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1 PROGRAMA MEDIAO DE CONFLITOS DA SECRETARIA DE ESTADO DE DEFESA SOCIAL DE MINAS GERAIS: DELINEANDO UMA METODOLOGIA EM MEDIAO INDIVIDUAL E COMUNITRIA

Ariane Gontijo Lopes LeandroPsicloga. Especialista em Polticas Pblicas. Coordenadora do Programa Mediao de Conflitos/ Superintendncia de Preveno Criminalidade Secretaria do Estado de Defesa Social Governo de Minas Gerais.

Giselle Fernandes Corra da CruzAdvogada. Supervisora Metodolgica do Programa Mediao de Conflitos / Superintendncia de Preveno Criminalidade Secretaria do Estado de Defesa Social Governo de Minas Gerais.

SUMRIO: 1. Apresentao. 2. Pressupostos conceituais: a base terica da metodologia. 3. O mediador. 4. Mediao-atendimento. 4.1. Elementos que compem o procedimento de mediao. 4.2. Prtica da mediao-atendimento. 5. Mediao comunitria. 5.1. Mediao comunitria e seus trs pilares. 5.2 Organizao comunitria: princpios e fundamentos. 5.3. Coletivizao de demandas. 5.4. Mediao coletiva: procedimentos metodolgicos na mediao comunitria. 6. Organizao da prtica do Programa Mediao de Conflitos. 7. Resultados alcanados. 8. Concluso. 9. Referncias bibliogrficas.

1. Apresentao

O presente trabalho versa sobre os pressupostos tericos e metodolgicos que embasam a formulao do Programa Mediao de Conflitos, desenvolvido pela Superintendncia de Preveno Criminalidade, rgo da Secretaria de Estado de Defesa Social no mbito do governo de Minas Gerais. Este programa sustenta-se em uma

metodologia que busca contribuir para a minimizao de conflitos, riscos sociais e violncia, e est sendo aplicado em contextos e reas sociais especficas no Estado de Minas Gerais. Ser enfatizado o carter participativo, dialgico e inovador do programa, caracterizado por implementar mecanismos de acesso justia social e transformao scio-poltica de pessoas, grupos sociais e comunidades com reduzido acesso a direitos humanos e fundamentais.

2 O Programa Mediao de Conflitos fundamenta a sua atuao em nveis individuais, coletivos e comunitrios. Abordaremos os marcos tericos que sustentam as aes nestes nveis e que compreendem os quatro eixos orgnicos ou frentes de atuao do programa, assim denominados: mediao atendimento, mediao comunitria, aes/ projetos temticos e projetos institucionais. Esses eixos so capazes de orientar as demandas apresentadas pelas populaes moradoras dos aglomerados urbanos, bairros, vilas e favelas, no que diz respeito s questes que se relacionam direta ou indiretamente ao exerccio da cidadania, bem como na garantia dos direitos humanos destes segmentos sociais.

Os conceitos basilares que sustentam o programa Mediao de Conflitos so originrios da atuao do programa Plos de Cidadania 1, que funda sua proposta de trabalho e desenvolve metodologias capazes de atuar em contextos de excluso social. Assim afirma Miracy Gustin:Todos os problemas e necessidades fundamentais dessas populaes de extrema pobreza levaram o Programa a procurar alternativas para minimizao ou superao dos riscos e danos que acometem esses segmentos sociais diuturnamente, alm das inmeras violncias que conturbam a tranqilidade das famlias, grupos sociais e indivduos dessas localidades. (2005:10)

O Programa Plos de Cidadania pauta-se nos ensinamentos de tericos como Boaventura de Sousa Santos (2005), Habermas (1989) e Thiolent (2000). A partir desta leitura que se fez possvel desenvolver o Programa Mediao de Conflitos no contexto das polticas pblicas de preveno criminalidade no mbito do atual Governo do Estado de Minas Gerais. Um elemento importante que vale ser ressaltado diz respeito (re)construo da metodologia dentro da estrutura poltica do governo, ou seja, esta ganhou novos arranjos institucionais que aperfeioam a prtica do programa para a leitura e enfrentamento da(s) violncia(s) social(is). Mesmo a base terica do programa se pautando nas elaboraes do Programa Plos de Cidadania, foi possvel acrescentar novos elementos mesma a partir da prtica de trabalho enquanto poltica pblica de preveno criminalidade.

1

Programa de Pesquisa e Extenso desenvolvido no mbito da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais.

3 2. Pressupostos conceituais: a base terica da metodologia

O marco terico que sustenta a concepo do Programa Mediao de Conflitos, est fundamentalmente ligado construo de sua metodologia. Para Thiollent (2000: 25), metodologia a disciplina ou mesmo o instrumento que estuda os mtodos e tambm considerada a forma indicada de se conduzir o processo de determinada ao e ou atividade. O conceito de pesquisa e os mtodos adotados pela metodologia do programa so escolhidos a partir da concepo elaborada pelo autor citado, pois apresenta a pesquisa-ao no campo das cincias humanas e sociais, a qual pode ser definida como um tipo de pesquisa social com base emprica, cuja concepo baseada na estreita relao (associao) com uma atividade (ao) por meio da resoluo de um problema (individual, coletivo ou comunitrio), na qual os pesquisadores (ou mesmo o agente tcnico) e os participantes representativos da situao ou problema se envolvem de modo cooperativo ou participativo. Este norte metodolgico inerente ao conceito de pesquisa-ao o que garante o cunho participativo e dinmico do programa.

Estudos de tericos das cincias humanas, sociais e econmicas nos apresentam outro norte conceitual que est estreitamente ligado fundamentao metodolgica do programa, a Teoria do Capital Social. So muitos os autores que se debruam sobre a concepo de Capital Social, portanto apresentaremos um delineamento do conceito, bem como de seu incremento metodologia do programa Mediao de Conflitos.

A maioria das abordagens sobre capital social toma como referncia as contribuies de Bourdieu (1984), Coleman (1990), Putnan (2000), alm de outras mais recentes de autores como Fukuyama e estudos elaborados por organismos internacionais, como o Banco Mundial e a Comisin Econmica para la Amrica Latina y el Caribe (CEPAL). Mas sabe-se que autores anteriores a estes experimentaram o conceito de capital social e ousaram capt-lo e express-lo de maneiras distintas. Podemos nos referir a Lyda Hanifan (1920), quando a autora utiliza o termo pela primeira vez em 1916, para descrever centros comunitrios de escolas rurais. J na dcada de 60, Jane Jacobs (1961) utiliza a expresso em uma de suas obras para analisar as redes que existiam nas reas urbanas e que constituam uma forma de capital social, que por assim dizer, encorajava a segurana pblica. Entretanto, mesmo com a ampliao da discusso do conceito de capital social e sua vasta expresso em contexto mais atual, Fukuyama apud Stein (2003:173) afirma que Talvez o maior terico do capital social

4 tenha sido algum que nunca usou a expresso, mas compreendia sua importncia com muita clareza: o aristocrata e viajante Alxis de Tocqueville. (Fukuyama apud Stein, 2003: 173). Para Fukuyama (apud Stein, 2003: 181) na medida em que atitudes de autonomia materializam-se em forma no-hierrquica de relacionamento humano e, medida que atitudes democrticas correspondem a modos no-autocrticos de regulao de conflitos, sendo marcados pela horizontalizao das relaes, o capital social encontra campo propcio para sua produo, acumulao e reproduo.

Um dos autores que identificamos pela proximidade com o marco metodolgico do programa Bourdieu (1984). Este autor nos ensina que, diante de uma linguagem comum, denomina-se capital social ao conjunto de relaes que se estabeleam e que se mantenham nos fatos sociais mais importantes e relevantes. Para o autor, nas instituies, sejam elas associaes, clubes ou mesmo famlia, que se mantm, transmite e acumula o estoque de capital aqui referido. Ento, diante desta definio podemos analisar o conceito de capital social a partir do contexto das relaes e das redes sociais que um ou vrios atores mobilizam em proveito prprio e ao mesmo tempo mtuo.

