política Ética e religião - coletânea de artigos i

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1 JOSÉ ARISTIDES DA SILVA GAMITO POLÍTICA, ÉTICA E RELIGIÃO Coletânea de artigos publicados na revista “Diretrizes” Caratinga – MG 2008

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AMITO, José Aristides da Silva. Política, Ética e Religião. Coletânea de Artigos publicados na revista “Diretrizes”. Caratinga, 2008.

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JOSÉ ARISTIDES DA SILVA GAMITO

POLÍTICA, ÉTICA E RELIGIÃO

Coletânea de artigos

publicados na revista “Diretrizes”

Caratinga – MG

2008

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Dados para Citação Bibliográfica

GAMITO, José Aristides da Silva. Política, Ética e Religião. Coletânea de Artigos publicados

na revista “Diretrizes”. Caratinga, 2008.

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A ÉTICA DO CUIDADO AMBIENTAL

A preocupação mundial atualmente se volta para o aquecimento global. O homem fez da

tecnologia uma arma disparada contra si mesmo. A ecologia como uma dimensão moral é

uma novidade de nosso tempo se olharmos a história do ocidente. A concepção judaico-cristã

de homem faz um corte entre seres humanos e natureza. O homem não é visto como natureza,

mas como um sujeito supra-natural posto no cosmo. E este mundo se tornou o seu utensílio de

satisfação de sua vontade de poder. A gênese do capitalismo sacralizou essa antropologia

(visão de homem) e acentuou a superioridade da razão, dando condições para que a natureza

fosse explorada sem controle.

Até o início da modernidade questões como meio ambiente e uso responsáveis dos recursos

naturais não eram cogitados como aspectos morais. A técnica e o capital não permitiam

pensar na finitude dos bens naturais. Somente a partir da década de 70, aparecem os primeiros

índices de uma consciência ecológica. Representa esta revolução ecológica o surgimento da

permacultura. O termo vem da expressão “agricultura permanente” e consiste num método de

organização humana ambientalmente sustentável com viabilidade financeira e equilíbrio

social. O sistema foi criado pelos ecologistas australianos Bill Mollison (1928) e David

Holmgren (1955) na década de 70. A sustentabilidade ecológica e humana é a base das

comunidades permaculturais. Reúnem práticas agrícolas, arquitetura bio-sustentável,

saneamento básico e toda estruturação da vida em harmonia com o meio.

Como reflexão, a relação como o meio ambiente ganha teoria como as propostas éticas do

filosófo alemão Hans Jonas (1903-1993) e do australiano Peter Singer (1946). O primeiro

centrou sua preocupação nos problemas gerados pela tecnologia, formulou o princípio de

responsabilidade, segundo o qual deve-se permitir somente atos cujos efeitos possibilitem a

permanência da vida humana genuína na terra. É vital um equilíbrio entre progresso técnico e

qualidade de vida. O segundo levantou bandeira em favor dos animais, reconhecendo o direito

de proteção, preservação e tirando-os da lista de consumo humano. Não se pode discriminar

uma espécie por não ser humana. Todas as espécies que são capazes de sofrer têm os mesmos

direitos que o homem. Para o pensador é imoral criar animais confinados e geneticamente

alterados para consumo. A solução é ser vegetariano.

Ao lado desses sistemas de vida e pensamento estão as ONGs. Crescem, em grande

proporção, as organizações que defendem uma relação saudável com o planeta. Um destaque

entre elas é Greenpeace Foundation. Fundada em 1971 no Canadá. Presente em quarenta e um

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países, é sustentada por 2,8 milhões de membros particulares. Seu campo de ação é o

ambiente, em questões dealterações climáticas, preservação

dos oceanos e florestas, paz edesarmamento, engenharia genética, desenvolvimento

nuclear,comércio justo ou sustentável.

Os debates e as ações são velhos. Mas, somente a pressão do aquecimento global fez o

assunto se tornar novo e presente na boca de todo mundo. Para reverter a progressiva

destruição do planeta, não bastam só teorias. Há que se desenvolver uma educação ecológica

que saia dos livros e se torne prática cotidiana. São atitudes de ética ecológica como se

recolhe o lixo, cuida da água, estrutura o quintal de casa. As instituições podem promover

essas ações. Porém, por trás delas, deve estar uma mentalidade nova. A base da conversão é

ecológica é aceitar a condição natural do homem. Ele é um membro frágil e dependente do

ecossistema. Não está autorizado a sobrepor as outras criaturas. Não é dono, é hóspede

convidado a cuidar. É precedido, gerado, circundado e sustentado pela natureza. Enfim, é um

convite ao retorno ao homem natural.

O ENFRAQUECIMENTO DO CONCEITO DE CIÊNCIA

Dentre as diversas transformações trazidas pela pós-modernidade, pretendo abordar neste

artigo o enfraquecimento do conceito de ciência. O positivismo pretendeu dar à ciência um

caráter absoluto, uma objetividade impecável que afastava qualquer subjetividade da pesquisa

científica. Com o decorrer dos anos esse cientificismo passou a ser asfixiante, o campo de

atuação da ciência tornou-se vasto e uma crescente ramificação e especialização foram

assumidas como solução. O conceito moderno de ciência nasceu atrelado à clareza e à

distinção, separando-se de um conjunto de temas e procedimentos ditos anticientíficos. Esses

princípios se intensificaram, tomaram diversas expressões como o iluminismo e o

positivismo. Porém, com a pós-modernidade vemos um constante enfraquecimento do

rigorismo científico principalmente nas ciências humanas. Temas e teorias inadmissíveis

anteriormente passam a chamar a atenção dos cientistas. A ciência na pós-modernidade

tornou-se relativa, personalizada, ramificada e aproximativa. Banalidades do cotidiano

transformaram-se em objetos da ciência, de hora em hora nasce mais uma “logia” ou “grafia”.

Muitas teorias internalizadas nos cotidiano pelas pessoas como se fossem verdades

irrefutáveis e são aplicadas a torto e a direito gerando exclusões e determinismos. A

psicologia de um tratado da filosofia metamorfoseou-se na religião salvífica do século XX.

Absolutização das psicoterapias, a experiência de quase morte (EQM), a hipótese de Deus na

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astronomia, as teorias mirabolantes da parapsicologia, as regressões detalhistas são teorias

admitidas como científicas que provêm mais do discurso da imaginação do que do conceito

genuíno e forte de ciência. A terapia de vidas passadas se vincula a uma série de implicações

pouco científicas. Brian Weiss, psiquiatra dos EUA na obra “Muitas Vidas, uma Só Alma”

propõe a técnica da progressão. Pela hipnose poderia ver o que as pessoas serão no futuro.

