tosi, guiseppe - direitos humanos uma retorica vazia-interroga

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  • 8/4/2019 TOSI, Guiseppe - Direitos Humanos Uma Retorica Vazia-Interroga

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    Ano 3 Nmero Especial dezembro-99 - 47

    Revista SymposiuM

    Direitos humanos:uma retrica vazia ?

    Giuseppe Tosi *

    Resumo:

    O paradoxo dos direitos humanos reside no con-traste entre o movimento de universalizao, mul-tiplicao e especificao sempre crescente dassolenes declaraes de direitos e o aumento gene-ralizado das violaes e do desrespeito aos direi-tos humanos. Para encontrar respostas a essa ques-to, o autor esboa um breve histrico das trs prin-cipais correntes de pensamento que contriburampara a formao da doutrina dos direitos humanos

    e que influram na Declarao Universal de 1948:o liberalismo, o socialismo e o cristianismo social.Essas correntes deram origem a trs tipos ouclasse, ou geraes de direitos: os direitos deliberdade, os direitos sociais e os direitos de soli-dariedade. Os direitos sociais, apesar de ter apare-cido depois dos direitos individuais, constituema condio necessria para a realizao dos segun-dos: sem a garantia de um mnimo de direitos soci-ais que permitam uma vida digna, no possvelusufruir efetivamente dos direitos civis. No en-

    tanto o processo de globalizao e a ideologianeoliberal que o dominam significam um retor-no - e um retrocesso - pura defesa dos direitos deliberdade, com uma interveno mnima do Esta-do. Nessa perspectiva, no h lugar pelos direitoseconmico-sociais e/ ou de solidariedade da tradi-o socialista e do cristianismo social; por issonovas e velhas desigualdades sociais e econmi-cas esto surgindo no mundo inteiro. O paradoxodos direitos humanos se explica pelo desencontro

    de duas globalizaes: a globalizao das declara-es vai no sentido oposto da globalizao das re-laes econmicas dominantes. por isso que adoutrina dos direitos humanos corre o risco de setornar uma retrica vazia de contedo efetivo.

    Palavras-chave: direitos humanos, liberalismo, so-cialismo, cristianismo social.

    Abstract:

    The paradox of human rights rests on the contrastbetween the ever-growing movement ofuniversalization, multiplication, and specificationof the solemn declarations of rights and the generalincrease of violations and disrespect of humanrights. To find answers to this question the paperoutlines a brief record of the three main currentsof thought that contributed to the formation ofthe human rights doctrine and that influenced theUniversal Declaration of 1948: liberalism,socialism, and social Christianity. These currentsgave way to three types or class or generationsof rights: the rights of liberty, social rights, andthe rights of solidarity. Despite emerging afterindividual rights, social rights constitute thenecessary condition for the accomplishment of thefirst ones. Without the elementary social rights that

    allow for a dignified life it is not possible to takeadvantage of civil rights effectively. Nevertheless,the globalization process controlled by neo-liberalideology means a going back and a retrogression to the pure defense of liberty rights with aminimum intervention of the State. In thisperspective, there is no place for social andeconomic rights and/ or for solidarity of thesocialist tradition and for social Christianity; thisexplains why new and old social and economicinequalities are emerging all over the world. The

    paradox of human rights explains itself by theclash of two globalizations: the globalization ofdeclarations goes against the globalization of thedominant economic relations. And, because of this,human rights doctrine may be transformed into atruly empty rhetoric.

    ______________________________* O presente artigo a reelaborao de uma palestra proferida no

    Departamento de Filosofia, da Universidade Catlica dePernambuco, no dia 17/ 08/ 99, no mbito do II Ciclo de Pales-tras do N cleo de E studos e Pesquisas em tica e D ireitos H u-manos (N E PE DH ), do Centro de Teologia e Cincias Huma-nas.* Professor do Departamento de Filosofia, da Universidade Fede-ral da Paraba.

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    Key words: Human rights - liberalism - socialism- social Christianity

    1. O PARADOXO ATUAL DOS DIREITOSHUMANOS

    impossvel no reconhecer como umadas caractersticas marcantes da nossa poca a exis-tncia de um grande movimento terico e prticopela promoo dos direitos humanos, o qual nose limita s declaraes das Naes Unidas e dosoutros organismos internacionais, mas repercutenas disposies constitucionais de grande parte dosEstados, constituindo, assim, pela primeira vez, nahistria da humanidade, um conjunto de princpi-os norteadores do direito internacional que alguns

    juristas definem como cdigo universal dos direi-tos humanos, direito pan-humano ou super-constituiomundial, distinta e superior ao Direi-to Internacional.1

    Aparentemente, estaria realizando-se a es-perana kantiana de um progresso moral da huma-nidade cujo signum prognosticum et rememorativumseria justamente a existncia desse corpus de direi-tos universais que realizariam o ponto de vista cos-mopolita (weltbrgerlich) auspiciado e preconizadopelo grande filsofo iluminista alemo. Como afir-

    ma Norberto Bobbio:

    fato hoje inquestionvel que a Declara-o Universal dos Direitos do Homem, de10 de dezembro de 1948, colocou as pre-missas para transformar os indivduos sin-gulares e no apenas os Estados, em sujeitos

    jurdicos de direito internacional, tendo as-sim, por conseguinte, iniciado a passagempara uma nova fase do direito internacional,a que torna esse direito no apenas o direito

    de todas as gentes, mas o direito de todos osindivduos. Essa nova fase do direito inter-nacional no poderia se chamar, em nomede Kant, de direito cosmopolita? 2

    A doutrina dos direitos humanos constitui-ria, assim, a expresso da mais alta conscincia

    moral que a humanidade jamais alcanou no seulongo processo histrico.

