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TRABALHO E CONSUMO NO CIRCUITO INFERIOR DA ECONOMIA URBANA DO BAIRRO ROBERTO CORREIA DE ARAÚJO EM UNIÃO DOS PALMARES AL Silmara Lopes de Souza Universidade Federal do Rio Grande do Norte [email protected] GT7: TRABALHO, FLEXIBILIZAÇÃO E PRECARIZAÇÃO RESUMO Este trabalho objetiva analisar a dinâmica e organização do circuito inferior da economia urbana no bairro Roberto Correia de Araújo em União dos Palmares AL, atrelado à análise do trabalho e consumo no mesmo. Utilizaram-se como recursos metodológicos as pesquisas bibliográfica e documental, o levantamento de dados, além da aplicação de formulários junto aos agentes do circuito inferior, funcionários e clientes. Tendo como teoria norteadora a dos dois circuitos da economia urbana desenvolvida pelo professor Milton Santos, a partir de uma abordagem dialética. O bairro Roberto Correia de Araújo se apresenta como um subcentro comercial dinâmico, materializado, sobretudo, em pequenos estabelecimentos de comércio e serviços, responsáveis por gerar emprego e renda para grande parte da população pobre, alijada das atividades do circuito superior, e por atender também as demandas da população dos bairros vizinhos. PALAVRAS-CHAVE: Circuito Inferior. Comércio. Economia urbana. INTRODUÇÃO O trabalho ora exposto tem como proposição principal analisar a dinâmica e a organização do circuito inferior da economia urbana no bairro Roberto Correia de Araújo em União dos Palmares AL, fazendo uso da teoria dos dois circuitos proposta por Milton Santos em meados da década de 1970, desenvolvendo-se uma análise acerca da atuação dos agentes e das atividades desenvolvidas no bairro e tem sua importância do papel do circuito inferior na vida da população pobre e como esse circuito está interligado à economia local.

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TRABALHO E CONSUMO NO CIRCUITO INFERIOR DA ECONOMIA URBANA

DO BAIRRO ROBERTO CORREIA DE ARAÚJO EM UNIÃO DOS PALMARES –

AL

Silmara Lopes de Souza

Universidade Federal do Rio Grande do Norte

[email protected]

GT7: TRABALHO, FLEXIBILIZAÇÃO E PRECARIZAÇÃO

RESUMO

Este trabalho objetiva analisar a dinâmica e organização do circuito inferior da economia

urbana no bairro Roberto Correia de Araújo em União dos Palmares – AL, atrelado à análise

do trabalho e consumo no mesmo. Utilizaram-se como recursos metodológicos as pesquisas

bibliográfica e documental, o levantamento de dados, além da aplicação de formulários junto

aos agentes do circuito inferior, funcionários e clientes. Tendo como teoria norteadora a dos

dois circuitos da economia urbana desenvolvida pelo professor Milton Santos, a partir de uma

abordagem dialética. O bairro Roberto Correia de Araújo se apresenta como um subcentro

comercial dinâmico, materializado, sobretudo, em pequenos estabelecimentos de comércio e

serviços, responsáveis por gerar emprego e renda para grande parte da população pobre,

alijada das atividades do circuito superior, e por atender também as demandas da população

dos bairros vizinhos.

PALAVRAS-CHAVE: Circuito Inferior. Comércio. Economia urbana.

INTRODUÇÃO

O trabalho ora exposto tem como proposição principal analisar a dinâmica e a

organização do circuito inferior da economia urbana no bairro Roberto Correia de Araújo em

União dos Palmares – AL, fazendo uso da teoria dos dois circuitos proposta por Milton Santos

em meados da década de 1970, desenvolvendo-se uma análise acerca da atuação dos agentes e

das atividades desenvolvidas no bairro e tem sua importância do papel do circuito inferior na

vida da população pobre e como esse circuito está interligado à economia local.