Uma síntese de imaginação cognitiva, metempsicose e noção confusa de tempo ganha uma

roupagem científica e entra a todo vapor no mercado. E muitas outras hipóteses improváveis

desfilam como ciência. A verdade para a pós-modernidade é uma experiência estética,

individual, confirmada pela aparência. Toda relação cognitiva se reduz à hermenêutica, as

teses e dissertações são apenas engenhosas colagens. O arranjo do discurso, a sua imagem

garante a veracidade. Por essas razões acima citadas, chegamos a uma conclusão incipiente

que estamos nos deparando com um enfraquecimento do conceito de ciência. Isto no põe de

sobreaviso em relação aos produtos intelectuais que recebemos e assimilamos como

científicos. Científico, verdadeiro e seguro não são mais sinônimos.

COMENTÁRIOS SOBRE O EVANGELHO DE JUDAS

O Evangelho de Judas propõe ser um relato secreto do que Jesus revelou a

Judas, em conversa particular, uma semana antes de sua morte. Assim se inicia o texto: “O

relato secreto da revelação de Jesus na conversa com Judas Iscariotes, durante a semana dos

três dias antes da Páscoa que ele celebrou.” Em seguida, o texto vai se desenvolvendo com

diálogos entre Jesus e os discípulos, em menor quantidade; o acento é maior nos diálogos a

sós com Judas. Jesus interpreta uma visão de Jesus, ensina-lhe cosmologia, descreve a

criação, os primeiros pais, os anjos e o destino da humanidade. Depois de revelações gerais, o

mestre fala da missão especial de Judas, a sua precedência no meio dos discípulos, a narrativa

é concluída com o episódio da traição. Traição aprovada por Jesus. A obra soa como uma

tentativa de resgate da figura de Judas, a partir da justificação e isenção de sua culpa na

traição. Jesus apresenta características dos textos gnósticos e também dos sinóticos. É um

profeta misterioso, intérprete de sonhos, que possui uma sabedoria secreta não-compreensível

a todos. Os seus títulos são: mestre, profeta, filho de Deus. A eleição de Judas como seu

confidente, decorre do fato de o discípulo ter uma fortaleza espiritual superior aos outros

discípulos. Ele revela quem é seu mestre e descobre a sua origem. Algumas situações nos

levam a perceber certa crítica ao templo, que pode refletir a própria situação da comunidade

autora em relação à igreja oficial. Os discípulos estão destinados a superarem o poder do

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templo. O ensino de Jesus tem dois públicos como alvos: uma geração misteriosa e a geração

presente. A doutrina de Jesus tem característica gnóstica, ela extrapola a racionalidade do

texto. O mestre ensina cosmologia, revelando a origem dos primeiros pais, dos anjos, da

humanidade. Descreve a hierarquia dos eões. Cristo é posto como o grande Seth, o

primogênito dentre todas as criaturas. Esta concepção aproxima-se de Paulo, quando este

coloca Cristo como o primaz das criaturas. A chave de leitura da compreensão da figura de

Jesus decorre da sua íntima relação com Judas. A partir desses colóquios Cristo vai se

revelando como mestre, filho de Deus, o primeiro dentre as criaturas. A sua morte fica

subentendida no final, aos descrever a cena da traição. A identidade do confidente de Jesus é

evidente no texto. Judas é o principal interlocutor do Mestre. Possui uma espécie de primado

no meio dos discípulos, encarna em si a figura de Pedro e do discípulo amado dos canônicos.

Judas possui uma fortaleza espiritual ímpar no meio do discipulado. O texto diz: “Tu

ultrapassarás todos eles.” Ele não é visto como o filho da perdição (Jo 17, 12), mas ao

contrário, o discípulo principal. O texto o transforma no filho da bênção. Isto é devido à sua

missão diante de Jesus: “Tu me libertarás do homem que me reveste”. A mais importante e

conclusiva. O texto se situa no século segundo II, foi escrito pela seita dos cainitas. Tratarei

esse autor ou autores de comunidade. Esta provavelmente admirava Judas e fizeram uma

releitura da sua traição. A doutrina do desprezo do corpo presente nesses grupos muito

contribuiu para a reinterpretação. A comunidade patrocina um resgate da figura de Judas, ação

dele é este justificada e o discípulo a passar do primado espiritual. A comunidade relê a

trajetória de Judas, coloca a sua rejeição pelos cristãos como o cumprimento de uma profecia.

E depois de um tempo de rejeição, ele seria relembrado. O evangelho é esta fonte importante.

Ele revela ensinamentos que só Judas teve acesso. A atribuição da autoria a Judas se insere

em casos comuns dos evangelhos. O documento nos ajuda a compreende o cristianismo

primitivo. Questões como a diversidade de idéias, o primado entre os apóstolo, a

supervalorização da figura de Jesus e a fusão entre cristianismo e helenismo. As lacunas do

manuscrito deixam muitas passagens obscuras. A visão integral do texto fica comprometida.

É um texto pequeno. Mas, de difícil leitura.

REFERENDO SOBRE ARMAS: UMA ANÁLISE

Referendo – Por que os brasileiros disseram “não”? O Tribunal Superior

Eleitoral (TSE) 63, 88 % dos eleitores disseram “não’ à proibição do comércio de armas e

munição, e 36, 11 % escolheram o “sim”. O resultado representou um retrocesso no

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desarmamento do país, embora não impeça a continuidade do mesmo. Existem outras

restrições aprovadas pelo Congresso que garantem o processo. O “não” prevaleceu apesar da

insistente conscientização dos movimentos que se propõem como força de paz. Quais seriam

as razões? Muitos alegaram que a pergunta do referendo não foi clara. E ainda, muitos dos

participantes não conheciam as outras leis e consideram a questão isoladamente. Os motivos

bem eloqüentes se concentram na situação sócio-econômica do país que não oferece

segurança. O acesso à problemática que girava em torno do desarmamento chegou ao eleitor

via propaganda eleitoral, que mais confunde do que esclarece. A intenção da propaganda é

influenciar a opinião dos cidadãos, isto fez com que a questão fosse levada para o nível

pessoal, desconsiderando os efeitos sociais do referendo.Os defensores do “não” alegaram que

a solução não seria proibir, isto seria uma privação de direitos do cidadão. Mas, a

Constituição brasileira não prevê direito universal de porte de armas para os cidadãos.

Portanto, a reivindicação é legalmente insustentável. Deslocaram a solução para a educação.

