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  • Revista tica e Filosofia Poltica N 12 Volume 1 Abril de 2010

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    TICA E POLTICA EM JOS LUIS LPEZ ARANGUREN

    Prof. Dr. Fbio Rmulo Reis Depto. das Filosofias e Mtodos UFSJ

    Resumo: O objetivo da presente pesquisa analisar o pensamento tico-poltico de Jos Luis Lpez Aranguren. O contexto de sua reflexo filosfica se insere em um novo projeto poltico da Espanha democrtica e, portanto, ele pode ser considerado um pensador influente na Espanha nos ltimos 45 anos pela participao poltica e seu comprometimento com a democracia espanhola, sobretudo nos anos que antecederam ao novo projeto de normalidade democrtica. Nesse sentido seus estudos contemplam temas no s rigorosamente de ndole abstrata e filosfica, mas tambm evocam uma crtica tica e social de rebeldia contra a situao vigente. Palavras-Chave: tica, Poltica, Democracia. 1. Introduo A trajetria filosfica de Jose Luis Lpez Aranguren (1909-1996) pode ser compreendida a partir de trs momentos especficos: a primeira etapa revelaria um pensador voltado para a temtica religiosa revelada nos primeiros artigos de 45, indo at seu doutoramento em 54, sendo sua obra mais importante o ensaio intitulado Catolicismo y protestantismo como formas de existencia (1952). Em um segundo momento, a reflexo tica se fundamentaria na tradio da filosofia clssica incluindo sua tese doutoral, o ensaio El protestantismo y la moral (1954) e, sobretudo, o trabalho mais significativo, a tica (1958). Esta obra constitui um tratado de filosofia moral e analisa a condicionalidade humana que se conclui na formao da personalidade moral. Finalmente, a ltima etapa de sua trajetria filosfica iria permeada pela crtica social e poltica, sendo os estudos sobre tica y poltica (1963) a obra em que analisa a ltima e derradeira condicionalidade, que a situao sob um enfoque social. Cumpre observar, porm, que essa trajetria possui um fio condutor que se faz presente em toda a sua produo intelectual, qual seja a preocupao com a moral. Nesse sentido, o prprio autor reconhece que seu trabalho pode ser visto a partir de quatro ordens crescentes: ao catlica inserida num contexto religioso tradicional e contrareformista; ao universitria onde sua investigao se direciona para um sentido mais acadmico em que desenvolve estudos filosficos sobre questes de ordem tica; uma ntida preocupao com a ao moral dedicada a um projeto comprometido com a causa poltica e, finalmente, uma ao social na qual ele se apresenta consciente de seu papel de intelectual que se volta para a crtica poltica. Nesse momento, o intelectual que produz para o grande pblico, artigos e conferncias.

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    O advento da modernidade tende a romper com a vertente ontolgica e outra ser construda sobre o ponto de vista do sujeito. Trata-se de construir uma nova formulao terica a partir da subjetividade, privilegiando-se o cogito em detrimento do ser. No entanto, o projeto de Aranguren uma tentativa de, sem relegar os complexos temas desenvolvidos na modernidade, recuperar a tradio metafsica. Enquanto a tradio da Reforma entendia ser possvel desenvolver uma moral autnoma e produzida pelo consenso e pelo critrio da benevolncia, a tradio catlica reafirmava que a moral componente da religio se faz necessariamente presente quando se discute a questo da moralidade. Portanto, o fundamento da moralidade se encontra num horizonte mais imediato na ontologia. Ora, uma ontologia por si mesma ainda seria insuficiente para proporcionar tal fundamentao. necessrio o concurso da teologia ou da f para completar esse processo que fundamenta a moralidade. Aranguren, embora vinculado tradio catlica, aquela aparentemente heterodoxa, procura conciliar a autonomia da moral no conforme tradio da reforma protestante, mas visa a preservar esta autonomia com uma abertura para a religio e para a teologia. Para conseguir seu intento, ele ir construir essa moralidade como constitutiva da subjetividade. Ora, poderemos alegar que esse foi o objetivo da filosofia moderna a partir de Kant. No entanto, no foi esse o caminho trilhado por ele. Ao contrrio, ele busca na metafsica greco-crist fundamentos novos para a moral como constitutiva do sujeito. Este seu grande desafio. Isso permite, portanto, estabelecer uma comunicao entre a crena e a descrena, uma vez que a linha divisria entre elas existe, mas to tnue, ou mesmo difana, que no deixa vislumbrar algum horizonte comum a ambas. Aqui ele se revela o homem religioso e moral por excelncia, sem perder as especificidades do discurso religioso e moral. Aranguren ir indicar que a tica se encontra aberta religio. Sua filosofia manifestar um estilo de vida presente no cotidiano e na ctedra universitria. Pode-se concluir, no decorrer dessa pesquisa, que a trajetria de Aranguren se assemelha de Scrates, no em sua terminalidade clssica, mas no sentido de que, ao perder sua ctedra e se exilar voluntariamente na Califrnia, ele persegue o ideal de desenvolver a tica com liberdade, o que seria de grande importncia para a Espanha, a sua polis. 2. Relao entre tica e Poltica Aranguren se prope, no primeiro momento de sua obra tica y Poltica, a buscar a possibilidade da relao entre a tica e a poltica. Considera a tica na sua dimenso pessoal, pois cabe a cada indivduo projetar e decidir sobre o que vai realizar. Assim, as normas ou modelos de comportamento e de existncia sobre os quais decidimos orientar a nossa vida tm de ser livremente aceitos, para que as nossas aes e a nossa existncia sejam morais. Aranguren prossegue indagando sobre a origem das normas como modelos de conduta e conclui que procedem da sociedade em que se vive. O homem