A análise parte da inquietação em compreender a dinâmica comercial do bairro, na

atuação dos pequenos agentes do circuito inferior, dos elementos voltados ao trabalho, à

oferta de ocupações, além do consumo e os impactos disto para a economia local. Buscou-se

apreender os principais aspectos que caracterizam o bairro e a forma como este se reflete na

configuração territorial da cidade de União dos Palmares – AL.

As reflexões convidam o leitor a perceber a importância da teoria, e em especial o

circuito inferior, para analisar as cidades de países subdesenvolvidos. As análises aqui

presentes expressam a organização dos agentes e o cotidiano dos que dependem do comércio

local para suprir suas necessidades de trabalho e consumo. O trabalho esta dividido em três

partes; a primeira apresenta breves considerações acerca da teoria dos dois circuitos da

economia urbana na atualidade, a segunda expõe à configuração territorial de União dos

Palmares-AL e por último, aspectos voltados aos resultados da pesquisa no bairro.

1. BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE OS DOIS CIRCUITOS DA ECONOMIA

URBANA NO PERÍDO ATUAL

Os primeiros escritos acerca da teoria dos dois circuitos datam de meados dos anos de

1970 e é na obra “Les Villes Du Tiers Monde” de 1971 que Milton Santos se dedica de fato a

teoria, evidenciando a existência “de dois circuitos da economia urbana nos países

subdesenvolvidos resultantes da penetração das inovações nesses países [...]”

(MONTENEGRO, 2012, p. 154).

Os circuitos superior e inferior são os dois subsistemas dentro do sistema maior da

economia urbana. A cidade vive uma transformação estrutural que trouxe modificações nas

formas de trabalho e ação, logo, já não pode ser estudada de forma integral (SANTOS, 2009),

portanto, faz-se necessária esta subdivisão para melhor compreender os aspectos que

caracterizam a economia das cidades e o processo de urbanização das mesmas.

Um circuito moderno chamado de superior, formado por atividades com alto grau de

tecnologia e capital; e, um circuito menos modernizado, o inferior, constituído a partir de

atividades que interessam e envolvem principalmente a população pobre dos países

subdesenvolvidos. Os dois circuitos são, portanto, contrários, mas vale ressaltar que são

igualmente complementares. É importante ainda salientar a dependência do circuito inferior

para com o superior.

O circuito superior é constituído pelo comércio e indústria de exportação, indústria

moderna, serviços modernos, atacadistas e bancos; é consequência direta da modernização no

território. O circuito inferior é formado por serviços não modernos ofertados a varejo,

comércio de pequena dimensão não moderno e formas de fabricação não capital intensivo

voltados à população pobre; é resultado indireto da modernização (SANTOS, 2008).

É fundamental para compreender a dinâmica dos dois circuitos e suas relações entre si

observar três variáveis, quais sejam: o grau de tecnologia implantado nas atividades, as

formas de organização e o capital empregado. E através desta observação, torna-se mais fácil

a tentativa de identificar a que circuito pertence determinada atividade.

As transformações nas estruturas econômicas, políticas e sociais se intensificam e

vivemos cada vez mais o tempo da informática, da pressa, da simultaneidade, das instituições

e empresas globais, daquilo que Santos chamou de “globalização como perversidade” (2011,

p. 13). Com o forte desemprego e pobreza frente à disparidade de renda cada vez maior, este

período traz variáveis que são determinantes para sua compreensão e, consequentemente, para

o entendimento dos circuitos da economia urbana hoje.

A partir disto é possível dizer que na divisão do trabalho atual a informação é o motor,

aliada à ciência, técnica, consumo, finanças e publicidade como variáveis-chave da

globalização (MONTENEGRO, 2011). Saliente-se que a divisão do trabalho em cada lugar se

dá de maneira diferente podendo coexistir com as anteriores. Compreendendo estas variáveis

como reflexo contundente deste momento de intensa transformação das relações econômicas,

políticas e sociais torna-se factível o entendimento da renovação dos circuitos e as mudanças

intensas na economia popular.