Porém, esta é uma resposta a longo prazo e a violência no Brasil não pode continuar nesse

nível, a situação é gritante. O procedimento só seria viável num país altamente democrático,

com altos índices de educação e maior distribuição de renda. Para um processo de paz

democrático e educativo, o desarmamento deveria acontecer a partir de dois movimentos: um,

a curto e outro, a longo prazo. Imediatamente, desarmar uma sociedade que não sabe conviver

com as armas e gradualmente, investir na educação e reformas econômicas e sociais que

extirpem a violência pelas raízes.Ainda é válido pensar que a mentalidade de violência já se

instalou de certa forma no brasileiro que a resposta à violência tem sido atos violentos. O

Estado perdeu o controle sobre a realidade, não oferece segurança e o cidadão tem de se

defender a todo custo. Isto confirma que o referendo foi mal preparado, encarado como um

elemento desligado de uma lei maior que tenta contemplar uma realidade mais ampla,

embora, não vincule a ela as reformas econômicas e sociais necessárias. O Estatuto do

Desarmamento foi seccionado da pergunta do referendo.Por meio de algumas razões estamos

tentando entender as razões do “não” baseado em critérios econômicos e sociais. Já do ponto

de vista estritamente religioso cristão, que dizer da grande maioria cristã que optou pelo não?

A situação social influenciou, a mídia converteu uma questão do bem-comum em auto-defesa.

A percepção mais grave é que na prática cristã do brasileiro, seja católico ou evangélico, há

uma separação entre fé e ética. A primeira tem sido orientada pela igreja, mas a ética

transformou-se numa escolha muito pessoal, que nega a natureza da ética. Esta, mesmo no

que toca ao pessoal, ela é toda orientada para a sociedade e para o bem-comum. Nenhuma

definição ética é egocêntrica. O rosto do cristão ficou bastante configurado neste resultado do

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referendo. A fé tem se tornado uma instância muito procurada, mas que só age na dimensão

psicológico-existencial, não chega a atingir o agir ético que se faz necessário no concreto das

relações. A ocasião é propícia para a Igreja conhecer melhor seus fiéis e seu modo de lhes

falar. A propósito de uma avaliação geral, o fato aqui discutido não deve invalidar nossos

esforços em favor da cultura da paz. A esperança ainda continua. O referendo representou um

grande passo para a história da nação brasileira. Mesmo que o motivo seja a dor, a

humanidade começa a construir timidamente a civilização do amor tão sonhada. A maioria

disse “não” à vida, mas ela continua se afirmando incansavelmente e não há de ser ignorada

sempre.

RELIGIÃO, JUVENTUDE E IDENTIDADE

A questão da identidade apresenta-se como uma dificuldade constantemente

debatida atualmente. Esta não se refere exclusivamente à resposta de “quem sou eu ?” , mas a

indagação é muito mais ampla “o que faço ou como eu assumo este eu que sou ?”. Assumir

um eu romântico totalmente positivo, otimista, auto-motivador é uma tarefa fácil, porém o

cerne da questão está em como assumir este eu real incluindo a possibilidade do fracasso.Na

época contemporânea temos diversas propostas que prometem solucionar o dilema da

identidade e da auto-realização. Existem propostas de redenção fácil, desvinculadas da

liberdade, excluindo o sofrimento da condição humana. Não podemos negligenciar, há uma

imensa e ameaçadora conjuntura sócio-política e econômica em torno do jovem, exigindo dele

uma modelação conforme o padrão estabelecido pelo mercado: emprego, faculdade,

casamento e profissão. Como fazer uma autêntica escolha de si levando em conta todo esse

conjunto de situações? Para se realizar a todo custo, muitos preferem o caminho mais curto e

inautêntico o “ser como os outros”. A tentação é negar a sua identidade para assumir a

identidade da massa anônima na qual todos se comportam uniformemente: moda, ídolos,

consumo e repetição de comportamento e idéias. A questão é mais séria do que se pensa,

muitos tentam protestar contra a massificação por de guerrilhas e terrorismos. O eu não é todo

mundo, ele é uma singularidade inalienável, não pode passar o seu poder de decisão para

outrem. O problema se agrava mais ainda quando juntamente com o nosso ser o nosso fazer se

massifica também. O jovem passa fazer o que todo mundo faz, seu comportamento não é

diferenciado. A perda da identidade existencial e moral tem sérias conseqüências. Ela afeta as

relações provocando um desequilíbrio incluindo crimes e problemas psíquicos. Na escolha de

si há risco de se perder, do fracasso, de não se realizar, isso nos angustia. O principal sintoma

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é perda do sentido da vida. Dentre tantas propostas de existência autêntica existe a religião.

Que orienta, significa, mas a auto-escolha a precede. No nosso caso de cristão, o Evangelho é

uma proposta-experiência que redimensiona a vida. O no ser é assumido como filho de Deus e

o nosso fazer na construção do Reino. O lugar do jovem ainda anda muito indefinido na

Igreja, é necessário ocupar esse espaço. Cristo nos convida a uma escolha fundamental, a

escolha dele, implica a escolha de nós mesmos. Fazendo o nosso batismo e a nossa marca de

cristão. Quanto ao fazer somos intimados a construir uma civilização do amor, superando a

falsa fraternidade desenvolvida entre nós. A nossa tarefa é usar o vigor juvenil que temos para

superarmos o comodismo diante da atual e circundante situação do mundo contemporâneo.

Fazer como Cristo fez com a sua situação histórica.

A NATUREZA E A EDUCAÇÃO DO CUIDADO

Há muita carência de educação no mundo. E uma delas que tem feito falta

entre nós, é a educação para o cuidado. O cuidado tem uma tarefa dupla: cuidar dos outros e

cuidar do mundo. O nosso descuido com a natureza tem provocado agressões catastróficas.

Atualmente, devido ao efeito estufa o nível de acidez nos oceanos aumentou, juntamente com

o aquecimento destes, a vida oceânica está ameaçada. Os elevados níveis de ozônio na

atmosfera têm causado alterações nas plantas e animais. Os invernos rigorosos da Europa

tendem a acabar e as geleiras, a derreter. Esses são exemplos de algumas mudanças naturais

resultantes da nossa deseducação para o cuidado.O nosso descuido com os outros engloba

tanto essas agressões à natureza quanto o desrespeito direto ao outro. Exemplo claro disso,

são as guerras que presenciamos diariamente. Mais do que nunca, precisamos a aprender a

cuidar. Esta é uma arte difícil, exige dedicação, discernimento e previsão. Significa assumir a

presença dos outros no mundo e assumir o próprio mundo como sustentáculo para os nossos

projetos. A lição de Gn, 1, 28 de “crescer”, “multiplicar”, “encher” e “dominar a terra” ecoa

aqui. Esses imperativos devem ser entendidos como a prova da grande responsabilidade

humana de cuidar da natureza, cuidar como um pastor dedicado.A faculdade de cuidar é

própria do homem. Cuidar vem de cogitare “pensar”. Os animais, de certa forma, cuidam dos

seus. Porém, só o gênero humano devido à sua racionalidade foi constituído, pela natureza,

pastor da criação. Esta opção se torna fundamental, porque agredir a natureza para ele, é

agredir a si mesmo. Há uma relação filial incorruptível entre os dois. Pena que temos nos

esquecido disso. E vivemos imprudentemente agredindo uns aos outros e a nós mesmos,

através da natureza. No dia 4 de outubro comemoramos o Dia da Natureza, dia de São

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Francisco de Assis. Este homem enriqueceu o cristianismo com a sua espiritualidade da

simpatia com a natureza. Ele se sentiu próximo dela numa relação fraterna. Acima de tudo,

poderíamos chamá-lo de mestre da arte do cuidado. Ele soube cuidar de si mesmo, do outro

(na pessoa do menos favorecido) e do mundo (natureza). Esta simples reflexão não deve parar

por aqui, deve suscitar outras, que nos impulsionem a aprender essa arte, enquanto ainda é

tempo. Se aprendermos as lições franciscanas do amor à natureza, a nossa esperança se

fortalecerá. Salvemos a natureza nos tornando alunos louváveis da escola do cuidado.

