português em contexto...

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Esboço de desenvolvimento curricular PASCAL PAULUS 2003 Português em contexto multilingue

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Esboço de desenvolvimento curricular

PASCAL PAULUS

2003

Português em contexto multilingue

Português em contexto multilingue

Fichas técnica

© Pascal Paulus

1ª versão: 2003

2ª versão: 2017

Referenciar como:

Paulus, P. (2003). Português em contexto multilingue. http://pascal-

paulus.weebly.com

Página de 2 84 Pascal Paulus

Português em contexto multilingue

Índice

Prova de aferição: diagnóstico de uma situação 7 ...........................................Comparação com os resultados nacionais 7 ...............................................................

A compreensão 8 ......................................................................................................Entender o funcionamento da língua 9 .................................................................Na parte da escrita 10 ..............................................................................................

Organização da prova 13 ...............................................................................................Resultados parciais 13 .............................................................................................Organização dos itens 17 ........................................................................................

Resultados na escola em ordem decrescente 18 ........................................................Compreensão da leitura 18 .....................................................................................Funcionamento da língua 22 ..................................................................................

Decisões do Conselho Pedagógico 26 ..........................................................................

Português em contexto multilingue 27 ..............................................................Ponto de encontro entre a formação e o projecto curricular da turma 27 .............

As propostas da formação. 28 ...............................................................................Construção de um tesouro. 28 ...............................................................................Incentivar o contar de histórias. 29 ........................................................................Trabalhar o léxico de referência. 30 .......................................................................

Ponto de encontro entre o projecto curricular da turma e a formação 31 .............Gestão do trabalho de texto 31 ..............................................................................Gestão do trabalho de projecto 32 ........................................................................Correspondência internacional 33 .........................................................................Interação com a comunidade. 34 ...........................................................................Experiências e projectos de Investigação 34 .........................................................

Integração de algumas propostas 35 ...........................................................................Proposta do tesouro 35 ...........................................................................................Proposta acerca da culturalidade 43 ......................................................................Histórias no teatro 47 ..............................................................................................

O léxico referencial em projectos e em trabalho de texto 50 ....................................

Página de 3 84 Pascal Paulus

Português em contexto multilingue

Novas palavras e estruturas gramaticais. 51 .......................................................Alguns momentos de trabalho de texto 53 ...........................................................Intervenções em Conselho 61 ................................................................................Para terminar este capítulo 62 ...............................................................................

Trabalhos dos escolares 65 .................................................................................Racismo 65 .......................................................................................................................Cabo Verde 71 .................................................................................................................Dois poetas 79.................................................................................................................

Página de 4 84 Pascal Paulus

Português em contexto multilingue

Introdução

A primeira versão deste documento foi escrita em 2003. Foi de-

pois da primeira prova de aferição externa ter sido aplicada à escola

na qual trabalhei entre 1999 e 2008. Seguiu-se uma formação em con-

texto devido a esta aferição, dois anos mais tarde. Então, como agora, as provas eram devolvidas às escolas para que

os Conselhos Pedagógicos pudessem olhar para os resultados.

Agora como então, a devolução dos resultados contribuem para

estudar como a comunidade escolar se pode organizar para que as

aprendizagem ganhem mais sentido; como ela irá diferenciar o tra-balho pedagógico para que todas as crianças se possam sentir mais à

vontade nas suas aprendizagens; como irão os adultos relacionar as

propostas educativas para apropriação do conhecimento às expe-

riências de vida e de escola das crianças.

Ao reler este texto um quanto esquecido que relaciona a aferição com a posterior formação, decidi atualizar um pouco a escrita. Penso

que assim continua útil em 2017, para interpelar quem hoje se debate

com as interrogações com as quais eu me debatia também, na altura

que era professor no ensino primário público.

A minha constante aprendizagem fez com que vejo hoje, mais claramente do que na altura, as armadilhas nas quais a instituição

nos coloca todos os dias. Desde 2003 houve A escola faz-se com pessoas,

houve Uma outra forma de fazer escola, e, mais recentemente A praxis

em tempos de mudança social, textos nos quais tento partilhar a atua-

lização do meu pensamento, devido às muitas provocações que os meus interlocutores me fazem.

Página de 5 84 Pascal Paulus

Português em contexto multilingue

Contudo, mantive a estrutura inicial em três partes, no qual inter-vim o mínimo possível. Só tentei corrigir alguma construção frásica

quando ela me parecia ainda demasiada flamenga. Por outro lado, a

introdução do substantivo escolar em vez da palavra aluno decorre do

meu próprio aumento vocabulário . Estava há muito à procura de 1

uma palavra que retira da interação entre crianças e adultos na escola a conotação de criança como sujeito-objeto, dependente do adulto.

Guardei a apresentação da análise que, na altura me foi en-

comendada na qualidade de presidente do Conselho Pedagógico e

que justificou a encomenda de uma formação específica centrada

sobre o trabalho em contexto multilingue, para a qual pedimos o contributo de Dulce Pereira devido à sua larga experiência e o seu

profundo conhecimento do trabalho com crianças e jovens que recor-

rem simultaneamente ao Crioulo e ao Português como línguas de

referência.

A segunda parte do documento é extraído do meu relatório como formando. A terceira parte ilustra a este relatório com obras da mão

das crianças da turma com a qual trabalhava na altura.

Todo o trabalho foi uma gratificante experiência de reflexão lin-

guistica quando as línguas em causa estão próximas uma da outra.

Foi ao mesmo tempo uma riquíssima experiência de adulto em edu-cação de adultos, centrado sobre a profissão.

Pascal Paulus, Carnaxide 2017

Como escrevi recentemente, prefiro à palavra aluno (de género masculino, que deriva de 1alumni, pequenos lactentes posteriormente escravizados), a palavra escolar, identificada pelo dicionário português como substantivo de dois géneros, com o significado de estu-dante, douto, sábio, mestre.

Página de 6 84 Pascal Paulus

Prova de aferição: diagnóstico de uma situação

Reproduzo aqui o essencial do meu relatório para o Conselho

Pedagógico. Os resultados referem-se à prova de aferição realizada

em 2001 na escola onde na altura trabalhava.

Comparação com os resultados nacionais

Esta prova centrada sobre a compreensão da leitura e o fun-

cionamento da escrita, estava concentrado sobre o texto inédito:

O Pedro e o João iam para a cama à mesma hora. Mas enquanto o João

adormecia logo, o Pedro ficava acordado, encolhido entre os lençóis,

cheio de medo.

Medo de quê?

Do escuro, dos estalidos da madeira e... sobretudo do vento.

Sem conseguir fechar os olhos, ficava a ouvi-lo com muita atenção.

Vuu... Vuu... Vuu...

E tinha sempre medo.

Quando soprava de mansinho, parecia-Ihe que um desconhecido queria

entrar no quarto sem ninguém dar por isso, para lhe fazer mal; se rugia

com força e dava safanões nos vidros, punha-se logo a gritar:

– Mãe! Mãe!

A mãe ia ao quarto, aconchegava-lhe a roupa e ria-se:

– É o vento, Pedro! Não vês que é só o vento?

Ora isso sabia ele. Mas tinha tanto medo...

Uma noite, estava encolhido entre os lençóis, como de costume, quando

ouviu chamar lá fora:

– Pst, Pst!

Espantado, sentou-se na cama. Não estava ali ninguém. Quem lhe

Português em contexto multilingue

falava era o vento. Um vento grande, gordo, risonho.

– Quem és tu?

– Eu sou o vento do deserto. Chamo-me Siroco e sou muito quentinho.

– Siroco? Mas os ventos têm nome?

– Temos, sim. Somos uma família ventosa. O meu irmão é o Suão...

Suão... Suão...

O Pedro estava encantado.

– Não tenhas medo de nós – soprou-lhe muito baixinho – fazemos

barulho, porque andamos a brincar! Pelo ar... pelo ar... pelo ar...

– Que é isto? Quem está aí? – perguntou de repente o João, que acordara

sobressaltado.

– É um vento meu amigo.

O João até deu um pulo.

– O quê?

Surpreendido, encostou-se também ao parapeito.

Mas o vento Siroco já lá ia... numa correria... numa correria...

Ana Maria Magalhães e Isabel Alçada

(versão não publicada)

A leitura atenta deste texto consistia a primeira parte da prova.

A compreensão

A segunda parte da prova, após leitura atenta do texto, consistia

em responder a perguntas de interpretação.

A figura 1 representa a média das percentagens de respostas certas a

este conjunto de perguntas.

Mesmo ao nível mais básico da resposta verbatim, os nossos escolares

tem muitas dificuldades em perceber a pergunta e/ou responde-la.

Página de 8 84 Pascal Paulus

Português em contexto multilingue

Em média, só uma criança

em três desenvolveu capaci-

dade de compreensão de

textos novos, durante os

quatro anos de ensino já

passado.

Poderemos analisar em que

medida isto se deve ao facto

de os alunos, tanto os de

origem africana como de origem português utilizarem um vocab-

ulário muito reduzido, que não é forçosamente ampliado pelos man-

uais escolares.

Entender o funcionamento da língua

A terceira parte da pro-

va consistia num conjunto

de perguntas à partir do

texto, mas com carácter

morfológico e gramatical.

As perguntas testavam o

conhecimento linguístico

explicitamente referido no

programa do 1º ciclo. Aqui,

a comparação entre a esco-

la e o país revela um resultado ligeiramente melhor do que na com-

preensão da leitura.

Página de 9 84 Pascal Paulus

figura 1

figura 2

Português em contexto multilingue

Contudo, pode haver um elemento sorte, já que muitas perguntas

pedem uma escolha entre três opções. Pode também haver um ele-

mento treino. Muitos manuais ocupam-se sobretudo em estruturar

aspectos gramaticais. Mesmo assim, os resultados da escola são más.

Ao nível nacional reforça a ideia que se investe mais no funciona-

mento da língua do que na compreensão da leitura. Nada de surpre-

sas portanto...

Na parte da escrita

A prova escrita começa com uma folha de explicações:

Durante este tempo, vais escrever uma pequena história.

Toma atenção às instruções.

Lê atentamente a página seguinte.

Respeita o que te é pedido.

Faz um rascunho a lápis, na folha própria.

Escreve um mínimo de 15 e um máximo de 25 linhas.

Dá um título à história, diferente dos que já te foram apresentados.

Revê com cuidado o rascunho e corrige o que achares que deve ser cor-

rigido.

Copia o texto para a folha da prova, em letra bem legível, a tinta azul ou

preta.

Se, por acaso, te enganares, risca e escreve de novo. Não uses corrector.

Estes instruções foram mal lidas por muitos dos que participaram

na prova. Não se lembrando da instrução que sublinhei, escreveram

um texto qualquer, inventado, sem relacionar como o início sugerido

na tal página seguinte:

Página de 10 84 Pascal Paulus

Português em contexto multilingue

O Pedro e o Siroco ficaram amigos. Um dia, o vento convidou o menino

a viajar com ele.

Imagina e escreve uma história em que contes uma aventura vivida por

ambos. Podes falar dos lugares por onde passaram, das coisas que vi-

ram, das conversas que tiveram.

Aqui, três parâmetros

são avaliados: a construção

da narrativa, a construção

linguística do texto e a or-

tografia. Os resultados são

apresentados em termos

de médias alcançadas pe-

los estudantes de uma es-

cola. Os nossos escolares

conseguem, para a con-

strução da narrativa, uma média de 50%, quando a média nacional

ronda os 80%.