Teremos, segundo Gustin (2005), o conceito de capital social aplicado a uma diversidade de variveis que contribuiro para seu incremento em um sentido emancipador. A autora descreve a construo de capital social2

aplicado aos estratos sociais de pobreza ou

indigncia, como capaz de possibilitar oportunidades de participao, diminuio e minimizao de danos e privaes, o que propiciar o engajamento de modo autnomo, bem como ampliar os leques de criatividade e interatividade de pessoas, grupos e comunidades em situaes de desvantagem social. Para tanto, o programa Mediao de Conflitos, se atm a um entendimento deste conceito aliando-se percepo do programa Plos de Cidadania, onde se afirma que Capital Social significa: A existncia de relaes de solidariedade e de confiabilidade entre indivduos, grupos e coletivos, inclusive a capacidade de mobilizao e de organizao comunitria, traduzindo um senso de responsabilidade da prpria populao sobre seus rumos e sobre a insero de cada um no todo. (2005: 11)

Como dito anteriormente, as reas de atuao do programa Mediao de Conflitos caracterizam-se pelo alto nvel de excluso social, carncias de acessos a bens e servios2

Sobre a teorizao e incremento de capital social ver GUSTIN, Miracy. Resgate dos direitos humanos em situaes adversas de pases perifricos. 2005, p. 27.

5 pblicos que possam garantir minimamente a existncia e o desenvolvimento humano de forma digna. nesse contexto de excluso econmica e social que nos deparamos com um panorama de violaes cotidianas dos direitos humanos e fundamentais, que, por sua natureza, so inviolveis e irrenunciveis.

Segundo Alexandre de Moraes, O conjunto institucionalizado de direitos e garantias do ser humano que tem por finalidade bsica o respeito a sua dignidade, por meio de sua proteo contra o arbtrio do poder estatal e o estabelecimento de condies mnimas de vida e desenvolvimento da personalidade humana pode ser definido como direitos humanos fundamentais. (apud CHIARINI JUNIOR, 2003: 02). Para que esses direitos e garantias sejam efetivamente exercidos, necessrio um somatrio de fatores, que vo desde a atuao do Poder Pblico, por meio de mecanismos coercitivos e assecuratrios de tais direitos, que passam pelas polticas pblicas pautadas pela igualdade de acesso a bens e servios, at a atuao das populaes dessas localidades no sentido de conhecer seus direitos, reconhec-los em meio ao cenrio de excluso, exerc-los e reivindic-los sempre que necessrio. Nas palavras de Gustin:O resgate dos direitos humanos em localidades de extrema excluso (favelamentos) e de periferias e, inclusive, de pases tambm perifricos, exige que seja atribudo s populaes dessas localidades o status de sujeito de sua prpria histria, no interior de um processo pedaggico edificante e emancipador. H que se instaurar um processo onde as pessoas tornam-se atores conscientes de sua excluso e de seus riscos e danos e das suas possibilidades de soluo. S assim, e exclusivamente assim, que a adversidade pode ser superada ou minimizada. (2005: 40)

A autora compreende que o resgate dos direitos humanos em tais contextos possvel atravs de aes que estimulem processos de conscientizao de pessoas, grupos e comunidades em contexto de excluso social, sendo possvel o empoderamento de suas organizaes e redes sociais para a viabilizao, fomento e incremento de capital social e humano, visando minimizao de misrias, violncias e riscos sociais.

A partir destes pilares que a metodologia se pauta, ou seja, com base na proposta de constituio de capital social, da formao de redes mistas e atravs da resoluo de conflitos pela metodologia da mediao que se desenvolve a prtica de trabalho do programa

6 Mediao de Conflitos. A mesma autora afirma que toda esta proposta que permeia o marco metodolgico do programa, estrutura-se a partir de trs ncleos temticos fundamentais: cidadania, subjetividade e emancipao. nesse sentido que o programa desenvolve junto a estas populaes suas aes, que se desdobram no acesso a informaes, nos mecanismos de efetivao dos direitos humanos atravs do exerccio dos mesmos, na ampliao do acesso aos servios e bens pblicos, fomento s formas associativas, abordagem dos conflitos individuais, coletivos e comunitrios, abertura de espaos para conscientizao, discusso e enfrentamento dos fatores que expem pessoas aos riscos sociais atravs das diversas formas de violaes e violncias. Tudo isso se d atravs do estmulo participao da comunidade em seu prprio meio social como protagonista das proposies e das alternativas para minimizao das carncias e resoluo de seus problemas comunitrios, polticos e sociais.

A todos os fundamentos tericos descritos acima, que norteiam as aes desenvolvidas, somam-se as tcnicas de mediao, que d nome ao programa, e cujos princpios perpassam todas as nossas frentes de atuao. A tcnica de mediao, apesar de recentemente estar sendo estudada e discutida sua aplicao no Brasil, apresenta um histrico amplo de desenvolvimento e aplicao em outros pases, culturas e contextos. Podemos citar como exemplo a utilizao da tcnica de mediao em pases como Espanha, Frana, Portugal, Estados Unidos, Colmbia, Argentina, China, dentre outros, que adaptam a tcnica em diferentes contextos dentro das realidades especficas que se apresentam. Nas palavras de Vezzulla: A mediao uma tcnica de resoluo de conflitos no adversarial que, sem imposies de sentenas ou laudos e com um profissional devidamente formado, auxilia as partes a acharem seus verdadeiros interesses e a preserv-los num acordo criativo onde as duas partes ganham. (1995:15) Trata-se de uma alternativa, no no sentido de ser subjacente ou substitutivo ao sistema judicirio em sua funo de resoluo de conflitos e promoo da justia, mas de uma outra forma de se encontrar solues para conflitos e questes relacionadas ao acesso justia e aos direitos, de forma solidria, participativa e inclusiva. No debate de sua obra Sales (2004) defende a mediao como uma possibilidade de responder a um questionamento sobre o meio capaz de solucionar os problemas individuais e coletivos atravs do fomento participao ativa da sociedade de modo a exigir maior responsabilidade daqueles envolvidos nos problemas, incluindo-os socialmente e mitigando a excluso social. Para tanto, a mediao baseia-se na comunicao dialgica e colaborativa, em que as solues possam ser

7 construdas pelas prprias pessoas envolvidas em determinada situao, seja em seu cunho conflitivo ou mesmo atravs da composio do dilogo entre grupos culturais, associaes, dentre outras entidades comunitrias.

Especificamente no contexto em que se desenvolvem as aes do programa, um dos nossos objetivos o de disseminar o que chamamos de cultura de mediao como uma sada mais solidria, pacfica, eficaz e responsvel, onde se possvel vivenciar os conflitos interpessoais e coletivos, transcendendo a soluo de controvrsias, visto que exterioriza a viso positiva e transformadora do conflito, facilitando o dilogo entre os indivduos, prevenindo controvrsias e contribuindo para a incluso e a paz social. (SALES, 2004:14)

Nos prximos tpicos apresentaremos com detalhes a metodologia aplicada em nossa experincia. Faremos adiante a apresentao dos dois primeiros eixos orgnicos que caracterizam a prtica. Iniciaremos, para melhor compreenso do leitor, a definio de um dos agentes desta poltica, ou seja, o mediador, para ento apresentar a Mediao-Atendimento e a Mediao Comunitria com base em suas ferramentas estratgias de trabalho.

3. O mediador

Todas as aes propostas pelo Programa Mediao de Conflitos, como apresentaremos no decorrer do artigo, so desempenhadas localmente nos Ncleos de Preveno Criminalidade por equipes integradas de profissionais graduados e por estagirios das reas do Direito, Psicologia e Servio Social. Para a realizao e desempenho das aes do programa, as equipes de trabalho recebem formao contnua sobre a tcnica de mediao adaptada ao contexto especfico das comunidades nas quais o programa atua e na perspectiva da preveno social s violncias e criminalidades. Contamos com a qualificao destes profissionais para o exerccio do papel de ser mediador. Assim, podemos dizer que, enquanto os participantes, tambm chamados de demandantes ou envolvidos so os principais atores e elementos do processo de mediao, o mediador o elemento essencial no que diz respeito caracterizao da mediao. No existe mediao sem a figura da terceira pessoa, o mediador, ou mesmo no h mediao em espaos onde as pessoas no legitimam a proposta figurada pelo lugar do mediador, o que pode ser visto nas palavras de Sales: O condutor da mediao de conflitos denominado mediador terceiro imparcial que auxilia o dilogo entre as partes com o intuito de transformar o impasse apresentado, diminuindo a

8 hostilidade, possibilitando o encontro de uma soluo satisfatria pelas prprias partes do conflito. (2004:79) O papel do mediador , alm de compor um espao simblico entre os participantes, cujos interesses num dado momento no necessariamente so convergentes, tambm o de fazer surgir um espao aberto, propcio, nas palavras de Six (2001: 220), ao estabelecimento de ligaes entre aqueles que suscitam juntos uma nova maneira de ser ou agir.

