o circuito inferior da economia urbana na regiÃo

13
O CIRCUITO INFERIOR DA ECONOMIA URBANA NA REGIÃO CANAVIEIRA DE ALAGOAS 1 Fernando Antonio da Silva 2 Universidade Estadual de Campinas – UNICAMP E-mail: [email protected] 1. INTRODUÇÃO Na década de 1990 mudam as feições das divisões social e territorial do trabalho no Brasil. Como resultado da opção pelas políticas neoliberais (OLIVEIRA, 1999), as lógicas globais se expandem no território brasileiro, seja por meio da desregulamentação de alguns setores ou pela expansão territorial de atividades baseadas em altos graus de técnica, ciência e informação. Trata-se do aprofundamento e extensão de diretrizes globais (competitividade, privilégio da exportação, redução de custos com mão obra pela incorporação de máquinas, terceirização de algumas atividades, etc.). Como observam Ianni (2000) e Santos (2011), este processo passa a exigir um novo papel do Estado. De forma particular, a desregulamentação do setor sucroalcooleiro, com a extinção do Instituto do Açúcar e do Álcool – IAA em 1990 teve grandes implicações para dinâmica territorial e urbana do leste do Estado de Alagoas. Segundo Carvalho (2001, p.655), nesta região, que tinha a produção de açúcar e álcool como principal atividade econômica, houve falência de pequenas usinas, afastamento de fornecedores de cana e eliminação de diversos postos de trabalho na área industrial e agrícola. As usinas que se mantiveram em funcionamento passaram a atuar segundo a dinâmica do mercado mundial, adotando ações como investimentos em novos setores e novas relações de trabalho. Com isso, as populações pobres urbanas, desempregadas ou com empregos sazonais nas usinas, se ampliaram em algumas cidades da região. 1 O presente trabalho foi realizado com apoio do CNPq, Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – Brasil. 2 Agradecimentos do autor: ao Grupo de Estudos do Pensamento Miltoniano – NEPEM da Universidade Estadual de Alagoas – UNEAL pelo apoio na aplicação dos questionários.

Upload: others

Post on 15-Oct-2021

2 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

O CIRCUITO INFERIOR DA ECONOMIA URBANA NA REGIÃO CANAVIEIRA DE ALAGOAS1

Fernando Antonio da Silva2

Universidade Estadual de Campinas – UNICAMP E-mail: [email protected]

1. INTRODUÇÃO

Na década de 1990 mudam as feições das divisões social e territorial do trabalho

no Brasil. Como resultado da opção pelas políticas neoliberais (OLIVEIRA, 1999), as

lógicas globais se expandem no território brasileiro, seja por meio da

desregulamentação de alguns setores ou pela expansão territorial de atividades baseadas

em altos graus de técnica, ciência e informação. Trata-se do aprofundamento e extensão

de diretrizes globais (competitividade, privilégio da exportação, redução de custos com

mão obra pela incorporação de máquinas, terceirização de algumas atividades, etc.).

Como observam Ianni (2000) e Santos (2011), este processo passa a exigir um novo

papel do Estado.

De forma particular, a desregulamentação do setor sucroalcooleiro, com a

extinção do Instituto do Açúcar e do Álcool – IAA em 1990 teve grandes implicações

para dinâmica territorial e urbana do leste do Estado de Alagoas. Segundo Carvalho

(2001, p.655), nesta região, que tinha a produção de açúcar e álcool como principal

atividade econômica, houve falência de pequenas usinas, afastamento de fornecedores

de cana e eliminação de diversos postos de trabalho na área industrial e agrícola. As

usinas que se mantiveram em funcionamento passaram a atuar segundo a dinâmica do

mercado mundial, adotando ações como investimentos em novos setores e novas

relações de trabalho. Com isso, as populações pobres urbanas, desempregadas ou com

empregos sazonais nas usinas, se ampliaram em algumas cidades da região.

1 O presente trabalho foi realizado com apoio do CNPq, Conselho Nacional de Desenvolvimento

Científico e Tecnológico – Brasil. 2 Agradecimentos do autor: ao Grupo de Estudos do Pensamento Miltoniano – NEPEM da Universidade

Estadual de Alagoas – UNEAL pelo apoio na aplicação dos questionários.