O aumento do consumo e o fácil acesso a mecanismos de crédito por parte da

população pobre está ligado diretamente a ambos os circuitos. Os agentes do circuito inferior

procuram sempre se reinventar para atender as demandas deste mercado que cada vez mais se

diversifica. Por outro lado, o circuito superior hoje, através da financeirização, está cada vez

mais empenhado em criar formas de incorporação da população pobre no seu campo de

atuação. As redes de atacado, por exemplo, incentivam a aquisição dos seus cartões em

associação aos grandes sistemas bancários para atingir de forma mais concreta este mercado

consumidor. Acrescente-se ainda o uso de uma propaganda requintada que traz em seu bojo

um forte apelo ao consumo imediato por parte desta parcela da população, assim, o circuito

superior passou a tomar parte de um mercado que antes era voltado apenas ao circuito inferior

(MONTENEGRO, 2011).

Os novos fluxos migratórios também são importantes para compreender os dois

circuitos da economia urbana no período atual, pois se têm, a despeito do circuito superior,

uma mão de obra estrangeira e qualificada, ainda que temporária, que vai efetuar ações

permitindo cada vez mais a expansão da técnica. Em contrapartida, vê-se um conjunto de mão

de obra nacional e estrangeira sem qualificação que se refugia no circuito inferior das

metrópoles; e isto é hoje ainda mais complexo “[...] pela chegada de imigrantes qualificados

que, malgrado seu status de refugiados políticos, amiúde passam a engrossar o circuito

inferior”. (SILVEIRA, 2015, p. 159).

A relação entre os dois circuitos da economia urbana se dá de forma cada vez mais

complexa no período atual perante todas as transformações que o período técnico-científico-

informacional trouxe a cidades de países subdesenvolvidos, diante das variáveis que

reestruturam a economia e trazem novos elementos a divisão territorial do trabalho, assim,

segundo Silveira,

Nesse retrato de novas quantidades e qualidades, vemos ações no circuito inferior

que se consolidam perante as novas ações dos agentes do circuito superior. A

divisão social do trabalho torna-se mais espessa, ao passo que cresce a imitação da

produção e do consumo dos produtos e serviços oferecidos pelo circuito superior.

(2015, p. 166).

Para se reinventar constantemente o circuito inferior passa a utilizar-se das novas

tecnologias que são marca do período atual. O acesso maior aos mecanismos de informática, o

uso do telefone celular, computador, “maquininha” de cartão de crédito, sistemas de

segurança etc., é um elemento de renovação desse circuito no período da globalização, assim

para Montenegro,

[...] o circuito inferior continua a fazer uso de tecnologias obsoletas ou tradicionais;

mas, por outro lado, no período atual, amplia-se a possibilidade do uso de técnicas

relativamente modernas, embora os objetos que chegam a este circuito já se

encontrem relativamente “superados” pela produção acelerada de novos objetos e

pela obsolescência planejada do circuito superior. (2013, p. 39).

Devido o acesso dos agentes as novas tecnologias do período atual é preciso uma

redefinição do circuito inferior hoje, mas é importante frisar que Milton Santos já havia dito

que esse circuito “[...] está em processo de transformação e adaptação permanente [...]” (2008,

p. 39), assim segundo Montenegro o circuito inferior compreende as “[...] atividades pouco

capitalizadas que apresentam um menor grau de tecnologia, mas não sua ausência completa”.

(2011, p. 28).

Santos (2008, p. 43) diz que a tecnologia do circuito superior é “capital intensivo”, e

com isto a oferta de empregos é menor se comparada ao circuito inferior, pois a mecanização

e o auto grau de tecnologia implantado nas atividades reduz o número de mão de obra e exige

que esta seja ainda mais qualificada e hoje isto se intensifica cada vez mais, pois “[...] a

tecnificação contemporânea e as novas formas organizacionais levam a uma menor demanda

de trabalho nas grandes corporações”. (SILVEIRA, 2015, p. 158).

