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I Seminário Internacional de Ciência Política Universidade Federal do Rio Grande do Sul | Porto Alegre | Set. 2015 Corrupção, política econômica e programas sociais na construção do discurso de oposição do PSDB ao governo Lula (2003-2010) Maikio Barreto Guimarães 1 Resumo Este artigo realiza a análise do discurso de oposição do PSDB durante o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2010). A partir de uma perspectiva que reúne a abordagem da Análise de Discurso e elementos da Ciência Política, o trabalho tem como objetivos, com base nos posicionamentos dos líderes tucanos 2 sobre corrupção, política econômica e programas sociais, compreender que condições de emergência marcaram a estruturação de um discurso de oposição à gestão petista. O corpus da pesquisa foi composto pelos pronunciamentos proferidos, em plenário, pelos líderes do PSDB na Câmara dos Deputados. O estudo também utiliza declarações de outros personagens importantes na hierarquia tucana, retiradas do jornal Folha de São Paulo. Para melhor contextualizar o enfrentamento entre oposição e governo, este trabalho coletou, também no periódico, manifestações de integrantes do governo e líderes do PT. Palavras-chave: Oposição; Governo Lula; Corrupção. Abstract This article performs discourse analysis of the opposition PSDB during the administration of President Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2010). From a perspective herding approach the Analysis of Discourse and elements of Science Policy, the study is aimed based on placements of toucan’s leaders on corruption, economic policy and social programs, understand which emergency conditions marked the structuring of a discourse of opposition to PT management. The corpus of research was composed by the pronoucements delivered, in plenary by leaders of PSDB in the Chamber of Deputies. The study also uses statements of other important characters in the hierarchy tucana, taken from the newspaper Folha de São Paulo. This work also collected at regular and PT leaders to better contextualize the coping between opposition and government. Key words: Opposition; Government Lula; Corruption. Introdução O antagonismo entre PSDB e PT pode ser compreendido a partir da polarização nas disputas pela presidência da República. Os êxitos de Fernando Henrique Cardoso (FHC) nos pleitos de 1994 1 Graduado em Jornalismo e mestre em Ciências Sociais pela PUCRS. Professor da Faculdade São Francisco de Assis. E- mail: [email protected] 2 O tucano é símbolo do PSDB. Por esta razão, os integrantes do partido são chamados de “tucanos”. O termo será utilizado ao longo deste trabalho.

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I Seminário Internacional de Ciência Política Universidade Federal do Rio Grande do Sul | Porto Alegre | Set. 2015

Corrupção, política econômica e programas sociais na construção do discurso de

oposição do PSDB ao governo Lula (2003-2010)

Maikio Barreto Guimarães1

Resumo

Este artigo realiza a análise do discurso de oposição do PSDB durante o governo do presidente Luiz Inácio Lula da

Silva (2003-2010). A partir de uma perspectiva que reúne a abordagem da Análise de Discurso e elementos da Ciência

Política, o trabalho tem como objetivos, com base nos posicionamentos dos líderes tucanos2 sobre corrupção, política

econômica e programas sociais, compreender que condições de emergência marcaram a estruturação de um discurso de

oposição à gestão petista. O corpus da pesquisa foi composto pelos pronunciamentos proferidos, em plenário, pelos

líderes do PSDB na Câmara dos Deputados. O estudo também utiliza declarações de outros personagens importantes na

hierarquia tucana, retiradas do jornal Folha de São Paulo. Para melhor contextualizar o enfrentamento entre oposição e

governo, este trabalho coletou, também no periódico, manifestações de integrantes do governo e líderes do PT.

Palavras-chave: Oposição; Governo Lula; Corrupção.

Abstract

This article performs discourse analysis of the opposition PSDB during the administration of President Luiz Inácio Lula

da Silva (2003-2010). From a perspective herding approach the Analysis of Discourse and elements of Science Policy,

the study is aimed based on placements of toucan’s leaders on corruption, economic policy and social programs,

understand which emergency conditions marked the structuring of a discourse of opposition to PT management. The

corpus of research was composed by the pronoucements delivered, in plenary by leaders of PSDB in the Chamber of

Deputies. The study also uses statements of other important characters in the hierarchy tucana, taken from the

newspaper Folha de São Paulo. This work also collected at regular and PT leaders to better contextualize the coping

between opposition and government.

Key words: Opposition; Government Lula; Corruption.

Introdução

O antagonismo entre PSDB e PT pode ser compreendido a partir da polarização nas disputas

pela presidência da República. Os êxitos de Fernando Henrique Cardoso (FHC) nos pleitos de 1994

1 Graduado em Jornalismo e mestre em Ciências Sociais pela PUCRS. Professor da Faculdade São Francisco de Assis. E-

mail: [email protected] 2 O tucano é símbolo do PSDB. Por esta razão, os integrantes do partido são chamados de “tucanos”. O termo será

utilizado ao longo deste trabalho.

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e 1998 garantiram aos tucanos a possibilidade de governar o Brasil. Em 2002, a vitória de Lula

provocou uma mudança no cenário político. O PT havia conquistado, pela primeira vez, a

possibilidade de administrar o país. O PSDB, após oito anos no poder, encarnaria o papel de

oposição.