A CARÊNCIA DE UMA EDUCAÇÃO POLÍTICA NO BRASIL

A tradição educacional brasileira exclui do seu currículo uma atenção para a

Educação Política. Ao analisarmos as preocupações dos nossos educadores constatamos uma

concentração delas na formação técnica, com o prejuízo da formação ética. Isso não se deve à

falta de teorias para embasamento de tais projetos, pois temos bons teóricos da educação e

cidadãos conscientes no exercício do magistério. Mas, a razão é bem outra, conscientização

política não é prioridade para o Estado.No passado a disciplina ocupou espaço nas escolas, no

período da ditadura militar, sob o nome de Educação Moral e Cívica. Porém, a intenção foi

bem diversa da nossa nesta reflexão, funcionava como um mecanismo ideológico do Estado.

Atualmente se encontram nas escolas algumas matérias paliativas do campo das ciências

humanas para simular o interesse do Estado, tais como Filosofia, Sociologia e Ensino

Religioso, que são vistas com descaso. A educação crítica fica sempre a desejar.Esta carência

tem causas históricas que remontam à época do voto de cabresto. Ela é resultado da soma de

vários sestros sociais que compuseram uma indiferença política muito marcante no povo

brasileiro. Apesar de muitas iniciativas sociais surgidas nas últimas décadas, há ainda muitos

resquícios da velha ordem do coronelismo. Não excluímos aqui o espírito revolucionário do

nosso povo manifesto em muitas ocasiões da nossa história, muitas revoluções aconteceram,

mas só quando a situação já era insuportável. A partir dessas considerações feitas, vale

recordar a importância do nosso envolvimento na administração do bem comum. Evitando

procedimentos como venda de votos, partidarismo agressivo e comodismo social. Este

processo de conversão tem acontecido, mesmo que de uma forma muito lenta. Por exemplo,

há muito se reservou o papel da mudança à instituição, agora já percebemos que ela provém

das forças populares. Isso constitui um passo fundamental. A Educação Política precisa se

tornar uma realidade contagiante. A proposta seria organizar um poder paralelo ao Estado,

dirigido pelo povo. Partindo da articulação dos movimentos sociais existentes e da direção de

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todos os nossos esforços para uma nova ordem. A conscientização para essa necessidade,

direito e poder, é dada pela educação. Esta seria de responsabilidade de todos os segmentos

educativos da sociedade, especialmente a escola, na qual a Educação Política se converteria

numa disciplina prioritária. E não com a ocupação periférica que tem atualmente na Escola.

No fundo é voltar todas as nossas atenções com seriedade e urgência para as Políticas

Públicas, dando ao país uma cultura de Educação Política, libertando-nos dos rotineiros vícios

de cidadania. Precisamos de uma mentalidade aberta à mudança. O momento oportuno é

agora. Que tal começarmos com um voto bem consciente nas eleições deste ano?

OS FÓRUNS SOCIAIS E A EMERGÊNCIA DA SOLIDARIEDADE

Ao abordar superficialmente a situação a situação do nosso mundo, temos

inúmeros razões para dispensar a esperança. Uma das razões é o desaparecimento daquela

febre social dos anos 60 e 70 e até o início dos anos 80. Mas semente ainda permanece. Porém

ao descermos com atenção na contemporaneidade percebemos motivos para a nossa

esperança. Iniciativas sociais isoladas representam uma nova forma de protestos com a

emergência da solidariedade, índice de uma nova ordem. O que turva a nitidez da nossa visão

é a morosidade e a desarticulação aparentes desses movimentos. A atual fase do protesto

social tem características bem diversas das anteriores. A anterior era muito eufórica, radical,

desligada do possível, pouco diálogo, menos debatida, isso prejudicava a sua eficiência. Já a

atual conta com muitas vantagens, frutos das experiências anteriores, são organizadas,

dissociadas de partidarismo e abertas ao diálogo. Fatores que possibilitaram o seu

enfrentamento com a ordem vigente de igual para igual. Uma das maiores expressões desta

nova maneira são os fóruns sociais. O fórum social é um evento definido por um comitê

organizador mundial que determina princípios e temas a serem discutidos. Ele se torna a voz e

vez de todos outros movimentos sociais. Um espaço aberto a todos. No evento acontecem

seminários, oficinas, exposições e conferências. O seu berço foi Porto Alegre, desde a sua

primeira edição cresce assustadoramente. Como mencionei acima, os fóruns representam uma

nova fase do protesto social, uma nova ordem e a emergência da solidariedade internacional.

Está emergindo a medida mais desafiante e ao mesmo tempo mais eficaz contra as seqüelas

desumanas do capitalismo: a solidariedade. As barbaridades cometidas em favor do lucro

provocaram a evidência de um sentimento muito antigo na humanidade. Mas, que irrompeu

agora impulsionado pela necessidade de maneira nunca vista. Estamos entrando numa era em

que a solidariedade está rompendo timidamente com a exclusão capitalista. Eis a esperança!

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Esta solidariedade tende a crescer e se tornar autêntica e a salvação para o humanidade da

mania de destruição que ela mesma criou.

