso da atividade dependia de todos. Esta dramatização foimais um pretexto para desbloquear a escrita, reforçando a autoconfiança dos alunos elevando-os a acreditar nas suas capacidades. Decidimos coletivamente o destinatário desteproduto final: uma turma de 1.º ciclo. Partimos de uma imagem do conto e pedimos aos dis-centes que imaginassem o respetivo conteúdo. Em seguida, leram o conto em voz altae confrontaram as suas hipóteses com o conteúdo real do texto. Antes de efetuarem a com-preensão escrita, fizeram o reconto oral coletivo, orientado por questões colocadas pelaprofessora. Dando exemplos de como transformar o texto em diálogo/falas, pedimos aosalunos que realizassem este trabalho. Contudo, como os alunos verbalizaram as suas difi-

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culdades, passaram eles a ditar as falas e a professora a registá-las, no quadro. Só com acolaboração de toda a turma foi possível realizar esta transformação, mas tivemos de fazeruma adaptação livre, não respeitando todos os conteúdos linguísticos no discurso direto.O objetivo centrou-se na compreensão do sentido do texto e não na explicitação de conteú-dos gramaticais. Os papéis a desempenhar na peça de teatro foram sorteados e efetuaram-se várias leituras expressivas, para que os alunos memorizassem o texto. Este exercício foifeito inúmeras vezes, uma vez que os alunos tinham uma capacidade reduzida para memo-rizar. Ao mesmo tempo que essa leitura foi sendo dinamizada, os alunos iam fazendo cor-reções ao texto. Ainda o melhorámos quando se iniciaram os ensaios, uma vez que os alu-nos se colocaram «na pele das personagens» e começaram a perceber que algumas falasnão faziam sentido. Neste momento, percebemos que, em situações de comunicaçãoautêntica, os alunos trabalhavam a língua de forma efetiva, empregando os atos de falaadequados para compreenderem e transmitirem a mensagem, construindo-se situaçõesefetivas de aprendizagem. Na penúltima fase do trabalho em projeto, os discentes foram aoguarda-roupa da escola e escolheram as indumentárias de acordo com a sua personagem,o que permitiu verificar, mais uma vez, que se tinham apropriado do sentido da história.

A representação foi feita na Escola EB1 n.º 2 de Vialonga, a uma turma de 3.º ano. Nofinal, os alunos desta turma fizeram perguntas sobre a história e sobre as etapas do pro-jeto até à sua apresentação final, uma vez que ficaram entusiasmadíssimos e queriam fazeruma atividade semelhante. Podemos afirmar que a comunicação dos produtos finais fun-ciona como um desencadeador, fomentando nos outros vontade de fazer igual. Sendo essamotivação um excelente ponto de partida para o desenvolvimento de competências, ques-tionámo-nos, então, acerca dos ganhos desta atividade, tanto ao nível do desenvolvimentoe reforço das competências de compreensão e expressão oral, como da compreensãoescrita. Além disso, o à-vontade dos alunos e a postura perante a comunicação aos outrosforam pontos fortes deste trabalho em projeto. Considero que esta sequência de atividadesse pode também denominar trabalho em projeto, pois, apesar de não ter partido de umaproposta dos alunos, mas sim das professoras, eles implicaram-se na realização das váriasetapas e escolheram o destinatário do seu produto final. Essa apropriação das etapas deum projeto foi visível aquando da explicitação do processo aos alunos de 1.º ciclo.

Este produto final não foi apenas apresentado aos alunos do 3.º ano, foi feita umanova representação nas «Festa dos Padrinhos» – mais um trabalho em projeto propostopelas professoras, mas totalmente planificado pelos discentes, desde a dinamização dasatividades à sua produção. Este trabalho em projeto teve como objetivos integrar o grupo,estabelecer relações com parceiros/colegas da escola e desenvolver trabalhos em projetocom a turma que estivesse recetiva a desempenhar o papel de padrinho/madrinha do5.º A. Assim, o grupo decidiu produzir um poema em homenagem aos padrinhos, umdiploma e representar novamente a peça de teatro. Iniciaram os ensaios, fazendo algu-mas reformulações do texto e melhoraram o seu desempenho teatral. Sentimos que o

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grupo estava mais exigente e queria fazer um bom trabalho, já que desta vez os pais, osprofessores, os padrinhos e outros elementos da comunidade escolar estavam a assistirà sua performance. O poema foi produzido, num momento coletivo, em que cada aluno iadizendo o que significava para si ser padrinho e, ao mesmo tempo que ensaiavam, faziamuma leitura expressiva do poema. Escreveram o convite na aula de Língua Portuguesa eilustraram-no na aula de EVT. Convidaram pessoalmente a direção, os pais e os padri-nhos/madrinhas do 7.º ano, explicando-lhes, com o apoio da professora, a finalidade dafesta. A adesão e disponibilidade desta turma foram imediatas. No dia da festa, os alunosdo nosso 5.º ano organizaram a sala, prepararam o lanche com o apoio das professoras,fizeram o ensaio final e prepararam-se para receber os convidados. A emoção foi maiorno momento da representação e quando receberam os aplausos dos pais e da comuni-dade escolar. O reconhecimento pelo esforço feito e a oportunidade de brilhar peranteaqueles a quem se quer mostrar as capacidades conferiu-lhes confiança, motivação eorgulho em si próprios, uma vez que investiram e partilharam os resultados com os quelhes são mais queridos. Outro dos momentos altos da festa foi o sorteio dos padrinhos ea entrega dos diplomas. O lanche foi a oportunidade para «quebrar o gelo» e começar adefinir alguns projetos com a turma, com a qual acabavam de estabelecer uma parceria.Por ser o final de ano letivo, não desenvolveram projetos, no entanto, alguns alunos do 7.ºano participaram em duas aulas de estudo autónomo do 5.º, apoiando-os na produção emelhoramento de texto. Pretendemos que esta parceria continue no próximo ano letivocom vista a dinamizar projetos conjuntos.

Em jeito de conclusão, considero que os alunos fizeram progressos significativos, noque respeita à autoconfiança e sua implicação/motivação nas aprendizagens. Esta evolu-ção pode dever-se aos momentos criados na sala de aula, para dinamização de projetosem que se sentiram incluídos e valorizados. Este ganho promoveu o desbloqueio daescrita e da leitura, sendo esta apenas uma etapa do processo, que continuará com o tra-balho sobre a coerência dos textos. O importante é que só se aprende a escrever, escre-vendo e estes alunos, durante este ano, escreveram. A estes ganhos aliam-se, ainda,alguns progressos na sua autonomia. Este seria o balanço, se existisse um PCT para adisciplina de Língua Portuguesa. A sua inexistência permite ver uma lacuna: a falta de liga-ção interdisciplinar de projetos/metas de aprendizagem, podendo estar todos a trabalharpara o mesmo fim comum, por exemplo, o desbloqueio da escrita ou da leitura.

Convém também sublinhar a importância da partilha de saberes/estratégias entre pro-fessores e a abertura das suas salas de aula. A minha participação/colaboração com estegrupo-turma de 5.º ano só foi possível com base nesta perspetiva. Deste modo, conseguitranspor estratégias/metodologias de ensino-aprendizagem utilizadas na Oficina de Portu-guês Língua Não Materna para a sala de aula, nomeadamente o trabalho em projeto,o estudo autónomo e a divisão da carga horária da disciplina em vários tempos. Esta par-tilha e abertura não só beneficiam os processos de aprendizagem dos alunos, mas tam-bém a própria reflexão dos professores sobre a sua prática.

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d) Que projeto? Quem projeta? Para quem se projeta?

(Susete Albino)

«Un apprentissage n’est libérateur que dans la mesure oùses acquis sont transférables; ou encore, seul un enseig-nement dont les acquis sont utilisables en dehors du con-trôle de l’enseignant et de la situation de formation elle-même, permet véritablement l’émancipation du sujet.»

(Reboul, 1989)

Nas últimas décadas, múltiplos foram os desafios que se foram colocando às escolase que levaram sociólogos, professores, pedagogos e didatas a repensar a Escola, a orga-nização pedagógica, as metodologias de ensino e a própria aprendizagem.

Enquanto instituição que reproduz a sociedade e os seus valores, e que efetiva e lega-liza as desigualdades em todos os aspetos, transformando o legado económico da famí-lia em capital cultural (Bourdieu & Passeron, 1978), a sua principal finalidade deverá sera formação eficaz e eficiente das crianças, adolescentes e jovens que a frequentam. Estaformação passa, necessariamente, pela transversalidade das aprendizagens, fundada nosprincípios de uma socidade democrática, onde os alunos podem exercitar as noções decidadania, assentes na discussão, na negociação e no debate.

Considerando que «o principal objetivo da educação é continuar e enriquecer (o) pro-cesso vivencial através de melhores pensamentos e ações – nomeadamente que a edu-cação acontece na vida e para a vida (…) – o seu objetivo é interno ao processo (…) asua essência e a sua finalidade são um contínuo crescimento» (Kilpatrick, 2007), torna-seindispensável repensar os papéis do professor e do aluno.

Encarado como um mero transmissor de conhecimentos, sem questionar o que sabe,o que pode fazer com o que sabe, para que serve o que sabe e como pode utilizar provei-tosamente os seus conhecimentos, o professor deverá, como refere Meirieu, preocupar-se com a transferência do saber adquirido para o mundo exterior, até porque «il n’y a pasde véritable apprentissage possible sans que ce qui est appris se profile ainsi sur un uni-vers extérieur à la situation d’apprentissage.».1

O docente deverá, assim, deixar de encarar os seus alunos como indivíduos despro-vidos de saber e de saber-fazer, assumindo uma postura construtivista e promotora desentido, de situações de aprendizagem diversificadas e direcionadas ao seu público e degestor de percursos de formação individualizados (Perrenoud, 2001).

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1 Meirieu, Philippe. Freinet et les sciences de l'éducation: des rencontres, des questions, une esperérance,in: http://www.meirieu.com/ARTICLES/freinetetlesscienceseduc.pdf, p.19, consultado em 20 de junho de 2009.

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Método de Projeto: da teoria à prática

Tendo como ponto de partida as leituras efetuadas e tentando dar voz a uma posturaconstrutivista, ao longo do presente ano letivo privilegiei a promoção de atividades quetivessem em conta o saber e o saber-fazer dos meus alunos. Falantes de várias línguas etendo muitas vezes como língua materna uma outra língua que não a portuguesa, tenteifomentar a aprendizagem recorrendo a práticas estimulantes que lhes possibilitassem falardas suas experiências, vivências e centros de interesse. Convicta de que o trabalho em pro-jeto permite estabelecer pontes entre o espaço da sala de aula e o mundo exterior (e vice-versa), privilegiei este dispositivo de trabalho. Segura de que o trabalho partia sempre doque os alunos sabiam sobre um determinado tema e daquilo que acerca deste queriamsaber, para uma pesquisa e tratamento da informação que culminava na produção textuale respetiva apresentação do produto final, fui, recentemente, levada a questionar-me sobrea abrangência do termo e sobre o próprio trabalho em projetos. Este questionamento con-duziu-me à leitura de diversos artigos sobre a matéria e a uma reflexão profunda sobre asminhas práticas. A conceção deste artigo é o fruto dessas leituras e dessas reflexões.

O método de trabalho em projeto surge nos Estados Unidos em 1917, para dar res-posta a uma necessidade curricular que entendia a educação «como vida em si e nãocomo uma mera preparação para a vida futura» (Kilpatrick, 2007).

Enquanto situação de aprendizagem autêntica, com sentido para os alunos e ao longoda qual são levados a desenvolver diversas competências, o Método de Projeto apre-senta-se com um ato intencional. Com ênfase na «intenção» e não na «ação», o grau deaproximação aos projetos difere conforme a intenção que os move varie em clareza eintensidade.

Estreitamente relacionada com um ou diversos objetivos (Perrenoud, 1999)1, esta tipo-logia de trabalho permite ao aluno o desenvolvimento de um papel ativo na elabora-

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1 De acordo com Perrenoud, podemos encontrar, nesta tipologia de trabalho, um ou mais dos seguintesobjetivos:

“1. Entraîner la mobilisation de savoirs et savoir-faire acquis, construire des compétences.2. Donner à voir des pratiques sociales qui accroissent le sens des savoirs et des apprentissages scolaires.3. Découvrir de nouveaux savoirs, de nouveaux mondes, dans une perspective de sensibilisation ou de "

motivation ".4. Placer devant des obstacles qui ne peuvent être surmontés qu’au prix de nouveaux apprentissages, à

mener hors du projet.5. Provoquer de nouveaux apprentissages dans le cadre même du projet.6. Permettre d’identifier des acquis et des manques dans une perspective d’autoévaluation et d’évaluation-

bilan.7. Développer la coopération et l’intelligence collective.8. Aider chaque élève à prendre confiance en soi, renforcer l’identité personnelle et collective à travers une

forme d’empowerment, de prise d’un pouvoir d’acteur.9. Développer l’autonomie et la capacité de faire des choix et de les négocier.10. Former à la conception et à la conduite de projets.”.

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ção/construção do seu saber. Enquanto tal, permite atingir objetivos específicos, no querespeita à aprendizagem, e estimula o desenvolvimento do saber, do saber-fazer e dosaber-ser que se lhe encontram subjacentes, assim como a própria socialização dosaprendentes.

Centrando-me nos agentes do processo e na avaliação dos projetos, fui levada aquestionar-me sobre os seguintes aspetos:

– Quem pensa o projeto e quem o executa (o grupo/o aluno/eu)?– Qual o meu papel professor e o do(s) meus alunos no decorrer das suas diversas

etapas?– Como é que é avaliado o projeto (processo/produto) e quem o avalia (o grupo/eu)?

De forma a responder a estas questões, efetuarei uma leitura do trabalho em projetorealizado ao longo do ano, à luz dos três modos de trabalho pedagógico apresentados porLesne (1984), quando se refere ao trabalho com adultos. A saber:

– o modo transmissivo e de orientação normativa (MTP 1), no qual o individuo aparececomo objeto de formação; os saberes, os valores ou as normas transmitidos sãoimpostos e aceites de forma passiva;

– o modo incitativo e de orientação pessoal (MTP 2), em que o indivíduo é conside-rado sujeito da sua própria formação; este modo de trabalho pedagógico fomentauma aprendizagem pessoal e uma apropriação dos saberes do grupo;

– o modo de trabalho pedagógico apropriativo (MTP 3), no qual o indivíduo é encaradocomo agente – agente determinado mas também determinante, pois atua no seupróprio processo.

Sobre a primeira questão, rapidamente percebi que os temas dos projetos desenvolvi-dos foram selecionados pelo grupo, pelos alunos ou por mim. Responder à segunda ques-tão foi bem mais complexo… Tive de repensar, um por um, os projetos desenvolvidos parachegar à conclusão de que tanto os meus alunos como eu desempenhámos papéis diver-sos ao longo do processo e que esses papéis variaram de projeto para projeto. No sentidode organizar e clarificar as diversas tipologias desenvolvidas e o papel exercido por cadaum dos agentes, fui levada a proceder à sua enumeração e a esmiuçar cada uma delas.O que a seguir apresento é o resultado dessa organização, análise e reflexão.

Quando o projeto é exclusivamente pensado pelo professor, é ele quem impõe ostemas. As diversas tarefas e o produto aparecem pré-determinados e os alunos afiguram-se meros executantes. Encontram-se perante uma orientação obrigatória em que a coaçãoestá sempre presente. O acesso à aprendizagem está seriamente dificultado e o baixo nívelde motivação é evidente. Não ilustrarei tal prática, uma vez que não considero ter promo-vido o modo de trabalho puramente transmissivo e de orientação normativa – MTP1.

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Quando o projeto é pensado pelo professor e exterior aos alunos, é necessáriodespertar a sua curiosidade. Como? O facto de o tema não ter sido selecionado pelos alu-nos, não significa que eles não possam definir todas ou parte das etapas do projeto, emconjunto com o professor. Até porque o aluno apenas se implicará, se tomar consciênciade que é capaz de realizar o que lhe é pedido com resultados e se estabelecer laços afe-tivos com o que lhe é proposto. Como tal, percebi que neste caso apresentava os proje-tos aos meus alunos, «seduzindo-os» e fazendo com que investissem neles, independen-temente de lhes serem exteriores e de, à partida, não se encontrarem motivados para osconcretizar. Essa «sedução» passou pela deslocação do sujeito do processo, de mim paraos alunos, ao permitir-lhes que tomassem iniciativas e decisões relativamente a estes pro-jetos (para além de recorrer frequentemente à frase mágica «É para fazer no computa-dor!!!!»). Tenho consciência de que a maioria das atividades por mim propostas no âmbitoda Oficina de Português Língua Não Materna (PLNM) se incluem aqui. De facto, quando,por exemplo, os meus alunos produzem um texto a partir de uma proposta de escrita,quem propõe sou eu. Aqui, eles aparecem, num primeiro momento, como meros execu-tantes. Sou eu quem planeia e quem controla a fase inicial do processo. Porém, este con-trolo atenua-se à medida que as tarefas se vão delineando. A escolha da proposta é dosalunos e a produção que realizam encontra-se diretamente ligada e depende dessa esco-lha (eu passo a ser mediadora e eles, alunos, sujeitos). O mesmo acontece com algunsdos projetos de pesquisa: quando condiciono ou direciono o tema da pesquisa, mas con-sigo despertar a curiosidade dos alunos e fazer com que eles assumam o projeto comodeles, algo que inicialmente se afigurava como exterior deixa de o ser. Tal aconteceu comalguma frequência (sobretudo quando os alunos não conseguiam definir um tema e/ouapresentavam muitas dúvidas). A título de exemplo, posso referir um trabalho de pesquisarealizado acerca do aparecimento do dia das mentiras. Ele surgiu no seguimento da audi-ção, leitura e análise do texto de António Torrado intitulado «O risco das mentiras», no sítiowww.historiadodia.pt. Trata-se de uma breve narrativa publicada no dia 1 de abril queevoca, como o título indica, o risco das mentiras. No seguimento de uma pequena sequên-cia de trabalho, sugeri aos alunos que efetuassem uma breve pesquisa sobre o apareci-mento do dia das mentiras. Neste caso, fui eu, claramente, quem sugeriu e quem condi-cionou a pesquisa. Contudo, o facto de esta temática se inscrever na continuidade dotrabalho desenvolvido fez com que a realizassem com agrado e que investissem nela.

Quando é o aluno quem pensa o projeto e quem o executa (ele é colocado comosujeito), a intenção é clara e contempla um objetivo específico. O objetivo de partidadomina as diferentes etapas do processo e confere unidade ao todo. Encontramo-nos aquiface a um real ato intencional, perante um verdadeiro projeto. Neste caso, o professorassume claramente o papel de mediador e tem como função apresentar os vários cami-nhos aos alunos, cabendo-lhes, contudo, optar por um deles. Estamos perante a sujeiçãodo professor ao projeto do aluno, em que a aprendizagem e a satisfação proporcionadas

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e obtidas são incontestáveis (MTP3). Mais raros, é certo, estes não deixaram de estar pre-sentes na minha sala de aula, ao longo do ano. A título exemplificativo, posso mencionardois trabalhos de projeto distintos. O primeiro diz respeito a uma produção escrita, resul-tante de uma iniciativa individual, em que um dos meus alunos me perguntou se podiainventar uma história (isto é escrita livre), em vez de realizar uma proposta do ficheiro deescrita. O segundo é relativo a um trabalho de pesquisa. O Stanislav tem uma grandeadmiração pelos dinossauros e perguntou-me se podia fazer um trabalho sobre eles.Escolheu o seu tema de forma espontânea e selecionou as fontes de informação: foi àbiblioteca buscar livros que, suponho eu, já lhe tinham despertado interesse e disse quetambém queria «ir ao computador, à internet». Realizou, assim, o trabalho de pesquisaautonomamente, tendo eu apenas desempenhado o papel de mediadora. Também nomomento do tratamento da informação, selecionou aquilo que lhe parecia essencial e dis-pensou o que achou acessório. Posteriormente, organizou o texto num cartaz (numa car-tolina), tendo produzido ilustrações para o efeito. A própria forma de partilha com o grupofoi por si escolhida, ao indicar que queria fazer uma cartolina, mas que também queria vero seu trabalho projetado na tela, pois facilitava o acesso dos colegas à informação. Con-sidero, neste caso, que o ato intencional esteve sempre presente e centrado no aluno:o Stanislav assumiu constantemente o papel de sujeito ativo.

Quando o projeto é pensado pelo aluno, mas tem uma influência externa (aluno,trabalhos anteriormente realizados…), apesar de ser o aluno a definir as diferentes etapasdo processo (sujeito) e o professor assumir um papel de mediador, existe uma apropria-ção do projeto. Ele não é o fruto de uma intenção própria, logo o grau de investimento doaluno pode não ser tão elevado quanto o anterior. Foram, igualmente, muitas as vezes emque os alunos desenvolveram este tipo de projeto. O caso do Stanislav, por exemplo, sem-pre determinado e entusiasta com o seu tema de pesquisa, condicionou as escolhas dosseus colegas que, à semelhança do que ele fez, optaram por realizar trabalhos de pes-quisa sobre animais. Assim, num grupo de quatro alunos, após a seleção do tema dosdinossauros, foram escolhidos assuntos, como o cão, os gatos domésticos e a serpente.Independentemente de todos terem realizado as diferentes tarefas, o investimento do Sta-nislav no trabalho distinguiu-se do dos restantes, claramente marcados pelo grau de apro-ximação com o tema e pelos laços que com ele conseguiram estabelecer. Outro exemplodiz respeito a um trabalho de pesquisa efetuado sobre o campo de concentração do Tar-rafal. A Elisabete disse que queria fazer uma pesquisa sobre a ilha cabo-verdiana de San-tiago, com vista a dar a conhecer a sua terra natal ao grupo-turma. Questionada sobre assuas recordações, concluiu que já não se lembrava de grande coisa e pediu-me para fazeruma pesquisa genérica sobre a ilha. Ao efetuá-la, apercebeu-se de que muitos dos sítiosque apareciam evocavam o campo de concentração do Tarrafal. Despertada a sua curio-sidade, questionou-me sobre o campo e, perante o meu entusiasmo e as informações/ex-plicações que lhe forneci, decidiu realizar um trabalho de pesquisa acerca dele. É evidenteque toda a informação fornecida (quer por mim, quer pelos sítios consultados) condicio-

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nou o que sabia e o que queria saber sobre o assunto. No entanto, despertada a sua curio-sidade, o investimento e a motivação que demonstrou, à medida que foi realizando as dife-rentes etapas, são incontestáveis. Posso, assim, concluir que este trabalho serviu doisobjetivos concretos: esclarecer a aluna através da definição de um percurso próprio efomentar a partilha dos conhecimentos adquiridos com o grupo-turma.

Quando o projeto é pensado pelo grupo e todos se sujeitam a um produto con-junto e definem um mesmo objetivo, estamos perante um projeto em que é o grupoquem confere unidade ao todo. Inscreve-se nesta tipologia o Blogue da Oficina de PLNM,uma vez que todos os alunos são sujeitos de um produto conjunto e tudo o que neste colo-cam lhe confere unidade (modo de trabalho pedagógico apropriativo – MTP3).

Quanto à questão «Como é que é avaliado o projeto e quem o avalia?», as leituras ereflexões realizadas conduziram-me a três situações:

– a realização do trabalho tem como objetivo principal dar resposta a uma necessi-dade avaliativa por parte do professor, estando todas as etapas sob o seu olhar rigo-roso e avaliativo;

– o importante é o produto final; a obra surge por si só como objeto de avaliação, umavez que ela é o «espelho» do processo e corresponde ao que foi inicialmente imagi-nado;

– o processo não é avaliado, mas sim o produto e a sua comunicação, e é o grupo queavalia a obra.

Ao longo do ano, e no âmbito do trabalho desenvolvido, nunca foi dada importância ànota propriamente dita, tendo sido constantemente privilegiado o produto e a sua respe-tiva comunicação. A sanção avaliativa foi «deslocada» para o grupo (foram a turma oualguns colegas que avaliaram a obra) e/ou para o produto final (a obra propriamente dita).

Considerações finais

Entendido como qualquer objeto construído e pensado por uma pessoa ou por umgrupo, o método de projeto apresenta-se, a meu ver, como um método de trabalho cen-trado no aluno e que tem como objetivo a execução de atividades intencionais, cujasaprendizagens são transponíveis para o mundo exterior (e não limitadas à situação deaprendizagem).

Paralelamente, e não menos importante, acredito que este método faculta aos alunosa oportunidade de planificarem o seu próprio trabalho, corresponsabilizando-os pelosresultados dos seus atos.

Termino esta reflexão citando Kilpatrick (2007):

«Guiar o aluno nos seus interesses e realizações presentes para outros interesses e reali-zações maiores e exigidos pela vida social mais vasta do mundo dos mais velhos é o especialdever e a oportunidade do professor».

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Bibliografia

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Reboul, F. (1989). La philosophie de l’éducation. Paris: PUF.

e) Um projeto de desenvolvimento de competências sociais

(Eunice Freitas)

Introdução

O crescimento é uma aprendizagem constante, que compreende desafios, projetos,relações, conflitos, expectativas, decisões… Gerir e expressar de forma assertiva os sen-timentos que encerram estes acontecimentos exige ter competências pessoais e sociais(Gaspar & Matos, 2008).

A falta de competências sociais têm sido vista como um fator de risco, já que é siste-maticamente associada a comportamentos desadaptativos, a problemas psicológicos na

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infância, na adolescência e em etapas posteriores do ciclo da vida (Del Prette & Del Prette,2006).