Os dois circuitos da economia urbana se manifestam de forma diferente em cada lugar

a partir da divisão territorial do trabalho existente combinado a divisões anteriores que ainda

permanecem. Cada lugar vai receber as atividades de forma diferenciada, principalmente as

do circuito inferior que mantém vínculo em termos de organização a depender das demandas

existentes em cada sociedade. Os circuitos mantêm relações inegáveis um com o outro, de

complementaridade, mas o inferior continua ainda subordinado ao superior e no atual período

ainda mais frente à necessidade de crédito, de produtos, do sistema bancário e financeiro e do

acesso às novas tecnologias que são produzidas no superior.

2. CONFIGURAÇÃO TERRITORIAL DA CIDADE DE UNIÃO DOS PALMARES

O município de União dos Palmares está localizado no Estado de Alagoas, em sua

porção norte, numa área territorial de 420,744 Km² (IBGE, 2010). Fundado em 1831 como

vila, sendo considerada cidade somente a partir de 1890. União dos Palmares se localiza na

mesorregião do leste alagoano e é o principal município da microrregião Serrana dos

Quilombos.

União dos Palmares contava com uma população de 62.358 em 2010 (IBGE, 2010) e

estimativa de 66.255 habitantes em 2016 (IBGE, 2017) distribuídos principalmente na sede do

município e nos distritos de Rocha Cavalcante e de Timbó. A população de União dos

Palmares é atualmente predominantemente urbana. Cerca de 76,4% da população reside na

cidade, enquanto que 23,6% no campo (IBGE, 2010).

A população economicamente ativa-PEA de União dos Palmares é 32.675 habitantes

em 2010, o que corresponde ao percentual de 52,4% do total da população (PERFIL

MUNICIPAL, 2015) se encontra empregada principalmente no setor de serviços e comércio,

em seguida indústria e agropecuária empregam a população palmarina.

O Produto Interno Bruto-PIB é um elemento que revela parte da dinâmica econômica

de União dos Palmares. De acordo com o Perfil Municipal (2015) com base em dados do

Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística-IBGE e da Secretaria de Planejamento e

Desenvolvimento do Estado de Alagoas-SEPLANDE, a participação por setor de atividade no

valor adicionado total do PIB municipal em 2012, compreendia 66,23% de participação do

setor de serviços e comércio, 29,91% da indústria e 12,86% da agropecuária. É importante

lembrar ainda que, União dos Palmares tem relevante participação no PIB estadual,

correspondendo a 1,89% no PIB de Alagoas (SEPLANDE, 2011), situando-se em 6º lugar no

ranking dos maiores municípios do estado.

Referente ao mercado de trabalho palmarino, as ocupações em empregos formais têm

se concentrado no setor de comércio e serviços com queda visível na indústria (Tabela 01).

Hoje é possível perceber que estes dois setores são os que mais têm se desenvolvido e

oferecido postos de trabalho para a população palmarina, que carece cada vez mais de formas

de sobrevivência.

Tabela 01- Número de Pessoas com Ocupações Formais

Atividades Econômicas 2011 2012 2013

Agropecuária

Comércio

Construção Civil

Indústria

Serviços

Total

462

1.343

1.353

3.696

2.604

9.458

438

1.323

450

2.402

1.968

6.581

455

1.418

120

1.721

2.885

6.599

Fonte: Silva e Lima (2015, p. 51).

A economia de União dos Palmares, como já visto, está sustentada principalmente no

setor de serviços, que em 2009 apresentou um valor de R$ 229,09 milhões, o 5º colocado

entre os municípios Alagoanos (SEPLANDE, 2011), destacando-se os subsetores de

comércio, administração pública e manutenção. No setor industrial, União dos Palmares

ocupava o 7º lugar no ranking dos municípios, com um valor agregado de R$ 91,52 milhões

em 2009 (SEPLANDE, 2011).

Em União dos Palmares, o Índice de Gini é de 0,53 (Atlas do Desenvolvimento

Humano, 2013), número utilizado para medir o grau de concentração de renda de uma dada

população, demostrando a diferença entre os rendimentos dos mais pobres em relação aos dos

mais ricos. Este índice é calculado se considerando um número entre 0 e 1, de forma que

quanto mais perto de 0 mais há igualdade e quanto mais perto de 1 mais há desigualdade. É

possível perceber na tabela a seguir que de 1991 até 2010 houve algumas mudanças na

concentração de renda em União dos Palmares, ressalte-se que os 20% mais ricos contam com

mais da metade da renda, cerca de 56,88%, e os 80% mais pobres detém 43,12% da renda no

ano de 2010. A concentração de renda apesar de ter diminuído, ainda é altíssima no município

e se reflete nas condições de vida dos mais pobres.