O FENÔMENO CHAMADO MÃE

Na maioria das línguas a palavra mãe tem a letra m em comum. Os diversos

povos parecem concordes quanto ao significado deste termo, ao nome deste fenômeno. A

natureza em seus milhares de anos de evolução, foi desenvolvendo modos de reprodução e

conservação da vida. E de repente no auge do processo de aperfeiçoamento das espécies, eis

que o gênero humano surpreende, desenvolve o mais belo meio de transmissão da vida. Surge

o fenômeno mãe. Este fenômeno parece descritível à primeira vista, porém, no mais profundo

do seu sentido, só há mistério e admiração. Mãe é uma palavra que traz consigo uma riqueza

de sentimentos e significados: doação, ternura, amor incondicional e doçura. Se pudéssemos

atribuir desejos à natureza, poderíamos afirmar que ser mãe é o modo como ela se arranjou

para se sentir amada e extasiada pela sua porção que é filha. Esta dádiva da existência já, por

muitas vezes e por diversos estilos, foi homenageada em prosa e em verso. Contudo, nenhuma

composição artística pode esgotar o valor sempre surpreendente do que é mãeEm todas as

culturas e em toda circunstância, este modo de ser mulher chega para conferir sentido à

existência frágil que é o ser humano. Ela parece uma força-reserva que a natureza criou para

nos proteger, afagar e ratificar o nosso valor. Mãe sempre me garante que o que nos

caracteriza como seres humanos não é a razão e sim o amor. Mesmo contrariando qualquer

teoria científica ou filosófica o amor de mãe me garante isso. Não há na natureza uma outra

realidade mais sublime do que essa. Não somos o homo sapiens, somos o homo

amans.Quantos rostos de mãe podemos contemplar ! Mãe bem amada, mãe abandonada, mãe

resistência, mãe vitoriosa. Mas, em todas flui o mesmo amor. Todos os homens experimentam

o mistério deste amor. Os animais também o experimentam na forma da proteção e da

nutrição. Só faltava na história do cosmo, Deus ter mãe. Este se encantou tanto com a sua

criação que quis ter uma também. As religiões mitológicas sabiamente já prefiguraram este

acontecimento ímpar. A humanidade sempre desejou ter uma mãe no céu. Nas mitologias dos

povos de formas variadas se apresentaram divindades mães. E fomos aos poucos descobrindo

que Deus é muito mais mãe do que pai. Ainda mais, por conseqüência extrema o universo

inteiro se configura como uma grande mãe protetora de todas as coisas existentes. E a mãe

suprema desta grande mãe só poderia ser Deus. Estamos todos envoltos por mães desde as

nossas origens até os nossos fins. O amor materno pede o desenvolvimento de um afeto muito

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especial: a gratidão. Sabemos que todo dia é dia das mães, mas precisávamos convencionar

um dia para exprimirmos a nossa gratidão. Assim nasceu o dia das mães, uma data magnífica.

Historicamente há uma superação a ser feita. Essa data não é dia de consumo, nem de poesia

barata e muito menos dia de lazer. É, acima de tudo, livre de qualquer amarra capitalista, o

Dia da Celebração da gratidão e do amor mais sublime que há entre nós. Nisto todos povos

são concordes !!! Eis a surpresa que nos fez Deus na evolução da existência. Que presentão!

Felicidades a todas a nossas mães .

A "POLITICOFOBIA" DOS BRASILEIROS

A história se repete. Nas eleições presidenciais passadas, estávamos decepcionados com a

política brasileira. Havia uma esperança na nossa frente. A esquerda assumiria o poder.

Daquela vez seria para valer. O povo estaria mais próximo do poder. Os anos se passaram e

outra vez estamos decepcionado e sem esperança. Descobrimos que a esquerda quando sobe

ao poder se "endireita", torna-se apenas uma simulação do mesmo. Percebemos o quanto

caremos de ética.

O período lulista nos deu uma lição histórica. A bandeira socialista não resiste mais ao

mercado. Política e ética se converteram em produtos negociáveis. Não é uma permuta de

indivíduos no poder que garantirá uma nação melhor. Com um novo método temos que nos

voltar para as bases. Regastar a participação cidadã, sendo um cuidado para deificar

mediações partidárias. Esse momento exige cautela. Depois de recuperar a nossa esperança,

devemos recomeçar. Somente uma mudança estrutural ousada e gradual pode nos devolver

uma paixão pela política. Há uma urgência de educação ética para as nossas crianças. Não

repitamos o erro de formamos técnicos políticos, precisamos de homens apaixonados pelo

bem comum.

VERDADE E CONTRADIÇÃO NO FUNDAMENTALISMO RELIGIOSO

O constante crescimento da tensão entre mulçumanos e cristãos nos leva a

questionar a postura das grandes religiões monoteístas. As diferenças culturais entre oriente e

ocidente são enormes. O choque cultural é inevitável. As culturas não estão num mesmo nível

de compreensão da realidade. As religiões monoteístas sempre tiveram tendências

absolutistas. O judaísmo historicamente foi menos problemático. O islamismo e o

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cristianismo fortemente marcados pela propagação da fé, quiseram se tornar religiões

universais. E num sistema de verdade fechado não há espaço para a diversidade. Essas

religiões trazem consigo uma visão de mundo monista. A modernidade forçou o cristianismo

a uma conversão que o enriqueceu muito. Ajudou-o a recuperar o espírito primitivo: a religião

da tolerância e do amor. Mas a cultura ocidentalista construída ao longo dos séculos contínua.

Ela, veladamente, considera o oriente irracional e primitivo. Isso se deve à transposição

cultural feita com o cristianismo, de um povo intuitivo, sensível para uma civilização marcada

pela razão e pela metafísica. Por outro lado, o oriente islâmico considera os ocidentais como

infiéis, ateus e materialistas e devem ser convertidos. A destruição do Word Trade Center deu

início a uma grande cruzada na era contemporânea que fica cada vez mais tensa. As guerras

no Afeganistão e no Iraque provaram a hipocrisia do Império Americano, ícone do ocidente.

O fundamentalismo democrático pela força da razão sustenta uma aparência mascarada pelos

ideais da Revolução Francesa, mas no fundo relativiza seus discursos em favor do mercado.

Os fundamentalistas orientais são menos hipócritas. Seus ideais são levados até as últimas

conseqüências, o indivíduo e a pátria se fundem. Dando ocasião para o tipo de “martírio” dos

homens-bombas. Religião é uma questão séria demais. Por isso essas defesas violentas de

convicções. Os monoteísmos universalizantes fizeram um difícil concubinato entre verdade e

contradição. As religiões pregam a prosperidade do mundo, o amor de Deus e salvação dos

homens, mas usam meios contraditórios para imporem essas verdades. É totalmente

contraditório pregar Deus por meio da guerra. Para elas, a fé dignifica e autoriza uns a

sacrificarem outros na tarefa de homogeneizar o mundo. O múltiplo não é tolerado. A

proposição principal é: Deus é uno. Daí se justifica o monismo: uma só fé, uma só cultura, um

só pensamento. O diverso é visto como subversão ao plano de Deus. O que fizemos da

religião? Poderíamos nos perguntar. Um grande problema é a mediação histórica da verdade.

Homens, lugares determinados e sistemas de pensamento tornam-se mediações necessárias

para a verdade ou para Deus. As religiões do Livro sacralizam a palavra escrita e a amarram a

conceitos fixos. Os intérpretes fazem da palavra seu refém. Ela profere literalmente a palavra

de Deus de modo fixo e cristalizado. Todos os espaços da vida têm que ter uma referência ao

divino. Há uma colonização do cotidiano pela Palavra cristalizada. A religião passa a ser

condição fundamental para a antropologia – o homem é um subordinado ao Deus petrificado

nas escrituras. Um conflito entre oriente e ocidente pode acontecer a qualquer momento. A

grande cruzada reparadora da Idade Média é uma possibilidade a qual não podemos ignorar.