O vocabulário pobre, a falta de título e um desenvolvimento que

desvia do pedido inicial podem explicar esta baixa nota. Não será

estranho, também não, o facto de muitas crianças do 4º ano que fiz-

eram a prova, continuarem a ser quase analfabetas.

O segundo item, a construção linguística do texto (Figura 4), que

avalia a utilização correcta de aspectos morfológicos e gramaticais,

não é muito mais animador. Registamos aqui uma realização abaixo

dos 50%.

Página de 11 84 Pascal Paulus

figura 3

Português em contexto multilingue

Poderão ser origem desta

baixo resultado: problemas

de conjugação do verbo,

concordância masculino/

feminino dos nomes e dos

adjectivos, o que acontece

com muitos escolares que

falam português como se-

gunda língua. Aqui tam-

bém são prejudicadas as crianças que não dominam bem advérbios e

adjectivos como elementos

enriquecedores do texto.

O terceiro aspecto, a

ortografia (Figura 5), as-

sumida entre os profes-

sores como a mais bem

treinado, não dá razão

para grande alegria. Até

ao nível nacional, poucos

escolares escrevem sem

erros, mesmo se, num texto de 25 linhas, mais de 60 % tem 5 erros ou

menos.

Na nossa escola, o desvio mantêm-se e há menos de um aluno em

dois que escreve menos de 5 erros.

Página de 12 84 Pascal Paulus

figura 4

figura 5

Português em contexto multilingue

Provavelmente não damos suficientemente importância ao tratamen-

to do erro, às listas de palavras, à actividade da escrita em si. Sugiro

que são estes aspectos fundamentais para ajudar a nossa população

escolar a melhorar a sua escrita.

Organização da prova

A prova de aferição estava organizada em quatro partes:

1. Leitura de um texto

2. Compreensão da leitura.

3. Funcionamento da língua

4. Produção escrita.

Sobre cada um destes aspectos, apresento os resultados da escola

(certo, parcialmente certo, errado) agrupado pelos grandes itens de

cada uma destas partes. Os resultados referem-se aos pontos 2, 3, e 4,

já que a avaliação da leitura está implicitamente presente na prova

toda e não foi, por si próprio, alvo de avaliação.

Resultados parciais

As respostas certas, neste primeiro aspecto, de compreensão da

leitura (Figura 6, página 14), concentram-se nas respostas ad verbatim

(gráfico direito superior). Ou seja, do treino resulta sobretudo a ca-

pacidade de encontrar elementos no texto. Não ajuda para conseguir

captar a ideia principal do texto ou de poder contextualizar uma in-

formação. Para isso, falta provavelmente a capacidade de avaliar

situações em funções de outras vividas ou lidas. E uma das dificul-

Página de 13 84 Pascal Paulus

Português em contexto multilingue

dades é exactamente a ausência de situações vividas.

O segundo aspecto é o do funcionamento da língua (Figura 7,

página 15). Lembramos que na nossa escola as respostas certas ficam

mais ou menos em metade. Quando estudado mais em pormenor,

revela-se que a estrutura da palavra foi pelos vistos mais bem trabal-

hado, em detrimento da percepção e da estrutura frásica.

Mas esta dificuldade da percepção da estrutura frásica pode ter in-

fluência nos resultados em geral e nos resultados de matemática,

quando se tem a ver com a interpretação dos elementos de um enun-

ciado para um problema, por exemplo.

Página de 14 84 Pascal Paulus

figura 6

Português em contexto multilingue

Os gráficos da produção escrita (Figura 8 e Figura 9 página 16) ap-

resentam-se no sentido de podermos avaliar os conhecimentos testa-

dos e as médias obtida.

Por fim, reproduzimos um segundo gráfico dos erros ortográficos

para a escola (Figura 10, página 17), a partir dos dados fornecidos: em

61 escolares, 23, portanto um pouco mais de um terço, têm mais de

10 erros num texto que tinha no máximo 25 linhas, mas que no caso

destes alunos, provavelmente tinha menos de 25 linhas.

Lembramos também que mais de metade das crianças ao nível na-

cional fazem menos de 5 erros, o que não é o caso na escola.

Página de 15 84 Pascal Paulus

figura 7

Português em contexto multilingue

Página de 16 84 Pascal Paulus

figura 8

valor média das crianças do 4º ano da nossa escola

figura 9

valor média das crianças do 4º ano da nossa escola

Português em contexto multilingue

Organização dos itens

Antes de apresentar os resultados item por item, lembro a estru-

tura da prova:

áreas de conteúdo tipos de competências itens

compreensão da leitura Compreender a ideia principal de um texto, identificar personagens, características e sentimentos das personagens, e sequência cronológica da ação.

1, 8, 10, 11 e 12

Compreender e realizar verbatim; (identificar a informação necessária à resposta que se encontra no texto, exactamente com as mesmas palavras)

1, 2, 5 e 6

Compreender e realizar a paráfrase;(identificar a informação explicita no texto e responder por palavras diferentes, também expressas no texto)

3, 4 e 5

áreas de conteúdo

Página de 17 84 Pascal Paulus

figura 10

Português em contexto multilingue

Resultados na escola em ordem decrescente

Nas páginas a seguir, incluímos uma cópia das perguntas das

provas, junto com os resultados obtidos pela escola. Lembro que se

trata de 61 crianças, matriculadas no 4º ano, no ano lectivo transacto.

Compreensão da leitura

Retratamos primeiro os itens relativos à compreensão da leitura,

por ordem decrescente de resultados.

Item 6

Funcionamento da língua

Identificação de frases com o mesmo sentido (sinonímia)

1

Conhecimento de estruturas gramaticais 3, 4, 5, 6, 8 e 9

Conhecimento da estrutura de palavra 7

Conhecimento da estrutura frásica 2 e 10

Produção escrita Construção da narrativa (capacidade de organizar adequadamente um texto narrativo)

A

Construção linguística do texto (capacidade de utilizar vocabulário diversificado e em recorrer a frases simples e complexas)

B

Ortografia

tipos de competências itensáreas de conteúdo

cotação

0

2

Alunos

11

50

!

Página de 18 84 Pascal Paulus

Português em contexto multilingue

Item 2

Item 7

Item 12

cotação

0

3

Alunos

12

49

!

cotação

0

3

Alunos

19

47

!

cotação

0

1

Alunos

30

31

!

Página de 19 84 Pascal Paulus

Português em contexto multilingue

Item 5

Item 4

Item 3

cotação

0

1

2

3

4

Alunos

2

4

5

20

30

!

cotação

0

3

Alunos

32

29

!

cotação

0

2

3

Alunos

26

21

14

!

Página de 20 84 Pascal Paulus

Português em contexto multilingue

Item 11

Item 10

Item 1

cotação

0

4

Alunos

49

12

!

cotação

0

2

4

Alunos

48

1

12

!

cotação

0

1

2

Alunos

3

52

6!

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Português em contexto multilingue

Item 8

Item 9

Funcionamento da língua

Retratamos agora os itens relativos ao funcionamento da língua,

igualmente por ordem decrescente de resultados.

Item 7

cotação

0

1

2

3

4

Alunos

31

10

8

9

3

!

cotação

0

3

4

Alunos

51

10

0!

cotação

0

2

Alunos

25

36

!

Página de 22 84 Pascal Paulus

Português em contexto multilingue

Item 3

Item 6

Item 4

cotação

0

2

Alunos

25

36

!

cotação

0

1

Alunos

29

32

!

cotação

0

2

Alunos

31

30

!

Página de 23 84 Pascal Paulus

Português em contexto multilingue

Item 2

Item 1

Item 8

cotação

0,0

1,0

1,5

2,0

Alunos

15

5

12

29 !

cotação

0

1

Alunos

35

26

!

cotação

0

2

Alunos

35

26

!

Página de 24 84 Pascal Paulus

Português em contexto multilingue

Item 9

Item 5

Item 10

cotação

0

2

Alunos

46

15

!

cotação

0,0

0.5

1,0

1,5

2,0

2,5

3,0

Alunos

21

0

2

3

13

18

4

!

cotação

0,0

0.5

1,0

1,5

2,0

2,5

3,0

Alunos

45

8

1

1

3

1

2 !

Página de 25 84 Pascal Paulus

Português em contexto multilingue

Decisões do Conselho Pedagógico

Depois de debater os resultados assim apresentados, o Conselho

Pedagógico optou por compreender melhor os desafios colocados a

crianças que utilizam a língua portuguesa como segunda língua, ou

que a utilizam em combinação com outra língua, produzindo conta-

minações gramaticais e léxicas mútuas.

Muitas das crianças que frequentam a escola não falam, de facto,

Português como língua materna, e outras, embora falando Português

em casa, partilham outras experiência comunicacional com os seus

colegas.

A direção da escola conhecia o trabalho da professora Dulce

Pereira como consultora linguistica para a gramática do Crioulo e

como investigadora do ILTEC. Foi convidada para trabalhar com o

corpo docente da escola. O convite resultou numa parceria formativa

de 6 meses, dois anos depois deste diagnóstico, visto a lentidão com

que são creditadas as acções de formação. Para mim pessoalmente

este atraso teve um lado bom. Como a turma com a qual trabalhava

estava entretanto no 4º ano de escolaridade, pude utilizar esta oferta

formativa para fazer um balanço de três anos de trabalho em contex-

to multilingue, com os colegas e com Dulce Perreira.

Página de 26 84 Pascal Paulus

Português em contexto multilingue

Ponto de encontro entre a formação e o projecto curricular da turma

As páginas que seguem retratam algumas actividades e algumas

reflexões decorrentes do projecto de formação orientada por Dulce

Pereira de dezembro 2001 até julho de 2002, por pedido expresso do

Conselho Pedagógico, no ano lectivo 1999-2000.

O pedido foi feito depois de constatar como os professores da es-

cola estávamos mal preparado para perceber, diagnosticar e apoiar

mos uma parte significativa dos escolares, perdidos na gramática e

no vocabulário, devido ao facto de falarem mais do que uma língua

ou de não conhecer bem a língua portuguesa.

Penso que a interacção com Dulce Pereira me foi extremamente

útil. Se, por um lado, consolidou algumas actividades minhas que

fazia de forma mais intuitiva, como a construção de listas de

palavras em função de dificuldades com a concordância verbo - pes-

soa, por outro lado, ajudou-me em muito perceber determinadas

reacções dos meus alunos perante palavras e frases que não me pare-

ciam muito violentas, mas que, no contexto crioulo, o são. Ajudou-

me também a perceber e enquadrar melhor a influência da história

da escravatura, presente em muitas formas de expressão, em festas,

em algumas actividades religiosas e até em determinadas regras,

como esta que diz que não se conta histórias antes do cair da noite.

Dividi este capítulo em 3 partes e quatro pontos: na primeira

parte, foco aspectos da formação que influenciaram marcadamente o

Português em contexto multilingue

projecto de turma e a intervenção na sala de aula. Na segunda parte

lembro alguns aspectos já existentes do projecto curricular da turma.

Na terceira descrevo, em dois pontos, momentos da prática que ilus-

tram a relação com a formação. O próximo capítulo documenta esta

prática com algumas obras realizadas pelas crianças envolvidas.

As propostas da formação.

Entre as sugestões que Dulce Pereira nos deixou, aproveitei al-

gumas, integrando-as na prática da sala, que mais a frente descrevo

através de alguns exemplos escolhidos.

Para mais fácil leitura, explicito neste primeiro ponto as propostas

utilizadas e que influenciaram significativamente o decorrer das

atividades na sala de aula, reconduzindo para a respetiva parte do

texto onde a sua concretização está descrita.

Construção de um tesouro.