    Ao mesmo tempo, faz-se necessrio reco-nhecer que as violaes sistemticas e macias dos

    direitos humanos aumentam com a mesma veloci-dade da assinatura dos tratados e so to univer-sais quanto as declaraes que os proclamam, comodenunciam quotidianamente os relatrios das Na-es Unidas e das Organizaes No-governamen-tais e, como podemos constatar, quotidianamenteno nosso Pas.

    Poderamos interpretar esse fenmenocomo um efeito da prpria declarao universal:violaes aos direitos humanos sempre existiramna histria da humanidade em todas as pocas ecivilizaes, porm somente agora aparecem comotais, porque somente agora temos um critrio e umparmetro que nos permite medi-las, verific-las edenunci-las.3

    Efetivamente um tal argumentominimalista tem as suas razes de ser, mas nopode ser uma resposta satisfatria para a enorme ecrescente frustrao frente ao abismo sempre mai-or entre as declaraes de princpios e a realidade,abismo que arrisca de tornar os direitos humanos

    uma retrica vazia.

    Frente a essa situao, acreditamos que preciso no somente se engajar no grande movi-mento prtico para a efetivao dos direitos, mastambm avanar no aprofundamento terico dasquestes e dos pressupostos. No podemos deixarde nos perguntar por que a sociedade moderna, queprovocou um desenvolvimento histrico das for-as produtivas indito e que teve o mrito de colo-car a centralidade dos direitos do homem, no foi

    capaz de cumprir as promessas solenemente fei-tas.

    Como afirma , com muita eficcia, HenriqueCludio de Lima Vaz:

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    O paradoxo da contemporaneidade o pa-radoxo de uma sociedade obsessivamente pre-ocupada em definir e proclamar uma listacrescente de direitos humanos, e impotentepara fazer descer do plano de um formalismo

    abstrato e inoperante esses direitos e lev-los a uma efetivao concreta nas institui-es e nas prticas sociais 4.

    Para encontrar uma resposta a esse para-doxo, parece-nos crucial enfrentar o problema darelao que se estabelece, na modernidade, entreos direitos civis e polticos (ou direitos de liberda-de) e os direitos econmico-sociais (ou direitos cr-ditos). A tese que queremos apresentar que, ape-sar de uma aparente complementaridade entre es-sas duas classes de direitos, existe uma realcontraditoriedade, dificilmente reconcilivel.5

    2. UM BREVE H ISTRICO.

    Na constituio da doutrina dos direitos dohomem, assim como ns a conhecemos hoje, con-fluem as contribuies de vrias correntes de pen-samento e de ao, entre as quais as principais nosparecem ser o liberalismo, o socialismo e o cristia-nismo social.

    O liberalismo: libert.

    O pensamento liberal moderno considera-do o principal artfice da elaborao terica e darealizao prtica dos direitos do homem.6 A dou-trina jurdica que funda os direitos humanos o

    jusnaturalismo , isto , teoria dos direitos natu-rais, que rompe com a tradio do direito naturalantigo e medieval, sobretudo a partir de ThomasHobbes, no sc. XVII.

    As caractersticas principais do que

    Norberto Bobbio define como modelojusnaturalista ou Hobbesiano7 so as seguintes:

    a) individualismo: existem (ora como dado his-trico, ora como hiptese de razo) indivduosque vivem num estado de natureza anterior criao do Estado e que gozam de direitos ine-rentes e intrnsecos, tais como o direito vida,

    propriedade, liberdade, segurana e igual-dade frente necessidade e morte;

    b) o estado de natureza: um pressuposto co-mum a todos os pensadores desse perodo, ain-

    da que eles o caracterizem de modo divergente:ora como um estado de guerra (Hobbes)8, oracomo um estado de paz instvel (Locke)9, oracomo primitivo estado de liberdade plena(Rousseau)10;

    c) o contrato social entendido como um pactoartificial (no importa se histrico ou ideal) en-tre os indivduos livres para a formao da so-ciedade civil, que, dessa maneira, supera o es-tado de natureza. Atravs desses pactos todosos indivduos se tornam cidados renunciando prpria liberdade, in parte ou in toto, paraconsign-la nas mos do prncipe absolutista deHobbes ou do monarca constitucional de Locke,ou da Assemblia Geral de Rousseau, que re-presenta diretamente a vontade geral. Apesardessas diferenas, o que h em comum entre osautores o carter voluntrio e artificial dopacto ou do contrato, que serve para garantiros direitos fundamentais do homem no estadode natureza, que eram continuamente postosem perigo pela falta de uma lei e de um Estado

    que tivesse a fora de faz-la respeitar;

    d) o Estado nasce para proteger e garantir a efeti-va realizao desses direitos naturais inerentesaos indivduos, que no so criados pelo Esta-do, mas a ele precedentes, e que o Estado temo cmpito de proteger. Para Hobbes, trata-sesobretudo do direito vida; para Locke, do di-reito de propriedade; para Kant, do nico e ver-dadeiro direito natural que inclui todos os ou-tros, que a liberdade.