Encontramos sempre na literatura a caracterizao do mediador como um terceiro imparcial, ou seja, sem tendncias para esta ou aquela verso ou pretenso. H, porm, uma definio que consideramos mais apropriada ao papel do mediador, que se refere ao mediador como um terceiro multi-parcial3, ou seja, o mediador desenvolve um potencial de habilidades onde so reconhecidas as verses e razes de cada um dos participantes, e deve assegurar o espao do reconhecimento mtuo de um e de outro ponto de vista, conduzindo o caminho para as sadas e solues apresentadas e pactuadas por eles. O mediador um catalisador dos discursos enunciados pelos participantes, uma vez que ele auxilia os mesmos a descobrirem seus reais interesses, abrindo espao para o dilogo, para intercompreenso dos envolvidos no conflito e motivando a criatividade na busca de solues para a questo.

4. Mediao-Atendimento

Um dos eixos do Programa Mediao de Conflitos, a Mediao-Atendimento consiste, como o prprio nome sugere, no atendimento s pessoas que procuram o Ncleo de Preveno Criminalidade com uma ou mais demandas, sendo estas caracterizadas por um cunho individual, que envolve aspectos e objetos que em princpio no pertencem esfera do coletivo ou coletivizvel. em seu objeto que a Mediao-Atendimento se define. Os casos pertencentes esfera de ao do atendimento so caracterizados por um alcance mais individualizado, que se circunscreve a um mbito privado das relaes interpessoais e at mesmo, utilizando-se de uma noo ampla de conflitos, aqueles que demandam, para a sua soluo, a ampliao de acesso a informaes, bens e servios essenciais ao gozo e exerccio dos direitos humanos e fundamentais.

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Conceito adotado e desenvolvido pela experincia prtica do Programa Mediao de Conflitos da Secretaria de Estado de Defesa Social, desde sua implantao como poltica pblica em 2005.

9 A Mediao-Atendimento ocorre, via de regra, no espao fsico do ncleo e envolve todas as aes relacionadas ao desenvolvimento do processo de mediao. Estas aes englobam desde a recepo e acolhimento da pessoa que procura o ncleo, a escuta e registro do caso, o agendamento do retorno, as pesquisas realizadas para o conhecimento acerca de determinado direito, a tentativa de entrar em contato com a(s) outra(s) pessoa(s) envolvida(s), a escuta destas, o convite para o encontro dos participantes no ncleo, os atendimentos em conjunto com todos os envolvidos, a elaborao dos acordos e os encaminhamentos para a rede de proteo social parceira caso seja necessrio.

Vrias so as temticas que compem o objeto das mediaes, como por exemplo: questes relacionadas paternidade, alimentos, separao e divrcio, guarda de filhos, conflitos entre vizinhos, regularizao fundiria, questes penais, questes com o poder pblico, violncia e conflitos intra-familiares, questes trabalhistas, acesso a servios pblicos de sade mental, acesso aos diversos bens e servios pblicos, informaes sobre benefcios previdencirios, dentre outros diversos temas que fazem parte da dinmica social.

O amplo leque de temticas que podem ser objeto das demandas trazidas aos atendimentos nos remetem reflexo de que no programa compreendemos a expresso conflito como aquele que decorre das relaes interpessoais, mas tambm num sentido mais amplo. Conflito refere-se tambm aos sintomas que se do pela falta de acesso a informaes sobre gozo dos direitos humanos, exerccio da cidadania, acesso a bens e servios pblicos. Tal abordagem ampla baseia-se no estabelecimento do Programa enquanto parte da Poltica de Preveno Violncia e Criminalidade, com a adoo de um modelo ecolgico de preveno prescrita no Plano Estadual de Segurana Pblica. Segundo este modelo, os conflitos geradores de violncias no possuem causas isoladas, mas decorrem de uma soma de fatores e desvantagens sociais que expem determinadas comunidades aos riscos e violncias. Tais fatores e desvantagens abordados pelo Programa podem ser classificados de acordo com as temticas citadas acima, dentre outras.

Dessa forma, as demandas individuais levadas aos ncleos podem referir-se a dois tipos de procedimentos: a mediao de um conflito propriamente dito e a orientao sobre determinado tema.

10 Os casos de mediao individuais so trazidos aos atendimentos por uma ou mais pessoas que apresentam uma questo, um assunto, ou mesmo um conflito em relao a uma ou mais pessoas fsicas ou jurdicas, ou com alguma entidade ou grupo. As orientaes, por sua vez, podem versar sobre os mais diversos temas como os que citamos e ainda sobre muitos outros, no prescindindo necessariamente de um conflito num sentido estrito da palavra. Geralmente as orientaes referem-se a acessos a informaes, ao exerccio de direitos e a encaminhamentos para servios pblicos.

O atendimento, seja ele de um caso de orientao ou de mediao de conflito, fornece elementos para que os prprios envolvidos se comprometam na busca da soluo das questes trazidas. Assim, h uma abertura para a apropriao do exerccio da cidadania pelas pessoas que vivem nessas comunidades. Estes objetivos so alcanados a partir da abertura do espao e da comunicao para a efetivao do acesso justia social, uma vez que a mediao representa a oportunidade para resoluo pacfica, dialgica, participativa, compreensiva e cidad dos problemas e conflitos nos quais se encontram os atendidos. O registro de cada caso feito na ficha de atendimento4, um instrumento que permite a identificao dos participantes da mediao, a coleta dos dados scio-econmicos dos atendidos pelo programa, a indicao da espcie de caso (mediao ou orientao), a classificao da demanda trazida, os relatos de todos os atendimentos, a identificao do mediador de referncia responsvel pelo andamento do caso, assim como permite o registro de relatos de violncia pelos participantes. Com base no estudo sistemtico das fichas de atendimentos a partir dos dados coletados pelos mediadores, possvel o reconhecimento dos perfis das demandas trazidas e do pblico atendido em cada localidade. O estudo de perfis uma das fontes utilizadas pelas equipes para orientao e desenvolvimento de projetos e aes temticas locais de forma integrada com os outros eixos de atuao e com os outros programas que compem o Ncleo de Preveno Criminalidade uma vez que nos permite identificar e apontar temas transversais e comuns atuao destes. Com base nos perfis so desenvolvidas tambm as coletivizaes de demandas, que consistem no tratamento coletivo das demandas que reiteradamente so levadas mediao-atendimento e que, em princpio,

4

No ms de outubro de 2007, iniciou-se a transio quanto ao instrumento utilizado para o registro das aes desenvolvidas pelo eixo Mediao Atendimento, devido implantao de um banco de dados para armazenamento e gerenciamento de informaes produzidas pelos Programas da Superintendncia de Preveno Criminalidade SEDS.

11 so trabalhadas individualmente, mas que com a recorrncia apontam para um fator de risco comunitrio. Este tema ser aprofundado no tpico da mediao comunitria.

4.1. Elementos que compem o procedimento de mediao

Ao propormos o delineamento da metodologia aplicada aos atendimentos de mediao, temos tambm que apontar os elementos que se apresentam diretamente no procedimento de mediao de conflitos. A introduo destes elementos neste tpico no quer dizer que so caractersticos somente do procedimento que se desdobra na MediaoAtendimento. Eles esto presentes na metodologia utilizada pelo Programa Mediao de Conflitos como um todo, tanto no procedimento especfico de Mediao-Atendimento quanto da Mediao Comunitria, aes e projetos temticos e institucionais. atravs desses elementos que a metodologia se materializa e se torna perceptvel, pois atravs deles que se executam as prerrogativas metodolgicas aplicadas.

Estes elementos so: os participantes, a demanda, o mediador (j trabalhado em tpico anterior), o dilogo e o tempo.

Os participantes: chamados tambm de envolvidos ou demandantes, so os principais atores e os elementos mais importantes no processo de mediao. Antes que a demanda aparea, seja esclarecida e que haja qualquer abertura para que a dupla de mediadores se apresente como terceira pessoa no processo de mediao, os participantes j existem. Via de regra, quando uma pessoa procura o programa, ela apresenta sua demanda, sua verso sobre os fatos a respeito do conflito. Este o primeiro momento do processo de mediao, que se instaura com a recepo e acolhimento da pessoa. o que chamamos de primeiro atendimento, ocasio na qual h o registro do caso em instrumento prprio.

Aps a escuta inicial, caso seja necessrio (e geralmente ), o participante retorna ao ncleo uma ou quantas vezes forem necessrias, num horrio pr-agendado com a equipe, para ser ouvido novamente. Nestas ocasies de retorno, vrios pontos so melhor esclarecidos tanto para o participante, quanto para a dupla de atendimento. Aps essa construo clara, juntamente com a pessoa, sobre suas intenes e interesses, abre-se o espao para que a(s) outra(s) pessoa(s) envolvida (s) assuma(m) sua posio de co-participante(s) ou codemandante(s) da mediao proposta, implicando-se no processo rumo composio e

12 resoluo da questo como conseqncia da transformao do conflito. Na mediao, o terceiro mediador deve primar pela preservao da igualdade entre os participantes.

