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1 INTRODUÇÃO Nosso Trabalho de Graduação surgiu a partir de uma apresentação de TG, onde foi levantada uma hipótese a respeito de que não existia uma conceituação sobre o bom leitor. Vimos que atualmente fala-se muito na importância da leitura e quais os benefícios trazidos por ela para aquele que se dispõe a entregar-se ao ato de ler na busca do conhecimento, da informação, da aquisição de uma boa escrita e de um bom vocabulário, e também na criação de estratégias para motivar o gosto pela leitura, fazendo assim, o aluno gostar de ler. Durante a nossa pesquisa observamos que as maiores preocupações dos pesquisadores e profissionais diretamente ligados à leitura, são o desenvolvimento do hábito de ler, as condições de acesso à leitura e como fazer o aluno ler através do uso de estratégias que possam gerar uma motivação de leitura, o que nos revelou uma escassez de estudos que investiguem especificamente o gosto pela leitura, gosto este que é uma necessidade difícil de ser trabalhada na atual situação escolar. Mas afinal, é possível traçar um perfil de alguém que gosta de ler? Como pode ser conceituado o gosto pela leitura? Existe um perfil do bom leitor já determinado por alguém? E os alunos, buscam ler somente pelo aspecto da obrigação para adquirir estes benefícios citados acima, ou a leitura é vista e buscada como fonte de prazer? A partir desses questionamentos levantados, tivemos contato com a relação de livros, para serem lidos na íntegra, que constam do manual do vestibular, das maiores universidades públicas do Estado de São Paulo, como leituras obrigatórias. Chamou-nos a atenção o fato de terem somente obras clássicas, sem indicações ou sugestões claras de outros tipos de leitura. Estaria aí a visão do bom leitor, ou seja, o bom leitor é o leitor de obras clássicas esperado pelo vestibular?

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INTRODUÇÃO

Nosso Trabalho de Graduação surgiu a partir de uma apresentação de TG, onde foi levantada uma hipótese a respeito de que não existia uma conceituação sobre o bom leitor. Vimos que atualmente fala-se muito na importância da leitura e quais os benefícios trazidos por ela para aquele que se dispõe a entregar-se ao ato de ler na busca do conhecimento, da informação, da aquisição de uma boa escrita e de um bom vocabulário, e também na criação de estratégias para motivar o gosto pela leitura, fazendo assim, o aluno gostar de ler. Durante a nossa pesquisa observamos que as maiores preocupações dos pesquisadores e profissionais diretamente ligados à leitura, são o desenvolvimento do hábito de ler, as condições de acesso à leitura e como fazer o aluno ler através do uso de estratégias que possam gerar uma motivação de leitura, o que nos revelou uma escassez de estudos que investiguem especificamente o gosto pela leitura, gosto este que é uma necessidade difícil de ser trabalhada na atual situação escolar. Mas afinal, é possível traçar um perfil de alguém que gosta de ler? Como pode ser conceituado o gosto pela leitura? Existe um perfil do bom leitor já determinado por alguém? E os alunos, buscam ler somente pelo aspecto da obrigação para adquirir estes benefícios citados acima, ou a leitura é vista e buscada como fonte de prazer? A partir desses questionamentos levantados, tivemos contato com a relação de livros, para serem lidos na íntegra, que constam do manual do vestibular, das maiores universidades públicas do Estado de São Paulo, como leituras obrigatórias. Chamou-nos a atenção o fato de terem somente obras clássicas, sem indicações ou sugestões claras de outros tipos de leitura. Estaria aí a visão do bom leitor, ou seja, o bom leitor é o leitor de obras clássicas esperado pelo vestibular?

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Concluímos então, que os alunos que estão diretamente ligados a esta situação, frente ao vestibular, são os alunos do Ensino Médio, grupo este que já nos atraia, e por isso nos motivou a fazer este trabalho de buscar uma conceituação sobre o gostar de ler e o perfil do bom leitor advindo da pesquisa feita com eles, para deles trazer esta conceituação. Para colhermos as informações a respeito da opinião dos alunos, elaboramos um questionário semi-aberto com doze (12) perguntas relacionadas ao tema, das quais nove (9) questões são abertas e três (3) de múltipla escolha, que foi respondido por eles com o objetivo de levantar dados e a concepção destes alunos sobre o perfil do bom leitor, do que é gostar de ler, do que é ler por prazer em relação aos tipos de leituras que eles fazem e suas freqüências de leitura. Também foi elaborado um questionário para os professores, cujo retorno e adesão não foram o esperado por nós, dificultando o desenvolvimento de uma análise ideal, por isso não consta da análise. Como embasamento teórico para a análise do corpus, usamos os conceitos de dialogismo e polifonia, e gêneros discursivos segundo Bakhtin. As informações sobre os manuais foram verificadas diretamente nos mesmos, sendo que dois deles – USP e Unicamp – foram retirados pela internet, e o da Unesp foi cedido por um vestibulando. A partir do questionário respondido passamos à fase de análise do corpus, lendo atentamente, relendo, refletindo e anotando os possíveis primeiros sinais do que estávamos buscando. Foi feito um detalhamento sobre a opinião de cada um dos alunos em cada resposta, e durante esse processo, observamos que algumas perguntas complementavam as anteriores, não nos fornecendo outras informações além daquelas necessárias para o desenvolvimento da análise, e por isso, resolvemos agregá-las àquelas as quais complementavam o que nos possibilitou estabelecer uma ligação entre quase todas as

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perguntas do questionário com o tema proposto, exceto àquelas específicas referentes ao manual do vestibular. Diante das respostas, lidas e detalhadas, resolvemos colocá-las em tabelas e em seguida em gráficos, o que reforçou a análise, pois visualmente o conjunto das respostas começou a desenhar a conceituação desse perfil que buscávamos. Na seqüência do processo, tornamos a ler, reler, analisar e para nossa surpresa, sempre conseguindo extrair algo mais em cada retomada. Nessas leituras e releituras notamos que os conceitos se repetiam um pouco mais fortes e julgamos adequado agrupar mais uma vez algumas questões com o intuito de obtermos um melhor resultado, ficando assim com três perguntas relevantes a serem analisadas. Os manuais foram devidamente analisados no decorrer da análise dos questionários sendo ligados a duas perguntas relacionadas ao assunto a ser desenvolvido. Anotamos as informações pertinentes, as quais nos dariam a outra parte de nosso questionamento. Deles foram coletados importantes dados que reforçaram os dados colhidos na pesquisa com os alunos. Com os dados obtidos, gráficos e tabelas em mãos, passamos para etapa de conceituações através dos mesmos, sobre o que é “o gostar de ler e ser um bom leitor” na concepção dos alunos e do vestibular. Nosso trabalho, portanto, em sua primeira parte descreve a análise das questões referentes à definição e a concepção que os alunos vindos do ensino médio de

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escolas do estado têm sobre alguém que gosta de ler, quando e como se dá a leitura por prazer e qual a concepção que eles têm do bom leitor. Na segunda parte, abordamos as questões relevantes presentes no manual do vestibular das universidades pesquisadas, no intuito de confirmar, ou não, o questionamento abordado no objetivo do trabalho. Na terceira parte, abordamos a importância de Bakhtin e a contribuição da sua teoria, a qual fundamentou a nossa análise. Tanto os questionários quanto os manuais do vestibular foram analisados sendo ligados à teoria usada.

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Capítulo 1 – GOSTAR DE LER, LER POR PRAZER E SER UM BOM LEITOR

1.1 – O que dizer da análise Ao analisarmos o questionário aplicado, observamos que o dialogismo e a polifonia são presenças constantes na fala dos alunos, consequentemente em toda nossa pesquisa. Sempre podemos ver mais de uma voz em todas as respostas dadas por eles, seja de forma clara seja nas entrelinhas. As respostas apresentam aparentemente terem um único enunciador, só que ele representa várias vozes, várias concepções presentes numa mesma fala a respeito do ponto de vista do que vem a ser o bom leitor. Segundo BARROS, citando BAKHTIN (1997, p.3): “nenhuma palavra é nossa, mas traz em si a perspectiva de outra voz”. Ao responder o questionário, os alunos não descartam o dialogismo quando se referem ao prazer pela leitura, pelo contrário, o torna sempre presente ao afirmarem que ler por prazer é quando lêem por vontade própria, quando relacionam o prazer de acordo com o gosto e o assunto de seu interesse. Quando os alunos definem quem gosta de ler como alguém que busca conhecimento e informação, percebemos a voz que diz que a leitura é mais do que uma questão de gosto e sim uma necessidade para adquirir conhecimentos. A leitura por fruição e entretenimento ligada ao gosto, acaba ficando excluída pela maioria dos alunos como a ideal, devido à influência da voz polifônica que sobrepõe as suas convicções. Respondem que não costumam ler porque associam a leitura ao hábito, ao estudo, ao conhecimento, à aprendizagem e à informação, deixando assim sua ideologia ficar oculta

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em função do peso da obrigatoriedade, que não os deixa se envolver com a leitura, ao ponto de não se considerarem bons leitores, por saber que para a escola e o vestibular, o bom leitor é aquele que lê obras literárias clássicas, e eles, preferem a variedade de gêneros.