    Essas idias surgiram nos sculos XVII eXVIII, no perodo em que a classe burguesa estavareivindicando maior liberdade de ao e de repre-sentao poltica frente classe dos nobres e doclero, e forniram uma justificativa ideolgica con-sistente aos movimentos revolucionrios que, ins-pirando-se nas doutrinas jusnaturalistas, levaram

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    progressivamente dissoluo do mundo feudal e constituio do mundo moderno. O

    jusnaturalismo, sobretudo por meio da obra dosiluministas, teve uma importante influncia sobreas grande revolues liberais dos scs. XVII e

    XVIII. Entre os textos fundamentais desse pero-do, assinalamos:

    a Declarao de Direitos ( Bill of Rights) da assimchamada Revoluo Gloriosa, que aconteceu naInglaterra, em 1668, e levou formao de umamonarquia constitucional;

    a Declarao dos direitos ( Bill of Rights) do E stadoda V irgnia de 1777, que foi a base da declara-o da Independncia dos Estados Unidos daAmrica (em particular, os primeiros 10emendamentos de 1791);

    a D eclarao dos direitos do homem e do cidadodaRevoluo Francesa, de 1789, que derrubou oantigo regime ( A ncien Rgime) e proclamou aRepblica.

    importante sublinhar que os direitos dopensamento liberal tm o seu ncleo central nosassim chamados direitos de liberdade, que sofundamentalmente os direitos do indivduo (bur-gus) liberdade, propriedade, segurana. OEstado limita-se garantia dos direitos individu-

    ais atravs da lei, sem intervir ativamente na suapromoo.11 Por isso, esses direitos so chamadosde direitos de liberdade negativa, porque tmcomo objetivo a no interveno do Estado naesfera dos direitos individuais.

    oportuno tambm lembrar que, apesar daafirmao de que os homens nascem e so livrese iguais, uma grande parte da humanidade per-manecia excluda dos direitos: a D eclarao dos E s-tados da V irgnia no considerava os escravos como

    titulares de direitos iguais aos dos homens livres; aD eclarao dos direitos do homem e do cidado da Revo-luo Francesa no considerava as crianas e asmulheres como sujeitos de direitos iguais aos doshomens. Em geral, em todas essas sociedades, spodiam votar os homens adultos e ricos; as mulhe-res, os pobres e os analfabetos no podiam partici-par da vida poltica. Devemos tambm lembrar que

    esses direitos no valiam nas relaes internacio-nais. Com efeito, nesse perodo, na Europa, ao mes-mo tempo em que se proclamavam os direitos uni-versais do homem, tomava um novo impulso ogrande movimento de colonizao e de explora-

    o dos povos extra-europeus. Assim a grande parteda humanidade ficava excluda do gozo dos direi-tos.

    O Socialismo: egalit.

    A tradio liberal dos direitos do homemdomina o perodo que vai do sc. XVII at o co-meo do sc. XIX, quando acaba o grande perododas revolues burguesas. Nessa poca, entra emcena o socialismo, que encontra suas razes naque-les movimentos mais radicais da Revoluo Fran-cesa que queriam no somente a realizao da li-berdade mas tambm da igualdade no somenteda igualdade frente lei mas da igualdade econ-mica e social.

    O socialismo, sobretudo a partir dos movi-mentos revolucionrios de 1848 (ano em que foipublicado o Manifesto da Partido Comunista deMarx e Engels)12, reivindica uma srie de direitosnovos e diversos daqueles da tradio liberal. AE galitda Revoluo Francesa era somente (e par-

    cialmente) a igualdade dos cidados frente lei,mas o capitalismo estava criando grandes desigual-dades econmicas e sociais, e o Estado no inter-vinha para pr remdio a essa situao.

    Os movimentos revolucionrios de 1848constituem um acontecimento chave na histriados direitos humanos, porque conseguem que, pelaprimeira vez, seja acolhido na Constituio Fran-cesa, ainda que de forma incipiente e ambgua, oconceito de direitos sociais.13 Estava assim aberto

    o longo e tortuoso caminho que levaria progressi-vamente incluso de uma srie de direitos novose estranhos tradio liberal: educao, ao tra-balho, segurana social, sade etc. que modifi-cam a relao do indivduo com o Estado. O libe-ralismo olhava o Estado com intrnseca desconfi-ana: a questo central era a garantia das liberda-des individuais contra a interveno do Estado

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    nos assuntos particulares. Agora, tratava-se de obri-gar o Estado a fornecer um certo nmero de servi-os para diminuir as desigualdades econmicas esociais e permitir a efetiva participao a todos oscidados da vida e do bem estar social. Por isso,

    esses direitos so, s vezes, chamados de direitoscrditos, porque se entende que cada cidadonasce com um crdito de direitos que cabe aoEstado fornecer-lhe durante a sua vida.14

    Esse movimento tomar um grande impulsocom as revolues socialistas do sc. XX e com asexperincias socialdemocrticas e laburistas euro-pias. De fato, atravs de muitas lutas, de avanose recuos, os direitos sociais, sobretudo aps a Se-gunda Guerra Mundial, comeam a ser colocadosnas Cartas Constitucionais e postos em prtica,criando, assim, o chamado Estado Social (WelfareState) nos pases capitalistas (sobretudo europeus)e garantindo uma srie de conquistas sociais nospases socialistas.

    oportuno assinalar que o processo no foito linear e simples como parece nesta sumriaexposio; na verdade, nunca foi fcil colocar emprtica, ao mesmo tempo, os direitos de liberdade(civis e polticos) e os direitos de igualdade (eco-nmicos sociais). Em particular, nos pases de re-

    gime socialista, a garantia dos direitos econmico-sociais foi acompanhada por uma brutal restrio,ou at eliminao, dos direitos civis e polticos in-dividuais.

    bom sempre lembrar que desse avano dosdireitos sociais ficaram, em grande parte, exclu-dos os pases submetidos dominao colonial ouneocolonial que representavam a grande parte dahumanidade.

