coletânea dramatúrgica

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COLETNEA DRAMATRGICACinco cenas curtas de Marcus Di Bello

Ano: 2011

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Qualquer utilizao da obra para montagem com ou sem fins comerciais entrar em contato com o autor.

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ndiceSalle Manger....................................................................................... 04 O Registro............................................................................................. 10 Prazo Extra............................................................................................ 14 Espelho Vaidoso................................................................................... 19 Na Sala de Estar................................................................................... 23 Sobre o Autor.................................................................. 31

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SALLE MANGERde Marcus Di Bello(Mesa de jantar muito bem arrumada. Martha uma mulher elegante, doce e simptica. Seu olhar tem um qu de ternura. Paulo usa camisa social e gravata. Seu cabelo dividido e ele carrega culos de bom moo no rosto. Possui gestos curtos e calculados. Martha e Paulo esto sentados. Trocam sorrisos. Martha sempre muito atenciosa) MARTHA Guardanapo? PAULO Sim, muito obrigado. (Limpando a boca) Sua casa muito bonita. MARTHA (Sorri) Obrigada. Papai tem bom gosto. PAULO Uma decorao fascinante. De verdade. (Olhando Martha. Sentindo-se desconcertado) Muito legal da sua parte me convidar para jantar hoje. MARTHA Achei que seria interessante. PAULO E seus pais, onde esto?

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MARTHA Viajando. PAULO Interessante. MARTHA Bem interessante. (Enche um copo com suco) Aceita? PAULO Qual o sabor? MARTHA Abacaxi. PAULO O meu preferido. (Bebe um gole) Foi realmente muito legal da sua parte me fazer esse convite. Ningum nunca me fez um convite assim. MARTHA Nunca jantou na casa de algum? PAULO (Tmido) Nunca estive com uma menina. Assim, sozinho. MARTHA Sempre tem uma primeira vez.

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PAULO Obrigado. MARTHA Por qu? PAULO Pelo convite. MARTHA No precisa agradecer. PAULO (Bebendo o suco) Desculpa. MARTHA E nem se desculpar. PAULO (Ri) Martha, eu sempre me senti muito bem ao seu lado. um sentimento que no consigo explicar. de um jeito bom, at inocente eu diria. Sabe o que estar bem s de estar ao lado de uma pessoa? Eu me sinto to leve contigo. Eu sei que no devia ser to direto assim, desculpa, s vezes eu falo demais. MARTHA No se preocupa. Isso bom. PAULO (Sorri. Olham-se por alguns segundos) E qual o prato da noite?

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MARTHA Voc. PAULO Como? MARTHA Voc o prato da noite. PAULO (Ri) Voc canibal? MARTHA (Sria) Sou. PAULO Como ? MARTHA isso mesmo. Eu vou te comer hoje. Na verdade, eu vou comear a te comer essa noite. um processo lento, envolve muitas etapas. Comeo hoje, com um beijo apaixonado, temperado com muito azeite, vinagre e sal. Repetiremos o prato por alguns dias. Ser o nosso preferido. Em duas semanas vamos comear a namorar. Ainda estarei abrindo o meu apetite. No final do ms transaremos e ento o nosso tormento comear. Eu serei muito ciumenta e brigaremos por isso, depois vamos brigar por causa da briga e ento estaremos numa terceira briga sem nem lembrar o motivo. Eu vou me magoar. Vou ficar brava quando voc falar que no tem motivos para eu me magoar. Voc vai ficar bravo por eu estar brava. Vamos ver muitos filmes, tanto no cinema quanto em casa. Comeremos em muitos restaurantes. O nosso preferido ser aquele japons.Passaremos horas conversando, at o momento que no teremos mais assunto e isso vai me incomodar profundamente. Voc se sentir