Proposta: Aumentar a capacidade expressiva em português pe-

gando em palavras e brincarmos com elas, coleccionando-as numa

caixa (tesouro) para depois as aproveitar para trabalhar à volta delas

(palavras portuguesas ou crioulas).

O que fizemos: Como não tinha tempo para trabalhar especifi-

camente a ideia do tesouro, devido à preparação da nossa viagem à

Bélgica, motivado pela correspondência interescolar, resolvi aumen-

tar o trabalho de tradução na preparação desta viagem. A ideia do

tesouro integrou-se portanto na preparação de um pequeno di-

Página de 28 84 Pascal Paulus

Português em contexto multilingue

cionário de apoio para os alunos, durante a estadia com as famílias

de acolhimento, na Bélgica. O resultado está na página 36.

Realço que as listas de frases e palavras tiveram assim um objeti-

vo basicamente prático. O tesouro para nós, foi o conjunto de frases

e palavras, que nós escolhemos, para podermos conversar uns com

os outros, quando estivermos juntos, na Bélgica, com os nossos cor-

respondentes.

Incentivar o contar de histórias.

Proposta: Contar histórias em português, para provocar também

a recolha de histórias, ou momentos vividos, em Crioulo. Facilitar a

escrita destes contos.

O que fizemos: Além de contar histórias, tentei juntar histórias

dos próprios alunos, ou então ouvir a história deles. Refiro, na pági-

na 43, um trabalho desenvolvido a partir de fotografias tiradas pelas

crianças, tanto na escola como no bairro. Cada um dos escolares tirou

perto de 30 fotografias que depois descreveu.

Também menciono como, quando se colocou a questão de fazer

um trabalho de apresentação sobre Portugal, para os corresponden-

tes, uma das meninas da turma ficou logo com a ideia de fazer uma

apresentação do Cabo Verde. Mostro, na página 74, como o trabalho

explicitou também alguns aspectos acerca da proximidade da língua

Portuguesa e Crioula.

Como o ano letivo anterior, escrevemos uma peça de teatro. Rela-

to, na página 47, como a nossa conversa acerca do Crioulo, despole-

tada depois do início da formação na qual participei, veio mesmo a

Página de 29 84 Pascal Paulus

Português em contexto multilingue

provocar um trecho do texto, que relata um episódio de trabalho em

jeito de retrospectiva.

Este ano, a peça contemplou igualmente o reconto de uma história,

que incluí a título de exemplo na página 48 . 2

Refiro ainda que não consegui mobilizar as crianças de origem

Cabo-verdiana e Guineense para me trazerem outras histórias, even-

tualmente contadas em casa. As conversas com alguns dos familiares

contribuíram para perceber que em algumas das casas não é dado

grande valor às histórias tradicionais. Por isso, fui eu as buscar em

recolhas feitas por autores portugueses.

Quero ainda focar uma conversa com outra menina da turma,

Ana Paula, que inclui na página 59 e que tem a ver com a distinção

que ela fez entre o Crioulo (como língua) e o vocabulário Alentejano

(como dialecto regional), por causa de uma história que ela tentava

de escrever.

Trabalhar o léxico de referência.

Proposta: Analisar e anotar o ganho léxico e de objectos gramati-

cais dos alunos a partir dos temas actualmente trabalhados na sala

de aula. Controlar o número de novas ocorrências no léxico referen-

cial dos alunos. Explicitar como são treinadas as novas aquisições.

O que fizemos: A provocação da formadora para tentarmos ano-

tar as mudanças no léxico referencial ao longo de uma semana de

trabalho, fez-me anotar com alguma assiduidade as observações dos

O teatro inclui mais trechos em Crioulo, em Inglês e em Neerlandês, fruto do trabalho 2

desenvolvido este ano. O texto completo saiu num Jornal Especial da turma.

Página de 30 84 Pascal Paulus

Português em contexto multilingue

alunos acerca de novas palavras ou novas “formas de dizer”, durante

duas semanas. A pequena lista que inclui na páginas 52 refere só as

palavras e expressões que discuti individualmente ou em grupo, a

partir de observações do grupo de crianças que têm fortes influências

crioulas.

Foi mais uma razão para incluir o texto de Ana Paula na página

59, porque ele ilustra como apareceram alguns trechos em Crioulo,

depois de termos combinado traduzir as nossas frases para a viagem

à Bélgica em 4 línguas.

Exemplifiquei o trabalho de texto, porque, desde iniciei este trabalho

formativo, quando se trata de um texto de uma criança Cabo-ver-

diana, tento fixar o que penso serem elementos influenciados pela

língua materna. Fiz esta exemplificação com um texto de uma das

meninas da turma na página 56.

Por fim, ainda realço que só escolhi descrever uns poucos mo-

mentos do trabalho da turma que considerava elucidativos para a

importância que esta formação teve para a minha prática . 3

Ponto de encontro entre o projecto curricular da turma e a formação

Gestão do trabalho de texto

Geral: Suporte a toda a escrita desenvolvida na sala, tanto para

projectos, como para correspondência.

O trabalho deste grupo é esmiuçado em A escola faz-se com pessoas. Undi N ta Bai (2006) e 3

ocupa também um capítulo do livro Quem habita os alunos? de Irene Santos (2004).

Página de 31 84 Pascal Paulus

Português em contexto multilingue

Especificidade: - Escrita de histórias: uma rotina que envolve a escrita no cader-

no pessoal, a correção, a cópia para folhas formato A5 e a re-

spetiva ilustração, a apresentação ao grupo, e a posterior inte-

gração na biblioteca da turma. Projectamos uma visita ao Teatro Infantil de Lisboa durante o

primeiro período em torno do qual fizemos um trabalho de

pesquisa com o intuito de nos apropriar de novo vocabulário. - Escrita de texto livre: uma rotina que envolve escrita no cader-

no pessoal, eleição de texto, correcção colectiva, encaminhamen-

to para jornal, correspondentes e/ou livro de textos da sala.

Pode implicar trabalho específico de gramática ou ortografia. - Uso do ficheiro de língua: rotina de trabalho autónomo orienta-

do pelo plano individual de trabalho discutido em conselho. - Uso do ficheiro de leitura e biblioteca: rotina de leitura, impli-

cando preenchimento de uma ficha de leitura e apresentações

de várias formas: teatralizar, declamar, ler em voz alto, fan-

toche,....

Gestão do trabalho de projecto

Racismo, escravatura, guerra e paz

Com quem? Turma

O que? Desenvolver o trabalho começado com a acção de soli-

dariedade com as mulheres do Afeganistão.

Página de 32 84 Pascal Paulus

Português em contexto multilingue

A partir da valorização que foi feita das nossas ações do ano pas-

sado (Tocha, Estrada, Afeganistão, Natureza, Presidenciais) , conti-4

nuaremos a contactar a comunidade e a devolver-lhe o que desco-

brimos. O racismo e a história de Cabo Verde ocupam aqui um lugar

importante. Investigaremos mais aprofundado o trabalho e a escra-

vatura infantil. Ficaremos atentos ao desenvolvimento do contraste

Pobre-Rico entre as nações, analisando o clima conturbado deste iní-

cio de ano lectivo.

Quando? Ao longo do ano lectivo, cada vez que a actualidade e os

nossos interlocutores (correspondentes) nos dêem pistas de trabalho.

Apoios: Adido cultural da embaixada de Suíça, Internet, Corres-

pondência por correio electrónico.

Correspondência internacional

Com quem? Lovaina, Turma de Eddy Macquoy

O que? Troca regular acerca do tema “nós e a natureza”, em

moldes a definir.Previsão de troca de álbuns de pequenos projectos

de investigação dos escolares.

Envolve um encontro com os correspondentes.

Quando? A definir. Envolve correspondência electrónico e corre-

spondência em suporte papel.

Apoios: A realização do encontro depende do financiamento en-

contrado.

Ver A escola faz-se com pessoas. Undi N ta Bai (2006) e o arquivo eletrónico da turma.4

Página de 33 84 Pascal Paulus

Português em contexto multilingue

Interação com a comunidade.

Com quem? Proposta lançada para as outras turmas do 4º ano.

O que? Recolhas de dados, interpretação e devolução de resulta-

dos. O conteúdo pode ser diferente do sugerido a seguir, tomando

em conta leituras de jornal ou acontecimentos nacionais ou interna-

cionais importantes.

Pretendemos montar uma exposição acerca de cada um destes temas.

Quando? Setembro-Novembro: acerca do Euro e da história de

Lisboa; Novembro-Janeiro: acerca das autárquicas. Análise de resul-

tados

Apoios: Comunidade escolar.

Experiências e projectos de Investigação

Rotina de trabalho partindo de uma questão (jornal), um proble-

ma surgido ou uma proposta de trabalho em que sozinho ou em

pares, o escolar:

1. Analisa o problema e escreve proposta ou hipóteses;

2. Executa a(s) experiência(s) ou monta a investigação considerado

necessária;

3. Apresenta por escrito as conclusões.

Os projetos de trabalho, complementados com as investigações

realizadas pelos alunos a partir de perguntas e interesses formulados

por cada um (ver infra), abrangem por excesso a área curricular dis-

ciplinar do Estudo do Meio.

Página de 34 84 Pascal Paulus

Português em contexto multilingue

O trabalho permite que também parte dos conteúdos e das com-

petências previstas nas outras áreas disciplinares sejam abordadas de

forma integrada.

Integração de algumas propostas

Proposta do tesouro

Não tendo tempo para trabalhar especificamente a ideia do

tesouro, resolvi aumentar o trabalho de tradução na preparação da

viagem para a Bélgica.

Porém, devo referir que a ideia de criar um tesouro, associado a

algumas propostas da Gramática da fantasia, não me é estranha. Du-

rante a segunda metade do 2º ano, e durante o primeiro trimestre do

3º ano, recorri bastantes vezes ao que costumávamos chamar, na sala,

o atelier de escrita, em que pegando numa palavra, desenvolvíamos

Página de 35 84 Pascal Paulus

figura 1

Português em contexto multilingue

um pequeno texto. Os jornais de turma daquela época trazem disso

alguns exemplos . 5

Entretanto, e voltando à preparação da viagem para a Bélgica uti-

lizamos a ideia da tradução em alguns cartazes (figura 1 na página

anterior e figuras 2 e 3 na página 45).

A ideia do tesouro integrou-se também na nossa preparação de

um pequeno dicionário de apoio para os alunos, durante a estadia

com as famílias de acolhimento, na Bélgica, e do qual reproduzo aqui

uma adaptação.

Palavras (ordem crescente em neerlandês)

Português Neerlandês Crioulo Inglês

Afeganistão Afghanistan Afganiston Afghanistan

Carta Brief Carta Letter

Correspondentes Correspondenten Correspondenti Correspondent

Obrigado Dank je Obrigado Thank you

Fotografia Fotografie Fotografia Photo

Batatas fritas Frieten Batata Frita Chips

Escorrega Glijbaan Escorrega Slides

Eu Ik Mi / N I

Frango Kip Frango Chicken

Molas Knijpers / Veren Mola Clips

Jornal Krant Djornal Papers/Periodical

Políticos Politici Politiku Political

Boneco Pop Boneku Dolly

Os jornais estão no arquivo electrónico da turma.5

Página de 36 84 Pascal Paulus

Português em contexto multilingue

Listas de frases (ordem crescente em crioulo)

Pintura Schilderhoek / schilderij Pintura Picture

Parque Speelplein / speeltuin Parki Play ground

Jogador Speler Jogador Player

Pedra Steen Pedra Rock

Desenho Tekening Desenho Drawing

Comboio Trein Comboi Train

Almôndegas Vleesballetjes Almonga Meatloaf

Amigo Vriend Amigu Friend

Mundo Wereld Mundo World

Português Neerlandês Crioulo Inglês

Português Neerlandês Crioulo Inglês

Tu também és Jij (bent) ook. A bo tanben You as well.