    A doutrina social da Igreja: fraternit.

    Mas, antes de chegar contemporaneidade, preciso dizer algo a respeito de um outro atorsocial que desenvolveu um papel importante, isto, o cristianismo social, ainda que me limitarei aalguns poucos acenos doutrina social da IgrejaCatlica.

    A mensagem bblica, especialmente a evan-glica, contm um forte chamamento fraternidadeuniversal: o homem foi criado por Deus a sua ima-gem e semelhana e todos os homens so irmos,porque tm Deus como Pai. O homem tem um

    lugar especial no Universo e possui uma sua in-trnseca dignidade. A doutrina dos direitos natu-rais que os pensadores cristo elaboraram a partirde uma sntese entre a filosofia grega e a mensa-gem bblica valoriza a dignidade do homem e con-sidera como naturais alguns direitos e deveres fun-damentais que Deus colocou no corao de todosos homens.15

    Porm o envolvimento e a identificao sem-pre maior da Igreja com as estruturas de poder dasociedade antiga e medieval fizeram com que osideais da natural igualdade e fraternidade humanaque ela proclamava no fossem, de fato, respeita-dos e colocados em prtica. Com o advento dostempos modernos, a Igreja Catlica foi fortementeatingida pelas grandes reformas religiosas, sociaise polticas do tempo e foi perdendo progressiva-mente o poder temporal e uma grande parte dopoder econmico que se fundava na propriedadeda terra. Esse, talvez, foi um dos motivos princi-pais da hostilidade da Igreja s doutrinas e s pra-ticas dos direitos humanos na modernidade: a Igreja

    ficou defendendo o Antigo Regime do qual era umaparte fundamental com todos os seus privilgios.16

    No sc. XIX, por exemplo, o Papa Pio VI,em um dos numerosos documentos contra-revolu-cionrios, afirma que o direito de liberdade de im-prensa e de pensamento um direito monstruo-so, deduzido da idia de igualdade e liberdadehumana, e comenta: No se pode imaginar nadade mais insensato que estabelecer tal igualdade euma tal liberdade entre ns.17

    Em 1832, o Papa Gregrio XVI descreve aliberdade de conscincia como um princpio erra-do e absurdo, ou melhor, uma loucura(deliramentum), que se deva assegurar e garantir acada um a liberdade de conscincia. Este um doserros mais contagiosos... A isto est conexa a li-berdade de imprensa, a liberdade mais perigosa,

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    uma liberdade execrvel que nunca poder susci-tar bastante horror.18

    A hostilidade da Igreja Catlica aos direitoshumanos modernos comea a mudar somente com

    o Papa Leo XIII que, com a sua famosa Encclica Rerum N ovarum, de 1894, dar incio chamadaDoutrina Social da Igreja. A Igreja Catlica pro-cura com isso inserir-se de maneira autnoma en-tre o liberalismo e o socialismo, propondo uma viaprpria inspirada nos princpios cristos. na dou-trina social da Igreja, por exemplo, que se inspiramos partidos democrata-cristos da Europa.

    Esse movimento continuar durante todo onosso sculo e levar a Igreja Catlica, especial-mente aps o Concilio Vaticano II, a modificar pro-fundamente sua posio de inicial condenao dosdireitos humanos. A Declarao sobre a Liberda-de religiosa, contm, por exemplo, esta afirma-o:

    O homem tem que seguir fielmente a suaconscincia... No permitido obrig-lo aagir contra a sua conscincia. Mas no se devetampouco impedir de agir em conformidadecom ela, sobretudo no campo religioso... Aliberdade religiosa na sociedade est plena-

    mente em sintonia com a liberdade do atode f crist.19

    Mais recentemente, o papa Joo Paulo II, nasua Encclica Redemptor H ominis, escreve:

    No se pode no lembrar aqui com estimae com profunda esperana para o futuro omagnfico esforo realizado para dar vida Organizao das Naes Unidas, um esfor-o que tende a estabelecer e definir os obje-

    tivos e inviolveis direitos do homem ... AIgreja no precisa confirmar quanto este pro-blema esteja estritamente ligado com a suamisso no mundo contemporneo. Ele estna base da prpria paz social e internacio-nal, como declarou ao respeito o papa JooXXIII.20

    A Igreja Catlica se inseriu, assim, ainda quetardiamente, no movimento mundial pela promo-o e tutela dos direitos humanos conjuntamentecom outras igrejas crists que esto engajadas nes-sa luta, num dilogo ecumnico interno ao cristia-

    nismo e aberto s outras grandes religies mundi-ais. Cabe aqui citar, s a titulo de exemplo, aDecla-rao para uma tica Mundial, promovida pelo Par-lamento das Religies Mundiais em Chicago, em1993, que se inspira no trabalho de alguns telo-gos ecumnicos, como Hans Kng,21 os quais pro-clamam a centralidade dos direitos humanos indi-viduais e sociais.

    A declarao universal da ONU

    Quando, aps experincia terrvel das duasguerras mundiais, os lderes polticos criaram a ONUe confiaram-lhe a tarefa de evitar a guerra e de pro-mover a paz entre as naes, consideraram que a pro-moo dos direitos naturais do homem fosse umacondio necessria para uma paz duradoura. Por isso,um dos primeiros atos da Assemblia Geral das Na-es Unidas foi a proclamao, em 1948, de umaDeclarao Universal dos Direitos H umanos,

    cujo primeiro artigo reza da seguinte forma:

    Todas as pessoas nascem livres e iguais em

    dignidade e em direitos. So dotadas de ra-zo e de conscincia e devem agir em rela-o umas s outras com esprito defraternidade.

