Aula 1 - A importância do aprendizado de Antropologia e Sociologia

Antropossociologia e Trabalho de campo

Faculdade Piaget - Suzano - 1º semestre de 2020Profº Me Antonio Gracias Vieira Filho

Objetivo desta aulaCompreender a relevância de uma disciplina que engloba os conhecimentos de duas das mais importantes ciências humanas: a antropologia e a sociologia. Para isso, ao longo de seis tópicos para discussão, vamos responder às seguintes perguntas:1. Qual a utilidade da antropologia e da sociologia como

ferramentas para compreensão do mundo em que vivemos?2. De que forma as ciências humanas produzem conhecimento

em bases científicas?3. Qual a importância da antropologia e da sociologia para

outros campos científicos?

Assim, a antropologia e a sociologia são importantes para:

1. Desmistificar noções de senso comum que, muitas vezes, incorporam preconceitos e

desinformação

O senso comum [1]

O senso comum é formado a partir de pretensos saberes e certezas que aparecem de forma difusa na sociedade e que, muitas vezes, incorporam noções preconceituosas. Trata-se do “saber” que emerge das falsas obviedades, não é acompanhado de reflexão crítica e carece de análise mais detalhada. Pode até conter alguns elementos que refletem a realidade, mas não é fruto de pesquisa sistemática. A antropologia e a sociologia, como ciências, propõem a análise metodologicamente fundamentada da realidade, para oferecer conclusões de maior densidade e que superem o simplismo.

O senso comum [2]

No atual cenário social e político, o senso comum tem renovado seu protagonismo. Os recentes questionamentos à ciência e objetividade do conhecimento, dinamizados pela velocidade da comunicação na internet, têm produzido novas manifestações do senso comum:● O fenômeno das fake news: as notícias falsas que se alastram

via aplicativos de comunicação e redes sociais;● A ideia de que todos podem ter “sua própria verdade” -

sendo que esta não precisa estar ancorada em nenhum conhecimento cientificamente construído.

O senso comum: alguns exemplos práticos

Nos slides a seguir, vamos abordar dois exemplos que retratam, didaticamente, o uso do senso comum:

1. “Obviamente, o Brasil é um dos países mais corruptos do mundo. Talvez o mais corrupto”;

2. “Ao colocarmos algum tipo de agente patogênico - como vírus ou bactérias - em nosso organismo, estamos prejudicando nosso sistema imunológico e aumentando o risco de contrairmos alguma doença. Para crianças isso pode ser ainda mais perigoso”.

O Brasil é o país mais corrupto do mundo?

No Índice de Percepção da Corrupção (2019), o Brasil ocupa a posição de número 106, junto com Albânia, Argélia, Costa do Marfim, Egito, Macedônia do Norte e Mongólia - todos países em desenvolvimento. A lista abrange 180 países e territórios.

Mapa da percepção de corrupção no mundo, 2019. Fonte: Transparência Internacional.

Vírus e bactérias são sempre prejudiciais à saúde? [1]

Na verdade, a utilização de agentes patogênicos mortos ou atenuados é o ponto de partida para produção de vacinas e o subsequente processo de imunização de pessoas. Doenças transmitidas por vírus ou bactérias, antes epidêmicas, foram controladas por políticas públicas de vacinação em massa. A varíola, moléstia altamente infecciosa e caracterizada por extensas lesões na pele, está erradicada desde 1980, após um esforço global de vacinação. Mais recentemente, afirmações carentes de base científica, sobre potenciais riscos das vacinas, têm gerado impactos negativos nos níveis de imunização.

Vírus e bactérias são sempre prejudiciais à saúde? [2]

A atual onda antivacinas está vinculada a uma falsa associação entre a vacina MMR (contra sarampo, rubéola e caxumba) e a possibilidade de desenvolvimento de autismo em crianças. Em 1998, um médico inglês publicou um artigo, em importante revista científica, no qual afirmava um nexo de causalidade entre a MMR e o autismo. Após ampla revisão, ficou provado que o estudo falseou dados, não havendo qualquer conexão entre essa vacina e o autismo. Esse caso desencadeou um grande número de teorias conspiratórias e movimentos de resistência à vacinação.

Vírus e bactérias são sempre prejudiciais à saúde? [3]

Fontes:

Artigo consultado: IDOETA, Paula Adamo. A história que deu origem ao mito da ligação entre vacinas e autismo. BBC News Brasil, 24 de julho de 2017. Acessado em 14/02/2019. Disponível em: www.bbc.in/2T52fCh.Para saber mais: BBC News Brasil. Vacinação: os 8 mitos que estão levando ao ressurgimento de doenças evitáveis. 11 de fevereiro de 2019, acessado em 14/02/2019. Disponível em: www.bbc.in/2N8CcYN.

Imagem: criança com sarampo. Foto: CDC/NIP/Barbara Rice, domínio público.

2. Perceber que a realidade é mais complexa do que parece à primeira

vista

Problematizando a “realidade”O que chamamos simplesmente de “realidade” e que parece algo natural - que teria surgido de forma espontânea - é o somatório e a interação de uma série de ações, relações, processos, conflitos e disputas sociais. Na “realidade” participam indivíduos, instituições, agentes, coletivos e classes. Trata-se de um enorme conjunto de protagonistas, que podem se relacionar das mais diversas formas: em cooperação, antagonismo, disputa, em situações de intolerância ou coexistência pacífica, etc. As sociedades também não são monólitos: em seu interior há diversidade, movimentação e complexidade.

3. Tomar consciência dos processos de exploração, dominação e

intolerância que marcam as relações sociais e sociedades

As relações sociais são marcadas por conflitos [1]

As sociedades são atravessadas por uma série de relações de exploração, dominação, intolerância e conflito, de tal modo que falar em “harmonia” pode ser o resultado de uma visão de senso comum.