Percebe-se então, que neste grupo de alunos, suas vozes estão ocultas pelo estabelecimento da polifonia de outras vozes, fazendo com que eles enquanto sujeitos receptores de informações, apenas repitam o pensamento de outros ou da sociedade. 1.2 – Os alunos definem alguém que gosta de ler Nesta questão especificamente procuramos analisar as opiniões dos alunos em relação ao gosto pela leitura, identificar quais são as vozes que estão presentes na sua fala e que falam junto com a deles, quais as concepções que elas trazem, e como vão determinando, ou não, a fala e as opiniões dos alunos. Observamos no relato dos alunos a presença das vozes do aluno (VA), da família (VF), da escola (VE), do vestibular (VV) e do imaginário social (VIS). Estas vozes fazem com que se estabeleça um dialogismo na fala desses alunos, onde elas tentam se destacar umas sobre as outras, gerando um espaço conflituoso repleto de múltiplas concepções. 1.2.1 – O que dizem estas vozes. Embora a nossa pesquisa seja qualitativa, os números nos chamam a atenção ao constatarmos que 49% dos alunos pesquisados definem alguém que gosta de ler como uma pessoa que busca conhecimento e informação, o que é bastante significativo para a nossa análise. (ver anexo 2)

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A relação que os alunos fazem do gostar de ler com a aquisição de conhecimento, aprendizagem e melhoria da escrita através da leitura, é algo muito significativo para eles, quando dizem “sabemos que é bom ler”, justificam este “é bom ler” no sentido do benefício que a leitura traz para a aquisição de conhecimento e aprendizagem, mostrando que consideram estas características necessárias para atingir seu objetivo. Deixando claro que esses alunos dão à leitura esta única função. Esta concepção é proveniente da VE, se fazendo muito presente na tentativa de sobressair dentre as outras vozes o tempo todo. A leitura também é vista por eles como um meio necessário para atingir outra classe social, o que representa uma mudança na sua condição de vida. Este significado não é proveniente da VA. Ao relatarem que a leitura faz com que se destaquem no ramo profissional, aparecem a VF, a VIS, a VE e também a VV. A VE incorpora a VV, por ser dela a responsabilidade de trilhar e preparar o caminho do aluno para chegar até ele. Para o aluno, o vestibular é o representante de uma possível vida profissional, e onde se refletem estas concepções de leituras que foram passadas ao longo dos anos, fazendo com que o gostar de ler seja visto como uma ponte, um meio exclusivo de alcance desse objetivo. Associar a leitura à preocupação com a vida profissional também é um reflexo daquilo que foi disseminado pela VF, ele também fala a partir desta voz que lhe incutiu ao longo da vida esta concepção, lhe mostrando que uma profissão representa uma mudança, e a partir daí, a leitura se dá por uma necessidade social, e não por prazer. A fala da família nessas circunstâncias, é na verdade caracterizada por uma apropriação que faz da fala da sociedade, esta concepção reflete a VF incorporando a VIS, voz esta que representa o vestibular e as práticas de leituras ditadas por ele. Neste momento se estabelece a polifonia da VIS sobre as outras vozes, é ela quem fala mais alto nessa situação, mostrando o significado que dá ao ato de ler, o sentido da leitura, que neste caso específico é o de geradora do alcance de uma vida profissional. Embora a VIS seja uma voz implícita e aparecendo de forma indireta, ela é uma voz presente e determinante na formação das concepções que aparecem nos relatos dos alunos, ela está sempre por trás das outras vozes, tentando estabelecer ou contestar os sentidos que eles dão ao que relatam.

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Complementamos esse ponto através de KRAMER (1996, p.109), citando BAKHTIN: “Em cada palavra há vozes, vozes que podem ser infinitamente longínquas, anônimas, quase despersonalizadas..., inapreensíveis, e vozes próximas que soam simultaneamente”.

A VA aparece entremeada a essas outras vozes e se faz ouvir quando afirma que a pessoa que gosta de ler é aquela que lê por prazer a partir das próprias escolhas de leitura. Manifestam claramente em seu relato a preferência pela busca da variedade de gêneros, busca esta, que está diretamente ligada ao desejo de liberdade, e consequentemente ao prazer. Fica evidente que a VA é uma voz fraca, estabelecida dentro de um conflito de vozes, e embora tente se firmar, é uma voz presa, sem força, pois a concepção que mostra a busca da leitura para alcançar o objetivo profissional, é a fala mais forte e está bem acima daquela leitura feita por fruição. A liberdade de escolha é vista pela VF como perda de tempo, para ela, a preferência por gêneros variados se reflete como escolhas desnecessárias, não são suficientemente de qualidade, não trazem benefícios, por não serem consideradas leituras que fazem com que alcance seu objetivo. As leituras chamadas de qualidade pela família, são as leituras da escola, do livro didático, do gênero literário, aquelas que propiciam aos alunos um diferencial profissional. Nesta questão, observamos que a VF, a VE, a VV e a VIS estão muito ligadas, relacionadas em função do mesmo objetivo. Aqui o dialogismo dessas vozes corresponde à busca de conhecimento com um objetivo único que leva a visão de uma leitura única, pois só esta, está direcionada para o objetivo comum. Mostra a leitura de livros literários e a aquisição de ensinamentos, diretamente ligadas, abafando o prazer. A leitura de textos literários, usada como meio de adquirir estas qualidades, revela a concepção incutida na fala dos alunos de que ela só serve para este devido fim, a busca de conhecimento, meio de atingir um status.

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Como podemos ver a única voz que se opõe a elas é a VA, mas esta é uma voz facilmente abafada por este conflito de vozes, onde embora tenham ocorrido outras polifonias, a que se estabeleceu com maior força foi a polifonia da VE, dizendo que uma pessoa que gosta de ler é aquela que busca conhecimento e informação, através da leitura de livros tornando-se assim mais capazes de atingir os seus objetivos, suprimindo a concepção do aluno de que alguém que gosta de ler é aquele que lê por prazer, e fazendo com que ele estabeleça o sentido do que diz a partir da concepção proveniente da VE. 1.3 – Quando e como os alunos lêem por prazer Mais uma vez os números nos chamaram a atenção, 68% dos alunos pesquisados apontam que lêem por prazer quando escolhem a leitura pelo interesse, representando a maioria das opções escolhidas. (ver anexo 2) Nesta questão o dialogismo se dá pela presença das vozes que convergem dialogicamente em torno do prazer pela leitura. A VA representa uma busca por leituras diversas, feitas em torno da variedade de gêneros, a partir das próprias escolhas, do direito de fazer o tipo de leitura que os agrada, de acordo com o próprio interesse, e como já foi dito anteriormente, estas escolhas determinam o prazer. Fica claro, que os alunos se colocam nas respostas quando as perguntas se referem ao sentido que dão a leitura por prazer, falam de si, de suas concepções individuais, de suas próprias visões a respeito da leitura, manifestando assim seus sentimentos em relação a ela. Mas como vimos também na questão anterior, existem aqui outras concepções que afloram, concepções de outras vozes, gerando nuanças contraditórias que permeiam a fala deles. No dialogismo desta questão, mais uma vez encontramos a VF se apropriando da VIS, com o mesmo objetivo, mostrar a leitura como instrumento de acesso a vida profissional, ao trabalho, à melhoria de suas condições de vida, ao interesse pelo futuro,