    Os redatores tiveram a clara inteno de reu-nir, numa nica formulao, as trs palavras deordem da Revoluo Francesa de 1789: liberda-de, igualdade e fraternidade. Dessa maneira aD eclarao Universal reafirma o conjunto de direi-tos das revolues burguesas (direitos de liberda-

    de, ou direitos civis e polticos) e os estende auma serie de sujeitos que anteriormente estavamexcludos (os escravos, as mulheres, os estrangei-ros e, mais adiante, as crianas). Afirma tambmos direitos que vinham da tradio socialista (di-reitos de igualdade, ou direitos econmicos esociais) e do cristianismo social (direitos de soli-dariedade).22

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    A partir da declarao, atravs de vrias con-ferncias, pactos, protocolos internacionais, o n-mero de direitos foi-se universalizando23, multipli-cando24 e diversificando25 sempre mais: aos direi-tos civis e polticos (ou de primeira gerao) fo-

    ram acrescentando-se os direitos sociais e econ-micos (ou de segunda gerao). Em tempos maisrecentes, a lista dos direitos incluiu os direitos deterceira gerao26, que dizem respeito aos povos,s culturas e prpria natureza, como sujeita dedireitos (direitos ecolgicos) e se abrem perspecti-vas para direitos de quarta gerao (direitos dasgeraes futuras...).

    3. DIREITOS DE LIBERDADE VERSUSDIREIT OS CRDITOS

    Aparentemente, no haveria problemas: ao re-dor do ncleo essencial dos direitos liberais, d-seuma contnua agregao de direitos que, sem ferir osprincpios inspiradores fundamentais, vem amplian-do o leque dos direitos possveis, acompanhando ocrescimento da conscincia mundial da humanida-de. Porm as coisas no so to simples, porque,atrs dessa lista crescente de direitos, existem con-cepes diferentes de homem e de sociedade que noso facilmente compatveis. Limitar-me-ei somente questo da relao entre os direitos de liberdade e os

    direitos crditos que, na minha opinio, permanececomo a contradio fundamental. 27

    As diferentes concepes de Estado e de De-mocracia.

    Um primeiro problema consiste na diferen-te concepo de democracia e de Estado que asduas classes de direitos pressupem, como obser-vam Luc Ferry e Alain Renaut:

    De um lado temos uma concepo

    puramente negativa da lei, que se preocupade proibir toda tentativa (do Estado, degrupos ou de indivduos) que queira proibirao cidadao de gozar de suas liberdades dentrodos limites da sua compatibilidade com sdo outro: uma lei que proiba de proibir e cujafunao tem como eixo a democracia poltica... .

    Quando, ao contrrio, se introduz aconsiderao dos direitos sociais, se espera doEstado que, atravs de suas leis, intervenha naesfera social para assegurar uma melhorrepartiao da riqueza e corrigir as desigualdades:

    a funo, neste casopositiva, da lei de contribuirao surgimento de uma democracia social que tendeno mais somente para uma igualdade poltica(o direito igual de concorrer formao dalei), mas para uma igualizaao, pelo menosparcial, das condioes.28

    A democracia poltica e a democraciasocial pressupem uma diversa concepo doEstado, e o prprio Norberto Bobbio, num ensaiode 1968, afirmava, de maneira contundente e pe-remptria, a dificuldade de conciliar entre si doistipos de direitos incompatveis:

    Quando digo que os direitos do homemconstituem uma categoria heterognea, refi-ro-me ao fato de que - desde quando passa-ram a ser considerados como direitos do ho-mem, alm dos direitos de liberdade, tam-bm os direitos sociais - a categoria no seuconjunto passou a conter direitos entre siincompatveis, ou seja, direitos cuja prote-o no pode ser concebida sem que seja

    restringida ou suspensa a proteo de outros.[...] Essa distino entre dois tipos de direi-tos humanos, cuja realizao total e simult-nea impossvel, consagrada, de resto, pelofato de que tambm no plano terico se en-contram frente a frente e se opem duas con-cepes diversas dos direitos do homem, aliberal e a socialista.29

    Reapresenta-se, assim, no mbito da doutrinados direitos humanos, a antiga contraposio entre

    socialismo e liberalismo que aDeclarao Universal ten-tou conciliar, simplesmente agregando duas categori-as e classes de direitos heterogneas.

    O diferente estatuto jurdico

    Os direitos econmico-sociais, mesmo queestejam formalmente inseridos na Declarao Uni-

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    versal e sucessivamente especificados nas Conven-es e nos Pactos Internacionais e incorporadosnas Cartas Constitucionais e na legislao ordin-ria, gozam de um diferente estatuto jurdico.

    Enquanto os direitos de liberdade podem sertutelados, porque existe uma instncia jurdica epoltica que pode ser acionada a seu favor, os se-gundos, ao contrrio, carecem dessa proteo edessa fora coercitiva. Num Pas onde existe ummnimo de democracia poltica, um cidado podeapelar ao Estado para que lhe seja reconhecida,por exemplo, a liberdade de opinio ou de religio,ou de organizao sindical e partidria. Porm umdesempregado no pode dirigir-se a nenhum rgopblico para obter um emprego, mesmo que aConstituio garanta esses direitos. O mesmo valepara a maioria dos outros direitos econmicos esociais, inclusive em relao ao mais elementar detodos, que o direito vida: na nossa sociedade, diferena da sociedade escravista, somos livres demorrer de fome, porque ningum obrigado a nosmanter em vida .