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incomodado com o meu incmodo e passaremos a brigar somente pelo fato de que assim teremos assunto. Voc conhecer os meus pais. Eu conhecerei os seus. Eu ficarei muito amiga da sua me. O dia que vocs brigarem eu darei razo a ela e ento, eu e voc, brigaremos por isso. Ns passaremos as frias no litoral e isso ser muito bom. Vou comear a entender que a rotina que desgasta a nossa relao. Iremos ao aqurio e desejaremos ter a vida dos peixes, sempre to calmos e felizes. Iremos ao supermercado vrias vezes e isso ser um bom passatempo. Iremos patinar no gelo nas frias de vero. Eu vou cair e me machucar e voc dir uma frase que eu nunca vou esquecer. Acharei voc o homem mais perfeito do mundo nesse dia. Passaremos a morar juntos quando voc conseguir uma promoo no emprego. Eu comearei a trabalhar. Ns nos encontraremos somente de noite, em casa, o que far com que a nossa relao dure mais. Voc vai reclamar de como a poltica te come vivo. Vai falar que sente falta de um governo que pare de olhar para os interesses da elite. Esses seus papos me deixaro enjoada. Voc me convencer que Ces de Aluguel o melhor filme de todos os tempos. Iremos nos casar numa igreja muito tradicional da cidade. Sua me vai chorar. Eu usarei um vestido belssimo. Ns no seguiremos a tradio que diz que o marido no pode ver o vestido da esposa. No ligaremos para isso. No dia do nosso casamento voc far as pazes como seu pai. Ser o dia mais feliz das nossas vidas. Anos depois jogarei em voc o lbum de fotos. Antes disso teremos um cachorro. Ele se chamar Billy. Teremos uma filha que se chamar Antnia. Voc achar Antnia parecida com o Roberto, um amigo nosso do prdio. Isso ir tirar o seu sono. Voc passar uma fase difcil no trabalho e ser demitido. Passaremos a brigar todo dia, relembrando os tempos de namoro. Eu vou te agredir com uma faca. Quando Antnia completar cinco anos iremos nos separar. Ser difcil para voc. Eu estarei tranqila e isso te deixar bravo. Voc voltar para a casa da sua me. Eu cobrarei uma penso que voc no poder pagar. Mesmo depois da separao continuarei atormentando voc. Vigiarei os seus relacionamentos. Voc mal ver Antnia. A sua me continuar sendo minha grande amiga. E esse o jeito que eu comerei voc, aos poucos, durante todas as etapas da sua vida. Sua vida ser uma mistura de felicidade e tristeza. Momentos bons e momentos ruins. Eu vou te comer at voc deixar de existir. A sua vida ser minha e eu vou saborear cada pedao. (Silncio)

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PAULO Mas aquilo de me comer agora era mentira, certo? MARTHA No. O suco que eu te dei contm uma poderosa substncia que deixar a sua carne macia, perfeita para mastigar. Em poucos segundos voc vai desmaiar e ento eu aproveitarei. (Martha sorri) Guardanapo? (Luz em fade-out)

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O REGISTROde Marcus Di Bello(Escritrio da idade da pedra. Registrador atrs da mesa. Placa com a frase Registro de Ideias e Invenes. Inventor entra) INVENTOR Bom dia. Gostaria de registrar uma ideia. REGISTRADOR Espera s um segundo. (Tempo) Obrigado por esperar. Estava testando a inveno do sistema de medidas de tempo. Acredito que ainda no pode ser validada. Est durando mais do que deveria. Enfim, o que o senhor deseja? INVENTOR Eu gostaria de registrar uma ideia. REGISTRADOR Certo, e qual a ideia? INVENTOR Eu inventei a roda. REGISTRADOR O senhor trouxe as trs vias autenticadas? INVENTOR Trs vias autenticadas?

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REGISTRADOR Para registrar uma ideia precisamos das trs vias autenticadas comprovando todo o processo de criao. INVENTOR Desculpa, eu no sabia que era necessrio esse tipo de documento. No possvel registrar sem isso? REGISTRADOR Infelizmente no, a menos que o senhor tenha uma procurao do presidente da repblica. INVENTOR Procurao do presidente da repblica? Mas estamos na idade da pedra! Como isso seria possvel? No existe nem feudalismo, quem dir uma repblica. REGISTRADOR Ento acredito que o senhor tem duas opes: dar entrada nas trs vias autenticadas ou esperar a proclamao da repblica. INVENTOR A proclamao da repblica deve demorar um pouco. Gostaria de dar entrada nas trs vias autenticadas. REGISTRADOR Est certo, senhor. Para dar entrada nas trs vias autenticadas basta apresentar xerox do seu comprovante de renda, documentao de moradia em caverna, registro de nascimento com carimbo do hospital, alvar que comprove, no mnimo, trs anos de atividade na rea inventiva e duas fotos 3x4. INVENTOR Que absurdo! No existem hospitais ainda. E acredito que a xerox no foi inventada. Muito menos a fotografia.