Matos (2008, p. 23) refere que, quando uma pessoa apresenta uma competênciasocial deficitária, esta poderá estar relacionada com um (ou vários) dos seguintes pressu-postos:

«(1) aspetos da identificação da situação (aspeto percetivo, emocional e motivacional), (2)aspetos da identificação de objetivos e tomada de decisão (aspeto cognitivo, emocional e moti-vacional) e (3) aspetos da execução da resposta (aspeto emocional, motivacional e comporta-mental)».

A problemática dos alunos

As crianças que foram propostas para frequentar este projeto, intitulado «Eu SeiSonhar», apresentam défices na execução da resposta, já que se enervam com facilidadee «fazem birras», quando têm de gerir alguma situação adversa; sabem a resposta quehão de dar ao problema, contudo, não a conseguem pôr em prática.

Um plano inicial

No início do ano, a professora titular de turma e eu juntámo-nos para debater estra-tégias e as áreas a desenvolver, através do projeto «Eu sei sonhar». Selecionámos«A autoestima e a autoconfiança», para desenvolver ao longo do ano letivo e delineámosvários subtemas.

Achámos oportuno que o grupo de alunos selecionados para integrar este projetoapresentasse à respetiva turma os trabalhos que ia realizando, de modo a mostrar aosrestantes colegas as suas aprendizagens.

Breve enquadramento teórico sobre a autoestima.

Emmons (1973) refere-se à autoestima como a medida individual mais importante dobem-estar psicológico e explica a importância dos comportamentos assertivos, através docontrolo que o indivíduo tem sobre si próprio e da confiança que sente nas relações inter-pessoais, em momentos de afetividade e de hostilidade.

Através da autoestima, a criança compreende-se e aceita-se a si própria, reconhe-cendo o seu valor, as suas qualidades e potencialidades, para sentir confiança na expres-são dos seus sentimentos, das suas necessidades e dos seus direitos.

A autoestima nas nossas aulas

Ao longo de semanas, as crianças desenharam-se, caracterizaram-se com muitasqualidades e valorizaram os restantes colegas do grupo com elogios expressos em pala-vras orais e escritas. Através de dramatizações feitas em grupos de três, ouviram e cria-

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ram histórias com respostas reais às várias situações adversas com que se deparavam noseu dia a dia. Trabalharam os relacionamentos, a responsabilidade pelo crescimento indi-vidual, a afetividade e a autoconfiança.

A par destas atividades, foram também propostos trabalhos de casa, que rotineira-mente eram apresentados nas «nossas aulas» e na sala de aula. A professora titular daturma valorizava sempre o empenho dos alunos na realização destes trabalhos e, por isso,permitia que fossem apresentados a toda a turma, no início da sua aula.

O reflexo do trabalho em projeto sobre «A autoestima»

Os alunos começaram a sentir-se cada vez mais entusiasmados com os trabalhos queapresentavam aos seus colegas de turma, em contexto de sala de aula e, por isso, nummomento de avaliação, propuseram criar uma aula para os restantes colegas da turma. Oobjetivo era mostrar-lhes o trabalho que tinham desenvolvido através do teatro, já que estefazia parte das suas práticas, no tempo que passávamos juntos.

Assim, o grupo de alunos que participavam no projeto fez, numa grelha, uma planifi-cação que incluía uma história dramatizada, inventada por eles, e uma atividade para osalunos da turma. Todo o grupo esteve envolvido em ambas as atividades e também naorganização e distribuição das responsabilidades, nomeadamente, pelo material, pelaapresentação do teatro, pela explicação à turma da atividade e pela verificação do traba-lho realizado pelos colegas de turma, entre outras.

Todo este processo durou cerca de três semanas e realizou-se com muito empenho,motivação e parceria, mesmo entre alunos que apresentavam alguma dificuldade em tra-balhar juntos.

Foram várias as vezes que me cruzei com os alunos que não integravam este grupo,mas que faziam parte da mesma turma e que, curiosos e excitados, me perguntavam, talcomo a professora titular, qual era o projeto que os meninos estavam a desenvolver. Estecomportamento deixou-me perplexa e fez-me pensar que o entusiasmo dos alunos queintegravam este grupo estava a ser de facto contagiante, já que todos estavam com gran-des expectativas.

O dia da apresentação começou com a explicação de todo o processo e do trabalhorealizado para a apresentação das atividades. Depois deu-se início à dramatização da his-tória, que se passa a descrever:

Estavam todos os meninos a brincar ao jogo do «macaquinho do chinês», quando,de repente, um deles se enganou a jogar. Dois dos meninos que também estavam abrincar disseram-lhe:

– Vai-te embora. Não sabes fazer nada. Fazes sempre tudo mal!O menino foi-se embora do jogo e alguns dos seus amigos foram ter com ele e dis-

seram-lhe:

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– Não fiques triste. Tu tens muitos amigos que gostam de ti. Nem penses que nãoés capaz! Tu és capaz! Não podes perder a tua autoestima.

Entretanto, o menino foi falar com um espelho mágico que tinha em casa.Menino: Espelho, estou triste.Espelho: Porquê?Menino: Não tenho autoestima.Espelho: O que é isso?Menino: É a capacidade que temos de gostar de nós próprios.Espelho: E para que serve ter autoestima?Menino: Para não nos desvalorizarmos, para não desistirmos de nós mesmos.Espelho: Ah! Então realmente não podes perder a tua autoestima! Força menino!

Tu és capaz! Tu consegues! Vai brincar com os teus amigos e mostrar-lhes que tu tam-bém és capaz.

O menino foi ter com os amigos e brincaram todos juntos.Vitória, vitória, acabou-se a história!

Depois das palmas e dos sorrisos, houve a descrição e a execução da atividade queo grupo de alunos tinha preparado para a turma. Já num momento final, procedeu-se àsua avaliação que contou com a opinião de todos os alunos da turma. Eles estavam sen-tados, formando uma roda, e mencionaram a criatividade como ponto forte, além do dina-mismo, da expressividade e da evolução dos seus discursos orais. A professora titularreforçou a iniciativa e todos pediram para voltar a criar uma apresentação de trabalhos, «omais rapidamente possível».

Valeu mesmo a pena!

Avaliação do trabalho em projeto

Com este trabalho em projeto foi possível observar que, à medida que os alunos iamproduzindo os seus trabalhos, também se ia desenvolvendo o seu empenho, motivação,autonomia, autoestima e autoconfiança.

Este foi o nosso primeiro projeto realizado com sucesso, construído pelos alunos eorientado por mim, em momentos de dúvidas. A avaliação foi positiva, já que os ganhosforam imensos!

E assim, o desenvolvimento da inteligência emocional, tão ou mais importante que asoutras inteligências, começou a ser feito entre todos: a professora titular, eu, os alunos queintegram este projeto e os restantes alunos desta turma.

Conversas… nas nossas aulas

No início das nossas aulas, os alunos costumavam contar as suas novidades mais sig-nificativas. Num dia, perto do Natal, gerou-se um diálogo:

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Rafael: […] Os meus pais separaram-se há muito tempo e eu nunca passei o Natalcom a minha mãe. Este ano a minha mãe convidou-me para passar o Natal com ela e euaceitei – disse com ar feliz.

Joana: Os meus pais separaram-se há muito tempo. Agora vivo com a minha mãe e omeu padrasto. Só vou ver o meu pai quando quero. […].

Daniel: Eu estou muito feliz, o meu pai chegará brevemente de S. Tomé.Ricardo: Eu também estou feliz, porque vou ter jogos para a playsation.Rafael: Isso não é importante. Importante é estares com a tua mãe.Ricardo: Não tenho mãe. Morreu.Isabel: E o teu pai?Ricardo: Não sei. Vivo com a minha avó e a minha tia. (Silêncio).Depois deste diálogo, um longo silêncio caiu sobre o grupo. Durante algum tempo nin-

guém disse absolutamente nada. Pensei que deveria trabalhar temas relacionados com afamília, a importância dos amigos, como lidar com a frustração, com a tristeza… na ver-dade, acho que me senti um pouco confusa… e pensei na importância de estas criançasse tornarem meninos e meninas resilientes!

Num fim de dia como tantos outros, quando estávamos a fazer a relaxação, a pares,assisti ao seguinte diálogo:

Joana: Ó professora, sabes uma coisa, eu gosto tanto do relaxamento.Daniel: A mim faz-me sentir bem.Ricardo: Podíamos fazer sempre.Rafael: Ya! Podia ser sempre relaxamento! Eu fico a sentir-me mais calmo.

Um projeto com o nome de «Natal» nas nossas aulas

No Natal, resolvi propor uma atividade diferente a estes alunos! Todos perguntam àscrianças: «O que gostavas de receber no Natal?», mas não perguntam: «O que gostavasde oferecer à pessoa mais especial da tua vida?».

Foi esta a pergunta que lhes coloquei e incentivei-os a construírem, eles próprios, aprenda que queriam oferecer, disponibilizando-lhes os materiais necessários. As pessoasque os alunos escolheram para presentear foram várias e por razões diversas: «para omeu pai, porque já não o vejo há muito tempo e ele vem passar este Natal connosco»;«para o meu padrasto, porque está comigo sempre que eu preciso»; «para o meu avô,porque está doente no hospital»; «para o Jorge, porque é meu amigo e brinca semprecomigo.».

Os trabalhos, que ficaram giríssimos, foram realizados com pasta de papel e com tin-tas de várias cores e também foram apresentados à turma. Os restantes alunos da turma,

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bem como a professora titular, ficaram contagiados com a ideia e fascinados com os tra-balhos, por isso decidiram fazer a mesma atividade em sala de aula.

Mudança de práticas: o reflexo das conversas… nas nossas aulas.

Comecei o segundo período com algumas dúvidas… Não sabia bem como fazer o pro-grama dos alunos para esta segunda etapa: «Será que faz sentido dar continuidade aotema iniciado no período transato, estabelecido pela professora titular de turma e pormim?» – perguntava-me.

Já tinha uma lista de subtemas para desenvolver com as crianças, mas ao mesmotempo sentia que os devia responsabilizar pelas suas próprias aprendizagens, senti quelhes devia dar voz.

Assim, logo na primeira aula, propus que fossem os alunos a escolher as áreas a tra-balhar. Disseram-me que gostavam de falar acerca dos sentimentos e da família. Pensoque são os temas prediletos da maior parte das crianças. Dei-lhes uma lista com váriascompetências discriminadas acerca destes dois temas, para fazermos um programa maisdetalhado e mais específico. Os alunos decidiram que os itens seriam escolhidos pelomaior número de votos e sugeri que fundamentassem as suas opiniões sempre que esco-lhiam um item de cada uma das áreas. Atentas, as crianças tiveram poucas discordâncias,mas estiveram sempre empenhadas em dar a suas opiniões.

Assim, criou-se um programa com duas áreas: «Relações interpessoais no contextofamiliar» e «Gestão emocional». O primeiro, para falarmos de divórcios, famílias monopa-rentais, papéis, sentimentos e atitudes na família. O segundo, para abordarmos a expres-são de sentimentos, a afetividade, a fúria, o medo, a ansiedade, a exclusão…

Decidimos, também em conjunto, que a primeira área a abordar seria «Relações inter-pessoais no contexto familiar» e que prepararíamos uma aula para toda a turma sobreesta temática.

Para além destas decisões, eu propus que cada criança ficasse responsável por diri-gir o momento de relaxação numa aula, de modo a que todos participassem como «orien-tadores» desta atividade. A ideia foi debatida em conjunto e todos acharam uma boasugestão!

Breve enquadramento teórico sobre «Relações interpessoais no contexto familiar»

É na família que a criança aprende as primeiras normas e regras sociais e que iniciaa vida em comunidade. Segundo Calmeiro (2008, p. 339), «durante a infância, a perceçãoe compreensão do mundo social são grandemente influenciadas pela família».

O autor refere que é no seio familiar que são aprendidas variáveis como a componenteverbal e não verbal, a comunicação interpessoal e a capacidade de negociação e resolu-

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ção de conflitos. Camacho e Matos (2008) defendem que os modelos afetivos e parentais,as expectativas dos progenitores e os métodos que utilizam para educar vão influenciara forma como a criança se vai relacionar com os outros, as suas atitudes e os seusobjetivos.

Se os comportamentos dos pais forem agressivos, a criança revelará agressividadena sua relação com os outros e não conseguirá desenvolver mecanismos de autorregula-ção nem capacidade para criar estratégias de resolução de conflitos (Amaral & Gaspar,2008).

A forma como os pais educam, exercem a autoridade e comunicam com os seus filhosinfluencia muitas das características da personalidade da criança e, consequentemente,dos seus comportamentos. As crianças que manifestam elevados níveis de conflituali-dade, regra geral, provêm de famílias em que as práticas parentais são ineficazes no querespeita à disciplina, em que se verifica o uso inapropriado de castigos e recompensas enas quais há um baixo nível de envolvimento familiar (Patterson, 1992).

As relações interpessoais nas nossas aulas…

Na primeira aula, os alunos, mais uma vez, desenharam-se, pesaram-se e mediram-se, apreciaram a estrutura do rosto e do nariz, o contorno dos olhos e das sobrancelhas,com espelhos, balanças e fitas métricas. Depois levaram para casa todos estes dadosregistados numa grelha para, em conjunto com a família, encontrarem parecenças físicascom os membros da família, criando assim um momento de interação positiva entre paise filhos.

«Eu tenho cabelo castanho-escuro como o meu pai», disse a Isabel. «Eu tenho assobrancelhas finas como o meu pai e a minha mãe», disse a Manuela. «O desenho domeu rosto é parecido com o da minha mãe», disse o José. «Eu tenho o cabelo castanho-claro como a minha tia e os olhos claros como a minha avó», disse o Ricardo. Somos dife-rentes e ao mesmo tempo temos tantas parecenças!

Através da exploração de vários livros, abordámos várias temáticas: falámos de famí-lias monoparentais, de divórcios, de papéis e sentimentos existentes no seio familiar.Todos partilharam o que quiseram e todos ouviram com respeito as histórias de vida queiam sendo contadas, à medida que as atividades eram apresentadas.

A professora titular da turma, que desenvolvia a temática «A família», na área curricu-lar de Estudo do Meio, estava em sintonia com o nosso trabalho. Este trabalho de parce-ria foi muito benéfico, porque permitiu aos alunos uma compreensão mais detalhada dotema e um maior envolvimento: os alunos partilharam vivências e realizaram as atividadescom muita motivação.

A par destas atividades, no final de cada aula, procedeu-se ao relaxamento, atividadeem que os alunos se inscreviam, na aula anterior, para serem tutores, na aula seguinte.

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O tutor era responsável por preparar e acompanhar os colegas que tivessem dificuldadenesta atividade, sendo eu a mediadora. Achei esta atividade pertinente, já que desenvol-veu, de uma forma clara, a autonomia, a entreajuda e o sentido de responsabilidade dosalunos.

E assim se deu início ao segundo trabalho em projeto que, mais uma vez, consistiu empreparar um trabalho para apresentar à turma. Os alunos, em conjunto, decidiram fazervárias dramatizações, sendo que, em cada uma delas, era representado um sen-timento/situação existente na família. Também decidiram que, daquela vez, seriam pro-postas aos colegas de turma dramatizações de situações familiares e, a partir destasideias, começaram a delinear-se as responsabilidades individuais de cada um.

Contudo, contrariamente ao projeto anterior, em que tudo foi realizado em conjunto, osalunos dividiram-se em grupos de dois para inventarem as situações, escreverem e repre-sentarem os textos. Assim, durante duas semanas, no fim de cada aula, cada grupo mos-trava o que já tinham conseguido criar e dramatizar e todos os outros grupos davam assuas opiniões construtivas, de modo a melhorar os trabalhos dos colegas.

Na apresentação deste projeto, os alunos da turma, entusiastas, acolheram com moti-vação todas as propostas. No momento da avaliação, partilharam alguns problemas fami-liares e todos chegaram à conclusão de que problemas familiares todos têm, contudo cadaum tem de aprender a viver/lidar com eles da melhor maneira possível.

Avaliação do trabalho em projeto

Tenho sempre uma dúvida quando proponho trabalho autónomo aos alunos: «Escolhoeu os grupos ou deixo os alunos escolherem e organizarem-se sozinhos, sem intervir oudar a minha opinião?» Nem sempre sei o que fazer. Tanto na preparação deste último pro-jeto como no anterior, deixei que os alunos se organizassem sozinhos e observei o traba-lho de parceria que era desenvolvido, mesmo entre alunos que apresentavam dificuldadesem trabalhar juntos.

É importante olhar para cada criança como única no seu crescimento, no seu desen-volvimento e perceber as estabilidades, mudanças e constâncias que, no ciclo vital decada uma, surgem descompassadamente em momentos diferentes e com implicaçõesdiversas. A promoção de competências pessoais e sociais pode tornar-se uma estratégiano desenvolvimento de alternativas para lidar com os mais variados desafios da vida (Gas-par & Matos, 2008).

No seu programa «Aprender para o século XXI», a UNESCO propôs quatro pilares refe-rentes à educação do futuro: «aprender a conhecer», «aprender a atuar», «aprender aviver juntos» e «aprender a ser» (Serrano, 1997).

Ao desenvolver este programa de competências sociais através do trabalho em pro-jeto, o meu objetivo passou por estes quatro pilares: quem projeta e quem executa o que

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se projeta são as crianças, todo o trabalho é feito em parcerias, e eu, como professora,atuo como simples mediadora das suas aprendizagens.

Por último, resta-me referir que a oficina de formação «Trabalho autónomo, trabalhoem projeto e a sua regulação do trabalho no 1.º Ciclo» foi extremamente importante paraa realização de todo este processo: ensinou-me a privilegiar o trabalho autónomo e o tra-balho em projeto nas dinâmicas implementadas em sala de aula e a ouvir com muita aten-ção a voz de cada um dos meus alunos.

Referências bibliográficas

Amaral, J., & Matos, M. G. (2008). «Competências sociais num bairro desfavorecido». In M. Matos.(Ed.): Comunicação, gestão de conflitos e saúde na escola (pp. 502-518). Lisboa: F.M.H.

Calmeiro, L. (2008). «Competências de vida e estilos de vida ativos». In M. Matos (Ed.): Comunica-ção, gestão de conflitos e saúde na escola (pp. 339-353). Lisboa: F.M.H.

Camacho, I., & Matos, M. (2008). «Práticas parentais educativas, fobia social e rendimento acadé-mico». In M. Matos (Ed.): Comunicação, gestão de conflitos e saúde na escola (pp. 145-149).Lisboa: F.M.H.

Del Prette, Z. A. P., & Del Prette, A. (2006). «Psicologia Educacional, Forense e com Adolescenteem Risco: Prática na Avaliação e Promoção de Habilidades Sociais». Avaliação Psicológica,5(1), 99-104.

Emmons, R. E. A. M. L. (1973). Comportamento assertivo: um guia de auto-expressão. Bela Hori-zonte: Interlivros ed.

Gaspar, T., & Matos, M. (2008). «Qualidade de vida em crianças e adolescentes – versão portu-guesa dos instrumentos kidscreen 52: Aventura Social e Saúde.

Matos, M. (2008). «Adolescência, psicologia da saúde e saúde pública». In M. Matos (Ed.): Comu-nicação, gestão de conflitos e saúde na escola (pp. 10-31). Lisboa: FMH.

Patterson, G. R., Reid, J. B., & Dishion, T. J. (1992). Antisocial boys. Eugene, OR: Castalia.Serrano, G.P. (1997). Educação em Valores – Como educar para a Democracia. Porto Alegre: Artes

Médicas.

f) Se posso viver sem trabalho em projeto? Poder posso, mas não seria a mesma coisa

(Norberto Silva)

O contexto

Este ano trabalhei com duas turmas: a primeira era constituída por treze rapazes, comidades compreendidas entre os 12 e 15 anos de idade, todos ciganos com exceção de umrapaz vindo de São Tomé e Príncipe; a segunda era constituída por catorze alunos, cincoraparigas e sete rapazes, na sua maioria ciganos, junto com dois rapazes africanos, comidades compreendidas entre os 11 e 17 anos de idade.

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Estes jovens vivem num contexto social com graves carências estruturais de habita-ção e de integração social. Na sua maioria, os pais foram presos ou assassinados e a suasubsistência depende do rendimento social de inserção. As «habitações» destes alunosforam construídas em madeira, dentro de antigos aviários, sem saneamento básico nemquaisquer condições de habitabilidade. É, por isso, necessário compreender a sua reali-dade e envolvência social e desenvolver com eles um trabalho muito próximo.

No que respeita às aprendizagens, revelam grandes dificuldades na aquisição de com-petências escolares. Aprender é um processo de aquisição muito lento também para estesalunos. Eles começaram a ler no ano anterior e estão a reforçar a sua capacidade de lei-tura, através de textos cada vez mais elaborados. Na escrita, demonstram ainda grandesdificuldades. É preciso trabalhar muito esta área, efetuando projetos que envolvem a pes-quisa e organização de informação, com um fim prático. Na matemática, revelam tambémdificuldades: serão trabalhadas competências extremamente práticas, próximas do seuquotidiano e necessárias no seu contexto escolar (marcenaria e costura).

Os primeiros temas de projeto, que não passaram à prática, foram temas sugeridos: afamília, a escola, as regras, a câmara municipal, a junta de freguesia, o centro de saúde,os bombeiros, a polícia ou a GNR, o tribunal, os bancos, a segurança social, Cabo Verde,São Tomé e Príncipe, Angola…

Eis algumas das bases do projeto desta turma:

– Os alunos irão escolher o tema do projeto para efetuarem em grupos ou individual-mente.

– Conforme os projetos, os alunos visitarão os locais escolhidos com o professor, a fimde procurarem informações, efetuarem pesquisas, entrevistas, etc.

– Os temas podem ser trabalhados em grupo ou individualmente.– Alguns temas propostos terão de ser obrigatoriamente trabalhados; contudo, se os

alunos demonstrarem interesse noutros temas, estes poderão ser também incluídos.– A duração dos projetos não está estabelecida, uma vez que, dadas as característi-

cas dos alunos, é necessário algum tempo, para verificar a implementação destaforma de trabalho.

– Os alunos apresentarão os projetos à turma do modo que escolherem.– Responderão às questões colocadas no início dos projetos e ainda a outras que pos-

sam surgir durante a apresentação.– Este plano não é estanque e pode ser alterado em função das necessidades da

turma.

Os trabalhos em projetos iniciais

No início do primeiro período, fiz com os meus alunos um levantamento do que vía-mos como prioridades de trabalho, a partir do conhecimento que tínhamos do ano pas-sado e da nossa consciência das dificuldades visíveis de integração e de inclusão social.

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Assim, como professor, pensei optar em primeiro lugar por projetos sobre o meio socialonde os jovens habitam, para que conhecessem o seu meio, as mais-valias para a sua vida econseguissem integrar-se nesse mesmo meio. Claro que este era um dos meus ideais, tendoem conta o que, como professor, «achei que era importante para eles e para a sua vida».

Em primeiro lugar, perguntei aos alunos: «O que é para vocês um projeto?» E todosme falavam de desenhar e construir uma casa, outros não sabiam o que isso era. Tenteiexplicar o que era um projeto para nós professores e como se desenvolviam projetos naescola, ou seja, quais os passos para a sua execução. Pareceu-me que os alunos ficaramcom uma ideia do que era realizar um projeto e, a partir desta conversa inicial, apresen-tei-lhes várias sugestões. No final, escolheram um projeto diferente dos que eu tinha suge-rido: a maioria escolheu a GNR como tema de trabalho.

Uma tentativa de implementação (frustrada) de projetos

Iniciei os contactos com a comunidade, tendo em conta os temas escolhidos: a juntade freguesia e a GNR, entre outros. O facto é que, no início, mostraram algum interesse,porém ele foi muito efémero. Pensei que a causa fosse o fator tempo, uma vez que sóestava com os alunos entre uma hora e meia e duas horas por dia e, além disso, os jovensdemoravam a entrar na sala e a iniciar as atividades, o que ainda tornava o tempo maisescasso. Mas o tempo era apenas um dos fatores, havia ainda um grande problema: a suamotivação era, muitas vezes, nula.

Tentámos iniciar os projetos. O tema mais escolhido era a GNR, uma vez que osjovens tinham muitos contactos com esta instituição. Mas o seu ódio refletia-se nalgumasdas suas questões, tais como «porque são tão brutos?», e revelavam ainda que, porvezes, eles próprios tinham vontade de bater na polícia. Além disso, nenhum dos alunosqueria visitar a GNR, a não ser que fossem comigo, o que já estava previamente previsto.

Na realidade, os alunos não iniciaram nenhum dos projetos combinados e mostraramsempre interesse em fazerem outros, mas mudavam constantemente de ideias e nuncaos chegavam a iniciar; deste modo, o trabalho em projeto teimava em não arrancar…

Tentei, de várias formas, encontrar com eles um ou mais temas que fossem do seuinteresse, mesmo que não estivessem na lista inicialmente proposta, mas sem granderesultado.

Trabalho em projetos: afinal, o que foi possível?

Um dos alunos mostrou interesse num projeto de construção de violas, o que foi muitomotivador para mim. Ele gosta de música e a viola é muito associada às músicas e tradi-ções ciganas. Encorajei-o, pensando que este era um bom caminho. O projeto começou,mas nunca passou de um início, com alguma pesquisa. Foi um pequeno avanço, mesmoassim frustrante.

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O André e o Leandro quiseram fazer um trabalho sobre a cultura cigana, quando virama apresentação do projeto sobre São Tomé e Príncipe do seu colega Ademar. Levarammuito tempo e apenas o terminaram mesmo no final do ano letivo, mas por sua iniciativa.Juntaram a informação em suporte informático e entregaram-ma, sem apresentarem o tra-balho à turma. No próximo ano, vou retomar estes dois trabalhos, propondo que os enri-queçam com ajuda de colegas para depois os apresentarem a todos.