Nesta perspectiva, o propósito do presente estudo é analisar o discurso de oposição do PDSB

durante o governo Lula (2003-2010). De maneira mais específica, pretende-se, através dos

posicionamentos dos integrantes do partido sobre corrupção, política econômica e programas

sociais compreender quais foram as condições de emergência que marcaram a estruturação de um

discurso de oposição à gestão petista.

O interesse pelos temas corrupção, política econômica e programas sociais não foi aleatório.

Os três assuntos ocupam papel de relevo no enfrentamento entre PSDB e PT desde o governo do

presidente Fernando Henrique Cardoso. Maria Lúcia Rodrigues de Freitas Moritz (2006) destaca

que (entre 1995 e 2002) os petistas acusaram FHC de estimular a corrupção, promover uma política

econômica neoliberal e demonstrar pouco interesse por políticas sociais.

O discurso de ruptura do período em que o PT esteve na oposição gerava expectativas

sobre como seria o governo de Luiz Inácio Lula da Silva. Na área social, a nova administração teve

inúmeras dificuldades na implementação do Fome Zero, primeiro grande programa social lançado

pela nova gestão. O êxito neste campo veio com o Bolsa Família, principal política de transferência

de renda da administração petista. Na economia, o governo surpreendeu (oposição e os aliados) pelo

pragmatismo.

Lula, principalmente durante o primeiro mandato como presidente da República (2003-

2006), precisou lidar com algumas denúncias de corrupção. A principal foi o episódio conhecido

como mensalão, que dominou a cena política brasileira no segundo semestre de 2005. Por esta

razão, o entendimento do discurso de oposição do PSDB passa pela compreensão sobre como os

tucanos se posicionaram diante dos três temas citados.

O corpus da pesquisa é composto pelos pronunciamentos proferidos em plenário pelos

líderes do PSDB na Câmara dos Deputados. O estudo também utiliza declarações dos tucanos

publicadas no jornal de circulação nacional Folha de São Paulo. Para melhor contextualizar o

enfrentamento entre oposição e governo, este trabalho também buscou, na mesma publicação,

colher manifestações de líderes do PT e integrantes do governo.

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Análise de discurso

Este trabalho está em sintonia com os pressupostos da chamada Análise de Discurso. Esta

área se constituiu, ainda na década de 1960, através do debate teórico entre Linguística, Psicanálise

e Materialismo Histórico. A Análise de Discurso nasce da aproximação destes campos de

conhecimento. O propósito era jogar luz sobre os processos que envolvem a constituição dos

discursos.

A análise de Discurso, como seu próprio nome indica, não trata da língua,

não trata da gramática, embora todas essas coisas lhe interessem. Ela trata

do discurso. E a palavra discurso, etimologicamente, tem em si a idéia de

curso, de percurso, de correr por, de movimento. O discurso é assim a

palavra em movimento, prática de linguagem: com o estudo do discurso

observa-se o homem falando. (ORLANDI, 2012, p. 15).

Eni Puccinelli Orlandi também argumenta que a Análise de Discurso “produz um

conhecimento a partir do próprio texto, porque o vê como tendo uma materialidade simbólica

própria e significativa, como tendo uma espessura semântica: ela o concebe em sua discursividade”

(ORLANDI, 2012, p. 18).

A perspectiva da Análise de Discurso prima por não considerar apenas uma frase, um

enunciado ou um texto. São considerados a complexidade do discurso e seu caráter histórico. Fica

evidenciado que a preocupação deste campo em compreender o seu objeto, o discurso, em sua

materialidade, considerando a importância de sua configuração sócio-histórica. Para ter sucesso em

interpelar sujeitos, um discurso deve ser capaz de conseguir se estabelecer em um espaço social já

ocupado por outros significados e discursos. Pode-se assinalar que, desta forma, o êxito da

interpelação envolve o processo de identificação de um indivíduo sempre já sujeito ao discurso do

outro.

O discurso só exerce poder pela identificação, pela adesão espontânea. O

exercício do poder do discurso passa muito de perto pelo conceito

gramsciano de hegemonia – liderança intelectual aceita espontaneamente.

Mister é enfatizar aqui que a referência à identificação e espontaneidade não

pressupõe qualquer proximidade com as noções de voluntarismo e

espontaneísmo. A capacidade de um discurso de exercer poder está

definitivamente associada à sua capacidade de responder demandas, de se

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inserir no conjunto de significados de uma dada sociedade, reconstruindo

posições e sujeitos. (PINTO, 1989, p.36).

Céli Pinto (2005) destaca que “todo discurso é um discurso de poder” (p. 92). Isto porque

todos os discursos pretendem impor verdades sobre um tema ou área específica do conhecimento.

Em relação ao discurso político, a autora afirma que

a característica fundamental do discurso político é que este necessita para

sua sobrevivência impor a sua verdade a muitos e, ao mesmo tempo, é o que

está mais ameaçado de não conseguir. É o discurso cuja verdade está sempre

ameaçada em um jogo de significações. Ele sofre cotidianamente a

desconstrução, ao mesmo tempo só se constrói pela desconstrução do outro.

É portanto, dinâmico, frágil e, facilmente, expõe sua condição provisória.