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devendo esta exercer um papel útil na vida desses alunos. Ao aliarem as leituras que escolhem ao interesse pelo futuro, estas duas vozes direcionam as escolhas desses alunos, condicionando-os a ler por necessidade de ser alguém na vida. É a leitura mais uma vez sendo colocada como meio de pensar no futuro através da associação dela ao estudo, que levará ao sucesso profissional. A VIS também transmite aqui a visão de leitura como um bom hábito a ser adquirido pelos alunos, vista como uma prática saudável dentro do contexto social em que eles estão inseridos. A VIS é neste caso, quem diz que é bom ler, representando a sociedade que patrocina e populariza o hábito de leitura como um bem cultural, colocando a aquisição de cultura como conseqüência do hábito de leitura, objeto de apropriação necessário para atingir um status. Tão forte quanto a VA, é a VE, muito presente na fala dos alunos gerando uma verdadeira batalha entre essas vozes, um verdadeiro conflito representado neste diálogo por duas vozes que falam de lugares nitidamente opostos, assumindo concepções divergentes. De um lado a VA emerge defendendo a sua leitura por escolha e prazer, dando lugar ao surgimento de uma voz proveniente da sua, a voz da liberdade de escolha (VL). Essa liberdade de escolha demonstra e ocupa o lugar do desejo do aluno, desejo este que é uma conseqüência, embora não muito ampla, da VIS , e que representa a sua vontade de se fazer ouvir. De outro lado está a VE, tentando superar a VA em defesa das suas práticas de leitura, e das significações que estas práticas têm para ela, o que para os alunos representa a imposição e a obrigação de leitura. É bem notória a presença dessas duas vozes brigando entre si neste espaço conflituoso e polifônico, ambas com o intuito de estabelecer uma polifonia maior e definitiva nesta questão. A VE lança mão de seu domínio sobre os alunos através da imposição de leituras com a cobrança do preenchimento de fichas de leitura, inserindo a leitura no cotidiano

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escolar a partir da quantidade e do gênero literário. Em SILVA (2002, p.22) reforçamos esta visão:

Ao ser institucionalizado, passando à responsabilidade da escola, o ensino da leitura perdeu sua naturalidade, caiu na esfera dos reducionismos e, de certo modo, transformou-se numa estafante rotina. Não mais se lê para melhor compreender a vida, mas para cumprir os artificialismos e pretextos impostos pela escola: treinamento da língua culta, análises gramaticais, inculcação de valores, respostas fechadas a exercícios de compreensão e interpretação, pesquisas vazias na biblioteca da cidade, horários, provas, notas, etc. Com isso, a interação entre os textos e os leitores foi ficando cada vez mais distorcida, afetada ou estereotipada, desviando-se de propósitos como a fruição significativa e prazerosa, a reflexão, a discussão, a produção de novos significados e etc.

Esta conduta por parte da escola faz com que surja na fala dos alunos a voz da obrigação (VO), voz que representa a VE e que supera a VA, ao direcionarem suas leituras para aquelas que não lhes agradam. Quando seu direito de escolha é tirado, a VE suprime a VA, deixando claro que a VO mata o prazer, se tornando algo tão forte, que em alguns casos adquiri certo grau de convencimento, mudando a concepção de alguns alunos, chegando a dizer que a leitura por obrigação pode gerar prazer, que ler por obrigação também é bom. A presença da VF e da VIS não se refletem aqui como VO por que não tem ligação direta com a imposição de leituras, conseqüência fatal para o prazer do aluno. Esta ligação é feita e associada à VE, é ela quem impõe, escolhe, direciona, obriga os alunos a fazerem as leituras que eles não gostam, que não façam parte das suas escolhas. Essa postura da escola faz com que surja neste conflito já estabelecido uma outra voz, proveniente da VA, a voz da rebeldia (VR), construída no que se refere à leitura, a partir da não negociação existente na relação aluno/escola, travando junto com a VA a batalha pela liberdade de escolha e consequentemente pelo prazer.

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A VR e a VL estão muito ligadas, e se mostram nas colocações feitas pelos alunos, como por exemplo: “... sei que é bom ler, mas não gosto.”, “se é para ler, tem que ser o que eu gosto”, “Só leio quando estou com vontade”. A VR mostra que a obrigação não expressa valor algum para eles, não gera a motivação e nem o gosto pela leitura, ao contrário, revela um espaço de resistência que acaba criando um bloqueio, capaz de impedir o aluno de amadurecer e enxergar o bom leitor, fazendo com ele veja somente o leitor que a escola impõe o leitor masoquista que sofre para fazer suas leituras obrigadas, sem prazer e únicas, ele não consegue enxergar o leitor qualitativo como o leitor ideal. Como já foi dito anteriormente, quando os alunos relatam suas escolhas individuais de leitura como meio de extrair prazer, fica notória uma verdadeira ebulição de vozes, emergindo e submergindo para se fazer ouvir. Essa multiplicidade de vozes gera uma confusão de respostas diferentes todas dentro do mesmo relato, caracterizando o conflito, tentando cada uma delas estabelecer uma polifonia e suprimir assim a VA. Porém todas essas vozes em conflito são caladas pela VA, que neste momento estabelece a polifonia maior, uma polifonia que se dá por reação. A escola age impondo as leituras, e os alunos reagem afirmando e reafirmando na busca das escolhas de leitura, na leitura de gêneros variados, na livre freqüência, uma leitura prazerosa, e não uma leitura voltada para o cumprimento de obrigação, mostrando assim, que só sentem prazer na leitura quando lêem a partir da própria liberdade de escolha. 1.4 – A definição do bom leitor Nesta questão, buscamos colher informações a respeito do que é para os alunos ser um bom leitor. Pudemos constatar que o prazer é uma questão que vai sempre sendo retomada pelos alunos ao darem suas respostas no questionário. A comprovação disso é que 38% (ver anexo 2) dos alunos disseram que o bom leitor é aquele que lê por prazer, o que representou a maioria. Outra questão que foi retomada é a que se refere à variedade de gêneros, diretamente ligada ao tipo de leitura que lhes dá prazer, ou seja, aquela leitura que

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eles escolhem, seja a partir de um livro, revista, jornal, quadrinhos e etc. Aquele leitor que lê e interpreta o que leu, e busca conhecimento e informação através da leitura, também foram questões muito citadas pelos alunos na busca de uma definição sobre o que é ser um bom leitor. O aparecimento dessas quatro visões a respeito de que o bom leitor é o que lê por prazer, o que lê gêneros variados, o que lê e interpreta o que leu, ou o que busca conhecimento e informação, nos mostrou o estabelecimento de duas vertentes conflituosas dentro do depoimento dos alunos. De um lado temos as concepções da VA, do bom leitor como aquele que lê por prazer buscando na variedade de gêneros e na liberdade de escolha uma leitura prazerosa. De outro lado temos a VE, dizendo que o bom leitor é aquele que lê e interpreta o que leu, e busca conhecimento e informação através da leitura. Esses dois lados divergentes presentes na fala dos alunos, nos deram elementos relevantes e suficientes para analisarmos a visão pessoal deles sobre o que é ser um bom leitor, pois nos mostraram pontos importantes para verificarmos a formação desta concepção para estes alunos. As várias colocações e contradições que permeiam esta questão nos mostraram a visão que eles têm do que é ser um bom leitor, e que não se consideram bons leitores em função de algumas concepções e práticas de leitura que foram passadas para eles através das vozes encontradas na sua fala. Embora os alunos afirmem que o bom leitor é aquele que gosta de ler e lê por prazer, e reafirmarem que lêem por prazer quando escolhem suas próprias leituras, isso não se confirma no decorrer do seu relato, onde mais a frente, dizem que não gostam de ler e deixam claro que embora tenham esta concepção do bom leitor que lê por prazer, não se consideram bons leitores, o que demonstra a contradição existente nas suas respostas, justificativas e complementações. Analisando qualitativamente estas duas questões presentes na fala deles, de que um bom leitor está associado à busca da escolha individual de leituras, e o porquê de não se

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considerarem bons leitores, já que a sua prática leva a concepção que acreditam, observamos que inicialmente, eles se colocam nas respostas, falam de si mesmos, daquilo que sentem, da visão que têm de um leitor ideal, um modelo de leitor a ser alcançado de acordo com a própria visão, visão esta que mais uma vez reflete a presença da VL, fruto de seu desejo de liberdade, como foi abordado no início do questionário. Após chegarmos a esta constatação, buscamos analisar este espaço conflituoso, repleto de múltiplas vozes, que juntas, como nas questões anteriores vão se mostrando e se camuflando, emergindo e submergindo no decorrer das respostas, revelando o dialogismo existente na fala desses alunos. As várias concepções trazidas por estas vozes não fazem parte da sua própria voz, mas estão neles enraizadas, presentes nas respostas do questionário e determinando a sua fala. As vozes encontradas nesta questão são: a voz do aluno (VA), a voz da escola (VE), a voz da família (VF), a voz do imaginário social (VIS), a voz do vestibular (VV), a voz da religiosidade (VRL) e a voz do hábito (VH) proveniente da VE, da VF e da VIS. Para Barros (1997), o “dialogismo bakhtiniano define o texto como um “tecido de muitas vozes” ou de muitos textos ou discursos, que se entrecruzam, se completam, se correspondem umas às outras ou polemizam entre si no interior do texto”. A VE é uma voz que está diretamente ligada à VV, juntas nesta questão, elas determinam as práticas de leitura aplicadas na escola com o intuito de levar o aluno a atingir o vestibular, reforçando a idéia de que o bom leitor é aquele que lê obras literárias clássicas, ao ler interpreta tudo que leu e busca conhecimento e informação através da leitura. A VF e a VIS se juntam a VE e a VV reforçando as concepções de leitura ligadas ao hábito e desconsiderando aquelas escolhidas por eles, consideradas pela VF como desnecessárias, sem utilidade para eles na busca de sucesso profissional.

