trabalho de antropologia

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AUGUST 2010 Special Edition VOLUME 2 • ISSUE 7

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Trabalho realizado para a discplina de Antropologia Cultural.

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Page 1: Trabalho de Antropologia

AUGUST 2010SpecialEditionVOLUME 2 • ISSUE 7

Page 2: Trabalho de Antropologia

Por: O DESPERTAR DOS MORTOS

O mito do zumbi parece ter defeitos, por conta de sua falta de complexidade. O Zumbi é na verdade uma múmia em roupas casuais, sem vida amorosa e com grande apetite. Ambos são autônomos; nada habilidosos e nem heroicos. eles apenas zanzam por aí (Karloff chamava isso de “meus passinhos”), arrastando os pés como colegiais sem acompanhante antes do baile. Diferentemente do vampiro, que é engenhoso, circunspecto e erótico, seus primos são lesmas sub-humanas [...].O zumbi é um cretino absoluto, um vampiro lobot-omizado, e é isso que tende a levar [todos os filmes posteriores a A Morta-Viva (I Walked with a Zom-bie, 1943)] a ser pouco mais que veículos de violên-cia explicita, cheios de gente (geralmente homens) se cutucando e ocasionalmente se alimentando uns dos outros. O zumbi é tão raso [...] que até Ab-bott e Costello recusaram-se a encontrá-lo.¹

¹ James B. Twitchell, Dreadful Pleasures: A Anatomy of Modern Horror (Oxford e Nova York: Oxford University Press, 1985), pp. 261 e 266. apud Jamie Russel, Zumbis: O Livro dos Mortos (São Paulo: Leya Cult, 2010), pp 17.

O objetivo desse trabalho é mostrar que existe muita coisa a mais em histórias de zumbi do que somente sangue e mortes. Diferente do que diz Twitchell, existe uma profunda crítica social enraizada nesse gênero que surgiu nos cinemas em 1932 com White Zombie de Victor e Edwars Halpering, e hoje é refêrencia no terror, não importando sua mídia. Para uma análise mais aprofundada nosso estudo de caso será The Walking Dead, uma sé-rie de história em quadrinhos criada por Robert Kirkman, lançada nos Estados Unidos em 2003 pela Image Comics.

João Paulo Bento de Sousa

Henrique Hideo Suenaga

Quando pensamos em zumbis pensamos em violência explicita sem nenhum tipo de con-teúdo. Mas ao analisarmos a história do avanço

desses seres através dos filmes e literatura podemos ter uma visão mais crítica e aprofundada por um ref-erencial teórico. Opniões como de James B. Twitchell, pesquisador de filmes de terror no ocidentre, ocorrem quando uma análise mais a fundo sobre o tema não é realizada.

Page 3: Trabalho de Antropologia

O DESPERTAR DOS MORTOS

O que o filme de Romero trouxe de dife-rente para as histórias de zumbis? Antes de A Noite dos Mortos-Vivos a origem dos zumbis eram quase sempre por magia vodoo lançada por feiticeiros caribenhos, Romero tira o foco antes nos monstros e começa a analisar o ser humano em uma situação de crise, e o que se vê não é nada confortante. Durante todo filme vemos conflitos de interesse de humanos pensan-do somente em si, deixando o outro à sua própria sorte. O que Romero quer mostrar é que em uma situação crítica da humani-dade o maior inimigo não são os zumbis, e sim os próprios humanos. O foco de Romero foi na destruição da ordem vigente com um acontecimento apocaliptico. Esse pensamento permane-cia na mente dos norte-americanos e de toda a humanidade por conta da Guerra Fria na década de 60. O presidente Kenne-dy fora assassinado, os Estados Unidos tra-vavam uma guerra no Vietnã, o escândalo de Watergate envergonhava os america-nos e a Familia Manson aterrorizava o país com assassinatos ediondos. Esse era o contexto da Amemérica quando A Noite dos Mortos-Vivos foi lançado, em 1968.George A. Romero

Cena de A Noite dos Mortos-Vivos

Podemos observar na narrativa de Kirk-man diversos conceitos abordados em histórias de zumbis, como a dificuldade de sobrevivência, convivência e segurança. The Walking Dead é recheado de referência de filmes clássicos do gênero. Assim, para iniciarmos nossa discussão, vamos retroceder um pouco e abordar aquele que é considerado o mestre dos filmes de zumbi, George Romero. Romero ficou mundialmente conhecido com seu filme A Noite dos Mortos-Vivos, cuja história é centrada em um grupo que luta pela sobrevivência em um apocalipse zumbi, causa-do por radiações vindas de Vênus. Esse filme foi o primeiro a tratar zumbis de forma epidêmica e imparável, como monstros que não são cria-dos por magia vodoo e nem tem maldade, e sim uma fome incessante e em busca de comi-da, que nada mais é do que carne humana. Romero foi duramente criticado por seu filme na década de 70, a taxação de altamente vio-lento e sem propósito somente fez com que o filme ganhasse mais visibilidade e fazendo que o filme permanecesse em cineclubes, drive-ins e sendo projetado por super-8 por muitos anos.