Eu sou de Portugal e tu? Faço anos em .... e tu?

Ik ben van Portugal en jij? Ik verjaar op …. En jij?

A mi e di Portugal i bo? N ta fazi anus en ... i bo?

I come from Portugal and you? My birthday is on … and yours?

Eu gosto de ir ao cinema, ver filmes de acção e bonecos.

Ik zie graag actiefilms en tekenfilms, in de cinema.

A mi gosta di bai sinema i odja filmi di akson i odja filmi di buneku.

I like to go to the cinema, and see action movies and animated films

Eu gosto de matemática, e tu?

Ik hou van wiskunde, en jij?

A mi gosta di matematika i bo?

I like mathematics, and you?

Eu gosto de ouvir música pop / clássica

Ik hou van popmuziek / klassieke muziek

A mi gosta di ovi muzika pop / klasika

I like to listen to pop / classic music.

Eu gosto de comer quase tudo

Ik bijna alles graag A mi gosta kume kazi tudu.

I like to eat almost everything.

Eu gosto mais de cães

Ik zie liever honden. A mi gosta mas di katchoru.

I am more fund of dogs

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Português em contexto multilingue

Eu leio muitos livros, mas gosto mais dos livros de acção e aventura

Ik lees veel boeken, maar ik lees het liefst actie en avontuur.

A mi ta le tcheu livru di akson i di aventura.

I read many books, but I like most action and adventure.

Eu pratica natação, e tu?

Ik zwem en jij? A mi ta pratika natason i bo?

I practice swimming, and you?

Estas a fazer muito barulho

Je maakt veel lawaai. A nhos sa ta fazi monti barulhu

You are making to much noise.

Estas a fazer muito barulho

Je maakt veel lawaai. A nhos sa ta fazi monti barulhu

You are making to much noise.

Dói - me a barriga Ik heb buikpijn A ta due-m bariga I have a stomach-ache

Dói – me a cabeça Ik heb hoofdpijn A ta due-m kabesa I have a headache

Boa noite Goede nacht /goede avond

Bo noti Good night

Boa tarde Goede namiddag Bo tardi Good afternoon

Tu és bonito(a) Je bent mooi Bu e bonitu You are pretty.

És fixe! Je bent “cool” Bu é fixe You are cool.

És meu amigo Je bent mijn vriend Bu é nha amigu You are my friend

És meu melhor amigo.

Je bent mijn beste vriend

Bu e nha medjor amigu

You’re my best friend

Gostas de ir ao cinema?

Ga je graag naar de cinema?

Bu gosta di ba sinema?

Do you like cinema?

Gostas da comida do Mc Donald’s?

Eet je graag bij Mc Donald’s?

Bu gosta di kumida di Mc Donald’s?

Do you like Mc Donald’s food?

Não tens máquina fotográfica?

Heb je geen fototoestel?

Bu ka ten mákina fotográfika?

Don’t you have a camera?

Queres namorar comigo?

Wil je mijn liefje zijn? Bu kre “namora” ku mi?

Do you want to be my boyfriend (girlfriend)?

Praticas alguma actividade?

Heb je een hobby? Bu ta pratika algun aktividade?

Do you practice some activity?

Português Neerlandês Crioulo Inglês

Página de 38 84 Pascal Paulus

Português em contexto multilingue

Tens despertador? Heb je een wekker? Bu ten despertador? Do you have an alarm clock?

Tens playstations) Heb je een play-station?

Bu ten playstation? Do you have play-station?

Tens vídeo? Heb je video? Bu tene video? Do you have V-H?

Tens namorado(a)? Heb je een liefje? Bu teni namoradu Do you have boyfriend (girlfriend

De onde és? Waar kom je vandaan?

Di ondi ki bu e Where are you from?

Já lavei-me, estou pronta

Ik heb me al gewassen, ik ben klaar.

Dja-N laba, N sta pronta

I’ve washed me, I’m ready.

Qual é o teu animal preferido?

Wat is je lievelingsdier?

Kal animal ki bu gosta mas?

What is your favourite animal?

Qual é o teu livro preferido?

Wat is je lievelingsboek?

Kal e bo livru prifiridu?

What is your favourite book?

Qual foi o dia mais feliz da tua vida?

Wat was de beste dag van je leven?

Kal foi dia mas felis di bu vida?

What was the happiest day of your life?

Qual é a comida que gostas mais?

Wat eet je het liefst? Kal kumida ki bu gosta mas?

What is your favourite food?

Quantos anos tens? Hou oud ben je? Kantu anu bu teni? How old are you?

Quantos irmãos tens?

Hoeveel broers en zussen heb je?

Kantu irmon ki bu teni?

How many brothers and sisters do you have?

Qual é a tua matéria preferida na escola?

Wat is je lievelingsvak op school?

Ki “materia” di skola bu gosta mas?

What’s your favourite subject at school?

Quando fazes anos? Wanneer ben je jarig?

Ki dia ku ta fazi anu? When is your birthday?

Que tipo de música gostas de ouvir?

Naar welke muziek luister je graag?

Ki muzika bu gosta di obi?

What’s the music you like

A que horas vamos dormir e a que horas acordamos?

Wanneer gaan we slapen en hoe laat staan we op?

Ki ora ki nu ata deta i ki ora nu ta labanta?

What time we go to bed and what time do we wake up?

Português Neerlandês Crioulo Inglês

Página de 39 84 Pascal Paulus

Português em contexto multilingue

Que horas são? Hoe laat is het? Ki ora sta? What time is it?

O que é o jantar? Wat eten bij het avondmaal?

Kuzé ki djanta? What is the dinner?

O que gostam? Waar houden jullie van?

Kuzé ki nhos gosta? What do you like?

O que fazem na escola?

Wat doen jullie op school?

Kuzé ki nhos sata fazi na skola?

What do you do at school?

Como te chamas? Hoe heet je? Mo ki bu tchoma What’s your name?

Ir à casa de banho Naar het toilet gaan N (kre) bai kasa di banhu

Go to the bathroom

Eu gosto de sumo com gás

Ik drink graag sap met prik.

N gosta sumu con gas

I like juice with “bubbles”

Não gosto de sumo de laranja.

Ik lust geen sinaasappelsap.

N ka gosta sumu di laranja.

I don’t like orange juice.

Porque não quero comer fruta

Omdat ik geen fruit wil eten.

N ka kre komi fruta Because I don’t want to eat fruit.

Já não quero ver televisão, por isso.

Ik wil geen Tv meer kijken, daarom.

N ka kre odja TV I don’t want to see TV anymore, so.

Nunca mais falo contigo

Ik spreek je nooit meer

N ka ta fala ku bo nunka mas

I never more talk to you.

Como muitos doces, por isso...

Ik heb veel zoets gegeten, daarom…

N komi tcheu dose I’ve ate to much sweets.

Quero tomar banho.

Ik wil een bad nemen.

N kre ba toma banhu

I want to have a bath.

Queres ir brincar? Wil je gaan spelen? N kre bai brinka Will you play with me?

Quero ir à casa de banho

Ik wil naar het toilet N kre bai kasa di banhu

I want to go to the bathroom

Quero ir à rua. Ik wil naar de straat. N kre bai pa rua I want to go to the street

Quero um bolo, pão Ik wil een koek, brood

N kre bolu, pon I want a cake, bread

Quero jantar. Ik wil avondmalen N kre djanta I want to dinner

Português Neerlandês Crioulo Inglês

Página de 40 84 Pascal Paulus

Português em contexto multilingue

Quero dormir Ik wil slapen. N kre durmi I want to sleep

Quero comer Ik wil eten N kre kumi I want to eat

Quero mudar de roupa

Ik wil van kleren veranderen

N kre muda di ropa I want to change clothes

Quero ver televisão Ik wil televisiekijken N kre odja televison I want to see TV

Quero telefonar para a minha mãe porque tenho saudades

Ik wil naar mama bellen, want ik heb heimwee.

N kre telefona pa nha mai pamodi N teni sodadi.

I want to phone to my mum, because I miss her.

Quero tomar o pequeno - almoço

Ik wil ontbijten N kre toma pekenu almosu

I want take breakfast

Preciso ir às compras.

Ik moet boodschappen doen

N mesti bai konpra I need to go to the shop

Posso jogar gameboy ou playstation?

Mag ik gameboy of playstation spelen?

N podi bai djuga gameboy o playstation?

Can I play games?

Posso ir? Mag ik gaan? N podi bai? Can I go?

Vou fazer os meus trabalhos de casa

Ik ga mijn huiswerk maken

N sa ta ba fazi trabadju di kasa

I’m gonna do my homework

Estou cansado Ik ben moe N sta kansadu I’m tired

Estou zangado(a) Ik ben boos N sta ku raiba I’m angry

Estou triste Ik ben verdrietig N sta triste I’m sad

Eu tenho 2/3/... irmãos e tu?

Ik heb 2/3/… broers en zussen en jij?

N ten 2/3 irmon i bo? I have 2/3 brothers (sisters) and you?

Eu tenho 9 anos /10, e tu?

Ik ben 9 / 10 jaar oud, en jij?

N ten 9 anu /10 e bo I’m 9 years old, 10, and you?

Tenho de ir ao hospital

Ik moet naar het hospitaal

N ten ki bai ospital I have to go to the hospital

Tenho um dente furado

Ik heb een gaatje in mijn tand

N teni denti furadu I have a hole in my teeth

Tenho dores nos dentes

Ik heb tandpijn N teni dor na dente I have a toothache

Português Neerlandês Crioulo Inglês

Página de 41 84 Pascal Paulus

Português em contexto multilingue

Estas listas tiveram assim um objectivo sobretudo prático e fun-

cional. O tesouro para nós, foi o conjunto de frases e palavras, que

nós escolhemos, para podermos conversar uns com os outros, quan-

do estivemos juntos, na Bélgica, com os nossos correspondentes. Um

Tenho fome. Ik heb honger N teni fomi I’m hungry

Tenho sede. Ik heb dorst N teni sedi I’m thirsty

Tenho saudades da minha família em Portugal.

Ik heb heimwee naar mijn familie in Portugal

N teni sodade di nha família di Portugal

I miss my family in Portugal.

Tenho sono. Ik heb vaak N teni sonu I’m tired

Torci o pé. Ik heb mijn voet verstuikt.

N torsi pe I beat my foot.

Têm campo de futebol?

Hebben jullie een voetbalveld?

Nhos teni kampu di futibol?

Is there a football pitch around?

Vamos fazer um projecto

We gaan een project maken

No bai fazi un projektu

Let’s do a project.

Vamos para a rua We gaan naar de straat

No ta ba pa rua Let’s go to the street

Hoje, corri, saltei e agora...

Ik heb vandaag gelopen, gesprongen, en nu...

Odji N cori, N salta i gosi...

Today I run, I jump and now...

Porque gosto muito dela

Omdat ik haar erg graag zie.

Pamodi N gosta tcheu dela

Because I like her very much.

Sim, obrigado Ja, dank je Sin, obrigadu. Yes, thank you.

Até logo Tot straks Te logo See you later

Onde é a casa de banho?

Waar is de badkamer?

Undi ki e casa di banhu?

Where is the bathroom?

Onde há lojas? Waar zijn er winkels? Undi ki e lodja? Where are the shops?