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A VRL também determina uma prática de leitura única, a da Bíblia, que em alguns casos impede o aluno de fazer outros tipos de leitura, se fechando numa única e quantitativa leitura. 1.4.1 – O que leva os alunos a não se considerarem bons leitores A leitura que os alunos afirmam ser a ideal, é aquela leitura escolhida por eles, no momento em que eles sentem vontade de ler, sem a obrigatoriedade e a imposição da escola, como no caso de provas, trabalhos ou preenchimento de fichas de leitura. (ver anexo 2) As leituras escolhidas por eles são diversificadas, se interessam por jornais, revistas, charge, quadrinhos, páginas da Internet e livros, todas ligadas a assuntos que os interessem, e voltadas para a busca do prazer. Ao passo que as leituras determinadas pelo vestibular, direcionam a escola e os professores para o uso dos gêneros literários como sendo preferenciais, no trabalho feito por eles, o que gera obrigatoriedade. Esse fator é determinante para que os alunos não se considerem bons leitores, porque para eles, o bom leitor é aquele que gosta de ler livros, afirmando que não demonstram interesse por livros e bibliotecas. Nas opções que fazem de leituras preferidas, não incluem os livros. Podemos observar aí a presença da VE determinando esta concepção, que de certa forma ao desenvolver um trabalho voltado para a leitura de gêneros literários acaba desconsiderando a variedade de gêneros, inclusive os que fazem parte da preferência dos alunos. Outra questão levantada, e também de muita importância é quando eles afirmam que bom leitor é aquele que busca conhecimento. Para os alunos, a busca de conhecimento está diretamente ligada ao alcance de um objetivo, no caso deste grupo pesquisado é o vestibular. A leitura com o objetivo da busca de conhecimento é uma atividade amplamente adotada pela escola, o que gera obrigação, e mata a leitura feita por fruição. A atualização e

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a busca de informação não são características buscadas por quem gosta da leitura como instrumento de prazer, e sim parte da busca de conhecimento daqueles que têm como meta passar no vestibular, tornando a leitura por fruição algo secundário. Neste momento é que a VE se faz ouvir fortemente reforçando a VV e falando através dos alunos. Uma das observações importantes é a de que os alunos não consideram suas freqüências de leituras como a ideal, por que segundo eles, na prática não lêem livros todos os dias, mostrando que a leitura que eles levam em conta é a de livros, e não a feita por eles, que é a de gêneros variados, fazendo menção a essas leituras como sendo inferiores. A falta do hábito e a pouca freqüência são questões que direcionam a visão que eles têm do bom leitor, quando dizem que não se consideram como tal. Para eles, bom leitor é aquele que lê muito, que lê todos os dias. Alguns alunos afirmam que não lêem, mas ao serem questionados sobre a freqüência de suas leituras, dizem que lêem todos os dias, o que se torna contraditório, mas explicável durante a análise do seu questionário como um todo. Suas respostas mostram claramente que eles consideram como sendo leitura, à leitura de gêneros literários, privilegiada pela VE, que geralmente não fazem ou fazem muito pouco, na maioria das vezes por obrigação. Afirmando que não lêem nunca, se referem à leitura literária como algo distante deles. A voz que determina esta concepção é a voz do hábito (VH), que é uma voz proveniente da VF, da VE e da VIS. Aquele que lê e interpreta tudo que leu, é outra situação relevante que os impedem de se considerarem bons leitores no que diz respeito a uma obra literária lida na íntegra e perfeitamente entendida. O aluno se refere aos livros literários como sendo de suma importância para o seu crescimento, desempenho e aquisição profissional, a voz que fala nesse momento não é a dele. Aqui aparece a VV, fazendo referência e prezando a plena interpretação dos textos literários como sendo marca do bom leitor, ou seja, aquele que lê e interpreta claramente este gênero, o qual é amplamente privilegiado no manual.

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A VV e a VIS cobram desses alunos uma perfeita interpretação daquilo que lêem fazendo com que a leitura bem interpretada dê a eles o preparo necessário para atingirem o vestibular, verdadeira maratona, que possivelmente dará a eles a vida profissional futura. A VA aparece nesta questão totalmente abafada, confirmando todo seu relato anterior, quando fez referência ao prazer que sentem na leitura diversificada e por prazer. Através das suas escolhas de textos diversos, associam o bom leitor aquele que lê por prazer, porém não se consideram como tal por não preferirem e não fazerem as leituras pregadas pela VE, confirmadas pela VV e enfatizadas no manual como leitura ideal. Esse cruzamento de vozes, nesta situação, conduz esses alunos ao silenciamento, a sua total subordinação à polifonia dessas vozes, impossibilitando uma interlocução por parte deles. Os alunos, mesmo que instintivamente tem noção do que é ser um bom leitor, mas não se consideram por se submeterem as concepções das vozes que dizem que o bom leitor é o leitor masoquista que se adapta e se submete as leituras impostas pela escola, família e vestibular, opostas as leituras praticadas por eles, gerando prazer. A voz que estabelece a polifonia nesta questão é a VV, por ser ela quem dita as regras totalmente absorvidas pela VE, regras de freqüência, interpretação e principalmente de opção ao prezar o gênero literário clássico. A leitura qualitativa considerada a ideal e feita pelos alunos, fica totalmente suprimida junto com a sua voz.

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Capítulo 2 – O BOM LEITOR SEGUNDO OS MANUAIS DO VESTIBULAR

Conceito sobre o que é o bom leitor aceito pela escola, vestibular e família, e que está sendo disseminado até hoje: “bom leitor é aquele que lê obras literárias clássicas, interpreta o que leu, contextualiza as obras com outras lidas e mobiliza conhecimentos lingüísticos”. Pelo que percebemos ou o vestibular determina obras literárias como de suma importância quantitativa ou ele reforça uma idéia que já está cristalizada. As informações recolhidas nos manuais das Universidades pesquisadas e no questionário dos alunos podem nos dar uma direção a esse respeito. 2.1 – O que diz o PCN Há bastante tempo, uma dúvida tem pairado na definição do que é livro literário. O que considerar como sendo obra literária? Por que autores atuais citados pelos alunos na questão onze (11) do questionário (ver anexo 3) como sendo leitura escolhida por eles, tais como J.K. Rowling – Harry Potter e a Pedra Filosofal, Zíbia Gaspareto – Esmeralda, Spencer Johnson – Quem Mexeu no Meu Queijo e Paulo Coelho – Brida entre outros, não são definidos como texto literário? Com nosso trabalho não foi diferente. Percebemos essa incerteza tanto dentro do relato dos alunos pesquisados quanto na explicação dada no PCN de Língua Portuguesa do Ensino Médio, o que observamos neste fragmento a seguir:

O conceito de texto literário é discutível. Machado de Assis é literatura, Paulo Coelho não. Por quê? As explicações não fazem sentido para o aluno. Outra situação de sala de aula: Pede-se que os alunos separem textos diversos (desde poemas de Pessoa e Drummond até contas e cartas de banco) em textos literários e não-literários, de acordo como são definidos. Um dos grupos não fez qualquer separação, questionados, responderam: “Todos são não-literários, pois só servem para fazer exercícios na escola”. Perguntados por que

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Drummond não era literatura, respondem: “Ele é um chato. Porque Zé Ramalho não é literatura? Ambos são poetas, não é verdade?”. Quando deixamos o aluno falar, a surpresa é grande, as respostas quase sempre surpreendentes. Assim pode ser caracterizado, em geral, o ensino de Língua Portuguesa no Ensino Médio: aula de expressão onde o aluno não pode se expressar. (PCN, 2001, P. 119)