Analisando o IDH de União dos Palmares e dos municípios da microrregião ao qual

ele faz parte, a saber, Microrregião Serrana dos Quilombos composta pelos municípios de

Branquinha, Colônia de Leopoldina, Ibateguara, Murici, São José da Laje e Santana do

Mundaú, é possível perceber que existe uma variação média entre 0,513 e 0,593, e que União

dos Palmares possui o mais elevado índice de desenvolvimento da região.

O número de micro e pequenas empresas ativas em União dos Palmares chegam

atualmente a 3.049, o que é bastante considerável quando comparado à escala do Estado de

Alagoas que chega a 142.014 e no Brasil a 014.842.383 (Empresômetro MPE, 2015),

evidenciando a importância que este tipo de empresa tem para a economia local, visto que

emprega um número considerável de trabalhadores.

União dos Palmares têm destaque na região a recebe consumidores dos municípios

vizinhos, pois a dinâmica do comércio local é um atrativo, devido à variedade de

estabelecimentos, além dos serviços ofertados em termos bancários, de assistência à saúde e

etc. Ademais do centro, o bairro Roberto Correia de Araújo apresenta-se com um comércio

importante para sua população e também para a cidade.

3. DINÂMICA E ORGANIZAÇÃO DO CIRCUITO INFERIOR DA ECONOMIA

URBANA NO BAIRRO ROBERTO CORREIA DE ARAÚJO

O bairro se localiza “[...] na parte norte da cidade com uma população de

aproximadamente 8.516 habitantes, contabilizando um total de 2.692 residências [...]”

(FERREIRA; MARQUES, 2010, p. 40), é o maior da cidade em população e extensão

territorial, além de ser considerado periférico e desprovido de infraestruturas essências à sua

população tais como, pavimentação geral, rede de esgoto e iluminação pública total, etc. A

Avenida João Lyra Filho, principal do bairro, é a mais importante entrada para a cidade de

União dos Palmares, além disto, o mesmo fica as margens da BR 104 que liga Pernambuco e

Alagoas.

As atividades do circuito inferior no bairro se distribuem principalmente entre as ruas

José Hortêncio de Souza e Lindolfo Gomes Cabral. Estas são as ruas que comportam a feira

livre do bairro que acontece aos domingos, além da Avenida João Lyra Filho. Merece

destaque também as ruas Universitário Alonso Costa Filho e Fábio Correia Viana que

possuem também alguns estabelecimentos comerciais.

Através da aplicação de formulários junto aos donos de estabelecimentos do bairro,

funcionários e clientes foi possível compreender algumas características que comprovam

aspectos da teoria exposta. Características que se manifestam nas formas, nas estruturas

comerciais e no convívio diário de quem reside e trabalha no bairro. Foram identificados

cerca de 200 estabelecimentos distribuídos nas ruas do bairro (exceto Rua Amélia Mendonça),

e é possível encontrar uma grande variedade de tipos de serviços, estabelecimentos e de oferta

de produtos. Deste total foram estudados sessenta e sete por meio dos formulários.

Há no bairro considerável quantidade de serviços para automóveis e motocicletas,

totalizando trinta e quatro. Isto provavelmente se deve ao fato de o bairro margear a BR-104 e

ser uma das entradas da cidade. A Rua Maria Carmelita da Silva, por exemplo, localizada as

margens da BR possui apenas atividades voltadas ao conserto de carros e afins. Os agentes do

circuito inferior conseguem se organizar e desenvolver atividades em locais estratégicos

usando o território a seu favor, levando em consideração as demandas locais; eles usam o

meio construído e com baixa valorização para afirmarem suas atividades e ofertar os serviços

àquela população (MONTENEGRO, 2006). As atividades voltadas para o ramo alimentício

também são predominantes no bairro. Supermercados, mercadinhos e lanchonetes tem um

número considerável, este é um tipo de comércio e serviço que é bastante procurado pela

população em geral, logo, em quase todas as ruas eles estão presentes.