Onde é o meu quarto?

Waar is mijn slaapkamer?

Undi ki nha kuartu? Where is my bedroom?

Português Neerlandês Crioulo Inglês

Página de 42 84 Pascal Paulus

Português em contexto multilingue

pequeno tesouro que permite a comunicação entre quem fala línguas

diferentes.

Proposta acerca da culturalidade

Dulce Pereira propôs contar histórias para que possamos ouvir

histórias contadas pelas crianças, ou então ouvir a sua própria

história. Não falo aqui do trabalho exaustivo de Irene Santos e das 6

crianças, a partir de fotografias que fizeram e para o qual escreveram

comentários, tanto na escola como no bairro. Cada uma delas organi-

zou perto de 30 fotografias que depois descreveram.

O trabalho que daí resultou foi, de Irene, o livro referido, e das

crianças a apresentação coletiva, enviada para os correspondentes.

Deste trabalho resultou também um álbum durante a exposição de

fim de ano . 7

Culturalidade e preparação da viagem para os correspondentes

O encontro com os correspondentes Belgas ainda desencadeou

uma outra forma para conseguir falar com as famílias, os adultos e as

crianças, acerca de desejos, histórias, vivências e gostos. Desde mea-

dos do ano letivo anterior, foram construídos laços e discussões, que

me ajudaram a perceber melhor contextos e enquadramentos de al-

guns alunos, mesmo em termos de língua, de referenciais e de es-

paços e tempos para viver a própria vida.

Santos, Irene (2004). Quem habita os alunos? Lisboa: Educa.6

O álbum perdeu-se. Já não fui a tempo para o resgatar, na altura da fúria destrutiva, 7

subsequente à reorganização das escolas da zona em agrupamento vertical.

Página de 43 84 Pascal Paulus

Português em contexto multilingue

Os momentos mais interessantes do trabalho foram certamente

aqueles em que as crianças pudessem eles próprios mostrar e contar

como se organizam e movimentam, utilizando os instrumentos lin-

guísticos para alcançar os seus fins. Esta ideia ilustra-se bem com

alguns extratos do Diário da Viagem:

21 de Fevereiro de 2002

Ao fim da tarde, recebemos os pais e as mães na sala. Cada um dos

grupos escolheu um porta-voz para apresentar o trabalho que vai fazer.

Demoramos mais com o grupo das autorizações e o grupo dos din-

heiros, porque é aqui que precisamos já da ajuda das famílias.

Marlene explica que dos 1770 Euros que faltam, os colegas Belgas ainda

prometem 650.

Também contamos o que eles fazem para ganhar dinheiro: bolos, lavar

carros, “portar-se bem”....

Algumas mães sugerem:

- fazer uma feira com comida;

- vender brinquedos;

- fazer um mealheiro com colegas de trabalho;

- vender salgados;

- vender postais feitos pelos alunos;

- vender ovos de páscoa.

Vamos fazer uma feira no primeiro ou no último sábado das férias da

Páscoa, e convidar todas as pessoas do bairro.

22 de Fevereiro de 2002

Esta manhã havia mais um apoio, através do correio electrónico. Um

amigo da turma ofereceu 50 € e sugeriu mais um contacto.

Marlene e Tatiana actualizam:

Da Câmara 1247 .......................

Página de 44 84 Pascal Paulus

Português em contexto multilingue

Do projecto 550 .........................

Da RTP (vendas) 37 ...................

Do Sr Boaventura 250 ..............

Do Eddy (projecto) 500 .............

Da turma do Eddy 100 .............

Do H (amigo da turma) 50 ......

Total 2734 ...................................

Entretanto, fazemos um cartaz para o nosso placar à entrada da sala

com as fotografias da reunião de ontem:

! ! figura 2 figura 3

O placar tem o seguinte título:

Vamos à Bélgica – Reunião de pais: preparação da viagem.

A nos nu sata bai Belgica – Reunion di pai i di mai – a nos sata prepara viaje.

We gaan naar België – Oudervergadering om de reis voor te bereiden

We are going to Belgium – Parents meeting to prepare our trip.

Hoje tivemos também mais vendas, mas não deu para fazer as contas,

porque o Conselho demorou muito tempo. À tarde, mesmo na hora da

saída, havia uma carta da TAP para Leila, pedindo mais informações. Já

não tivemos tempo para responder.

Página de 45 84 Pascal Paulus

Português em contexto multilingue

Projecto sobre Cabo Verde

Um trabalho do ano letivo anterior, feito com a turma vizinha, e

que originou uma exposição para a comunidade com o título de “À

nossa volta...” abriu o apetite: fizemos uma recolha de histórias

provenientes de vários países de onde vêm algumas das crianças,

mas sobretudo de onde vêm os seus pais. Isto, porque um dos temas

em estudo se baseou na pergunta “De onde é que nós viemos?” Na al-

tura já falámos das várias ilhas de Cabo Verde, procurámos saber de

onde vieram os pais, onde ainda têm casas, às vezes ocupadas por

familiares.

Este ano, quando se colocou a questão de fazer um trabalho de

apresentação sobre Portugal, para os correspondentes, Marlene ficou

logo com a ideia de fazer uma apresentação de Cabo Verde. Gisela,

Ana Paula e Tatiana Helena juntaram-se, e acabaram por apresentar

o trabalho Cabo Verde . 8

Este trabalho, que se realizou por acaso nos fins de Abril, e para o

qual encontrámos alguma informação na Internet, fez com que o

grupo associasse com grande facilidade a revolução dos cravos com

a independência de Cabo Verde e de outros países Africanos. Lem-

braram-se muito bem da nossa visita ao Largo do Carmo, quando

fomos a Lisboa. O trabalho explicitou também alguns aspectos acerca

da língua: descobriram que Cabo Verde, tal como outros países

Africanos mantém laços com os antigos colonizadores, e que isto in-

Ver infra.8

Página de 46 84 Pascal Paulus

Português em contexto multilingue

fluenciou a escolha da língua oficial na maior parte das antigas coló-

nias.

Houve uma certa curiosidade em ver, no mapa, de onde vêem

algumas famílias, como também de encontrar lugares onde alguns

colegas já estiveram.

Marlene achou, num texto acerca de Cabo Verde, muitas infor-

mações sobre músicas, danças e festas, que, para ela, têm grande sig-

nificado, e das quais ainda não tinha visto nada escrito, até aquele

momento.

Histórias no teatro

A discussão acerca do teatro , que tem como propósito reviver os 9

4 anos que os alunos estiveram no 1º ciclo, levantou novamente a

discussão acerca do trabalho com a Embaixada da Suíça, contactada

quando aprendemos que os alunos Portugueses eram afastados das

turmas regulares em Roschbach, vila da parte Alemã do país, ale-

gadamente por não falarem Alemão . A nossa conversa acerca do 10

Crioulo, despoletada depois do início da formação Dulce Pereira,

veio mesmo no momento certo para este trecho do texto:

No fim do ano anterior, apresentámos a peça “O Olho do Lobo”, uma adaptação do livro 9de Daniel Pennac, que tem como propósito a história de vida de um Lobo do Alasca e de uma criança Africana. O sucesso fez com que aumentou o entusiasmo para escrever uma peça acerca da própria vivência do grupo na escola e na sala, retomando alguns momen-tos marcantes.Os muitos projetos e a ida à Bélgica fizeram com que não se conseguiu bem ensaiar a peça toda que tinha a duração de quase uma hora, tal como a do ano anterior. Assim, fez-se, no fim do ano letivo, uma apresentação de excertos e das canções escritas para a peça.

O trabalho está relatado no projeto de trabalho em torno dos direitos da criança, 10

disponível no arquivo eletrónico da turma.

Página de 47 84 Pascal Paulus

Português em contexto multilingue

Apresentador a: Foi então que leram no jornal...

Apresentador b: ... que na Suíça havia crianças portugueses que não podiam ficar na sala.

Criança 1: Porquê?

Criança 2: Es ka flaba Alemon!

Criança 3: What? They didn’t speak German?

Criança 4: Neen, geen Duits.

Criança 2: Nho profesor flaba pa ês: Ka sata fla Alemon, ka sata entra scola.

Apresentador c: Mas a turma não ficou quieta.

Criança 2: Temos que escrever.

Criança 3: A quem?

Coro: Aos políticos.

Apresentador a: E escreveram uma carta ao presidente e à embaixada.

Apresentador b: E depois?

Apresentador c: Olha!

Conselheiro: Recebi a vossa carta. O que aconteceu está mal! Vamos tratar disso.

Criança 4: As crianças portuguesas vão voltar para a sala?

Conselheiro: Vão. Já discutimos isso no nosso Conselho Nacional.

Coro: Conselho? Nos também temos conselho.

Conselheiro: Não é bem a mesma coisa.

Criança 3: O que é diferente?

Criança 5: No nosso conselho estamos todos

Conselheiro: E no Conselho Nacional, só estão alguns Suíços eleitos.

O teatro contemplou, este ano, também o reconto de uma história

que tínhamos na biblioteca da sala, numa versão escrita e ilustrada

por um grupo de crianças em Boston (USA). Na versão desenhada,

Nhu Lobu aparece como um lobo.

Página de 48 84 Pascal Paulus

Português em contexto multilingue

Fiel à informação de Dulce Pereira, representámos, na nossa peça,

Nhu Lobu como um Ser Qualquer “burro”, comilão, enganado pelo

sobrinho Tchibinhu. A história não foi, por tanto, original. A trans-

posição em teatro é que foi da nossa autoria . 11

Criança 3: Conta a história do Tubinhu!

Nho Lobu: Tubinho, kuzé sa ta pranta?

Tubinho: Mandioka. Nho pranta di juntu.

Nho Lobu: Si. Ami N gosta kume mandioka (virando para o público)

Ma ka gosta di trabadja.

(Tubinho afasta-se, Nho Lobu fica, finge comer a mandioca toda)

Tubinhu: Undi sta mandioka ki dja N planta?

Nho Lobu: N ngana Tubinhu. Djá N kume tudu kel mandioka!

Tubinho: N sa ta fika ku raiba! ku raiba!

(afasta-se e volta com uma corda)

Contador 4: Dos dia dispos.

Tubinhu: Nho Lobu, un tenporal grandi sata benki sta ba mata tudu kuza ki ka sta maradu.”

Nho Lobo: Mara-m primeru!

Contador 4: Tubinhu mara-l n'un arvi grandi.

Tubinhu: Nho fica li pa un tenpu.

Makaku: Ami gosta kume figu. Sa ta txeu bon.

Nho Lobu: Bota-m un figu, makaku, N tené fómi.

(o macaco manda um figo para o Nho Lobu)

Nho Lobu: Dismara-m, makaku, dismara-m.

(o macaco solta o Nho Lobu, que o pega pelo rabo e diz:)

Nho Lobu: Ami (também) ta gosta kumé makaku.

Makaku: Djuda-m, Djuda-m!

Embora não devemos ter sido os únicos a pensar em representar a história…11

Página de 49 84 Pascal Paulus

Português em contexto multilingue

Tubinhu: (chega a correr) Oh Nho Lobu, nho sabe midjor manera pa nhokume kel makaku?

Nho Lobu: No. Mi conta.

Tubinho: Nho mara-l se pé di juntu i nho bota-l pa riba.

El ta kai dentu bóka di nho.

Contador 4: Nton, Nho Lobu mara-l el bota-l pa riba.

(o macaco rola para o lado, no momento em que o Nho Lobu o atira para o ar. Este fica de boca aberta)

Tubinho: (apanha a mão do macaco) Kore, makaku, kore

Contador 4: Nho Lobu fika la tudu dia ku se bóka abértu... ta spéra pa

makaku kai dentu bóka.