Pelo que podemos notar, ainda está difícil fazer com que o ensino possa deixar claro para professores e alunos, quais textos fazem parte de qual conjunto de concepções e o porquê dessa classificação. Qual concepção é usada para definir textos literários e não literários? Nas respostas do questionário a polifonia que se instaura mostra a presença da VV determinando obras e autores clássicos como texto literário. Os alunos assumem esse ponto de vista de tal maneira em seu enunciado, que relatam, quando questionados na pergunta seis (6) um (1), não serem bons leitores por não lerem livros. Por outro lado, nas questões cinco (5) e onze (11) (ver anexo 5) os alunos mencionam que quando escolhem os textos para ler, na maioria das vezes é o texto não literário o preferido. A escola poderia facilitar a entrada de textos literários no conjunto de leituras desses alunos, caso o espaço de negociação, escola-aluno, se fizesse mais presente e fosse flexível. Afinal, gênero literário e não literário dialogam entre si, e é importante fazer uma relação entre o gosto do aluno e o tema do livro escolhido, pois desta maneira fortaleceria o caminho percorrido pelo leitor crítico, um leitor que já está nesse caminho, mesmo que não perceba. O enunciado do aluno certamente estaria garantindo um salto de qualidade nessa associação dos gêneros, que o acompanharia pela sua vida de leitor dentro e fora da escola, seja ela de Ensino Fundamental, Médio ou Superior. 2.2 – O que diz o ENEM: O Exame Nacional do Ensino Médio – ENEM – tem como um de seus objetivos garantir ao concluinte deste ciclo, através da classificação alcançada pelo aluno nas

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avaliações, a possibilidade de fazer parte do grupo, diga-se de passagem seleto, daqueles que freqüentam uma universidade.

Os alunos das escolas públicas do Estado deveriam garantir sua classificação em

uma universidade pública, a partir das notas por desempenho durante o Ciclo. Como garantir esse desempenho, se muitas vezes os gêneros discursivos, e dentre estes especialmente os não literários, são suprimidos do currículo ou dados displicentemente a esses alunos, restando-lhes a busca destas informações através de meios que nem sempre estão ao alcance deles e promovendo na auto-estima do concluinte certa insegurança em relação ao seu futuro objetivo. Somado à política do governo, muito ainda precisa ser feito, em relação ao desempenho dos concluintes do Ensino Médio. As escolas estaduais precisam rever sua política de trabalho referente ao que estão oferecendo, sob o aspecto gêneros literários e não literários, para que o aluno possa ter garantido em seu enunciado a maior variedade possível de gêneros discursivos, e de como esses gêneros dialogam entre si. O aluno, pelo que descreve no questionário, já lê gêneros não literários por vontade própria sem se dar conta disso. O que dizer então caso ele incorpore a esse gosto também o literário, teríamos o leitor desejado, critico e que pode fazer suas escolhas. Será utopia? É preciso desejar e também fazer parte das ações de mudança desse perfil do bom leitor. 2.3 – O que dizem os Manuais Na análise que fizemos dos três manuais observamos a presença do dialogismo em todos eles, onde todas as vozes, de cada um deles, voz de professores doutores, voz do imaginário social, voz da elitização convergem para um mesmo tipo de escrita, a escrita técnica. Sobre esse aspecto citamos Bakhtin que diz “... A escolha de todos os recursos lingüísticos é feita pelo falante sob maior ou menor influência do destinatário e da sua resposta antecipada...” (Bakhtin, 2002, pág. 282), onde se considerarmos o manual como sendo o falante apresentado na citação, podemos perceber que o bom leitor, já descrito anteriormente como sendo o ideal, é o destinatário de certa forma mitificado por essas

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vozes, VV, VF, VIS e VE. No desenvolvimento da análise a seguir podemos notar esse aspecto. 2.3.1 – USP – Fuvest Ao analisarmos o manual da Fuvest nos chama a atenção o seguinte trecho descrito: “... no nível próprio do concluinte do Ensino Médio.”, essa citação apresenta uma direção de pensamento que conduz o leitor à idéia de que “qualquer pessoa”, terminado o EM, é capaz de, no mínimo, ler e entender a instrução nele descrita. O que dizer deste outro trecho: “... bem como a capacidade de mobilizar conhecimentos lingüísticos...”, um vocabulário bem técnico, pouco acessível, com um enunciado que transmite uma idéia de que toda a instrução nele descrita é feita para fortalecer ainda mais o conceito do bom leitor, mostrado anteriormente. A voz que prevalece aqui é outra vez a da polifonia, que mostra quem é o bom leitor. A Intertextualidade é citada apenas na leitura feita em textos literários clássicos, como se fosse possível separar das leituras que são feitas, todo tipo de informação já adquirida em outras variedades de gêneros, sem relacioná-las entre si. Ao lermos, instintivamente, fazemos relações de uma leitura com as outras, acontece naturalmente um diálogo, que é inconsciente, entre os textos lidos. Deste ponto de vista, escolhemos o fragmento: “... a capacidade de relacionar o texto com o conjunto da obra e com outros textos...”, onde outra vez temos uma polifonia presente, assim como também aparece no questionário na pergunta seis (6), na VIS e reforçada pela VV que valoriza o bom leitor, que é capaz de contextualizar as leituras entre obras clássicas. Interessante perceber que a escrita do manual parece ter sido feita para bons leitores pré-determinados. Aqui aparece a polifonia sobre o bom leitor já citada anteriormente, já que o uso intenso de palavras de um vocabulário estrategicamente escolhido demonstra claramente esse aspecto.

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Ainda neste manual, pode ser observada a lista de 75 obras clássicas (ver anexo), de períodos literários Brasil e Portugal, para leitura. Uma fala na seqüência seguinte determina entre seis (6) e oito (8) obras clássicas que devem ser lidas na íntegra. Vejamos o fragmento do manual que confirma esse aspecto:

A cada ano, a Fuvest apresentará, também, uma lista contendo, no mínimo 6 e no máximo 8 obras, cuja leitura integral será exigida. Essa lista será válida por 2 anos, ao fim dos quais será, em parte, modificada. Especificamente para o Vestibular de 2005, foram escolhidas as seguintes obras: Memórias de um sargento de Milícias – Manuel Antonio de Almeida; O Primo Basílio – Eça de Queirós; Memórias póstumas de Brás cubas – Machado de Assis; Poemas Completos de Alberto Caieiro – (heterônimo de Fernando Pessoa); Macunaíma – Mário de Andrade; Libertinagem – Manuel Bandeira; Sagarana – João Guimarães Rosa; A hora da estrela – Clarice Lispector.

Onde concluímos que se estabelece a polifonia da VV, confirmando o gênero literário como preferência unânime de leitura. 2.3.2 – UNESP Numa apresentação um pouco menos técnica do que a anterior, mas nem por isso menos subjetiva, o texto do manual da Unesp se coloca claro e sintético. Observamos a seguir um fragmento onde aparece esse fato:

A prova de Língua Portuguesa, constituída de questões que solicitam respostas discursivas e de uma redação, terá por objetivo avaliar o desempenho

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do candidato na recepção e produção de textos em Língua Portuguesa escrita, culta, contemporânea.

Na seqüência acima sentimos que a presença de silenciadores através de um texto resumido fica evidente. Tão simples palavras são usadas nesse início do texto da parte de Língua Portuguesa, que apenas a palavra “discursivas” remete à lembrança de que esse manual é feito para os bons leitores já mencionados antes. O uso de termos menos técnicos quer mostrar uma polifonia da VV, dizendo que qualquer concluinte do EM pode entender o texto, onde parece destacar que o leitor nem precisa de tanto conhecimento lingüístico assim, ledo engano, parece mais uma camuflagem para que somente o leitor que eles, vestibulares, consideram ideal, decifre as entrelinhas. Neste outro trecho da escrita “Os textos ou fragmentos de textos que servirão de base para as questões de literatura serão extraídos das obras de escritores representativos...”. A polifonia aqui mostrada, mais uma vez, é a da VV e fecha no bom leitor, de acordo com a concepção já descrita acima, ou seja, é aquele que lê preferencialmente obras literárias clássicas.

Bem sutil, neste manual, aparece essa citação, de que o “texto deve ser interpretado

segundo o gênero em que se inscreve”, parece dizer que até podem aparecer outros gêneros, que não os literários. Fica a cargo de o bom leitor interpretar da maneira como o vestibular espera que ele faça.

Em mais uma parte podemos ver a preferência pelos gêneros literários “O

candidato deverá evidenciar não somente o conhecimento dos autores e das obras mais representativas como também das épocas ou escolas a que os mesmos pertencem.” Aqui além dos gêneros literários serem preferenciais, ainda o sinal de silenciadores está presente novamente, quando aparece escrito “dos autores e das obras mais representativas”, quais

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seriam esses autores e obras? Mais uma vez a idéia de que é preciso conhecer toda obra literária clássica, brasileira e portuguesa, está implícita, assim como também aparece no manual da USP, citada antes.