A maioria dos donos de estabelecimentos ouvidos não possuem outras atividades

remuneradas (cinquenta). Quando perguntados por que resolveram trabalhar com aquela

atividade, as respostas mais recorrentes foram: para ter o próprio negócio, porque estavam

desempregados, para aumentar a renda e para continuar num negócio da família. Isto

evidencia o quanto os agentes apostam nas atividades que desenvolvem e o quão importante o

circuito inferior é para eles, funcionando como saída para situações cotidianas da população

pobre.

No que diz respeito à quantidade de dias de expediente, trinta e cinco estabelecimentos

abrem todos os dias da semana, pois aos domingos acontece a feira. Os estabelecimentos que

se localizam nas ruas que comportam a feira e outras próximas são os que abrem regularmente

aos domingos. A feira (foto 01) tem um papel importante para economia do bairro gerando

outras fontes de renda e contribuindo para o aumento das vendas nas casas de comércio

próximas.

Foto 01: Feira livre do bairro Roberto Correia de Araújo

Foto: Joanna Lourenço, 2016.

Quanto aos consumidores foram aplicados apenas quinze formulários, pois não se

optou por rigor estatístico. Doze vão fazer suas compras aos domingos e três em outros dias.

Isto provavelmente se deve ao fato de, como aqui já foi citado, a feira ocorrer neste dia, logo,

muitos aproveitam para comprar nela e nos pequenos comércios locais. Eles dizem que vão

aos estabelecimentos do circuito inferior em busca principalmente de alimentos, material de

limpeza e serviços em geral. A maioria afirmou fazer as compras mensais nos supermercados

locais, característica que permite falar da força do circuito inferior no bairro e da colaboração

das atividades na manutenção das famílias locais e mesmo as de outras localidades.

Quanto à renda familiar dos consumidores do circuito inferior, dos 15 (quinze)

ouvidos, a maioria possui apenas um salário mínimo (08 entrevistados), evidenciando que as

condições financeiras dos consumidores não são elevadas, o que leva a população a procurar

as atividades do circuito inferior que oferecem vários produtos e serviços a preços acessíveis.

A maior parte dos clientes ao avaliar o comércio do bairro expôs que este pode ser

considerado bom, como se pode observar no gráfico (01). Informalmente muitos comentaram

que conseguem encontrar a maior parte das coisas que necessitam e que as melhorias

dependem, na maioria das vezes, do poder público. A população demonstra reconhecer os

benefícios do circuito inferior que lhes fornece muitos produtos.

Gráfico 01: Avaliação dos clientes acerca do comércio do bairro

Elaborado pela autora. Fonte: Trabalho de campo, 2015.

Os estabelecimentos abrem em média entre as 06 e 08 horas e fecham entre as 17 e 19

horas. O que compreende uma jornada de trabalho média de 12 horas diárias tanto para os

proprietários quanto para os funcionários do circuito inferior. Esta é, portanto, uma das

características principais do circuito inferior, o trabalho intensivo (SANTOS, 2008).

Dos 67 (sessenta e sete) proprietários de estabelecimentos entrevistados, 23 (vinte e

três) não possuem funcionários e trabalham sozinhos no negócio, logo, a maioria 44 (quarenta

e quatro) têm funcionários. Desses donos de estabelecimentos que têm funcionários, quase a

totalidade dos estabelecimentos, cerca de 81,81% (trinta e seis) possui ao menos 01

trabalhador que é da família, isso prova o que sustenta a teoria dos circuitos quanto à presença

mão de obra familiar na dinâmica das atividades do circuito inferior. É importante frisar que

apesar de o número de ocupações por comércio ou atividade ser baixo, a grande quantidade

destes estabelecimentos causa um efeito de recompensa no mercado de trabalho

(MONTENEGRO, 2006).