(PINTO, 2005, p. 89).

Na observação da construção do discurso político, é adequada a verificação da natureza do

sujeito enunciador, que é o “sujeito que fala”. Cabe destacar que a posição do sujeito enunciador do

discurso político envolve as condições relacionadas aos locais de sua enunciação, como o governo,

o parlamento e os partidos políticos.

Categoriais de análise e metodologia

O corpus da pesquisa é composto pelos pronunciamentos proferidos em plenário pelos

líderes do PSDB na Câmara dos Deputados. Além disso, buscou-se a manifestação de integrantes

do partido publicadas no jornal Folha de São Paulo. Durante a gestão de Lula, os sete líderes do

PSDB fizeram 1382 discursos. Jutahy Júnior (PSDB-BA), entre 01/02/2003-17/02/2004 e

15/02/2006-01/02/2007, fez 167 pronunciamentos. Custódio Mattos (PSDB/MG), entre 17/02/2004-

16/02/2005, foi à tribuna 48 vezes. Alberto Goldman (PSDB/SP), entre 16/02/2005-15/02/2006, fez

uso da palavra 247 vezes. Antonio Carlos Pannuzio (PSDB/SP), entre 01/02/2007 - 14/02/2008, fez

481 pronunciamentos. José Aníbal (PSDB/SP), entre 14/2/2008-3/2/2010, discursou 285 vezes.

João Almeida (PSDB/BA), 03/02/2010- 26/01/2011, foi à tribuna 154 vezes.

Dos 1382 discursos, 1218 (88,13%) foram descartados por tratarem exclusivamente de

procedimentos. Ou seja, temas como requerimentos de inversão de pauta, votação nominal,

requerimentos de retirada de matéria da pauta da Ordem do Dia, adiamento de discussão,

encerramento de discussão, suspensão de sessão, urgência na tramitação de determinada matéria,

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orientações de votação da bancada, propostas de procedimentos para as discussões, referências à

questão do quorum, anúncios de obstrução do partido, formulações de questões de ordem, pedido de

acesso a documentos, uso da palavra, discussões acerca do Regimento Interno da Câmara dos

Deputados e, menção de rompimento de acordo.

Em seu estudo, Jairo Nicolau (2000), optou por retirar os requerimentos. Isto porque

decidem sobre o processo de deliberação, mas não sobre a natureza das matérias. Foram colocados

nesta categoria também homenagens a pessoas ou instituições por datas festivas, manifestações de

solidariedade, congratulações a deputados por razões diversas.

Em 104 discursos (7,52%), são manifestadas as contrariedades dos tucanos ao orçamento

apresentado pelo governo, edição excessiva de medidas provisórias e percentual de um aumento do

salário mínimo. Os líderes do PSDB tratam de corrupção, política econômica, programas sociais em

60 (4,34%) pronunciamentos.

Dois critérios foram determinantes para a opção pelo jornal Folha de São Paulo: perfil

editorial e alcance. Em sua cobertura, a publicação prioriza o acompanhamento das questões

políticas. O periódico é vendido em todo o país. Em 2012, entre os jornais brasileiros, a Folha, de

acordo com levantamento da Associação Nacional de Jornais (ANJ), era a segunda maior

publicação do Brasil em circulação (somando-se vendas avulsas e assinantes). Foram 286 mil

exemplares vendidos por dia.3 Ou seja, informa diariamente um número significativo de pessoas.

Abrangência que, pelo perfil da função exercida, atrai e interessa aos políticos. Como destaca Céli

Pinto (2005),

nas últimas décadas, os partidos, as assembleias, os comícios e as rodas

informais de discussão receberam uma poderosa companhia da mídia falada,

escrita, televisiva, que deixou de ser um espaço onde o discurso político se

expressa e passou a ser um espaço de construção de discurso. E não pode

ficar esquecida aqui a Internet, que começa a ocupar importantes espaços

nesta arena. (PINTO, 2005, p. 79).

Através da análise das manifestações dos líderes do PSDB na Folha de São Paulo, busca-se,

além do discurso feito na tribuna, o discurso feito na imprensa.

3 Em primeiro lugar no ranking da ANJ, estava o jornal Super Notícia, de Minas Gerais. Esta publicação, pelo seu perfil

popular, não traria nenhuma contribuição para este trabalho. Jornais populares abrem pouco ou nenhum espaço para os

fatos políticos. Disponível em:<http://www.anj.org.br/a-industria-jornalistica/jornais-no-brasil/maiores-

jornais-do-brasil/>. Pesquisa feita em 31 de maio de 2012.

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Os discursos políticos têm locais de enunciação específicos, ou seja, é

absolutamente legítimo quando ele parte de partidos políticos, de

assembleias legislativas, do governo. Mas deve-se considerar que nas

democracias contemporâneas cada vez mais existem outros espaços de

construção do discurso político, que concorrem com os espaços tradicionais.

Há o discurso político estrito senso, que é o discurso político que tem locais

de enunciação muito claros, que são os locais de política, mas também há o

discurso político feito na imprensa e o discurso político feito na sociedade.

(PINTO, 2005, p. 91-92).