A lista de obras exigidas para leitura integral aparece com oito (8) títulos

e se refere aos vestibulares dos anos de 2004 e 2005, está abaixo relacionada:

Lista de obras: Poesia Lírica – Sonetos – Camões; Espumas Flutuantes – Castro Alves; Memórias Póstumas de Brás Cubas – Machado de Assis; Libertinagem e Estrela da Manhã – Manuel Bandeira; Brás, Bexiga e Barra Funda – Antônio de Alcântara Machado; A Hora da Estrela – Clarice Lispector; Manuelzão e Miguilim – Guimarães Rosa; Vidas Secas – Graciliano Ramos.

2.3.3 – Unicamp Com um texto bem elaborado e técnico, este manual traz a mesma polifonia dos outros dois, privilegiando em alto e bom som o bom leitor descrito no começo da análise, aquele que lê e interpreta o que leu, apto a reconhecer marcas lingüísticas, que seja capaz de ler integralmente uma obra presumidamente literária clássica e ler também nas entrelinhas. O mais interessante é observar explicitamente a polifonia, também encontrada na pergunta seis (6) do questionário, de que bom leitor é o que lê livros, saltando aos olhos, onde aparece escrito “... considerando que, através da literatura, você ganha acesso a um tipo específico de experiência...”, como se somente nos gêneros literários fosse possível encontrar experiência e conhecimento. De certa maneira reforça o item descrito pelos alunos de que o bom leitor é o que busca ter conhecimento e aprendizagem através da

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leitura de livros, conceito cristalizado nos alunos, na escola e na sociedade através dos tempos. As palavras “tipo específico” minimizam a polifonia existente, tentando desviar a atenção do leitor dos gêneros clássicos, sendo que no final as leituras exigidas são as das obras clássicas. Nas questões cinco (5) e onze (11) do questionário (ver anexo 5), a fala dos alunos mostra que eles lêem outros tipos de texto, como não são livros e obras clássicas, eles dizem não se considerarem bons leitores, mas ainda assim lêem uma vez na semana ou raramente. Na lista de livros citada por eles ainda aparecem livros, como Harry Potter e Brida, que de acordo com o PCN de Língua Portuguesa “não são considerados literatura”. A escola conduz o aluno a um saber equivocado, informação essa recebida e passada através dos anos pela própria escola e reforçada pela família e pelo vestibular, quando diz ao aluno que este deve ler somente obras literárias clássicas e que através dessa literatura a vida deste aluno vai melhorar, desvia deste modo o caminho que o educando já está percorrendo, o de ler vários tipos de textos, nos quais interage um pouco mais espontaneamente. Um outro ponto importante que também deve ser destacado é o fato de o manual não esclarecer qual texto, ou como vai utilizar esse texto na prova. Esse silenciamento sobre outros tipos de texto é mostrado neste trecho “... capacidade para ler textos redigidos em português culto e interpretá-los”. A ausência de uma escrita, que explique mais detalhadamente que textos serão empregados na prova, somada a um enunciado que generaliza essa idéia, impedem o leitor do manual de identificar o que realmente será usado, se os gêneros literários ou não literários. Ou ainda, se os dois gêneros devem aparecer juntos. Abaixo aparecem relacionadas e comprovando a preferência descrita anteriormente do vestibular pelos clássicos, a lista de obras exigidas para leitura integral:

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Relação de Livros Para o exame vestibular de 2004, será exigida a leitura prévia e completa do texto integral das seguintes obras: Literatura Portuguesa Gil Vicente - O velho da horta; Camilo Castelo Branco - A Brasileira de Prazins; Antonio Lobo Antunes - Os cús de Judas; Literatura Brasileira José de Alencar - O demônio familiar; Alcântara Machado - Brás, Bexiga e Barra Funda; Graciliano Ramos, Angústia; Machado de Assis - Várias Histórias; Nelson Rodrigues - Vestido de noiva; Guimarães Rosa - Manuelzão e Miguilim.

O último parágrafo presente na relação de obras para leitura, descrito abaixo, usa de um mecanismo subjetivo para mostrar ao leitor que ele deve conhecer também o contexto poético. Sem fazer nenhuma sugestão de quaisquer obras ou autores. Neste possível silêncio aparece outra vez a marca cristalizada pela VV, do que é ser um bom leitor, aquele capaz de decodificar também a leitura implícita, até mesmo quando o sentido presente no texto não esteja escrito. Vejamos a seguir o trecho que confirma nossa explicação:

Embora não constem da lista obras poéticas, entende-se que você tenha experiência de leitura de poemas em língua portuguesa. Os textos curtos (poesia), utilizados na elaboração de algumas questões serão transcritos na própria prova.

Dentro do contexto da análise que foi feita sobre os manuais, nos causou admiração o fato de não ser citado nenhum outro tipo de leitura, mais explicitamente no texto, como

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por exemplo, a de expressões artísticas¹, uma escultura, uma pintura, um filme ou letra de música. Sabemos que os alunos gostam bastante de músicas e filmes, e pelo questionário vimos que estes têm acesso a variados tipos de leitura, que poderiam ser aproveitados na interpretação, no momento de refletir sobre a melhor resposta a ser colocada na prova. È preciso que os professores estejam atentos para esse detalhe, e criem um espaço de negociação que permita essa intertextualidade. 2.4 – Outras considerações Muitas vezes o professor não percebe que seu foco está sendo desviado, tem uma boa proposta, mas sua voz fica perdida entre outras, as VE e VIS, que fazem com que as obras clássicas mantenham seu peso mais do que precisariam ter. O aluno para se defender cria certo espaço de resistência, que é a VR, deixando emergir um desejo de dentro, através de uma suposta voz de liberdade de escolha do que pode ou quer ler. Neste círculo de acontecimentos a escola mantem o aluno imaturo prejudicando seu desenvolvimento crítico e afastando-o de seu caminho natural de bom leitor. A dicotomia autoritarismo impositivo X liberdade de escolha permanece negligenciando um possível espaço de negociação que a escola poderia oferecer para o aluno, deixando de lado assim, a idéia de que ele pode e deve ler todo tipo de gênero associado à leitura de autores e obras consagradas e acima de tudo extrair a fruição além do conhecimento e aprendizagem, já pré-concebidos pelas VV, VE e VF e constituídos pela VA como sendo parte do enunciado dele. Num dos manuais – o da Unicamp – existe o interesse em mudar a visão criada pelos cursinhos que ensinam, mas também massificam as dicas de como passar em vestibulares de grande porte, sem se preocupar em ajudar o futuro universitário a 1 – A Fundação Cásper Líbero apresentou em sua lista de sugestão de obras a serem lidas, também filmes nacionais.

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Interpretar, refletir e argumentar criando seu próprio senso crítico, podendo desta maneira escolher as leituras que fará posteriormente. Esta fala do vestibular, mesmo que a princípio, esteja coberta de boa intenção, conduz à manutenção da elitização, uma vez que os alunos treinados e instruídos para interpretar, refletir e argumentar acabam vindo de escolas conteudistas, as quais acreditam na polifonia da VV e VE, que dizem que para se conseguir uma vaga nas universidades estaduais é necessário ter o máximo de conhecimentos e leituras possíveis. Essa VE é avalizada pela sociedade e pelos pais, que nessas escolas matriculam seus filhos. Esses filhos já constituídos da VF, e estes pais por sua vez introjetados pela VE, somando a estas vozes, também a VIS, perpetuam essa elitização a respeito da leitura, sem se dar conta de que o caminho do bom leitor já está sendo percorrido pelo educando, mesmo que seja por instinto. Equivocadamente a escola cala essa voz da escolha quando omite outros tipos de leituras para dar destaque somente às leituras de obras literárias clássicas, visando obter cultura e ascensão social. A polifonia que aparece aqui é a da VIS. Esta fala do vestibular, mesmo que a princípio, esteja coberta de boa intenção, conduz à manutenção da elitização, uma vez que os alunos treinados e instruídos para interpretar, refletir e argumentar acabam vindo de escolas conteudistas, as quais acreditam na polifonia da VV e VE, que dizem que para se conseguir uma vaga nas universidades estaduais é necessário ter o máximo de conhecimentos e leituras possíveis. Essa VE é avalizada pela sociedade e pelos pais, que nessas escolas matriculam seus filhos. Esses filhos já constituídos da VF, e estes pais por sua vez introjetados pela VE, somando a estas vozes, também a VIS, perpetuam essa elitização a respeito da leitura, sem se dar conta de que o caminho do bom leitor já está sendo percorrido pelo educando, mesmo que seja por instinto. Equivocadamente a escola cala essa voz da escolha quando omite outros tipos de

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leituras para dar destaque somente às leituras de obras literárias clássicas, visando obter cultura e ascensão social. A polifonia que aparece aqui é a da VIS.