Entre os muitos projetos que ficaram pelo caminho, houve também alguns que se con-cretizaram. Além do já referido projeto sobre São Tomé e Príncipe, que contou com a cola-boração de Susete Albino, professora de PLNM, na Oficina da Língua, e do projeto sobrea cultura cigana entregue no final do ano, foram realizados dois outros, sugeridos por mim:um sobre a temperatura, desenvolvido com todos os alunos, entre abril e o final de ano;outro de construção de grandes sólidos geométricos em madeira, envolvendo todos os alu-nos, mesmo os que participaram pouco, devida à falta de assiduidade e de motivação…

Relativamente ao projeto de São Tomé e Príncipe, ele não partiu das questões dos alu-nos: o Ademar escolheu este tema, pois quis mostrar aos seus colegas como é a sua terra,o país onde nasceu e de onde veio o ano passado. O aluno e a professora Susete Albinoelaboraram o projeto em conjunto e o aluno apresentou-o à turma. A propósito desta apre-sentação, os colegas foram colocando algumas questões, mas não tantas como espera-ríamos.

O projeto sobre a temperatura teve origem numa observação que um dos alunos fezsobre as constantes mudanças do tempo. A partir desta observação, lancei uma propostade verificação diária da temperatura à entrada e saída (da escola), para podermos cons-tatar não só as diferenças diárias de temperatura, mas também as semanais e as men-sais. Os alunos acharam a proposta muito interessante (finalmente!!!). Eu trouxe um ter-mómetro e, com a minha ajuda, os alunos elaboraram uma folha para registarem atemperatura. Todos os dias, rotativamente, um aluno apontava o dia e a temperatura deentrada, a vermelho ou cor de laranja, e a de saída, a azul. O projeto propiciou a elabora-ção de múltiplos problemas (orais e escritos) sobre a temperatura e quero dar-lhe conti-nuidade, no próximo ano letivo.

O último projeto consistia no trabalho de construção de grandes sólidos geométricos emmadeira forrados com fotos, a preto e branco, das atividades desenvolvidas ao longo doano. Para desenvolver este projeto, fomos trabalhar para a sala de marcenaria, onde foramfeitos os sólidos. Com este projeto foram trabalhados muitos conteúdos da área da Mate-mática, tais como: os sólidos e as figuras que os compõem, medições, as faces, as ares-tas, os vértices…. Esta proposta de projeto partiu de mim, pois sabia que o gosto pelos tra-balhos práticos com madeira iria ajudar muito na sua concretização. De facto, os alunosparticiparam com muita motivação e foi uma experiência muito positiva e gratificante, masfoi difícil chegar ao trabalho em projeto. O resultado deste trabalho foi mostrado na exposi-ção final de ano do agrupamento (Vialonga Mostra Atividades de Escolas – VIMAE).

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Trabalho em projeto: um difícil arranque. Uma reflexão?

Pelo que aprendi, o trabalho em projeto tem diferentes fases, que são muito importan-tes para o seu êxito.

O interesse existente à partida, a motivação e a necessidade de os alunos quereremmesmo saber algo é a primeira condição para o trabalho em projeto avançar, mas isso nãogarante, de forma nenhuma, que ele não pare pelo caminho.

A organização que um projeto pressupõe – com um esquema ou esboço que contem-ple itens, como «o que quero saber?», «onde procurar?», «o que o meu professor quersaber?», «quais são os meus recursos?» e um calendário de execução e apresentação àturma e, eventualmente, à restante comunidade educativa – deveria ser facilitadora da suaconcretização.

Na realidade, os projetos que incentivei e tentei elaborar com os meus alunos não serealizaram neste molde mais estruturado. Poucos foram os projetos executados e aque-les que faziam parte do «meu sonho como professor» foram bem diferentes dos que con-cluímos. Enquanto me fui apercebendo dos constrangimentos, fui tomando consciênciadas razões que faziam com que não desenvolvêssemos a maioria dos projetos iniciais: afalta de tempo e de motivação foram fatores de grande importância, mas a falta de ambi-ção dos alunos também me pareceu ser um obstáculo, uma vez que eles apenas vivem odia a dia, sem pensarem muito no futuro; por último, a sua faixa etária e a sua difícil rela-ção com a cultura escolar não facilitava a situação.

Numa primeira fase, tentei executar com os meus alunos os projetos dentro de parâ-metros, digamos, mais clássicos, que havia aprendido, o que não obteve grande sucesso,pois os alunos mudavam constantemente de projeto sem nunca iniciar o anteriormenteescolhido.

Posteriormente, resolvi iniciar projetos de modo não tão formal, o que produziu algunsresultados, como se percebe pelo projeto da «Temperatura» e o dos «Sólidos geométri-cos», ambos com um desfecho positivo.

No próximo ano, quero dar continuidade aos projetos e, embora reconheça que é difícil,acredito na capacidade de os meus alunos executarem um projeto mais estruturado e pla-neado à partida. Quando bem executados, continuo a considerar os projetos muito impor-tantes, enriquecedores e motivadores de aprendizagens ativas e construtivas do saber.

Estou convicto de que, quando o professor se organiza de forma a enquadrar os con-teúdos programáticos nos respetivos projetos, o aluno aprende o que necessita de apren-der, procurando ele próprio dar respostas às suas dificuldades ou ambições, torna-se maisorganizado e desenvolve competências de pesquisa, seleção e partilha de informação.Hoje em dia, o conhecimento e partilha de informação são fatores muito importantes e faci-litadores de integração e desenvolvimento pessoal e social do aluno, enquanto cidadãoativo e interventivo na sociedade da qual faz parte.

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Para a realização de projetos, é necessário empenho, vontade, motivação, cumpri-mento de prazos, responsabilidade e, sem sombra de dúvida, interesse em aprenderalgo…

Durante este ano letivo, foi-me extremamente difícil desenvolver, aplicar e motivarquem, muitas vezes, parece não querer intervir na sociedade da qual faz parte, porquenão a reconhece como sua e também não lhe é reconhecida como sua. Porém, não voudesistir de uma forma de trabalho em que tanto acredito e que é um excelente caminhopara o ensino-aprendizagem.

Explicitar a regulação do trabalho

a) Conselho de Turma

(Orlanda Carvalho)

No início do ano letivo, ao organizar o horário escolar para analisar e debater com osalunos e para posteriormente integrar o projeto curricular de turma, verifiquei que nele nãoconstava o conselho de turma, porque no ano anterior não tinha sido introduzido nas prá-ticas coletivas da turma. Iniciava assim o ano no meu patamar de segurança, mas comotodos já pudemos verificar, os alunos têm o poder de nos levar a fazer coisas que, à par-tida, não estão programadas ou planeadas, e foi isso que me aconteceu…

O conselho de turma surgiu no horário escolar desta turma, porque se tornou neces-sário criar um espaço em que os alunos pudessem expor, analisar, debater, esclarecer etomar decisões sobre assuntos importantes para eles.

Nesta reflexão, irei revelar como se desenvolveu este processo da criação do conselhode turma e como ele se tornou um dispositivo útil para a gestão das relações humanas.

Primeiro passo: o trabalho em parceria entre alunos

Ao escrever o diário de bordo, pedido no início deste segundo ano de formação, tivea perceção de que, durante o tempo de estudo autónomo, as tutorias na minha turma nãoestavam, em grande parte, a ser cumpridas. Os alunos pareciam ter perdido a motivaçãoem ajudar o próximo e com ele aprender a resolver várias questões em conjunto. Quandoeram questionados sobre o porquê de não as cumprirem, alegavam inúmeras desculpas.Foram muitos os argumentos invocados, mas os dois mais verbalizados eram «agora nãome dá muito jeito» e «fiz poucas atividades».

Acabavam por ir adiando de dia para dia, de semana para semana… e as tutorias aca-bavam por não ser realizadas, ficando cada vez mais longe do meu objetivo: fazer ver aosalunos que o trabalho em equipa pode ser muito positivo e enriquecedor, tanto para quemajuda como para quem é ajudado.

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Tinha de encontrar uma solução para o meu problema e, embora não soubesse o queiria fazer, queria que os meus alunos ganhassem motivação para trabalhar em tutoria.

Numa das sessões da formação com os meus colegas, em que cada um ia colocandoe expondo as suas ideias, bem como constrangimentos e angústias, ouvi uma colega con-tar como funcionavam as tutorias com os seus alunos: eram eles que marcavam logo, noconselho de turma, os dias em que iam fazer as parcerias com os colegas.

Para mim, este modo de funcionamento fazia todo o sentido, uma vez que era umamaneira ótima de solucionar o meu problema e de lhes incutir uma certa responsabilidade,pois seriam eles próprios a tomar consciência de como e quando seriam realizadas as ati-vidades de trabalho autónomo com determinados colegas.

Mas deparei-me com um problema: os meus alunos não tinham um conselho de turma.Assim, resolvi combinar com eles reuniões para avaliarmos o que ia sendo feito. Com opassar do tempo e com alguma motivação, nas reuniões de conselho começaram a com-binar-se as parcerias e os dias em que estas iriam ser feitas. Falámos sobre a importânciade transferir o saber de cada um para os colegas, ou seja, pretendi mostrar-lhes que nin-guém no mundo sabe tudo sobre tudo, mas que se eu passar parte do meu conhecimentoe o outro o complementar com o que sabe, provavelmente vamos ter um saber um poucomais vasto e profundo. Nesta linha de pensamento, referi que trabalhar em parceria, paraalém de alargar o conhecimento, poderia ser muito divertido, na medida em que existemcolegas extremamente criativos com quem se pode fazer coisas muito engraçadas.

Aquando desta explicação e tentativa de motivação, lembro-me de um aluno ter per-guntado: «Como é que fazemos isto?». Quando ouvi esta pergunta, percebi que, apesarde ela não ser clara, já começava a revelar interesse em querer saber mais sobre oassunto.

Respondi à pergunta com um exemplo prático e fácil de compreender – uma situaçãoem que facilmente eles se reviam, num papel ou noutro. Expliquei que existem colegas quesão muito criativos para inventar, criar e imaginar histórias, mas que têm alguma dificuldadeem escrevê-las. Trabalhando com outro colega, ele ajudará a escrever as ideias e depois,noutra ocasião, poderão trocar de papéis. Assim, todos passam pelas mesmas experiên-cias, aprendem muito uns com os outros, o que também pode ser bastante divertido.

Finalmente os alunos pareciam motivados e as tutorias passaram a ser cumpridas, sebem que há ainda, um investimento diário, da minha parte: no início do tempo de estudoautónomo, relembro as parcerias do dia e insisto para que sejam cumpridas logo no prin-cípio da atividade.

Com o trabalho de parcerias a funcionar, posso afirmar que a avaliação passou a sermais rica: nas reuniões de turma, são avaliadas duas parcerias realizadas durante asemana, onde os alunos relatam como ajudaram os colegas, dizem o que correu bem e oque correu menos bem. Para além de se ajudarem, os outros colegas que escutam, têmtambém uma melhor perceção do que deve (ou não) ser feito durante as parcerias.

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Foi nestas reuniões que comecei a sentir a responsabilização dos alunos, porquecomeçaram a colocar as dúvidas que iam surgindo e a revelar uma enorme excitação aocontarem o que fizeram e como fizeram a atividade previamente estabelecida.

Muitas vezes, os alunos mostravam uma enorme vontade em procurar respostas e eutentava orientá-los e fazê-los pensar em diferentes situações, para que chegassem à res-posta. Não queria ser eu a dar a resposta, queria que fossem eles em conjunto.

Segundo passo: a reflexão sobre os conflitos

Nas primeiras reuniões de turma, os alunos começaram apenas por expor, de maneiradesorganizada, alguns conflitos que iam existindo ao longo da semana. Com o decorrerdas semanas, notei que eles gostavam de participar nas reuniões e sentiam que faziamparte integrante de um todo.

De referir que durante algum tempo andei receosa, porque pensei que os meus alu-nos iam discutir imenso e, em vez de ser um momento de reflexão conjunta, o conselhode turma iria ser um momento de alguma confusão e até mesmo de algum conflito entreeles. Por isso, o horário da turma ainda não contemplava nenhum dia ou hora para estedispositivo de trabalho.

O tempo foi passando e decidi então renomear as reuniões de turma, para conselhode turma, mas ainda sem definir um tempo no horário.

Quando surgiu pela primeira vez o conselho de turma, foquei mais uma vez a importân-cia deste tipo de ações para resolver conflitos, para abordar diversas temáticas e, no fundo,para lhes dar alguma voz e autonomia no que diz respeito à gestão das relações humanas.

Os alunos começaram a mostrar interesse e foi então que tomei consciência de queseria importante marcar mesmo uma hora por semana para debatermos as questões refe-rentes às temáticas acima mencionadas. Combinámos que às sextas-feiras, como era ofinal da semana, poderíamos fazer o nosso conselho de turma, que começou então a sersemanal. Inicialmente correu muito bem mas, mesmo assim, de sessão para sessão,comecei a sentir um ligeiro decréscimo nas intervenções dos alunos.

Depois de refletir sobre o assunto, pensei que provavelmente não estaria a conduzir oconselho de turma da melhor maneira. Passaram-me inúmeras questões pela cabeça: «oque é que eu deveria dizer?» ou melhor… «o que é que eu não deveria dizer?». De ummomento para outro, fiquei confusa com o que poderia dizer ou não nas reuniões de con-selho. As intervenções que idealizava eram muito dispersas e bastante distintas umas dasoutras. Nesta angústia, sabia que era essencial focar-me mais sobre outras questões, darmais visibilidade aos alunos, ou seja, valorizar ainda mais as suas opiniões e incentivá-losa serem mais autónomos.

Decidi que teria de eleger um presidente e um secretário para serem eles, e não eu,a conduzir o conselho de turma. Tive uma agradável surpresa: vi-os discutir os assuntos

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por iniciativa própria, seguindo o roteiro de discussão de problemas. Fiquei mesmo muitocontente! Após longos meses a tentar implementar este dispositivo, finalmente aconteceu!

Claro que tenho plena consciência de que este acontecimento se deveu ao facto deos presidentes do conselho de turma serem duas crianças com um grande espírito de lide-rança e uma forte capacidade de comunicar e ouvir o outro sem verbalizarem a sua opi-nião sobre o assunto exposto. Foram capazes de dar primeiro a palavra aos colegas e sódepois de eles explorarem as questões é que explicitaram a sua opinião.

Esta atitude dos presidentes permitiu que a minha intervenção no conselho de turmadiminuísse drasticamente, uma vez que os dois alunos conseguiram orientar todos os pon-tos do roteiro de forma muito eficaz. Esta forte organização permitiu a posterior criação deuma lista de intervenções a serem feitas pelos alunos, seguindo uma ordem correta, paraque cada um pudesse expor, na sua vez, a sua opinião ou questão. Foi neste conselhoque se tornou mais visível para mim que os alunos conseguiam respeitar já as regras dacomunicação oral. Depois de inúmeros conselhos e de muita insistência minha, conseguiobservar estes progressos nos meus alunos, talvez porque não estava tão preocupada etão absorvida pela gestão do próprio conselho, mas sim pela reflexão que faziam e comoa mostravam aos outros.

Terceiro passo: reflexão sobre os próprios comportamentos

Apesar de eu já ter tentado implementar anteriormente a referida lista de intervenções,os alunos nem sempre a conseguiam seguir ou, por vezes, esqueciam-se dela e falavamdesordenadamente.

Nesta fase de aprendizagem e aquando da resolução de um dos problemas, surgiuuma situação que mais uma vez me levou a refletir sobre os meus alunos: foi quandoos presidentes perguntaram aos colegas envolvidos no conflito o porquê de terem tido umaatitude menos boa. Constatei que grande parte, se não mesmo a maioria dos alunos, nãosabia explicar as razões das suas atitudes e dos seus comportamentos, não conseguia ver-balizar o porquê de ter agido daquela forma e, por vezes, muitos dos alunos não sabiamque agiam mal, mostrando um comportamento de indiferença face àquelas atitudes.

É certo que o facto de os alunos não saberem explicar o porquê das suas atitudespode estar relacionado com o seu nível de maturidade, podendo as suas ações confundir-se com brincadeiras momentâneas. É aqui que a minha intervenção no conselho de turmaé útil, porque nessas alturas tenho a difícil tarefa de os fazer pensar nas atitudes quetomaram. Confesso, mais uma vez, que não é uma tarefa fácil: muitas vezes fico semsaber o que fazer ou dizer mas, utilizando algumas regras sociais e noções éticas que fuiconstruindo enquanto pessoa e professora, reformulo algumas questões e faço-os pensarno que fizeram. Peço para relatarem como começou o episódio que estamos a discutir,como se desenvolveu e o que os levou a agirem de determinada forma. Muitas vezes

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recorro a frases como: «pensa lá bem no que fizeste antes e vais ver que encontras umaresposta».

De uma maneira ou de outra, tento sempre fazer com que reflitam em conjunto, pro-curando encontrar a resposta certa, de acordo com os comportamentos adequados esocialmente aceites, mas nem sempre é fácil, porque nem todos aceitam as conclusõesque vão sendo tiradas.

Num dos conselhos de turma, depois de uma «enxurrada» de queixas de um alunosobre quem já tínhamos falado várias vezes, a propósito das suas repetidas atitudesagressivas e violentas para com os colegas, deparei-me com uma resposta que para mimnão fez sentido: o aluno considerava que os colegas estavam a ser injustos para com ele,porque o pai dizia que, se os outros o gozavam, ele tinha de lhes bater para se defender.Isto é, o aluno que estava a ser alvo de críticas negativas fazia o que o pai o aconselhava.

Quando ouvi isto, fiquei perplexa, questionei-me como poderia trabalhar a «defesa»que aquele pai tinha sugerido e conversámos sobre outras formas de resolver situaçõesque nos magoam, irritam e aborrecem. Concluímos que devemos falar, expor o que sen-timos acerca de uma situação, quer nos agrade ou não, em vez de agredirmos e de ser-mos violentos.

A partir desta reflexão senti necessidade de debater com a turma um tema que estavamuito em destaque na comunicação social: o bullying. Tentei explicar o que é e perguntei-lhes o que sabiam acerca deste tema. Pude verificar que as opiniões dos alunos erammuito variadas e que, mesmo depois de se falar sobre o tema, cada um apresentava a suaideia de forma diferente:

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Ilustração 1: excerto do diário de turma do 2.º período

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Penso que, depois desta sessão, alguns alunos ficaram com a ideia de que não se devepartir para a violência quando se deparam com um problema. Até mesmo o aluno anterior-mente mencionado, ainda que de vez em quando se lembre do que o pai lhe diz, começoua tomar consciência da sua atitude e de que há outras formas de estar em sociedade.

Quarto passo: o balanço

Eu, que inicialmente pensava que esta exposição semanal dos acontecimentos nãoiria ser benéfica, faço agora um balanço positivo, uma vez que, para além de resolver osconflitos que iam surgindo e de partilharmos os momentos de tutorias, foi um ponto de par-tida para outras atividades propostas pelos alunos.

De um modo geral, posso dizer que as tutorias e o conselho de turma foram duas gran-des apostas; com o decorrer do tempo e com a maturidade que os meus alunos por certoalcançarão, pretendo superar algumas das minhas dificuldades para poder crescer eaprender mais como professora e sobretudo como ser humano.

b) Regulação e produção no tempo de estudo autónomo

(Carmen Correia)

Contextualização

A turma, cujo projeto curricular de turma (PCT) é aqui objeto de reflexão, é constituídapor dezassete alunos: sete raparigas e dez rapazes com idades compreendidas entre osseis e os nove anos.

O tempo de estudo autónomo (TEA) foi uma rotina diária instituída desde o início doano letivo, em que foi necessário trabalhar a partir das dificuldades de cada umas dascrianças, acreditar nas suas potencialidades e conceder-lhes o tempo necessário. Estesforam momentos em que as crianças trabalharam autonomamente nas suas dificuldades,muitas vezes sem receio de errar.

De acordo com o PCT (novembro, 2009), as crianças dispunham de uma hora de TEA,em que realizavam as atividades marcadas no plano individual de trabalho (PIT) àsegunda-feira, durante a programação do trabalho da semana.

Ao longo do TEA, fiquei mais disponível para apoiar, de forma sistemática e rotativa,os alunos com dificuldades em determinadas áreas de aprendizagem. Enquanto não tra-balhavam comigo, os alunos realizavam outras atividades do PIT, sozinhos e a pares. Asparcerias e os apoios foram combinados antes de cada momento de TEA ou no momentode regulação, no início da semana.

O respeito pelo trabalho dos outros motivou e justificou uma regra de vida que se esta-beleceu na turma: enquanto a professora trabalhava com os alunos que necessitavam de

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ajuda, ninguém a interrompia. As dúvidas ou dificuldades que os alunos experimentavame não conseguiam vencer com os recursos de que dispunham eram depois objeto de tra-balho a realizar com a professora, em tempo combinado para esse efeito, registado e ava-liado nos Planos.

Semanalmente, o PIT era avaliado em reunião de conselho (auto e hetero-avaliação).Esta avaliação permitiu que cada um fosse adequando ao tempo de que dispunha a quan-tidade, a qualidade e a dificuldade do trabalho que se propunha realizar. Os planos indivi-duais de trabalho promoveram o desenvolvimento da autonomia e da capacidade dascrianças, do seu tempo/trabalho e permitiram a tomada de consciência do seu percursoescolar, das suas dificuldades e do seu ritmo, com vista à planificação do trabalho.

Todas as segundas-feiras, após a avaliação do PIT anterior, era elaborado um novoPIT por cada criança, partindo das necessidades sentidas e das sugestões apresentadaspor mim e pelos colegas. O PIT foi, pois, um roteiro que guiou o trabalho dos alunos aolongo da semana.

Como começámos…

Embora não estivesse previsto no PCT (elaborado em novembro), a turma começou adesenvolver o TEA com o apoio de um registo coletivo das atividades. Neste instrumento,cada aluno registou, no início de cada momento de TEA, todas as atividades que se com-prometia a realizar.

Este registo coletivo foi utilizado durante três semanas e serviu principalmente paracada uma das crianças começar a conhecer e a distinguir as atividades que podia fazerem autonomia, o que gostava e o que precisava de fazer.

Nas primeiras semanas, além de conhecer as atividades que podiam fazer em TEA,as crianças começaram a explorar a sala de aula, que estava organizada em diferentesespaços. Tinham ao seu dispor uma biblioteca, um espaço de informática, um espaço deciências e de matemática, um placar para exposição de textos trabalhados coletivamente,das listas de palavras e dos problemas, um espaço de pintura, um espaço com ficheirose um espaço com os instrumentos de pilotagem e de regulação.

Após três registos coletivos das atividades, no momento da regulação do trabalho, aturma assumiu, em conselho de cooperação, que cada um teria um registo individual,onde marcava o que fazia no TEA. Inicialmente, este registo individual – o plano individualde trabalho – começou por ter todos os dias da semana e a planificação continuou a serfeita antes de cada momento de TEA, com o intuito de cada criança perceber que ativida-des conseguia fazer em cada dia e, posteriormente, em cada semana.

De seguida, começámos a utilizar um PIT, onde cada criança assinalava com cruzeso que pensava fazer em TEA, escrevia, no dia da semana correspondente, a parceria detrabalho que tinha e onde eu registava e avaliava com cada uma o apoio individualizado.

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Era ainda feito o registo e avaliação de todo o trabalho coletivo realizado na sala de aula,do trabalho cooperativo em projetos e do trabalho realizado em TEA, a partir de pergun-tas orientadoras: como trabalhei?, o que aprendi? e onde tive dificuldades?. No final dasemana, este PIT era avaliado por cada criança, pelos seus colegas e por mim.

No início de cada semana, era feita a avaliação das tarefas e responsabilidades, aregulação do TEA e a planificação da semana de trabalho. As crianças apresentavam otrabalho realizado em autonomia e, em conjunto, avaliávamo-lo, planificávamos o trabalhoda semana e combinávamos parcerias e apoios para trabalhar as dificuldades. Segundoo diário de formação (DF), em dezembro, eram já evidentes alguns progressos, mas con-tinuavam a persistir outras dificuldades:

«Na segunda-feira, fazemos a avaliação das tarefas, dos planos individuais de trabalho e aplanificação do trabalho.

A avaliação das tarefas foi a que mais facilmente foi apropriada pelo grupo. Conseguemdizer quem cumpriu e quem podia ter cumprido melhor determinada tarefa e, neste último caso,explicam porquê.

A avaliação dos planos individuais de trabalho foi sempre muito difícil. Apenas cinco alunosmostram o seu PIT, mostram o que fizeram, leem a auto e a hetero-avaliação e a minha avalia-ção. Como a minha avaliação sugere sempre uma atividade no PIT, os alunos fazem logo par-cerias de trabalho.».

Regulação

Na regulação do TEA, a turma analisava individualmente o seu PIT e o dos colegas e,nas primeiras sessões, verificaram que não tinham marcado todos os trabalhos feitos ecompararam a quantidade de atividades realizadas, como se pode ler no meu diário deformação, em 12 outubro de 2009:

«Após a avaliação das tarefas, fizemos a avaliação dos PITs. Com receio de que demorás-semos muito tempo, optei por ler em voz alta cada PIT, a auto e a hetero-avaliação de cadaaluno e a minha avaliação. A leitura em voz alta de cada avaliação tornou coletivo o que cadaum tinha feito em TEA. Abordámos vários aspetos: a quantidade de atividades que cada um fez,a apresentação dos trabalhos, as dificuldades de cada um e como se podiam trabalhar, o empe-nho e o esforço e ainda a importância das marcações nos registos individuais e nos registoscoletivos.

