«tímido, fugidio, de poucas palavras, não mexe um dedo

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«Tímido, fugidio, de poucas palavras, não mexe um dedo

para fazer campanha, mas isso é considerado, justamente,

um dos seus grandes méritos. A sua austeridade e a sua

frugalidade, em conjunto com a sua intensa dimensão espi-

ritual, são dados que o elevam cada vez mais à condição de

papável.»

— Declarações do vaticanista Sandro Magister

no semanário italiano l’Expresso1

«O Papa Francisco é um homem centrado em Jesus

Cristo, que lê a Bíblia todos os dias.»

— Pastor e evangelista protestante, Luis Palau2

«Em nome do povo americano, a Michelle e eu ende re-

çámos as nossas mais calorosas felicitações a Sua Santidade

o Papa Francisco na sua ascensão à cátedra de São Pedro

e no início do seu papado […]. Como o primeiro Papa das

Américas, a sua escolha também deixa patente a so lidez

e a vitalidade de uma região que influencia cada vez mais

o nosso mundo e, em conjunto com milhões de hispano-

-americanos, nós, os residentes nos Estados Unidos, parti-

lhamos o júbilo deste dia histórico.»

— Presidente dos Estados Unidos da América, Barack Obama3

1 Sergio Rubin e Francesca Ambrogetti, El jesuita, Buenos Aires: Vergara, 2010. Edição em Portugal: Papa Francisco: Conversas com Jorge Bergoglio. Prior Velho: Edições Paulinas, 2013.

2 Luis Palau: «El Papa Francisco es un hombre centrado en Jesucristo, que lee la Biblia todos los días», Actualidad Evangélica, 14 de março de 2013.

3 Barack Obama, citado em David Jackson, «Obama sends best wishes to Pope Francis», USA Today, 14 de março de 2013, http://www.usatoday.com/story/theoval/2013/03/13/obama-michelle-pope-francis/1985687.

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«Desejo ao novo Papa eleito, Sua Santidade Francisco, muita luz e energias positivas para conduzir o povo católico.»

— Lionel Messi, futebolista argentino4

«Com muita vergonha, assistimos, há uns anos, a luxuosos jantares da Cáritas em que se leiloavam joias e objetos faustosos. Enganaram-se: isso não é a Cáritas.»

— Declarações do Papa Francisco à televisão5

«Estes são os hipócritas de hoje. Os que clericalizaram a Igreja. Os que afastam o povo de Deus da salvação. E essa pobre rapariga, que, ao invés de despachar o seu filho para o remetente, teve a coragem de o trazer ao mundo, anda a peregrinar de paróquia em paróquia, para que lho batizem.»

— 4 de setembro de 2012, Papa Francisco na missa deencerramento do encontro da Pastoral Urbana da região

pastoral de Buenos Aires6

4 «Messi desea al Papa “mucha luz y energías positivas”», Sport , 13 de março de 2013.

5 Assembleia Nacional da Cáritas 2009: Mensagem de Bergoglio aos membros da Cáritas (http://www.youtube.com/watch?v=Zey5vu-UCeA).

6 Jorge Mario Bergoglio, «Desgrabación de la homilía del cardenal Jorge Mario Bergoglio SJ, arzobispo de Buenos Aires en la misa de clausura del Encuentro de Pastoral Urbana Región Buenos Aires», 2 de setembro de 2012, http://www.pastoralurbana.com.ar/archivos/bergoglio.pdf.

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«Nós, os padres, tendemos a clericalizar os laicos. E os laicos, não todos, mas muitos, pedem-nos de joelhos que os clericalizemos, porque é mais cómodo ser sacristão do que protagonista de um caminho laical. Não temos de entrar nesse embuste, é uma cumplicidade pecadora […]. O laico é laico e tem de viver como laico, com a força do batismo […], carregando a sua cruz quotidiana tal como a carregamos todos. E a cruz do laico, não a cruz do padre. A cruz do padre que a leve o padre, que bom ombro lhe deu Deus para isso.»

— Papa Francisco em novembro de 20117

7 «Entrevista al Card. Jorge M. Bergoglio», AÍCA, 9 de novembro de 2011, http://www.aicaold.com.ar/index.php?module=displaystory&story_id=29236&format=html&fech=2011-11-09.

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Edição original

Título: Francisco. El primer papa latinoamericanoTexto: © 2013 Mario Escobar

Capa: Julie Faires AllenFotografia: Alessandro Bianchi, Reuters

Publicado por Thomas Nelson, EUA Todos os direitos reservados.

Edição em português

Título: A Vida de FranciscoTradução: Maria João Vieira

Revisão: José João LeiriaPaginação: Ana SeromenhoISBN: 978-989-668-194-4Depósito legal: 360 650/13

1.ª edição: junho de 2013Impressão: Publito, Braga

4000 exemplares

© 2013 Nascente, uma chancela da 20|20 Editora Todos os direitos reservados.

Proibida a reprodução total ou parcial desta obrasem prévia autorização da editora.

Rua Alfredo da Silva, 12 • 2610-016 Amadora • PortugalTel. +351 218936000 • GPS 38.7414, -9.2303

[email protected] • www.nascente.pt • nascenteeditoraEscreva-nos para receber as nossas novidades.

Garantia incondicional de satisfação e qualidade: se não ficar satisfeitocom a qualidade deste livro, poderá devolvê-lo diretamente à Nascente,juntando a fatura de compra, e será reembolsado sem mais perguntas.

Esta garantia é adicional aos seus direitos de consumidor e em nada os limita.

Nota da Editora: Todas as citações foram traduzidas das respetivas edições originais.

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Para Elisabeth, Andrea e Alejandro, a minha melhor escolha.

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Agradecimentos

Nós, os escritores, tentamos ser génios com as nossas palavras, mas há editores que são génios com os seus pensamentos e ideias. Larry Downs é esse tipo de pessoa. Obrigado, Larry, pela ligação que temos apesar dos milhares de quilómetros de distância que nos separam.

A minha profunda admiração à equipa do Grupo Nelson e a Thomas Nelson; são capazes de fazer milagres, eu próprio vi nestas últimas semanas. Graciela Lelli, a diretora de orquestra capaz de manter a calma no meio do maior stress. Recordo o passeio pela praia de Miami, com os sapatos na mão e a cabeça nos livros. Juan Carlos Martín Cobano é o género de pessoa que olha para as coisas e vê o que os outros mortais não vemos. Bom trabalho, amigo. Gretchen Abernathy, a quem acabo de conhecer, é a ponte perfeita entre duas culturas, meticulosa e infatigável. Quero conhecer-te pessoalmente, Gretchen. Se há alguma falha é apenas minha; tudo o que está bem foi feito por estes três génios.

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A equipa de Thomas Nelson lutou infatigavelmente. Paula Major, que aturou este espanhol e as suas manias literárias. A minha gratidão a Matt Baugher, obrigado por apostar neste livro e levá-lo ao lugar mais remoto do mundo.

Obrigado a Roberto Rivas, meu amigo mexicano, por confiar tanto nos meus livros.

Não posso esquecer tão-pouco o bom trabalho da Agencia Silvia Bastos e do infatigável Pau Centellas, que não para de receber e-mails meus com milhares de ideias. Obrigado, Pau, por me apoiares em tudo.

Obrigado, Robert Downs, por lançar este livro em todo o mundo.

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Índice

Agradecimentos 11

Introdução 15

I. O Dia de Primavera que Mudou a Minha Vida 21

Capítulo 1. A língua das suas memórias: uma família

de emigrantes italianos 23

Capítulo 2. O Dia de Primavera: vocação e entrega 29

Capítulo 3. Os duros dias da ditadura 45

Capítulo 4. A ascensão de um homem humilde 55

II. O Cardeal dos Jesuítas 65

Capítulo 5. Os jesuítas: o exército do Papa 67

Capítulo 6. Apoio a João Paulo II no seu apostolado

americano 83

Capítulo 7. O papável que deu a vez ao candidato

alemão 91

Capítulo 8. O conclave de 2013 113

III. Os Cinco Desafios do Novo Papa Francisco 131

Capítulo 9. O primeiro Papa das Américas 133

Capítulo 10. O primeiro Papa jesuíta 175

Capítulo 11. O Papa perante a modernidade

e a globalização 183

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Capítulo 12. O Papa perante os escândalos da Igreja

Católica 187

Capítulo 13. O Papa humilde e apaixonado

pela oração 191

Conclusão 195

As crenças do novo Papa em dez frases 197

Cronologia 201

Bibliografia 205

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Introdução

A procissão dos cento e quinze cardeais a saírem da Capela Paulina, sob os impressionantes frescos de Miguel Ângelo, atravessando a Sala Régia para se fecharem na mais bela estância feita pelo homem, a Capela Sistina — até que, inspirados pelo Espírito Santo, nomeiem o que entre eles irá dirigir a Igreja Católica —, é uma das mais impressionantes cerimónias do mundo.