Ao perceber que o que lê é o que realmente traduz o bom leitor e não somente o que

a escola está propondo, o aluno começa a criar um equilíbrio entre a escolha e a imposição, podendo assim tornar-se mais crítico e minimizar essa tensão existente e criada. É importante ressaltar que as obras literárias clássicas são relevantes no decorrer da formação de um bom leitor, porém é preciso que todas as outras variedades de leitura possam transitar com igual valor, pois pela fala da pesquisa, essas leituras podem ser as pontes de ligação entre os que já são efetivamente bons leitores, com os textos clássicos que podem e devem ser somados a esse caminho. A polifonia que se estabelece pela VV e que é confirmada através dos questionários e dos manuais, de que o bom leitor é aquele que lê e interpreta o que leu, e que busca conhecimento e aprendizagem, embora cristalizada, pode e deve ser somada à voz do gosto. A liberdade de escolha do aluno, que muitas vezes é transformada em uma aparente rebeldia em algumas respostas, sinaliza que mesmo não se achando um bom leitor, já está sendo em função de suas práticas de leitura, e deixam pistas para essa possível reflexão e mudança de hábito.

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Capítulo 3 – O QUE NOS DIZ A TEORIA 3.1 – A importância de Bakhtin Nosso trabalho se fundamenta teoricamente com base nas obras de Mikhail Bakhtin sobre seus conceitos de dialogismo, polifonia e gêneros discursivos. Denominado por Todorov como uma das mais fascinantes e enigmáticas figuras da cultura européia do século XX, conforme descrito no prefácio da Estética da Criação Verbal, tornou-se um dos maiores pensadores deste século e um teórico fundamental da linguagem. As idéias desse pensador russo foram conhecidas no Brasil a partir dos anos 70, provocando novas reflexões acerca da linguagem, possibilitando uma abertura de caminhos para discussões em diferentes áreas de conhecimento. Mikhail Bakhtin marcou uma renovação nos estudos lingüísticos e literários do Ocidente depois que suas idéias ultrapassaram as fronteiras da Rússia, a partir desta década, tornando-se filósofo da linguagem. 3.2 – Dialogismo e Polifonia Este teórico provoca fascínio pela sua capacidade de ver o mundo, o homem e principalmente à linguagem como sendo partes de um mesmo processo dialético. Bakhtin concebe um homem que dialoga com a realidade em que vive por meio da linguagem, e a linguagem não só como um sistema abstrato, mas também como uma criação coletiva, parte integrante de um diálogo entre o “eu” e o “outro”, entre muitos “eus” e muitos “outros”. Dentro dessa concepção, Bakhtin exige do leitor um olhar múltiplo sobre o mundo e sobre o outro. Trata-se de uma teoria que vê o mundo a partir de vozes, sentidos e linguagens que se misturam.

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A multiplicidade de temas estudada em sua obra possibilita encontrar uma importante questão que ele chamou de dialogismo. Trata-se do princípio de que todo enunciado lingüístico se fundamenta sobre um diálogo implícito com outros enunciados, cujo desdobramento teve conseqüências teóricas produtivas, que geraram conceitos importantes como a polifonia que nos facilita entender o ato de enunciação. Bakhtin acredita que o dialogismo é a característica essencial da linguagem e a condição do sentido do discurso. O dialogismo é o permanente diálogo entre diversas vozes configurando uma comunidade, uma sociedade, uma cultura. Mostrando que a linguagem é fundamentalmente dialógica e complexa, pois nela se imprimem de acordo com a história e pelo seu uso, as relações dialógicas da fala, ou seja, a palavra é sempre atravessada pela palavra do outro, significando que o enunciador, ao construir sua fala, leva em conta à fala de outrem, que sempre se faz presente na sua. Segundo BAKHTIN:

A palavra é uma espécie de ponte lançada entre mim e os outros. Se ela se apóia sobre mim numa extremidade, na outra se apóia sobre o meu interlocutor. A palavra é o território comum do locutor e do interlocutor. (Bakhtin/Voloshinov,1992a:113).

Bakhtin afirma a necessidade de considerar os enunciados como compostos de vozes que dialogam umas com as outras, e que servem para mostrar que não existe enunciado livre de interferências. A partir desse confronto de vozes - explícitas ou implícitas - no interior de uma fala, Bakhtin dá o nome de polifonia. A polifonia é caracterizada por uma voz em destaque que suprimindo as demais fala mais alto, ou seja, quando essa voz entre as outras existentes no indivíduo se sobrepõe às suas convicções. É exatamente através desta forma de diálogo que é gerada a significação, que não é pronta, mas sim construída na interação.

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Numa de suas obras importantes, Marxismo e filosofia da linguagem está sua teoria da linguagem e do dialogismo, onde diz: “as palavras são tecidas a partir de uma multidão de fios ideológicos e servem de trama a todas as relações sociais em todos os domínios”. (Bakhtin/Voloshinov,1992a:41) 3.3 – Gêneros Discursivos Segundo Bakhtin:

... qualquer utilização da língua ocorre em formas de enunciados orais e escritos resultantes das esferas das atividades humanas. Cada esfera comporta um repertório de gêneros, por isso há uma diversidade deles, tanto orais quanto escritos. Assim, o autor russo conceitua o gênero do discurso como sendo formas do dizer sócio-historicamente cristalizadas, procedente de necessidades vindas de diferentes esferas da comunicação humana. [...] Portanto, ao nos comunicarmos nas mais diferentes situações, utilizamo-nos de inúmeros gêneros orais e escritos que possuem características próprias. (Bakhtin, 2000, p. 279)

Os gêneros discursivos são divididos segundo Bakhtin em primários, considerados simples e secundários considerados complexos. Os gêneros primários do discurso, geralmente orais, se formam nas situações de comunicação, referem-se ao cotidiano imediato, à situação imediata em que são produzidos e onde é realizada e concretizada a atividade humana. O que constitui este tipo de diálogo oral ou escrito pode ser uma conversa, uma piada, uma aula, uma apresentação oral de um trabalho, uma carta, um bilhete, um requerimento, questão dissertativa de prova, e-mail, propaganda, crítica de música, ou seja, coisas do cotidiano e familiar, sóciopolíticos, etc. Os gêneros secundários do discurso aparecem em circunstâncias de uma comunicação cultural, mais complexa e relativamente mais evoluída, principalmente

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escrita, como por exemplo, nas áreas artísticas, jurídicas, científicas, sóciopoliticas, etc. Podemos citar o romance, dramas, o teatro, o discurso científico, o discurso ideológico. De acordo com Bakhtin (2003, p.262):

A riqueza e a diversidade dos gêneros do discurso são infinitas porque são inesgotáveis as possibilidades da multiforme atividade humana e porque em cada campo dessa atividade é integral o repertório de gêneros do discurso, que cresce e se diferencia à medida que se desenvolve e se complexifica um determinado campo.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS Nosso trabalho partiu da falta de uma conceituação do que vem a ser o bom leitor e o gostar de ler, e como essa questão é vista pelos alunos do Ensino Médio e pelo Vestibular. Detectamos durante a análise dos questionários e dos manuais do vestibular, a presença de várias vozes tentando determinar essas concepções. O nosso objetivo em analisar as vozes que estão presentes no relato dos alunos foi satisfatório para observarmos a interação dessas vozes e como elas vão determinando esta fala e gerando contradições, mesmo que tal interação não esteja, algumas vezes, tão evidente ou explícita. As influências das múltiplas vozes que compõem a sua fala determinam a falta de motivação que eles têm pela leitura, por se submeterem a concepção que elas trazem de uma leitura quantitativa e obrigatória abafando o prazer. Diante dessas informações poderíamos concluir que o objetivo dos alunos é a busca de uma leitura por fruição, não fossem as vozes que permeiam a sua fala. Conforme amplamente analisado nos questionário, os alunos têm uma boa prática e uma boa concepção em relação ao gosto e o prazer pela leitura e sobre o que vem a ser o bom leitor, mas não se assumem como sendo bons leitores em função do único referencial que têm sobre leitura, aquele vindo da sociedade e da escola, que por sua vez, vem continuamente, repetindo as mesmas concepções e práticas de leitura, o que não tem gerado um amadurecimento por parte dos alunos. Concluímos que estes alunos, mesmo que instintivamente, estão no caminho certo buscando o prazer pela leitura qualitativa da variedade de gêneros. Os gêneros e a paixão pelos gêneros fazem com que os alunos leiam. Ao colocar a quantidade, que se torna mais constante que a qualidade, prezando uma leitura única, a escola instala a obrigação sabotando este gosto e as condições em que a leitura pode se dar, desfavorecendo a formação do bom leitor.