Três destas cidades são Porto Calvo, União dos Palmares e São Miguel dos

Campos (ver mapa 1). O estudo “Região de Influências das Cidades – REGIC” do

IBGE (2007) aponta estas cidades como as únicas da categoria Centro de Zona da

região, excetuando-se Maceió, sendo a primeira Centro de Zona B e as duas últimas

Centro de Zona A. Surgidas a partir da atividade canavieira, Porto Calvo, União dos

Palmares e São Miguel dos Campos, especialmente no decorrer de 1990, veem seu

espaço urbano abrigar cada vez mais populações de baixos rendimentos expulsas do

campo em decorrência das novas ações adotadas pelas usinas. Por isso, observamos a

expansão de atividades de pequena dimensão, desenvolvidas com poucos recursos

financeiros e tecnológicos. Segundo Santos (2008 [1979], p.40), estas formas de

trabalho podem ser analisadas e compreendidas na perspectiva do circuito inferior da

economia urbana, que é formado por uma gama de pequenas atividades industriais,

comerciais e de serviços, caracterizadas pelo uso nãointensivo de capital (SANTOS,

2008 [1979], p.40).

Mapa 1 – Localização dos municípios estudados

2. OBJETIVOS Este artigo apresenta resultados parciais de nossa pesquisa de mestrado

intitulada: “O processo de urbanização da região canavieira de Alagoas (1990-2013):

política de transferência direta de renda e circuito inferior da economia urbana”. O

objetivo desta pesquisa é avaliar as transformações engendradas pelos repasses aos

beneficiários do Programa Bolsa Família na pobreza urbana da Região Canavieira do

Estado de Alagoas.

No presente artigo, perseguimos um dos objetivos específicos da pesquisa:

apreender as feições do circuito inferior da economia em cidades que apresentam

situações significativas de pobreza urbana na região canavieira de Alagoas. Aqui

objetivamos:

• Caracterizar as atividades do circuito inferior da economia urbana das cidades de

Porto Calvo, União dos Palmares e São Miguel dos Campos / AL;

• Explorar a participação deste subsistema econômico na dinâmica interurbana da

região canavieira de Alagoas.

3. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS Adotamos os seguintes procedimentos metodológicos: atualização bibliográfica;

levantamento de dados secundários; observações, tomada de imagens e conversas com

agentes do circuito inferior da economia urbana; levantamento de dados primários

através da aplicação de questionários aos proprietários de atividades do circuito inferior.

A partir da seleção das áreas de concentração das atividades do circuito inferior nas

cidades estudadas, aplicamos um total de 201 questionários entre dezembro de 2013 e

fevereiro de 2014, distribuídos da seguinte forma: 80 em União dos Palmares, sendo 45

na área central e 35 no Bairro Roberto Correia de Araújo, periferia da cidade; 82 em

São Miguel dos Campos, sendo 42 na área central e 40 na área periférica, na conhecida

“Avenida do Luizinho” e 39 na área central de Porto Calvo, uma vez que não

identificamos concentração de atividades do circuito inferior nas suas áreas periféricas.

4. RESULTADOS PRELIMINARES

4.1. PORTO CALVO Atualmente o município de Porto Calvo conta com 25.708 habitantes, sendo que

20.197 são residentes urbanos, na classificação do IBGE, e 5.511 vivem no campo

(IBGE, 2010). A renda domiciliar per capita nos 6.466 domicílios do município de

Porto Calvo estava assim distribuída: em 85,23% a renda era de até 1 salário mínimo;

8,97% auferiam mais de 1 a 5 salários mínimos; 0,42% mais de 5 salários e 5,37%

apareciam sem rendimento. Do total de 25.708 habitantes, 4.034, isto é, 15,07% da

população estavam classificados em situação de extrema pobreza com renda domiciliar

per capita abaixo de R$70,00. Deste total, 17,3% viviam no campo e 82,7% na cidade.

Porto Calvo é uma cidade sem grandes periferias. Segundo o Censo Municipal

realizado pela prefeitura em 2013, a cidade está dividida em três bairros: Porto Calvo

antigo, que é o centro da cidade, Mangazala e Oscar Lins. A população considerada em

situação de extrema pobreza pelo critério da renda reside principalmente nestes dois

últimos. Estima-se que no Mangazala e no Oscar Lins vivam no mínimo 3.068 pessoas,

em 757 domicílios. A renda mensal é de até 1 salário mínimo para 79% das famílias;

apenas 20% das famílias auferem de 1 a 2 salários mínimos e somente 1% de 2 a 5

salários mínimos (PREFEITURA DE PORTO CALVO, 2013).