Os purpurados avançam até entrarem em fila na Cape-la Sistina e, depois de ocuparem os seus lugares, cantam o Veni Creator, uma antiga oração em que se invoca o Espírito Santo. Depois, um a um, os cardeais juram observância fiel às normas do conclave, que se resumem a cumprir fielmente o mandato de Pedro se forem eleitos Papa e a não desvendar os segredos relacionados com a votação do Pontífice.

Uma vez concluída a cerimónia dos juramentos, o Mestre das Celebrações Litúrgicas Pontifícias ordena

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em latim: «Extra omnes!» (Saiam todos!). Imediatamente se fecham as portas, para que os cento e quinze cardeais comecem os seus debates.

Dá a impressão de que o tempo parou dentro dos muros da Cidade do Vaticano: as pressas e o agitado mundo moderno parecem coisas impensáveis no Estado mais pequeno do mundo.

Do lado de fora, a agitação de seis mil jornalistas, ope-radores de câmara e fotógrafos que querem ser os primei-ros a retratar ou a informar sobre o novo Papa continua alheia à reunião religiosa mais transcendental do planeta.

Quando sai o tão esperado fumo branco da chaminé da Capela Sistina, a emoção de todos quantos se junta-ram na Praça de São Pedro cresce até se converter numa grande festa da fé para os católicos. Televisões, rádios e jornais de todo o mundo esperam ansiosos a aparição do novo Papa na varanda principal, mas o recém-eleito Pontífice está a preparar-se na famosa Sala das Lágrimas, onde antes de se mostrar ao mundo se despe perante Deus.

No final, depois de uma curta espera que para muitos fiéis se torna interminável, o novo Papa saúda a Igreja Católica de todo o mundo. O novo Pontífice levanta a voz e pronuncia a bênção Urbi et Orbi (à cidade e ao mundo). Então, a Praça de São Pedro enche-se de um clamor ensurdecedor e meio mundo observa nos ecrãs dos seus televisores e dos seus computadores o rosto do novo bispo de Roma.

Francisco, o cardeal Jorge Mario Bergoglio, com os braços levantados, as palmas das mãos abertas para

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a multidão, pronuncia as suas primeiras palavras e, de repente, a Praça de São Pedro fica em silêncio:

Irmãos e irmãs, boa noite.Sabeis que o dever do conclave era dar um bispo a Roma. Parece que os meus irmãos cardeais o foram buscar quase ao fim do mundo… Eis-me aqui! Agradeço-vos o acolhimento. A co munidade diocesana de Roma tem o seu bispo. Obrigado. E, antes de mais, gostaria de fazer uma oração pelo nosso bispo emérito, Bento XVI […]. E agora iniciamos este caminho: bispo e povo. Este cami-nho da Igreja de Roma, que preside em caridade a todas as Igrejas. Um caminho de fraternidade, de amor, de confiança entre nós. Rezemos sempre por nós: uns pelos outros. Rezemos por todo o mundo, para que haja uma grande fraternidade. Desejo que este caminho da Igreja, que hoje come-çamos e em que me ajudará o meu cardeal vigário, aqui presente, seja frutífero para a evangelização desta cidade tão bonita. E agora gostaria de dar a Bênção, mas antes, antes peço-vos um favor: antes de o bispo abençoar o povo, peço-vos que rezeis para que o Senhor me abençoe: a oração do povo, pedindo a Bênção para o seu bispo. Façamos em silêncio essa vossa oração por mim…

Agora dar-vos-ei a Bênção, a vós e a todo o mun do, a todos os homens e mulheres de boa vontade.

[Bênção.]

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Irmãos e irmãs, tenho de vos deixar. Muito obri gado pelo vosso acolhimento. Rezai por mim e até breve. Ver-nos-emos em breve. Amanhã quero ir rezar à Virgem, para que proteja toda a Roma. Boa noite e bom descanso.1

Até há pouco tempo, o Papa Francisco era um des-conhecido para a maior parte dos fiéis e habitantes do planeta, por isso surgem várias perguntas, dúvidas e incógnitas sobre a direção que a Igreja Católica tomará nos próximos anos: será Jorge Mario quem abrirá a Igre-ja Católica ao século XXI? O novo Papa converter-se-á no primeiro a autorizar o casamento dos sacerdotes? Como agirá perante os escândalos que abalaram a Igreja Cató-lica nos últimos anos? O Pontífice Francisco manterá a sua posição de apoio aos pobres? Promoverá um maior diálogo inter-religioso?

Para responder a estas e outras perguntas, aprofunda-remos neste livro a vida, as palavras e o pensamento de um dos homens mais poderosos do planeta.

A história de Jorge Mario Bergoglio, o primeiro latino-americano a receber o título de Papa, mostra-nos as influências que recebeu durante a sua já longa vida eclesiástica e pessoal. A sua formação como jesuíta e as suas especializações académicas no mundo das Letras e das Ciências. A disposição ecuménica de Francisco, a sua

1 Papa Francisco, «Bênção Urbi et Orbi», 13 de março de 2013, http://www.vatican.va/holy_father/francesco/speeches/2013/march/documents/papa-francesco_20130313_benedizione-urbi-et-orbi_po.html.

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vontade de diálogo com as outras religiões e a sua von-tade de ajudar os pobres marcarão sem dúvida o terceiro pontificado do século XXI e do novo milénio.

As palavras de Jorge Mario nas suas primeiras decla-rações não podem ser mais contundentes:

Durante a eleição, tinha ao meu lado o arcebispo de São Paulo. Quando a coisa se tornou perigosa ele consolou-me e, quando os votos chegaram aos dois terços, ele abraçou-me e disse-me: «Não te esqueças dos pobres.» No que diz respeito aos pobres, pensei em São Francisco de Assis, depois nas guerras, e Francisco é o nome da paz. É Fran-cisco de Assis, o homem da paz. O homem que protege a criação, a gente pobre.2

Será Francisco o Papa dos pobres?

2 Declarações aos jornalistas do Papa Francisco, explicando a escolha do seu nome papal, jornal La Nación, 16 de março de 2013.

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I

O Dia de Primavera que Mudou

a Minha Vida

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CAPÍTULO 1

A LÍNGUA DAS SUAS MEMÓRIAS: UMA FAMÍLIA DE EMIGRANTES ITALIANOS

O meu segundo irmão nasceu quando eu tinha 13 meses; ao todo, somos cinco. Os meus avós viviam perto e, para ajudar a minha mãe, a minha avó vinha buscar-me de manhã, levava-me para casa dela e trazia-me ao fim da tarde. Entre eles, falavam piemontês e eu aprendi. Gostavam muito de todos os meus irmãos, evidentemente, mas eu tive o pri-vilégio de participar na língua das suas memórias.1

Esta história começa numa igreja, no ano de 1934, mais precisamente no oratório salesiano de Santo António, no bairro portenho de Almagro. Um jovem de

1 Declarações do Papa Francisco em Sergio Rubin e Francesca Ambrogetti, El jesuita, Buenos Aires: Vergara, 2010. Edição em Portugal: Papa Francisco: Conversas com Jorge Bergoglio. Prior Velho: Edições Paulinas, 2013.

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origem italiana chamado Mario José Bergoglio e uma jovem chamada Regina Maria Sívori, também ela de ori-gem italiana, olharam-se discretamente enquanto o padre celebrava a missa. Como se de um facto premonitório se tratasse, um ano depois o par casava-se, para fundar uma família em que nasceriam cinco filhos, cujo primogénito viria a ser o futuro Papa Francisco.

Mario José Bergoglio provinha de uma família pie-montesa bem instalada. O pai geria uma confeitaria em Portacomaro, no norte de Itália. No entanto, a Europa tentava ainda sarar as feridas da Primeira Guerra Mun-dial e uma enorme crise económica estava prestes a abater-se sobre todo o mundo.

Em finais de 1928, os Bergoglios apanharam um barco chamado Júlio César e, numa quente manhã de janeiro de 1929, ainda a bordo, avistaram o porto de Buenos Aires.

O avô de Jorge Mario queria ir ter com os seus três irmãos, que desde 1922 tinham fundado uma empresa de pavimentos no Paraná.

O início na Argentina não podia ter sido mais auspi-cioso. A família recém-chegada instalou-se no palácio Bergoglio, uma sumptuosa mansão de quatro andares, que tinha o único elevador existente na cidade. A família de imigrantes instalou-se num dos andares e começou logo a trabalhar no negócio da família.

A crise de 1929 demorou a abalar a próspera Argen-tina, mas, em 1932, os Bergoglios viram-se obrigados a vender a casa de família. Um dos irmãos do avô foi para o Brasil em busca de fortuna e o outro morreu de cancro. Enquanto o avô do Papa Francisco tentava manter-se à

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tona, o pai de Jorge Mario teve de ir trabalhar para outra empresa e arranjou um emprego de contabilista.