Mesmo tendo introduzido um momento de leitura de contos e

histórias tradicionais do mundo, incluindo histórias portuguesas,

não consegui mobilizar os alunos de origem Africana para me traz-

erem outras histórias, eventualmente contadas em casa.

O léxico referencial em projectos e em trabalho de texto

A provocação deixada na formação para tentarmos anotar as mu-

danças no léxico referencial ao longo de uma semana de trabalho,

fez-me anotar com alguma assiduidade as observações dos alunos

acerca de novas palavras ou novas “formas de dizer”. Segue aqui

uma pequena lista, referente a duas semanas, só com as palavras e as

expressões que discuti individualmente ou em grupo, a partir das

perguntas e das observações do grupo de crianças que têm fortes

influências crioulas.

Página de 50 84 Pascal Paulus

Português em contexto multilingue

Novas palavras e estruturas gramaticais.

Aumentar e enriquecer vocabulário e ajudar os alunos para de-

senvolver capacidades para uma escrita mais complexa, foi uma das

minhas preocupações logo que comecei a trabalhar com esta turma,

no 2º ano de escolaridade. Por isso insisti em idas ao teatro, em ofici-

nas de escrita, baseados na Gramática da Fantasia e nas propostas que

desenvolvemos no quadro das nossas reflexões no seio do Movimen-

to da Escola Moderna, associação de professores da qual faço parte.

Este trabalho é constante. Uma bela amostra do ano lectivo sobre

o qual me foco aqui, é o resultado do estudo realizado por causa da

nossa visita a Lisboa, em que Ana Paula, Leila e Tatiana Helena fize-

ram um pequeno trabalho sobre Camões e Pessoa. Além de mostrar

como fizeram para perceber alguns versos dos dois poetas, também

demonstraram claramente que perceberam o sentido figurado do

Mostrengo ou do Adamastor . 12

Regra geral, a explicitação das novas aquisições é feita no momento

em que as crianças envolvidas as fizeram, no sentido de as preparar

para passar as aprendizagens para o colectivo. No caso dos trabalhos

de projetos de investigação, esta passagem ocorre depois, durante a

apresentação do projeto, quando o grupo investigador devolve ao

grupo todo as suas descobertas em função das perguntas que lhe

foram feitos.

Ruben, no seu trabalho sobre o racismo, encontrou outra faceta do

estudo das palavras e das frases: ao querer fazer um inquérito sobre

ver infra.12

Página de 51 84 Pascal Paulus

Português em contexto multilingue

atitudes racistas, entre os colegas da escola, teve que definir primeiro

– mesmo que provisório e/ou incompleto – o conceito de racismo.

Tinha que dar sentido à pergunta que colocava a todos os colegas,

que não tinham participado na discussão prévia que deu origem ao

trabalho . Por isso, depois de ler algumas definições, avançou com a 13

sua própria definição: “Racismo é dizer mal ou agredir outra pessoa,

porque tem pele diferente, cor diferente, a maneira como estuda diferente,

cara diferente, etc.”

Recordo aqui, a título de exemplo, algumas aquisições lexicais nas

semanas posteriores à sessão em Dulce Pereira nos pediu explicita-

mente a anotação das mesmas.

Semana de 15 até 19 de Abril de 2002

Trabalho Cabo Verde: Flexibilidade, iniciativa privada, rota de es-

cravos, densidade populacional, um quilómetro quadrado (km2)

Trabalho China: Hong Kong, Cantão é província da China, número de

habitantes

Trabalho Microscópio: microscópio, lentes, espelhos. O microscópio é

feito com lentes e espelhos. As partes do microscópio não são a mesma coisa

que o material de que é feito.

Trabalho América: América Central, América do Sul, América Latina.

América Latina significa América onde se fala Espanhol ou Português.

Trabalho na oficina de língua - Leitura de livros: hei-de-saber (Tia-

go), charco - lago - lagoa (Tiago, Tatiana Helena)

Trabalho na oficina de língua - Texto livre: por cima, através de.

ver notas em Intervenções em Conselho, página 61.13

Página de 52 84 Pascal Paulus

Português em contexto multilingue

Semana de 22 a 26 de Abril

Leitura de textos: Tropeçou (Tatiana Helena), invadir (Ivan: em vez

de envadir).

Leitura de histórias: Guadiana (é um rio???), sardão, ficar logrado,

ardil, cegueira (no sentido figurado).

Preparação viagem Bélgica: Formulário E111, autorização notarial.

Trabalho Cabo Verde: Pelourinho, estandarte, deportação de escravos.

Trabalho América: Cidade, província, “County”, estado.

Trabalho China: Rei, dinastia, presidente, invasor, Mongólia, muralha

(Rui compara a informação do trabalho com o filme “Mulan”).

Alguns momentos de trabalho de texto

A escrita de algumas das crianças do grupo está com marcos da

língua materna, que é o Crioulo. Outras crianças mostram menos

interferência na escrita, porque não se fala Crioulo com os adultos ou

se tem uma certa facilidade para passagem de Crioulo para Por-

tuguês e vice versa. Duas crianças que começaram a escola obri-

gatória em Londres, têm na escrita mais influências do Inglês do que

do Crioulo, embora uma delas domine bastante bem o Crioulo, mas

não como língua materna. A outra criança é bilíngue desde que

começou a falar (Francês – Português) e trilíngue a escrever (teve a

sua formação de iniciação a escrita na Inglaterra).

Como referi mais acima, o trabalho de texto obedece a rotinas, em

que identificamos erros de língua portuguesa, para depois tentar

melhorar o conteúdo do texto. Ilustro este trabalho semanal através

Página de 53 84 Pascal Paulus

Português em contexto multilingue

de dois textos de quem o Crioulo é a primeira língua. Incluí um ter-

ceiro texto, porque ilustra como apareceram alguns trechos em

Crioulo, depois de termos combinado traduzir as nossas frases para

a viagem à Bélgica em 4 línguas.

O Siricacá

Como as crianças da turma têm, em geral, poucas ideias para tex-

tos e histórias, criei com a ajuda de Guida Faria, colega e amiga de

longa data, um ficheiro de imagens que estimulam a imaginação, às

vezes acompanhadas por algumas frases, para lançar um texto. Tia-

go, que normalmente escreve histórias em que um rapaz encontra

uma rapariga e a pede em namoro, para depois se casar e ter muitos

filhos, apresentou este texto, a partir de um cartoon, representando

um dirigente futebolístico com cara de bola de futebol.

Uma das dificuldades de Tiago,

é saber quando e onde se coloca

o pronome num verbo reflexivo.

Assim escreve “que se chama-se”

deixando-me a escolha mais

apropriada: “o Pascal é que diz”.

Como Marlene, escreve “mais”

ou “maise” para exprimir “mas”.

Outra expressão frequente é

“vou conhecer ela” “vou falar a ele” “vou dar a ela”. Coloca vogais de

ligação em muitas palavras, porque ao falar, também as pronuncia:

“rapetado”, “passeare”, “giritou”.

Página de 54 84 Pascal Paulus

figura 4

Português em contexto multilingue

Este texto do Tiago fez-nos falar acerca dos verbos (que costu-

mamos identificar como elementos estruturantes da frase, quando

fazemos um trabalho de texto).

Decorrente deste texto e da discussão em torno dele, construí um

pequeno exercício com lacunas em frases que contêm pronomes e

verbos reflexivos, ora são simples, ora compostas, para ajudar a

treinar este aspeto do uso dos verbos.

Fizemos igualmente uma recolha de verbos que apresentámos no

infinitivo, no presente, no futuro e no passado. Por fim, fizemos uma

lista de palavras em que a letra -o- se pronuncia [o] e outra onde se

pronuncia [u].

No fim, o texto aparece no Jornal da Turma, nº 21, de Fevereiro de

2002:

Siricacá

Era uma vez uma Bola macho que se chamava Siricacá. Ele vivia no ginásio do Benfica. Mas um dia o Siricacá foi passear e rap-

tado por dois bandidos.

O Siricacá mordeu os dois bandidos, gritou e fugiu para casa. E o Siricacá viu uma menina e disse:

– Vou conhecê-la,

e o Siricacá e ela viveram felizes.

A polegarzinha de Marlene

Marlene está sempre à procura de algum mágico para resolver os

problemas, embora com um certo realismo. É o que ela faz também

na vida dela. Já desistiu da ideia de se tornar médica, mas continua a

querer ir mais tempo para a escola. Neste momento Marlene ainda

não sabe o que fazer, mas o trabalho custa, cada vez mais...

Página de 55 84 Pascal Paulus

Português em contexto multilingue

Assim, depois de um pe-

queno empurrão à menina

que queria ser médica, um

texto em que a fada aju-

dou a menina para se in-

screver na faculdade, é

agora a história tradi-

cional “A Polegarzinha”

que inspira para mais uma

mistura de magia e rea-

lismo.

A própria Marlene pas-

sou o texto ao computa-

dor. Procurei o que penso

serem influencias da lín-

gua materna (indico os em

negrito) no texto transcrito.

A polegarzinha.

Era uma vez uma selhora que não tilha filhas. O que ela mais quiria era

ter uma menina, mais ela não tilha marido para ter uma filha mais um

dia vaiu uma menina que disse Se queres ter uma filha taes de arranjar

um marido e ela foi tratar de arranjar um marido mas todos já era

comprometido o se não não podia ter filhos. E no dia segite a menina

foi pegutar se achou um marido e ela disse não. Então toma essa lam-

parina de persente e ela tomou-a e como estava suja ela foi lipar e de-

pois saiu de dentro da laparina um majico e o mazeco disse pede três

Página de 56 84 Pascal Paulus

figura 5

Português em contexto multilingue

desjos e ela disse quero três filhas depois de três dias ela ficou gravida de

três menina e ela deu o nome de Marlene, Paula e Tatiana.

Depois de uma primeira revisão, feita por Marlene, a turma me-

lhorou o texto em conjunto. Este trabalho foi feito a pares, havendo

quem não fale crioulo a trabalhar com quem fale crioulo. Numa

cópia do texto, cada par foi sublinhando as palavras mal escritas em

português, propondo no caderno de escrita uma lista com as

palavras corrigidas. Para o controlo final, ordenámos as palavras al-

fabeticamente, no quadro.

Apareceu: desejos, lamparina, limpar, ou, mágico, mas, perguntar, pre-

sente, queria, seguinte, senhora, tens, tinha, veio.

De seguida, tivemos a habitual discussão coletiva:

Paula: Mais está mal Pascal, é mas. Pascal: Pois, mais, é quase como dizem os Brasileiros. Marlene: Nós dizemos mas (pronuncia com um a muito aberto e um

pouco mais prolongado) Margarida: Depois de “disse” é dois pontos. Gisela: E depois um tracinho! Pascal: Onde pomos o travessão? Depois de disse, ou no início da

frase que é dita pela pessoa? Gisela: O que é que pomos Pascal? Ruben: O travessão! Tiago: O que é isso? Gisela: Aquele tracinho. Adramane: Mais à frente há mais. Pascal: Depois de “Se queres ter uma filha”, falta algo. Sérgio: Uma vírgula.

