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ADRIANO FRANCO DE OLIVEIRA
MICHEL HENRY: CONSIDERAÇÕES SOBRE UMA
FENOMENOLOGIA NÃO INTENCIONAL
Texto como exigência parcial para a conclusão
da disciplina de Pós-graduação “Fenomenologia
da Vida em Michel Henry e as Psicoterapias” do
programa de Psicologia Clínica do Instituto de
Psicologia da Universidade de São Paulo –
IPUSP
Responsáveis: Profª. Drª Florinda Martins
Profª. Drª Karin Hellen Kepler Wondracek
Profª. Drª. Andrés Eduardo Aguirre Antúnez
SÃO PAULO
2012
A proposta de desenvolver um texto a partir das aulas ministradas do curso
"Fenomenologia da Vida: Michel Henry e as psicoterapias” ministrado pela Prof.ª
Florinda é uma oportunidade de refletir sobre um encontro que, embora breve e inicial,
trouxe contribuições profundas a minha forma de pensar a Fenomenologia. Para esta
atividade utilizarei como fio condutor de minhas compreensões o texto “Por uma
fenomenologia não intencional” de Henry (2006).
Recentemente, após participar do curso de "Fenomenologia de Edmund Husserl
e Edith Stein: psicoterapia e psicoterapia" pude deparar-me com o rigor do método
fenomenológico e a necessidade de suspender os a priori e de reconhecer meu não
saber.
Embora sejam necessárias adequações de termos e noções dos estudos realizados
no campo da filosofia para o da pesquisa empírica, o retorno às coisas mesmas, ou seja,
a volta ao mundo-vida da Fenomenologia apontou-me outras possibilidades para o
estudo científico, pensando o fenômeno e seu aparecer.
No campo filosófico o pensamento original de Husserl certamente possibilitou
aos seus discípulos - contemporâneos e outros que tiveram contato com sua obra - novas
formas de pensar a Filosofia, inclusive a própria Fenomenologia. Ao entrar em contato
com o pensamento de Edith Stein, por exemplo, ficou claro que existem compreensões e
propostas convergentes, pontos de aprofundamento e diferenças com seu mestre
Husserl. Por outro lado o Heiddeger, também discípulo de Husserl, construiu uma
filosofia original afastando-se da Fenomenologia Clássica, a Husserliana. Há outros
autores como Merleau Ponty e Sartre, que influenciados por Husserl e também por
Heiddeger, defenderam teses importantes dentro de pensamento fenomenológico e
também existencial. (BELLO, 2000)
Neste ponto a Fenomenologia da Vida de Michel Henry não se confunde com a
produção de outros fenomenólogos franceses. Em seu texto “Por uma fenomenologia
não intencional”, o autor perfaz o caminho de repensar criticamente a Fenomenologia,
percurso feito por outros filósofos, a partir da Fenomenologia de Husserl. No entanto,
Henry propõe algo novo à Fenomenologia.
Durante o curso com a Prof.ª Florinda, o Prof. Andrés Aguirre sugeriu a leitura
do texto de Henry, adiantando que ao lê-lo uma primeira vez não pôde compreendê-lo
totalmente e que apenas ao fazê-lo pela terceira vez começou a clarificar o que propõe
Henry. O professor comentou que Henry possui um vocabulário muito novo e próprio.
Pude constatar isto, após ler várias vezes e não conseguir avançar, pois alguns termos
eram para mim desconhecidos e específicos da linguagem fenomenológica de Michel
Henry.
Então, apresentarei algumas considerações a partir das aulas com a Prof.ª
Florinda e de algumas interrogações que tive e que ora utilizarei para continuidade deste
texto. A primeira interrogação que me apareceu foi: por que uma fenomenologia não
intencional? E outra que a completa: é a Fenomenologia da vida uma proposta
diferente a ponto de ser outra Fenomenologia?
Segundo Henry, a pretensão ousada e crítica de uma Fenomenologia não
intencional é rever como a fenomenalidade se fenomeniza, sendo isto o que a
Fenomenologia Husserliana deixa escapar. Para Henry, uma crítica à fenomenalidade
importa a toda Filosofia, pois esta se desenvolve a partir de pressupostos
fenomenológicos, quer conscientemente ou inconscientemente. Para o autor isto abre
novas possibilidades, pois: “(...) conceber a fenomenalidade de outro modo é, no mesmo
movimento, não apenas obrigar a uma nova maneira de pensar, mas simultaneamente
abrir novos campos de investigação” (HENRY, 2006, P.2).
Compreendido isto: que a Fenomenologia não intencional de Henry contrapõe
de maneira crítica à Fenomenologia intencional. Para tal, vemos que o autor aponta um
ir às coisas mesmas dentro da própria Fenomenologia, pois para ele discutir o
fundamento intencional e o não intencional desta é abordar seu objeto: o aparecer, a
fenomenalidade.
Desta forma, Henry descarta a noção de que a Fenomenologia originalmente
como um Método, pois o método só pode elucidar aquilo que lhe aparece, ou seja, é o
próprio aparecer que torna o método possível e não o contrário. O autor aponta que para
a Fenomenologia clássica em sua máxima “toda consciência é consciência de alguma
coisa”, temos o objeto original da fenomenologia (o aparecer, a consciência)
desconfigurado, pois não se trata mais somente do aparecer, mas o aparecer de “alguma
coisa”, o aparecer do ente. Ora, o ente é incapaz de fenomenalizar-se, de tornar-se
fenômeno. O aparecer fica então distante de si, volta-se para fora – surge a
intencionalidade.
A questão da intencionalidade é arrematada da seguinte forma pelo autor:
é somente fora da intencionalidade, independentemente de todo o horizonte
extático de visibilidade que se cumpre a Arqui-Revelação constitutiva do
auto-aparecer do aparecer. Arqui-Revelação porque, dando-se fora do Ek-
stasee independentemente dele, realiza-se «antes» dele. Esta Arqui-
Revelação enquanto um auto-aparecer é, realmente, o mais misterioso, mas
também o mais simples e o mais comum; é aquilo que toda a gente conhece –
a vida. (HENRY, 2006, p.13)
Para Henry a vida é fenomenológica, no sentido que é criadora de
fenomenidade. O autor, de maneira para mim surpreendente, declara:
A fenomenalidade surge originalmente ao mesmo tempo que a vida, sob a
forma de vida e de nenhuma outra maneira. A fenomenalidade acha a sua
essência original na vida porque a vida experiencia-se a si mesma [s’éprouve
soi-même], de tal maneira que este experienciar-se é o auto-aparecer do
aparecer. (HENRY, 2006, p.13)
O pensamento de Henry não é possível esgotar em um texto, ou mesmo uma tese
– quem sabe inúmeras delas. Para mim o motivo disto é o que foi dito em todo o curso
pela Profª Florinda, Prof.Andrés e Prof.ªKarin: a Fenomenologia da vida de Henry abre
possibilidades, alimenta desafios de pretensão crítica, pois ela mesma assim se propõe,
numa tarefa futura, mas também do hoje.
REFERÊNCIAS
BELLO, A. A. A fenomenologia do ser humano. Bauru: EDUSC, 2000, p.33-50
HENRY, M. Fenomenologia não-intencional: tarefa para uma fenomenologia futura. Lusofia:press. Tradução: José Rosa. Disponível em: <www.lusofia.net> Acessado em 3 de dezembro de 2012.