A pesquisa na Folha de São Paulo também foi útil para rememorar certos acontecimentos

do governo. Além disso, perceber em que momentos os petistas e demais aliados do presidente Lula

se defenderam (ou atacaram).

Oposição no regime democrático

A oposição parlamentar, com significado e conteúdo moderno, consolidou-se na Inglaterra

do século XVIII (BOBBIO, 1998; SCHMITZ, 1988; MERSEL, 2004). Era o início de um processo

de reconhecimento de que um segmento da classe política poderia se opor ao governo no

Parlamento, criticando-o e procurando substituí-lo, mas mantendo-se leal à Coroa. Além de colocar-

se como uma alternativa ao poder vigente, a oposição surge para fiscalizar e criticar o governo.

A existência de uma oposição ou minoria parlamentar ativa e responsável é

indispensável em qualquer democracia pluralista. Ao criticar o governo e

apresentar outras opções políticas, a oposição atua para garantir a

transparência e a eficiência na gestão dos assuntos públicos, aumentando,

com efeito, a confiança dos cidadãos nas instituições públicas.

(OVERMEIRE, 2008, p.1).

Em democracias que adotam o modelo Westminster, essas funções são visíveis, tendo em

vista o sistema parlamentar de governo e a existência do bipartidarismo, em que, de um lado, se

encontra o governo e, de outro, a oposição (LIJPHART, 2003). Nas democracias multipartidárias

(modelo consensual), sobretudo com regime presidencialista, a dicotomia maioria-minoria não

possui essa nitidez (LIJPHART, 2003).

O estudo da democracia hoje passa também pela análise do papel da oposição (ou

oposições). Ludger Helms (2008, pg 6-19) afirma que um dos objetivos basilares para o

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desenvolvimento da democracia é o reconhecimento do direito para os atores políticos e sociais

desafiarem e criticarem as ações e políticas do governo. Uma das características primordiais da

democracia moderna é a existência de uma oposição organizada (MERSEL, 2004).

A disputa entre governo e oposição deve estar baseada em regras que privilegiem o

equilíbrio das forças em ação. Giovanni Sartori (1966, p. 150) destaca que a oposição pode atuar

como uma "válvula de segurança", fazendo a maioria e o governo responsivos e responsáveis

perante o parlamento e o povo. Sartori (1966) fez uma distinção entre "oposição real", que se opõe

ao governo, mas não ao sistema político como tal. No outro extremo, está a “oposição anti-sistema”,

que desafia a própria legitimidade do regime.

Para Norberto Bobbio, oposição é

a união de pessoas ou grupos que objetivam fins contrastantes com fins

identificados e visados pelo grupo ou grupos detentores do poder econômico

ou político; a estes, institucionalmente reconhecidos como autoridades

políticas, econômicas e sociais, opõem os grupos de oposição sua

resistência, servindo-se de métodos e meios constitucionais e legais, ou de

métodos e meios de outros tipos, mesmo ilegais e violentos. (BOBBIO,

1998, p. 846).

Desta definição, depreende-se um segmento mais específico da oposição – a oposição

parlamentar, ou simplesmente, oposição, que pressupõe ter lugar num regime liberal-democrático.

PSDB e a corrupção no governo Lula (2003 – 2010)

Em um dos primeiros discursos na nova legislatura (2003 – 2011), Jutahy Júnior, líder do

PSDB na Câmara dos deputados, explicou como os tucanos iriam se portar na oposição ao governo

do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Não sofremos de vícios de origem, o que significa que não faremos

oposição sistemática a tudo que emana do Palácio do Planalto, ao contrário

do que sempre fez o PT na oposição. Não queremos o confronto com o

Executivo, como sempre fez o PT. Votaremos com coerência em favor

daquilo que sempre defendemos. Seremos serenos na negociação,

criteriosos no voto, duros nos debates e vigilantes na fiscalização das ações

do Governo. Nosso lema será: o que podemos fazer para melhorar o País? E

assim agiremos, até mesmo para não repetir os erros do PT, que tantos

prejuízos causaram à Nação no passado. (JÚNIOR, 2003a).

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Estavam dadas as condições internas de emergência para a estruturação do discurso, que,

conforme o líder do partido, seria marcado pelo equilíbrio. Ao afirmar que o partido não faria

“oposição sistemática”, Jutahy Júnior procurou explicitar o desejo tucano de atuar de maneira

distinta da do PT na oposição. A ideia de moderação fica mais explícita com a declaração de que o

PSDB não quer confronto com o executivo.

O PT, até chegar à presidência da República, sempre apresentou um discurso forte contra a

corrupção na vida pública. Era uma forma de se diferenciar das tradicionais forças políticas

nacionais. Durante o governo de Fernando Henrique Cardoso (1995-2002), os petistas procuraram

colar na gestão tucana o rótulo de corrupta (MORITZ, 2006). Foram denunciados casos de

corrupção no Sistema de Vigilância da Amazônia (SIVAM) e no Programa de Estímulo à

Reestruturação e Fortalecimento do Sistema Financeiro Nacional (PROER), que levou ajuda

financeira a bancos privados. No entanto, a medida que mais recebeu críticas durante a gestão de

FHC foi a emenda Constitucional que, em 1997, permitiu a reeleição do presidente da República,

governadores e prefeitos. A oposição acusou o governo de ter subornado os parlamentares da base

aliada para garantir a aprovação da medida (MORITZ, 2006).