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Português em contexto multilingue

Pascal: Porquê? Sérgio: É outra parte da frase. Leila: Depois de “marido” tiramos o “e” e pomos um ponto. Margarida: E depois é letra grande! Paula: Maiúsculo! Rui: Ó Pascal, aqui está mal, há duas vezes não! Marlene: Então. Está certo. Ou se não..... não podia ter filhos. Gisela: Mas isto não dá, quando é outro que lê, não sabe que tem

que parar! Pascal: A não ser? Ruben: Como assim Pascal? Pascal: O que podemos fazer para mostrar que se tem que parar? Vários: Um ponto! Marlene: Um ponto, no meio da frase? Pascal: Espera, pode ser também uma vírgula! Marlene: Ah! Assim está bem. Paula: Todos já era comprometido... falta o “s”. Sérgio: Aqui é estava, ou não, estavam! Pascal: E ela disse: — não. Aqui, podemos pôr uma palavrinha para

não termos que pôr dois pontos e o travessão. Margarida: Ela disse .... que não! Gisela: Pascal, não é toma como presente? Paula: É melhor! Leila: Não é limpar, é limpá-la! Pascal: Em vez de saiu um mágico e o mágico disse, podemos abre-

viar. Paula: E ele disse. Sérgio: Que disse. Rui: Faltam os dois pontos e o tracinho. Ruben: Na frase seguinte também.

Página de 58 84 Pascal Paulus

Português em contexto multilingue

Pascal: Podemos dizer “três meninas, a quem deu ...”

No fim da discussão, o texto tinha este aspecto:

A polegarzinha.

Era uma vez uma senhora que não tinha filhas.

O que ela mais queria, era ter uma menina, mas ela não tinha marido,

para ter uma filha.

Um dia veio uma menina que disse:

– Se queres ter uma filha, tens de arranjar um marido.

Ela foi tratar de arranjar um marido, mas todos já estavam compro-

metidos ou se não, não podiam ter filhos.

No dia seguinte a menina foi-lhe perguntar se achou um marido e ela

disse que não.

– Então, toma essa lamparina como presente.

Ela tomou-a e, como estava suja, ela foi limpá-la e depois saiu de dentro

da lamparina um mágico que disse: – Pede três desejos.

Ela disse: Quero três filhas.

Depois de três dias, ela ficou grávida de três meninas a quem deu o

nome de Marlene, Paula e Tatiana.

O bêbado reinventado pela Paula

Ana Paula, que segue o programa de televisão Os Malucos do Riso,

mistura as anedotas que ela ouve, com o Crioulo que domina: uma

bebida torna-se um grogue, e ela pergunta-me como se chama o

Crioulo que os Alentejanos falam. Falámos sobre a diferença entre

dizer as palavras de outra maneira ou falar outra língua. Daía, ela

conclui que para escrever em Alentejano ela pode utilizar as regras de

escrita do Português. Para o Crioulo não é bem a mesma coisa. De-

pois escreve esta história aqui reproduzida.

Página de 59 84 Pascal Paulus

Português em contexto multilingue

O texto foi copiado

pela Paula, com a aju-

da da Gisela, para o

computador da sala,

depois do qual vimos

os dois algumas alter-

ações a introduzir.

Com a ajuda de

Dulce Pereira, trans-

crevo, para Paula:

O bêbado

Era uma vez um senhor que falava Alentejano. Um dia ele bebeu

3 litros e meio de Grogue. Ainda era de manhã, quando, de re-

pente, apareceu um Cabo-Verdiano que lhe disse:

- Nho sta moku. Nho sata paga 40 kontu.

- E o Alentejano respondeu:

- Ó compadre! Vossemecê não sabe! Eu não vou pagar a multa,

não senhor!

- Uf! Kuze a bo so kre dja moku. Anton sata ba presa.

- Não não! Porquê?

- Pamodi Nho staba moku e staba anda zige zage.

Página de 60 84 Pascal Paulus

figura 6

Português em contexto multilingue

- Então, compadre, eu não vou preso! Porque se me prender, também

tem que prender o mar!

- Pamodi?

- Porque está cheia de água e anda aos zigue zagues.

E o bêbado nunca ia preso porque tinha sempre razão...

O texto final apareceu no Jornal da Turma nº 23, mas ainda com

algumas alterações. Tenho uma discussão com a Ana Paula, por

causa do “Pamodi”, que ela quersubstituído por “Porquê”. Também

não concorda com o “Zigue Zague”, mas faço ver que se trata de um

compromisso entre o que se diz e o que se escreve.

Intervenções em Conselho

O Conselho é uma estrutura muito importante na sala, ao qual

atribui grande valor . Refiro-me ao Conselho como ao organismo 14

que faz a lei, e regula o trabalho, sob proposta de cada um de nós,

mas onde me reservo o direito de travar acontecimentos menos in-

teressantes, como castigos desmesurados, por exemplo.

O facto de termos prática de reuniões, em que discutimos em con-

junto os assuntos, fez perceber como trabalham os orgãos representa-

tivos do Estado. Fez também perceber a diferença entre “democracia

directa”, como na nossa turma, e a “democracia representativa”,

como na maior parte dos estados ditos democráticos.

Uma carta que recebemos da Embaixada da Suíça, que referiu ao

Conselho Nacional, provocou o clique. Depois, com as várias per-

Sobre o conselho de cooperação educativa, ver os escritos produzidos por Sérgio Niza e 14

Filomena Serralha, entre outros.

Página de 61 84 Pascal Paulus

Português em contexto multilingue

guntas já feitas a pessoas com carga política, a percepção tornou-se

ainda mais fácil.

O estudo acerca de racismo e de escravatura aparece de vez em

quando na sala de aula. Mas foi por causa de uma observação que

estava na coluna “Acho Mal”, do nosso Diário de Turma, que o Ruben

estudou o assunto de mais perto: um dia, houve uma criança negra

que chamou “macaco” a uma criança branca, esta última nascida

num país Africano. Sentiu-se muito ofendido, porque achava que o

outro o tinha insultado de “macaco” por causa da origem dele. A dis-

cussão desviou para a pergunta se se dizia “macaco” a quem era ne-

gro ou a quem tinha nascido num país Africano. Achei por bem focar

sobre o essencial, que era que me parecia que não se insultava seja

quem for com a designação de macaco, e que talvez estava aqui mais

um ingrediente de racismo. Isto iniciava uma nova discussão: podem

os negros serem racistas, ou só os brancos é que o podem ser, era a

genuína pergunta de algumas crianças Cabo-verdianas.

Foi esta pergunta que deu origem àquele trabalho acerca do

racismo, em que primeiro o próprio insultado participou mas que

depois foi desenvolvido pelo Ruben.

Para terminar este capítulo

Como referi na introdução, quis enquadrar algumas actividades

exemplares que ilustram o desenvolvimento do trabalho na minha

sala de aula e a influência que a presente formação teve nela.

Quis mostrar como integrei propostas de trabalho, feitas no âm-

bito da formação, na minha prática, com um projeto de desenvolvi-

Página de 62 84 Pascal Paulus

Português em contexto multilingue

mento curricular já definido, e como, de certo modo, o consegui.

Penso que no meu caso esta integração foi relativamente fácil, porque

parte das minhas propostas constantes do projeto curricular de tur-

ma em curso eram uma boa base para o enquadramento que Dulce

Pereira nos deu nesta ação, focada sobre a Língua Portuguesa em

Contexto Multilingue.

Em retrospectiva considero que todos nós, crianças e adulto, con-

seguimos caminhar, no sentido de viver o Crioulo, não como uma

língua secreta, de defesa contra o mundo hostil, mas como uma lín-

gua materna.

Tínhamos começado, dois anos antes, por constatar que a maior

parte da turma, professor incluído, tinha uma língua materna dife-

rente da língua oficial.

No início, as crianças resistiam muito em me “ensinar” Crioulo,

embora estavam sempre a querer saber como “isto” ou “aquilo” se

dizia em Neerlandês. Quando fazia contra-perguntas, recebia risos e

recusas, às vezes algumas palavras, ditas em tom muito baixo.

Houve uma caminhada para que as crianças percebessem que a

língua deles valia a minha língua. Mesmo assim, numa certa altura,

senti-me parado. Por mais que pedisse que alguém me ensinasse

mais sobre o Crioulo, nunca recebia efectivamente apoio.

O contributo de Dulce Pereira foi importante, no sentido que me

ajudou a fazer ver às crianças, com variadíssimos exemplos, mas so-

bretudo através de histórias, que o Crioulo é mais do que um conjun-

to de palavras insultuosas, que o insultado não entende, e por isso dá

Página de 63 84 Pascal Paulus

Português em contexto multilingue

razão para gozo, ou então uma língua que os velhos falam, mas que

não tem grande valor, por ser “antiga”.

Fiquei muito contente por ver histórias Cabo-verdianas incluído

no teatro, em Português ou em Crioulo, ao lado de outras histórias

tradicionais, também algumas Portugueses. Espero que o trabalho

daquele ano letivo, apoiado como foi por esta formação, ajudou e

ajudará os escolares de origem Cabo-verdiana em valorizar cul-

turalmente a sua língua materna. Espero que, com o trabalho desen-

volvido, todos poderemos entender que, para se valorizar plena-

mente, a cultura de um povo, seja qual for, se necessita da língua ma-

terna que a sustenta, logicamente enriquecida com palavras e in-

fluências de outras línguas.

Página de 64 84 Pascal Paulus

Trabalhos dos escolares

Racismo

Fica aqui uma cópia transcrita do trabalho publicado no sítio da

turma . 15

Autor: Ruben

Contrato: (feito em 19 11 2001)

O que já sabemos (sei): - Já sabemos que há homens fardados

com máscaras que são racistas.

- Sabemos que eles só brincam com os

brancos.

O que o grupo (eu) quer(o) saber:

- Como é que apareceu o racismo.

- Desde quando há racismo.

- Porque é que os racistas se disfarçam

com fardas.

O que a turma quer saber:

- Há lutas por causa do racismo?

- Donde vem a palavra racista?

O trabalho

1. Desde quando há racismo?

No tempo dos Gregos, os Númidas e os Lusitanos eram escravos.

Agora, em França, os Portugueses e os Argelinos “trabalham barato”.

Racismo15

Português em contexto multilingue

No tempo dos Gregos, 500 anos antes de Cristo, já havia racismo,

continua a haver agora.

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Português em contexto multilingue

2. Há luta por causa do racismo?

Os racistas dos Estados Unidos da América, são os Ku Klux Clan.

Matavam e matam e não utilizavam a justiça.

E houve um Francês que disse isto: “Aqueles a que me refiro são pre-

tos dos pés à cabeça; e têm um nariz tão achatado que é quase impossível

sentir pena deles” Foi em 1865 e ele chamava-se Montesquieu.

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Português em contexto multilingue

3. Porque é que os racistas se disfarçam?

Porque os racistas são cobardes e não mostram a cara uns aos out-

ros. Estas informações, encontrei-as no livro O racismo contado às cri-

anças, de Georges Jean.

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Português em contexto multilingue

4. De onde vem a palavra racismo?

No dicionário da Porto Editora, encontrei:

Substantivo masculino

Pensamento que afirma a superioridade de certas raças e nela assenta o

direito de dominar ou mesmo fazer desaparecer as outras.

A palavra vem de raça + ismo, ou do francês racismo

Descobrimos, numa página na internet, dum senhor que se chama

Pedro Sette Câmara:

“Pela palavra racismo entendemos, ou entendíamos, a discriminação

segundo a raça.

No entanto, hoje, os brancos tem a primeira escolha do racismo.” 16

Perguntamos a todos na escola de dizer se já sentiram o racismo,

que definimos assim:

“Racismo é dizer mal ou agredir outra pessoa, porque tem pele diferente,

cor diferente, a maneira como estuda diferente, cara diferente, etc.”