Uma vida tranquila

Jorge Mario Bergoglio não teve de viver esses duros anos de crise: nasceu em 1936, quando o mundo parecia estar a recuperar levemente do colapso financeiro de 1929, se bem que um novo fantasma, o nazismo, assombrasse a cena internacional.

O primogénito do casal, como escrevemos no início deste capítulo, foi criado pela avó, e dela guarda gratas recordações. A avó conseguiu inculcar no neto o espírito piemontês da família, devolvendo ao menino emigrante as suas raízes italianas.

A família do Papa era simples, mas nunca passou muitas dificuldades. Os pais costumavam jogar às cartas com os cinco filhos e o pai levava-os a ver os jogos de basquetebol em que participava no clube de San Loren-zo. A mãe ensinou-lhes o gosto pela ópera; aos sábados à tarde ouviam todos juntos a Rádio do Estado e Regina parecia flutuar, enquanto os filhos a olhavam extasiados.

O pai do futuro Papa também cozinhava. Depois do quinto parto, a mulher tinha sofrido uma paralisia e passou a ser Mario José quem preparava as refeições. Enquanto a mãe ia dizendo ao pai como fazer a deliciosa comida italiana, os filhos anotavam as receitas e todos eles aprenderam a confecionar alguns pratos. O próprio Jorge Mario teve de se converter em cozinheiro improvisado

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quando viveu no Colégio Máximo de San Miguel, cozi-nhando todos os domingos para os estudantes.

Mãos à obra

Apesar de a família Bergoglio ter uma situação econó-mica desafogada, o pai achava que o jovem Jorge Mario devia aprender o valor do esforço e do sacrifício. Por isso, quando acabou a escola primária, recomendou-lhe que procurasse um emprego. Era um emprego de verão, para as férias, mas o pai queria que começasse a traba-lhar e soubesse o que era ganhar a vida.2

A proposta do pai deixou-o surpreendido: a família não podia dar-se a certos luxos, como ter automóvel ou ir de férias, mas não precisavam de mais um salário.

Jorge Mario passou dois anos a limpar os escritórios da empresa onde o pai trabalhava como contabilista. No terceiro ano, começou a trabalhar como administrativo e no quarto teve de conjugar o horário de trabalho com a escola industrial e as horas de laboratório. O jovem estudante ia ao escritório entre as sete da manhã e a uma da tarde, saía a correr para a escola industrial, comia a toda a pressa e só voltava para casa no fim das aulas, por volta das oito da noite.

Essa experiência tornou o jovem mais forte, e já era cardeal quando contou o que aprendeu ao longo desses anos. Bergoglio agradeceu sempre ao pai. Desde muito

2 Ibid.

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novo que pensa que essa foi uma das melhores coisas que lhe aconteceram na vida. No seu trabalho como técnico laboratorial aprendeu o bom e o mau do desenvolvimen-to de qualquer atividade e o trato com as pessoas.3

O valor do trabalho foi uma das lições que aquele ado-lescente argentino aprendeu. A ética do esforço de Fran-cisco transformou-o num homem infatigável. Ele próprio reflete sobre os valores da atividade laboral e conclui que valores como o da dignidade nada têm que ver com a origem de cada um, nem com a sua classe social ou a formação académica.

Bergoglio pensa que esse género de dignidade vem uni-camente do trabalho. A comida que comemos, o poder-mos manter a nossa família com o nosso próprio esforço, sem importar se o salário é alto ou baixo. Há pessoas que têm grandes fortunas, pensa Bergoglio, mas, se não tiverem um trabalho a que se dedicar, arriscam-se a não terem dignidade enquanto seres humanos.4

Esta «ética do trabalho» do Papa Francisco recorda--nos mais a «ética protestante do trabalho», mencionada por Max Weber no seu famoso livro.5

Alguns amigos e companheiros de colégio do bairro portenho de Flores recordam Jorge Mario como um rapazinho preocupado e estudioso.

Amalia, uma das suas amigas de infância e talvez a sua primeira namorada, quando tinha doze ou treze anos,

3 Ibid.4 Ibid.5 Max Weber, La ética protestante y el espíritu del capitalismo, Madrid:

Alianza Editorial, 2001. Edição em Portugal: A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo. Lisboa: Editorial Presença, 1996.

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disse a vários jornalistas que o jovem Jorge Mario a che-gou a pedir em casamento.6 Amalia afirmou que o jovem lhe disse que, se não se casasse com ela, seria padre.

Susana Burel, uma das suas vizinhas, disse à Agência EFE que «era muito interessado e estudioso e cresceu num bom ambiente familiar, e isso é fundamental, a famí-lia é muito importante».7

Perto da escola pública Antonio Cerviño, em que estu-dou Jorge Mario Bergoglio, e onde foi um aluno modelo, fica a paróquia de Santa Francisca Javier Cabrini, onde o futuro Papa celebrou a primeira missa, quando era vigá-rio episcopal no seu bairro de Flores.

Os primeiros anos de Jorge Mario foram tranquilos e simples, como os de qualquer outro jovem bonaerense dos anos cinquenta. O mundo parecia estar a superar len-tamente a Segunda Guerra Mundial, mas a Guerra Fria encontrava-se no auge.

Juan Domingo Perón governava a próspera Argentina, que, graças à Segunda Guerra Mundial, tinha conseguido recuperar a sua atividade comercial e industrial. A capi-tal argentina embelezava-se até se converter na Grande Buenos Aires e um dos jovens aturdidos que caminhavam pela cidade, com o coração dividido entre uma «miúda» e a sua vocação sacerdotal, estava a ponto de mudar a história, mas sem o saber.

6 Alida Juliani Sánchez, «Vecinos de la infancia del Papa recuerdan su vida… y su novia», El Nuevo Herald, EFE, 14 de março de 2013, http://www.elnuevoherald.com/2013/03/14/1431312/vecinos-de-la-infancia-del-papa.html.

7 Ibid.

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CAPÍTULO 2

O DIA DE PRIMAVERA: VOCAÇÃO E ENTREGA

Nessa confissão aconteceu-me uma coisa estra-nha, não sei o que foi, mas mudou-me a vida; diria que me apanharam com as defesas em baixo […]. Foi a surpresa, o assombro de um encontro, dei-me conta de que estavam à minha espera. É isso a experiência religiosa: o assombro de nos encontrarmos com alguém que está à nossa espe-ra. A partir desse momento, para mim, Deus é o que te precede.1

A festa do Dia de Primavera continua a ser um dia muito celebrado na Argentina. Naquela tarde de 1953, Jorge Mario Bergoglio arranjou-se um pouco mais do que o normal, ia ver a namorada, mas no caminho foi

1 Sergio Rubin e Francesca Ambrogetti, El jesuita, Buenos Aires: Vergara, 2010. Edição em Portugal: Papa Francisco: Conversas com Jorge Bergoglio. Prior Velho: Edições Paulinas, 2013.

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assaltado pela inquietação, uma qualquer ideia lhe cru-zou a mente para que o jovem se detivesse na paróquia de San José de Flores e decidisse confessar-se.

A breve conversa entre o sacerdote e Jorge Bergoglio fez com que o jovem desse uma volta radical na sua vida. A escolha do sacerdócio não deve ser fácil, o jovem tem de abandonar toda a sua vida e de renunciar a consti-tuir uma família. Jorge Mario Bergoglio contava ape-nas dezassete anos e tinha namorada. O seu futuro era promissor e poderia ser um bom católico sem ter de ser padre, mas naquela luminosa tarde de primavera sentiu aquilo que ele próprio classifica como «um chamamen-to».

São, de facto, muito bonitas as palavras que o próprio Papa Francisco usa para definir o que é um chamamento espiritual:

Deus é o que te precede. Estamos à procura d’Ele, mas Ele procura-nos primeiro. Queremos encon-trá-Lo, mas Ele encontra-nos primeiro.2

O Papa Francisco falou sempre deste encontro com Deus. No livro escrito a meias com o rabino Abraham Skorka, o próprio Papa disse, ao referir-se à vocação religiosa, que é Deus quem nos convoca. Toca-nos com a sua mão e tudo muda de repente.3

2 Ibid.3 J. Bergoglio e A. Skorka, Sobre el Cielo y la Tierra, Buenos Aires: Suda me-

ri cana, 2011. Edição em Portugal: Sobre o Céu e a Terra. Lisboa: Clube do Autor, 2013.

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Pouco tempo depois, Jorge Mario Bergoglio terminou o namoro. Sabia que Deus o chamava para uma missão e que a sua vida tinha de mudar. Mas levou algum tempo até entrar no seminário, queria ter a certeza.

Quando falou com os pais, contando-lhes a decisão que tomara, surpreendeu-se ao ver que, enquanto o pai o apoiava, a mãe não estava de acordo. Apesar de tudo, seguiu em frente.

A mãe pediu-lhe que acabasse o curso, sendo ele o filho mais velho. O pai foi o primeiro a saber e apoiou-o incondicionalmente. A mãe sentia que iria perder um filho para sempre e isso atormentava-a.