Nas palavras de Sales, deve-se esclarecer a importncia dos indivduos em conflito encontrarem-se em igualdade de condies de dilogo. No possvel o encontro de deciso justa e satisfatria se houver manipulao do dilogo por uma das partes. (2004: 48).

Para os casos da espcie orientao, a pessoa que procura o ncleo demanda do programa uma informao ou ao que permita ou amplie o acesso a direitos, servios e bens.

A demanda: a demanda apresenta-se na prpria explanao da questo pelos envolvidos na mediao e, como vimos acima, geralmente apresentada pela pessoa que primeiro procura o programa. Porm, na tcnica da mediao, o discurso proferido pelo primeiro participante no encerra a questo, pois, no decorrer do processo de mediao, a questo trazida passa por transformaes. Como destaca Six (2001: 237), a mediao um processo dinmico, aberto, que permite novas relaes e a regulao de tenses e conflitos. Isso s possvel atravs do dilogo entre os participantes e o mediador e dos participantes entre si. A conduo do dilogo pelo mediador permite aos envolvidos na questo a reflexo sobre seus reais interesses, o que chamamos de conflito real. Geralmente a questo ou o conflito trazido inicialmente no passa de um conflito aparente. O papel do mediador o de conduzir os demandantes a refletirem sobre os diferentes aspectos que compem aquele conflito, levando-os a um processo de auto-reflexo sobre os reais interesses que motivam suas pretenses. Sales afirma que: Para descobrir os reais interesses das partes (...), o mediador deve realizar o trabalho de escuta e de questionamentos que auxilie a reflexo e que abra o discurso para novas possibilidades de abordagem.(2004:49)

A este exerccio conduzido pelo mediador, mas consumado livremente pelos participantes, damos o nome de desconstruo e reconstruo da demanda pelos prprios envolvidos, o que permite trazer tona os reais conflitos sobre os quais eles mesmos devero se debruar para a construo de uma soluo justa. A desconstruo e reconstruo da demanda fazem-se essenciais para que o acordo proposto e pactuado pelos participantes no se detenha em elementos superficiais, fazendo com que o real conflito permanea e se manifeste em outras oportunidades, perpetuando a relao conflituosa.

13 Outro aspecto relevante e que norteia as aes dos mediadores em relao demanda trazida que o conflito deve ser sempre retirado da cena principal, abrindo-se, assim, um leque de possibilidades de tratamento da questo. A competio deve ser evitada, afastada, e deve ser exaltado o interesse em harmonizar os participantes, buscando-se sempre a percepo da importncia de uma soluo pacfica para as questes.

Dilogo: Na introduo de sua obra, Six (2001) faz uma reflexo sobre o mito da comunicao-total que impera no tempo atual, em que as informaes circulam de maneira rpida e sem fronteiras, porm h a negao de toda a interioridade e toda a profundidade. Ele caracteriza o tempo em que h espao para a mediao como um tempo de dilogo e silncio verdadeiros. O mediador a ponte de ligao entre pessoas ainda desconexas em suas pretenses antagnicas ou divergentes. Ele quem suscita entre os participantes o dilogo construtor e verdadeiro, sem o qual no h possibilidades de se chegar a um acordo que verdadeiramente responda aos anseios de justia e soluo do problema. ele quem se utiliza da arte de estabelecer ligaes entre os envolvidos no conflito, atravs do dilogo e da abertura de oportunidades para que os mesmos se percebam mutuamente em seus anseios e sentimentos. a partir deste movimento que os prprios participantes suscitam sadas e solues colaborativas, no-violentas, criativas, participativas, co-responsveis, solidrias, respeitadoras de suas diferenas e que sejam duradouras.

Tempo: Todo o processo de mediao est intimamente ligado ao fator tempo. Desenvolve-se com o tempo a seu favor e no contra ele. Na mediao, no se pode prever um padro ideal de tempo no qual ela se desenvolva. Basta atentarmos para o fato de que todo o processo de argumentao pelos demandantes, da escuta qualificada, da (re) construo da demanda, do auto-convencimento e da intercompreenso, consistem em processos subjetivos, para os quais no h a possibilidade de se prever um tempo necessrio ou ideal para que sejam alcanados. Esse tempo depender de cada caso e do estgio em que os demandantes se encontram na percepo e entendimento das questes que trazem, assim como da disposio, da vontade dos mesmos em convergirem para um acordo. Quando no h a observncia do fator tempo, h grandes possibilidades de as partes no chegarem a um acordo ou do resultado ser superficial quanto ao objeto da demanda ou do conflito propriamente dito, no respondendo assim ao objetivo de conduo dos envolvidos ao acordo legtimo, duradouro e justo em relao ao quais os participantes se impliquem no compromisso de cumpri-lo.

14 4.2. Prtica da Mediao-Atendimento

Conforme exposto, as equipes de atendimento atuam no espao fsico do ncleo, que visto pela comunidade como um local de referncia. Quando uma pessoa procura o Programa Mediao de Conflitos, ela traz uma demanda, um problema, um conflito, uma dvida ou mesmo a curiosidade de conhecer o que funciona naquele local. D-se ento a recepo desta pessoa e um agendamento para o atendimento com a dupla de mediadores disponvel. No primeiro atendimento, se a pessoa ainda no conhece o programa, este apresentado pela dupla que realiza o atendimento esclarecendo as aes desenvolvidas.

Muitos procuram o programa demandando assistncia jurdica gratuita, pelo fato de ter conhecimento de que um advogado compe a equipe. Da mesma forma, ocorre tambm a procura pelos servios teraputicos do psiclogo. Na ocasio do primeiro atendimento, a dupla explica como funciona o programa, esclarece que os profissionais no advogam e nem realizam psicoterapia. Apesar de serem profissionais de vrias reas, incluindo aqueles do Servio Social e das Cincias Sociais, eles so, no programa, mediadores que se utilizam de seus conhecimentos especficos para o auxlio e conduo dos participantes na soluo de seus conflitos. Aps a explicao sobre o programa, o participante voluntariamente decide (ou no) pelo incio do procedimento da mediao. Caso sua demanda seja de orientao ou de encaminhamento para um servio, a dupla realiza esta orientao, e, dentro das possibilidades, faz os encaminhamentos necessrios para a rede parceira5. Os atendimentos dos casos de orientao podem demandar retornos dos atendidos para a realizao das aes acima descritas. Nos casos de mediao de um conflito 6, o primeiro participante relata o caso e sua verso sobre a questo trazida. Esse relato geralmente demanda mais de um atendimento com a mesma pessoa para que seja possvel a auto-compreenso e a construo do real conflito em questo. O mesmo procedimento realizado a partir do momento em que este participante autoriza o convite para que a(s) outras(s) pessoa(s) envolvida(s) participe(m) da mediao. A outra pessoa tambm ouvida sozinha pelos mediadores, o que tambm pode demandar mais de um atendimento. Aps essa fase, o ideal que os participantes se encontrem para o

5

6

A Rede parceira composta por instituies do poder pblico municipal, estadual e federal, e pelas organizaes no - governamentais que atuam na prestao de servios a populao. Sobre este procedimento, ver GUSTIN (2005:36).

15 estabelecimento de um dilogo mediado pela dupla de atendimento. Nesse momento, o papel do mediador de fundamental importncia para o sucesso da mediao. Ele deve conduzir o encontro de tal forma que o dilogo seja claro, sem manipulaes ou ofensas, sem a monopolizao da argumentao por um ou outro participante, ressaltando em que pontos eles divergem e em quais eles convergem, sempre abrindo espao para que eles mesmos apresentem sadas ou solues para o caso. Esses encontros com os participantes muitas vezes so tensos e demandam mais de um atendimento em conjunto e, se for necessrio, em separado novamente com cada pessoa, at que eles estejam maduros para a composio do conflito, tomando o cuidado de no pression-los para a concluso do acordo.