Muitos aperceberam-se de que tinham feito determinadas atividades e não as tinham mar-cado e que isso os prejudica, porque o grupo não fica a saber o que cada um faz e também por-que isso não é contabilizado no PIT. O trabalho individual vai ganhando assim um sentido sociale começam a perceber agora para que servem os registos coletivos: reparam que fizeramfichas que ainda não marcaram e, como trabalham em parceria, lembram-se uns aos outros queforam duas vezes à biblioteca e não as marcaram, que fizeram três fichas do ficheiro de leituraB e não as marcaram. Parece-me que o registo coletivo dos textos continua esquecido...».

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Foi nas primeiras sessões de regulação que discutimos sobre as atividades de TEA esobre aquelas em que o grupo sentia mais dificuldades, mais insegurança e, por isso, nãoarriscava sem se sentir apoiado. A escrita de textos era uma das atividades em que ascrianças mais procuravam ajuda e pouco arriscavam quando estavam sozinhas, prefe-rindo copiar os livros que iam descobrindo na biblioteca da sala de aula. Desde cedoincentivei o grupo a falar sobre o que considerava difícil, a expor as dificuldades e a pro-curar as razões dessas dificuldades, como mostra a transcrição seguinte:

«A propósito das atividades do TEA, falámos sobre uma que têm feito: a cópia. Perguntei-lhes por que razão copiavam os livros que tinham na biblioteca e porque não escreviam os seuspróprios textos.

Beatriz António: Não se pode copiar dos livros; isso não é permitido.Joaquim: Alguns não sabem escrever algumas palavras e, por isso, vão aos livros copiar;

além disso, podem gostar muito da história e copiam-na.Emílio: Nós copiamos, porque pensamos que não temos ideias para escrever textos.Igor: Alguns pensam que não são capazes. (Intervim. Já tinha todas as informações de que precisava).Professora: Adoro os livros que estão na biblioteca, alguns têm histórias espetaculares. Nós

podemos, é claro, copiar as palavras que não soubermos escrever, por exemplo, «orelhas»,uma palavra difícil. Eu sei que este livro tem «orelhas» no título; venho aqui buscar e copio apalavra de que preciso, mas só isso. Depois posso inventar uma história como eu quiser. Tam-bém podemos aproveitar bocadinhos das histórias que já lemos ou ouvimos ler e…

Igor (interrompeu-me): e inventar um princípio ou um fim diferente, como nós quisermos. Professora: Sim, é isso mesmo. Ou podem só aproveitar as personagens e inventar uma

história completamente diferente. Mas sabem, eu tenho a certeza de que vocês são capazesde escrever as vossas próprias histórias, inventadas por vocês sem que nenhuma delas tenhaaparecido ainda num livro. Talvez o que vocês precisem é de ouvir muitas histórias para fica-rem, assim, com muitas ideias.

Grupo: sim, sim. (sorrisos e excitação total).».

DF, 11 de outubro de 2009

Nalguns momentos da regulação, quatro ou cinco crianças mostravam o que tinhamfeito, contavam com quem tinham trabalho e eu fazia perguntas que facilitassem umareflexão sobre as produções em TEA: quais as atividades que cada um fez?, trabalharamnas suas dificuldade?, fizeram o que mais precisaram?, que dificuldades sentiram?, comquem trabalharam?, por que razão trabalharam juntos?, como podemos ajudar a ultrapas-sar determinada dificuldade?...

O facto de estas crianças apresentarem o que fizeram e de exporem, sem receios, assuas dificuldades fez com que se tornassem mais conscientes delas e do quê e como pre-cisavam de fazer, para evoluírem no seu processo de aprendizagem, como podemos veri-ficar pela transcrição seguinte:

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«Foi a regulação do trabalho autónomo que permitiu que o grupo crescesse muito. No iní-cio de cada semana, o grupo avalia três ou quatro alunos e esta avaliação tem permitido per-ceber quais são as dificuldades de cada um, valorizar o facto de fazerem muitas atividades, masprincipalmente aquelas que lhes são difíceis.».

Reflexão, abril de 2010

Esta regulação promoveu um maior conhecimento do outro e uma maior atenção naformação de parcerias.

Noutros momentos de regulação, a turma utilizou um mapa de registo coletivo comtodas as produções planeadas e realizadas em TEA, que permitiu analisar a totalidade dasatividades feitas, qual o tipo de atividade que o grupo mais produziu, quantas atividadesforam planeadas e quantas foram realizadas, quantas parcerias entre colegas existiram,quantos apoios individualizados foram dados por mim, permitindo também verificar secada aluno aumentou, diminuiu ou manteve as suas produções em TEA.

Além deste registo semanal, uma vez por período, as crianças juntavam todos os seusPITs e registavam num gráfico, previamente preparado, todas as atividades de todos osPITs que tinham feito. Com este tratamento de informação, as crianças verificaram que ati-vidades tinham feito e, todos juntos, refletimos sobre as dificuldades de cada um e setinham, de facto, realizado as atividades a que precisavam de se dedicar mais para ultra-passarem as referidas dificuldades.

Foram ainda avaliados mensalmente os mapas de registo coletivo de utilização dosficheiros, de modo a verificar se os ficheiros disponíveis na sala de aula ainda eram ade-quados às dificuldades da turma, se as crianças marcavam o que faziam nestes mapas equais eram os alunos que precisavam de se dedicar mais à realização de determinadasfichas: «Também foi importante fazermos uma regulação mensal e no início do períodosobre os ficheiros. Vimos o que aprendíamos com cada um deles, o que era útil para ogrupo, quanto tempo precisávamos ainda para terminar determinados ficheiros e o quetínhamos de fazer até ao final do ano.». De acordo com esta transcrição da reflexão, feitaem abril de 2010, para remodelar os ficheiros foi necessário que as crianças que trabalha-ram em determinado ficheiro, explicitassem o que fizeram e aprenderam com as fichas eaquelas que não trabalharam tanto no ficheiro justificassem essa situação, expondo assuas dificuldades. Por vezes, aconteceu que algumas crianças estavam tão dedicadas asuperar as suas dificuldades na escrita de textos e na leitura de livros que não tinhamnecessidade de ler o ficheiro das lengalengas.

A análise dos mapas de registo coletivo de leituras e de produção de texto permitiu queas crianças fossem tomando consciência de que tinham de registar nestes mapas e tam-bém no próprio PIT o que faziam em TEA, para partilharem com a turma o que tinham rea-lizado. Esta análise mensal permitiu que a turma descobrisse quantas leituras foramfeitas ao todo e individualmente. A partir da discussão dos mapas de registo coletivo,

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nomeadamente do da leitura, discutimos sobre a quantidade de leituras que devemosfazer, com quem podemos ir à biblioteca ler, quem é que ajuda a ler e quem precisa deajuda, quem precisa de treinar a leitura, de ler mais e o que aprendemos com as leiturasque fazemos.

Com a análise do mapa de registo coletivo de produção de textos, foi evidente que ogrupo não marcava os textos que escrevia e esta situação apenas se modificou quandoos correspondentes nos enviaram um registo com todos os textos produzidos no mês denovembro e nos perguntaram quantos textos escrevíamos por mês. Confrontados comeste pedido dos correspondentes, conversámos acerca do motivo pelo qual não havia tex-tos marcados, se o mapa correspondia à realidade e se não se tinham escrito textos.A partir dos planos individuais de trabalho, o grupo fez um levantamento dos textos escri-tos, criámos um outro mapa de registo coletivo de produção de textos com base no mapade registo coletivo da turma dos correspondentes e combinámos um sítio para o colocarna sala.

A partir da apresentação dos PITs, das perguntas que eu fazia, das opiniões das crian-ças e dos instrumentos de regulação que utilizámos, fomos definindo em cooperação oscritérios de avaliação, para que o grupo se apropriasse do que é necessário para se tra-balhar bem em TEA, como referi no meu DF:

«(…) falámos sobre o que é trabalhar bem em TEA e chegámos a três conclusões: é pre-ciso fazer, pelo menos, seis atividades, escrever um texto e trabalhar concentrados. Por hojeficámos aqui. Senti que já tínhamos avançado tanto com a avaliação que não valia a penaencher uma folha com regras e intenções que ainda não estão interiorizadas e sobre as quaisainda é preciso falar mais em coletivo.».

DF, 19 de outubro de 2009

Mais tarde, o grupo definiu que, para trabalhar bem, era necessário escrever cinco ouseis textos, trabalhar nas dificuldades, cumprir o planificação do PIT, variar as atividades,ler livros na biblioteca e marcar tudo o que se fez nos mapas de registos coletivos das ati-vidades e dos ficheiros.

Apesar de serem construídos em cooperação, senti necessidade de ter um registocom o destaque de três critérios de avaliação e com o levantamento dos compromissosindividuais, onde anotámos quem cumpriu ou não o PIT, quem fez o que mais precisou(quem trabalhou nas suas dificuldades) e quem fez os trabalhos com boa apresentação esem desperdiçar folhas. Depois da planificação do novo PIT, cada um partilhou com ogrupo o que pensava fazer, a quantidade de trabalhos e a dificuldade que ia trabalhar maisnaquela semana. Esta planificação era modificada com as sugestões do grupo e com asminhas propostas:

«Após a planificação do PIT, o grupo registava o que cada um se comprometia a fazer e adificuldade que iria trabalhar. É este registo que vai regulando o trabalho autónomo ao longo da

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semana, porque nos permite ver se cada um está a trabalhar nas suas dificuldades e não nou-tras atividades de que goste mais. Sempre que alguém quer ir pintar, tem de perguntar aos res-ponsáveis da pintura, que consultam de imediato este registo e o PIT, no sentido de encaminharo colega para um trabalho mais adequado às suas dificuldades».

Reflexão, abril de 2010

Os instrumentos de regulação do TEA ajudaram a fazer um registo sistemático, masas reflexões feitas com os próprios alunos contribuíram bastante para uma melhoria sig-nificativa do trabalho desenvolvido, como é evidente no seguinte excerto:

«Ao olhar para os ficheiros da sala e ao ouvir as minhas inquietações, percebi que algunsficheiros não estavam a funcionar no grupo e muitos outros faziam ali falta. Além dos ficheiros,o grupo já descobriu a escrita; precisa de ter consciência dos textos que produz. As criançastêm de começar a fazer revisões de texto sozinhas. Ainda é necessário conseguir que os alu-nos tenham uma maior consciência do seu trabalho, do que podem fazer para o melhorar, dasdificuldades que têm e de como as podem ultrapassar, bem como elevar o nível de dificuldade,qualidade e apresentação dos seus trabalhos.

Existe ainda um pouco de desaproveitamento do espaço das folhas mas, aos poucos e como acompanhamento do trabalho, vão sendo dadas indicações sobre como fazer. De modo aorientar ainda mais o trabalho nas dificuldades, existe um espaço no PIT onde é referida a difi-culdade e onde, na avaliação do conselho à segunda-feira, fica escrito e é combinado em grupoo que cada um vai fazer. No segundo período, foi construído um novo PIT para orientar melhoro trabalho autónomo. A grande maioria gere bem o seu tempo de trabalho e formam-se muitasparcerias, combinadas em função das dificuldades e não das amizades, como acontecia no iní-cio do ano.

Com a crescente evolução do nível de trabalho, aprofundou-se em grupo os critérios deavaliação deste momento, levando a que os alunos tenham uma maior consciência do seudesenvolvimento e do que podem fazer para ajudar ou em que atividades podem ser aju-dados.».

Reflexão, janeiro de 2010

Planificação

A planificação dos PITs foi feita à segunda-feira, após os momentos de regulação etambém foi sofrendo alterações ao longo do ano letivo.

Numa primeira fase de aprendizagem, lia em voz alta as atividades do PIT e cadacriança marcava o que pensava que ia fazer. Como referi no DF, em outubro as criançascomeçaram a planificar coletivamente, sem a minha leitura mas ainda com a minha ajudae orientação:

«A seguir ao momento da avaliação do TEA, planificaram o PIT e tiveram o primeiromomento de TEA. O momento da planificação ainda é bastante difícil. Pela primeira vez, não lias atividades em voz alta e fui circulando pela sala para os ajudar a planificar individualmente,para que arriscassem uma planificação sozinhos. Ajudei alguns a reler o que tinha sido escrito

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na avaliação e as sugestões de atividades para esta semana, bem como a planificar outras ati-vidades; ajudei a melhorar a planificação de outros, porque ou tinham marcado poucas ativida-des ou apenas de uma só área curricular. À medida que iam tendo o PIT planeado, avançarampara a realização de atividades. Apresentam dificuldades em: compreender que aquilo que mar-cam é para ser realizado durante toda a semana e não só naquele dia; comparar as atividadesque fizeram no PIT anterior e perceber se conseguem ou não fazer mais do que as realizadasna semana anterior; e distribuir as atividades que pensam fazer pelas áreas curriculares, poisou fazem muitas atividades de Língua Portuguesa ou muitas na área de Matemática.».

Numa segunda fase de aprendizagem, as crianças ganharam consciência das ativida-des que conseguiam fazer durante uma semana e, principalmente, das dificuldades queprecisavam de trabalhar. Para planificar o novo PIT, as crianças recorriam ao da semanaanterior e foram ficando cada vez mais autónomas, pois planeavam as atividades adequa-das às suas necessidades mas, durante muito tempo, a quantidade de atividades não cor-respondia às que eram efetivamente capazes de fazer, por isso, raramente conseguiramcumprir integralmente o PIT que tinham planeado.

Durante a planificação, eram combinadas as parcerias de trabalho e os apoios indivi-dualizados da professora. De acordo com os PITs da semana anterior, cada criança mani-festava as suas dificuldades e outras crianças ofereciam-se para trabalhar em parceria,porque sentiam a mesma dificuldade ou porque já a tinham trabalhado na semana ante-rior. Por vezes, as crianças solicitavam o meu apoio para trabalhar nas suas dificuldadesou propunha eu um apoio com um grupo de três ou quatro alunos para trabalhar uma ouduas dificuldades.

No início, as crianças trabalhavam a pares por questões afetivas e não propriamentepor apresentarem dificuldades semelhantes ou por se sentirem apoiadas por aquele(a)colega, o que provocou uma reflexão sobre as parcerias criadas, o que se aprendia emcada uma e o que se podia aprender e ensinar, se fossem formadas outras parcerias. Emdezembro, chegámos a algumas conclusões, mas começavam a surgir outras dúvidas,angústias e inquietações:

«Temos refletido sobre estas parcerias, porque há alunos que gostam muito de trabalharuns com os outros e não trabalham com todos os meninos. Conversámos sobre isso e vimosque é importante trabalhar com todos os meninos. Depois desta conversa, tem acontecido queos alunos se organizam para fazer todas as atividades com um só colega e preocupa-me o queproduzem enquanto estão juntos. Quando fazem fichas de Matemática (no ficheiro ou nomanual) é uma situação coisa pacífica, mas escrever um texto é difícil e têm, de uma forma queme deslumbra, conseguido combinar tudo o que acontece na história.».

Reflexão, dezembro de 2009

As parcerias de trabalho e os apoios individualizados fizeram sempre parte do dispo-sitivo do TEA. Porém, a sua gestão nem sempre foi fácil, como se percebe pela transcri-ção seguinte:

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«O grupo trabalha sempre em parceria ou, pelo menos, tenta. No início de cada momento,combinamos as parcerias de trabalho e os apoios. Por vezes, sou eu quem tem mais dificul-dade em gerir os apoios, porque quero apoiar mais meninos do que aqueles que realmente con-sigo. Eles não. Nisso são muito mais ágeis do que eu. Sabem perfeitamente o que lhes é difí-cil fazer sozinhos e juntam-se com os amigos, com quem os ajuda ou ainda com quem precisade ajuda e fazem os trabalhos que combinaram.

Muitos continuam a recorrer a mim no trabalho de texto; ainda tenho muitos meninos que sesentem muito inseguros na escrita de algumas palavras menos frequentes e ficam mais tranquilosquando lhes digo que podem interromper o apoio para me perguntar como se escreve determi-nada palavra em vez de procurar um colega. Expõem as suas dificuldades com grande facilidade.Começaram a dar muito valor ao apoio da professora e começam a procurar ajuda efetiva para assuas aprendizagens e não apenas a segurança de realizar atividades que lhes são difíceis.».

Reflexão, abril de 2010

Realização das atividades em TEA

À semelhança da regulação e da planificação do PIT, também a realização das ativi-dades em TEA teve mudanças.

No entanto, as crianças compreenderam, desde cedo, que o TEA era um momento detrabalho, como mostra o excerto do DF, em 20 outubro de 2009:

«(…) com tantas dificuldades, hoje senti orgulho do grupo. Olhei para eles e estavam todosa trabalhar, cada um no seu espaço, com o seu trabalho. Fiquei muito contente, sorri e nãodisse nada. Talvez seja cedo ainda, mas senti que o grupo percebeu que este é um momentode trabalho e de parceria.

O Joel e o Mateus realizaram pela primeira vez uma ficha de adição; a Sofia e a Maria tra-balharam no ficheiro de dominó; o Joaquim e o Emílio escreveram um texto a pares; o Iúri fezuma ficha de leitura B e o Jaime também, com a minha ajuda; a Beatriz Taborda insistiu emcopiar um livro, mesmo depois da conversa sobre a cópia; a Bárbara António começou a escre-ver um texto comigo; a Isabel e a Dora escreveram um relato, com a minha ajuda, e a Doraainda teve tempo para processar o texto no computador, mas tem bastante dificuldade em iden-tificar as letras maiúsculas e minúsculas da letra de imprensa.

Como música de fundo, tivemos, pela primeira vez, música cigana. No final do momento deTEA, o Vítor deu voz àquela que me pareceu ser a vontade de todos: “professora, não pode-mos ficar aqui a trabalhar, só mais um bocadinho?”. Sorri. Expliquei que só se não almoçasseme pareceu-me que eles não se importariam muito.».

Numa segunda fase de aprendizagem, os alunos identificavam já o que precisavam defazer, dedicavam-se a trabalhar nas suas dificuldades e começavam a apresentar as suas pro-duções noutros momentos de trabalho, como mencionei na reflexão de dezembro de 2010:

«Os meninos ganharam consciência de que precisam de fazer mais trabalhos e de quaisas áreas em que necessitam de trabalhar mais. Sinto que os incentivo a fazer muitas ativida-des, muitas coisas.

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Tem sido um momento privilegiado para a escrita de textos: os meninos juntam-se paraescrever textos a pares, a trios e sozinhos. Arriscam na escrita de outras palavras e copiampalavras do nosso património escrito na sala de aula – algumas apenas como segurança, poisconseguem já escrevê-las, mas precisam de se sentir seguros. Têm surgido muitos textos comanimais, fruto de termos uma lista de animais na sala de aula. Os meninos preocupam-se como sentido do texto e pedem-me ajuda para escrever as palavras que ainda não sabem. Estestextos são lidos no “Ler, contar e mostrar”, onde já vamos dando sugestões para melhorar ostextos.».

Apesar de ver as crianças a trabalhar em autonomia com cada vez mais responsabili-dade, sempre que refletia (sozinha ou com os colegas da formação) fui-me dando contaque havia sempre aspetos do TEA que pretendia melhorar. Esta reflexão constante aju-dou-me a tornar evidentes as conquistas e progressos do grupo e o que faltava melhorar,bem como a clarificar as minhas conceções de ensino-aprendizagem. Desta forma, emdezembro de 2009, refletia sobre a minha atitude durante o TEA, sobre o que ainda nãofaziam e sobre o trabalho desenvolvido, nomeadamente as atividades em que estavammais autónomos, aquelas de que gostavam mais e aquelas que ainda lhes eram difíceis– as revisões de texto em que eram ainda pouco (ou nada) autónomas:

«Ainda não fazem revisões de texto em conjunto, algo em que vou investir bastante nospróximos períodos. Estas revisões são feitas apenas comigo, o que tenho reparado ser poucoenriquecedor. Tenho de convidar um menino para a revisão de texto.».

Têm lido muitos livros na biblioteca, mas parece-me que escolhem quase sempre osmesmos, o que me faz alguma confusão, porque não percebo porquê. Quando os ques-tiono sobre as suas escolhas, justificam-nas sempre com o gosto pessoal.

Uma das atividades em que estão mais autónomos é no quadro de pregas, em quereconstroem o texto e copiam-no sozinhos e em silêncio. Chego a não dar conta do traba-lho, mas têm feito muitas cópias no quadro de pregas. Falta agora aventurarem-se a des-cobrir sílabas nas palavras, «palavras com os ‘bocadinhos’ iguais».

Eis algumas das minhas conceções sobre o trabalho artístico e a sua introdução nasala de aula:

«Adoram pintar com os pincéis e as idas às pinturas são pacíficas. Combinámos fazer umapintura por semana. Ao comparar a pintura com os textos, sinto que é muito mais importanteescrever um texto do que fazer uma pintura, por isso tenho tendência para lhes pedir que escre-vam um texto sobre a pintura que fizeram ou para fazerem uma pintura como ilustração do textoque escreveram.

Apesar de saber que não é verdade, que o trabalho artístico é tão importante como um tra-balho escrito, na sala de aula investe-se pouco nas artes. Fazemos poucos trabalhos, por issofoi bom quando o Pascal me desafiou a criar o espaço da pintura. Depois disso fiquei com von-tade de investir em tapeçarias...».

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Acerca das dificuldades das crianças, dos meus apoios individualizados e do trabalhoque realizamos,

«Sinto que todo o tempo de TEA é pouco. Os meninos têm tantas dificuldades e precisamtanto de mim… cada um com a sua especificidade. Sinto que os apoio muito e que sou bas-tante controladora: se me parece que não estão a fazer nada, pergunto várias vezes o queestão a fazer. Eles têm-me mostrado que são sérios no trabalho e que trabalham efetivamente,mas para mim ainda são demasiado lentos.».

«Ao longo do período perdi a noção dos apoios individuais que dei, apesar de escrever noPIT deles… ainda não sei se no próximo período vamos ter um registo para marcar os apoiosdo professor e as parcerias de trabalho ou se é demasiado burocrático.».

Sobre o trabalho efetivo nas suas dificuldades,

«Sinto que os alunos, inteligentes como são, fogem das atividades que ainda lhes são difí-ceis, até mesmo daquelas que apenas lhes são aparentemente difíceis. O ficheiro de proble-mas é um bom exemplo disso: os alunos pedem-me sempre ajuda quando querem trabalharneste ficheiro e depois, na resolução, percebem que não tinham assim tantas dificuldades comopensavam.».

Em março, a revisão de textos já mostrava algumas melhorias, mas eu continuavamuito atenta à produção de trabalhos e às parcerias de trabalho, para que não se tornas-sem dependentes uns dos outros. A reflexão feita nesse mês revela algumas dessas preo-cupações:

«Em TEA, os alunos trabalham nos ficheiros, nos manuais, na escrita e na revisão de tex-tos. Combinámos as parcerias de trabalho, mas ainda não avaliámos essas parcerias. Os alu-nos trabalham mesmo, mas ainda se esquecem de marcar o que fazem nos registos coletivos.Aproveitam o TEA para trabalhar as suas dificuldades, raramente se distraem e ajudam-semuito. Alguns meninos optam por trabalhar em parceria para fazer fichas difíceis e, pouco apouco, vão fazendo aquilo a que se comprometeram. Todavia, nem sempre todas as parceriasde trabalho são aceites. Quando alguns meninos ainda não sabem que são capazes de reali-zar determinada ficha sozinhos e pedem ajuda, eu começo por dizer que primeiro têm de ten-tar fazê-la sozinhos. É o caso da Dora, da Sofia e da Inês que começaram a ler mas, comoainda se sentem inseguras, pediam muitas vezes ajuda para ler as fichas de leitura B. Quandoas incentivava a fazê-lo sem ajuda, sentiam-se um pouco aflitas, mas no fim do TEA vinham aopé de mim e contavam-me que tinham conseguido ler tudo sozinhas. Conseguimos começar afazer revisões de textos a pares e com a minha ajuda. Devagar, os alunos vão-se apropriandoda revisão de texto.

Por vezes, olho o grupo enquanto trabalha em TEA… e não posso deixar de ficar orgulhosa.No início, havia muito barulho mas agora já conseguimos trabalhar mais em silêncio.».

Preocupam-se em estar sempre a trabalhar, em fazer as fichas difíceis, em terminar osmanuais e em tirar dúvidas uns com os outros.

Eu sinto que os meus apoios vão cada vez mais ao encontro das suas dificuldades, mas

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sinto também que sou obsessiva com a produção de trabalhos. Há meninos da minha sala queinsistem em demorar nalguns trabalhos, que brincam, que não produzem. A esses estou cons-tantemente a chamá-los à atenção… e nestes casos os compromissos assumidos em conse-lho têm sido fundamentais. Combinamos a quantidade de trabalho que cada um faz e quais asdificuldades em que têm de trabalhar e isso é muito orientador.».

Reflexão, março de 2010

Conclusões

Neste momento, considero que o grupo se apropriou do tempo de estudo autónomo,como um momento de trabalho de suporte fundamental às suas aprendizagens. No tempodefinido, cerca de uma hora e meia semanal, cada criança foi capaz de ajudar outra aaprender, trabalhando conteúdos em que sente dificuldades ou que precisa de treinar. Ascrianças ajudaram-se umas às outras na realização de atividades, em muitas das quaisainda não se sentiam seguras, e trabalharam comigo em conteúdos que ainda não domi-navam e competências que ainda não tinham adquirido.

Através deste momento de trabalho, as crianças foram tomando consciência das suasaprendizagens, dos seus progressos, das suas dificuldades e tornaram-se cada vez maisresponsáveis pelo seu percurso de aprendizagem. Por um lado, treinavam conteúdos tra-balhados nos momentos coletivos, sozinhas e a pares; por outro, trabalhavam conteúdosonde manifestavam algumas fragilidades, muitas vezes apoiadas pelos colegas e pormim, até se sentirem seguras.