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    scioculturalmente determinado em sua conduta. A cultura nos abre um caminho, nos direciona por ele (moral fechada de Bergson). A sociedade de certa forma molda a mentalidade de seus membros. Marx sustentava que no a conscincia do ser humano que determina sua existncia, mas, ao invs, a sua existncia social que determina sua conscincia. A moral no social somente pela origem das normas, mas, tambm, conforme acabamos de registrar, pela origem da conscincia moral. O tribunal da conscincia , psicogeneticamente, a interiorizao do tribunal moral da comunidade cujo juzo se formava nas reunies do povo na polis e, no teatro, mediante aplicao de preceitos de origem religiosa, tradicional. A moral, como moral da conscincia, consiste na constituio de um foro interno que ocorre, sobretudo, nos momentos crticos da histria, quando a moral vigente no atende s necessidades sociais e o homem, como pessoa, se retrai nesse foro ntimo de sua conscincia moral. Segundo Aranguren, Scrates teria vivido a anttese entre a moral social e o foro interno e, no drama, acabou por considerar ambas as exigncias, a pessoal e a social. Os esticos deram um passo frente no sentido da moral pessoal, mas coube poca Moderna o aflorar da moral da conscincia em toda a sua pureza individualista e interiorizante. Primeiramente no plano religioso, atravs do confessionrio e da direo espiritual. A moral medieval, asctica, ultramundana reclamava adequar-se nova concepo secularizada e intramundana da vida. Como esse intento no era fcil, particularmente pelo excesso de prudncia da Igreja Catlica, aos poucos a realidade moral cedeu considerao da conscincia moral. A pergunta moral deixou de ser: Fazer isto bom ou mau, para tornar-se uma simples reflexo interiorizada, O que faz isto culpado ou pode ser absolvido? Deixa-se a linha do realismo e passa-se do probabilismo. Em fins do sculo XVIII, Kant assumiu a crise moral, formulando uma tica individualista, fundada no tribunal da conscincia moral. Consumou-se o foro interno e se instaurou o individualismo, o subjetivismo moral. Houve uma reao acanhada do utilitarismo e mais incisiva de Hegel e de alguns de seus seguidores. O individualismo moral foi um parntese na histria da moral, que sempre foi, eminentemente, social. A tica filosfica surgiu, historicamente, como uma secularizao dos mandamentos recebidos de Deus e conservados pela religio. Posteriormente esses mandamentos foram admitidos como prprios do homem, como expresso da lei natural, gerando uma tica filosfica como parte da filosofia. Kant deu o passo seguinte, afirmando que esses preceitos o homem os d a si mesmo. Assim efetivou-se a interiorizao da moral, a moral autnoma. A tica passou a relegar a realidade e a priorizar a inteno (a boa vontade) e no o resultado. Aranguren critica a proposta moral de Max Weber que, tentando superar o subjetivismo, acabou por apresentar uma moral oportunista, centrada nos resultados, a tica da responsabilidade, que tambm poderia denominar-se tica da realidade.

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    A reconquista do valor social admitindo a verdade ou o erro moral, pela moral da prudncia, tirou a tica de seu subjetivismo. No se trata de fazer sociologismo moral, mas em mostrar a raiz social da moral. O pensamento atual apresenta o homem como constitutivamente social. No haveria tambm de ocorrer o mesmo com a moral? Para Aranguren, a moral individualista surgiu como soluo provisria ante uma moral anacrnica, inadequada. A moral tem de ser realizada na sociedade e pela sociedade. A moral constitutivamente social: A tica social no um aditamento, ou uma aplicao da tica geral, concebida primariamente como individual. A tica , enquanto tal, pessoal e social. O pessoal e o social so primrios nela e inseparveis dela (ARANGUREN, E. P., 1995, p. 36).1

    Faz parte da tica especial ou social a tica poltica que objetiva mostrar como deve ser e organizar-se a societas civilis, tendo em vista a moralidade, ou seja, o atendimento das exigncias da tica geral. A tica poltica consiste na construo de um arqutipo de Estado ou Estado