O fim da história e do mundo pode ter como causa uma guerra religiosa. Assim provaremos

para quem sobreviver o quanto conhecemos a verdade. Relativizamos o nosso conceito de

Page 15: Política Ética e Religião - Coletânea de Artigos I

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dignidade humana para defendermos o divino. Somos religiosos para termos tempo para

sermos humanos. Uma guerra religiosa é soco mais dolorido que podemos dar no coração de

Deus, Numa religião que perde a razão de vista, a verdade e a contradição se confundem.

A VISITA GRATUITA DE NOSSO DEUS

Quando percebemos ele já estava no nosso meio. Quem podia imaginar que

aquela criança de Belém era ele?! Seu primeiro choro infantil foi lição de amor tão singular. A

humanização de Deus foi surpreendente, gratuita e não exigiu respostas. Belém não é um

lugar necessário. O coração do homem é um presépio gratuito do divino. Mas, ele quis armar

a sua tenda entre nós. Tornou-se um profeta não para nos ensinar um código de moral, mas

para nos convidar a uma experiência acessível a todos: o amor. Porém, tenho de discorrer

sobre a natureza desse amor. Ele não é um amor exigente e nem é recíproco. Ele é pura

iniciativa, nítido desdobramento em favor do outro. Ele não diz faça o bem para ser salvo.

Mas, nele já está implícita a salvação: o bem faz sentido porque vivemos uma relação de

pessoas salvas. A História da Salvação plenificada na epifania do Senhor nos mostra uma

relação de graça. Entre o homem e Deus há uma caso de aspiração e sedução infindável. O

Natal nos faz repensar a nossa relação com Deus. Ele não tinha nenhuma dívida conosco, não

havia um contrato exigindo a sua manifestação para que crêssemos. Nem impôs a fé como

condição. No entanto, ele veio. Ele que nos criou livremente. Só poderá receber uma resposta

gratuita. Ao longo da história nosso zelo excessivo foi instituindo obrigações para o amor. E

passamos a dizer que devemos o amor uns aos outros. Isso não cabe na natureza intrínseca do

mesmo.Como podemos sentir a relação de graça e de liberdade com o nosso Deus? A fé cristã

não parte da adesão a um conjunto de verdades. Começa com um encontro pessoal com Jesus.

Ás vezes, mediado pela comunidade ou não. A estrutura central desse ato de fé que nasce

dessa apresentação interpessoal é o amor. Não é uma experiência moral em primeira instância.

É uma relação estética pautada por um amor espontâneo. A conversão de muitos santos se

deram da maneira mais impensável. É um enamoramento sem formas prévias, sem exigências

de reciprocidade. Compreende-se a medida do amor é com o próprio amar.O Evangelho

provoca uma virada de expectativa diante da lei. Enquanto, se espera do devoto um

cumprimento perfeito dos mandamentos. A gratuidade evangélica vai além, justamente

naquilo que não se exige. Não precisamos mostrar nossas ações para atrair recompensas, o

intuito do bem não é receber outro em troca. Essa pespectiva contradiz os ditos “amor com

amor se paga”, “o bem se paga com bem”. A essência evangélica nos convida a dar mais um

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passo, convida-nos a uma virada de expectativa. O amor não nos faz devedores. Se

concordamos com atitude farisaica (da recompensa), no lugar em que não se fizer mais o bem,

não teremos motivação para realizá-lo. O efeito da graça na vida humana só pode ser uma

postura de gratuidade. Caso contrário estaremos numa relação ambígua. A encarnação só

pode ser entendida num contexto de graça e a relação com ela fará sentido se for por nada. E

as nossas relações interpessoais? Qual será o parâmetro? O limite é o amor. Ele é desmedido.

“Ama e faze o que quiseres”, dizia Agostinho. Não tenhamos medo o amor dá o contorno

próprio ás coisas autenticamente humanas. Se não há uma relação de necessidade e de

obediência. Então, tudo é permitido, dirão alguns. Quando desviamos e projetamos a razão do

amor na premiação que Deus nos conferirá, desfiguramos o amor divino. Se tiramos a

premissa esquecemos que somos seres amorosos. A graça age a na comunhão entre o homem

e Deus. A salvação é a maneira objetiva como a graça nos toca – não depende de nosso

mérito. Agora a santidade é a relação subjetiva que se estabelece com a graça. É acolhida livre

e pessoal da salvação – é uma construção pessoal. Essas relações quando são confundidas,

não conseguimos compreender a visita gratuita que nosso Deus nos faz a cada Natal. Amar é

próprio de quem cultiva a hospitalidade. Fica o convite para acolhermos o nosso visitante

neste Natal, em outras palavras: sejamos gratuitos – amemos as pessoas pelo que elas são e

não pelo que elas podem nos dar. Assim como o nosso Deus fez conosco na Encarnação.

UM OLHAR SOBRE AS RAÍZES DA PAZ

“... homem...Ele nos parece o animal mais forte porque é o mais astuto: um dos

corolários disso é a sua intelectualidade” (Nietzsche). O ser humano está condenado a

conviver com sua ambivalência: a capacidade de amar e de gerir guerras. De onde virá o

equilíbrio de forças, senão de sua decisão de amar? Porém, o amor precisa de um ambiente

favorável para se desenvolver e gerar relações fraternas. É preciso lançar um olhar mais

profundo sobre as raízes da paz. Num mundo cansado de guerras e de múltiplas formas de

violência, parece que a compreensão de paz reduziu a mera ausência de guerra. Há que se

recuperar o sentido do Shalôm (paz) bíblico. A construção da paz do mundo é uma tarefa

árdua e lenta. Apesar de todo o progresso tecnológico, o homem continua eticamente

atrasado. Há uma disparidade entre essas duas dimensões. Seus instintos de predador ainda

continuam s mesmos. Se não se desenvolvem meios de humanização, ele continua entre o

irracional e o pensante. A violência está travestida de diversas formas culturais, desde

símbolos, passando por instituições até os atos propriamente ditos. Como poderíamos avançar

na direção de uma cultura de paz?Não se pode isolar o problema da conjuntura social, política

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e econômica. E nem podemos nos esquecer que ser pacífico é uma decisão individual, parte

de uma metanóia (conversão) a para a paz. Quanto mais se enrijecer as convicções individuais

e étnicas, tornando-as absolutas e hegemônicas, mais formas de violências serão geradas. O

terrorismo, os fundamentalismos islâmico e cristão e o crime organizado são protestos

desesperados que tem salvaguardar uma concepção de homem. No fundo quem não pertence a

esse qualificativo deve morrer. O humano é relativizado em nome de certas “verdades”.