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The Walking Dead se inicía com o protago-nista Rick acordando em uma cama de hospital depois de um longo coma. Rapi-

damente ele percebe estar sozinho no hospi-tal e vê traços da morte por todo lugar. Uma característica interessante não só nos filmes de zumbi, mas em qualquer um, é a Jornada do Herói. Analisada por Joseph Campbell em O Herói de Mil e Uma Faces, a jornada nada mais é do que as aspirações humanas condensadas em uma pessoa, dividida em etapas que incon-scientemente o ser humano deseja atingir, de forma que podemos notar a jornada em diver-sos herois pela história, desde a antiguidade. A primeira etapa da jornada e a que nos interes-sa neste trabalho é denominada de “O mundo comum”. Nessa etapa é mostrado como é o cotídiano do protagonista e o que é normal para a sociedade onde ele esta inserido.

Rick percebe que o mundo mudou e se choca com a realidade. Seu mundo acaba de desabar e ele não faz idéia do que está acon-tecendo. Essa é uma etapa fundamental nas histórias de zumbi. Em diversos filmes a aparição de zumbis é de forma repentina, devido a algum desastre que o protagonista não tem conheci-mento ou controle, e sem tempo de se preparar ele é jogado em um mundo novo onde as regras que está acostumado não existem mais. No sub-consciente humano o medo do desconhecido é altamente presente, muitas vezes bloqueando as ações do indivíduo. No caso especifico de zumbis, isso vai além do medo do desconhecido. Zumbis representam “criaturas sem alma que perambulam sem personalidade nem propósito - uma paródia grotesca do fim que aguarda todos nós” (RUSSEL, p. 17. 2010), representam algo conhecido por todos os seres humanos, a morte. O despertar do indivíduo, ou seja, quando ele percebe sua situação, em uma história de zumbis pode ser interpretada como o momento quando o indivíduo percebe que o mundo ao seu redor mudou, e nada será como antes. Os zumbis de Romero representavam a população americana, imersa na escuridão pelos acontec-imentos da época. Kirkman, nos dias de hoje, mostra que nossa aparente estabilidade e tran-quilidade pode ruir a qualquer momento, e que não estamos preparados para as consequências e, assim como Romero, mostra que o principal inimigo da humanidade são os vivos.

O Prelúdio do Apocalipse

Page 5: Trabalho de Antropologia

Quando Rick se depara com os mortos-vivos a primeira atitude que toma é buscar respostas e sua família. Antes do apocalipse Rick era um policial em uma cidade pacata dos Estados Unidos. Até então tinha disparado com uma arma somente em treinamen-tos contra alvos. É importante ter isso em mente no decorrer do trabalho, para que se possa entender a mudança de sua personalidade, a medida em que o seu “mundo comum” foi se transformando.

Em Busca de Segurança

Um local seguro em um mundo apocalíptico é o principal objetivo dos humanos. Rick também está em busca desse local. Com sua família e companheiros ele, que foi aceito e se pôs como o mais apto para liderar, embarca em uma jornada em busca de um local onde possa dormir em

paz. Segurança é uma necessidade do ser humano, e através dos tempos percebemos que os locais mais seguros são os mais visados. No mundo de The Walking Dead não é diferente. Os locais mais seguros contra zumbis são, consequentemente, os mais procurados pelos sobreviventes e aqueles locais que os humanos não tem interesse os zumbis tomam conta.