Prezamos sempre pelo encontro das pessoas envolvidas, pois nessa ocasio, que pode demandar um ou mais encontros, abre-se espao para dilogos verdadeiros, intercompreenso, escuta da verso e da pretenso diretamente entre os envolvidos. O trabalho em conjunto com os participantes fundamental e de grande contribuio para o processo de mediao e construo de acordos legtimos para ambos. Porm, h casos em que os participantes no se encontram, por assim optarem ou devido a outras impossibilidades, mas nem por isso a mediao descaracterizada. Mesmo nesses casos ainda possvel o trabalho de abertura de dilogo entre os envolvidos, e a utilizao das tcnicas de desconstruo e construo da demanda, conduo dos participantes a uma postura de responsabilizao na soluo da questo trazida e a concluso atravs de um acordo justo, realizado segundo a vontade dos participantes. Aps a realizao do acordo, a equipe ainda acompanha o caso durante trs meses aproximadamente para observar se est havendo o cumprimento ou no do acordo. Aps esse perodo, o caso encerrado.

Nos casos em que o acordo no realizado, apesar das tentativas, o mediador no deve perceber tal situao como uma tentativa frustrada, muito menos deixar que os participantes se retirem do procedimento com este sentimento. Devem ficar claros todos os avanos alcanados no processo, pois este envolve auto e inter-compreenso do conflito real, e abre espaos de dilogo que no estavam sendo explorados. Este meio do caminho, apesar de no poder ser medido, representa muitos ganhos que so, por sua vez, fundamentais e indispensveis para a transformao do conflito. As tcnicas utilizadas em cada etapa do procedimento de mediao constituem-se, segundo Gustin, num movimento pedaggico de transformao da situao conflituosa, pois envolve os participantes da mediao na coconstruo da soluo para o problema:

16Sabe-se que todo processo pedaggico sempre edificante, ou seja, ele sempre transformador, ele edifica porque constri novos parmetros para a decodificao da situao problemtica. Por ser um processo pedaggico, onde se aprende na argumentaoconvencimento, ele essencialmente libertador pois, qualquer processo de aprendizagem emancipa os seres das amarras do desconhecimento e da desinformao. Enfim, por ser um processo pedaggico, a mediao no s uma abordagem informativa mas, tambm, formativa. Por isso, cidad, isto , constitutiva de novas cidadanias. (2005: 17)

Por isso, a mediao no se resume realizao do acordo. Ela representa todo um processo, toda a tentativa dispensada para tanto. Em alguns casos, as partes retornam posteriormente ao programa para a retomada da mediao, numa clara demonstrao de parceria com o tempo.

5. Mediao Comunitria

A Mediao Comunitria est diretamente ligada ao conceito de coletividade(s) e de comunidade(s), consistindo no eixo do programa cujas aes abrangem as demandas relacionadas esfera comunitria, que em sua maioria so questes de mbito pblico. Assim, toda a realizao do trabalho acontece de acordo com a dinmica social de determinada localidade e no necessariamente sero utilizados os recursos e espaos fsicos dos Ncleos de Preveno Criminalidade, buscando-se privilegiar tambm os espaos j existentes nas comunidades(s), fomentando a organizao comunitria local.

O elemento primordial e que estrutura toda esta prtica comunitria criteriosamente desenvolvido pela metodologia em mediao, o que comum a todo o programa. Assim, com base nesta metodologia, a Mediao Comunitria desenvolve aes de expanso e articulao comunitria do programa, o que contribui para a sustentao e articulao da poltica pblica de preveno social criminalidade atravs dos Ncleos de Preveno Criminalidade. Vale ressaltar os conceitos tais como: pesquisa-ao, capital social, mobilizao social, emancipao, redes, comunidades e em especial direitos humanos e fundamentais, aliados diretamente concepo de mediao para compor o desenvolvimento deste eixo de atuao comunitrio. Diante desta perspectiva que se tornou possvel consolidar a prtica da Mediao Comunitria com base no engajamento poltico e de participao social de pessoas, grupos, associaes e entidades comunitrias. Sero apresentados nesta seo os

17 procedimentos utilizados no desenvolvimento das aes de expanso do programa, atribudas ao eixo Mediao Comunitria e que so caracterizados pelos seguintes objetivos: (a) mapear a organizao comunitria, (b) identificar as demandas apresentadas pelos atores locais, (c) agregar valores s organizaes comunitrias e potencializar os processos de emancipao dos mesmos, (d) fomentar a animao e constituio de redes sociais mistas e trabalhar fundamentalmente as noes de rede articulada s aes do Ncleo de Preveno Criminalidade, (e) cumprir a funo de expanso comunitria do Programa Mediao de Conflitos bem como da poltica de preveno criminalidade atravs do Ncleo de Preveno Criminalidade, (f) cumprir a funo de mediao de problemas comunitrios e tambm a resoluo de problemas coletivos e, assim, (g) contribuir para o processo de coletivizao de demandas.

Para desenvolver os objetivos citados acima, a metodologia utilizada pela Mediao Comunitria cumpre sua funo de preveno social criminalidade nos contextos sociais de atuao do programa a partir de trs pilares fundamentais, os quais so identificados por serem conceitos transversais e principalmente pela viso de acesso justia social, quais sejam: 1) fomento s organizaes comunitrias, 2) mediao de problemas coletivos e 3) coletivizao de demandas.

5.1. Mediao Comunitria e seus trs pilares

ORGANIZAO COMUNITRIA

MEDIAO COMUNITRIACOLETIVIZAO DE DEMANDAS MEDIAO COLETIVA

Trs pilares metodolgicos perpassam as aes da Mediao Comunitria. Vale ressaltar que estes pilares esto constitudos enquanto aes transversais, e no so vistos de forma linear, e sim advindos de uma complexa dinmica. Assim, os trs pilares esto interconectados de maneira circular e interdependente.

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5.2. Organizao comunitria: princpios e fundamentos

A Mediao Comunitria busca inicialmente conhecer os locais onde os Ncleos de Preveno Criminalidade so implantados e por meio deste pilar denominado organizao comunitria que o processo se inicia. Este conhecimento orientado pela equipe de trabalho local que mapeia o nvel e grau de organizao comunitria traando as caractersticas de cada realidade. Para isso, utilizado um mtodo de pesquisa que identifica o grau de protagonismo local, bem como o de solidariedade entre pessoas que constroem e reconstroem os modos de vida de cada realidade. A metodologia adotada para esse mapeamento se baseia na pesquisaao, o que segundo Thiollent citado em Neves (2006: 11) envolve trs momentos fundamentais: o conhecimento da realidade, visando sua compreenso e transformao dos problemas vividos pelos grupos excludos; a participao coletiva de todos os envolvidos; e a ao de cunho educacional e poltico destes grupos. Esta pesquisa desenvolve uma ferramenta primordial para garantir o conhecimento acerca das comunidades. Para tanto, desenvolvido o denominado Diagnstico Organizacional Comunitrio, que tem por objetivo geral traar o perfil comunitrio e mapear o grau de organizao da comunidade, ou seja, este procedimento permite conhecer e reconhecer os atores locais, identificados por meio das lideranas comunitrias, das associaes comunitrias, dos grupos organizados, das entidades comunitrias e religiosas, dentre outros agrupamentos e segmentos que se organizam naquela localidade. Aps este mapeamento, so apresentadas estas informaes para o (re)conhecimento dos atores locais acerca dos processos de organizao dos grupos comunitrios, lideranas comunitrias, associaes comunitrias, dentre os outros. proposta uma apresentao participativa para que os grupos e segmentos locais se organizem em torno dos problemas diagnosticados. neste intuito que a Mediao Comunitria trabalha com o processo de animao e constituio de redes sociais mistas, ou seja, esta organizao se dar por territrio e no por servios, e seu objetivo potencializar a participao cidad de determinados segmentos sociais e tambm estimular as interfaces entre os diferentes atores sociais comunitrios locais, grupos populares, entidades variadas e os diversos rgos pblicos. Dessa forma, a Mediao Comunitria atua na colaborao e sustentao de redes sociais mistas, promovendo encontros conjuntos, debates e reflexes diversificadas, ampliando o acesso a direitos fundamentais destes segmentos sociais.

19 Um dos elementos que constituem o fomento organizao comunitria o que denominamos mobilizao social, ou seja, como so pensadas estratgias que permitem viabilizar todo este processo de articulao comunitria que se dar por meio de aes direcionadas ou mesmo coordenadas. De acordo com os autores Henriques, Braga, Mafra:A mobilizao acontece em um contexto interativo, dialgico, que se define e se concretiza a partir das relaes estabelecidas entre os sujeitos, ou seja, em situaes de comunicao. O desafio da comunicao em projeto de mobilizao social o de ultrapassar os fluxos lineares de informaes e a simples divulgao. A comunicao s ser capaz de potencializar o trabalho de mobilizao se for concebida de uma maneira mais ampla, despindo-se do carter estritamente instrumental e operacional e revestindo-se de uma funo tica. Ela deve ser um instrumento de coordenao de aes e no um meio de controle de aes. (2002: 3).