Mesmo nas sociedades democráticas ainda não há autêntica convivência entre a s diferenças.

A tolerância é muito confundida com conformismo, a decisão de começar a paz é sempre

adiada. Não há política e nem educação favoráveis para a superação da violência. Alguns

optam por uma pacificação como o império americano. Faz-se guerra para garantir a paz,

como os romanos diziam Se vis pacem, para bellum (se queres a paz, prepara a guerra). Será

que estamos dispostos a investir no caminho encontrado por Gandhi? O da não violência?No

sentido bíblico a paz é fruto da justiça. A opção por ela requer uma sociedade onde reina a

justiça. Sem elas inter-relações a questão se torna uma utopia estéril. Há um discurso por aí de

livretos de auto-ajuda que poetizam uma paz ingênua, não feita para o mundo dos homens.

Tenhamos cuidado para que nossas reflexões cristãs não tomem a mesma direção!Francisco

de Assis, Gandhi nos lembram decisões imperturbáveis pela paz. Decidir-se por ela é doloroso

e um risco a princípio. Significa uma saída corajosa de todo individualismo, de convicções

fechadas, mesmo sagradas, que não se dispõem a dialogar com outras verdades. O homem da

paz é um homem radical, não se contenta em ser superficialmente humano. Na sua decisão

corre o risco de ficar sozinho. Jesus é o protótipo! Espero que cristão não tenham sido

entorpecidos pela desesperança na paz.

REDESCOBRIR A IDENTIDADE DE JESUS

Durante os primeiros séculos da Igreja um dos grandes desafios encontrados foi o surgimento

das heresias. Os pais da Igreja se esforçaram tremendamente para que a fé fosse transmitida

com fidelidade. Porém, o cristianismo primitivo foi se construindo a partir do contato do

Evangelho com as diversas culturas do mundo antigo. Os cristãos provenientes do meio

filosófico e de religiões mistéricas tendiam a interpretar os princípios da fé a partir de sua

visão de mundo.

A dificuldade doutrinal foi explicitar coerentemente a identidade de Jesus. Houve muitas

propostas e discussões. Surgindo, assim, os desvios de doutrina chamados de heresias

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cristológicas. Essas questões foram resolvidas em concílios. Hoje essas heresias persistem de

outras formas. E quando se pergunta sobre a identidade de Jesus o problema reaparece.

O que se observa nas igrejas e movimentos pentecostais é uma despersonalização de Cristo.

Flagrantes de pregações e de programas de TV nos sugerem que Jesus é definido segundo

critérios de âmbito psicológico, financeiro e clínico. As visões cristológicas contemporâneas

se afastam consideravelmente da tradição bíblica e são afirmações impactantes como “Jesus é

a solução”. O padre e o pastor apresentam Jesus a partir da carência do fiel. Para se converter

é necessário ter problemas financeiros, de saúde ou passionais. A função de Jesus é responder

e solucionar os males daquele que crê. A sua personalidade é colorida segundo a praticidade,

seu aspecto ontológico se perde. Jesus não é mais assumido como o Filho de Deus, está mais

para super-homem. O slogan do cristão que defende essas heresias é “Jesus tem poder”.

Essas constatações nos impulsionam a uma revisão de método de evangelização. As

influências do mercado nos fazem sacrificar a identidade do Filho de Deus. Ele é apresentado

segundo princípios do marketing como um produto de excelente qualidade. E que soluciona

todos os problemas do ser humano. Uma visão utilitarista de Deus e pessimista de homem.

Deus existe para servir o homem na superação de suas limitações e o homem precisa estar

decadente e ameaçado para buscar a divindade. A personalidade de Jesus se encontra

fragmentada e presa a interesses de ordem prática. Quando se diz que “Jesus é tudo”, corre-se

o risco de reduzi-lo a nada.

As pregações e a catequese não podem desgrudar o olho da Bíblia e da Tradição. A tarefa

religiosa de nosso tempo é indubitavelmente redescobrir Jesus. A síntese da fé cristã

formulada no Credo professa: “Creio em Jesus Cristo, seu único Filho, nosso Senhor “ e seus

desdobramentos.

Jesus Cristo possui todas as dimensões da pessoa humana, mas é único e não pode ser

confundido com uma expressão vaga sem compromisso histórico. Não tem como pregar um

Cristo versátil, multicolor e com personalidade cambiante sem desviar da fé ortodoxa. A fé

tem uma fórmula própria, transmitida, que reflete um mistério ímpar. Portanto, é preciso

redescobrir Jesus com os pés na história para que não se caia em heresias hodiernas tais como

as do Jesus terapeuta, financista e clínico.

Informativo “A Catedral”, ano XIX, março a julho de 2007, nº 123

A VIOLÊNCIA ENTRE OS JOVENS BRASILEIROS

Nos últimos anos, a sociedade brasileira entrou no grupo das sociedades mais violentas do

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mundo. São altos os índices de violência urbana, doméstica e familiar. O país tem índices de

violência superiores às áreas de conflitos como Colômbia e a Palestina. O episódio do

espancamento da empregada doméstica Sirlei Dias Carvalho Pinto, 32 anos, por cinco jovens

da classe média provocou a indignação da sociedade. O crime ocorreu dia 24, na Barra da

Tijuca, bairro nobre do Rio Os agressores eram ricos, universitários e no grupo havia até

estudante de Direito. Esse é um dos exemplos mais recentes da violência entre jovens da

classe média. Em 1997, jovens ricos de Brasília mataram queimado, enquanto dormia, o índio

Pataxó Galdino Jesus dos Santos. Nos dois casos, os rapazes alegaram equívocos. Os do Rio

pensaram que a agredida era prostituta. Os de Brasília acharam que o assassinado era

mendigo.

Antes se ligava a questão da violência às condições sociais e econômicas dos indivíduos. Hoje

o problema se generalizou e jovens ricos e pobres estão constantemente envolvidos com a

violência. Todos os meios se tornaram espaços de prática de violência. Que vai desde uma

agressão verbal entre familiares até uma segregação predatória e generalizada nas grandes

cidades. A cidade se transformou em tribos que se estranham.

O cidadão está envolto de particularidades e critérios pessoais que definem o direito de viver.

E não consegue mais reconhecer a sua semelhança com o próximo. Uma mesma espécie se

estranha. A violência surge no interior humano, mas se propaga em cadeia. Há pressões

sociais, econômicas e políticas sobre o jovem brasileiro. Há competitividade, pobreza,

corrupção, estresse e redução do sentido da vida. Essas causas já são conhecidas como

geradoras de violência. São apenas reações. E quantos aos jovens de classe média que tem

uma economia estável? Onde estariam as causas da violência?