Uma das tarefas das ciências humanas é a de entender os antagonismos e forças em disputa na sociedade. Também cabe a análise, em bases científicas, das relações de exploração e suas consequências.

As relações sociais são marcadas por conflitos [2]

Desse modo, para problematizar a ideia simplista da sociedade em harmonia, as ciências humanas devem atentar às situações:● Em que um grupo cultural encontra-se submetido a outro; ● Em que uma classe social exerce dominação sobre outra; ● Em que indivíduos se veem forçados a obedecer, com a

violação de seus direitos e garantias individuais;● De opressão econômica e desigualdade social;● Também é importante perceber quando a coação é imposta,

de forma deliberada e sistemática, pelo Estado e seus representantes - como, por exemplo, as forças policiais.

4. Perceber que as relações sociais, culturais e políticas não são naturais: resultam da atuação de grupos sociais, do choque de

interesses e passam por constantes transformações

Romper com a naturalização

As ciências humanas, ao promoverem a ruptura com o senso comum, atacam a naturalização das relações sociais. Quando dizemos que algo é “natural”, cria-se a sensação de que uma determinada situação é espontânea - e, portanto, “correta” - ou fruto da determinação de forças metafísicas. Também cria-se a ilusão de que um fato aparentemente natural é imutável - algo que sempre foi e sempre será de um determinado modo. Cabe ao cientista social, em sentido contrário, demonstrar que o mundo é a resultante de um conjunto de construções sociais, culturais e simbólicas. As relações sociais possuem muito pouco de naturais e o fato de tentarem se legitimar desse modo é apenas mais um elemento de sua construção.

Exemplos do que já foi considerado natural ou aceitável

● Situações em que uma determinada nação, sociedade, etnia, etc, considerou razoável escravizar um grupo de pessoas;

● A certeza de que determinadas raças eram moral e/ou intelectualmente inferiores a outras;

● A submissão das mulheres aos homens, tanto no casamento como nas relações sociais de modo geral;

● Mecanismos de discriminação e segregação para condições consideradas indesejáveis à sociedade (exemplo: internação forçada de pessoas em situação de sofrimento psíquico);

● Ruas, lojas e estabelecimentos diversos proibidos a pessoas de raças, classes ou religiões “indesejáveis”;

● Entre vários outros exemplos.

5. Entender que há correntes de pensamento distintas e, desse modo, diferentes formas de compreender a

realidade

Não há verdade absoluta

No campo das ciências humanas, não há uma “verdade absoluta”. Diferentes autores, teorias ou escolas de pensamento podem abordar um determinado fenômeno social e propor variadas explicações e sentidos ao mesmo. Vejamos um exemplo. Alguns antropólogos acreditam que todos os comportamentos humanos são culturalmente aprendidos, enquanto outros percebem uma influência relevante de fatores físicos e biológicos em nosso modo de agir.

Importante: o fato de não haver verdade absoluta não significa ausência de objetividade. As conclusões apresentadas pelas ciências humanas, embora possam ser conflitantes, devem sempre se apoiar em pesquisas relevantes e metodologicamente consistentes.

Por fim, de um ponto de vista prático, precisamos:

6. Compreender a utilidade da antropologia e da sociologia para o cotidiano e a atividade profissional

Os usos profissionais dessas ciências [1]

Qual a utilidade de tudo isso? Esta é uma pergunta bastante comum para disciplinas das ciências humanas. Ainda mais corriqueira quando os alunos dedicam-se a outros campos acadêmicos e são obrigados a tomar contato com tais conhecimentos. Inicialmente, cabe dizer que o aprendizado de antropologia e sociologia contribui para uma formação de caráter humanista e multidisciplinar. Além disso, no atual cenário de efervescência social e política, é importante possuir ferramentas para lidar com debates cada vez mais complexos. Como analisar uma determinada disputa eleitoral? Um projeto de lei? Como evitar o fenômeno das fake news?

Os usos profissionais dessas ciências [2]Profissionalmente, esta disciplina poderá auxiliá-los em duas tarefas:● Como entender os problemas apresentados por um paciente,

cliente ou aluno? Suas questões derivam de problemas sociais ou econômicos? Ele faz parte de um grupo que é alvo de preconceito? Ou ele apenas fez escolhas ruins? A antropologia e a sociologia podem ser úteis para decifrar as origens sociais dos problemas que se apresentam em um consultório ou sala de aula;

● A compreensão desses problemas será mais ampla caso tomemos contato com a realidade em que são produzidos. O trabalho de campo é uma ferramenta muito útil para verificar in loco os desafios que seus pacientes, clientes e alunos enfrentam e, também, para conhecer o entorno de seu local de trabalho.

Bibliografia e fontes de consulta

CHAUÍ, Marilena. Convite à Filosofia. São Paulo, Editora Ática, 2008.

GEERTZ, Clifford. A interpretação das culturas. Rio de Janeiro, LTC, 2015 [1973].

GIDDENS, Anthony & SUTTON, Philip W. Conceitos essenciais de sociologia. 2ª edição revisada. São Paulo, Editora Unesp, 2017 [2014].

SCHULZ, Peter. Falsa ciência e pós-ciência? In: ComCiência - Revista eletrônica de jornalismo científico. 17 de abril de 2018. Disponível em: <http://www.comciencia.br/falsa-ciencia-e-pos-ciencia/>. Acesso em 15 de janeiro de 2019.

Muito obrigado por sua atenção!

Profº Me Antonio Gracias Vieira Filho

Contato: antoniofilho@facpiaget.com.br

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