Para ganharem esta consciência e para que cada criança fosse apoiada nas suasnecessidades reais, foi importante a ênfase dada aos momentos de regulação, em queforam feitas diversas recomendações para melhorar as aprendizagens e trabalhar o currí-culo nacional. A partir destes momentos de regulação, cada criança sublinhou o que tinhaaprendido e que dificuldades tinha enfrentado. Posteriormente, eram combinados osapoios da professora e as parcerias de trabalho e as crianças planificavam o seu trabalhono PIT, muitas vezes com a ajuda do grupo e da professora, dos mapas de registos de uti-lização dos ficheiros, de leituras e de produção de textos.

No decorrer do TEA, foi notório o que cada grupo e cada criança fez para aprender emelhorar as suas aprendizagens. No início do TEA, olhavam para o PIT, viam o que tinhamde fazer e, ao longo do trabalho autónomo, regulavam-se, viam o que já tinham feito equantas atividades lhes faltavam para terminar o que estava planeado.

A análise dos registos mensais fez com que cada um soubesse os ficheiros em quetinha de trabalhar, quais aqueles que eram ainda necessários na sala de aula e aquelesde que já ninguém precisava.

Com a regulação do trabalho, conseguiam ajudar os outros, valorizaram quem faziamuitas atividades mas, principalmente, quem fazia aquelas que eram difíceis. O facto deregistarmos o que cada um se comprometia a fazer e as dificuldades que iria trabalhar

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mais fazia com que, ao longo da semana, se lembrassem mutuamente dos compromissosassumidos com a turma e até das suas dificuldades. As crianças tornavam-se autónomase cada vez mais responsáveis pelo seu percurso escolar.

O TEA suscitou muitas dúvidas, inquietações na sala de aula e no grupo da ação deformação. À medida que fomos dando reposta a algumas destas inquietações, como «queapoios e parcerias são criadas para sustentar o trabalho em autonomia?», foram surgindooutras, objeto de reflexão no seio dos grupos de formação.

É preciso agora continuar a promover o trabalho autónomo desenvolvido e a sua regu-lação pelas crianças, para que se aprofunde a tomada de consciência sobre o currículonacional, as aprendizagens e competências já desenvolvidas e aquelas que ainda é neces-sário desenvolver, sobre as dificuldades que ainda persistam e sobre outras que surjam eque serão ultrapassadas pelas parcerias de trabalho e pelos meus apoios individualizados.

c) Um percurso de implementação do Conselho de Turma

(Ana Paula Gonçalves)

Introdução

No ano letivo de 2009-2010, procurei implementar um novo dispositivo de trabalho,nomeadamente o conselho de turma. Inicialmente, este dispositivo servia como meio deregulação de conflitos, mas começou a servir também como regulação do trabalho desen-volvido.

Esta reflexão mostra como o conselho de turma se tornou uma rotina na vida dos alu-nos e no trabalho da sala de aula, bem como a apropriação pelos alunos do diário deturma, o instrumento de regulação que serviu de apoio ao conselho.

Deste modo, a minha contribuição permite, por um lado, compreender o papel do con-selho de turma como um momento para a regulação de comportamentos e, por outro, aplanificação de atividades em sala de aula, privilegiando a autonomia, reflexão crítica edecisões dos alunos.

Início de um percurso de novas práticas e inovações pedagógicas

A introdução de algumas práticas pedagógicas diferenciadas na sala de aula, permitiuuma participação mais ativa dos alunos no seu processo de ensino-aprendizagem e ajudá-los a trabalhar nas suas dificuldades, tornando-os mais autónomos.

O trabalho era organizado da seguinte forma: No começo da semana havia a «Hora das novidades», um momento em que as crian-

ças falavam, cada uma na sua vez, do seu fim de semana ou sobre outros assuntos quequeriam partilhar com a turma.

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No trabalho autónomo, era feito o preenchimento do plano individual de trabalho, como registo da previsão do trabalho que os alunos se proponham realizar ao longo dasemana. A avaliação era feita no final da semana com o balanço do trabalho realizado. Osalunos começaram a desenvolver o pensamento crítico sobre a realização das própriasatividades e a otimizar a gestão do tempo.

O tempo de apresentação do trabalho em projeto, três momentos distribuídos ao longoda semana, era negociado com os alunos. Com este trabalho as aprendizagens tornaram-se mais significativas, desenvolvendo-se ao mesmo tempo o espírito de cooperação entreos intervenientes.

No final do dia, os alunos faziam uma avaliação do seu comportamento que regista-vam numa ficha/regulação para o efeito. Alguns elementos da turma apresentavam pro-blemas de comportamento: havia alunos temperamentos mais conflituosos e algumas difi-culdades no cumprimento de regras, havendo necessidade de recorrer, frequentemente,a conversas conjuntas de forma a resolver os conflitos.

A professora Eunice estava também a apoiar a turma no projeto «Eu sei sonhar»,visando desenvolver e trabalhar comportamentos sociais e assertivos.

Perante este problema de maus comportamentos na sala, alguns alunos manifesta-vam-se e achavam que deveria haver castigos para quem se portasse mal. Ficou no ar aideia de elaborar uma lista de castigos em conjunto com os alunos.

«Mas como? Qual a melhor forma para tratar este problema de comportamento daturma?» pensava eu. Foi então que surgiu a ideia de implementar a assembleia de turma,mas ainda não me sentia muito à vontade para o fazer, não sabia bem como o fazer emtermos de organização.

Entretanto, numa das sessões da ação de formação (17/11/2009), foi abordado estetema e explicaram-se os procedimentos das reuniões de conselho, a mostra e partilha deum instrumento de regulação utilizado por outros formandos nas suas salas de aula: o diá-rio de turma, dividido em quatro colunas (gostei, não gostei, fizemos e propomos).

Conselho de turma – uma necessidade para a regulação de conflitos

No início do segundo período, surgiu a necessidade de implementar na sala a assem-bleia de turma, já que o seu comportamento foi um dos pontos focado na reunião de ava-liação do final do 1.º período pela equipa de professores que trabalha com a turma (pro-fessores das AECs e eu própria).

O objetivo era regular os comportamentos dos alunos na sala de aula e, principal-mente, fazer com que cada criança se autorregulasse. Com o meu apoio, o conselho teria,portanto, uma função reguladora da vida social e escolar dos alunos.

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Introdução do diário de turma e implementação do conselho de turma

O diário de turma foi um instrumento muito bem recebido. Todos os alunos queriamregistar comentários, sobretudo «queixas» de comportamentos de colegas.

O diário foi preenchido muito rapidamente. Além dos comentários relativos ao compor-tamento, os alunos também registavam algumas atividades que gostaram de realizardurante aquela semana assim como outras de que não tinham gostado tanto.

No final da semana, à sexta-feira, realizávamos o conselho de turma para fazer obalanço da semana, falar sobre o que aconteceu e sobre as propostas de trabalho quetinham feito.

O conselho de turma era presidido pelo delegado e subdelegado de turma, que tinhama responsabilidade de nomear um secretário (aluno) diferente em cada conselho para redi-gir a ata, onde eram registadas as decisões relativas ao diário de turma. O diário era lidopelos delegados. Face aos aspetos positivos e negativos, procurei desenvolver o respeitopelos outros, a compreensão das normas e regras de trabalho e convivência social.

Quando começámos a realizar o conselho de turma, tivemos bastantes dificuldades:no primeiro, falavam todos ao mesmo tempo e os delegados não conseguiam regular apalavra. Então, foi instituída a regra: «Pôr o dedo no ar e falar quando for solicitado pelodelegado que preside o conselho». Outra dificuldade foi registar as decisões na ata, poisos alunos ainda não conheciam bem este tipo de texto. A primeira ata foi elaborada eescrita com a minha ajuda, para que os alunos pudessem familiarizar-se com esta novatipologia textual.

Verifiquei que os alunos começaram a ver o conselho de turma como uma atividadede responsabilidade, comparando-a à Assembleia da República, onde os governantestambém decidem e discutem leis democraticamente.

A discussão dos conflitos registados no diário de turma era analisada no conselho e,democraticamente, eram discutidas as situações prejudiciais ao grupo. É pelo grupo epara o grupo que as regras são reajustadas e avaliadas, permitindo que todos se sintamresponsáveis por esta regulação. Assim, as regras de caráter sócio-convencional surgemcomo as principais reguladoras do grupo, em que o papel de todos os alunos se tornaimportante não só na regulação das relações interindividuais, mas também no ambienteda turma da qual todos fazem parte e para a qual todos contribuem.

A partir deste momento, o conselho de turma passou a ser parte integrante das ativi-dades realizadas na sala de aula, tornando-se uma rotina semanal à sexta-feira.

Passou a ser orientado pelos alunos que o presidem e o moderam, tomando nota dasdecisões e das sugestões a registar em ata, que é agora redigida pelos alunos quase sema minha intervenção.

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Da regulação de conflito à regulação do trabalho

Inicialmente, a introdução do conselho de turma na sala de aula tinha como propósitoa resolução dos problemas de comportamento da turma. No entanto, a partir do momentoem que o conselho de turma se tornou uma rotina, apercebi-me de que os alunos come-çaram a deixar de escrever os comentários habituais acerca do comportamento dos cole-gas e a dar mais importância às propostas.

O diário de turma passou de instrumento de regulação de comportamento a instrumentode regulação de trabalho na sala de aula e os alunos começaram a registar, na coluna daspropostas, algumas sugestões de atividades do seu interesse. Para além de sugerirem ati-vidades novas também manifestavam interesse em continuar a desenvolver outras ativida-des, como a escrita e a dramatização de textos e de histórias. Estas atividades foram desen-volvidas sistematicamente no ano letivo anterior e este ano houve alguns alunos que mesurpreenderam pela positiva: muitos já eram capazes de se organizar em grupo, escreveruma história, preparar a encenação e dramatizá-la sem a minha intervenção. Estes alunosmanifestavam grande espírito de cooperação em grupo e respeito uns pelos outros. Paramim, são evidentes os contributos desta ação de formação para a autonomia dos alunos.

Ainda no que respeita à expressão escrita, devo dizer que, nas provas de aferição, osresultados da maioria dos alunos da turma se situaram no bom e no suficiente. É desalientar que mesmo os alunos com mais dificuldades também conseguiram resultadospositivos nesta competência.

Relativamente às atividades, um dos alunos propôs a realização de uma atividade deleitura e de escrita, utilizando o sistema de linguagem SPC (símbolos) usado pelos doisalunos com necessidades educativas especiais integrados na turma. Não foi possível rea-lizar esta atividade por falta de tempo, no entanto os dois alunos com NEE prepararamuma atividade para apresentar aos colegas da turma: escreveram uma história, utilizandoos símbolos e fizeram uma apresentação aos colegas, que se mostraram muito interessa-dos e motivados.

Também houve uma proposta para a utilização do computador Magalhães na sala deaula. Esta utilização foi negociada com os alunos, assim como o dia estabelecido para ousar. Propus aos alunos refletirmos sobre as possíveis atividades que podiam realizar como computador e eles assumiram o compromisso da sua utilização para a escrita de textoe construção de um ficheiro.

As atividades são negociadas com os alunos, como forma de os comprometer nassuas tarefas, porque tenho como objetivo procurar que se sintam responsáveis e motiva-dos pelas atividades desenvolvidas.

O que aprendemos (alunos e professora)

Pelo segundo ano consecutivo nesta ação de formação, continuei a introduzir algumasmudanças na minha prática, nomeadamente o conselho de turma. Inicialmente pensado

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como instrumento de regulação de comportamentos na sala de aula, passou a desempe-nhar mais o papel de instrumento de regulação de trabalho.

O conselho de turma permitiu aos alunos uma melhor capacidade de julgar com soli-dariedade e amizade os comportamentos desajustados, registados ao longo da semanano diário de bordo.

No conselho a rotina escolar é pensada, assumindo aspetos particulares: os alunosaprenderam a planear o seu trabalho, a falar, a escutar, a regular o uso da palavra, a argu-mentar, a tomar notas, a respeitar a ordem de trabalhos e a anotar o essencial das infor-mações durante os debates.

O conselho de turma teve uma boa recetividade por parte dos alunos e permitiu a coo-peração na organização do trabalho, a comunicação em grupo, a regulação de algumasnormas de comportamento e o zelo pela sua aplicação, tornando-se, assim, um instru-mento regulador e ocupando um lugar privilegiado na sala de aula. No decorrer do ano eà medida que os conselhos de turma iam acontecendo, senti que os alunos iam adquirindoum maior poder de organização em grupo-turma.

Esta ação de formação contribuiu de forma positiva para a mudança da minha práticaprofissional e pedagógica, tornando as aprendizagens dos alunos mais significativas econstrutivas. O aluno constrói o seu saber, passando a ter um papel mais ativo e participa-tivo no seu processo de ensino-aprendizagem. Neste contexto, os instrumentos de regula-ção do trabalho e ação (diário de turma/conselho de turma) assumem grande importância.

Quanto a mim, como professora, achei bastante enriquecedora a partilha de saberes, demateriais e de estratégias entre os formandos, quer nas sessões de grupo, quer na escola.

Com esta ação de formação abri a porta da minha sala à inovação pedagógica e anovas práticas mais centradas na aprendizagem, na participação ativa dos alunos e naconstrução dos seus saberes.

Todas estas alterações/mudanças pedagógicas ajudaram-me a avaliar a sua eficáciajunto dos alunos.

Refletir acerca da profissão

a) Primeiros passos na diversificação das aprendizagens

(Maria do Céu Pires)

Mudanças na organização do trabalho da turma

Nos últimos dois anos, comecei a trabalhar com os meus alunos, tendo em vista a dife-renciação, a diversificação, a autonomia, a criatividade e a entreajuda. Organizei-me paraorientar os alunos na procura de respostas e na realização de atividades de forma indivi-dual e autónoma, mas sempre a partir de uma orientação inicial minha.

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Ao longo destes dois anos, tive de adaptar o trabalho autónomo e o trabalho em pro-jeto à turma. O primeiro tornou-se muito importante, ao longo do ano letivo, e ajudou osalunos a consolidarem muitos conhecimentos já adquiridos e a aperfeiçoarem a leitura ea escrita.

O trabalho autónomo foi o primeiro passo para a reorganização da sala. Numa pri-meira fase, a passagem dos alunos pelos cantinhos ficava dependente do que os alunosescreviam na semana anterior no jornal de parede, de acordo com as suas preferências.Ao longo do tempo previsto, os alunos iam passando pelos diferentes cantinhos, masatualmente existe um horário definido.

Só depois de definirmos as regras da sala de aula, as tarefas, o horário, os espaços-cantinhos, pudemos começar o trabalho em projeto. Através deste trabalho, os alunosmostraram-se mais autónomos e explicaram aos outros o que fizeram, o que contribuiupara desenvolver o seu poder de argumentação, mas também de aceitação de críticas, deânimo mais leve.

Os novos espaços de trabalho

Nos últimos dois anos, fui introduzindo uns espaços-cantinhos na minha sala. Des-crevo aqui as principais alterações:

Cantinho da Língua PortuguesaOrganizei este cantinho para que, ao longo do ano letivo, os alunos possam desenvol-

ver diversas atividades. Recorrendo a este espaço, eles inventavam e escreviam históriasque evoluíam umas vezes para banda desenhada e outras para a escrita de um livrinho.Recorrendo ao material do cantinho de Língua Portuguesa, podiam também copiar umtexto para o caderno diário ou para o computador e depois ilustrá-lo. Neste cantinho, leramprovérbios, lengalengas, anedotas, poesias e adivinhas.

Durante o tempo dedicado ao cantinho da Língua Portuguesa, passaram também aescrever textos coletivos e a escrever no diário da sala de aula. Desenharam, escreverame pintaram no Caderno de Ir e Voltar, que agilizava a correspondência casa-escola; preen-cheram grelhas de leitura, de escrita, de comportamento e de ficheiros. Fizeram jogosdidáticos adequados à sua idade, bem como aos conhecimentos que já possuíam.

Por vezes, estas atividades serviram de motivação para iniciar as nossas sessões detrabalho, outras vezes foram feitas no final do dia.

Foi neste espaço que começaram a preencher o plano individual de trabalho e que, àssextas-feiras, escreviam o que correu bem e o que correu mal durante a semana, bemcomo o que gostaram e o que não gostaram.

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Cantinho da LeituraNeste cantinho, que complementou o cantinho da Língua Portuguesa, as crianças

ouviram e viram cassetes que escolheram, leram revistas e livros existentes na bibliotecada sala de aula. Fizemos também diariamente leituras em conjunto, sentados cada qualna sua almofada. Cada aluno lia um ou dois parágrafos, dependendo sempre da suadimensão e grau de dificuldade.

Foi também aí que os alunos começaram a comunicar à turma as pesquisas quefaziam. Normalmente, eu apenas ajudava os que precisavam de apoio.

Neste cantinho também funcionou, e bem, a hora das novidades, que por hábito tinhalugar à segunda-feira.

Porquê esta atenção ao trabalho diversificado na Língua?Apercebi-me de que os cantinhos e os tempos para eles previstos ajudaram as crian-

ças a apropriarem-se de um conjunto de saberes que estão inscritos no currículo: partilharinformações, resolver problemas, saber pesquisar, elaborar, aplicar e tratar questionários,preencher um relatório de observação, aumentar o seu vocabulário, desenvolver a lingua-gem, a leitura e a escrita, descobrir correspondência entre palavras, frases ou imagens,identificar a palavra-chave/ideia-chave, organizar sequências de textos ou de imagens,comunicar com o seu grupo de trabalho e desenvolver competências linguísticas.

Investi no cantinho da leitura, porque ela serve para compreendermos melhor o mundoem transição e mudança em que vivemos. As histórias para crianças não só são basilarespara as aprendizagens no domínio linguístico, mas constituem também um fator de enrique-cimento pessoal, sendo um material rico e privilegiado para aprender a viver em sociedade.

Tendo a leitura um papel fundamental na formação do caráter e na descoberta da vida,ler histórias é um momento de abertura à discussão, estimulante da consciência crítica,um elemento fundamental para o desenvolvimento das crianças, pois as histórias ajudama promover a capacidade de «descentramento», combatendo preconceitos, cultivando ati-tudes de aceitação das diferenças, de solidariedade e cooperação, de negociação e reso-lução de conflitos.

Tenho de referir ainda que, quando as crianças interagem com colegas que se expres-sam bem, o trabalho corre melhor e as emoções transmitem-se mais facilmente.

Cantinho da MatemáticaNeste cantinho, disponibilizei material que permitiu aos alunos jogarem diferentes

jogos didáticos, fazer puzzles, jogarem ao jogo do galo e ao jogo das damas. Puderamexplorar o Tangram e o material Cuisenaire.

Este espaço permitiu-lhes também fazer contagens com material concreto, por exem-plo, tampas de garrafas ou lápis, agrupando-os por cores, tamanhos e espessuras. Os alu-nos encontravam neste cantinho diversos ficheiros, propostas para trabalhar com umatabela de duas entradas, além de poderem explorar figuras e sólidos geométricos.

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Porquê o cantinho da Matemática?Além de motivadores, os jogos são ótimos para introduzir vocabulário novo, conceitos

sociais, regras e respeito pelos outros, desenvolvendo a socialização e o convívio, doponto de vista pessoal, cultural e social.

Os jogos tornam a Matemática mais aliciante e fazem com que as crianças fiquemmais ativas, questionadoras e imaginativas. Penso que o facto de ter proporcionado estematerial, no cantinho da Matemática, fez com que as crianças começassem, desde muitocedo, a gostar desta área. As propostas foram importantes para desenvolver o seu racio-cínio lógico-matemático e o cálculo mental, bem como a resolução de problemas do dia adia e a perceção visual.

Cantinho da Expressão PlásticaA organização deste cantinho na minha sala fez com os alunos passassem a desenhar

e pintar livremente. Utilizaram diferentes técnicas de pintura, colagem, dobragem erecorte. Alguns trabalhos surgiram depois da escrita de um texto.

Os alunos desenvolveram a sua criatividade, iniciativa, originalidade, a defesa dosseus gostos e a motricidade fina.

Depois de realizarem as suas atividades, surgiam grandes conversas: os alunosdesenvolveram-se afetivamente, dando a conhecer a sua personalidade, o seu estado deespírito, as suas preferências, as suas angústias, vivências e dúvidas.

Cantinho das ExperiênciasNeste cantinho, trabalhámos em conjunto. Fizemos algumas experiências com diver-

sos materiais: limão, algodão, balões e lixa. Também levámos a cabo uma experiênciacom leite, corantes e detergente da loiça, fazendo misturas.

Realizámos uma outra experiência: deixámos um ovo em vinagre durante vinte e qua-tro horas e, passado este tempo, verificámos que a casca tinha sofrido profundas altera-ções em termos de cor e de textura.

Os novos métodos de trabalho

Ao longo do ano letivo, procurei organizar e planificar as sessões de trabalho, de modoa promover o trabalho autónomo, o trabalho em projeto e outras atividades que foramdesenvolvidas.

Trabalho em projetoO trabalho em projeto permitiu estimular e aumentar a autoconfiança e a autonomia.

Vi que os meus alunos se tornaram mais metódicos com as orientações a seguir e com osdocumentos a preencher, individualmente ou em grupo.

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O trabalho em projeto sobre animais e plantas suscitou bastante interesse, motivaçãoe cooperação nos alunos, que se mostraram empenhados nas pesquisas, na seleção eorganização da informação pretendida e na ilustração dos trabalhos. Por fim, resumiramas características dos animais por eles estudados, num cartão onde constava: o nome doanimal, a sua alimentação, o seu habitat, o revestimento do seu corpo, a sua brincadeirafavorita e ainda uma curiosidade.

Entre muitos outros projetos, destaco alguns que tiveram mais impacto na turma.Trata-se de assuntos escolhidos pelos alunos para o tema animais e plantas. Houve umgrupo com «As cobras e as rãs», outro com «O leopardo e o jacaré». Houve quem esco-lhesse «O escorpião», «A chita e o gato» ou «O hamster e o porquinho-da-índia», e aindaquem quisesse fazer um trabalho sobre «A raposa e o periquito». A turma gostou muito dotrabalho «Os animais marinhos». Também houve um sobre «As focas», outro sobre «A ro-seira» e ainda um sobre «O morangueiro». Para além destes projetos, participámos nou-tro: «Levanta-te e atua contra a pobreza».

Permiti que fossem os alunos a escolher se queriam trabalhar individualmente, a paresou em grupo e, ao longo do ano, eles trabalharam, por norma, a pares.

Regularmente, houve momentos de apresentação do trabalho em projeto, destacan-do-se a criatividade na elaboração dos cartazes.

Trabalho autónomoPara o tempo de estudo autónomo, preparei fichas de acordo com as matérias a lecio-

nar e também com os ficheiros das diferentes áreas. Inicialmente, foi dedicada uma horadiária ao tempo de estudo autónomo e, a partir de março, passámos a dedicar-lhe umahora e meia.

Introduzi o melhoramento de texto, a partir de textos produzidos no trabalho autónomo,escolhendo sempre aqueles que considerava «mais pobres», ou seja, com menos pontua-ção, com muitos erros ortográficos e menos desenvolvidos.

O trabalho autónomo foi muito importante, porque ajudou os alunos a superarem asdificuldades ao seu ritmo, de acordo com a sua diversidade, evidenciando os seus pontosfortes, as suas vivências e ilustrando a diferenciação pedagógica criada na sala de aula.

Conselho de turmaO conselho de turma, regulou a organização do trabalho e dos conflitos dentro e fora

da sala de aula. Ajudou-nos a avaliar o dia a dia e o tempo de trabalho, a incumbir alguémcompetente de ajudar outros a trabalhar, a portar-se bem ou a falar das dificuldades sen-tidas no seu trabalho.

Para além de tudo isto, os alunos falaram do que gostaram mais ou do que não gos-taram, durante o dia ou durante a semana, e propuseram atividades que queriam realizarna semana seguinte.

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Em suma, tentei fazer com que os alunos aproveitassem o tempo do conselho deturma para discutirem as questões mais pertinentes: comportamento, atitudes do dia a dia,gostos e atividades preferidas, mas também as dificuldades sentidas.

Novos espaços, novos métodos de trabalho: o que aprendemos e conseguimos?

A reorganização do cenário pedagógico foi, de facto, muito importante e positiva.Trouxe-nos maior motivação, espírito de equipa, entreajuda e cooperação. Notei um maiorespírito criativo, poder de decisão, de argumentação e de reflexão, melhor capacidade deresolução de problemas e de desenvolvimento de trabalho diferenciado, autónomo e indi-vidualizado.

Em suma, os meus alunos tornaram-se mais autónomos, mais dinâmicos e enriqueci-dos e a nossa sala de aula ficou muito mais acolhedora, apelativa, motivadora, interes-sante e vistosa.

Senti nos alunos maior motivação para realizarem os seus trabalhos, para o que tam-bém contribuiu o facto de poderem mostrá-los.

Procurei também que os alunos escolhessem atividades para trabalharem as suas difi-culdades, e que refletissem, diária e semanalmente, sobre as suas aprendizagens.

O trabalho diferenciado no tempo de trabalho autónomo foi uma boa aposta: os alu-nos trabalharam de acordo com as suas dificuldades e, sempre que precisavam, tinham aminha orientação.

No trabalho em projeto, orientei os alunos para alguns temas da área de Estudo doMeio: os animais e as plantas. Os alunos escolheram os seus temas, pesquisaram e orga-nizaram a informação e, posteriormente, apresentaram os seus trabalhos à turma. Eu ape-nas intervim quando fui solicitada, ou quando alguns demonstraram dificuldades em orga-nizar a informação pesquisada. Fiquei interessada em ver que, num ou noutro caso, aapresentação dos trabalhos estava tão bem conseguida e os alunos tão interessados queme sentei junto deles e acabei por colocar algumas questões, que imediatamente forammuito bem explicadas e clarificadas.