O Prelúdio do Apocalipse

O local seguro é fortemente explorado nas histórias de zumbi. Kirkman em sua obra opta por nos mostrar uma prisão. Antes usada para prender indivíduos banidos da sociedade e nos manter seguro contra eles agora é usada, ironicamente, para trancafear-se dentro e proteger-se do perigo de fora. O shopping o “templo do consumo” segundo Romero, é praticamente um personagem em O Despertar dos Mortos-Vivos, segundo filme do diretor com a tematica zumbi. Romero critíca o consumismo mostrando quatro sobreviventes que conseguem o local perfeito, com comida, objetos antes desejados e proteção. Já Kirkman vai para o outro lado, diferente do Shopping, ninguém deseja estar em uma prisão, mas Rick e seus companheiros fazem o possível para conseguir entrar e manter o que passam a chamar de “Fortaleza”.

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É interessante perceber como os va-lores mudam diante da situação. O que man-tinha a sociedade segura não deixa de fazer seu trabalho, mas de forma oposta. Rick, um policial, encontra seu local para sua seguran-ça e se tranca dentro dele, não se importando com o fato de que antes era ele quem tran-cava pessoas nesse local. Para ficarmos seguro em nosso mundo, em muitos locais da nossa sociedade, de-vemos nos trancar dentro de nossas casas. Nos sentimos seguros quando nossas por-tas estão trancadas mantendo o mal fora de nossos lares. É esse sentimento que Kirkman tenta mostrar com a prisão. Uma crítica a nossa sociedade que é obrigada a se trancar para se proteger.

A Mudança de Identidade e a Formação de uma Cultura

Quando ocorre um crime, é natural recorrermos às autoridades, mas se não existisse mais auto-ridades? É com isso que o grupo de Rick se depara dentro da prisão. Na sociedade pré-apoc-alipse Rick teria uma autoridade maior do que os demais, pois era um policial. Mas quando

todo o mundo ruiu diante dos olhos de todos, Rick se tornou somente mais um dentre os sobrevi-ventes. Dentro da prisão ocorre um assassinato. O culpado é descoberto e Rick o pune de forma rigida e implacável. Ordena que os integrantes do grupo enforquem o assassino. Notamos a mu-dança de Rick que toma essa atitude para proteger seus familiares e companheiros. Com a posição de líder, Rick se torna agressivo e rígido com regras que começa a criar. Todos aqueles que querem permanecer na “Fortaleza” devem obedecer regras pré estabelecidas, que são influenciadas pelas decisões de Rick e sua antiga posição na sociedade.

É natural que quando o indivíduo consegue o que quer ele lute para manter o que con-quistou. A posição de líder antes parecia natural devido a sua autoridade, e logo após conqui-star esse posto, Rick faz de tudo para não perdê-lo. Ele se julga o único capacitado para a lider-ança do grupo, e muitas vezes toma decisões sozinho. Uma dessas decisões foi ir atrás de um helicóptero que acabava de cair a alguns quilometros dali.

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A Mudança de Identidade e a Formação de uma Cultura

Choque entre CulturasApós um tempo do início do caos, o grupo de Rick se acostumou com a presença dos zumbis,

diminuindo consideravelmente as mortes devido a ações organizadas, permanência na For-taleza e vigilância 24 horas. O ser humano se adapta muito rápido a algumas condições. O

risco maior, os zumbis, agora são segundo plano da narrativa de Kirkman que começa a explorar os conflitos humanos. Quando Rick deixa a prisão para buscar o helicoptero, ele está deixando a sua segurança em busca de ajuda para todo o grupo. Quando ele chega ao local, percebe que os passageiros haviam sumido, deixando rastros para trás. Rick decide seguir os rastros e chega em um condomínio, onde uma verdadeira civilização de sobreviventes estava escondida.

Lá é tratado como um forasteiro, e é apresentado ao Governador, líder do local. Ele apre-senta ao policial a sociedade que ele formou depois do apocalipse. Rick fica chocado com o que vê, exigindo uma postura diferente da liderança do local.

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Governador era um líder muito diferente de Rick? Essa é uma questão importante. Se a situação fosse oposta, um forasteiro chegasse a Fortaleza questionando os métodos de lider-ança de Rick, provavelmente seria banido do local. Em última análise o efeito seria o mesmo.

Negando a oportunidade de ficar em se-gurança na prisão se estaria condenando o sujeito a morte pelas mãos e bocas dos

zumbis que se acomulavam nos muros da For-taleza. O Governador descobre de onde Rick e os outros vieram, e quer tomar para si a prisão, julgando ser um local para o início da expansão de seus domínios. Um sujeito que se vê em uma situação de poder quer expandi-lo. Kirkman nos mostra os interesses de um grupo passando por cima de outros grupos. O Governador era adora-do pelos seus seguidores, e foi apoiado na de-cisão de invadir a prisão usando armas e carros. Mas nesse momento o Governador estava men-tindo para seu grupo, pois escondia as coisas negativas que fazia na liderança do grupo.