    O prprio Bobbio admite que, no caso dosdireitos de segunda e terceira gerao, no se podefalar propriamente de direitos, mas de exign-cias morais, porque falta a coao da fora para

    faz-los respeitar:

    Partilho a preocupao dos que pensam quechamar de direitos exigncias (na melhordas hipteses) de direitos futuros significacriar expectativas, que podem no ser jamaissatisfeitas, em todos os que usam a palavradireito segundo a linguagem corrente, ouseja, no significado de expectativas que po-dem ser satisfeitas porque so protegidas.30

    O diferente estatuto ontolgico

    Mesmo que historicamente os direitos soci-ais venham depois dos direitos individuais, eles soontologicamente prioritrios, porque constituem ascondies necessrias para o exerccio dos primei-ros: sem os mnimos direitos econmicos e soci-ais, no se podem exercitar os direitos civis e pol-

    ticos. Para que existam cidados, preciso que exis-tam homens. O prprio Bobbio reconhece que:

    Em sua mais ampla dimenso, os direitossociais entraram na histria do

    constitucionalismo moderno com a Consti-tuio de Weimar. Da sua aparentecontraditoriedade, mas real complemen-taridade em relao aos direitos de liberda-de, a razo mais fundamental aquela quev neles uma integrao dos direitos de li-berdade, no sentido de que constituem aprpria condio do seu efetivo exerccio. Osdireitos de liberdade no podem estar asse-gurados se no garantindo a cada um aquelemnimo de bem estar econmico que con-sinta-lhes de viver com dignidade. 31

    Trata-se verdadeiramente, como afirmaBobbio, de uma aparente contraditoriedade masreal complementaridade ou, ao contrrio, de umacontradio real dificilmente supervel, perma-necendo os pressupostos tericos e prticos damodernidade?

    4. A GLOBALIZAO E OS DIREITOSHUMANOS

    Essa questo principal que nos gostara-mos de colocar para a discusso e que est na raizdo que chamamos o paradoxo da modernidade. uma questo antiga que reaparece no mais comocontraposio entre dois sistemas ideolgicos irre-conciliveis, mas como questo interna prpriadoutrina dos direitos humanos.

    Proclamar a integralidade, a indissociabili-dade e a indivisibilidade de todos os direitoshumanos, certamente algo de louvvel, mas podeescamotear e esconder o problema da

    heterogeneidade dos direitos e, s vezes, de umapossvel contraditoriedade entre classes de direi-tos que no podem ser garantidos ao mesmo tem-po e com a mesma eficcia.32

    Acreditamos que o que est em jogo nestedebate o papel da poltica e do Estado. Na con-cepo liberal, o Estado nasce da agregao de in-

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    divduos que supostamente viviam auto-suficien-tes e livres no estado de natureza, com o objetivode garantir a liberdade (negativa) de cada um emrelao ao outro. Por isso a realizao histrica dosdireitos no confiada interveno positiva do

    Estado, mas deixada ao livre jogo do mercado,partindo do pressuposto liberal (e liberista) de queo pleno desdobramento dos interesses egosticosde cada um - limitado somente pelo respeito for-mal do egosmo do outro - possa transformar-seem benefcio pblico pela mediao da mo invi-svel do mercado. O prprio contrato social fun-da-se no pressuposto do natural egosmo dos indi-vduos, que deve ser somente controlado e dirigi-do para uma sadia competio de mercado. Issono impede, como afirma H. C. de Lima Vaz, oreaparecimento do estado de natureza em pleno co-rao da vida social, com o conflito dos interessesna sociedade civil precariamente conjurado peloconvencionalismo jurdico.33

    A atual conjuntura mundial dominada peloprocesso de globalizao sob a hegemonianeoliberal (ou neoliberista) no faz que acentuaressa situao, exasperando a contradio entre de-mocracia poltica e social, entre direitos de liber-dade e direitos sociais. De fato, a globalizao dosdireitos humanos no vai no mesmo sentido da

    globalizao da economia e da finana mundial,que est vinculada lgica do lucro, da acumula-o e da concentrao de riqueza e desvinculadade qualquer compromisso com a realizao do bem-estar social e dos direitos do homem.

    A globalizao dos direitos humanos tendea incluir um nmero sempre maior de direitos, deprimeira, segunda, terceira, quarta gerao; mas nobasta acrescentar a lista dos direitos para que estesse tornem efetivos. Existem direitos fundamentais

    sem os quais a longa lista de direitos se torna va-zia: sem os direitos econmicos e sociais, no possvel garantir os direitos civis e polticos. Osdireitos de liberdade s podem ser assegurados,garantindo a cada homem as condies mnimasde bem-estar social que lhe permita viver com dig-nidade.

    No entanto o processo de globalizao e aideologia neoliberal que o dominam significam umretorno - e um retrocesso - pura defesa dos direi-tos de liberdade, com uma interveno mnima doEstado. Nessa perspectiva, no h lugar para di-

    reitos econmico-sociais e/ ou de solidariedade datradio socialista e do cristianismo social; por issonovas e velhas desigualdades sociais e econmi-cas esto surgindo no mundo inteiro.

    Essa a explicao mais profunda do quechamamos, no inicio do artigo, o paradoxo dosdireitos humanos, isto , uma proliferao de di-reitos que no conseguem se realizar praticamen-te, fazendo com que as solenes proclamaes uni-versais corram o risco de se tornarem uma retricavazia.