No trabalho de campo por nós realizado em Porto Calvo procuramos identificar

os ramos de atividade da economia do circuito inferior. Constatamos que são atividades,

sobretudo, ligadas ao consumo banal, ou seja, expressam uma demanda de populações

de baixos rendimentos.

De 39 estabelecimentos que serviram de amostra para a pesquisa, identificamos

um total de 54 atividades, pois em algumas situações atividades diferentes eram

realizadas no mesmo ponto (MONTENEGRO, 2011, p.67). Quanto aos ramos e

produtos identificados, os dados ficaram assim distribuídos: 2 do ramo de produção,

sendo 1 de padaria, confeitarias, etc. e 1 de “outros”3; 47 de comercialização de

produtos, sendo 9 de gêneros alimentícios e bebidas, 14 de peças de vestuário, 4 de

produtos de bomboniere (doces, pipocas, salgados, etc.), 4 de comidas, lanches e

bebidas, 2 de perfumaria (Avon, Natura, etc.), 2 de móveis portas e portões, 1 de peças

para bicicletas, motos e veículos, 3 de papelaria e material escolar e 8 de “outros”; do

ramo de serviços foram 5, sendo 1 de conserto de eletrodomésticos, 1 de Xerox e

plastificação de documentos, etc., 1 de serviços de beleza (cabeleireiro, manicure,

pedicure, etc.) e 2 de “outros”.

Para Santos (2008, [1978]), o circuito inferior da economia divide os sistemas de

objetos da cidade com as formas econômicas derivadas diretamente da modernização

tecnológica, no entanto, ele se incrusta nas porções mais desvalorizadas do meio

construído. As condições do espaço construído, tomadas enquanto entorno geográfico

das atividades atribuem um valor diferencial aos capitais que nele estão implicados

(SANTOS, 1994). Neste sentido, as localizações do circuito inferior nos indicam a

organização do espaço urbano, o grau de capital das atividades econômicas e as relações

que este subsistema estabelece com as populações da própria cidade e/ou de outras

cidades. Em certas situações urbanas, como no contexto que estamos analisando, nos

parece que a economia do circuito inferior é passível de usar quase todas as áreas da

cidade, embora haja diferenças significativas entre o nível de capitalização daquelas

atividades localizadas próximas a estabelecimentos do circuito superior e as demais. Em

Porto Calvo, as atividades do circuito inferior se localizam nas principais ruas de acesso

à cidade (trata-se de uma única Avenida que dá acesso ao centro), por onde circulam as

3 Em nosso questionário sobre o tipo de atividade, para fins operacionais, trabalhamos com respostas

fechadas, privilegiando os principais ramos de atividades do circuito inferior que observamos em trabalho de campo prévio. Como não era possível incluir todas as atividades no questionário, as menos frequentes foram incluídas numa opção intitulada “outros”.

populações de municípios vizinhos, e onde fica o ponto de transporte para estes, e na

área central.

Na década de 1980, Santos (1985, p.83), referindo-se a este subsistema,

afirmava que “[...] o circuito econômico ‘não-capitalista’ é puramente local”. Mais

recentemente, a pesquisa de Silva (2012), revelou as interações do circuito inferior do

ramo de vestuário da metrópole de São Paulo com diversas cidades fora do Estado,

mostrando que a afirmação daquele autor precisava ser atualizada. Em Porto Calvo, nos

parece que as atividades do circuito inferior só sobrevivem devido ao fluxo intenso de

pessoas de pequenas cidades vizinhas, o que explicaria sua concentração nas vias de

acesso à cidade, onde ficam os pontos de transportes intermunicipais. Em 29

estabelecimentos, do total de 39, os proprietários disseram ter clientes de municípios

vizinhos (Japaratinga, Matriz do Camaragibe, Maragogi, Jundiá, Porto de Pedras, etc.),

o que nos indica a importância do circuito inferior na dinâmica urbano-regional. (ver

mapa 2).

4.2. UNIÃO DOS PALMARES

O município de União dos Palmares tem, segundo o censo do IBGE de 2010,

62.358 habitantes. Destes, 14.707 vivem na zona rural e 47.651 na cidade, ou seja,

76,4% moram na cidade. Em 81.2% dos domicílios a renda domiciliar per capita era de

até 1 salário mínimo; apenas 11.3% auferiam mais de 1 a 5 salários mínimos; em uma

pequena parcela de 0,46% dos domicílios a renda per capita era de mais de 5 salários

mínimos e 7,03% apareciam sem rendimento.