A avó, que era realmente quem tinha criado o jovem Jorge Mario, foi muito mais compreensiva. O Papa Fran-cisco recorda as suas palavras:

Bom, se Deus te chama, bendito seja […]. Por favor, não te esqueças de que as portas desta casa estão sempre abertas e de que ninguém te irá cri-ticar se decidires voltar.4

Nesse sentido, a avó foi um exemplo. Com o seu con-selho, ajudou-o a apoiar e a aceitar as decisões transcen-dentais das pessoas que lhe pediam conselho.

Antes de entrar no seminário, Bergoglio acabou o curso e as práticas no laboratório. Não contou nada sobre a sua vocação às pessoas à sua volta; no seu inte-rior, continuava a amadurecer a ideia. No entanto, aos

4 El jesuita.

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poucos, começou a isolar-se, como se precisasse dessa escolha de solidão para aclarar os pensamentos.

Esses quatro anos antes de entrar no seminário foram, para Jorge Mario, um tempo de reflexão. Neles se for-mou a sua identidade política e pôde aprofundar algumas questões culturais que lhe interessavam. Quando avan-çou, já sabia como era a vida fora do serviço religioso e tinha um termo de comparação com a sua vida dentro da Igreja Católica. Há mesmo quem diga que durante este período se deixou tentar pela política e que militou na juventude peronista, que, em muitos sentidos, era seme-lhante à juventude fascista italiana, mas nunca foram apontadas provas a demonstrá-lo.

A decisão

Aos vinte e um anos, Jorge Mario tomou a decisão de entrar no seminário e optou pela ordem dos jesuítas.

Primeiro, o jovem passou pelo seminário arquidioce-sano de Buenos Aires, mas depois sentiu-se mais atraído pelo seminário da Companhia de Jesus. Apesar de, na terceira parte deste livro, nos determos mais amplamente sobre a Companhia de Jesus, não podemos deixar de comentar o imenso poder e prestígio que aquela ordem sempre teve na América. Os seguidores de Santo Inácio de Loyola foram o exército do Papa para travar a Refor-ma Protestante na Europa e uma enorme força evange-lizadora na Ásia e na América. Aquele pequeno grupo de sacerdotes, que procurava na experiência espiritual

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pessoal, através dos seus famosos Exercícios Espirituais, um encontro pessoal com Deus, acabou por constituir uma elite cultural e a vanguarda do Papa, a quem sempre deveram obediência absoluta.

Jorge Mario Bergoglio reconheceu que o que mais o atraiu na Companhia de Jesus foi a disciplina. No início, não sabia que ordem ou que seminário escolher. A sua vocação religiosa era muito clara, mas, quanto ao resto, tanto lhe fazia. A Companhia de Jesus parecia-lhe um grupo de pessoas muito disciplinado, mas via-os sobretu-do como a vanguarda da Igreja Católica, pessoas muito preparadas e muito empenhadas. A vocação missionária dos jesuítas também o atraiu. Naquele momento, Bergo-glio pensava em ir para as missões, e os padres da Com-panhia de Jesus tinham sempre tido uma grande obra missionária, especialmente no Japão e na Ásia. Afinal, não pôde ser missionário, já que desde muito novo pade-cia de uma doença pulmonar que o incapacitava. Talvez hoje não fosse Papa se tivesse sido missionário.5

Os primeiros anos de seminário foram muito duros para o jovem Jorge Mario e a mãe não o acompanhou quando entrou no primeiro ano. Depois, habituou-se à vocação do filho, mas à distância. Quando, por fim, foi ordenado sacerdote, a mãe assistiu à ordenação e, no fim da cerimónia, ajoelhou-se e pediu-lhe a bênção.

Apesar de tudo, como contou Jorge Mario Bergoglio ao jornalista Sergio Rubin, quando Deus chama, é irre-sistível:

5 Ibid.

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A vocação religiosa é um chamamento de Deus a um coração que, consciente ou inconsciente-mente, o espera. Sempre me impressionou uma leitura do Breviário que diz que Jesus olhou para Mateus com uma atitude que, traduzida, seria assim qualquer coisa como «misericordiando» e escolhendo. Foi dessa maneira, exatamente, que senti que Deus olhou para mim durante aquela confissão. E essa é a maneira com que me pede sempre que olhe para os outros: com muita mise-ricórdia e como se os estivesse a escolher para Ele; não excluo ninguém porque todos são esco-lhidos para amar a Deus. «Misericordiando-o e escolhendo-o» foi o lema da minha consagração como bispo e é um dos pilares da minha experi-ência religiosa.6

Outra das ideias sobre essa vocação ou chamamento de Deus é a que o Papa Francisco vê nas profecias de Jere-mias e na sua vara de amendoeira, a primeira a florescer na primavera, ou, nas palavras do apóstolo João: «Deus amou-nos primeiro, nisso consiste o amor, em Deus ter--nos amado primeiro.»7

Bergoglio chegou a esse entendimento de Deus porque buscou remansos onde descansar. Para encontrar a Deus é preciso determo-nos e ouvir. Não há outra maneira.

6 Ibid.7 Ibid. O Papa Francisco refere-se a 1 Jo 4,10: «Nisto consiste o amor: não

em nós termos amado a Deus, mas sim em Ele nos ter amado a nós e nos ter enviado o seu Filho para remissão dos nossos pecados.»

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Curiosamente, para o Papa Francisco, a oração não é uma maneira de pedir coisas a Deus, mas sim, antes de mais, uma forma de claudicação. Deus atua quando declaramos a nossa impotência.

A formação

Jorge Mario Bergoglio teve sempre uma estreita relação com o conhecimento. A sua formação é muito completa, já que, em certo sentido, é ao mesmo tempo um homem de letras e de ciências. Foi aluno, mas também um exi-gente professor.

Ao começar a carreira eclesiástica, Bergoglio teve de aprender uma dura lição, talvez a mais dura de todas, a da dor.

Durante uma doença longa e dolorosa, com febres altíssimas, temendo a morte, Jorge Mario agarrava-se à mãe e com voz temerosa perguntava-lhe o que lhe estava a acontecer. O médico não sabia o que ele tinha, por isso ela não podia responder à ansiosa pergunta do seu filho.

Muitas vezes, perante a dor, perguntamo-nos porquê. Porque tenho de sofrer? Porque tenho de morrer? Por-que morreram as pessoas que eu tanto amava e porque morreram de maneira tão brutal? Mas a resposta de Deus parece estar mais centrada no para quê do que no porquê.

Como se o homem quisesse descobrir a causa que pro-duz a dor e Deus estivesse mais interessado no efeito, na reação do homem perante a dor.

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Jorge Mario padecia de dores horríveis, absolutamente insuportáveis. Tinha vinte e um anos, era jovem e forte e sentia a vocação de Deus, mas esse mesmo Deus parecia tê-lo atirado para um leito de dor.

Bergoglio conta que as pessoas que iam visitá-lo ao hos-pital lhe diziam que a situação iria melhorar, que passaria, mas isso não o consolava. Até que uma freira que o jovem conhecia desde a infância lhe disse algo que lhe apaziguou tanto a alma como o corpo doentes. Aquela freira simples explicou-lhe que o sofrimento nos faz perceber Jesus e a sua obra na Cruz. Cristo veio sofrer pelo homem e, através da dor, encontramo-nos com Ele em muitas ocasiões.8

Jorge Mario aprendeu a lição mais importante da sua vida. A dor e o sofrimento aproximam-nos de Deus, por-que o próprio Deus, encarnado em Jesus Cristo, também sofreu. Como pedir uma vida sem sofrimento a um Deus que sofre pelos outros?

A limitação física acompanhou-o pelo resto da vida e pôs fim ao seu sonho de ser missionário no Japão, mas ensinou-lhe um caminho que, de outra maneira, nunca teria feito. Ele próprio o expressa com estas palavras:

A dor não é uma virtude em si mesma, mas sim, pode ser virtuoso o modo como a assumimos. A nossa vocação é a plenitude e a felicidade e, nessa busca, a dor é um limite. Por isso, o sentido da dor, entendemo-lo em plenitude através da dor de Deus feito Cristo.9

8 El jesuita.9 Ibid.

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Estas palavras parecem extemporâneas. Vivemos numa sociedade hedonista em que o prazer parece constituir a única meta do ser humano. O homem atual anestesia-se constantemente, mas não só contra a dor física, também contra a dor emocional. A realidade é que, quando perde-mos a capacidade da dor e do sofrimento, deixamos de ser humanos. Este talvez seja um dos grandes ensinamentos do cristianismo, apesar de, possivelmente, ser um dos que menos se pregue. A outra grande lição que o Papa Fran-cisco aprendeu foi a de não permanecer na dor, já que, depois da dor, o cristão passa pelo mesmo processo de ressurreição de Cristo na cruz. Jorge Mario define-o como a semente da ressurreição. A dor, por si só, não serve para muito, mas o sofrimento de Jesus na Cruz tem o sentido da esperança. Por isso, segundo Bergoglio, é tão desespe-rante o sofrimento sem uma ideia de transcendência.10

Os estudos teológicos que fez ensinaram-lhe a cons-truir esta experiência, porque a teologia põe todas as coi-sas em ordem, mas a teologia não nos dá a experiência.