O gráfico (ver página seguinte) mostra o resultado da nossa per-

gunta. As turmas A e B são primeiros anos, C, D e E são 2ºs anos, F, G

e H são 3ºs anos e as outras são 4ºs anos.

Nós gostávamos de saber o que pensam sobre o racismo. Alguém

quer fazer um comentário?

Acerca dos resultados apresentados no gráfico, Ruben observava

que os colegas dos primeiros anos ou não tinham percebido a

Significa que, embora a discriminação é de uma raça para outra, na prática, actualmente 16

normalmente são os brancos que discriminam em primeiro lugar os outros? É outra forma de colocar a pergunta de algumas crianças no Conselho.

Página de 69 84 Pascal Paulus

Português em contexto multilingue

definição, ou ainda não tinham sentido na pele o que os mais velhos

sentem.

Na discussão que tivemos na sala, quando o Ruben apresentou o

projecto, falámos: - dos Gregos que tinham uma lenda em que explicam que as pes-

soas de África são brancos queimados pelo sol; - que os narizes têm formas diferentes por causa do clima onde as

pessoas vivem; - que a cor da pele tem a ver com a produção de melanina

(sabíamos isso do projeto sobre os problemas da natureza do ano

anterior); - que nem todos os racistas Americanos são do Ku Klux Clan, que

há muitos Americanos que não são racistas e que o Ku Klux Clan

ainda existe;

Página de 70 84 Pascal Paulus

Português em contexto multilingue

- que há muitos meninos na escola (109 em 240!) que já sentiram o

racismo.

Cabo Verde

Autoras: Ana Paula, Gisela,

Marlene, Tatiana Helena

Contrato: 09 de Abril de 2002

O que já sabemos:

- Já sabemos que Cabo Verde

tem 9 ilhas e que se criou por

um vulcão.

O que o grupo quer saber:

- Quem descobriu as ilhas.

- Quem deu o nome Cabo

Verde e porquê.

- A história de Cabo Verde.

- Escrever uma história escrevendo em palavras de Cabo Verde.

O que a turma quer saber:

- Quantas pessoas existem em Cabo Verde.

- Quais são as festas tradicionais em Cabo Verde.

- Quantas origens há no povo de Cabo Verde.

- Quantas pessoas vieram para Portugal.

- Quantas crianças trabalham para sustentar os pais?

- Há escravos em Cabo Verde?

- Porque é que falam Português em Cabo Verde?

Página de 71 84 Pascal Paulus

Português em contexto multilingue

O trabalho: o que descobrimos.

1. Onde fica Cabo Verde?

� �

Fica em frente à Costa Africana

2. Quantas ilhas tem Cabo Verde?

A maior ilha de Cabo Verde é Santiago, a mais pequena é Santa

Luzia. Tem ao todo 10 ilhas.

As ilhas da maior para a mais pequena

Santiago 992 km2 Maio 267 km2

Santo Antão 754 km2 São Vicente 228 km2

Boavista 622 km2 Sal 215 km2

Fogo 477 km2 Brava 65 km2

São Nicolau 342 km2 Santa Luzia 34 km2

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Português em contexto multilingue

3. As 10 ilhas.

! ! !

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Português em contexto multilingue

A bandeira tem 10 estrelas, pensamos que é uma para cada ilha.

! !

!!

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Página de 74 84 Pascal Paulus

Português em contexto multilingue

Ligações marítimas

!

Marítimo S Antão S Vicente S Nicolau Santiago Brava Fogo Boavista Maio Sal S Luzia

S Antão sim não não não não não não não

S Vicente sim sim sim não sim não não não

S Nicolau não sim não não não não não sim

Santiago não sim não não sim sim sim sim

Brava não não não não sim não não não

Fogo não sim não sim sim não não não

Boavista não não não sim não não não sim

Maio não não não sim não não não não

Sal não não sim sim não não sim não

S Luzia

Página de 75 84 Pascal Paulus

Português em contexto multilingue

Ligações aéreas

!

Aéreo S Antão S Vicente S Nicolau Santiago Brava Fogo Boavista Maio Sal S Luzia

S Antão sim não sim não não não não não

S Vicente sim sim sim não não não não não

S Nicolau não sim sim sim não não não sim

Santiago sim sim sim não sim sim sim sim

Brava não não não não não não não não

Fogo sim sim não sim não não não não

Boavista não não não sim não não sim sim

Maio não não não sim não não sim não

Sal não não sim sim não não sim não

S Luzia

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Português em contexto multilingue

4. A população:

341.607 habitantes

Mulatos, Negros, e uma minoria branca.

Português é a língua oficial, o Crioulo é a língua nacional, baseado

no Português antigo e o Africano.

5. A história de Cabo Verde

As ilhas não eram habitadas,

quando foram descobertas.

Por causa do sítio onde estavam

no oceano, os Portugueses uti-

lizaram-nas como entreposto de

escravos.

No dia 1 de Maio de 1460, o

António de Noli e Diogo de

G o m e s e n c o n t r a r a m a

primeira ilha. Inventaram o

nome de Santiago, porque no

dia 1 de Maio era festejado

esse santo. Esses descobri-

dores encontraram a ilha do Fogo, de Maio, do Sal, da Boavista.

Diogo Afonso e Dom Fernando encontraram as outras ilhas em 1461

e 1462.

Página de 77 84 Pascal Paulus

Português em contexto multilingue

O s P o r t u g u e s e s

mandavam escravos

de Serra Leoa, da

Guiné, da Gâmbia,

do Senegal, para

Santiago.

De Santiago man-

davam os escravos

para a América do

Sul.

Agora já não há es-

cravos em Cabo Verde.

No dia 25 de Abril de 1974, o governo Português foi afastado e os

militares de Abril começaram a libertação das colónias.

Em Cabo Verde, houve eleições

para a Assembleia Nacional

popular. Em 5 de Julho de 1975,

Cabo Verde é um país indepen-

dente.

Em Dezembro de 1985, em Cabo

Verde, torna-se mais fácil fazer

a lgumas co i sas por conta

própria.

Em Fevereiro de 1990, Cabo

Verde tornou-se um estado com muitos partidos.

Página de 78 84 Pascal Paulus

Português em contexto multilingue

Em 17 de Fevereiro de 1991, António Marcarenhos Monteiro vence as

eleições presidenciais.

6. Porque é que falam Português em Cabo Verde?

Durante o século XIX os estados

Europeus ainda mandavam em

África.

Quando os países Africanos

ficaram independentes, faziam

ligações com os países Europeus.

Cabo Verde tinha ligação com os

Portugueses e continuou a falar

Português.

Festas tradicionais: San Jon, Tabanca, Pilão, Bandeira

Dois poetas

No quadro de um trabalho colecti-

vo, Ana Paula, Leila, e Tatiana He-

lena juntaram:

Página de 79 84 Pascal Paulus

Português em contexto multilingue

Na praça Luís de Camões, está o Luís de Camões

Quando vamos ao Café “a Brasileira”, no Largo do Chiado, vemos o

Fernando Pessoa.

Em frente do Fernando Pessoa, está a estátua do Chiado.

A vida de Luís Vaz de Camões

Luís de Camões nasceu por volta de 1524

ou 1525, provavelmente em Lisboa.

Em 1553 a casa real dá-o como “cavaleiro

fidalgo”.

Em 1548 perde o olho direito numa luta de

espada contra os Mouros.

Regressa a Lisboa em 1551.

Numa briga, em 1552, fere um funcionário

da Cavalaria Real e é preso.

É libertado em 1553 e embarca para o Ori-

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ente.

Em 1554 parte para Goa.

É preso por dívidas não pagas em 1562.

Em 1570, volta para Lisboa e em 1572 sai a primeira publicação d’Os

Lusíadas.

Morre em 1579 ou 1580 de peste.

Durante toda a sua vida, o Luís de Camões teve sempre muitas

paixões.

A vida de Fernando Pessoa.

Nasceu em 13 de Junho de 1888 em Lisboa.

Em 1896, circunstâncias de família (a mãe

casa de novo com o homem português que

representa Portugal na África do Sul), lev-

am o menino Fernando, com apenas 8 anos

a viver e estudar em Durban, na colónia de

Natal. Fica lá até ter 17 anos.

É portanto nesse período vivido fora de

Portugal que Fernando Pessoa tem a sua

formação na língua e no pensamento inglês.

Mesmo assim, nunca deixa de se sentir

muito Português.

Os primeiros poemas que publica em livro são em Inglês, no livro

Antinous 1918 (escrito em 1915).

É também neste período que escreve textos de filosofia (1906-1916).

O primeiro texto publicado é “Águia”, em 1912.

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Gigantes que metem medo.

Descobrimos : 17

O Homero fala do Ciclope Polifemo.

O Luís de Camões fala do Adamastor.

O Fernando Pessoa fala do Mostrengo.

Os três são gigantes inventados que metem medo aos marinheiros.

Com o livro “Ulisses” de Maria Alberta Menézes e “Primeiro livro de Poesia” com uma 17

selecção de Sophia de Mello Breyner Andresen

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Dois poemas

Ana Paula copiou um poema de Camões, e outro de Pessoa, que

copiamos aqui com a explicação das palavras que não percebíamos e

que Ana Paula procurou no dicionário com a ajuda do Pascal:

De Luís de Camões: O que não percebi O que encontrei

Descalça vai pera a fonte Lianor pela verdura; Vai fermosa e não segura. Leva na cabeça o pote O testo nas mãos de prata, Cinta de fina escarlata, Sainho de chamalote; Traz a vasquinha de cote, Mais branca que a neve pura. Vai fermosa e não segura

Descobre a touca a garganta, Cabelos de ouro entrançado, Fita de cor de encarnado, Tão linda que o mundo espanta. Chove nela graça tanta, Que dá graça à fermosura. Vai fermosa e não segura

Lianor Vai pela Fermosa

Escarlata Sainho

Chamalote

vasquinha de cote

Nome de pessoa Vai para Bela

Tecido de cor vermelho

Saia antiga de lã de camelo ou lã e seda

casaco de mulher de uso do dia a dia.

De Fernando Pessoa: O que não percebi O que encontrei

O mostrengo que está no fim do mar Na noite de breu ergueu-se a voar; À roda da nau voou três vezes, Voou três vezes a chiar, E disse, “Quem é que ousou entrar Nas minhas cavernas que não desvendo, Meus tectos negros do fim do mundo?” E o homem do leme disse, tremendo, “El-Rei D. João Segundo!”

“De quem são as velas onde me roço? De quem as quilhas que vejo e ouço?” Disse o mostrengo, e rodou três vezes. Três vezes rodou imundo e grosso, “Quem vem poder o que eu só posso, Que moro onde nunca ninguém me visse E escorro os medos do mar sem fundo?” E o homem do leme tremeu, e disse, “El-Rei D. João Segundo!”

ergueu-se de breu

chiar

desvendo

roço (roçar) quilha

imundo

escorro

levantou-se muito escuro

gritar com som agudo mostro

cortar ou esfregar uma peça forte e comprida no casco do barco obsceno, grosseiro

corre, escoa.

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O autor

Pascal Paulus (1957) formou-se como professor de ensino primário na Bélgica e doutorou em Sociologia de Educação no Instituto de Educação da Universidade de Lisboa

Foi co-fundador da escola “de Appeltuin”, orientada pela pedagogia institucional de Fernand Oury. Instala-se em Portugal em 1986, onde tem desenvolvido projetos de tra-balho como sócio ativo do Movimento da Escola Moderna, primeiro como professor de ensino primário e coordenador pedagógico, posteriormente na educação de adultos.

É desde 2008 consultor em educação.