A cidade de União dos Palmares tem grandes bairros pobres, que cresceram

principalmente durante as décadas de 1970 e 1990. De acordo com o Plano Diretor

Participativo de Desenvolvimento Integrado (PREFEITURA MUNICIPAL DE UNIÃO

DOS PALMARES, 2006), a cidade, até 2010, era composta por dezesseis bairros, que

eram os seguintes: Centro, Presidente Kennedy, Alto do Cruzeiro, Presidente Costa e

Silva, Nossa Senhora de Fátima, COHAB, Abolição, Santa Maria Madalena I e II,

Roberto Correia de Araújo, Nossa Senhora das Dores (Vaquejada), Várzea Grande,

Santa Fé, Sagrada Família (Mutirão), Padre Donald, Demócrito Gracindo (Ponte),

Francisco Correia Vianna (Jatobá) e Taquari. Contudo, a enchente que atingiu alguns

municípios alagoanos em 2010 destruiu completamente os bairros Demócrito Gracindo,

Francisco Correia e Taquari. O programa do Governo Federal para reconstrução das

casas para os desabrigados criou dois novos bairros: o Conjunto Nilton Pereira e o

Conjunto Nova Esperança. O bairro mais populoso da cidade é o Roberto Correia de

Araújo, com aproximadamente 10 mil habitantes (estimativa feita com base nos setores

censitários). Embora ainda não se tenha estimativas populacionais sobre os novos

bairros construídos após a enchente, supomos, com base no número de casas

construídas (aproximadamente 2.200 casas), que o Conjunto Nilton Pereira também

passou a concentrar grandes contingentes populacionais pobres.

Uma vez construídas, as infraestruturas urbanas vão condicionar os circuitos

econômicos (HARVEY, 1982, p.19; SANTOS, 2008 [1979]). Constatamos que em

União dos Palmares as formas de trabalho do circuito inferior aparecem concentradas,

primeiramente, na área central da cidade, surgida a partir da feira livre e, segundamente,

no Bairro Roberto Correia de Araújo.

De 45 questionários aplicados na área central da cidade, identificamos um total

de 59 atividades. 13 eram de produção, sendo 1 padaria, confeitaria, etc., 2 produção de

doces e comidas caseiras, 1 oficina de corte e costura e 9 de “outros”. 32 de

comercialização: 5 de gêneros alimentícios e bebidas; 6 de peças de vestuário; 5 de

produtos de bomboniere; 5 de comidas, lanches, etc.; 2 de peças para bicicletas, motos e

veículos; 2 de papelaria, material escolar, etc.; 3 de CDs e DVDs; e 4 de “outros”. 14 de

serviços: 2 de conserto de bicicletas, motos e automóveis; 1 conserto de

eletrodomésticos; 1 de Xerox e plastificação de documentos, etc.; 4 de serviços de

beleza (cabeleireiro, manicure, pedicure) e 6 de “outros”.

Nesta porção da cidade, a dinâmica do circuito inferior parece se explicar pela

clientela vinda de cidades vizinhas. É a situação da Rua Juvenal Mendonça, por onde

circulam os transportes para os municípios de São José da Laje e Ibateguara; Ruas

Orlando Bugari e Miguel Palmeira, onde os proprietários dos estabelecimentos disseram

ter muitos clientes de Santana do Mundaú; Avenida Dr. Antonio Gomes de Barros, por

onde circula o transporte para as cidades de Braquinha, Murici e Maceió e Terminal

Rodoviário, no qual a venda de lanches nos Boxes tem como clientela, essencialmente,

a população que circula para as cidades de Branquinha, Murici, Maceió, Ibateguara e

São José da Laje (ver mapa 2).

Já no Bairro Roberto Correia de Araújo, periferia da cidade, concentram-se

atividades do circuito inferior que parecem estar mais ligadas às demandas ocasionais

das populações que aí habitam (SANTOS, 2008 [1979], p.350). Dos 35

estabelecimentos que serviram de amostra para nossa pesquisa, encontramos um total de

45 atividades, distribuídas da seguinte forma: 6 de produção, sendo 1 de doces e

comidas caseiras e 5 de “outros”; 29 de comercialização, sendo 5 de gêneros

alimentícios e bebidas, 5 de peças de vestuário, 1 de produtos de bomboniere, 8 de

comidas, lanches, etc., 2 de móveis, portas e portões, 1 de peças para bicicletas, motos e

veículos, 1 de CDs e DVDs e 6 de “outros”; 10 de serviços, sendo 2 de conserto de

bicicletas, motos e automóveis, 1 de conserto de eletrodomésticos, 1 de lanhouses,

vídeo games, etc., 2 de serviços de beleza (cabeleireiro, manicure, pedicure) e 4 de

“outros”.