Primeiro, estudou no Seminário Jesuíta de Santiago do Chile, instalado na antiga casa de retiros de San Alberto Hurtado. Este lugar era um sítio especial para os jesuítas. San Alberto Hurtado tinha sido um jesuíta chileno que fundou o Hogar de Cristo (Casa de Cristo). Este homem, além de ser um famoso jesuíta, dedicou a sua vida a melhorar a situação dos operários chilenos. O seu diretor espiritual, o jesuíta Fernando Vives, ensinou-lhe a impor-tância da responsabilidade social dos católicos.

10 Ibid.

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San Alberto Hurtado estudou Direito na Pontifícia Universidade Católica do Chile e, depois, entrou na polí-tica, pertencendo ao Partido Conservador. Dedicou boa parte da sua vida aos jovens e acabou por fundar um sin-dicato chamado Ação Sindical e Económica Chilena, que alguns rotularam como comunista. O governo chileno declarou o dia da sua morte como Dia da Solidariedade e João Paulo II beatificou-o em 1994.

Jorge Mario Bergoglio estudou nesta instituição dedi-cada e fundada por San Alberto Hurtado, o que neces-sariamente o influenciou na sua aproximação aos pobres e à justiça social.

No Seminário de Santiago do Chile, o futuro Papa aprenderia Ciências Clássicas, o que o levou a estudar Latim, História, Grego e Literatura.

Depois da passagem pelo seminário e da sua ordena-ção como sacerdote, foi para Espanha a fim de continuar os estudos em Alcalá de Henares. Por último, entre 1967 e 1970, estudou Teologia.

Bergoglio fez boa parte dos seus estudos ao mesmo tempo que ensinava. Entre os anos de 1964 e 1965, foi professor de Literatura e Filosofia no Colegio de la Inmaculada Concepción de Santa Fe e no ano de 1966 ensinou as mesmas cadeiras no Colegio del Salvador de Buenos Aires.

Da sua época como educador, um dos seus alunos conta sobre o quão rígido podia chegar a ser. O aluno Jorge Milia fala, no seu livro, de uma ocasião em que não fez um trabalho obrigatório e o então jovem professor jesuíta pediu ao estudante que desse a aula. Conta Jorge Milia:

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«Vais falar da matéria toda», disse o professor. «Vão crucificá-lo», ouviu dizer a um dos colegas. Fiz uma grande exposição, mas todos temiam que isso não fosse suficiente para contentar Jorge Mario Bergoglio, que levava muito a sério o seu trabalho como professor. No fim, Bergoglio disse: «Mereces um dez, mas vou dar-te um nove, não para te castigar, mas para que te lembres sempre de que o que conta é o dever do dia a dia cumprido; o realizar o trabalho sistemático, sem permitir que se converta em rotina; o construir tijolo a tijolo, mais do que o rasgo improvisador que tanto te seduz.»11

A filosofia educativa do esforço define muito bem o novo Papa Francisco. O resultado final não é tão impor-tante como o processo que nos leva a esse resultado. Se não somos capazes de criar bons resultados, não inte-ressa conseguirmos coisas na vida.

O Papa Francisco fala de um famoso e rico empresário argentino que conheceu durante um voo. Ao chegarem ao aeroporto, as bagagens demoravam a ser entregues e aquele homem de sucesso começou a irritar-se e a gritar, a dizer que não sabiam quem ele era e que não o podiam tratar como a qualquer um. Bergoglio comenta que um homem que conseguiu tanto na vida mas que não conse-gue controlar-se a si próprio já perdeu toda a autoridade moral sobre os outros.12 Sem dúvida, o novo Papa é um homem controlado, que consegue pacientemente aquilo

11 Ibid.12 Ibid.

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que procura, mas sem nunca saltar por cima dos proces-sos e das regras.

Como se forma um jesuíta

A sua formação jesuítica tem muito que ver com isto. No livro escrito a meias com o seu amigo o rabino Skorka, Bergoglio define os quatro pilares da formação dos seminaristas católicos, especialmente dos jesuítas.

O Papa Francisco fala de quatro pilares. O primeiro sobre o qual se constrói o sacerdote e o religioso é a vida espiritual. Para ele, o principal pilar da vida espiritual de um aspirante a sacerdote é a oração. Bergoglio chama-lhe dialogar com deus no mundo interior. Os sacerdotes, no seu primeiro ano de formação, devem desenvolver essa capacidade da oração. A base do seminarista é a oração e durante o primeiro ano a intensidade centra-se nesse tema, depois as coisas mudam e acrescentam-se novas capacidades.13

A vida espiritual é o centro em torno do qual gira a vida do sacerdote. Isso é muito claro para Bergoglio, que é um homem de oração, mas, com este primeiro pilar, o Papa Francisco fala-nos de criar hábitos que ajudem o sacerdote durante todo o seu ministério e não de meros princípios ou conhecimentos teológicos.

O segundo pilar de que fala Bergoglio é o da vida co mu nitária. O homem é um ser social e os que além

13 Sobre el Cielo y la Tierra.

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do mais vão servir a sociedade e a Igreja devem também criar a empatia suficiente para se colocarem no lugar do seu próximo e viverem com ele e para ele.

O pilar da vida comunitária também é muito impor-tante nos seminários católicos. O serviço é sempre em comunidade, nunca a sós. O amor é muito importante na vida do seminarista, e também o saber integrar-se na comunidade, já que, depois, deverá guiar a comunidade de Deus. Os seminaristas cumprem esse trabalho de co -munidade de teste. Nos seminários, o futuro sacerdote é testado com as paixões humanas, desde os ciúmes à concorrência, até aos mal-entendidos. As relações aju-dam a polir o coração e a pensar mais no outro do que em nós próprios.14

O sacerdote e o seminarista têm de aprender a convi-ver e criar esses hábitos de comunhão. Os sacerdotes diri-girão paróquias e precisarão de saber resolver conflitos e aprender a negociar com os outros. Desde o princípio, o cristianismo foi sempre vida comunitária. Desde o livro dos Atos dos Apóstolos às comunidades de base nas atuais paróquias ou às igrejas evangélicas onde todos se conhecem e se ajudam.

Em nenhum momento Bergoglio idealiza o seminário ou o sacerdócio. Os seminaristas são homens com pai-xões e fraquezas de homens, por isso é normal que tudo isso transpareça na convivência. Assim, o segundo pilar da formação jesuítica é a convivência e a vida comunitá-ria como um hábito para o ministério pastoral.

14 Ibid.

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O terceiro pilar de que fala Jorge Mario Bergoglio é o da vida intelectual. Pode ser que este seja o que a socieda-de atual mais valoriza, mas o Papa Francisco coloca-o em terceiro lugar. Durante seis anos, os seminaristas terão de estudar teologia, como se explica Deus, a Trindade, Jesus, os Sacramentos. Mas também o conteúdo da Bíblia e a teologia moral. Nos dois primeiros anos estuda-se filosofia para poder entender melhor a teologia do resto da época de formação.

O quarto pilar que Bergoglio menciona é a vida apos-tólica. Para aprender a serem sacerdotes, aos fins de semana os seminaristas vão a uma paróquia para aju-darem o pároco e aprenderem com ele. No último ano de seminário vivem numa paróquia. Esse ano de teste é aquele em que os supervisores observam as virtudes e os defeitos do novo candidato a sacerdote.

Estes quatro pilares formam sacerdotes, mas, em certo sentido, devem ser a vivência de todos os cristãos. Vida espiritual, vida comunitária, formação intelectual e ministério são as bases de uma vida de fé.

Apesar de, para se ser sacerdote, não ser necessário um título universitário, é muito raro encontrar um jesuíta que não o tenha. Por um lado, pela sua vocação docente, costumam dedicar boa parte das suas vidas à educação, mas sobretudo porque os jesuítas foram sempre a elite da Igreja Católica, especialmente no âmbito da apologética.

O Papa Francisco é um homem de uma ampla forma-ção, com os seus estudos de Química e a sua formação no seminário complementados pelo estudo de Humanidades no Chile e a sua licenciatura, igualmente nessa área, no

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Colegio Mayor de San José. Licenciou-se também em Teologia e foi professor durante muitos anos de diferen-tes cadeiras.

Concluiu a tese de doutoramento na Alemanha. Durante seis anos, entre 1980 e 1986, foi reitor do Cole-gio Máximo e da Faculdade de Filosofia e Teologia da Casa de San Miguel. A sua sólida formação e serviço complementar-se-iam, anos mais tarde, com o seu traba-lho em diferentes cargos da Igreja Católica na Argentina.