A idéia de homo hóminis lupus, o homem é o lobo do homem (Plauto 254-184), está fazendo

sentido. O indivíduo fechado em seu egoísmo pode definir para si um conceito de homem e

descartar os outros dessa classificação. Se a sociedade não regulamenta leis, não detém os

males dessa guerra. Porém, a questão é mais profunda. Faz-se necessário refazer conceitos

sobre a vida e uma cosmovisão completa. Somente a abertura ao outro totalmente outro, e não

extensão do nosso egoísmo poderá salvar o homem de ser lobo de si. A ausência de sabedoria

e arranjo da vida para nos remeter ao estado de “guerra de todos contra todos”.

O egocentrismo predatório nos ronda a todo tempo. Estamos pensando em fatos, mas se

analisarmos toda estrutura de nossa sociedade, percebemos uma coletividade só em função da

sobrevivência. Se os mais fortes não dependessem dos obséquios dos menores, não os

tolerariam. Há entre nós uma justiça fictícia. Cristãos, juristas, humanistas se rendem à

sedução do mal. E o mal é justamente a estranheza. O homem que estranha o outro e não

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consegue vê-lo pertencente à sua espécie. É na verdade, um ódio a si mesmo!

A falta de uma educação humanizante permite a jovens sentirem-se como únicos herdeiros da

cidade, do Estado civilizado. Prostitutas, homossexuais, índios, mendigos e outros excluídos

ficam invisíveis quando os césares da classe média passam. Não coloquemos a culpa só na

miséria, a opulência desregrada também gera agressores.

Quem gerou os neonazistas, os skinheads, hardcores, punks? Inicialmente essas tribos urbanas

surgem em reação à cultura dominante e depois apelam para violência. São alimentados por

jovens pobres? Não são os poderosos que os geraram? São provas da complexidade da

violência. Na estranheza que o homem tem do mundo e do outro, muitas vezes no seu arranjo

existencial, ele se protege do tradicional agredindo. O que a sociedade brasileira fez do legado

cristão? Ou nunca o tenha sido totalmente. Dizia André Guide: “É muito mais fácil liderar

homens ao combate de guerra do que acalmá-los e dirigi-los para o paciente e doloroso parto

da paz''. Optar pela paz é uma decisão custosa, mas vale a pena quando se assume a

sacralidade da vida humana!

PARA QUE TODOS SEJAM UM

A diversidade de igrejas e movimentos cristãos nasce de uma mesma fonte. Seu ponto de

unidade é a Bíblia. Uma única palavra vista por tantos olhares diferentes. Mas estas são

contradições e mazelas do cristianismo. O zelo pela conservação fiel da mensagem evangélica

se transforma em vício. Guerras e massacres já aconteceram porque a religião se tornou cega

diante do dinheiro e do poder.

As dificuldades em torno de um consenso da interpretação bíblica começaram bem cedo.

Quando olhamos para o cristianismo primitivo o imaginamos como um movimento

homogêneo. Basta um pouco de atenção que veremos as razões dos concílios, dos combates

aos hereges. Mais tarde acontece o grande cisma. Católicos orientais e ocidentais se dividem.

Na época da Reforma, antigas controvérsias são retomadas.

Os teólogos, ao longo do tempo, foram usando instrumentos de interpretação. A primeira

parceira histórica foi a retórica grega. As categorias platônicas deram corpo de expressão para

a Bíblia. Houve maior resistência em aceitar o pensamento aristotélico. A crítica bíblica só

ganhou mesmo cientificidade nos séculos 18 e 19. Os intelectuais protestantes alemães

tiveram grande contribuição.

Mesmo com a aquisição de modernos instrumentos de interpretação, o aperfeiçoamento da

crítica bíblica não pôde impedir a continuidade, e até mesmo, o aumento de leituras

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fundamentalistas por parte de grupos pentecostais. Na década de 90, por exemplo, cresceu nos

Estados Unidos uma pressão para a adoção do criacionismo nas escolas. O fato fez aumentar

as divergências entre fé e ciência.

Atualmente duas posições diante da Bíblia são bastante claras. Há uma interpretação

racionalista empregada em ambientes acadêmicos pelos biblistas. Essas conclusões chegam às

classes populares. A segunda é a interpretação estética, seu poder é os sentidos. A fonte é a

pregação de pastores e padres. São repassadas em meios de comunicação.

Será que sabemos o que a Bíblia quer dizer? As divergências de compreensão se tornam

diferenças instituições e por fim conflitos pessoais. “Para que todos sejam um”, o desejo de

Cristo fica em segundo plano. Os cristãos deveriam pôr em primeiro lugar seus pontos de

unidade: a fé em Cristo. As divergências dogmáticas não deveriam ser impedimento para o

progresso do Evangelho. Muitas esses pontos de divisão ganham espaço maior do que os

benefícios que a fé pode trazer. É preciso ter coragem de sacrificar detalhes para salvar o

essencial!

Jornal “O Carmelo”, outubro de 2007, 48ª edição.

AS HIPOCRISIAS DA SOCIEDADE OCIDENTAL

A sociedade ocidental conserva algumas tradições que merecem uma crítica impiedosa. A

cada fim de ano vemos uma corrida louca em torno do Natal e do ano novo. Antigas festas

pagãs cristianizadas foram agora “capitalizadas”. Apesar de uma boa parte da sociedade não

ter nenhuma prática cristã, essas pessoas insistem em adotar discursos e símbolos cristãos

nessa ocasião. Vivemos uma crise de convicção. A nossa sociedade precisa festa e feriados,

mas não precisa de sustentar hipocritamente antigas tradições. Natal é para os cristãos. O Ano

Novo é celebrado com muita superstição para atrair “sorte”, doutores altamente diplomados

ainda têm práticas míticas. Essas se perdem na estética e na fantasias e não se convertam às

grandes causas da humanidade.

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IDENTIFICAÇÃO DO AUTOR

José Aristides da Silva Gamito

Filosofia e pós-graduado em Docência Básica e

Universitária, licenciando em Filosofia (2010). É natural

de Vermelho Velho, Raul Soares, MG. Sendo filho de

Aristides Antônio da Silva

Leandra da Silva (in memoriam).

professora de Biologia Joana Regina Gamito.

Atualmente reside em Conceição de Ipanema, MG.

E-mail: joaristides@bol

IDENTIFICAÇÃO DO AUTOR

José Aristides da Silva Gamito é bacharel em

graduado em Docência Básica e

, licenciando em Filosofia (2010). É natural

de Vermelho Velho, Raul Soares, MG. Sendo filho de

Aristides Antônio da Silva (in memoriam) e Lourdes

(in memoriam). É casado com a

professora de Biologia Joana Regina Gamito.

Atualmente reside em Conceição de Ipanema, MG.

CONTATO

l.com.br Blog: [email protected]

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