Ao longo deste ano letivo, aprendemos a partilhar, a refletir, a dialogar, fizemos apren-dizagens mais significativas, de forma mais criativa, ficámos mais conscientes e aperfei-çoamos a construção do conhecimento.

A articulação do trabalho autónomo com o de projeto trouxe-nos maior sentido de res-ponsabilidade e de coerência e mais e melhor comunicação e reflexão. Percorremos jun-tos um longo caminho: eu, os alunos, os pais, que em casa ajudaram nas pesquisas dosseus filhos. Foi, de facto, uma experiência muito gratificante e marcante para todos nós.Aprendemos muito uns com os outros e experimentámos coisas novas. Com este traba-lho, os meus alunos desenvolveram a criatividade, a autoestima, a concentração, ganha-ram maior consciência das suas dificuldades e fizeram também aprendizagens mais sig-nificativas.

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b) Mudanças na minha prática pedagógica

(Teresa Bordelo)

A sociedade em que estamos inseridos e da qual somos elementos constitutivos vivehoje momentos de extrema complexidade social e política. Enquanto cidadãos, somoschamados a pronunciarmo-nos sobre uma diversidade de temas que interferem com onosso modo de (con)viver e dos quais não podemos permanecer alheados. Ignorar aconstante mudança nacional e internacional, que se processa atualmente nos mais diver-sos quadrantes, implica uma desadequação social e a ausência de participação críticanessa mesma mudança. Não podemos permanecer apenas como espectadores de umapeça, em que todos somos atores e na qual se joga o nosso presente e se perspetiva onosso futuro.

Cabe ao professor orientar o percurso dos alunos, deixando-lhes a última palavra noque se refere à escolha do caminho a seguir.

E, se a sociedade muda, é necessário que a educação e as práticas educativasmudem também. Para tal, é imprescindível promover a apropriação de competênciastransversais, tais como a autonomia, o espírito crítico e o raciocínio lógico e sequencial,por meio de metodologias educativas inovadoras, como o trabalho autónomo ou o traba-lho em projeto.

Se, para Kant (1776), um dos sonhos do homem consiste em «imaginar que a natu-reza humana se desenvolverá cada vez melhor através da educação e que se pode levaresta a uma forma que seja adequada à humanidade» (p. 13), então cabe-nos a nós – pro-fessores e alunos que não temos medo de aprender e que gostamos de partilhar saberes– contribuir, inovando, para que as competências naturais do ser humano possam serdesenvolvidas por meio da educação.

É nesta base que o trabalho em sala de aula tem sido realizado. Este foi um projetoabraçado já no ano letivo anterior, o início da implementação do trabalho autónomo e dotrabalho em projeto em sala de aula. Reorganizou-se a sala de aula e formaram-se «can-tinhos», equipados com material específico para desenvolver o trabalho autónomo: canti-nho da Leitura, cantinho da Matemática, cantinho da Informática (este ano, por sorte, hácomputador com ligação à impressora da sala dos professores, o que é ótimo para os alu-nos imprimirem diretamente os trabalhos), cantinho das Expressões (também beneficiadoeste ano, por existir lavatório com torneira na sala de aula), cantinho da Ciência (novidadeeste ano) e cantinho dos Registos Diários dos Alunos (também novidade).

Quando se iniciou este tipo de trabalho, colocaram-se alguns receios e dúvidas, umavez que estava a lecionar uma turma de 1.º ano e o não saber ler nem escrever geravaalguma confusão. Seria capaz de o implementar? Confesso que foi um grande desafio…mas valeu a pena! Iniciou-se pouco a pouco e, após a organização do espaço, passou-se

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à criação/improvisação de material, uma vez que havia muito pouco disponível: elabora-ram-se ficheiros de trabalho autónomo para as várias áreas curriculares. Este ano, repe-tiu-se este processo, uma vez que estávamos no 2.º ano de escolaridade e havia que ela-borar novos ficheiros.

O trabalho em projeto, aliado ao trabalho de estudo autónomo, seja ele individual ouem grupo, contribui para o crescimento integral da pessoa-aluno, pois a aula passa a estarcentrada nos alunos tendo o professor como mediador. É claro que este tem que seguir oprograma pré-estabelecido pelo Ministério da Educação, mas pode e deve fazê-lo de umaforma diferente. A sala de aula torna-se mais ativa e dinâmica. Cada vez mais, os alunostêm acesso às novas tecnologias e, por isso, é fundamental que a escola se torne umespaço que os cative e propicie as aprendizagens.

O trabalho em projeto decorreu com bastante sucesso e foi sempre desenvolvido emgrupo. Pôde verificar-se que os conhecimentos a as competências que os alunos já tra-ziam do ano letivo anterior tornaram mais fácil o início e o desenvolvimento do trabalho.

Aponto um aspeto negativo em relação aos primeiros projetos realizados neste anoletivo: o excesso de tempo utilizado. Não teve propriamente a ver com os alunos, mas eu,enquanto professora, considerava excessivo o tempo investido nos projetos.

Logo em outubro começou-se a pensar quais os temas que cada grupo gostaria deabordar. Após a escolha do tema, cada grupo refletiu sobre o que já sabia acerca dele, oque queria saber, o que a turma gostava de saber, quais os recursos a utilizar, como iriaapresentar o produto final e de quanto tempo necessitava. Tudo isto foi registado numagrelha, um contrato do trabalho em projeto, que servia de orientação para o grupo.

Os temas escolhidos foram ao encontro do programa de Estudo do Meio: «CorpoHumano», «Motas», «Polícias», «Golfinhos, Baleias e Pinguins» e «Coelhos».

Como já foi referido, considero que o tempo de realização dos projetos foi excessivo,o que não foi motivo de desânimo para os grupos; pelo contrário: os alunos continuarama empenhar-se e a mostrar grande interesse e vontade de trabalhar. A apresentação dostrabalhos foi realizada através de livro e de cartaz.

Ao longo do ano, sucederam-se outros trabalhos relacionados com as plantas e os ani-mais. Há que salientar dois grupos: um que trabalhou bastante bem, porque o seu líderera dinâmico, perfecionista e um verdadeiro orientador de trabalho; o outro trabalhou sem-pre menos bem, devido ao desentendimento entre os colegas.

No geral, a implementação do trabalho em projeto conferiu um sentido às aprendiza-gens para todo o grupo e impulsionou uma maior participação, interação, socialização,interesse, empenho e envolvimento nas tarefas desenvolvidas por todos.

No decorrer do ano letivo, os alunos também tiveram direito a manifestar-se mais livre-mente e a expor as suas ideias no diário da turma: as suas opiniões sobre acontecimen-tos ocorridos durante cada semana foram colocadas num cartaz (acho bem, acho mal eproponho fazer). À sexta-feira, em conselho de turma, eram lidos os testemunhos e ten-

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tava-se resolver os problemas, através do diálogo. Reparei que se tornaram mais autóno-mos, mais conscientes do mal e do bem que faziam e que não tinham vergonha nem medode revelar os seus pensamentos. Além disso, verifiquei que as intervenções feitas pelosalunos foram sendo cada vez mais pertinentes e objetivas.

O trabalho de estudo autónomo foi desenvolvido na turma, tendo o plano individual detrabalho como um instrumento de regulação semanal: à segunda-feira, cada aluno preen-chia o seu PIT para a semana; no início, era preenchido coletivamente e de igual modopara todos, mas depois reparei que o PIT teria de ir ao encontro das dificuldades de cadaum e passou a ser individual. Todos realizavam esta tarefa com facilidade, à exceção deum aluno que integrou a turma em fevereiro, porque no colégio de onde vinha não reali-zava este tipo de trabalho e teve alguma dificuldade em apropriar-se de todos os procedi-mentos, por isso, algumas vezes eu e os seus colegas tivemos de o orientar.

Para a realização do plano trabalhavam a pares ou individualmente, utilizando osficheiros e os manuais. Ocupavam os cantinhos, mas em cada um só podiam estar doiselementos, por isso os restantes permaneciam nos seus lugares habituais. Inicialmente aturma procurava todos os cantinhos para trabalhar mas, no decorrer do ano, verificou-seque os cantinhos mais procurados foram o da Leitura, o da Matemática e o da Informática(desde que passou a haver computador na sala), sendo os ficheiros da escrita os maisprocurados. Esta escolha foi influenciada pela ação de formação em que participei, a doPrograma Nacional do Ensino do Português (PNEP), na qual estes conteúdos foram cons-tantemente abordados.

No final da semana, a avaliação do PIT era feita por mim e pelos alunos: o trabalhodesenvolvido era avaliado e o cumprimento dos objetivos, verificado.

Ao longo do ano, o trabalho também foi regulado através de rotinas diárias. Semanale rotativamente, os alunos tinham tarefas a desenvolver: distribuição e recolha do mate-rial; recados e fotocópias; aniversários, leite e calendário; presenças e comportamento;arrumação da sala e leituras para a turma.

Fazendo um balanço final em relação à mudança da minha prática pedagógica, achoque tem sido bastante gratificante quer para mim, enquanto professora, quer para os alu-nos – os intervenientes mais importantes no processo de aprendizagem –, que se torna-ram mais dinâmicos, críticos e autónomos.

Este ano foi complicado aplicar tudo de forma eficiente, uma vez que frequentava duasações de formação em simultâneo, o que se tornou muito desgastante quer a nível físico,quer a nível psicológico. Algumas vezes foi impossível cumprir os prazos estipulados paraentrega de informação, porque o tempo era escasso e o cansaço apertava. Foi desgas-tante… mas, mesmo assim, benéfico… Obrigada a todos os que estiveram envolvidos noprocesso de formação!

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c) O meu processo de aprendizagem-ensino

(Elisabete Lourenço)

Sou professora há aproximadamente dez anos e sempre trabalhei da mesma maneira,quase lembrando a minha professora do 1.º ciclo, pois foi assim que vi e que aprendi.Quando refletia sobre este aspeto, pensava que pouca coisa tinha mudado, apesar deterem decorrido vinte e muitos anos desde que entrei para a escola, no início da décadade 80. Pensava que algo estava mal, mas não sabia como alterar essa situação.

A entrada para esta ação de formação, no ano letivo de 2008-2009, veio mudar aminha perspetiva do ensino, do meu papel enquanto professora e dos próprios alunos nasala de aula.

Inicialmente a mudança não foi fácil, pois estava habituada a ter os meninos sentados,de uma forma quase «militarizada», em silêncio, participando na aula somente quandofossem solicitados, não podendo circular pela sala livremente. Na sala, não se viam exem-plares de trabalhos realizados pelos alunos, mas sim de material executado por mim.

No entanto, no ano transato, com a frequência desta ação de formação, conheci novoshorizontes, permitindo-me um outro olhar sobre o ensino e a dinâmica na sala de aula,com todos os aspetos inerentes a este processo, percebendo que ele não é estanque,estando sujeito a alterações sempre que necessário.

Para conseguir adaptar-me e pôr em prática as alterações que iam sendo propostasnas várias sessões presenciais da ação, iniciei o processo com uma mudança pessoal/indi-vidual sobre a maneira de estar e ensinar na sala de aula, tendo em conta todos os inter-venientes no processo de aprendizagem-ensino. Esta aprendizagem não foi fácil, pois amudança nem sempre o é. Foi, e ainda é, um processo lento, que decorre de acordo como ritmo e a capacidade de adaptação de cada um de nós, enquanto ser individual.

Comecei por fazer alterações na sala, organizando vários espaços, com materiais ade-quados às diferentes áreas trabalhadas no currículo nacional, dando um nome específicoa cada um deles: cantinho das Expressões (com diferentes materiais e suportes de pin-tura); cantinho da Matemática (com ábacos, geoplanos, tangrans, tampas de garrafas,palhinhas, réguas, folhas quadriculadas, manuais); cantinho da Língua Portuguesa (comcomputador, manuais, fábrica de histórias, fichas para escrever textos e livros em brancopara escrever ou desenhar histórias); cantinho da Leitura (com diferentes livros, trazidosde casa pelos alunos, e com almofadas); cantinho dos Ficheiros (onde se encontram osdiferentes ficheiros, trabalhados no tempo de trabalho autónomo, e respetivas listas deverificação); mapa de tarefas/responsabilidades (diário); mapa do tempo; Mapa de assi-duidade; mapa dos aniversários.

Nestes dois anos em que frequentei esta ação de formação, os diferentes espaços dasala foram sofrendo alterações, de acordo com as necessidades da turma e com os mate-

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riais disponibilizados, considerando que, entretanto, os alunos também progrediram nassuas aprendizagens.

Antes da minha entrada para a ação de formação, a disposição dos alunos era indivi-dual e em filas; depois, passou a ser em grupos de três ou quatro, sendo um deles, ochefe, responsável pelos seus pares, ajudando-os e orientando-os no seu trabalho. Estesgrupos eram heterogéneos, constituídos por crianças que se encontravam em diferentesníveis de aprendizagem, mantendo-se o tipo de trabalho, individual ou não, igual paratodos.

Posteriormente, senti necessidade de alterar esta disposição das crianças, pois assuas aprendizagens não estavam a evoluir como eu desejava, visto serem muito conver-sadoras e pouco trabalhadoras, valorizando mais as brincadeiras do que o trabalho. Decidientão dispor as mesas em forma de «U», de modo a manter alunos com mais dificulda-des próximos de outros com menos, para que estes continuassem a apoiar e ajudar osseus colegas. Esta disposição da sala resultou melhor, mas sempre que havia (e que há)tarefas que justifiquem a formação de pequenos grupos, eles são formados, ou seja, nãoé uma situação definitiva, mas sim ajustável às necessidades que vão surgindo.

Todas estas alterações foram sendo realizadas ao longo destes dois anos da ação deformação e continuarão a ser, sempre que necessário. Neste momento, consigo perceberque as coisas não são sempre iguais, dependendo das situações e dos momentos em queestamos a trabalhar.

Outra mudança surgida com a ação de formação foi a introdução do tempo de traba-lho autónomo na agenda semanal, com uma carga horária de cinco horas. Confesso queesta foi a mais difícil para mim, por diferentes motivos: neste momento de trabalho, são osalunos que escolhem o que fazer; embora com regras, decididas por todos e não impos-tas por mim, circulam livremente pelos diferentes espaços da sala; há necessidade decriar ficheiros, não havendo disponibilidade para o fazer.

Tanto os ficheiros como o plano individual de trabalho não foram realizados por mim,embora este último já tenha sofrido algumas alterações, adaptando-se à realidade dosmeus alunos.

Inicialmente, na planificação semanal do trabalho, eles assinalavam tarefas emexcesso que, obviamente, não conseguiam fazer mas, com o decorrer do tempo, começa-ram a conhecer-se e a perceberem o que são capazes de fazer.

Mesmo neste período, e apesar de muitas vezes não a assinalarem no seu PIT, aajuda entre pares é uma situação bastante comum, quase feita de forma inconsciente enatural. Esta entreajuda não é especificada, nem é nomeado quem vai ajudar quem. Entreeles, os alunos conseguem aperceber-se de quem precisa de ajuda ou orientação, talvezpelo facto de se conhecerem melhor, à medida que o tempo vai correndo.

A escrita de textos também começou logo no 1.º ano de escolaridade, embora antesdesta ação de formação eu não iniciasse este trabalho enquanto os alunos não conheces-

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sem todas as letras ou casos especiais de leitura, pois era este o método seguido por mimno ensino da leitura e da escrita.

O certo é que comecei a fazê-lo e fiquei surpreendida com os resultados obtidos:escrevendo textos com palavras ainda desconhecidas, começaram a identificar, a ler e aescrever palavras que, num momento idêntico e com a metodologia habitual, só maistarde conseguiriam.

Obviamente que, considerando que esta turma estava a iniciar um primeiro ano, erammuito poucos os que conseguiriam escrever um texto sozinhos e, por este motivo, este tra-balho era realizado coletivamente. No entanto, e já no decorrer do primeiro ano, os alunoscomeçaram a escrever textos individuais, que posteriormente foram revistos e reescritosem grande grupo, sendo o produto final afixado na sala e alguns dos textos publicados nojornal da escola.

Até chegar ao produto final, todo o processo demora algum tempo, considerandotodos os aspetos analisados e corrigidos na revisão de cada um dos textos, que posteriorou até simultaneamente, servem para trabalhar outros aspetos da Língua Portuguesa oudas outras áreas curriculares. Muitas vezes, estes trabalhos são o culminar de projetos,que partem de livros relacionados com os temas trabalhados em Estudo do Meio e quesão escolhidos livremente.

Relativamente ao trabalho em projeto, posso referir que é feito de acordo com o queeu pretendo, dando-lhes liberdade para escolherem o subtema a trabalhar, tendo emconta o tema escolhido por mim. Após a conclusão dos trabalhos, os grupos decidemquem vai apresentar o quê e apresentam então o seu trabalho.

Nesta ação de formação, foram também relatadas e partilhadas outras práticas comoutros dispositivos de trabalho, que possivelmente serão também benéficas para os alu-nos, mas que ainda não consegui introduzir na sala de aula, como é o caso da assembleiade turma, pois quando surgem situações de conflito, ou outras, tendo a resolvê-las nomomento, em grande grupo. Este é um exemplo do que ainda não faço, não descartandoa possibilidade de o implementar futuramente em sala de aula.

Penso que todas estas estratégias ajudam os alunos a tornarem-se mais autónomosnas suas aprendizagens e no seu trabalho, permitindo ao professor apoiar individualmenteos que têm mais dificuldades e que precisam de mais tempo.

A integração nesta ação de formação veio mudar para sempre a minha atitude emaneira de estar em sala de aula. Reconheço que não fiz tudo e que o meu trabalho, prin-cipalmente ao longo deste segundo ano da oficina, ficou um pouco aquém das expectati-vas, mas a frequência de duas ações de formação em simultâneo, tendo uma delas umgrau de exigência muito elevado, não permitiu começar a pôr em prática outras estraté-gias e outros aspetos mencionados e discutidos nas reuniões.

Penso, no entanto, que faz falta outra atitude e que não devemos estagnar nasnossas aprendizagens, pois, apesar de sermos professores, estamos em constante

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mudança, tendo de nos adaptar frequentemente ao grupo de crianças com quem esta-mos a trabalhar, logo a muitas especificidades, considerando que um aluno não é igualao outro.

d) Ser professora num processo de construção e mudança com os alunos

(Tânia Alves)

Quando vamos a uma loja de roupa, entramos porque nos identificamos com aqueleestilo e escolhemos um modelo que nos assente bem. Além disso, escolhemos também acor e o tamanho certo para o nosso corpo. Se temos tanto cuidado em escolher a roupaque vestimos, porque não ter o mesmo cuidado em fazer parte da nossa aprendizagemcomo agente ativo e não passivo?

A escola deve oferecer uma variedade de estratégias capazes de se adequarem acada aluno, tendo em conta as suas necessidades e interesses, assentes numa linhaorientadora comum a todos, de uma maneira geral (PCT).

Procurando responder à diversidade e individualidade dos alunos, tive sempre o cons-tante anseio de assegurar o envolvimento dos alunos, enquanto protagonistas do seu pro-cesso de ensino-aprendizagem.

Assim sendo, senti necessidade de frequentar uma ação de formação que me alar-gasse os horizontes, que fosse na direção de uma prática pedagógica diferenciada, autó-noma e participativa. Iniciei uma Oficina de Iniciação ao Modelo Pedagógico do Movi-mento da Escola Moderna, no ano letivo de 2007-2008. Nesse ano, lecionei uma turma de4.º ano de escolaridade constituída por 20 alunos com idades compreendidas entre os 9e os 12 anos, várias nacionalidades, diferentes culturas e realidades sócio-económicas,problemas de vária ordem, níveis de interesse e motivação muito baixos – um cenário quecontribuiu para a urgência na procura de novas metodologias de trabalho.

Durante esse ano letivo, foram postos em prática os conhecimentos adquiridos, deba-tidos e partilhados nessa ação de formação, tendo obtido resultados visivelmente satisfa-tórios em sala de aula. As crianças tornaram-se mais participativas na sua aprendizagem,mais autónomas e conscientes das suas dificuldades e da forma como as poderiam ultra-passar. Aprenderam a trabalhar em grupo, segundo as regras da boa convivência eganharam um sentido de grupo, em que todos eram igualmente importantes como equipa.

No ano letivo seguinte, o agrupamento decidiu apostar na formação dos professores,no âmbito do trabalho autónomo. Acreditei que aceitar esse desafio seria benéfico paramim e para a nova turma onde ia lecionar.

Com uma turma de primeiro ano, pensei que era o momento certo para experimentaro que há muito queria fazer: iniciar o processo de leitura e escrita através do método glo-bal e natural, para além de persistir na metodologia de trabalho autónomo.

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O grupo reagiu muito bem – penso que até melhor do que eu, pois tive vários momen-tos de insegurança, devido à pressão do cumprimento do currículo e do método analítico-sintético, que teima em resistir, de século para século, como uma doutrina a seguir. Devodizer que optei por ajudar as crianças a tomarem consciência da leitura e da escrita deforma natural, aproveitando os seus conhecimentos significativos, para que se sentissemmais próximas e identificadas com as aprendizagens que realizavam mas, no agrupa-mento em que me encontro, a resistência à mudança de práticas foi visível.

Em simultâneo, introduzi uma grelha de regulação do trabalho autónomo – o planoindividual de trabalho – com variadas atividades e tarefas disponíveis em sala de aula,adequadas às dificuldades, interesses e motivações dos alunos. Outra das estratégias uti-lizadas para dar voz ativa às crianças foi o diário de turma, onde todas tinham liberdadepara manifestar as suas angústias, vitórias, relatos de experiências e propostas para tra-balhos/atividades futuras. Quinzenalmente, este diário era lido e debatido em conselho deturma e as angústias e conflitos eram deixados para segundo plano, pois ao fim de algumtempo esses sentimentos eram dissipados ou atenuados. No conselho discutíamos as ati-vidades/tarefas/responsabilidades que iriam ter lugar nas próximas duas semanas,havendo sempre flexibilidade no plano de atividades. Esta flexibilidade deve ser entendidacomo catalisador da motivação, pois devemos ter em conta as aprendizagens significati-vas e socializadoras dos alunos.

O trabalho em projeto foi o mais difícil de implementar com os alunos de 1.º ano,havendo variados fatores que justificam essa dificuldade: a organização dos grupos, otempo disponibilizado para esta metodologia, a pressão do programa e do sistema (tradi-cional e arcaico), a pouca autonomia de crianças com 6 e 7 anos, as aulas diretas e indi-retas, os alunos que precisavam de ser constantemente acompanhados por mim, as ativi-dades previstas e não previstas no plano anual de atividades (PAA) provocaram muitasinseguranças e barreiras a um trabalho continuado e feito sobretudo por e para crianças.Foi neste momento que, por intermédio de Pascal Paulus, comecei a trocar impressõescom a Sara Honório, também ela aventureira mas angustiada por não ver resultados rápi-dos. Comunicávamo-nos com frequência, relatávamos a nossa prática pedagógica e par-tilhávamos estas mesmas angústias.

Sempre acreditei que, se formos protagonistas na realização deste tipo de trabalhos,os assuntos tratados farão parte integrante do conhecimento de quem os aborda, pes-quisa e elabora. Por esta razão, o trabalho em projeto foi muitas vezes adiado, esperandoo momento oportuno para ser continuado. Nesse ano, o único trabalho que passou portodas as etapas foi o do grupo que abordou o tema «Tigres e Leões». O grupo organizou-se, planeou, calendarizou, pesquisou, construiu e apresentou e, no final da apresentação,senti que todos ficaram satisfeitos por termos concluído aquele trabalho em projeto eempolgados com a planificação do próximo.

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Implementadas todas estas metodologias, senti que a turma tinha crescido, sobretudoao nível da autonomia, movimentando-se pela sala de forma adequada e organizada. Foium ano cheio de desafios, o balanço foi positivo, com êxitos e derrotas, que nos levam arepensar as nossas práticas e a nossa maneira de ver e nos fazem voltar a traçar metase caminhos que queremos percorrer a fim de melhorar o que foi menos positivo.

Com este espírito, iniciei o ano letivo de 2009-2010, com o 2.º ano. No regresso àescola, as crianças surpreenderam-me com os conhecimentos adquiridos: estavam maisseguras na leitura e na escrita, no cálculo, no saber estar em sala de aula, provando queo nosso esforço (meu e deles) foi recompensado. Para reforçar e motivá-los nestas áreas,estreámo-nos na correspondência. A Sara Honório manifestou interesse na correspondên-cia interescolar e daí até as cartas começarem a aparecer foi um ápice. Os alunos esta-vam muito motivados com esta nova atividade entre turmas, ficando ao rubro quando rece-biam uma nova carta dos amigos correspondentes. Saberem que outras crianças, noutraescola, noutra localidade, têm muitas das vezes os mesmos interesses é, sem dúvida,muito reconfortante e para uns revela alguma segurança, pois, o facto de haver colegasque demonstram ter as mesmas dificuldades, mais especificamente ao nível da leitura eda escrita, fá-los crer que essas dificuldades são legítimas.