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REGISTRADOR A falta de hospital problema do governo, meu senhor, no nosso. Quanto s outras invenes, aconselho registr-las juntamente inveno da roda. Gostaria de dar entrada nos registros? INVENTOR Mas eu s quero registrar a minha ideia da roda, como eu posso proceder sem muitos transtornos? REGISTRADOR Senhor, sinto certo ar de suborno, atitude condenvel de acordo com a lei nmero 2118 de 15 de maro de 8012 antes de Cristo. INVENTOR Por Deus! No existe nem calendrio ainda. E como pode existir uma lei? E eu no estou subornando ningum, voc est inventando isso. REGISTRADOR No estou inventando. Na verdade, j foi inventado. Aqui est o registro. (Mostrando papeis) Homo Neanderthalensis, registo de 13 de julho de 30 mil antes de Cristo. E veja s, as trs vias autenticadas, do jeito que deve ser. Se ele conseguiu, tenho certeza que o senhor, um homo sapiens, consegue. INVENTOR Quanta besteira. REGISTRADOR No diga que besteira. Besteira essa sua inveno. INVENTOR Como ? Eu criei a roda. o maior invento de todos os tempos. o principio de todos os dispositivos mecnicos. Uma inveno que mudar a histria da humanidade!

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REGISTRADOR Bla, bla, bla. Aquele maluco que inventou a clave disse a mesma coisa. Hoje em dia s usamos para bater em nossas mulheres. Puro lixo. INVENTOR No acredito que no vou poder registrar a minha ideia. Juro que no escrevo para as autoridades falando sobre esse caso somente porque a escrita ainda no foi inventada. E nem poderia, com tanta burocracia. Por isso esse planeta no vai para frente! Minha vontade de botar fogo nisso tudo. REGISTRADOR Creio no ser possvel. A inveno do fogo foi patenteada semana passada por um grande empresrio da Mesopotmia. Ele proibiu o uso sem o devido recolhimento dos direitos autorais. (Inventor sai furioso) E com isso acabo de inventar o sistema pblico. (Blackout)

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PRAZO EXTRAde Marcus Di Bello(Jesus esperando, demonstrando impacincia. Gabriel chega quase sem ar, apressado) GABRIEL Desculpe, eu tentei chegar o mais rpido que pude. JESUS Sem problemas. A minha pressa por ser carter de urgncia. GABRIEL Eu teria chegado mais cedo se eu no tivesse me perdido na entrada de Jerusalm. O trnsito aumentou absurdamente desde a ltima vez que estive aqui. JESUS Vamos ao que interessa, Gabriel. Acho que posso ser claro e direto com voc. GABRIEL Pois no, Jesus. JESUS Preciso de um prazo maior na Terra. GABRIEL No, Jesus. JESUS Mas Gabriel... GABRIEL Ordens so ordens. Seu pai que mandou, nem se eu quisesse eu poderia te ajudar.

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JESUS que voc estava presente no meu nascimento, achei que poderia me dar uma fora. GABRIEL Seu pai escreve certo por linhas tortas. Se ele planejou a sua morte porque o melhor a ser feito. JESUS Mas eu preciso de um prazo maior, ainda no consegui fazer tudo o que tinha para fazer. GABRIEL E isso culpa de quem, Jesus? Se voc focasse nos seus objetivos isso no estaria acontecendo. Mas ao invs de pregar a palavra ao redor do mundo, o que voc faz? Fica a transformando gua em vinho, andando sobre a gua... JESUS Espera um pouco, transformar gua em vinho foi uma vez s e apenas porque a festa estava meio sem graa. Quanto a andar sobre a gua, eu peo desculpas. Foram algumas poucas apresentaes. GABRIEL Poucas? L no mediterrneo esto o chamando de Jesus CristAngel, o ilusionista. JESUS Mas Gabriel, eu parei com isso! Eu juro. Acredite em mim. GABRIEL Est bem, Jesus. Mas por que voc quer um prazo maior na Terra? Voc sempre soube que esse era o plano de seu pai, desde o princpio.