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    NOTAS

    1 PAPISCA A., D iritti umani, supercostituz ioneuniversale, in Pace, diritti delluomo, diritti deipopoli, 3 (1990), p. 13-24.

    2 BOBBIO N., Kant e a Revoluo Francesa, in A erados direitos, trad. de Carlos Nelson Coutinho,Campus, Rio de Janeiro 1992, p. 139. Ver.KANT I., Idia de uma H istria Universal do Pontode V ista Cosmopolita (1784) e A Paz Perptua.Um projecto Filosfico (1796), Edies 70, Lis-boa 1990.

    3 Como observa Guido Corso: Anche i governiche sistematicamente li violano negano di

    averlo fatto, prestando cos un implicitoomaggio allidea dei diritti. CORSO G., Diritti Umani in Ragion Pratica, 7 (1996),p. 59.

    4 VAZ H. C. de Lima, E scritos de Filosofia. tica ecultura, Loyola, So Paulo 1993, p. 174.

    5 Ver FERRY L. e RENAUT A.,D es droits de lhomme lide republicaine, Philosophie Politique 3,Presses Universitaires de France, Paris 1992.

    6 Ver BOBBIO N., A H erana da Grande Revoluo,in op. cit., p. 113-130.

    7 BOBBIO N., BOVERO M., Sociedade e E stado naFilosofia Poltica Moderna, trad. de Carlos Nel-son Coutinho, Brasiliense, So Paulo 1986.

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    8 HOBBES T. , L eviat, ou matria, forma e poder deum estado eclesistico e civil (1651), trad. de JooPaulo Monteiro e Maria Beatriz Nizza da Sil-va, Abril Cultural, So Paulo 1983 (Os Pensa-dores).

    9 LOCKE J., Segundo tratado sobre o Governo (1689-90), trad. de Anoar Aiex e E. Jacy Monteiro,Abril Cultural, So Paulo 1983 (Os Pensado-res).

    10 ROUSSEAU, J. J., Do Contrato Social (1757), trad.de Lourdes Santos Machado, Abril Cultural,So Paulo 1983 (Os Pensadores).

    11 Os primeiros dois artigos daDeclarao dos Direi-tos do H omem e do Cidado rezam assim: Art. 1Os homens nascem e so livres e iguais emdireitos. As distines sociais s podem fun-damentar-se na utilidade comum.Art. 2 A finalidade de toda associao polti-

    ca a conservao dos direitos naturais eimprescritveis do homem. Esses direitos soaa liberdade, a propriedade, a segurana e aresistncia opresso.

    12 Na verdade, Karl Marx foi um crtico severodas doutrinas dos direitos humanos por trs

    motivos:a) para Marx, como bom historicista e, neste

    aspeto, fiel discpulo de Hegel, no existemdireitos naturais, mas todos os direitos so his-tricos;

    b) os direitos humanos no so universais, masexpresso dos interesses de uma classe espec-fica: a burguesia, e, portanto, como direitosburgueses no podiam interessar classe pro-letria direta e irreconcilivel antagonista daburguesia;

    c) havia tambm uma critica especfica a algunsdireitos humanos da tradio liberal, como afir-ma explicitamente Marx em A questo Judaica:Assim, o Homem no se viu libertado da reli-gio; obteve, na verdade, a liberdade religiosa.No se viu libertado da propriedade; obteve aliberdade de propriedade. No se viu liberta-do do egosmo da indstria; obteve a liberda-

    de industrial.Sobre a relao entre o marxismo e os direitoshumanos, ver: LEFORT C., L inventionDmocratique. L es limi tes de la dominationtotalitaire, Fayard, Paris 1981 e OLIVEIRA. L.,

    Imagens da democracia. Os direitos humanos e o pen-samento poltico da esquerda no Brasil, prefcio deClaude Lefort, Pindorama, Recife 1996.

    13 No prembulo da Constituio Francesa de 1848,no pargrafo VIII, l-se que a Repblica doit,par une assistence fraternelle, assurerlexistence des citoyens ncessiteux, soit enleur procurant du travail, dans les limites deses ressources, soit en donnant, dfaut de lafamille, des secours ceux qui sont hors dtatde travailler. Cit in RENAUT A. FERRY L.,op. cit., p. 27.

    14 Para a distino entre droits- liberts e droits-crances, ver RENAUT A. FERRY L., op. cit.,pp. 26-40.

    15 Ver. MARITAIN J., I diritti delluomo e la leggenaturale, Vita e Pensiero, Milano 1991 (1942).

    16 Cf. AUBERT, Jean Marie, Diritti Umani eL iberaz ione E vangelica, Querianiana, Brescia

    1989; JASPER, Walter, L es droits de lhomme etlE glise, Conseil Pontifical Justice et paix,Cit du Vatican, 1990; AA.VV., L a dottrinasociale della Chiesa e i Diritti delluomo, Milano1981.

    17 Cit. in BOBBIO, N., A E ra dos direitos, op. cit.,p. 130.

    18 Cit. in SWIDLER, L., Diritti umani: una panoramicastorica, in Etica delle religioni universali e

    diritti umani, Concilium 2 (1990), p. 40 (188).19 CONCILIO VATICANO II, Dichiarazione sulla

    libert religiosa, 1045/ 1046.

    20 Cit. in SWIDLER L. op. cit., p. 41.

    21 Cf. KUNG, H. e KUSCHEL, K. J. (ed.)Per unetica

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    mondiale. L a dichiaraz ione del parlamento dellereligioni mondiali, Rizzoli, Milano 1995.