Lutas até a morte ocorriam diariamente para o entretenimento das pessoas que lá viviam, que eram tratadas com uma política de pão-e-circo. Essas pessoas viviam seu mundo ignorando o que ocorria fora. Em nossa sociedade, diferente de uma prisão, o condomídio mantem o mal fora de seus muros, o que está ocorrendo fora não importa. O choque entre as culturas leva a Rick questionar as ações do Governador, que se mostra um líder cruel, ordenando que Rick e seus companheiros fossem dados de comida aos zumbis. Mas antes disso o Governador queria saber um pouco mais sobre o grupo forasteiro e os tortura. Posteriormente Rick e seus companheiros conseguem escapar do condomínio e voltam para a prisão.

Para seus seguidores, o Governador disse que os forasteiros vindos da prisão eram malignos e que iriam atacar a qualquer momento o condomínio. Para seus companheiros a vontade do Governa-dor devia naturalmente ser seguida, pois foi ele quem lhes deu proteção, alimentos e diversão.

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Para seus seguidores, o Governador disse que os forasteiros vindos da prisão eram malignos e que iriam atacar a qualquer momento o condomínio. Para seus companheiros a vontade do Governa-dor devia naturalmente ser seguida, pois foi ele quem lhes deu proteção, alimentos e diversão.

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A Destruição para Reconstrução

Todos os sobreviventes estão passando por um processo de destruição e reconstrução de identidade. Percebe-se que a identidade era diferente por causa da cultura

em que viviam, então eles tentam reconstruir alguns valores, pensamentos e posturas que sejam mais adequados para a situação atual. Rick era um policial em uma cidade pacata que nunca tinha disparado uma arma contra uma pessoa. O mundo ao seu redor mudou drasticamente e exigiu que Rick também mudasse, se tornando um líder rígido, mas essencial-mente bom, na visão de seu grupo. O Governador era um pai de família que perdeu todos os seus entes queridos para os zumbis e, da mesma forma que Rick, se tornou um líder rígido e bom para seus companheiros, mas, diferente de Rick, seus métodos eram muito mais violentos e repugnáveis. O grupo de Rick tenta desde o início manter algumas das característi-cas da sociedade do passado, já no condomínio o Governador monta seu mundo particular, com suas leis e valores, mas que não desagrada o resto das pessoas.O ataque à prisão se inicia e durante o tiroteio o Governador mata a sangue frio a mulher de Rick e sua filha. Isso faz com que uma de suas seguidoras visse seu lado maligno, e ele é morto por ela. As pessoas se encontram em uma situação a qual não se vê nenhuma perspectiva, dessa maneira a realização de desejos se torna uma necessidade desenfreada, pois para elas não im-porta mais como a sociedade vai as encarar. No momento da morte do Governador, ele revela sua identidade perversa, que antes não era posta a tona para os membros de seu grupo, assim ao expô-la se mostra como é realmente e isso causa sua morte, por um membro de seu próprio grupo. Com a prisão destruída, Rick perde todos os seus amigos, e consegue salvar somente seu filho. Rick, sem muitas perspectivas sobre seu futuro reflete consigo e percebe que os zumbis foram somente o estopim para o que se seguiria, Rick percebeu que foi a humanidade que se tornou “criaturas sem alma que perambulam sem personalidade nem propósito” (RUSSEL, 2010. p. 17). Notou que eles eram os Mortos-Vivos.

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A Destruição para Reconstrução

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O Despertar dos Vivos

Kirkman com sua obra consegue aquilo que George Romero conseguiu com seus filmes. Fazer uma crítica inteligente e pontual com

os problemas da sociedade contemporânea. Kirkman usa os zumbis como plano de fundo para uma narrativa centrada nos conflitos hu-manos que se seguiram após a ruína de milênios de domínio do homem sobre o seu mundo. A evolução natural, a geração seguinte engolindo a geração antiga, é isso o que os zumbis repre-sentam nas histórias apocalipticas de Kirkman e Romero. A morte é impossível de ser evitada, não importando o quanto você se esconda e erga muros para se proteger, ela virá, caminhando lentamente, como um zumbi. O que resta para nós é potencializarmos nossas vidas, termos personalidade e propósitos, de forma que não caminhemos para o fim de nossa geração, e sim construirmos o começo de muitas que virão.

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