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JESUS Eu estou abalado, Gabriel. Entenda as minhas razes. Confesso que estou muito chateado com a minha ltima ceia. GABRIEL Algo errado aconteceu? JESUS Algo muito errado. Apenas os doze apstolos apareceram. Eu queria um grande evento. De nada adiantou a promoo sandlia franciscana at meia noite no paga. Eu quero mais tempo aqui na Terra para realizar uma mega ltima ceia com mais de dez mil convidados. GABRIEL Jesus, isso est errado. JESUS Errado, Gabriel? Errado foi ter nascido numa famlia de carpinteiros. Passei toda a minha adolescncia fazendo escrivaninhas. Eu tenho direito a mais uns dez anos por isso. Deixa-me viver at quarenta e trs, pelo amor de Deus! GABRIEL pelo amor a ele que digo no. JESUS Que inferno. GABRIEL Vira essa boca para l!

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JESUS Por favor, Gabriel, tenta convencer meu pai. Pelo menos mais alguns meses, para que eu consiga me valorizar. Ningum merece ser vendido por trinta mseras moedas de prata. GABRIEL Jesus, entenda uma coisa. Voc precisa morrer por toda a humanidade. A sua morte salvar o pecado de todos. JESUS Precisa ser morte? GABRIEL Sim. JESUS No d para ser brao amputado? GABRIEL No. JESUS Nem uma disfuno urinria? GABRIEL Crucificao e morte. Sem direito negociao. JESUS (Tempo, pensando) Eu posso voltar e mostrar para os apstolos fotos da viagem ao paraso?

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GABRIEL Isso a gente v com o seu pai, acredito que no haja problema. Mas s se voc prometer no esfregar as feridas na cara do Tom. JESUS (Desapontado) Ento est bem. Eu morro, fazer o qu. Vou l, orar, fingir surpresa quando me pegarem. Obrigado, Gabriel. Voc um anjo. GABRIEL s suas ordens. (Jesus saindo. Gabriel o acompanha. Antes de sair olha para cima) Desculpe, Senhor, ele no sabe o que faz. (Blackout)

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ESPELHO VAIDOSOde Marcus Di Bello(Castelo. Bruxa usando um pretinho-nada-bsico. Est no final da maquiagem. Arruma o cabelo em frente ao espelho. Olha por diversos ngulos) BRUXA Espelho, espelho meu. Existe algum nesse reino mais bela do que eu? ESPELHO No, senhora. BRUXA Senhora a me que te pariu. Pode me chamar de voc. ESPELHO Desculpa. BRUXA No existe ningum mais bela, no mesmo? Mas essa pesquisa foi feita no modo avanado? ESPELHO Positivo. BRUXA Posso confiar? ESPELHO Pode, sim senhora. Digo, voc pode sim.

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BRUXA As minhas concorrentes eram bonitas? Porque no adianta nada eu ser a mais bela se todas forem feias, como ter um olho em terra de cego ou ter um metro e quarenta em casa de sete anes. ESPELHO As concorrentes eram bonitas. BRUXA Muito bonitas? ESPELHO Muito bonitas. BRUXA Mas qual era a mdia de idade? s vezes so bonitas para a idade delas. ESPELHO Idades variadas. BRUXA E mesmo assim eu sou a mais bela? ESPELHO Sim. Voc a mais bela de todas. BRUXA Mas a pesquisa levou em conta os cremes de beleza que eu uso? ESPELHO Positivo.

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BRUXA Mais alguma concorrente tambm usa ou sou a nica? ESPELHO Vrias usam. BRUXA Alguma alisa o cabelo? ESPELHO Alisar o cabelo? BRUXA Eu fiz definitiva, mas eu juro que foram apenas duas vezes. Isso no faz eu perder a coroa, faz? ESPELHO Vrias concorrentes alisaram o cabelo. BRUXA Ento eu sou, de fato, a mais bela do reino? ESPELHO Positivo. BRUXA Mas eu no quero! ESPELHO Como no quer?