Em maio de 2005, reportagem da revista Veja reproduziu imagens do funcionário dos

Correios Maurício Marinho recebendo R$ 3 mil de um empresário interessado em participar de

licitações promovidas pela estatal. Marinho afirmou que agia com aval do presidente do PTB,

Roberto Jefferson. Na defesa do governo, o ministro da Articulação Política, Aldo Rebelo, acusou a

oposição de promover um “clima de 54”. Alusão clara à crise política que levou o presidente

Getúlio Vargas ao suicídio em 24 de agosto de 1954. Em resposta, Alberto Goldman procurou

afastar do PSDB a pecha de golpista.

Em algum momento, nós aqui pregamos a derrubada de algum Governo?

Nós aqui, em algum momento, tentamos fazer com que não fosse respeitada

a decisão das urnas, decisão democrática? Vamos até o último dia, Sr.

Presidente, com a campanha Fica, Lula! Fica, Lula! Fica, Lula até o último

dia do seu mandato, 31 de dezembro de 2006. E nós esperamos que o golpe

a ser dado - que não será um golpe, mas uma decisão popular - seja feito

pelas urnas no ano que vem, e que Lula não volte ao Poder, porque já

demonstrou que não tem capacidade de comando e de liderança que deve ter

um Presidente da República, até sobre os seus Ministros. Se assim o fosse,

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não autorizaria o Ministro Aldo Rebelo falar as asneiras que tem falado

nesses dias ao povo brasileiro. (GOLDMAN, 2005b).

Eis outra condição de emergência que ganharia espaço privilegiado na formulação do

discurso tucano. Além de refutar qualquer esforço do governo para vincular o partido a práticas

pouco democráticas, o líder do PSDB procurou, ao afirmar que Lula “não tem capacidade de

comando e de liderança”, levantar dúvidas sobre a competência administrativa do chefe do poder

executivo. Diante das dificuldades iniciais do governo, os tucanos estavam confiantes que, em

2006, poderiam, “pelas urnas”, voltar ao comando do país.

Em seis de junho de 2005, o presidente nacional do PTB, Roberto Jefferson, em entrevista

exclusiva ao jornal Folha de São Paulo, revelou que o tesoureiro do PT, Delúbio Soares, pagava,

por mês, 30 mil reais a congressistas aliados. O mensalão, como ficou popularmente conhecido o

esquema, garantiria ao governo a maioria na Câmara dos Deputados (CONTEI..., 2005, p. A5). O

esquema teria beneficiado, inicialmente, o Partido Progressista (PP) e o Partido Liberal (PL). No

começo de 2005, de acordo com Jefferson, o repasse de recursos foi encerrado.

A reação do PSDB foi rápida. Com a afirmação de que “Lula tem hoje um Governo que

acabou”, Alberto Goldman ressaltou que os tucanos, mesmo diante de nova denúncia de corrupção,

não iriam defender o impeachment do presidente da República.

Nós, da oposição, achamos importante o País caminhar neste ano e meio de

Governo que Lula ainda tem pela frente e que S.Exa. fique até o final de seu

mandato. Não queremos, de forma alguma, o impedimento do Presidente,

embora achemos que neste momento tenhamos razão para isso.

(GOLDMAN, 2005c).

Em depoimento à Procuradoria Geral da República, Delúbio Soares revelou que as

campanhas petistas, em 2002, foram financiadas com recursos advindos de caixa dois.4 Delúbio,

conforme reportagem publicada no jornal Folha de São Paulo, não esclareceu que candidatos

receberam os recursos. De acordo com o ex-tesoureiro do PT, a única campanha que não teve

finanças paralelas foi a de Lula (BERGAMO, 2005, p. A5). O que passou a ser chamado de

4 Popularmente é chamado de caixa dois o dinheiro não registrado na Justiça Eleitoral que é utilizado em uma

determinada campanha eleitoral.

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mensalão, nas palavras do ex-tesoureiro do PT, nada mais era do que dinheiro não contabilizado. A

linha argumentativa de Delúbio era, jurídica e politicamente, menos danosa para o governo Lula e

para o Partido dos Trabalhadores. Caixa dois, apesar de também representar uma ilegalidade, tinha

menor potencial ofensivo que, por exemplo, suborno de parlamentares.

Afastar do PSDB a pecha de golpista ficava cada vez mais evidente como uma das

condições de emergência que moldaram o discurso dos tucanos durante o debate sobre a corrupção

nas gestões de Lula. Os líderes da legenda na Câmara dos Deputados passaram a dedicar cada vez

mais espaço para o tema. Alberto Goldman, por exemplo, voltou à tribuna para afirmar que a

oposição não havia se aliado à imprensa para fragilizar o governo.

Não é possível aceitar, em qualquer hipótese, que a qualquer manifestação

ou denúncia da imprensa nós, da Oposição, sejamos arrastados como se

fôssemos partícipes, como se estivéssemos atrás desse processo de desgaste

do PT e do Governo Lula. (GOLDMAN, 2005d).