    22 ONU, Droits de lhomme. Recueil dInstrumentsinternationaux, Centre pour le Droits de

    lHomme, Genve 1994. Este texto rene to-dos os instrumentos universais das NaesUnidas. Em relao ao nosso debate, os textoschave so os que compem a assim chamadaCarta Internacional dos direitos do Homem,isto : A Declarao Universal dos Direitos doH omem (1948), o Pacto Internacional relativosaos direitos econmicos, sociais e culturais (1966),o Pacto Internacional relativos aos direitos civis epolticos (1966) e os dois Protocolos Facultati-vos (1966 e 1989).

    23 Em 1948, os Estados que aderiram Declara-o Universal da ONU eram somente 48, hojeatingem quase a totalidade das naes do mun-do. Iniciou, assim, um processo pelo qual osindivduos esto transformando-se de cidadosde um estado em cidados do mundo.

    24 Nessas dcadas, a ONU promoveu uma srie deconferncias especficas que aumentaram aquantidade de bens que precisavam ser defen-didos: a natureza e o meio ambiente, a identi-

    dade cultural dos povos e das minorias, o di-reito comunicao etc.

    25 As Naes Unidas tambm definiram melhorquais eram os sujeitos titulares dos direitos. Apessoa humana no foi mais considerada demaneira abstrata e genrica, mas na suaespecificidade e nas suas diferentes maneirasde ser: como mulher, criana, idoso, doente etc.

    26 Foi Karel Vasak que, na abertura dos cursos do

    Instituto Internacional dos direitos do Homem,em 1979, apontou a existncia dessa terceiragerao, chamando-os direitos de solidariedade,segundo informa Robert Pelloux, V rais et fauxdroits de lH omme, Revue de Droit Public et dela Science Politique en France et ltranger,Paris, 1(1981), p. 58. Cit. in FERREIRA FI-LHO, Manoel Gonalves , D ireitos H umanos

    Fundamentais, Saraiva, So Paulo 1996, p.57.Existe uma controvrsia sobre a oportunidadede considerar como efetivos direitos os de ter-ceira gerao, assim como existe divergnciaquanto lista dos direitos a serem includos

    nesta categoria. Manoel Gonalves Ferreiraprope a seguinte lista: direito paz, ao de-senvolvimento, ao patrimnio comum da Hu-manidade, comunicao, autodetermina-o dos povos, ao meio ambiente. O funda-mento desses direitos estaria numa nova con-cepo da ordem internacional baseada naidia de uma solidariedade ou de uma soci-edade entre os povos. Um dos problemas des-sa definio est na ausncia de uma organi-zao internacional com autoridade suficientepara tornar efetiva a garantia e a aplicao des-ses direitos.

    27 Apesar da multiplicao dos direitos, acredita-mos que os direitos de terceira e quarta gera-o e os direitos especficos das mulheres, dainfncia, do idoso etc. podem estar includosnas duas classes fundamentais de direitos: in-dividuais e sociais. Concordamos com GuidoConso: lecito concludere che, dal punto divista giuridico, i diritti umani sono riconducibilialle due classi dei diritti di libert e dei diritti

    sociali (o diritti di prestazione): in esse possonoessere inquadrati i cosiddetti diritti della terzae della quarta generazione salvi i casi in cui ildiritto manca, anche se c un dovere noncanalato a un diritti (doveri verso le generazionifuture, doveri verso gli animali, etc.) CONSO.G. op. cit., p. 65.

    28 L. FERRY e A. RENAUT, op. cit. pag. 30/ 31.(traduo minha)

    29

    BOBBIO, N.,A era dos direitos, op. cit., p. 4430 BOBBIO, N. op. cit. , p 79.

    31 BOBBIO,I diritti delluomo, oggi, inL et dei diritti,Einaudi, Torino 1992. (Este ltimo ensaio noest includo na traduo brasileira. Aparente-mente, nesse ensaio, escrito em 1991, Norberto

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    Bobbio mudou o seu julgamento anterior quan-to incompatibilidade entre os dois tipos dedireitos em favor da tese de uma aparentecontraditoriedade mas real complemen-tariedade).

    32 A classificao dos direitos por geraes vemsendo questionada por alguns estudiosos quepreferem utilizar o termo de defesa integraldos direitos humanos e, portanto, de suaindissolubilidade. Entre eles, o prof.Canado Trindade, o qual afirma: Nunca demais ressaltar a importncia de uma visointegral dos direitos humanos. As tentativas decategorizao de direitos, os projetos que ten-taram - e ainda tentam - privilegiar certos di-reitos s expensas dos demais, aindemonstrvel fantasia das geraes de di-reitos, tm prestado um desservio causada proteo internacional dos direitos huma-nos. Indivisveis so todos os direitos huma-

    nos, tomados em conjunto, como indivisvel o prprio ser humano, titular desses direitos.TRINDADE, A. A. Canado, A proteo Inter-nacional dos Direitos H umanos e o Brasil, Braslia,Editora Universidade de Braslia 1998, p.120.

    Mesmo reconhecendo como vlida e pertinentea afirmao da integralidade e daindissociabilidade dos direitos humanos, acre-ditamos que a categorizao por geraes dedireitos no seja uma indemonstrvel fanta-sia, ma corresponda ao efetivo movimentohistrico que contribuiu para a formao dosdireitos humanos. Acreditamos tambm que asdiferenas e incompatibilidades entre as duasclasses fundamentais de direitos no se resol-vem com a simples proclamao da suaindissociabilidade, afirmao que, alis, podeesconder essa contradio fundamental.

    33 VAZ, H. C. de Lima, op. cit. p. 175.