Todo este processo garante um potencial contnuo de trabalho na(s) e com a(s) comunidade(s). Este pilar fundamental para garantir o marco terico e prtico do Programa Mediao de Conflitos e contribui diretamente na ao conjunta das diretrizes da poltica de preveno criminalidade. Esta noo de organizao comunitria basilar no conceito de capital social, pois a partir do contexto das relaes sociais e das redes sociais que um ou vrios atores se mobilizam em proveito prprio e ao mesmo tempo mtuo e que, assim, so extrados o acmulo e estoque de capital social, geradores de uma sociedade mais democrtica e igualitria na qual os atores sociais se reconhecem enquanto sujeitos de direitos e protagonizam as aes dos espaos pblico-comunitrios. Vale ressaltar que articulao comunitria e mobilizao social fazem parte de um processo, e no so um fim em si mesmas. Alm disso, no se caracterizam pela eventualidade e sim decorrem de um modo sistemtico e contnuo de viver e atuar.

5.3. Coletivizao de demandas

Entende-se por coletivizao toda e qualquer ao decorrente de questes que perpassam o envolvimento de mais de um indivduo no que diz respeito ao sentimento de pertena a determinada demanda. Estes vrios atores envolvidos pactuam da via coletiva para transformar dada circunstncia, compartilhando saberes e almejando o acesso aos direitos garantidos a todos, fomentando o exerccio da cidadania.

20 A coletivizao de demandas, de acordo com o marco metodolgico do Programa Mediao de Conflitos, se dar de modo integrado s aes da Mediao Atendimento, o que garante o elo entre os dois eixos de atuao do programa. Existem, assim, algumas hipteses de coletivizao: 1) quando a(s) demanda(s) chega(m) para a Mediao-Atendimento,

inicialmente como demanda(s) individual(s), e, aps analisada(s) e debatida(s) com a(s) pessoa(s) que procura(m) o programa, (so) percebida(s) como demandas de cunho comunitrio, esta(s) ser(o) abordada(s) de modo a ser(em) coletivizada(s). 2) Outra hiptese de se coletivizar demandas diz respeito recorrncia de casos individuais advindos de atores diferentes que so trabalhados pela Mediao-Atendimento. percebida uma reiterada busca das pessoas pelos mediadores para trabalhar questes particulares, como so a princpio. A equipe do programa percebe que os atores trazem suas demandas individuais contendo a mesma temtica, que o tema em questo aponta para um fator de risco social ou mesmo para uma abordagem coletiva. Desenvolvem-se assim as possibilidades de se coletivizar as demandas passveis de serem ampliadas7. Pactuamos com Henriques quando o mesmo define o processo de coletivizao como fator de mudanas e fonte de novas informaes:A coletivizao pode ser alcanada pelo sentimento e certeza de que no se est sozinho na luta pela mudana, h outros atuando com o mesmo sentido e propsito. Distingue-se da simples divulgao porque h um compromisso com os resultados espera-se que as pessoas no apenas tomem conhecimento da informao, mas incorporem-na de alguma forma, utilizem-na, compartilhem-na e tornem-se elas prprias fontes de novas informaes. (2002: 8)

Este instrumento da coletivizao de demandas fundamental para compor mais um alicerce do marco terico no qual se baseia a Mediao Comunitria, pois sua funo unificar valores, foras e estratgias de mobilizao de dado contexto, com o intuito de fomentar o surgimento de novos atores sociais ou fortalecer os j existentes.

7

Podemos citar como exemplo de coletivizao as demandas relacionadas violncia de gnero. Ao fazermos um estudo dos perfis dos atendimentos realizados pelo programa no ano de 2006, foi observada a recorrncia dos casos individuais relacionados a tal temtica. Ao percebermos o volume de tais demandas e a inadequao da abordagem de forma pontual, planejamos uma ao de coletivizao de tais demandas. Foi desenvolvido um Projeto Institucional entre a Superintendncia de Preveno Criminalidade (atravs de dois programas de preveno: Programa Mediao de Conflitos e a Central de Penas Alternativas) e um instituto especialista no assunto, no intuito de abordarmos tal temtica de forma coletiva, atravs de trabalhos com grupos nas comunidades. Dessa forma, esse fator de risco social (violncia de gnero) poder ser trabalhado de forma a aumentar sua eficincia dentro da perspectiva de preveno social violncia e criminalidade.

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importante salientar que muitas das demandas que so coletivizadas so trabalhadas por meio de parcerias com organizaes especializadas no tema, atravs de Projetos Institucionais que buscam envolver os diversos atores do Sistema de Defesa Social e a sociedade civil de modo geral. Importante destacar que nem todas as demandas so passveis de serem coletivizadas e que h que se pensar a estratgia tico-poltica especfica para cada coletivizao.

5.4. Mediao Coletiva: procedimentos metodolgicos na Mediao Comunitria

Como j exposto, os pilares de organizao comunitria e coletivizao de demandas esto absolutamente ligados ao cunho metodolgico que se prope na Mediao Comunitria. Neste sentido, os recursos e mtodos que viabilizam cada ao e sistemtica do programa esto sempre vinculados aos processos de mediao propriamente ditos. com base neste modelo de interveno que se pretende garantir a efetivao dos direitos humanos, a constituio de capital social e a emancipao de grupos sociais especficos. Assim, quanto mais se estimula o potencial local comunitrio para fins associativos, polticos e para composio de confiana mtua, mais se contribui no engajamento, emancipao e efetivao dos seus direitos, constituindo relaes sociais capazes de gerar sentimento de pertena, o que por sua vez servir de contribuio para a diminuio de situaes de violncia e violao(es) de direito(s), propiciando o acesso s alternativas de administrao de conflitos pela via pacfica e fomentando a constituio e o incremento de capital social.

A seguir, trataremos de expor mais elementos e procedimentos metodolgicos utilizados pela Mediao Comunitria na mediao de demandas de cunho estritamente comunitrio ou coletivo, alicerada na noo de coletivizao de demandas j exposta. Ressalta-se que muitas das questes pertinentes ao programa se definem in loco, por isso a metodologia no pretende fechar ou mesmo compor uma forma nica e linear de trabalho, mas sim introduzir um marco terico-conceitual e instrumental adequado para o manejo de tais questes, respeitando as diversidades e as dinmicas prprias das realidades sociais. importante salientar que os procedimentos metodolgicos utilizados pela Mediao Atendimento na conduo dos casos individuais so os mesmos utilizados na Mediao Comunitria para a conduo dos casos comunitrios, devendo-se apenas observar o que

22 peculiar e estratgico para se trabalhar cada caso dentro de sua especificidade, seja ele individual ou coletivo.

O papel dos mediadores no que diz respeito conduo das demandas comunitrias decorre de um processo intenso de mediao, que se d de diversas formas, no existindo uma nica maneira de se conduzir a mediao comunitria e sim um leque diversificado. pressuposto fundamental perceber que cada demanda nica e se organiza de modos diferentes. Os demandantes so sujeitos que percebem a realidade social de acordo com suas noes de contexto e, em especial, de direito. Para clarear a leitura acerca do acompanhamento de cada caso comunitrio, necessria a identificao de algumas etapas que fazem parte do processo de mediao comunitria, conforme podemos observar na ilustrao abaixo:Mediao Comunitria e seus processos

DILOGO

(RE) CONHECIMENTO DA DEMANDA MEDIAO COMUNITRIA: Acesso a direitos

PAPEL DO MEDIADOR

(RE) CONHECIMENTO DE QUEM SO OS PARTICIPANTES

FATOR TEMPO

Para cada eixo do programa, sejam as Mediaes-Atendimento ou mesmo as Mediaes Comunitrias, tanto os fatores tempo-dilogo quanto o papel do mediador so fundamentais para uma boa conduo da mediao. Em especial o que deve ser percebido o que se quer alcanar com este eixo - Mediao Comunitria.