4.3. SÃO MIGUEL DOS CAMPOS

Atualmente, São Miguel dos Campos conta com uma população de 54.577

habitantes, estando 52.566 na cidade, isto é, 96,3%. Em 2010, em 75% dos domicílios a

renda domiciliar per capita era de até 1 salário mínimo e 6,76% não tinham rendimento

algum. Por outro lado, em apenas 17,45% esta renda era de mais de 1 a 5 salários

mínimos e em 0,8% mais de 5 salários mínimos (IBGE, 2010).

De acordo com o Plano Diretor Participativo de São Miguel dos Campos (2006),

a cidade está dividida em onze bairros: Centro, Paraíso, Humberto Alves, Geraldo

Sampaio, Canto da Saudade, Bairro de Lourdes, Bela Vista, Bairro de Fátima, Hélio

Jatobá (I, II e III), Rui Palmeira e Bairro Coité. Esta fragmentação do espaço urbano de

São Miguel dos Campos começa no fim dos anos 1960, com a ocupação da parte alta da

cidade, a partir da criação do Bairro de Fátima, e se consolida na década de 1990 com a

criação do Bairro Hélio Jatobá. Hoje a parte alta da cidade, cujos principais bairros são

o Bairro de Fátima e Hélio Jatobá (I, II e III), concentra cerca da metade da população

urbana.

As formas de trabalho realizadas com baixo capital, organização precária e

escassas tecnologias concentram-se, por um lado, na área central da cidade e, por outro,

no Bairro Hélio Jatobá, no Bairro de Fátima (a conhecida “Avenida do Luizinho” corta

estes dois bairros) e no Terminal Rodoviário Municipal.

No centro da cidade, nos 42 estabelecimentos pesquisados, contabilizamos 52

atividades. Estas ficaram distribuídas da seguinte forma: 7 de produção, sendo 1 de

doces e comidas caseiras e 6 de “outros”; 37 de comercialização, sendo 6 de gêneros

alimentícios e bebidas, 3 de peças de vestuário, 9 de comidas, lanches, etc., 3 de

papelaria, material escolar, etc., 3 de CDs e DVDs e 13 de “outros”; 8 de serviços,

sendo 1 de conserto de bicicletas, móveis e automóveis, 1 de conserto de

eletrodomésticos, 1 de Xerox e plastificação de documentos, 1 de serviços de beleza

(cabeleireiro, manicure, pedicure) e 4 de “outros”. Concentradas nas ruas Ruas Coronel

Francisco Cavalcante, Barão Jequiá, Mercado Público Municipal Vereador José Torres

Filho, entorno da Praça do Relógio e entorno da Praça Padre Júlio, as atividades têm

parcelas importantes de seus clientes em cidades vizinhas como: Roteiro, Boca da Mata,

Teotônio Vilela, Campo Alegre, etc. (ver mapa 2). De 42 estabelecimentos pesquisados

na área central, 22 proprietários disseram ter clientes de outras cidades.

Até mesmo na periferia da cidade, onde a dinâmica da economia popular está

mais ligada à população do próprio bairro, encontramos no Bairro de Fátima e no Hélio

Jatobá, na conhecida “Avenida do Luizinho”, atividades bastante diversificadas. Aqui,

nos 42 estabelecimentos pesquisados, contabilizamos um total de 63 atividades. 11 de

produção: 1 de padaria, confeitaria, etc.; 3 de doces e comidas caseiras; 2 de móveis,

portas e portões, 1 de produtos de limpeza e 5 de “outros”. 46 de comercialização: 12 de

gêneros alimentícios e bebidas; 7 de peças de vestuário; 3 de produtos de bomboniere; 5

de comidas, lanches, etc.; 1 de móveis, portas e portões; 1 de peças para bicicletas,

motos e automóveis; 4 de papelaria, material escolar, etc.; 3 de CDs e DVDs e 10 de

“outros”. 5 de serviços: 1 de conserto de bicicletas, motos e automóveis; 2 de conserto

de eletrodomésticos e 2 de serviços de beleza (cabeleireiro, manicure, pedicure).