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As informações extraídas da análise dos manuais do vestibular reforçam os conceitos enraizados nos alunos a respeito do bom leitor e do gostar de ler. Mostrando que a escola coloca a leitura pelo gênero literário clássico não valorizando as demais variedades de gêneros. Os manuais confirmam e mantêm essa prática da escola, que gera a elitização dos vestibulares, o que de certa forma também causa um desfavorecimento na formação do leitor. A escola para resolver essa questão poderia criar um espaço de negociação entre ela e o aluno ao definir uma metodologia e prática efetiva de leituras, dando ao aluno uma liberdade de participação e consequentemente abrindo caminho para o trabalho com o gênero literário clássico, minimizando assim a obrigação. Com este caminho aberto, a escola faria uma interação entre os gêneros primários e os secundários efetivando essa aproximação com os alunos. Como sugestão para continuidade deste trabalho, consideramos importante que seja feito posteriormente, também com professores, uma análise com o intuito de pesquisar estas concepções por parte deles. Fechamos nossa conclusão com esse fragmento de SILVA:

A passos largos, temos de imediatamente construir uma atmosfera de interlocução na sala de aula para que as atividade de ler não ofusquem as atividades de falar, discutir, contar, debater, ouvir, escrever, etc. Atividades que, frontalmente e a passos largos, podem destruir a pedagogia do silêncio em nossas escolas e permitir que as vozes dos sujeitos estudantes possam ser cruzadas, intercambiadas em esquemas de comunicação autêntica, menos artificiais, postiços, conservadores e autoritários. (SILVA, 2002, p.14)

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BIBLIOGRAFIA BAKHTIN, Mikhail. Estética da criação verbal. São Paulo: Martins Fontes, 2000 e 2002. ______. Marxismo e filosofia da linguagem. 8 ed. São Paulo: Hucitec, 1992. BAMBERGER, Richard. Como incentivar o hábito de leitura. 7ª ed. São Paulo: Ática, 2002. BARROS, Diana. L. P. de. Dialogismo, polifonia e enunciação. In: Diana Luz Pessoa de Barros; José Luiz Fiorin. (org.). Dialogismo, polifonia e intertextualidade. Em Torno de Bakhtin. São Paulo: 1997. BRANDÃO, Helena N. (org.). Gêneros do discurso na escola. São Paulo: Cortez, 2003. v. 5. BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Média e Tecnológica. Parâmetros Curriculares Nacionais: Ensino Médio. Brasília: MEC, 1999. KRAMER, Sônia & LEITE, Maria Isabel. Infância: fios e desafios da pesquisa. Campinas: Papirus, 1996. LAJOLO, Marisa. Do mundo da leitura para o mundo da leitura. 6ª ed. São Paulo: Ática, 2004. LOPES – ROSSI, Maria A. G. (org.). Gêneros discursivos no ensino de leitura e produção de textos. Taubaté – SP: Cabral, 2002.

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OLIVEIRA, Carlos A. de. Estudos em lingüística aplicada sobre o ensino da Língua Portuguesa. Taubaté – SP: Cabral, 2004. SILVA, Ezequiel T. da. A produção da leitura na escola. Pesquisas X Propostas. 2ª ed. São Paulo: Ática, 2002. ZILBERMAN, Regina & SILVA, Ezequiel T. da. (orgs.). Leitura perspectivas interdisciplinares. 2ª ed. São Paulo: Ática, 1991.

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ANEXO 1 Questionário 1 – Como você define alguém que gosta de ler? 2 – Quando é que a gente lê por prazer? 3 – Você costuma ler? O que a leitura proporciona a você? 4 – A leitura para você, é uma obrigação ou um prazer? Por quê? 5 – Que tipo de leitura, dentre estas, você gosta mais (pode assinalar mais de uma opção): a) jornal f) poesias b) revista g) livros literários c) romance h) livros de terror d) romance policial i) livros de ficção e) quadrinhos j) livros de disciplinas literárias k) outros 6 – O que é um bom leitor em sua opinião? 7 – Em sua opinião o bom leitor é aquele que lê um único tipo de leitura (leitor quantitativo), ou aquele que lê vários tipos de leitura (leitor qualitativo)? Por quê? 8 – Você se considera como alguém que gosta de ler? Por quê? 9 – Você se considera como alguém que lê por prazer? Por quê? 10 – Com que freqüência você costuma ler? a) uma vez por semana

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b) duas vezes por semana c) todos os dias d) raramente e) nunca 11 – Quantos livros você já leu este ano? Cite quais. 12 – Defina com suas palavras o que é gostar de ler.

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Lê gêneros variadosBusca conhecimento e informaçãoInteligente e cultaPossue boa escrita e bom vocabulárioLê por prazer

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Quando gosta de lerQuando escolhe a leitura pelo interesseQuando a leitura não é uma obrigaçãoQuando precisa ficar informado

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Aquele que lê e interpreta o que leuAquele que lê vários gênerosAquele que lê por prazerAquele que busca conhecimento e aprendizagem

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ANEXO 3 Lista de livros citada na questão 11 como leituras feitas pelos alunos:

Assassinato na Academia Brasileira de Letras;

Gramática; Bíblia; O Primo Basílio; Recordações do escrivão Isaías

Caminha; Harry Potter (citado 3 vezes); Rei Arthur; Capitães de areia; Paulicéia desvairada; Lira dos vinte anos; As mil e uma noites; Um girassol na janela; Marca de uma lágrima; Brida; Esmeralda; O livro da bruxa; Angústia; Triste fim de Policarpo Quaresma; Primeiras viagens de Ernesto Che

Guevara; Os cem melhores poemas do

século; O exorcista; Portão do paraíso;

Coleção Romance: Paixão ardente;

O mulato; O andróide; A Moreninha; O auto da compadecida; O espelho; Memórias póstumas de Brás

Cubas; Nas margens do rio Piedra; O guia prático da paquera; O menino do dedo verde; A cara pintada; Deixado para trás 4; O diário da menina; O estrangulador; O auto da barca do inferno; Adolescência; 117 maneiras de seduzir uma

mulher; O mistério de Marie Roget; À espera de um milagre4; Pai rico pai pobre (citado 2

vezes); O código Da Vinci; Complexo de Portnoy;

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Quem mexeu no meu queijo; O leão e a feiticeira; O guarda roupa; Os anéis mágicos; Decamerom; A divina comédia; A viagem de Théo; O quinze; Coração de andróide; Avião tráfico de drogas; Estação Carandiru; Rota 66; Revolução dos reféns;

O poderoso chefão; Onze minutos; O nariz e suas crônicas; Jovem o caminho se faz

caminhando; Robson Crusoé; Soldado da paz; A 2ª guerra mundial; O senhor dos anéis; Crime e castigo; A disciplina do amor; Casa de pensão.

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ANEXO 4

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ANEXO 5

Este anexo contem os gráficos das perguntas 3, 4, 5, 7, 8, 9, 10, 11 e 12, que completam, com os três gráficos anteriores das perguntas 1, 2 e 6, o questionário aplicado aos alunos do ensino médio para a análise do nosso trabalho.

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Prazer e divertimentoConhecimento e aprendizagemImaginação e criatividadeMelhoria da escrita e do vocabulário

3 – Você costuma ler? O que a leitura proporciona a você?

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PrazerObrigaçãoOs dois

4 – A leitura para você, é uma obrigação ou um prazer? Por quê?

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Jornal RevistaRomance Romance PolicialQuadrinhos PoesiaLivros Literários Livros de TerrorLivros de Ficção Livros de disc. EscolaresOutros

5 – Que tipo de leitura, dentre estas, você gosta mais:

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QualitativoQuantitativoOs dois

7 – Em sua opinião o bom leitor é aquele que lê um único tipo de leitura ou aquele que lê vários tipos de leitura?

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Sim NãoMais ou menos

8 – Você se considera como alguém que gosta de ler? Por quê?

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SimNãoMais ou menos

9 – Você se considera como alguém que lê por prazer? Por quê?

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1 vez por semana2 vezes por semanaTotal os diasRaramenteNunca

10 – Com que freqüência você costuma ler?

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Um a quatroCinco a oitoVáriosNenhumOutras leituras

11 – Quantos livros você já leu este ano?

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É buscar conhecimento e aprendizagemÉ se interessar pela leituraÉ ler por prazerÉ dar asas à imaginação

12 – Defina com suas palavras o que é gostar de ler.