Em dezembro de 2005, com José Serra (do PSDB) aparecendo na pesquisa Datafolha como

o potencial vitorioso na disputa presidencial do ano seguinte, parecia que a imagem da gestão

petista havia atingido o ápice do desgaste. Um desgaste que começou a perder força dois meses

depois. O governo passou a viver a retomada do apoio (e aprovação) popular. Pesquisa Datafolha,

divulgada em cinco de fevereiro de 2006, demonstrou que a gestão do presidente Lula havia

recuperado a taxa de aprovação que tinha antes do escândalo do mensalão. O governo foi avaliado

como ótimo ou bom por 36% dos entrevistados, oito pontos a mais que no levantamento anterior,

feito em dezembro. 39% consideravam o governo regular (BRAMATTI, 2006, p. A4).

O fortalecimento político do presidente Lula, como destacou Jorge Almeida (2007), está

relacionado ao esgotamento do potencial midiático da crise do mensalão, relativa moderação da

oposição e adoção de uma agenda positiva por parte do governo.

O início de 2006 vai apresentar uma nova mudança nas representações

sociais da política, reafirmando a importância dos fatores conjunturais na

alteração do comportamento do eleitor. Esta situação está ligada a uma nova

combinação de fatores direta ou indiretamente favoráveis ao governo.

Enquanto há um certo cansaço em torno das denúncias de corrupção, não

aparece uma alternativa visivelmente forte. Por um lado, a oposição de

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direita (especialmente PFL e PSDB) não mostra divergências de fundo com

as políticas implementadas.

Há uma diminuição da exposição negativa e um aumento da exposição

positiva de Lula na mídia, por diversos fatores. Alguns gerados a partir do

Estado, como o aumento do salário mínimo (que, apesar de aquém das

promessas de campanha, foi acima da inflação do período) e do efeito

cumulativo de várias políticas sociais. Falamos especialmente das de tipo

nitidamente compensatório, como o Bolsa-Família, mas também de outras

ações, como a ampliação do financiamento a pequenos produtores rurais, o

Luz para Todos, a política de cotas e o Programa Universidade para Todos

(Prouni), que, independentemente de uma avaliação de mérito, tiveram um

impacto eleitoral positivo para a reeleição. Também houve uma

intensificação da publicidade oficial, paga pelo governo federal.

(ALMEIDA, 2007, P. 133-134).

Pesquisa Datafolha, divulgada em 22 de fevereiro de 2006, demonstrou que o presidente

venceria José Serra no primeiro turno (39% a 31%) e segundo turno (48% a 43%) (LULA..., 2006,

p. A4). Lula não aparecia em vantagem nos dois turnos desde agosto de 2005. O presidente também

venceria Alckmin. Além disso, 37% dos eleitores consideravam o governo ótimo ou bom. 53%

consideravam o desempenho pessoal do presidente ótimo ou bom (LULA..., 2006, p. A4).

Se a defesa de uma atuação moderada foi (no início da gestão do PT) a tônica do discurso

tucano, percebe-se uma mudança na enunciação dos integrantes do PSDB a partir de fevereiro de

2006, quando a popularidade do governo demonstra sinais de recuperação. A possibilidade de abrir

processo de impeachment contra o presidente da República ganha força no discurso tucano. Alberto

Goldman acusou os petistas de fazerem confusão entre os conceitos de golpe de estado e

impedimento legal.

Então V.Exas. do PT, quando votaram o impeachment do Presidente

Fernando Collor de Mello, deram um golpe? V.Exas. deram um golpe? Este

Congresso Nacional deu um golpe? Não! Seguiu-se a lei! Seguiu-se a

Constituição Federal! Impeachment não é golpe! O impeachment pode

acontecer a qualquer momento se a sociedade e esta Casa entenderem que

ele é necessário. Golpe é o que o ex-presidente do seu partido, o Sr. Tarso

Genro, propôs no início do Governo Fernando Henrique Cardoso: o

movimento "Fora FHC". Isso era um golpe! Não se tratava de impeachment,

não se tratava de medida judicial, não se tratava de atividade legal, mas de

um movimento de rua, um movimento de massa. "Fora FHC" - isso era um

golpe! Golpe deram V.Exas., que passaram anos e anos dizendo da

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necessidade de tirar o Presidente Fernando Henrique, e não por medida

judicial ou ação do Congresso Nacional, mas por movimento de rua, por

movimento de massa. Isso é golpe - golpe que já deram diversos ditadores

na América Latina! (GOLDMAN, 2006).

Apesar do esforço dos integrantes do PSDB, a tentativa de vincular o presidente da

República ao mensalão, a partir de fevereiro de 2006, não sensibilizou a maioria dos brasileiros.

Luiz Inácio Lula da Silva entrou na campanha como franco favorito. O petista foi reconduzido ao

comando do Brasil com 58 milhões de votos.5 O tema corrupção, a partir do início do segundo

mandato do petista, passou a perder espaço no embate entre forças de governo e oposição.