No mapa 2, trazemos a origem dos consumidores do circuito inferior da

economia das áreas centrais de Porto Calvo, União dos Palmares e São Miguel dos

Campos.

Mapa 2 – Origem dos consumidores do circuito inferior da economia das áreas centrais de Porto Calvo, União dos Palmares e São Miguel dos Campos – AL

.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Verificamos que as atividades que abarcam o subsistema inferior da economia

apresentam-se concentradas nas principais vias de acesso às cidades, em quase todas as

ruas do centro, com exceção de poucas ruas onde o meio construído exige maior grau de

capitalização das atividades, nas periferias mais populosas (com exceção de Porto

Calvo), nos terminais rodoviários (somente Porto Calvo não possui terminal rodoviário)

e nos pontos de transportes que diariamente circulam para os municípios vizinhos e para

a zona rural. São essencialmente atividades ligadas ao consumo banal de populações de

baixos salários: comércio alimentício e de vestuário, papelaria e material escolar,

produtos de bomboniere (doces, balas, pipocas, etc.), comercialização de comidas e

lanches, oficina de conserto de bicicletas, motocicletas e automóveis e salões de beleza.

Constatamos que especialmente o circuito inferior das áreas centrais sobrevive devido

ao consumo de populações de municípios vizinhos, o que se revela, dentre outros

fatores, na sua localização nas principais vias de entrada e saída das cidades, nos

terminais rodoviários e demais pontos de transportes intermunicipais. Portanto, nossa

pesquisa sugere que o circuito inferior das três cidades estudadas só pode ser

compreendido no contexto da dinâmica urbano-regional.

6. REFERÊNCIAS

CARVALHO, C. P. “Novas Estratégias Competitivas para o Novo Ambiente Institucional: o Caso do Setor Sucro-Alcooleiro de Alagoas 1990/2001”. In: Revista Econômica do Nordeste, Fortaleza, v. 32, n. Especial p. 654-675, novembro, 2001.

HARVEY, D. “O trabalho, o capital e conflito de classes em torno do ambiente construído nas sociedades capitalistas avançadas”. Tradução Flávio Villaça. In: Espaço e Debates. No. 6, Junho/setembro, p. 6-35, 1982.

IANNI, O. “A globalização e o retorno da questão nacional”. In: Primeira Versão, IFCH/Unicamp, junho, 2000.

INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Censo Demográfico. Séries temporais.

_____. Regiões de Influências das Cidades - REGIC. Rio de Janeiro: IBGE, 2008. MONTENEGRO, M. R. Globalização, Trabalho e Pobreza no Brasil Metropolitano.

O circuito inferior da economia urbana em São Paulo, Brasília, Fortaleza e Belém. São Paulo: 2011, 303p. Tese (Doutorado em Geografia Humana). Departamento de Geografia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo. São Paulo, 2011.

OLIVEIRA, F. “Privatização do público, destituição da fala e anulação da política: o totalitarismo neoliberal”. In: OLIVEIRA, F. & PAOLI, M. C. (orgs.). Os sentidos da democracia. Políticas do dissenso e hegemonia global. Petrópolis, RJ: Vozes, Brasília, NEDIC, p.55-82, 1999.

PREFEITURA MUNICIPAL DE PORTO CALVO. Censo Demográfico Municipal, 2013.

PREFEITURA MUNICIPAL DE SÃO MIGUEL DOS CAMPOS. Plano Diretor Participativo de Desenvolvimento Integrado. 2006.

PREFEITURA MUNICIPAL DE UNIÃO DOS PALMARES. Plano Diretor Participativo de Desenvolvimento Integrado. 2006.

SANTOS, M. “A caminho de uma teoria substantiva da urbanização”. In: Separata, São Paulo, novembro, p.81-85, 1985.

_____. O Espaço Dividido. Os dois circuitos da economia urbana dos países subdesenvolvidos. São Paulo: Edusp, 2008 [1979].

_____. Por uma Economia Política da Cidade: o caso de São Paulo. São Paulo: Hucitec, 1994.

_____. Por uma outra globalização. Do pensamento único à consciência universal. Livro vira-vira 2. Rio de Janeiro: Edições BestBolso, 2011.

SILVA, S. C. Circuito Espacial Produtivo das confecções e exploração do trabalho na metrópole de São Paulo: os dois circuitos da economia urbana no bairro do Brás e Bom Retiro (SP). Doutorado em Geografia, Unicamp (IG), 2012.