Começámos a trabalhar na mesma linha, seguindo as diretrizes do trabalho autónomo,mas sem utilizar a grelha do PIT. Não deixei de acreditar que a grelha funcionasse, con-tudo penso que os alunos sentiam menos pressão se não a utilizassem. Durante o anoletivo, pude observar que eles conseguiam gerir e regular o seu trabalho sem a minhaajuda e sem a grelha do PIT. Dispunham de um grande leque de atividades, jogos, mate-rial variado para explorarem sozinhos ou em grupo. No final do 2.º período, verifiquei queos alunos estavam a criar tutorias autonomamente, sem qualquer registo e sem qualquerregulação. Houve um crescente interesse dos alunos mais autónomos em auxiliar os quetinham mais dificuldade nesta ou noutra área. Testemunhei troca de experiências e sabe-res entre eles, apercebendo-me de que conseguiam gerir essa mesma troca, sem a minhaajuda. Uns sabem umas coisas, outros sabem outras e as crianças têm noção disso. Mos-traram-me que não precisam de uma linha orientadora da minha parte para se consegui-rem entender entre eles.

O conselho e o diário de turma continuaram a realizar-se, mas com alguma flexibili-dade: quando havia necessidade, eram os próprios alunos a propor a sua realização. Con-tudo, o conselho tinha lugar pelo menos duas vezes por mês, com direito a presidente(responsabilidade rotativa).

A turma desenvolveu ainda um outro projeto, desta vez com uma turma de 4.º ano damesma escola: organizar e dinamizar uma pequena feira na escola, com o objetivo deangariar fundos para proporcionar aos alunos de ambas as turmas um momento de con-fraternização diferente entre eles e a escola. Houve material escolar decorado pelos nos-sos alunos, imperando a diversidade e autenticidade de peças únicas – cadernos, lápis de

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carvão e de minas, blocos de notas, bolos confecionados por eles, em equipas, as mes-mas que entretanto foram constituídas para iniciar o trabalho em projeto, que apenas teveinício no 3.º período.

Em conselho de turma debatemos as principais dificuldades que impediam a realiza-ção dos projetos; deliberámos então que, quando a professora está reunida com umgrupo, não pode ser interrompida por nenhum dos outros alunos com tarefas destinadas,escolhidas por eles, e que terão de respeitar o grupo que está a ser acompanhado.

O trabalho foi planificado com a Patrícia Pimpão (a professora de PLNM da turma),pois ambas estávamos com dificuldade em iniciar esta metodologia. Assim, aproveitandoas horas em que os alunos frequentavam a Oficina de Língua, a sala de aula dispunha deduas professoras para apoiar. Criámos uma grelha que os alunos preenchiam com per-guntas, sugestões e a calendarização da realização dos projetos. Conseguimos planearalguns deles, mas o exagero de atividades/visitas de estudo que tínhamos programado noPAA provocou a descontinuidade e alterou grande parte das rotinas. Estas são necessá-rias, orientadoras, simples e ajudam a organizar o tempo e o espaço.

No início deste ano letivo, construí o PCT baseado no trabalho já realizado no anoanterior (1.º ano), seguindo a mesma ordem de ideias, isto é, continuar a trabalhar se-gundo a metodologia do trabalho autónomo e tendo ainda a intenção de aprofundar os tra-balhos de projeto, tornando-os mais sistemáticos, bem como de construir um espaço des-tinado às ciências experimentais.

Nem tudo acontece conforme o planeado e as circunstâncias e adversidades da vida,dentro ou fora da escola, vêm confirmar isso: desenvolveram-se algumas atividades adi-cionais, que não estavam referenciadas no PCT (correspondência interescolar e feirinha),e deixaram de se realizar outras que estavam programadas.

Acredito que qualidade é diferente de quantidade e, se o tempo fosse organizado deoutra maneira, teria sido possível cumprir o PCT. Essa será a minha aposta para o pró-ximo ano. Já foram enumeradas algumas razões para justificar o fracasso de algumasestratégias, mas devemos saber assumi-lo e trabalhar para melhorar.

e) Reorganização do espaço-tempo da sala de aula

(Clara Costa)

Durante o ano letivo de 2009-2010, desenvolvi e apliquei, na minha turma do 2.º anode escolaridade, métodos e novas práticas pedagógicas que implicam a participação maisativa dos alunos na aprendizagem. Procurei trabalhar de forma diferenciada e diversifi-cada, respeitando o ritmo de cada aluno, para que se sentissem empenhados e participa-tivos no processo de ensino-aprendizagem. Para isso, promovi um clima favorável àaprendizagem e ao desenvolvimento afetivo, emocional e social. Os alunos trabalharam apares e em grupo, o que permitiu a partilha e a troca de saberes.

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Antes da alteração do espaço, a sala estava organizada em «cantinhos», os ficheirose o material de apoio estava em armários, pouco visível e, portanto, pouco apelativo aouso e manipulação dos alunos. Existiu, por isso, necessidade de modificar o espaço dasala de aula, para proporcionar o bem-estar dos alunos e permitir o fácil acesso e mani-pulação dos materiais, partindo do princípio de que a sala de aula é o espaço de encon-tro entre alunos, professor e conhecimento e que existem vínculos de amizade, coopera-ção e confiança que se constroem e se consolidam, animando o processo de ensinar eaprender.

Neste documento, descrevo a organização da sala de aula, a utilização do plano indi-vidual de trabalho, a regulação do trabalho, a realização do trabalho em projeto, da assem-bleia de turma e do melhoramento de texto.

Organização da sala de aula

Antes da alteração da sala de aula, os alunos trabalhavam com os manuais adotadospelo agrupamento, fichas de trabalho e algum material manipulativo. Além disso, as suasaprendizagens eram muito centradas em mim.

Com a reorganização do espaço da sala de aula, o interesse em aprender, a autono-mia e a responsabilização dos alunos evoluíram bastante e eles tornaram-se mais autó-nomos na escolha das suas tarefas escolares e na seleção dos materiais e das fichas detrabalho.

A criação de condições para o desenvolvimento das aprendizagens pressupõe a orga-nização do material da sala: é necessário colocar ao alcance dos alunos materiais diver-sificados correspondentes às várias áreas curriculares, de modo a possibilitar a diferen-ciação do trabalho.

A organização cooperada dos recursos da sala de aula facilita a autonomia dos alu-nos, permite regular os diferentes percursos de aprendizagem e as estratégias capazesde gerar, desenvolver e manter a dinâmica da sala de aula, cujo espaço é o retrato da rela-ção pedagógica: é nele que, através da arrumação e organização dos materiais, se vairegistando o nosso convívio, marcando as descobertas, o crescimento e as dúvidas.

Ao estar organizada em diferentes áreas de trabalho, a sala permite e determina aconsulta diversificada de materiais e a definição das tarefas escolares pelos alunos. Assimse justifica o facto de o espaço da sala de aula ter sofrido algumas alterações, no que dizrespeito à construção de áreas de trabalho e à maior visibilidade dos materiais de apoio.Além do espaço central, com as mesas de trabalho dos alunos, foram criadas as seguin-tes áreas de trabalho: Leitura, Computador, Expressão Plástica, Matemática, Estudo doMeio e Língua Portuguesa.

As áreas de Língua Portuguesa, Matemática e Estudo do Meio continham dossiês comficheiros autocorretivos, folhas coletivas de registo das fichas trabalhadas e um jogo das

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palmeiras para as três áreas de trabalho. Na área da Matemática, também existiam pai-néis com o jogo das tabuadas e algum material manipulável, como as barrinhas de Cuise-naire, as figuras geométricas e os tangrans. A sala de aula tinha ainda uma estante comlivros de histórias e outros.

O armário contém os materiais coletivos de desgaste (folhas brancas, quadriculadas epautadas), cartolinas e cartões, lápis negros e de cores, marcadores e esferográficas, giz,afiadeiras, borrachas, réguas... A bancada de ficheiros, identificados com as respetivasáreas curriculares, dispõe de coleções de ficheiros autocorretivos, correspondentes àsvárias áreas do programa.

Na parede, por cima da bancada foram afixadas as grelhas dos registos – mapas deduas entradas com os nomes dos alunos, em coluna, e o código de referência de cadaficha, em linha – para registo sistemático da utilização dos ficheiros, de modo a que os alu-nos só façam cada uma das fichas uma só vez.

A área de Expressão Plástica reúne os materiais necessários à modelagem: massa decores, plasticina, lápis de cor, lápis de cera...

Para além da reorganização da sala, criei alguns instrumentos de trabalho, como umplano individual de trabalho, uma grelha do trabalho em projeto, uma grelha de melhora-mento de texto, uma grelha de «chuva de ideias» para a produção de texto, uma grelhade registo da leitura e uma grelha para as reuniões de assembleia de turma e o diário deturma.

O plano individual de trabalho contribuiu para operacionalizar a diferenciação do tra-balho, ou seja, permitiu a cada aluno progredir na aprendizagem, trabalhando segundo assuas dificuldades, de que se foram progressivamente consciencializando na interaçãocom os outros.

Plano Individual de trabalho

No início de cada semana, os alunos preenchiam um plano individual de trabalho,faziam uma estimativa do trabalho a realizar durante a semana e, no final da semana, erafeito um balanço do trabalho: o aluno confrontava a previsão feita no início da semana como trabalho efetuado.

Durante o trabalho autónomo, os alunos fizeram fichas de autocorreção, acabaramalguns exercícios dos seus manuais escolares, trabalharam as áreas criadas na sala deaula e utilizaram o material de apoio. Fizeram leituras, escreveram textos no computadore ajudaram colegas a terminar trabalhos.

Verifiquei que, no início do ano letivo, nem todos os alunos cumpriam a sua previsãode trabalho; depois começaram a tomar consciência e tornaram-se mais responsáveis,respeitando a previsão feita no início da semana. O PIT é, pois, uma espécie de mapa deplaneamento das atividades e de verificação do seu cumprimento, onde se torna visível

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não só o trabalho de estudo e treino de competências que cada aluno se propõe a reali-zar, mas também o registo de outros trabalhos.

O trabalho de tutorias foi muito positivo: não houve rejeições, os alunos gostaram deser ajudados por um colega da sua idade e os tutores sentiram a responsabilidade da fun-ção que exerceram. Gostei muito de observar o companheirismo e a entreajuda entre eles.

Regulação do trabalho

Durante o ano letivo, no início de cada dia, os alunos habituaram-se a consultar oplano do dia e todos sabiam o que iam fazer. No final do dia, era feito o registo e verifica-vam se todas as atividades tinham ou não sido feitas.

Os alunos sabiam que, no início de cada semana, preenchiam o seu plano individualde trabalho, onde registavam o trabalho semanal previsto. Podiam fazer leituras, escritano computador, trabalhos de Expressão Plástica, Matemática, Estudo do Meio, acabarfichas em manuais e ainda utilizar jogos didáticos.

No início da semana, o diário da turma era colocado num painel, de forma a ser preen-chido durante a semana. À sexta-feira, realizava-se a assembleia de turma, onde eramtomadas decisões como, por exemplo, utilizar o computador Magalhães para produzir tex-tos, às sextas-feiras. Nestas reuniões, os alunos também tomavam consciência dos seuscomportamentos, dentro e fora da sala de aula e eram apresentadas propostas para resol-ver os problemas apresentados.

O currículo do 2.º ano de escolaridade foi lecionado com todas estas dinâmicas deaula: PIT, projetos de trabalho, assembleia de turma...

Os alunos habituaram-se à existência de rotinas: atividades realizadas sistematica-mente, durante os dias da semana.

Trabalho em projeto

Este trabalho foi feito em pequenos grupos, cada um com quatro alunos, que preen-cheram uma grelha com os parâmetros a pesquisar e os dados relativos ao tema esco-lhido: tema do projeto; data de apresentação do trabalho; o que sabiam; o que queriamsaber; onde iam procurar a informação; e material a utilizar na apresentação do trabalhoaos colegas.

Durante o ano letivo, acabei por ter alguma influência na escolha dos temas dos tra-balhos de projeto, de forma a ir ao encontro dos temas de Estudo do Meio.

Cada aluno fez as suas pesquisas com os pais, em livros, enciclopédias, internet,revistas e jornais. Trouxeram para a escola o resultado das suas pesquisas e, em grupo,fizeram a seleção da informação. Alguns necessitaram do meu apoio e o meu papel foiorientar todos os grupos e conduzi-los nos diferentes passos do trabalho em projeto.

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Depois de selecionada a informação a colocar num painel, cartolina ou livro, os alunosorganizavam-se em relação à forma como iriam apresentar o tema trabalhado aos cole-gas da turma. Cada grupo apresentou o seu trabalho e, no fim, os colegas fizeram pergun-tas. Achei muito interessante e pertinente esta interação entre cada grupo e os restantesalunos da turma.

Os alunos mostraram desde sempre muito interesse pelo trabalho em projeto que, par-tindo das pesquisas dos alunos, conferiu dinamismo ao processo de aprendizagem.

No final do ano letivo, sugeri à minha turma que apresentasse um trabalho em projetoa uma outra turma da escola. Os alunos adoraram a sugestão e aceitaram-na: a apresen-tação foi feita a uma turma de alunos mais velhos e foi bem aceite por eles. A interaçãoentre as duas turmas foi muito positiva, uma vez que permitiu que os alunos percebessemque o seu trabalho de pesquisa, seleção e apresentação foi valorizado, o que aumentoua autoestima de alguns alunos.

Assembleia de Turma

Cada semana, os alunos tinham oportunidade de apresentar assuntos numa grelhacoletiva – o diário da turma – com quatro colunas: o que gostei, o que não gostei, o quesenti e o que proponho.

No final da semana, tinha lugar a assembleia de turma, onde se discutiam os proble-mas e conflitos apresentados no diário da turma. Após a discussão, os alunos comprome-tiam-se a ter um comportamento adequado na sala de aula, a usar estratégias para ultra-passar as divergências e apresentavam propostas para resolver ou melhorar as situaçõesdiscutidas. Alguns dos alunos tinham muitos problemas de comportamento e de relaciona-mento com os outros, mas penso que a assembleia beneficiou muito a turma, na medidaem que proporcionou a oportunidade de se esclarecerem dúvidas, problemas e conflitos,permitindo melhorar não só o comportamento na sala de aula e nos intervalos, mas tam-bém o entendimento, o diálogo e a amizade entre todos.

Melhoramento de texto

Depois de os alunos escreverem os seus textos sobre um determinado tema, um delesera escolhido aleatoriamente e procedia-se à eliminação dos erros ortográficos e à retifi-cação dos sinais de pontuação.

Todos os alunos utilizavam uma grelha, dividida em três colunas, onde se registava otexto inicial, as perguntas feitas ao autor do texto e, na coluna da direita, o texto final,depois de corrigido. Corrigimos coletivamente os erros, a estrutura frásica e a sequênciadas ideias do texto inicial e, no quadro, para que todos os alunos pudessem intervir, ela-borámos um novo texto. Este processo de melhoramento de texto permitiu que os alunostivessem contacto com o «antes» e com o «depois» dos seus textos, o que possibilitouque progredissem na área da escrita.

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Trabalhámos bastantes conteúdos da área de Língua Portuguesa e considero queesta atividade deve ser feita várias vezes para benefício dos alunos, visto ser muito enri-quecedora a vários níveis: o conhecimento explícito da língua, com aspetos específicosda gramática que, assim, aparecem contextualizados; o empenho de todos no melhora-mento do texto de um colega; e a explicitação do processo de escrita, pois os alunos per-cebem onde erraram, porquê e como corrigir.

É uma atividade extremamente importante, porque assim aperfeiçoa-se e melhora-seuma produção escrita dos próprios alunos. Todos se empenham – o autor e o grupo –,lendo, analisando o texto escrito e questionando o autor.

Se, por um lado, as trocas sistemáticas de produções e de saberes concretizam adimensão social das aprendizagens e o sentido solidário da construção cultural dos sabe-res e das competências instrumentais que os expressam – a escrita, o desenho, o cál-culo... –, por outro, é o próprio sentido social imediato do que os alunos aprendem, ensi-nando-se, isto é, cooperando nas aprendizagens de cada um dos outros, que sustenta amotivação intrínseca do próprio trabalho.

Conclusão

No PCT inicial propus-me trabalhar com o plano individual de trabalho e em trabalhoem projeto.

No PCT final acrescentei o melhoramento de texto, a produção de texto através dagrelha «chuva de ideias», a assembleia de turma e referi que alterei a organização doespaço da sala de aula; mencionei também a elaboração de uma grelha de leitura e a gre-lha com a avaliação individual e as tutorias.

Os alunos revelaram interesse nos trabalhos, mostraram mais autonomia e responsa-bilidade. As atividades trabalhadas na sala de aula, através das metodologias ativas e dife-renciadas, promoveram um alargamento dos conhecimentos, fomentando o trabalho esco-lar do dia a dia.

A ação de formação foi algo de profundo, motivante e enriquecedor, as sessões de tra-balho foram interessantes e os alunos começaram a participar mais ativamente.

Ao longo da minha carreira profissional, tenho sentido falta de mudar e inovar asminhas práticas pedagógicas e sinto-me satisfeita por ter encontrado essas mudançasnesta ação de formação.

Os objetivos foram, pois, atingidos e penso que todos nós, professores envolvidos naformação, levamos connosco uma filosofia diferente que, à mistura com as nossas expe-riências, nos vai ajudar a mudar algo nas nossas escolas, com os nossos alunos.

Achei importante a partilha de saberes, estratégias e instrumentos de trabalho entreos professores-formandos, tanto nas sessões de formação como na plataforma, o que per-mitiu refletir sobre as atividades desenvolvidas com os alunos e voltar a fazer de outromodo para fazer melhor.

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As temáticas abordadas trouxeram-me novas situações de aprendizagem, pois, em-bora estando por dentro dos temas e conseguindo acompanhá-los com certa facilidade,não os conhecia profundamente. Além de pertinentes, estas temáticas foram desenvolvi-das de forma explícita e motivadora, permitindo a intervenção e a colaboração dos forman-dos, o que foi muito positivo, uma vez que permitiu a troca de ideias e de trabalhos.

Com esta ação de formação criei e elaborei instrumentos de trabalho, que facilitaramo processo de ensino-aprendizagem, tornando as aulas mais apelativas, lúdicas, partici-pativas e interessantes para os alunos.

Uma vez que as competências dos alunos devem ser evidenciadas pela manifestaçãodos conhecimentos de base aplicados em situações problemáticas reais do quotidiano, asatividades propostas revelaram-se adequadas e motivadoras, já que as crianças as reali-zaram com interesse, atingindo os objetivos.

Esta ação de formação permitiu uma reflexão sobre as metodologias e estratégias uti-lizadas nas aulas com os alunos e o balanço final é francamente positivo. Verifico que,atualmente, estou numa fase de mudança e de renovação pedagógica e que a escola éum espaço de reflexão e de diálogo privilegiado.

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A dinâmica que a liderança do agrupamento introduziu, através da formação em con-texto, permitiu dar os primeiros passos na constituição de uma comunidade de aprendiza-gem, assumida entre pares e complementar à formação regulamentada. Embora aindaescassos na altura em que escrevemos este texto, existem alguns resultados acerca doimpacte do trabalho nas turmas em que, conjuntamente, trabalhámos e interviemos.

Após os testemunhos de cada um dos formandos, terminamos com três apontamen-tos: «1. Pensar em escolas que escolhem a sua equipa pedagógica», «2. Pensar em maisautonomia para a escola para facilitar a construção de memórias» e «3. Uma escolamenos burocrática», e deixamos algumas sugestões de leitura.

1. Pensar em escolas que escolhem a sua equipa pedagógica

Estamos conscientes de que, em Vialonga, todo o processo de formação em contextoobrigou a um dispositivo caro e pesado, tendo sido necessário recorrer a financiamentoexterno para o custear.

Os processos de mudança são lentos, têm repetidos avanços e recuos e o que aquifoi descrito não é exceção: obrigou à análise de muitas reflexões, escritas ou geradas emmomentos de discussão presencial. A sustentabilidade deste trabalho de reflexão acercada prática passa, necessariamente, pela capacidade de as escolas criarem estratégias deorganização interna que privilegiem estes momentos. Tendo esta realidade presente, pro-curou-se organizar a escola de modo a que esta previsse a figura do pivô, em outros con-textos denominado «amigo crítico interno», que assumisse uma postura de trabalho peda-gógico do tipo apropriativo. Aos pivôs caberia a tarefa de devolver ao grupo o que cadaum produziu e não a de transmitir, num formato clássico, uma súmula do conhecimentoproduzido / apropriado. Como se viu, o diário de bordo mostrou-se um instrumento muitoeficaz neste processo. Por outro lado, manter os pivôs no ativo não parece nada fácil semmediador externo ou interno, em escolas sem autonomia suficiente para constituir as suasequipas pedagógicas.

Três apontamentos finais e algumas sugestões de leitura

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Assim, a continuação lógica do processo iniciado em algumas turmas do 1.º ciclo dasescolas do agrupamento de Vialonga parece ser a consolidação de uma ou várias comu-nidades de aprendizagem endógenas, apoiadas por pivôs internos, pontualmente acom-panhados por consultores externos. Na verdade, encarar seriamente a educação para acidadania como estratégia para melhorar as aprendizagens obriga a um trabalho pedagó-gico de apropriação por parte de cada um dos professores envolvidos, e um trabalho iso-mórfico de acompanhamento da sua reflexão facilita a focagem neste modo de trabalhopedagógico.

Observámos que aproximadamente vinte e nove pessoas – 50% da população totaldos professores ligados à atividade curricular – estiveram em formação no primeiro anode intervenção. Por sua vez, dezoito pessoas deste grupo escolheram participar, nosegundo ano, numa segunda oficina de aprofundamento, tendo seis delas participadotambém no trabalho de pivôs. Oito pessoas do segundo grupo de formação, entre elas trêspivôs com turma, ou seja, aproximadamente 25% do corpo docente, afirmaram umamudança duradoura de práticas em cada um dos três aspetos de intervenção: a mediaçãoda autonomia dos alunos, o desenvolvimento de trabalho em projeto e uma organizaçãoque permite aos aprendentes a regulação e cogestão das suas aprendizagens. Outras dezpessoas deixam um testemunho das mudanças que protagonizaram: na sua relação comas crianças, nas suas aprendizagens e no seu trabalho. Como vimos em «Quatro profes-soras falam», distinguimos vários pontos de partida.

Segundo Meirieu (1996), os pedagogos, tal como Frankenstein, consideram-se cons-trutores do homem e, como Pigmalião, apaixonam-se por essa construção. Mas o traba-lho prolongado com crianças e com adultos incita-nos à modéstia: a formação, por si só,não muda as práticas. Quem muda as práticas são as pessoas, quando refletem sobreelas e quando inscrevem todos os agentes do processo nessa reflexão. Nos relatos quenos foram apresentados, é particularmente claro que as reuniões regulares com as crian-ças – de forma mais organizada, como no conselho de turma, ou de forma mais informal,sempre que necessário – facilitam a reflexão e a mudança.

A mediação constante da reflexão, no contexto dos adultos envolvidos e em grupo dediscussão, provoca uma metarreflexão, facilitando a sustentabilidade de práticas alternati-vas à forma escolar de pensamento único, que nega a diversificação e oculta a diversidade.

As equipas pedagógicas constroem espaços próprios de partilha e alguns gruposespontâneos, de que a seguir se relata um exemplo, fazem ocasionalmente o mesmocaminho, constituindo comunidades de prática, durante o tempo necessário para quemnelas participa. Mas, quando escolhem a sua equipa pedagógica, as escolas ganham con-sistência, porque pensam um projeto pedagógico a partir de uma realidade concreta einterpretada, não deixando as coisas entregues ao acaso.

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Escolher a equipa não é, à partida, apenas uma questão de contratação: implica tam-bém um trabalho paciente e continuado de diálogo entre pessoas que se encontram numdeterminado sítio, num determinado momento, confrontadas com determinadas interpre-tações da realidade. Escolher a equipa significa também escolher uma interação diversifi-cada, facultando diferentes pontos de partida para a reflexão e para o trabalho. Ilustramosesta ideia com o seguinte testemunho registado por um grupo de professores, que combi-nou mais do que uma proposta de formação promovida pelo agrupamento, com o objetivode fortalecer o trabalho de equipa, utilizando mais do que um ponto de partida.

Projeto de formação encontra projeto de formação

(Cármen Correia, Elisabete Lourenço, Lina Figueira, Orlanda Carvalho, Teresa Bordelo)

Nos discursos dos professores, entre os quais o da Sara1, professora que não partici-pou na formação mas que integrou um grupo de trabalho cooperado, percebe-se a neces-sidade de uma reflexão sistemática sobre a prática pedagógica. Algumas professorasabraçaram o desafio de continuar a dar resposta às estratégias definidas no projeto edu-cativo e frequentaram, em simultâneo, duas ações de formação. Um olhar sobre esta par-ticipação permite-nos realçar vários aspetos, como a organização de cada uma das açõese a sua complementaridade.

Ambas pensadas para facilitar a reflexão, provocaram uma ação pedagógica que temem conta os saberes e interesses das crianças, os percursos de aprendizagem anteriores,o desenvolvimento integrado de diferentes competências e o envolvimento dos pais nopercurso de aprendizagem dos filhos e na sua participação em atividades.

Provocaram também um olhar sobre a importância da organização da sala de aulapara o desenvolvimento de todo o trabalho curricular. Assim, foram construídos ficheirosde atividades de apoio ao trabalho autónomo, criados ou recriados instrumentos de regu-lação e de avaliação das aprendizagens, reorganizados os espaços de trabalho como abiblioteca, o espaço de experimentação de Matemática e de experiências, o espaço dapintura, o espaço de exposição de trabalhos dos alunos das áreas de Língua Portuguesa,Matemática, Estudo do Meio, Expressão Plástica, e o espaço do computador. Nestesespaços disponibilizaram-se diversos materiais para as crianças gerirem e utilizarem,como livros, dicionários, prontuários, ficheiros, cartazes, MAB, ábacos, Cuisinaire, geopla-nos, tampas de garrafas, balanças e material de experiências científicas (rolhas, pratos,tigelas, madeira…).