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CAPÍTULO 3

OS DUROS DIAS DA DITADURA

Todos somos animais políticos, no sentido maiús-culo da palavra política. Todos somos chamados à ação política de construção do nosso povo.1

Na Argentina, como em muitas nações da América Latina, o século XX foi marcado pela ditadura. Foram constantes os golpes militares e a irrupção do exército na vida civil, em especial quando se davam de forma violenta.

A primeira ditadura do século XX, na Argentina, foi a do ditador Uriburu, no início dos anos 30, a que se seguiu uma profunda crise económica. No ano de 1943, a autodenominada Revolução de 43 foi outro golpe de Estado orquestrado pela cúpula militar. Esta ditadura

1 J. Bergoglio e A. Skorka, Sobre el Cielo y la Tierra, Buenos Aires: Suda me-ri cana, 2011. Edição em Portugal: Sobre o Céu e a Terra. Lisboa: Clube do Autor, 2013.

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terminaria com a chegada ao poder de Juan Domingo Perón, provavelmente o homem mais famoso da política argentina.

O peronismo foi um fenómeno político que perdu-rou quase todo o resto do século XX, transmutando-se em diversas formas de governo e políticas sociais. Este movimento teve sempre um claro pendor populista e uma ampla base social entre as pessoas mais humildes. A chegada à política de Eva, a mulher de Perón, permitiu às mulheres argentinas entrarem na política e serem mais visíveis na sociedade.

No ano de 1962 deu-se um novo golpe de Estado com a ditadura de José María Guido. Neste caso houve uma exceção, porque o golpe foi liderado por um civil e não por um militar. Depois, a ditadura acabou por cair em consequência de um novo levantamento militar.

Apenas quatro anos mais tarde, dá-se um novo golpe de Estado chefiado pelo militar Juan Carlos Onganía. Ficou conhecido como Revolução Argentina, mas a pior das ditaduras e a que mais acabou por marcar os Argen-tinos foi a que começou em 1975 com o autodenominado Processo de Reorganização Nacional.

O golpe de Estado de 24 de março de 1876, que der-rubou o governo de María Estela Martínez de Perón, deu lugar a um regime que durou sete anos, com uma repres-são e uma crueldade nunca antes vistas na Argentina.

O sequestro e assassinato de dissidentes eram uma prática habitual da ditadura, como também o roubo sis-temático de crianças filhas das prisioneiras, para serem entregues a famílias afetas ao regime. Jorge Rafael Videla

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e os seus sequazes, em nome do liberalismo e contra o comunismo, impuseram um verdadeiro Estado de terror.

O regime ditatorial teve um grande apoio na Igreja Católica da altura, apesar de a Companhia de Jesus ter sido um dos grupos que mais lutaram contra a ditadura.

Curiosamente, já mencionei que a Companhia de Jesus, no Chile, mas também na Argentina e noutros paí-ses da América Latina, iniciou um caminho esquerdista que a levou a assumir posições revolucionárias e de luta social. A obra de San Alberto Hurtado, no Chile, de que já falei brevemente, levou a Companhia de Jesus a um posicionamento cada vez mais direcionado aos pobres e à luta operária.

No ano de 1954, o Papa Pio XII pediu a todos os sacerdotes operários que voltassem às paróquias e aban-donassem a sua militância política.2 Apesar de tudo, isso não impediu que, pouco tempo depois, nascesse a chamada Teologia da Libertação. Essa linha de pensa-mento, que se alimentou dos movimentos de base da Igreja Católica que desejavam uma sociedade mais justa, teve origem no Brasil. Em 1957 arrancou o movimento de consciencialização no Brasil, os sacerdotes começaram a alfabetizar, educando politicamente as classes mais des-favorecidas. Ainda no Brasil nasceu, em 1965, o Primeiro Plano Pastoral Nacional.

A chegada ao Brasil, nesse momento de evolução polí-tica, de dois sacerdotes europeus foi determinante para o início da chamada Teologia da Libertação. Eram eles

2 Humani Generis é uma encíclica publicada pelo Papa Pio XII a 12 de agosto de 1950, contra a teologia sobre o apoio aos operários.

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o francês Emmanuel Suhard e o dominicano Jacques Loew. Estes dois padres começaram a trabalhar nas fábri-cas para ficarem a saber como era a vida dos operários.

A ideologia da Teologia da Libertação tinha como princípios básicos a opção preferencial pelos pobres, a união da salvação cristã com a libertação social e eco-nómica, a eliminação da exploração, entre outras ideias.

Em 1976, na altura em que se instala a ditadura mili-tar, Jorge Mario Bergoglio já era superior provincial da Companhia de Jesus na Argentina. É um cargo de nome-ação direta do superior geral da Companhia de Jesus. É concedido pelo prazo de alguns anos e o poder sobre as pessoas sob a sua direção é semelhante ao do bispo, dentro da hierarquia da Igreja Católica.

As funções de um superior provincial dos jesuítas são visitar os membros da congregação e convocar e presidir ao Capítulo Provincial. Jorge Mario Bergoglio exerceu o cargo durante os anos mais duros da ditadura, período em que desapareceram dois jesuítas e um leigo.

Quando a ditadura começou, em 1976, Bergoglio pediu a dois dos jesuítas mais ativos na luta de classes, Orlando Yorio e Francisco Jalics, que deixassem o seu trabalho nos bairros de lata dos pobres. Estes irmãos jesuítas negaram-se a aceitar as ordens do seu superior.

Bergoglio, tal como alguns dos outros dirigentes da Com-panhia de Jesus, não concordava muito com o movimento da Teologia da Libertação e, perante a desobediência dos dois religiosos, comunicou ao governo militar que aquelas duas pessoas estavam fora da proteção da Igreja Católica.

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Os militares aproveitaram esta circunstância para sequestrarem os dois religiosos. Em certo sentido, ao desamparar os seus companheiros jesuítas, deixou-os nas mãos do aparelho repressor do regime.

Noutros casos, chegou a acusar-se Bergoglio de laços estreitos com alguns membros da Junta Militar. É muito interessante que no livro El Jesuita, o então cardeal da Argentina tenha acedido a falar abertamente sobre este assunto.

O Papa Francisco fala sobre a sua ajuda e apoio a vários religiosos durante a ditadura de Videla. Jorge Mario conta que escondeu vários religiosos no Colegio Máximo da Companhia de Jesus:

Escondi uns quantos, não me recordo exatamente do número, mas foram vários. Depois da morte de monsenhor Enrique Angelelli (o bispo de la Rioja que se caraterizou pelo seu compromisso com os pobres), abriguei no Colegio Máximo três seminaristas da diocese dele que estudavam Teologia.3

Noutro caso, Bergoglio relata como ajudou um jovem a fugir, arranjando-lhe documentos de identificação. Pelo menos em duas ocasiões, também defendeu, perante o ditador Videla e o almirante Emilio Massera, várias pes-soas sequestradas. Ao que parece, antes da conversa com

3 Sergio Rubin e Francesca Ambrogetti, El jesuita, Buenos Aires: Vergara, 2010. Edição em Portugal: Papa Francisco: Conversas com Jorge Bergoglio. Prior Velho: Edições Paulinas, 2013.

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Videla, Jorge Mario falou com o seu capelão pedindo-lhe ajuda para persuadir o general. Assim, pediu ao capelão que fingisse estar doente e ser ele a celebrar a missa. Depois da cerimónia com a família Videla, Bergoglio pediu para falar com o ditador. Nessa altura, terá interce-dido por alguns dos religiosos presos. Também interveio na tentativa de procura de um outro rapaz na base aérea de San Miguel.4

O Papa Francisco relata ao entrevistador um dos casos que mais recorda:

Lembro-me de uma reunião com uma senhora que me foi recomendada por Esther Belestrino de Careaga, aquela mulher que, como já antes contei, foi minha chefe no laboratório, que tanto me ensinou de política, depois sequestrada e assassinada e hoje enterrada na igreja de Santa Cruz. Era uma senhora oriunda de Avellaneda, na Grande Buenos Aires, tinha dois filhos jovens casados há dois ou três anos, ambos líderes ope-rários de militância comunista, que tinham sido sequestrados. Viúva, os dois rapazes eram o seu único amparo. Como aquela mulher chorava! Nunca esquecerei essa imagem. Fiz algumas ave-riguações que não me levaram a lado nenhum e repreendo-me frequentemente por não ter feito o suficiente.5

4 Ibid.5 Ibid.

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Talvez seja essa a grande pergunta: terá Bergoglio feito o suficiente? E não será de mais acrescentarmos: que tería-mos feito nós ao vermos a nossa vida em perigo?