PSDB e as políticas econômica e social do governo Lula (2003 – 2010)

Em um contexto de expectativa e certa apreensão sobre as políticas econômica e social que

seriam adotadas pelo presidente Lula, estão as condições de emergência que inicialmente forjaram o

discurso de oposição dos tucanos. Em um primeiro momento, os integrantes do PSDB se

concentraram em apontar Lula como um mau gestor na área social e por tomar decisões

equivocadas na economia. Da tribuna, Jutahy Júnior criticou a condução do Fome Zero6.

Estamos vendo que o Programa Fome Zero não é apenas um programa com

mau gerenciamento e boa concepção; é um programa com concepção errada

e mau gerenciamento. Estão caminhando numa direção extremamente

incompetente, e podem causar prejuízos imensos a quem de fato precisa do

atendimento: a camada mais pobre da nossa população. (JÚNIOR, 2003b).

Lula passou também a receber críticas pela condução da economia. Jutahy Júnior, líder do

PSDB na Câmara dos Deputados, reprovou a “conversão recente e mal assimilada” do PT “aos

princípios de mercado”. Na interpretação do tucano, os brasileiros estavam diante de uma

“metamorfose ambulante, oportunista e de ocasião” (JÚNIOR, 2003a).

5 Lula foi eleito com 58.295.042. Geraldo Alckmin (PSDB), candidato derrotado, fez 37.543.178 votos. Disponível

em:http://www.tse.jus.br/eleicoes/eleicoes-anteriores/eleicoes-2006/resultado-da-eleicao-2006. Acessado em 30 mai. 2012 6 O Fome Zero, programa social de combate à fome, foi oficialmente lançado pelo governo em 30 de janeiro de 2003.

As dificuldades na implementação do projeto, as criticas e o descompasso na relação entre os ministros da área social

fizeram o governo mudar a estratégia. Paulatinamente o Fome Zero foi retirado da agenda social da gestão petista.

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A esta altura, já está claro para a população que nada mudou na economia;

pelo contrário, retrocedemos à aplicação de remédios cada vez mais

amargos, um coquetel ortodoxo que representa um brutal golpe na retomada

do crescimento econômico do País. Onde está a esperança tão largamente

prometida aos brasileiros? (JÚNIOR, 2003a).

Em 20 de outubro de 2003, o presidente Lula lançou o programa Bolsa Família.7 O novo

projeto no campo social era resultado da unificação dos programas Bolsa Escola, Programa

Nacional de Acesso à Alimentação, Bolsa Alimentação, Auxílio-Gás e Cadastramento Único do

Governo Federal. Alberto Goldman criticou o que ele classificou como perfil assistencialista do

novo projeto na área social.

Nas políticas sociais, o que mudou? Mudou o nome do Bolsa-Escola. Junto

com outros programas já existentes, passou a se chamar Bolsa-Família.

Enquanto aquela partia do princípio de que o programa não era

assistencialista, mas visava obrigar a criança a se manter na escola e a

família a realizar obrigações para garantir sua saúde, o programa de Lula

passou por cima das exigências de contrapartida e distribuiu dinheiro a torto

e a direito. O quanto torto é, o futuro dirá. (GOLDMAN, 2005a).

Neste fragmento, são apresentados dois eixos de argumentação. No primeiro, o líder do

PSDB na Câmara dos Deputados procura demonstrar que o Bolsa Família, novo programa social da

gestão Lula, nada mais era que a união projetos implementados no período em que Fernando

Henrique Cardoso foi presidente. Por último, é defendido que o projeto, apesar de ter surgido de

iniciativas já existentes, representa um retrocesso pelo seu perfil “assistencialista”. Isto porque “o

programa de Lula passou por cima das exigências de contrapartidas”, o que abria espaço para

inúmeras irregularidades.

Goldman também criticou os resultados da política econômica nos dois primeiros anos do

governo Lula. Outro argumento passava a estar presente nos enunciados dos tucanos. A economia

brasileira, por culpa das opções do governo, não conseguia acompanhar um cenário internacional

próspero. Mais uma tentativa de mostrar que a gestão petista no setor estava na contramão do

momento histórico.

7 A lei 10.836, que oficialmente criou o programa Bolsa Família, só apareceu em 9 de janeiro de 2004. Quase todos os

programas que estão na origem do Bolsa Família foram criados ainda na gestão de Fernando Henrique Cardoso. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2004/lei/l10.836.htm. Acesso em: 8 jul. 2012.

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O grande sucesso alardeado pelos atuais governantes é o crescimento, em 2

anos, de 5% do Produto Interno Bruto - menor que a média dos demais

países do mundo e dos países emergentes. Em 2004, a China cresceu 9%; a

Rússia e a Turquia, 7%; a Índia, 6%. Saímos do fundo do poço e chegamos

à mediocridade, em um momento internacional excepcionalmente favorável.

Há algo a comemorar? (GOLDMAN, 2005a).

O líder do PSDB na Câmara dos Deputados voltou a criticar a “política econômica que está

destruindo o país” (GOLDMAN, 2005e). Desta vez, Alberto Goldman não mediu as palavras. “Este

Governo está sendo incompetente no gerenciamento da economia, da política e das questões

sociais.” (GOLDMAN, 2005e). A inaptidão do governo Lula para administrar a economia, na

interpretação do tucano, deixava o Brasil despreparado para enfrentar, no futuro, uma eventual crise

financeira internacional.