Outro elemento a se pontuar é que metade dos trabalhadores não tem carteira assinada

e nunca trabalhou com carteira assinada antes. Acreditamos que tal realidade não ocorra

apenas no bairro, mas também em toda a cidade de União dos Palmares. Há uma falta de

seguridade e proteção para aqueles que fornecem sua força de trabalho para manter as

atividades funcionando, visto que estes não dispõem de algumas garantias como férias

remuneradas, seguro desemprego e outros auxílios. Isto acaba por se refletir de maneira

significativa nas condições sociais e econômicas dessa população.

Apenas doze estabelecimentos têm funcionários com carteira assinada, à maioria dos

que não assinam alega não ter condições porque o negócio é pequeno e a renda é pouca, não

54%

13%

33%

Bom Ruim Médio

compensando agir desta forma. A oferta de empregos é grande no circuito inferior, mas as

garantias trabalhistas não são tão presente nas atividades. É importante salientar que as

condições que se instalaram a partir de meados de 1980 no Brasil não foram bem satisfatórias,

devido o aumento do emprego informal e a elevação da diminuição da proteção do

trabalhador (MONTENEGRO, 2006).

Nem todas as pessoas que trabalham no bairro residem no mesmo, isto evidencia o

fluxo existente e o vai e vem de trabalhadores. Dos doze funcionários entrevistados sete (07)

moram em outros bairros. Quanto à escolaridade dos funcionários do circuito inferior, do total

de entrevistados, seis (06) têm ensino médio completo, três (03) têm o incompleto e três (03)

o superior incompleto. A renda média familiar fica entre um e dois salários e meio.

Quando perguntados quanto pagam aos funcionários, as respostas dos agentes do

circuito inferior variam entre R$ 400,00 e R$ 800,00 reais, mas alguns responderam que os

trabalhadores ganham por produção. Apesar das respostas fornecidas, em alguns casos, foi

possível perceber que houve certa omissão do valor real pago. O salário é uma variável

inconstante no circuito inferior, as remunerações dos trabalhadores variam bastante, além do

tempo de permanência no estabelecimento.

No que diz respeito aos fornecedores, ou seja, onde os donos de comércios compram

os produtos que irão comercializar, 90% deles recebem os produtos de distribuidoras, estas

por sua vez, tem sua origem principalmente nas cidades de Maceió e Arapiraca/AL e no

Estado de Pernambuco. E apenas 10% compram diretamente ao produtor.

No que se refere ao local onde os donos de estabelecimentos compram seus produtos,

foi possível perceber através dos formulários que 11 (onze) compram apenas em Pernambuco,

18 (dezoito) apenas no município de União dos Palmares, oito (08) em Maceió - AL e 11

(onze) em Maceió e Pernambuco. Os demais compram em outros Estados como Bahia, Minas

Gerais e São Paulo, sendo que alguns também buscam seus produtos em Arapiraca – AL,

município alagoano que concentra várias distribuidoras.

Também foi possível perceber que os produtos chegam aos estabelecimentos por meio

de quatro formas diferentes (gráfico 02), mas as formas predominantes são: o dono vai buscar

os produtos e a distribuidora faz a entrega. Isto se deve ao fato de muitos comerciantes irem

fazer a compra dos produtos pessoalmente em grandes redes que vendem em atacado, na

busca de melhores preços e promoções; e das distribuidoras terem seu próprio sistema de

entregas.

Gráfico 02: Formas como os produtos chegam aos estabelecimentos.

Elaborado pela autora. Fonte: trabalho de campo (2016).

As formas em que costumam efetuar o pagamento das suas compras são variadas, tais

como boleto, duplicata e cartão de crédito, vale ressaltar que alguns utilizam duas formas

diferentes de pagamento como é possível observar na tabela (02), mas, a maioria paga em

dinheiro, seguido de boleto.