O sacerdote conta outro dos casos em que inter veio, desta vez conseguindo um resultado positivo, a favor de um jovem que foi libertado depois da sua intercessão.6

Bergoglio tentou ajudar alguns religiosos, apesar de não o ter divulgado, apesar das acusações de colabora-cionismo com a ditadura que caíram sobre ele. Mas será isso suficiente para o ilibar do que aconteceu com os seus dois irmãos jesuítas?

Em certo sentido, as congregações religiosas são como as famílias. A situação com os dois jesuítas era difícil. Eles tinham feito um esboço para criarem uma nova ordem. Entregaram uma cópia dessa regra aos sacerdotes Pironio, Zazpe e Serra, que também queriam abandonar a Companhia de Jesus. Também entregaram uma cópia ao padre Bergoglio, que naquele momento era seu supe-rior. Tinham enviado, igualmente, uma cópia ao padre superior dos jesuítas, que na altura era o padre Arrupe.

Em certo sentido, quando foram presos, aqueles sacer-dotes estavam fora da proteção dos jesuítas. Além do mais, Bergoglio tinha-lhes pedido que deixassem aquela zona tão perigosa. Desde o início do golpe de Estado que se imaginava quão dura poderia ser a repressão. Ao que parece, inclusivamente, o padre Bergoglio propôs-lhes que se refugiassem na casa provincial da Companhia, pois sabia que não os iriam buscar ali.7

6 Ibid.7 Ibid.

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É claro que, na primeira parte da resposta sobre a complicada pergunta do assunto dos jesuítas desapare-cidos, Jorge Mario Bergoglio tenta explicar a situação dos dois religiosos e as diferentes opções que lhes foram dadas antes de saírem da Companhia.

Os dois jesuítas recusaram essas ofertas, preferindo certamente colocar-se em perigo em vez de abandonarem os seus paroquianos, apesar de isso, no final, lhes ter custado a vida.

Sabe-se que, como anteriormente se disse, o futuro Papa Francisco chegou a interceder por eles duas vezes, depois de terem sido sequestrados, uma perante Videla e a outra ante Massera.

A detenção foi feita no bairro de Rivadavia del Bajo Flores. Bergoglio nunca acreditou que aqueles homens estivessem envolvidos em algo subversivo: eles protegiam simplesmente os pobres, apesar de, para os seus persegui-dores, qualquer pessoa que vivesse naqueles bairros de lata ser considerada perigosa. Estes dois jesuítas relacionavam--se com outros sacerdotes dos bairros de lata que, esses sim, estavam mais envolvidos na luta operária, e isso punha-os em perigo. As ditaduras não sabem distinguir os matizes, eliminam simplesmente tudo aquilo que lhes pare-ce suspeito. Os dois sacerdotes, Yorio e Jalics, tal como temia Bergoglio, foram sequestrados. E finalmente, ao não conseguirem provar nada, os militares libertaram-nos. Toda a Companhia de Jesus se mobilizou para a sua liber-tação, segundo conta na entrevista do livro El jesuita.8

8 Ibid.

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Alguns acusam Bergoglio de ser muito próximo da ideologia dos golpistas e de ter favorecido o seques-tro dos religiosos ao retirar-lhes a proteção da Com-panhia de Jesus, apesar de ele sempre ter negado tais acusações.

Uma das pessoas que confirmaram a luta de Bergoglio a favor dos sequestrados é a doutora Alicia Oliveira, juíza penal em Buenos Aires. Ela própria testemunhou que o sacerdote a foi visitar em 1974 ou 1975 por causa de um desses casos que ele tentava defender:

Recordo que Bergoglio me visitou por causa de um problema de outra pessoa, em 1974 ou 1975, começámos a conversar e gerou-se uma empatia […]. Numa dessas conversas, falámos sobre a iminência do golpe. Ele era um provincial dos jesuítas e, seguramente, estava mais bem infor-mado do que eu […]. Bergoglio estava muito preocupado com o que pressentia que aí vinha e, como sabia do meu compromisso com os direi-tos humanos, temia pela minha vida. Chegou a sugerir-me que fosse viver durante um tempo para o Colegio Máximo. Mas eu não aceitei e respondi-lhe com uma piada completamente infe-liz perante tudo aquilo que depois se passou no país: «antes ser apanhada pelos militares do que ter de ir viver com padres».9

9 Ibid.

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O argentino Adolfo Pérez Esquivel, prémio Nobel da Paz em 1980, recusou taxativamente as acusações con-tra o Papa durante uma entrevista ao canal de televisão britânico BBC: «Houve bispos que foram cúmplices da ditadura argentina, mas Bergoglio não.»10

As provas parecem contundentes e há muito mais pes-soas que atestam terem sido protegidas por ele durante o regime. A ditadura dos anos 70, na Argentina, constituiu um triste episódio da crueldade e destruição de que algu-mas pessoas são capazes, incluindo, algumas vezes, em nome da religião.

O próprio Bergoglio condena essa ideia tão difundida de matar pela religião. Para ele, matar em nome de Deus é o mesmo que blasfemar.11

10 Jornal El Mundo, EFE, Berlim, 15 de março de 2013.11 Sobre el Cielo y la Tierra.

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CAPÍTULO 4

A ASCENSÃO DE UM HOMEM HUMILDE

O bestseller da minha vida é escrito por Deus.1

Jorge Mario Bergoglio não parecia o típico religioso que teria uma carreira deslumbrante. Tinha entrado no semi-nário aos vinte e um anos, chegou a superior provincial da Companhia de Jesus com cerca de quarenta. Até há pouco tempo, os jesuítas tinham uma norma imposta pelo seu fundador, Santo Inácio de Loyola, que os impe-dia de ocuparem cargos episcopais, arcebispais ou de se tornarem cardeais; por isso, os que entravam para a ordem jesuítica sabiam que o máximo a que podiam aspirar era serem superior geral da Companhia de Jesus, e, embo-ra esse cargo não seja trivial — ao longo da história, a Companhia teve sempre muita influência em Roma —,

1 Blogue Notícias de Cuyo, «“El best seller de mi vida lo escribe Dios” dijo el nuevo papa», 13 de março de 2013, http://noticiasdecuyo.wordpress.com/2013/03/13/elbest-seller-de-mi-vida-lo-escribe-dios-dijo-el-nuevo-papa/.

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os homens mais ambiciosos da Igreja tinham sempre pro-curado outros caminhos mais simples.

Nos anos 80, a carreira eclesiástica de Jorge Mario continuou pelos caminhos do ensino. Entre 1980 e 1986, foi reitor do Colegio Máximo e da Faculdade de Filosofia e Teologia, ao mesmo tempo que continuava a ser o res-ponsável pela paróquia do Patriarca San José, na diocese de San Miguel.

Em 1986, deixou a sua querida Argentina para acabar a tese de doutoramento na Alemanha. Ao regressar à pátria, Bergoglio foi mandado para o Colegio de El Sal-vador e, mais tarde, para uma paróquia da Companhia em Córdova, na Argentina.

A sua estada em Córdova foi muito modesta, como acontece com as pessoas que simplesmente cumprem o seu dever sem esperarem nada em troca. Bergoglio é um homem um pouco tímido, sem histrionismos. Mas foi isso que lhe valeu a nomeação para bispo, que só aconte-ceu quando já tinha cinquenta e cinco anos.

Enquanto Bergoglio continuava com o seu ministério em Córdova, o então arcebispo de Buenos Aires, o carde-al Antonio Quarracino, reparou nas suas qualidades e na sua modéstia e escolheu-o para fazer parte da sua equipa de colaboradores permanentes.

Bispo auxiliar e candidato a arcebispo

Depois de um ano ao serviço do arcebispo de Buenos Aires, Bergoglio tornou-se o seu principal colaborador,

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confirmando a sua condição de bispo auxiliar e futuro bispo. Quarracino nomeia-o vigário geral.

O arcebispo Antonio Quarracino, de origem italiana, tal como Bergoglio, tivera uma trajetória muito parecida com a dele. Ordenado sacerdote aos 22 anos, também se tinha dedicado ao ensino, primeiro, no Seminário Diocesano de Mercedes e, mais tarde, como professor de Teologia na Universidade Católica da Argentina.

Antonio Quarracino foi nomeado bispo em 1962 pelo Papa João XXIII. Foi-lhe entregue o episcopado de Avellaneda. Durante esse período esteve muito próximo dos movimentos reivindicativos dos sacerdotes dos países do Terceiro Mundo, mas, com a idade, evoluiu para posi-ções menos progressistas.

Foi o Papa João Paulo II quem acabou por colocá-lo na liderança da Igreja Católica da Argentina, promoven-do-o, primeiro, à arquidiocese de la Plata e, mais tarde, já em 1990, à arquidiocese de Buenos Aires. Depois de ter sido eleito presidente da Conferência Episcopal Argenti-na em 1990, foi nomeado cardeal em 1991.

Antonio Quarracino foi um dos primeiros arcebispos a aproximar-se do judaísmo, passos que, mais tarde, seriam seguidos pelo futuro Papa.

