texto base para o estudo dirigido (os prÉ- socrÁticos)

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T E X T O B A S E P A R A O E S T U D O D I R I G I D O ( O S P R É - S O C R Á T I C O S ) C E N T R O E D U C A C I O N A L 0 6 - G A M A / D F P R O F º : D E N Y S F . D A C O S T A D I S C I P L I N A : F I L O S O F I A P R É - S O C R Á T I C O S : F Í S I C O S E S O F I S T A S 1 . S á b i o s . F i l ó s o f o s . F í s i c o s . S o f i s t a s E n t r e t o d o s o s p o v o s a p a r e c e m h o m e n s q u e s e n o t a b i l i z a m p o r s e u s a b e r . O s g r e g o s j á t i n h a m a m e m ó r i a d e v á r i o s s á b i o s i l u s t r e s q u a n d o , n o s é c u l o V I a . C . , c o m e ç a r a m a a p a r e c e r , n a s c o l ô n i a s g r e g a s d a J ô n i a ( Á s i a M e n o r ) , o s p r i m e i r o s s á b i o s d e u m t i p o q u e a t r a d i ç ã o p o s t e r i o r c h a m o u f i l ó s o f o s . E l e s n ã o f o r a m , p r o v a v e l m e n t e , v i s t o s p o r s e u s c o n t e m p o r â n e o s c o m o s e n d o e s s e n c i a l m e n t e d i f e r e n t e s d e o u t r o s s á b i o s . E r a m h o m e n s d e g r a n d e s a b e r , t e ó r i c o e p r á t i c o , a o s q u a i s f o r a m a t r i b u í d o s f e i t o s n o t á v e i s , c o m o p r e v e r e c l i p s e s , m e d i r a d i s t â n c i a d e n a v i o s n o m a r ( T a l e s ) , t r a ç a r m a p a s d a T e r r a , c o n s t r u i r r e l ó g i o s d e s o l ( A n a x i m a n d r o ) . A l g u n s d e s s e s f e i t o s d e p e n d e r a m d e c o n h e c i m e n t o s a s t r o n ô m i c o s e m a t e m á t i c o s a d q u i r i d o s p r o v a v e l m e n t e j u n t o a s á b i o s b a b i l ô n i o s e e g í p c i o s . N ã o é p o r c o n t a d i s s o , p o i s , q u e e s s e s p r i m e i r o s f i l ó s o f o s s e d i s t i n g u i r a m d e o u t r o s s á b i o s . S u a o r i g i n a l i d a d e c o m e ç a a a p a r e c e r m e l h o r q u a n d o s e c o n s i d e r a m s u a s e x p l i c a ç õ e s s o b r e f e n ô m e n o s n a t u r a i s c o m o a c h u v a , o r a i o , o t r o v ã o ; s u a s d e s c r i ç õ e s d o c o s m o ; s u a s e x p l i c a ç õ e s s o b r e a o r i g e m m e s m a d o u n i v e r s o . É n a c o m p a r a ç ã o d e s s a s s u a s e x p l i c a ç õ e s s o b r e o m u n d o n a t u r a l c o m a q u e l a s d a d a s p e l o s m i t o s e p e l a s c r e n ç a s p o p u l a r e s q u e n o s d a m o s c o n t a d a e m e r g ê n c i a d e a l g o n o v o : o u s o d a e s p e c u l a ç ã o r a c i o n a l n a t e n t a t i v a d e c o m p r e e n d e r a r e a l i d a d e q u e s e m a n i f e s t a a o s h o m e n s . D u r a n t e t o d o o s é c u l o V I , f o i s o b r e a p h y s i s , o m u n d o n a t u r a l , q u e s e e x e r c e u s o b r e t u d o a e s p e c u l a ç ã o r a c i o n a l d o s g r e g o s . A f i l o s o f i a n a s c e u c o m o f í s i c a , e o s p r i m e i r o s f i l ó s o f o s f o r a m , a c e r t a d a m e n t e , t a m b é m c h a m a d o s f í s i c o s . M a s n o t e - s e q u e , a p e s a r d e n o s s a p a l a v r a f í s i c a p r o v i r d e p h y s i s , a r e a l i d a d e q u e o s g r e g o s c h a m a r a m p o r e s s e n o m e n ã o c o r r e s p o n d e e x a t a m e n t e à q u e l a q u e é o b j e t o d a f í s i c a a t u a l . O s g r e g o s n ã o a p r e e n d e r a m a p h y s i s , p o r e x e m p l o , n u m c o n t r a s t e c o m o b i o l ó g i c o o u m e s m o c o m o p s í q u i c o . A o c o n t r á r i o . P h y s i s v e m d e p h y e i n ( e m e r g i r , n a s c e r , c r e s c e r , f a z e r n a s c e r , f a z e r c r e s c e r ) e d e s i g n a t u d o o q u e b r o t a , c r e s c e , s u r g e , v e m a s e r . O c o n t r a s t e q u e o s g r e g o s v ã o d e s c o b r i r é e n t r e p h y s i s e n o m o s , q u e s e p o d e r i a e n t e n d e r , g r o s s o m o d o , c o m o o c o n t r a s t e e n t r e o r d e m n a t u r a l e o r d e m h u m a n a . P a r a n ó s , e s s e c o n t r a s t e p o d e p a r e c e r ó b v i o : d e u m l a d o , l e i s n a t u r a i s e t e r n a s , i m u t á v e i s , i n e x o r á v e i s , l e i s q u e o s h o m e n s p o d e m d e s c o b r i r , m a s n ã o c o n s t i t u i r o u a l t e r a r , q u e p o d e m u s a r e m s e u p r o v e i t o , m a s a q u e n ã o p o d e m d e i x a r d e s u b m e t e r - s e ; e , d e o u t r o l a d o , l e i s h u m a n a s , e s c r i t a s o u o r a i s , c o s t u m e s , r e g r a s d e c o n d u t a , a p r ó p r i a l i n g u a g e m t o d a u m a r e a l i d a d e q u e p a r e c e c o n s t i t u í d a p e l o h o m e m e d e l e d e p e n d e n t e . E s s e c o n t r a s t e , e n t r e t a n t o , n ã o é n o t a d o e s p o n t a n e a m e n t e p o r q u a l q u e r c u l t u r a . U m a s o c i e d a d e p r é - f i l o s ó f i c a p o d e