Tabela 02: Formas de pagamento dos produtos pelos agentes do circuito inferior

Descrição Quantidade

Dinheiro 32

Dinheiro, cartão de crédito 05

Dinheiro e boleto 04

Dinheiro, cartão de crédito, boleto 01

Boleto 24

Cartão de crédito 01

Duplicata 01 Elaborado pela autora. Fonte: Trabalho de campo (2015).

Vários estabelecimentos aceitam cartão de crédito. Este é um elemento de renovação

do circuito inferior, pois antes o uso de cartão era uma característica peculiar do circuito

superior, mas no período atual os pequenos agentes começam a ofertar esse tipo de crédito aos

seus clientes. É a financeirização do território como se pode ver na foto (02) de uma loja de

pneus da Avenida João Lyra Filho.

40%

34%

18%

3%

5%

O dono vai buscar oproduto

As distribuidoras fazem aentrega

As transportadoras fazem aentrega

Fretistas fazem a entrega

Não responderam

Foto 02: Loja de Pneus que aceita cartão de crédito (Avenida João Lyra Filho)

Fonte: Silmara Souza (2015)

Outro elemento que chama a atenção é o fato de a venda no fiado predominar bastante

no comércio do bairro, pois 42 (quarenta e dois) dos 67 (sessenta e sete) estabelecimentos

aceitam esta forma de pagamento. O critério para escolha dos clientes é sempre o mesmo,

vendem apenas a amigos, conhecidos e vizinhos. Esta aproximação com o cliente é outra

característica forte do circuito inferior, as relações pessoais entre clientes e empresários.

O bairro Roberto Correia de Araújo, sua população e aqueles que vivem das atividades

do circuito inferior necessitam de mais atenção e valorização. Com uma grande parcela da

população palmarina vivendo nele e dele dependendo, é fundamental que se construam

políticas e desenvolvam ações a fim de melhorar a vida de todos, ofertando mais postos de

trabalho, melhorando as vias de acesso, além da criação de um sistema de transporte eficaz

para que a população possa melhor se locomover pela cidade. Os estabelecimentos de

comércio e serviços são fundamentais para manutenção do bairro e da sua população. O

circuito inferior é importante para as cidades de Terceiro Mundo, pois fornece trabalho e

renda para um número cada vez maior de pessoas.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Durante a pesquisa foi possível identificar mais de 200 atividades do circuito inferior

que se distribuem por todo bairro e com maior intensidade em algumas ruas específicas. As

atividades são bem variadas, mas as que predominam são os supermercados, as oficinas de

carro e moto e os salões de beleza. A maioria dos comerciantes vive apenas daquela atividade,

daí a importância das mesmas para manutenção da família, que tem um papel central, pois

trabalha junto com o dono do estabelecimento em muitos casos.

A maioria dos donos de estabelecimentos tem funcionários, mas a maior parte não se

encontra com a carteira assinada. Nem todos que trabalham no bairro residem no mesmo,

cerca de metade dos entrevistados mora em outros baixos, o mesmo acontece com os clientes,

logo, conclui-se que há um fluxo elevado de pessoas, mercadorias e serviços que atendem

além dos limites do Roberto Correia de Araújo.

A clientela busca os mais variados produtos e serviços e a maior parte dos que foram

ouvidos tem o hábito de ir ao comércio no domingo, dia da feira livre. Esses produtos são

comprados quase que exclusivamente em distribuidoras e pagos em sua maioria apenas com

dinheiro, além dos que pagam com boleto.

Estudar as cidades brasileiras a luz da teria dos dois circuitos permite compreender

aspectos que são históricos e que estão enraizados na cultura e no território, mas acima disto é

possível conhecer o espaço, as relações que se dão no mesmo e as diversas possibilidades que

sobrevivência, de trabalho e também de manipulação por parte dos que controlam a economia

e a política.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

FERREIRA, F. M; MARQUES, J. P. Estudo de segregação espacial a partir do bairro

Roberto Correia de Araújo em União dos Palmares, Alagoas. Trabalho de Conclusão de

Curso, Universidade Estadual de Alagoas, Campus Zumbi dos Palmares. União dos Palmares,

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