Como já foi colocado, após as turbulências políticas no segundo semestre de 2005, o

governo conseguiu, a partir de fevereiro de 2006, recuperar a popularidade. A reabilitação da

imagem da gestão petista criou nova condição de emergência para a paulatina reformulação do

discurso tucano. Se as áreas econômica e social davam sinais de melhoras, os líderes do PSDB

procuravam destacar que a base tinha sido construída na administração de Fernando Henrique

Cardoso.

Em outubro de 2006, Luiz Inácio Lula da Silva foi reeleito presidente do Brasil. Como

observou Antonio Lavareda (2009), a política econômica e os programas sociais, causas de

inúmeras críticas durante o primeiro mandato, tiveram papel significativo na vitória do petista.

A economia do país caminhava bem no final do primeiro governo Lula, que

se beneficiava de um ciclo de expansão internacional sem precedentes nos

últimos quarenta anos. Valera, também, o esforço que fizera para manter as

linhas gerais da política macroeconômica, o que lhe possibilitou reduzir a

inflação. O governo criara o Bolsa Família a partir de um programa anterior,

ampliando-o de 5 para 11 milhões de família beneficiárias. Aumentara em

25% o valor do salário mínimo. E dera início a vários outros programas

sociais, cujo reconhecimento pelos brasileiros resultava em elevada

aprovação. Principalmente em meio à população mais pobre. (LAVAREDA,

2009, p. 219)

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Em abril de 2008, a Agência de classificação de risco Standard e Poor’s elevou o Brasil ao

patamar de grau de investimento pela primeira vez na história. A recomendação atestava que o país

era um destino seguro para investimentos internacionais. A recuperação da boa imagem do governo

Lula e as boas notícias na área econômica reanimaram os integrantes da base do governo no

Congresso, que passaram a criticar o PSDB por não ter mais uma agenda econômica para o Brasil.

José Aníbal, líder do partido na Câmara dos Deputados, procurou rebater as acusações. “O discurso

econômico nosso é, de um lado, dizer que o essencial foi feito por nós: fim da inflação, estabilidade

econômica, Lei de Responsabilidade Fiscal, câmbio flutuante, metas de inflação. Tudo a que vocês

se opuseram - e, felizmente, mantiveram.” (ANÍBAL, 2008).

Pesquisa Datafolha, publicada em 19 de dezembro de 2010, mostrou que o governo Lula

chegava ao final com recorde de popularidade. Para 83% dos entrevistados, o presidente fez uma

gestão ótima ou boa (RODRIGUES, 2010a, p.2). FHC deixou a presidência, em 2002, com 26% de

aprovação (57 pontos percentuais abaixo de Lula). Pesquisa Datafolha revelou que, para 84% dos

brasileiros, o país estava melhor após os dois mandatos de Lula (RODRIGUES, 2010a, p. 2).

Considerações finais

Refletindo sobre a vitória da petista Dilma Rousseff sobre o tucano José Serra na disputa

presidencial de 2010, Sérgio Abranches (2011a) avalia que a oposição saiu daquela eleição

“diminuída, atordoada e sem projeto definido”. Para o pesquisador, a terceira derrota seguida na

disputa pelo comando do país foi consequência do fraco desempenho dos tucanos na oposição ao

governo Lula.

O PSDB deixou o governo e jamais soube exercer o papel de oposição.

Principalmente, o papel essencial de preparar proposta alternativa, voltada

para o futuro, que vá além do que foram os governos anteriores e que desse

novos em mais largos passos para levar a cabo o processo de modernização

inacabada do país. (ABRANCHES, 2011b).

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Durante o período em que Lula esteve na presidência (2003-2010), os tucanos não

apresentaram propostas alternativas ou deixaram claro o que fariam em um eventual retorno ao

comando do país. Para Abranches, o PSDB fracassou no papel de oposição.

O partido passou a última década sem ideias consistentes, sem programa

claro, sem se caracterizar como alternativa de poder. Tampouco exerceu

oposição, principalmente no segundo mandato do presidente Lula, que o

manteve partido no corner, imobilizado, com sua acachapante popularidade.

(ABRANCHES, 2010).

O que foi apresentado até agora possibilita afirmar que a atuação do PSDB durante o

governo Lula está próximo do que Otto Kirchheimer (1957) classificou como “eliminação de

oposição”. De acordo com o autor alemão, neste cenário, o grupo minoritário participa da disputa

pelo poder, mas já não apresenta (ou representa) um projeto alternativo.

Os tucanos tiveram dificuldades de enfrentar o governo principalmente depois que a

popularidade da administração de Lula voltou a subir. O partido tão pouco procurou apresentar

propostas alternativas (ou novas linhas de ação política) nos primeiros oito anos em que esteve na

oposição.

Foi possível constatar, através da análise do discurso, a atuação inconstante dos tucanos

durante o governo Lula. Em 2010, o PSDB foi derrotado pela terceira vez seguida em uma eleição

presidencial. O partido ainda mantém, na disputa pelo comando do país, a polarização com o PT.

No entanto, segue sem um projeto alternativo para o Brasil e sem novas bandeiras para defender.

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