Mostraremos a seguir como os demais processos que permeiam a mediao comunitria so entendidos, dinamizados e desenvolvidos pelos mediadores. No se tem uma seqncia dos mesmos, mas sabe-se que todas estas ferramentas so cruciais para o

23 andamento do trabalho da Mediao Comunitria. Ento seguem abaixo, com maiores detalhes estes meios utilizados:

1 - (Re) conhecimento de quem so os participantes

Tem-se o propsito de conhecer quem so os participantes que demandam a interveno da Mediao Comunitria. Para isto, necessrio ouvir todos os envolvidos e junto com os mesmos (re)conhecerem novos e outros atores que esto implicados na questo, sejam atores locais ou agentes externos, transformando a capacidade potencial dos mesmos em reais alternativas de envolvimento e engajamento diante da situao. So vrias as formas escolhidas (ora indicadas) de se trabalhar com estes participantes. Para tanto o programa tem um vis e conhecimento prprio do trabalho com grupos, como meio suposto para se trabalhar as relaes e papis de vrios atores diante de um objeto comum. Mesmo quando estes no se vem enquanto grupo, so utilizadas as ferramentas prprias da Mediao para trabalhar a administrao de conflitos quando necessrio. O processo de (re)conhecimento de quem so os participantes de dada situao se dar ora no incio, ora durante ou at mesmo ao final da resoluo da demanda. Isto varivel, mas o importante perceber que este processo fundamental para o desenvolvimento da Mediao Comunitria.

2 - (Re)conhecimento, desconstruo e reconstruo da demanda

Este processo referente desconstruo e reconstruo da demanda identificado de acordo com todas as verses apresentadas pelos atores envolvidos em um processo de mediao comunitria. Sabe-se que muitos sero os discursos e que a viso da demanda ser tambm uma varivel importante e bastante complexa. Mas h que se conduzir a mediao comunitria para aprimorar o (re)conhecimento contnuo da demanda. Assim, o mediador diante deste processo atuar como facilitador de novas (re)elaboraes da verso inicialmente passada por cada ator envolvido. Este processo consiste numa tentativa de (des)construir o discurso inicial apresentado pelos envolvidos, procurando encontrar no relato dos mesmos elementos que permitam identificar algo para alm e diferente daquilo que se apresenta, algo que seja relevante e consensual entre todos os participantes. Para isto, esta tarefa de mediar questes comunitrias leva em considerao todas as nuances pertinentes a cada participante, o que caracteriza o processo de desconstruo de demandas para as alternativas de co-

24 construo da demanda, que se dar pelo sentimento de pertencimento de todos envolvidos, respeitando as individualidades e pactuando uma identidade coletiva.

3 - Dilogo entre os envolvidos

A composio do dilogo entre todos os envolvidos em um processo de mediao comunitria fator primordial e essencial na conduo dos casos, pois o dilogo que proporcionar as alternativas cabveis na administrao dos conflitos. Como j exposto anteriormente, Six (2001: pgina?) sustenta que a partir do dilogo verdadeiro entre os participantes que poderemos alcanar os anseios de justia e soluo de problemas. Atravs do dilogo abrem-se oportunidades para que as pessoas se apropriem dos discursos enunciados e a partir deles pactuem resolues, bem como proposies de idias criativas para suas demandas.

4 - Papel do mediador

O programa dispe deste agente para ser o condutor que proporcionar entre todos os envolvidos a proposio da demanda por eles mesmos apresentados. O mediador em todas as suas faces, mediaes individuais e nas mediaes comunitrias, o co-protagonista que levar em considerao as adversidades nos discursos de cada ator participante. O mediador, diante do processo de mediao comunitria, desenvolver habilidades mltiplas dada a complexidade dos casos comunitrios, habilidades estas que proporcionaro uma reflexo contnua a cada participante e tambm ao prprio mediador. H que se lembrar, na atuao comunitria, que o mediador dever levar em conta os nveis de poderes e hierarquias presentes na ao de cada participante envolvido no processo de mediao comunitria, bem como perceber as complexidades e especificidades existentes diante dos atores institucionais envolvidos e suas relaes perante os grupos. importante perceber que o mediador, frente s mediaes comunitrias, ser um elo importante de acesso aos bens pblicos e servios essenciais para determinados grupos sociais, bem como um ator que contribuir no fomento, organizao e emancipao de grupos comunitrios.

5 - Fator tempo

25 No que diz respeito ao trabalho da Mediao Comunitria, este fator levar sempre em considerao o determinante do coletivo, ou seja, dever ter sempre o cuidado de aperfeioar a relao e a noo de tempo entre todos os envolvidos em questes comunitrias.

Estes so os elementos / conceitos tericos e procedimentais que constituem as aes na conduo das mediaes comunitrias. Em todos os momentos, devemos estar atentos ao nosso objetivo principal que pode ser amplamente compreendido como o processo de construo e criao de acesso a direitos de pessoas, grupos, segmentos sociais destitudos de direitos fundamentais e, assim, sermos capazes de proporcionar a efetivao de direitos humanos, incrementando noes de cidadania e viabilizando aes de participao ticopoltico-social.

6. Organizao da prtica do Programa Mediao de Conflitos

Para a realizao de todas as aes desenvolvidas pelo programa Mediao de Conflitos, faz-se necessria uma organizao da agenda de trabalho, a fim de que todas as aes propostas sejam bem orientadas, igualmente contempladas e articuladas entre si. No intuito de homogeneizar ao mximo o desenvolvimento das aes do Programa, mas atentando para as dinmicas, complexidades e especificidades prprias de cada localidade, adotou-se uma diretriz gerencial para a organizao das agendas de trabalho. Dessa forma, as equipes se articulam para realizar as aes dos quatro eixos orgnicos do programa, sejam eles, mediao atendimento, mediao comunitria, projetos temticos e projetos institucionais. Para a execuo destas atividades, so dedicados, pelas equipes de trabalho, trs dias da semana, o que no necessariamente uma regra, pois a dinmica de horrios das comunidades muitas vezes apresentar para o programa a sua melhor maneira de funcionamento.

Para um bom desempenho das aes, tendo em vista toda a dinmica e especificidades locais, necessria a previso de momentos para diagnosticar, analisar, avaliar, capacitar e planejar todo o trabalho desenvolvido pelas equipes, portanto, o programa destina dois dias da semana para desenvolver momentos de reflexo e coordenao das aes. Um desses momentos entendido como o espao de reunio local de discusso de casos, onde as equipes que esto alocadas em cada regio especfica do Estado de Minas Gerais analisam todos os casos atendidos, todas as mediaes comunitrias e as execues de projetos temticos e do

26 projeto institucional Polcia e Comunidade. A equipe completa se organiza para participar, ocorrendo dessa forma constantes reflexes e discusses sobre os retornos e novos casos atendidos e sobre as aes desenvolvidas. Estas discusses tm por objetivo ampliar o olhar do mediador sobre as demandas apresentadas e sobre as condues das atividades propostas pelo programa. Essas discusses internas, como as chamamos, envolvem todos os componentes da equipe de cada ncleo, que juntos discutem, de forma tcnica e interdisciplinar, os casos do atendimento e da mediao comunitria, qualificando ainda mais o trabalho e as decises quanto conduo de cada caso. realizada nestes momentos a articulao entre as aes desempenhadas por todos os atores que compem a Poltica Pblica de Preveno Criminalidade de cada Municpio, onde so traados as diretrizes polticas da Superintendncia de Preveno Criminalidade.

Nos trs dias da semana designados para os atendimentos, as equipes do programa, em cada ncleo, se organizam para receber novos casos do atendimento e da comunitria. Realizam os atendimentos ou reunies relativos aos retornos dos casos em andamento, fazem tambm os encaminhamentos necessrios de cada caso, desenvolvem as aes prprias dos projetos, aes temticas, coletivizaes de demandas, reunies com policiais e comunidade local, alm das aes correspondentes articulao da rede do Ncleo de Preveno Criminalidade.

Alm das discusses internas que descrevemos acima, so realizadas aes de superviso metodolgica dos eixos do programa, que consistem em todas as aes voltadas orientao e conduo tcnica, gerencial e metodolgica das atividades propostas. Essas atividades vo desde as visitas dos supervisores aos ncleos, passam pela organizao e preparo das capacitaes tcnicas que ocorrem semanalmente e pelas discusses coletivas de casos, assim como pelo estabelecimento de diversas parcerias para a realizao e melhoria do trabalho.

As visitas tcnicas aos ncleos so peridicas e objetivam o acompanhamento e auxlio local no desenvolvimento das aes de todos os eixos, a percepo das dificuldades e sucessos de cada equipe e a superviso da metodologia aplicada na conduo do trabalho desenvolvido.

27 As reunies semanais externas ao ncleo contam com a participao de todas as equipes (tcnicos e estagirios) e com a superviso e coordenao do programa. Envolvem discusses coletivas de casos e de aes, com o intuito de possibilitar a troca de experincias entre as equipes, ampliar o entendimento das possibilidades em mediao para cada caso apresentado, e supervisionar de forma coletiva a metodologia adotada pelas equipes. A discusso coletiva tambm uma forma de contnua capacitao com base nas reflexes sobre os prprios casos concretos e aes.