Conjugaram-se os aspetos organizativos com a disponibilização e funcionalidade dosmateriais, a que acresceram pequenas alterações na dinâmica da sala de aula. Contri-buindo para esta dinâmica, os alunos participaram na planificação do dia: trabalharam

155Três apontamentos finais e algumas sugestões de leitura

1 Ver infra, “Pequenas mudanças em outras turmas”.

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individualmente, a pares e em pequenos grupos, utilizaram os materiais disponibilizados,apresentaram as suas produções, divulgaram-nas e partilharam as leituras de livros quefizeram.

Quanto às duas ações, apesar de haver aspetos semelhantes, a organização logísticaera diferente, levando necessariamente a resultados diversos. Numa foram facultadosregistos de regulação do trabalho do professor enquanto formando, houve leituras obriga-tórias, sessões de trabalho assistidas pela formadora e sessões de trabalho em que serefletiu e se planificaram as atividades com um grupo de colegas e ainda oficinas temáti-cas. Na outra ação, era necessário elaborar um diário de formação, onde se refletia sobrea própria ação.

Ora, foi aqui que residiu a maior dificuldade, uma vez que a preparação de materiaisde apoio necessários à concretização da ação era muito morosa, pela necessidade deconstruir ficheiros, recolher material de apoio à pesquisa do trabalho em projetos e prepa-rar sequências de aprendizagem das várias áreas curriculares. A par disso, o tempo paraos registos obrigatórios relativos à regulação do trabalho do professor (que permitem umareflexão sobre a prática e, principalmente, sobre novos dispositivos instituídos nas salasde aula, como o trabalho autónomo e o trabalho em projetos) não foi suficiente. De salien-tar ainda que surgiram muitas dúvidas e inquietações, sentindo-se necessidade de as par-tilhar para que, aos poucos e ao ritmo de cada um e de cada turma, se consolidassem osprogressos feitos.

Consideramos que este tipo de formação é fundamental, mesmo se, como alguns pro-fessores referem, o escasso tempo nem sempre tenha permitido a «entrega necessáriapara a aplicação de todos os conhecimentos».

É ainda referido que «só se deverá fazer uma formação deste género, em que é exi-gido muito trabalho do professor, pois é impensável alguém dedicar-se a cem por cento aduas tarefas distintas, embora complementares.».

Apoiando este tipo de formação, achamos também que a reflexão individual, apoiadapelo grupo, é muito importante para tornar as práticas mais confiantes.

A formação intensiva num agrupamento e, como vimos, a conjugação de várias açõesde formação permite, portanto, construir equipas de professores mais focados e maisbem preparados para mediar as aprendizagens das crianças com quem trabalham. A cul-tura de escola que se deseja consolida-se quando o projeto educativo da escola é aco-lhido e assumido por um número cada vez maior de intervenientes. A autonomia dosagrupamentos com projetos educativos capazes de responder aos desafios colocadospela população escolar não serve de nada se essa autonomia não contemplar a estabi-lidade e a continuidade pedagógica, inclusivamente a possibilidade de contratação diretae de recondução de docentes que se reveem na linha pedagógica seguida no agrupa-mento.

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Evitar investimento pedagógico perdido passa por criar uma filosofia de abertura e meca-nismos de acolhimento de novas pessoas que queiram desenvolver e experimentar outraslinhas de ação, trabalhar de outras maneiras, oferecendo-lhes ainda a possibilidade de,numa primeira fase, serem tutoradas por uma equipa experiente e treinada. Dentro e fora dopaís, existem bons exemplos de eficácia da autonomia mais alargada e bem monitorizada,com um leque de propostas pedagógicas baseadas em modelos muito diversos de pedago-gia participativa, desde os desenvolvidos por associações de professores como o Movi-mento da Escola Moderna, espalhado pela Europa e América Latina, o modelo HighScope,além de outras propostas pedagógicas implementadas em escolas públicas ou privadas.

2. Pensar em escolas que facilitam a construção de memórias

Tornou-se claro que a continuidade pedagógica é uma condição para que o processode mudança, por natureza extremamente lento, ocorra.

A partir das discussões com a equipa que dinamizou o projeto de investigação-açãoMelhorar as aprendizagens, educar para a cidadania, tornou-se evidente que o que inicial-mente era concebida como uma proposta clássica de formação, tinha de evoluir para umespaço de discussão, em que a agenda de cada sessão era elaborada em conjunto, a par-tir das dúvidas e das novas propostas que cada um dos participantes colocava. À medidaque se foram apresentando temas a debate, foi-se construindo um espaço de discussão,onde um pequeno instrumento de organização do trabalho permitia ao formador inteirar-se da visão que os formandos tinham da sua realidade.

A partir desta altura, como o testemunham os textos incluídos no capítulo anterior,aproximadamente um terço das pessoas que iniciaram a formação em 2008 começarama reescrever o projeto curricular de turma e aceitaram levar a cabo uma reflexão perma-nente acerca dele, tornando-se, assim, possível que a escola construísse uma memória.

Além da escrita individual, surgiram testemunhos de práticas de organização tambémsentidas como necessárias por quem as viveu e que enriqueceram esta memória coletiva.Incluímos aqui dois curtos depoimentos a título ilustrativo.

a) Um grupo autónomo de autoformação cooperada

(Cármen Correia e Natália Gomes)

Em novembro de 2009, um grupo de dez professores constitui-se em grupo de auto-formação cooperada. Alguns não estavam envolvidos em quaisquer programas de forma-ção, outros já integravam as oficinas de formação referidas.

A constituição deste grupo justificou-se pela necessidade sentida por alguns docentesde, quase diariamente mas de modo informal, dedicarem um tempo à discussão, reflexãoe partilha de experiências.

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Em conjunto com a coordenadora da escola e com uma das técnicas do GAAF (Gabi-nete de Apoio ao Aluno e à Família), que conheciam bem o trabalho dos professores aenvolver, bem como os alunos muitas vezes em dificuldade com as lógicas da escola, pro-curou-se organizar sessões/encontros formais para troca de ideias e partilha de experiên-cias, com o objetivo de melhorar as diferentes práticas pedagógicas. A proposta foi feita eos professores aderiram espontaneamente.

Assim, nasceu o grupo de autoformação, constituído por professores de duas escolasdo agrupamento, a coordenadora de uma delas e a técnica do GAAF. Durante as nossasreuniões, refletimos sobre a regulação do trabalho, os apoios individualizados do profes-sor, as parcerias de trabalho entre alunos, a regulação dos comportamentos e atitudes, oconselho de turma e o trabalho de melhoramento de texto. Muitos dos temas de reflexãosurgiam na continuidade das sessões de trabalho das ações de formação que frequentá-vamos, em paralelo, por sentirmos ainda dúvidas e necessidade de discutir o que íamoslendo e escrevendo nesses grupos.

Apesar de as reuniões terem diminuído de frequência, houve alguns reflexos na prá-tica dos professores, na escola e no próprio agrupamento. Tomou-se consciência danecessidade de discutir para aprofundar a reflexão: discutimos as agendas semanais detrabalho, partilhámos livros e leituras, textos de autores de referência, registos e instru-mentos de regulação do trabalho, ficheiros de apoio à realização de atividades do traba-lho autónomo…

Como resultado desta partilha, houve alterações no desenho e modos de utilizaçãodos planos individuais de trabalho, na regulação do trabalho autónomo e das parceriasdos alunos e apoios individualizados dos professores, nas sessões coletivas do trabalhode melhoramento de texto, com a introdução de um registo individual de apoio ao traba-lho de revisão textual.

Digamos que, com esta experiência, houve muita partilha, induzindo à prática denovas metodologias, à consolidação de algumas já existentes e desenvolvendo o espíritode entreajuda e cooperação entre docentes.

b) Pequenas mudanças em outras turmas

(Cármen Correia, Natália Gomes, Sara Lopes)

Foi no grupo de autoformação, anteriormente referido, que nos demos conta da neces-sidade de uma maior e mais permanente partilha e de reflexão sobre a prática pedagó-gica, o que, além de ter sido importante para nós, que operávamos pequenas alteraçõesnas nossas salas de aula, parece ter sido fundamental para a Sara que, por ter chegadoem outubro, não teve possibilidade de se inscrever em nenhum dos projetos já em desen-volvimento. Refletimos com ela sobre algumas rotinas de trabalho: o melhoramento de

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texto, o trabalho autónomo e o conselho de turma (um momento de regulação do traba-lho, dos comportamentos e atitudes).

E terá sido a sua atitude e vontade de participar reflexivamente, com as suas dúvidas,inquietações e interesse em conhecer outras práticas, ancoradas em modelos pedagógi-cos específicos, que nos congregou enquanto grupo, permitindo uma formação perma-nente e até o alargamento desse contexto de formação, como a própria Sara revela noseu testemunho:

O grupo dentro do grupo

(Sara Lopes)

Ao longo deste ano letivo, procurei desenvolver um trabalho diferenciado, tendo sempre emconta os alunos.

No início, deparei-me com algumas dificuldades em relação à organização da sala de aulae às estratégias a desenvolver, de modo a tornar possível esse trabalho diferenciado.

Na escola do Cabo, surgiu um grupo cooperativo, cujo objetivo era discutir algumas estra-tégias de aprendizagem-ensino. A Cármen Correia, a Filipa Rodrigues e o Tiago Favinha parti-lharam com um grupo de professores uma série de atividades e rotinas relacionadas com aorganização da sala de aula, que punham em prática com os seus alunos. Com esta partilha,passei a utilizar o diário de turma e a realizar o conselho de turma. No entanto, surgiram algu-mas dúvidas e, por isso, reuni-me com a Cármen na escola da Granja, onde discutimos ques-tões de organização da sala de aula e estratégias a desenvolver em relação ao trabalho demelhoramento de texto.

Quando comecei a implementar atividades, surgiram algumas dúvidas e, apesar de as ten-tar esclarecer com colegas de escola (entre os quais a Filipa Rodrigues), continuava a sentirnecessidade de estar em formação, em partilha e reflexão sobre o trabalho. Foi então quedecidi ouvir outros relatos de práticas de professores de outras escolas, nomeadamente nosSábados de Animação Pedagógica, promovidos pelo Núcleo Regional de Lisboa do Movimentoda Escola Moderna – uma associação de profissionais de educação, que promove a autoforma-ção cooperada. Nestas apresentações, vários professores dos diferentes anos de escolaridadeexplicavam a organização da sua sala de aula e partilhavam atividades que desenvolviam comos seus alunos. Eram colocadas muitas questões e havia sempre um debate e troca de expe-riências. Na minha formação inicial, tinha tido já algum conhecimento destas práticas, mas poralgum motivo não as percecionava do mesmo modo…

Com esta partilha, comecei a ter consciência de que as planificações do trabalho corres-pondem a duas preocupações: criar rotinas de trabalho e desenvolver a autonomia dos alunos.

O tempo de estudo autónomo era uma rotina que me permitia desenvolver um trabalhomais individualizado com as crianças e dar um apoio bastante sistemático a dois alunos comdificuldades específicas na leitura e na escrita.

No início, dedicávamos uma hora ao TEA. Com a minha orientação, os alunos escolhiamas atividades a desenvolver, decidiam se trabalhavam em grupo, a pares ou individualmente.Para regular este momento, utilizámos um registo – o plano individual de trabalho –, preenchidoà segunda-feira, onde os alunos registavam diariamente o trabalho realizado em TEA e o que

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aprendiam nos momentos coletivos. À sexta-feira, avaliavam o trabalho desenvolvido ao longoda semana.

Nos primeiros dias, senti necessidade de orientar muito os trabalhos dos alunos, pois haviatendência para utilizar os manuais; procurei incentivar a utilização de ficheiros de todas asáreas curriculares, de materiais que fomos construindo e de jogos didáticos.

Foi percetível a evolução da capacidade de organização deste grupo no tempo de estudoautónomo. Assim, passámos a dedicar uma hora e meia ao TEA, o que levou a um trabalho coo-perativo e de entreajuda entre os alunos.

Além do TEA, a turma tinha ainda na sua agenda semanal uma outra rotina: o trabalho demelhoramento de textos dos próprios alunos, onde se promoveu o desenvolvimento de compe-tências de escrita.

A organização semanal previa a construção de diversos textos individuais ou a pares, bemcomo a apresentação de todas as produções. Todas as semanas era trabalhado o texto de umaluno, através da discussão entre todos e com a minha orientação: todos os alunos registavameste melhoramento de texto e, por fim, ele era exposto na sala de aula.

Com este trabalho, os alunos adquiriram uma série de competências praticadas todas assemanas. Para incentivar a escrita, e ainda no 2.º período, os alunos deram início ao trabalhode escrita no seu Magalhães. Uma vez por semana, em grupo ou individualmente, escolhiamum dos seus textos que ofereciam à turma.

Uma outra rotina, para motivar os alunos para a leitura, era a «Hora do Conto»: inicialmenteera um momento semanal dinamizado por mim e, posteriormente, pelos alunos, cuja responsa-bilidade era escolher e ler livros à turma.

Ainda outra rotina foi o trabalho em projeto, desenvolvido com grupos de 4 a 5 elementos.Os alunos escolhiam os seus grupos e o tema a trabalhar; com a minha orientação, recolhía-mos a informação e decidíamos também o dia para apresentar estes trabalhos.

O conselho de turma tornou-se uma rotina muito rica em troca de experiências e debate deideias: os alunos refletiam sobre as atividades desenvolvidas em sala de aula nessa semana,hábitos de trabalho, rotinas favoráveis ao desempenho e estilos de vida saudáveis. No final doano, foi notória a tendência de os alunos resolverem entre si os seus problemas.

Em jeito de conclusão, resta acrescentar que, ao longo deste ano letivo, procurei desenvol-ver uma série de atividades e estratégias diversificadas, que ia ajustando em função das diver-sas dificuldades reveladas pelos alunos, recorrendo a vários suportes pedagógicos com o obje-tivo de ultrapassar as dificuldades e promover a motivação e o envolvimento dos alunos.

A relação aluno-professor / professor-aluno foi, desde cedo, positiva. Considerei este grupopouco autónomo e com necessidade de demonstrações constantes de afeto e, por isso, pro-curei direcionar as atividades no sentido de desenvolver um trabalho mais autónomo e commaior confiança.

Julgo que este tipo de organização de trabalho me permitiu perceber as dificuldades dosalunos, conhecer os seus ritmos de aprendizagem e as suas diferenças individuais. No iníciode cada aula, os alunos tomavam conhecimento do que iriam fazer nesse dia e sugeriam temasa trabalhar, consoante as suas dificuldades; no final do dia, o grupo refletia oralmente sobre assuas aprendizagens e identificava as dificuldades sentidas.

Considero que teria sido importante ter participado numa ação de formação pedagógica. Noentanto, não foi possível, pois durante algum tempo ainda não havia certeza de que iria acom-

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panhar esta turma até ao final do ano letivo Assim, tentei participar e investir, de alguma forma,no meu desenvolvimento profissional, procurando sessões de formação não creditadas e aber-tas aos profissionais de educação, nomeadamente num grupo cooperativo criado na minhaescola e nos grupos de autoformação de professores e educadores do Movimento da EscolaModerna.

Com a reflexão e partilha feita com estes professores, procurei responder às dificuldadesdos alunos, cumprir o currículo, promover um trabalho diferenciado, através e uma série de dife-rentes estratégias. Este grupo revelou-se muito curioso, participativo, motivado e empenhadoe, no geral, os alunos desenvolveram autonomia e criatividade na realização do seu trabalho.

Da mediação da reflexão

(Pascal Paulus)

A multiplicação de grupos de autoaprendizagem em cooperação – possível devido aovertiginoso desenvolvimento das novas tecnologias de informação e comunicação – tem-nos mostrado frequentemente a utilidade de comunidades de aprendizagem. A blogosferaestá repleta de grupos de entreajuda e de aprendizagem mútua, para aprender a traba-lhar com os produtos «open-source», por exemplo, o que pode explicar, em parte, osucesso da utilização de ferramentas grátis ou baratas por quem procura aprender emconjunto com outros. Especialistas de programação reúnem-se em comunidades de tra-balho e de aprendizagem para desenvolver novos produtos de código fonte livre e discu-tir com não-especialistas como fazer evoluir estas mesmas ferramentas.

Estas comunidades centram-se num objeto mais ou menos externo a elas próprias, coma preocupação de tornar a sua aprendizagem mais eficaz. Na maioria dos casos, existe umou mais mediadores / facilitadores, que pode ser alguém tecnicamente mais capaz ou pes-soas que, pela sua pesquisa e conhecimento dos objetos em causa, consigam guiar eficaz-mente outros em direção à informação que os ajudará na sua aprendizagem.

Utilizo esta imagem, porque ela ilustra a atualidade da comunidade de aprendizagem,conceito que, aliás, não é novo: sempre que existe reflexão em torno de um objeto ou deuma situação, a possibilidade de que se forme uma comunidade é grande. Frequente-mente, o elemento aglutinador é o objeto de estudo e não o detentor mor do saber acercadeste objeto.

Para que a formação em contexto seja sustentável, impõe-se a comunidade de prá-tica, variante de uma comunidade de aprendizagem, baseada em alguns pressupostossimples:

– todas as pessoas que participam nela contribuem com a reflexão;– uma parte da produção é previamente combinada, a outra surge do próprio questio-

namento;

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– para cada problema, assumido como assunto do grupo, existe um espaço-tempo eum acompanhamento no seio do grupo – em subgrupos, ou recorrendo pontual-mente a alguém externo, para impulsionar a reflexão.

Uma escola que impulsiona a formação em contexto, que acolhe os grupos de refle-xão, que procura formas para fixar a reflexão em fóruns ou documentos acessíveis a todosé uma escola que se dispõe a fixar a memória pedagógica.

3. Uma escola menos burocrática

Com meios simples, é perfeitamente possível montar um sistema de monitorização eavaliação interno, que siga o percurso de grupos de crianças em vez de analisar pautasde anos consecutivos, que pouco esclarecem sobre a eficácia do projeto educativo naaprendizagem e do ensino no agrupamento em causa.

As práticas implementadas no âmbito desta formação, ao longo destes dois anos, per-mitiram mais sucesso, possibilitando que os alunos se tornassem mais autónomos e cria-tivos, com vontade de aprender, participando no seu processo de aprendizagem e no deoutros, através da entreajuda (pares e tutorias) e conquistando métodos de trabalho. Per-mitiram também que os alunos utilizassem os diferentes espaços e materiais existentesnas salas e ajudassem os seus pares, sempre que necessário.

Nas turmas onde foi introduzido, o trabalho em projeto resultou: os alunos aprende-ram, motivados pelos seus interesses; a escrita de textos melhorou consideravelmente epôs-se à prova a criatividade da maioria dos alunos, o que influenciou também a melhoriana leitura e desenvolveu o sentido crítico.

Se fosse necessário quantificar, dir-se-ia que cerca de 80% dos alunos melhoraram oseu aproveitamento, ao longo dos dois anos de implementação de uma pedagogia dife-renciada. Nalguns casos o ganho foi pouco, mas a reflexão continuada sobre as estraté-gias utilizadas ajuda a que se vá aferindo e afinando a mediação das aprendizagens.

É também de realçar que os alunos da Oficina de Língua Portuguesa, no âmbito doensino do Português Língua não Materna tiveram uma evolução considerável com aimplementação desta metodologia de trabalho, pois ela assenta na diferenciação e ade-quação dos seus percursos de aprendizagem, contribuindo para colmatar as dificuldadese possibilitando uma participação mais ativa na sua aprendizagem.

Estes grupos revelam uma maior autonomia na execução das diferentes tarefas e veri-fica-se um progresso acentuado na aprendizagem, principalmente na escrita de textos ena fluência da leitura.

Entretanto, constatamos como o peso das estruturas centrais para a recolha de dadosse torna insustentável, quando não existe articulação e quando demasiados serviços reco-

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lhem demasiados dados, muitas vezes em duplicado. O acompanhamento de escolascomo amigo crítico tem-nos ensinado que, por mais que se proponha que os professoresse concentrem só no trabalho pedagógico, a avalanche de papéis e aplicações online,incompatíveis umas com as outras, lhes ocupam muitas horas.

A organização eficaz da escola como estrutura reflexiva obriga a recolher evidênciaspara monitorizar processos de trabalho. Esta recolha de teor pedagógico não é incompatí-vel com a recolha de informação para os serviços centrais, desde que o que é pedido tenhasentido. Parte das dificuldades da escola para conseguir melhores resultados com os seusalunos tem a ver com a inconsistência das políticas educativas emanadas por sucessivosresponsáveis. Para perceber como se evolui para um sistema de excelência, o relatórioMcKinsey (2010) estudou a evolução de 20 sistemas escolares durante 20 a 25 anos eaponta como fatores cumulativos para escolas com boa performance: a descentralização,a coerência da política educativa, o trabalho pedagógico, com tutoria de novos professorespor professores experientes, as políticas de adaptação curricular feita pela escola, a pro-moção de comunidades de aprendizagem e uma maior autonomia das escolas.

Em todos os processos de aprendizagem, parece-nos importante que se procure dis-tinguir o instrumento auxiliar do objeto do saber.

A utilização da plataforma Moodle, em articulação com momentos de tutoria (for-mando-formador) numa perspetiva de comunidade de aprendizagem, é uma proposta iso-mórfica com o que se pretende que os professores desenvolvam com os seus alunos.

Para que isso aconteça, pensamos ser necessário acoplar o conceito de comunidadede aprendizagem ao conceito de comunidade de escrita. Entre nós, os pedagogos fazem-no há muito, quando publicam relatos de prática que dão origem a novas comunidades deaprendizagem.

Os diários de bordo e a escrita acerca do projeto curricular de turma foram o primeiropasso; o passo seguinte poderá ser o trabalho mais elaborado de descrição refletida daspráticas; e a vontade de os professores se organizarem em pequenos grupos de reflexãopoderá ser mais um incentivo para fixar e divulgar o trabalho em curso em escolas do pri-meiro ciclo do agrupamento de Vialonga.

Algumas sugestões de leitura

Trabalhar em prol da autonomia das crianças exige muito mais do que um enfoqueexclusivo no desenvolvimento da capacidade técnica das crianças para preencheremdocumentos normalizados e pela aposta no individualismo. A promoção da autonomia tor-nou-se um desafio que implica a cuidadosa implementação de registos organizacionaisnecessários às ações de uma turma específica, projetadas e descritas no projeto curricu-lar de turma, e ao diagnóstico de necessidades, em que as crianças participaram ativa-

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mente. Organizar um dispositivo de espaço-tempo para a aprendizagem em cogestãoimplica a clarividência de todos, quer se trate de implementar o tempo de trabalho doaluno, nomeadamente o trabalho autónomo, o trabalho em projeto, o trabalho encomen-dado ou o trabalho negociado com o professor. Neste dispositivo, o tempo de trabalho doprofessor é reorganizado, ou seja, o seu tempo individual deixa de ser uma transmissãode saberes ex cathedra para se tornar numa mediação diversificada, em que os momen-tos coletivos de trabalho são negociados com os próprios alunos. O «trabalho de casa»deixa de obedecer a «rituais de controlo centralizado» para se tornar um trabalho de refle-xão e pesquisa em torno dos desafios que a apropriação da realidade, tal como é vistapelas crianças, nelas provoca.

Deixamos algumas indicações bibliográficas que nos serviram de referência e que nosparecem interessantes para quem queira aprofundar as questões abordadas:

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Endereços úteis

Moodle

IPS-ESE Setúbal: http://projetos.ese.ips.pt/moodle/course/view.php?id=213Vialonga: http://projetos.ese.ips.pt/vialonga/K’CIDADE: http://moodle.kcidade.com/

Blogues

turma da Carla Batista: http://saladez-eb1jiribeiras.blogspot.com/ turma da Carla Paias: http://diariopelapaz.blogspot.com/ turma da Carmen Correia: http://turmabgranja.wordpress.com/ turma da Catarina Subtil: http://daturma-eu.blogspot.com/ turma da Inácia: http://turmainacia.blogspot.com/ turma da Piedade: http://www.saladoprimeiroano.blogspot.com/ turma da Susete: http://escolab2-3-ol.blogspot.com/ turma de Susete e Patrícia: http://escolab1-n2-ol.blogspot.com/ turma do Francisco: http://turmadofrancisco.ccems.pt/ turma pief(c) – Oeiras: http://www.piefoeirast1.blogspot.com/

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Com contributos de:

Ana Paula Gonçalves, Carmen Corre ia , Cél ia Ganhão, Clara Costa, Elisabete Lourenço, Eunice Freitas, Fernanda Cachaço, Filipa Rodrigues, Isilda Branco, Leopoldina Araújo, Lina Figueira, Maria Antónia Carvalho, Maria do Céu Pires, Maria Judite Campos, Natália Gomes, Norberto Silva,Orlanda Carvalho, Pascal Paulus, Patrícia Pimpão, Susana Agostinho, Susete Albino, Tânia Alves, Teresa Bordelo.

«Este livro documenta de forma muito interessante um processo de forma-ção que tornou possível uma profunda transformação das práticas pedagó-gicas, no sentido da melhoria das aprendizagens de todos os alunos doAgrupamento de Escolas de Vialonga (...)A formação surge inegavelmente nesta obra como um meio para a melho-ria da escola e de desenvolvimento profissional dos professores. Os rela-tos constituem um instrumento muito pertinente para quem pretenda refle-tir e trabalhar a formação de professores em ver as suas vantagens epotencial de inovação, mas também encontrar conforto quando as dificul-dades, inevitáveis, surgirem nos terrenos de formação. A reflexão sobre osdispositivos criados é muito pertinente e útil.»

(do prefácio de Ana Maria Bettencourt)

9 789899 786806

ISBN 989-978-680-2ISBN 978-989-978-680-6