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BRUXA Qual ser o meu plano de carreira? Preciso de algum para superar. Caso essa pesquisa seja verdadeira e eu realmente seja a mais bonita, vou acabar estagnada. No vou cuidar da minha beleza, vou achar que ningum pode comigo e, no fim, serei vencida de maneira humilhante. Algum precisa ser mais bonita do que eu. ESPELHO Mas voc a mais bonita. BRUXA Eu no aceito! Espelho, faa o favor de pesquisar uma boa receita de ma envenenada. Quero algo que faa com que a pessoa que morder fique muito mais bonita. Preciso de concorrncia, e das boas. ESPELHO L vamos ns. BRUXA Espelho, espelho meu. Existe algum nesse reino com possibilidade de ser mais bela do que eu? ESPELHO Sim. A Branca de Neve tem grandes chances. BRUXA Maravilha! Ento ao trabalho. (Risada malfica) (Luz em fade-out)

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NA SALA DE ESTARde Marcus Di Bello(Tocando a msica Perfume de Gardnia, de Bienvenido Granda. Cau sentado. Plnio preparando o prato com tira-gosto. Plnio mais velho, perto dos quarenta anos. Cau, jovem, est aparentemente nervoso) PLNIO Bienvenido Granda CAU Oi? PLNIO Quem canta essa msica. Bienvenido Granda. No conhece? CAU No. PLNIO Aquele Cubano. De bigode. El Bigote Que Canta. CAU No conheo. PLNIO (Tempo) Quer azeitona? CAU Eu sou alrgico.

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PLNIO Alrgico a azeitona? CAU . PLNIO Como? CAU Uma vez comi um sanduche de azeitona. Tinha tanta azeitona dentro que eu nunca mais pude nem sentir o cheiro. PLNIO Voc encheu um po com azeitona? Voc louco? Esse troo veneno. CAU , eu sei. PLNIO (D um copo de suco a ele) Quer um suco pelo menos? CAU No, eu estou bem. PLNIO Bebe um pouco. CAU Tudo bem. (Cau pega o copo e d um gole)

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PLNIO Fico mal quando as pessoas no aceitam o que eu ofereo. Eu pareo estranho? CAU No, senhor. PLNIO (Tempo) Ento voc ator. CAU Sou. PLNIO E quer participar da minha prxima montagem. CAU . PLNIO E resolveu bater na minha porta para pedir isso. CAU Veja bem, no que estou pedindo. PLNIO T certo, relaxa. Fica tranquilo. (Tempo) Tirando a azeitona, o que mais te inspira? CAU Ah, eu... como assim?

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PLNIO Sabe, grandes nomes do teatro. CAU No conheo muitos. PLNIO Conhece Ibsen? (Cau faz que no com a cabea) Molire? Tchekhov? Meyerhold? (Irritado) Voc j subiu num palco? CAU Eu j fiz um infantil. (Plnio ri) Sabe, eu achei que o senhor poderia me ajudar. PLNIO Ajudar? CAU A ser um bom ator. PLNIO Querido, eu no ajudo ator. Eu no ensino ator. CAU No precisa ensinar. s me dar algumas dicas. PLNIO Eu tenho cara de conselheiro?

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CAU Eu s pensei que... PLNIO Amigo, deixa eu te explicar uma coisa. Eu no preciso de ator. Os atores que precisam de mim. Voc t me entendendo? CAU Sim, senhor. PLNIO Olha, eu gostei de voc. Vou te dar uma chance. Me faz chorar. (Cau no se move) Anda, voc no ator? Me faz chorar. CAU que eu sou melhor com comdia. PLNIO Voc t de sacanagem comigo? Voc acha que eu estou brincando? CAU No, senhor. PLNIO Escuta aqui. Eu s pego ator pronto. Ou voc acha que eu perco tempo com atorzinho que no entende nada de teatro? Acha que eu perco tempo com esses bostinhas do interior que pensam que vo se dar bem vivendo de arte? Bostes que querem fazer novela. Meu amigo, eu nem dou bola para esse tipo de gente. Quem quer fazer novela no devia nem me procurar. No devia nem ser chamado de ator. CAU Mas...