Outro momento que faz parte do encontro semanal com todas as equipes refere-se s exposies com temas tcnicos, gerenciais e metodolgicos, cujo objetivo capacitar e orientar as equipes em temas relacionados a todas as atividades cotidianas do programa, como por exemplo, os temas relacionados tcnica de mediao, violncia de gnero, benefcios previdencirios, questes trabalhistas, penso de alimentos e questes relacionadas paternidade, trabalho com grupos, redes sociais, associativismo, temas em segurana pblica, orientao sobre a elaborao de projetos, temas sobre gerenciamento do programa, interface e aes conjuntas com os parceiros institucionais e com os outros programas que compem o Ncleo de Preveno Criminalidade.

7. Resultados alcanados pelo Programa Mediao de Conflitos

Ao longo dos anos de 2005, 2006, 2007 e 2008, o Programa Mediao de Conflitos, desenvolveu atividades e aes que correspondem aos quatro eixos de atuao de sua metodologia; Mediao Atendimento, Mediao Comunitria, Projetos Temticos e Projetos Institucionais. Ressaltaremos em seguida alguns resultados obtidos no decorrer desse processo de implementao da Mediao de Conflitos enquanto poltica pblica de preveno criminalidade. J foram realizados no decorrer desses, cerca de 54.359 mil atendimentos (Figura 1) em casos de orientao e mediao de conflitos individuais e comunitrios. Sendo que, destes atendimentos realizados, aproximadamente 61% so casos especficos de mediao de conflitos individuais e comunitrios.Figura 1. Atendimentos realizados pelo Programa Mediao de Conflitos durante os anos de 2005, 2006, 2007, at novembro de 2008.

28

60000 50000 40000 30000 20000 10000 02005 2006 2007 2008 META 2008 META 2009 15472

54359

178311

17000

19000

19300

4056

TOTAL

2005 META 2008

2006 META 2009

2007 TOTAL

2008

Fonte: Documentos: Arquivo da coordenao do Programa Mediao de Conflitos/ Superintendncia de Preveno Criminalidade/ Secretaria de Estado de Defesa Social/ Governo de Minas Gerais

As demandas mais atendidas pelo Programa Mediao de Conflitos, em casos de atendimentos individuais tratam-se de relaes intrafamiliares, envolvendo penso de alimentos e conflitos intrafamiliares (Figura 2). Destas demandas apresentadas cerca de 68% (Figura 3) apresentam relatos de violncia de gnero, que em sua maioria so especficas de violncia domstica.Figura 2. Atendimentos em casos de orientao e mediao de conflitos individuais realizados pelo Programa Mediao de Conflitos no decorrer do 1 Semestre de 2008

29

Fonte: Documentos: Arquivo da coordenao do Programa Mediao de Conflitos/ Superintendncia de Preveno Criminalidade/ Secretaria de Estado de Defesa Social/ Governo de Minas Gerais

Estas demandas apresentadas acima descrevem um percentual de casos que demandam superviso especfica, capacitaes orientadas no foco sistmico e familiar, bem como as tcnicas de mediao de conflitos aplicadas no mbito familiar. A qualificao continuada dos mediadores que atuam no Programa de fundamental importncia, pois o que orienta o bom xito das mediaes e orientaes realizadas, garantindo, portanto, a execuo do mtodo em mediao e propiciando aos participantes a capacidade de gesto de seus prprios conflitos e demandas apresentadas.Figura 3. Registro dos relatos de violncia nos casos de mediao de conflitos atendidos pelo Programa Mediao de Conflitos durante o 1 semestre de 2008

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Fonte: Documentos: Arquivo da coordenao do Programa Mediao de Conflitos/ Superintendncia de Preveno Criminalidade/ Secretaria de Estado de Defesa Social/ Governo de Minas Gerais

O percentual de pessoas que acessam ou mesmo buscam pela 1 vez o Programa Mediao de Conflitos, so em sua maioria mulheres, cerca de 77% dos casos atendidos so trazidos por pessoas do sexo feminino, o que por vez caracteriza tambm o tipo de violncia que perpassa o discurso da 1 parte (ou demandante). A faixa etria preponderante refere-se ao publico mais adulto e jovem, respectivamente, sendo que 72% referem-se faixa etria de 20 a 49 anos. (Figura 4)Figura 4. Faixa etria da primeira pessoa que demanda pelos atendimentos individuais em casos de orientao e mediaes de conflitos do Programa Mediao de Conflitos

Fonte: Documentos: Arquivo da coordenao do Programa Mediao de Conflitos/ Superintendncia de Preveno Criminalidade/ Secretaria de Estado de Defesa Social/ Governo de Minas Gerais

O percentual de casos em mediao comunitria trata-se na maioria de casos referentes organizao social local e a infra-estrutura urbana. Por se tratar de uma poltica pblica de

31 preveno criminalidade, e pelo fato do Programa Mediao de Conflitos localizar-se em reas marcadas pelo reduzido acesso aos direitos bsicos, e em reas que apresentam ndices elevados de criminalidade violenta, as pessoas e grupos comunitrios atravs do Programa, constituem mecanismos estratgicos de organizao e mobilizao para o enfrentamento das violncias e assim aumenta o estoque de capital social preexistente. Segue abaixo o percentual de classificao de demandas que caracterizam os atendimentos realizados pela mediao comunitria. (figura 5).Figura 5. Classificao dos casos em mediao comunitria atendidos pelo Programa Mediao de Conflitos 2008

Fonte: Documentos: Arquivo da coordenao do Programa Mediao de Conflitos/ Superintendncia de Preveno Criminalidade/ Secretaria de Estado de Defesa Social/ Governo de Minas Gerais

Os Projetos Temticos buscam ser uma resposta s demandas trazidas pela comunidade, partindo de um diagnstico do Programa, considerando os fatores de risco enfrentados pela mesma em relao violncia e criminalidade. Objetivam gerar um impacto na comunidade, trazendo fatores protetores que possam influenciar na dinmica dos conflitos e da violncia local. J foram realizados at a presente data, cerca de 44 Projetos Temticos

32 (Figura 6), com temas diversificados, mas que em sua maioria tem o foco com grupo de mulheres que apresentaram ao Programa, relatos de violncia domstica e relatos de conflitos intra-familiares.Figura 6. Projetos temticos realizados pelo Programa Mediao de Conflitos durante 2005, 2006, 2007, 2008.

50 40 30 20 10 02005 2006 2007 2008 META 2008

44

22 15 7META TOTAL 2009

15 10

2005 2008 TOTAL

2006 META 2008

2007 META 2009

Fonte: Documentos: Arquivo da coordenao do Programa Mediao de Conflitos/ Superintendncia de Preveno Criminalidade/ Secretaria de Estado de Defesa Social/ Governo de Minas Gerais

8. Concluso

Ao nos propormos a apresentar a metodologia adotada pelo Programa Mediao de Conflitos e alguns resultados alcanados, nos engajamos em uma tarefa nada fcil. Diante da inovadora e recente perspectiva da preveno social criminalidade no campo das polticas pblicas do Sistema de Defesa Social nos deparamos com o desafio de desenvolver aes em contextos de criminalidade e excluso econmica e social com este foco de preveno bem delineado. No bastasse esse desafio, outro se apresenta quando nos deparamos com a incumbncia de aplicar a metodologia de mediao atravs do incremento de capital social, prtica ainda pouco explorada e difundida no Brasil, no campo dessa poltica pblica.

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Um cenrio assim nos levou a ser uma prtica de mais de trs anos em busca de uma teoria, num trabalho rduo, porm constante e progressivo, de todos os mediadores que compuseram e compem as equipes do programa e, o mais importante, com a participao das comunidades que nos auxiliam no delineamento da poltica. Ao mesmo tempo em que a construo dessa metodologia tarefa cotidiana e difcil, ela extremamente proveitosa justamente pelo fato de poder ser construda, pensada e aprimorada pelos prprios mediadores e por aqueles que da mediao participam.

No presente registro demos enfoque s duas frentes que originaram o programa, no intuito de contribuir com estabelecimento da teoria, o aprimoramento da prtica e proporcionar o conhecimento de toda essa construo inovadora. E por fim, vale ressaltar que esta teorizao uma das formas de se pautar a legitimidade da metodologia. Sabemos que, mesmo com o intuito de garantir esta elaborao terica a partir da prtica realizada, no se tem a inteno, neste artigo, de sintetizar o que venha a ser nosso trabalho. A tentativa de lanar a idia de uma prtica inovadora que apresenta uma concepo de mundo que cultiva uma noo ampliada de acesso a direitos na perspectiva de uma cultura de paz.

8. Referncias bibliogrficas

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