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TEXTO BASE PARA O ESTUDO DIRIGIDO (OS PRÉ- SOCRÁTICOS)CENTRO EDUCACIONAL 06- GAMA/DF

PROFº : DENYS F. DACOSTA

DISCIPLINA : FILOSOFIA

PRÉ-SOCRÁTICOS: FÍSICOS E SOFISTAS

1. Sábios. Filósofos. Físicos. Sofistas

Entre todos os povos aparecem homens que se notabilizam por seu saber. Os gregos já tinham a memória devários sábios ilustres quando, no século VI a.C., começaram a aparecer, nas colônias gregas da Jônia (Ásia Menor), osprimeiros sábios de um tipo que a tradição posterior chamou filósofos. Eles não foram, provavelmente, vistos por seuscontemporâneos como sendo essencialmente diferentes de outros sábios. Eram homens de grande saber, teórico eprático, aos quais foram atribuídos feitos notáveis, como prever eclipses, medir a distância de navios no mar (Tales),traçar mapas da Terra, construir relógios de sol (Anaximandro). Alguns desses feitos dependeram de conhecimentosastronômicos e matemáticos adquiridos provavelmente junto a sábios babilônios e egípcios. Não é por conta disso,pois, que esses primeiros filósofos se distinguiram de outros sábios.

Sua originalidade começa a aparecer melhor quando se consideram suas explicações sobre fenômenosnaturais como a chuva, o raio, o trovão; suas descrições do cosmo; suas explicações sobre a origem mesma douniverso. É na comparação dessas suas explicações sobre o mundo natural com aquelas dadas pelos mitos e pelascrenças populares que nos damos conta da emergência de algo novo: o uso da especulação racional na tentativa decompreender a realidade que se manifesta aos homens.

Durante todo o século VI, foi sobre a physis, o mundo natural, que se exerceu sobretudo a especulaçãoracional dos gregos. A filosofia nasceu como física, e os primeiros filósofos foram, acertadamente, também chamadosfísicos.

Mas note-se que, apesar de nossa palavra física provir de physis, a realidade que os gregos chamaram por esse nomenão corresponde exatamente àquela que é objeto da física atual. Os gregos não apreenderam a physis, por exemplo,num contraste com o biológico ou mesmo com o psíquico. Ao contrário. Physis vem de phyein (emergir, nascer,crescer, fazer nascer, fazer crescer) e designa tudo o que brota, cresce, surge, vem a ser.