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PLNIO Cala a boca. Voc no entende nada de teatro. (gritando) Absolutamente nada! CAU (Tempo) No quero fazer novela. PLNIO Bruno, eu... CAU Cau. PLNIO Oi? CAU Cau. Meu nome Cau. PLNIO Cau, eu s estou tentando te dizer que as coisas no funcionam assim. O teatro no to deslumbrante quanto parece ser. Quem v de fora enxerga tudo to belo, mas s iluso. S eu sei o que tive que passar para chegar onde estou. Essa perna aqui j aguentou muito tranco. Eu j sofri muito, Caio. CAU Cau.

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PLNIO As pessoas pensam que no teatro tero fama, dinheiro e pouco trabalho. No assim. Sabe quantos diretores mal intencionados eu j encontrei, Cau? Sabe quantos? (Tempo) Responde. CAU Desculpa, eu no sei. PLNIO Muitos. (Tempo) Me diz, Cau. Que tipo de ator voc ? CAU Naturalista? PLNIO No. Que tipo de ator voc ? O que voc faria para entrar num grupo? CAU Depende. PLNIO No, no depende. Ou se faz tudo ou no se faz nada. No existe meio termo. CAU Eu acho que eu vou embora. PLNIO No, fica aqui. (Tempo)

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Sabe, Cau. Lembro de quando eu tinha a sua idade. Eu comecei desse mesmo jeito. No sabia nada. Ento eu fui na casa de um diretor. Ele era dono de um grupo muito conhecido na poca, ganhavam diversos prmios nos melhores festivais do pas. Comemos alguns petiscos, sabe, amendoim, azeitona, salame. (rindo) Olha que engraado, ele at me obrigou a beber um suco l que ele tinha feito. Eu lembro que no queria, no tava nem um pouco com sede, mas ele insistiu tanto. Enfim, a gente foi conversando sobre teatro, eu fui falando do que eu sabia, algumas poucas coisas que eu tinha lido. Imagina, ele falando sobre teatro grego e eu nunca havia lido Eurpedes. Ento comeamos a falar sobre carreira, grupos de teatro, peas em cartaz. Era uma vergonha, Cau. O dinheiro era difcil na poca, ento eu no podia assistir tantos espetculos, mal tinha assunto com o homem. Conversa vai, conversa vem, ele comeou a falar de um espetculo novo que queria montar. Logo falou que eu parecia ter o perfil certo para o papel principal. O espetculo seria sobre um ator isso ele me contando que vinha do interior tentar a sorte na capital. Esse ator resolve ir at a casa de um diretor, pedir alguns conselhos, algumas dicas para que ele consiga deslanchar na profisso. E esse diretor isso ele me contando sobre o espetculo seria muito estpido com o ator. Voc no sabe nada de teatro. Voc um bosta. E ele olhava e falava que eu era a pessoa certa para o papel de ator. Ento na pea esse diretor dava um jeito de colocar um remdio pra dormir na bebida desse ator. Lembro at que ele comentou que no sabia como resolver cenicamente esse detalhe, mas que teria que ter essa cena da bebida. Ento, no final da pea esse ator acordaria, sem se lembrar de nada, e perceberia que est amarrado na cama. Olharia pro lado e olha que doideira, Cau veria o diretor nu, tambm deitado na cama. E ento o diretor falaria a ltima fala do espetculo: voc est no meu grupo. (Tempo) Quer mais suco? (Toca a msica Angustia, de Benvenido Granda. Luz em fade)

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Sobre o AutorAtor com nfase em desencobrimento de palavras e dramatizao das extremidades inferiores. Diretor com ps-graduao em No Isso. Dramaturgo com especializao em textos na gaveta e espetculos de poucos segundos. Marcus Di Bello comeou a escrever em 2008, quando se dividia entre poemas e contos humorsticos. No ano seguinte ingressava no teatro pela Escola de Teatro TESCOM, da cidade de Santos. Como dramaturgo ganhou prmios no Festival de Cenas Teatrais do Guaruj (FECASTRE) em 2010 e no FESCETE (Festival de Cenas Teatrais) em 2011. Escreve para o projeto "Drama Coletivo", com os dramaturgos Kadu Verssimo, Ronaldo Fernandes, Betinho Neto e Jnior Texaco. Os cinco textos dessa coletnea fazem parte do projeto.

E-mail para contato: [email protected]

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