Ao ser nomeado bispo, em cumprimento do direito canónico, devia ser titular de uma diocese. O primeiro cargo episcopal atribuído a Bergoglio foi a diocese titu-lar de Oca, desde o século VII sem jurisdição territorial. A dita sede episcopal deve o seu nome ao facto de, quan-do teve território, se encontrar na povoação espanhola de Villafranca Montes de Oca, em Burgos.

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Exerceu esse cargo entre 1992 e 1998. Em 1997, quando Antonio Quarracino ficou doente, foi nomeado bispo coadjutor.

O ano de 1998 trouxe profundas mudanças à vida de Bergoglio. São muito poucos os sacerdotes que chegam a arcebispos, e ainda menos sendo jesuítas.

A sua chegada ao arcebispado de Buenos Aires não implicou grandes mudanças na diocese, já que ali tinha trabalhado durante vários anos.

Os sacerdotes mais jovens rapidamente se encaixa-ram na visão do novo arcebispo. O estilo de Bergoglio fez-se notar bem depressa: era simples, são, direto e ini-migo de faustos. Continuava com o seu trabalho pasto-ral junto dos sacerdotes e, inclusivamente, ele próprio se encarregava de cuidar deles quando ficavam doentes. Ter sido nomeado arcebispo mudou muito pouco as suas rotinas. Continuou a andar de transportes públi-cos, não quis viver na sumptuosa casa arcebispal de Olivos, muito perto da residência oficial do presidente da República. Também continuou a ser muito acessível, recebia toda a gente e era ele próprio quem geria a sua agenda.

O novo arcebispo evitava as festas de beneficência, as galas e os eventos sociais da aristocracia. Vestia quase sempre o seu traje de simples sacerdote.

Conta-se que, quando lhe comunicaram que seria pro-posto para cardeal, em 2001, não quis que lhe fizessem roupa à medida para o seu novo cargo e preferiu que adaptassem, para ele, as vestes do antecessor. Recusou, mesmo, que um grupo de fiéis o acompanhasse a Roma,

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para a nomeação, pedindo-lhes que dessem aos pobres o dinheiro que iriam gastar na viagem.

Também é lendária a sua proximidade aos pobres. Numa das suas frequentes visitas a um dos bairros de lata de Buenos Aires, ao visitar a paróquia de Nossa Senhora de Caacupé, no bairro de Barracas, um pedreiro disse--lhe:

Tenho orgulho em si, porque quando estava a vir para cá, no autocarro, com os meus colegas, vi-o sentado num dos últimos bancos, como uma pessoa normal; cheguei a dizer-lhes, mas eles não acreditaram.2

As pessoas simples viam-no como um deles, por isso, muito o apoiaram quando a Cúria o escolheu.

Apesar das suas más relações com os grupos de esquer-da do seu país, o já arcebispo de Buenos Aires, ao ver como a polícia investia contra as vítimas do «corralito» de 2001 (a proibição de os depositantes levantarem o dinheiro que tinham nas suas contas bancárias para evi-tar que o pânico levasse a levantamentos de dinheiro em massa e provocasse o colapso do sistema bancário do país), telefonou ao ministro do Interior e disse-lhe que a polícia não podia tratar assim os pobres aforradores, que pediam unicamente que os deixassem levantar o seu dinheiro.

2 Sergio Rubin e Francesca Ambrogetti, El jesuita, Buenos Aires: Vergara, 2010. Edição em Portugal: Papa Francisco: Conversas com Jorge Bergoglio. Prior Velho: Edições Paulinas, 2013.

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Numa entrevista recente ao diário El Tiempo, o novo bispo auxiliar de Buenos Aires falou sobre o novo Pontí-fice e contou como conheceu o Papa Francisco:

Quando o nomearam bispo auxiliar de Buenos Aires, eu era sacerdote da arquidiocese. Designa-ram-no arcebispo e Bento XVI nomeou-me, por recomendação de monsenhor Bergoglio, bispo auxiliar de Buenos Aires.3

O bispo auxiliar narra, também nessa entrevista, o que aprendeu com o Papa Francisco quando ainda era arce-bispo de Buenos Aires:

Dizia sempre que, quando queremos analisar o centro, temos de começar pelas periferias, percor-rer todo o caminho e conhecer, assim, muito mais sobre a realidade. Fala sempre das divisões e das injustiças sociais que existem. Isso pode ser uma grande mais-valia para a perspetiva da Igreja: olhar para o centro a partir da periferia.4

O bispo não conhecia Bergoglio desde pequeno, mas sabia que tinha andado numa escola que não era religio-sa, que depois estudou na universidade e que a seguir entrou no seminário de Buenos Aires, na altura dirigido

3 Yamid Amat, «Bergoglio es un cardenal que puso la Iglesia en la calle», El Tiempo, 16 de março de 2013. Entrevista a monsenhor Eguía, bispo auxiliar de Buenos Aires, http://www.eltiempo.com/vida-de-hoy/religion/en-tre vista-amonsenor-enrique-eguia_12695313-4.

4 Ibid.

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por jesuítas. Na entrevista, o bispo auxiliar garantiu que o Papa Francisco tinha tido sempre o mesmo carisma de Santo Inácio de Loyola, fundador da ordem.5

Em 2004, Bergoglio foi eleito presidente da Conferên-cia Episcopal Argentina e reeleito em 2007.

A sua linha de orientação, como arcebispo, sempre foi moderada e conservadora, mas muito ligada aos pobres. Por vezes, a crítica à política e ao sistema económico gran-jeou-lhe inimigos e gente que recusava a sua postura e pre-feria uma Igreja mais alheia às questões sociais. No discurso de Te Deum de 25 de maio de 2000, na catedral de Buenos Aires, perante o presidente Francisco De la Rúa, disse:

Às vezes, em algumas circunstâncias, pergunto--me se caminhamos como um cortejo triste e se não insistimos em pôr uma lápide na nossa busca como se marchássemos em direção a um destino inexorável, pejado de impossíveis, e nos confor-mássemos com pequenas ilusões desprovidas de esperança. Temos de reconhecer, com humildade, que o sistema caiu num longo túnel de sombra, a sombra da desconfiança, e que algumas pro-messas e enunciados soam a cortejo fúnebre: todos consolam os que estão de luto, mas nin-guém levanta o morto.6

A situação económica e política da Argentina era caó-tica e a pobreza voltara a aumentar, os bancos fechavam

5 Ibid.6 El jesuita.

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as portas aos clientes e a classe política parecia ausente e conformada com a situação. O facto de o arcebispo de Buenos Aires ser tão crítico não deixou ninguém indife-rente.

Nem todos são tão positivos com o novo Papa Fran-cisco e antigo arcebispo de Buenos Aires. Muitos não lhe perdoam a sua defesa da vida contra o aborto, nem as suas opiniões sobre o casamento homossexual, assunto que o distanciou da família presidencial, como já referi.

Em 2010, Bergoglio teve de testemunhar no julgamen-to dos crimes contra a humanidade cometidos na ESMA (Escola Superior de Mecânica da Armada). O arcebispo prestou declarações durante mais de quatro horas sobre a detenção, de que já falámos, dos dois jesuítas. O Papa Francisco também teve de depor num processo apresen-tado pela Associação das Avós da Praça de Maio, para se pronunciar sobre a apropriação, por militares argentinos, de vários bebés.

O caso em que o implicaram envolvia Ana de la Cua-dra, a neta roubada de uma das fundadoras e primeira presidente das Avós da Praça de Maio. O pai da criança desaparecida pediu ajuda, por carta, a Bergoglio, que ale-gou sempre que não tinha qualquer influência e que fez tudo o que pôde.7

Sem dúvida, a trajetória de Jorge Mario Bergoglio desde o chamamento para a Igreja, naquela tarde de início de primavera, passando pela doença, o seminário,

7 «Pliego de preguntas a tenor del cual deberá responder el testigo Jorge Mario Bergoglio», 23 de setembro de 2010, http://www.abuelas.org.ar/material/documentos/BERGOGLIO.pdf.

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a universidade, a docência, o doutoramento, o episco-pado e, mais tarde, o arcebispado, criou nele um caráter muito definido. Um homem tenaz, calmo, direto, tímido mas, sobretudo, defensor dos pobres. A influência das pessoas que o rodearam, desde a avó e os pais até ao anterior arcebispo de Buenos Aires, transformou-o num dos melhores candidatos ao papado, mas como chegou um simples jesuíta à Cúria de Roma? Qual foi o papel de Bergoglio na Nova Evangelização e no Conselho Episco-pal Latino-Americano? Qual foi a sua relação com João Paulo II? Como aceitou a derrota no conclave de 2005? Qual foi a sua relação com Bento XVI? Por último, como se converteu no novo Papa? O que implica um jesuíta à frente da Santa Sé, como terceiro Pontífice deste ainda breve século XXI?

Para responder a todas estas perguntas, falemos do cardeal dos jesuítas.

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