O contraste que os gregos vão descobrir é entre physis e nomos, que se poderia entender, grosso modo, comoo contraste entre ordem natural e ordem humana. Para nós, esse contraste pode parecer óbvio: de um lado, leisnaturais — eternas, imutáveis, inexoráveis, leis que os homens podem descobrir, mas não constituir ou alterar, quepodem usar em seu proveito, mas a que não podem deixar de submeter-se; e, de outro lado, leis humanas, escritas ouorais, costumes, regras de conduta, a própria linguagem — toda uma realidade que parece constituída pelo homem edele dependente.

Esse contraste, entretanto, não é notado espontaneamente por qualquer cultura. Uma sociedade pré-filosófica pode

apreender as leis e costumes sociais como tão inexoráveis quanto as leis naturais

— umas e outras fundadas no sagrado, constituídas pela vontade divina. Foi a profunda dessacralização da sociedadegrega que permitiu que, a partir do século va.C., alguns sábios começassem a refletir sobre a natureza do nomos. Ora,o contato com culturas diferentes já havia revelado a diversidade dos valores, das leis, dos costumes, das regras deconduta que regem as sociedades humanas. E esses sábios foram levados a concluir que o nomos não era “natural’mas sim produto da convenção humana. Esses sábios foram os sofistas.

Tendo assim tirado ao nomos seu fundamento absoluto, divino, os sofistas passavam a fundá-lo no próprioarbítrio dos homens. E esses homens, eles, sofistas, propunham educar, preparando-os para assumir plenamente suacondição de cidadãos. E ser bom cidadão consistia não apenas em bem conduzir-se, mas em ser capaz de bemadministrar a cidade.

Fosse qual fosse o conteúdo do ensinamento sofístico, parte integrante dele era a técnica de bem compordiscursos, de bem usar a palavra, de bem falar sobre todas as coisas. Ora, no regime democrático que então floresciaem Atenas, aquele que tivesse o domínio da palavra teria o domínio da assembléia e, dessa forma, o poder político.Numa cultura em que o indivíduo se realiza dentro de sua polis (Cidade-Estado) e em função dela, o sucesso napolítica se confundia com o sucesso pessoal, com a vida bem-sucedida, com a própria felicidade. Não havia, pois,saber mais cobiçado do que esse que os sofistas diziam ter e poder transmitir.

Para os atenienses em geral, Sócrates (469-399 a.C.) talvez fosse um sofista como os outros. Ele se ocupava domesmo tipo de questões, tipicamente humanas, e vivia cercado de jovens ávidos de aprender. Platão, entretanto,marcou uma oposição fundamental entre Sócrates e os sofistas. Nada tendo escrito, o Sócrates que conhecemos é opersonagem que aparece em quase todos os diálogos de Platão. Os escritos dos sofistas, por outro lado, foram todosperdidos, deles só restando fragmentos. Dessa forma, tanto de Sócrates quanto dos sofistas temos, praticamente, aimagem que deles nos deixou Platão. E, para Platão, enquanto Sócrates é o filósofo por excelência, os sofistas... esses,coitados, não são nem sábios nem filósofos. São charlatães, ilusionistas cujo saber se resume em “saber usar apalavra” e com ela criar, graças à ignorância do público a quem se dirigem, uma falsa aparência de saber.

É muito devido à imagem que Platão nos legou de Sócrates e dos sofistas que os historiadores da filosofiaconsagraram a expressão filósofos pré-socráticos, reconhecendo em Sócrates uma linha divisória, o momento em quea ênfase do pensamento racional mudou de objeto, passando da physis para o fomos. A reflexão sobre assuntoshumanos já tinha sido, em verdade, inaugurada por sofistas anteriores a Sócrates; mas neles a história da filosofia, comou sem justiça, não reconhece filósofos dignos desse nome.

Infelizmente, tanto dos físicos pré-socráticos quanto dos sofistas, todos os escritos foram perdidos; assim sendo, sópodemos conhecê-los por fragmentos e pela doxografia. Mas tentaremos abordar os grandes lemas de seupensamento, dando, aqui e ali, amostras dos farrapos que oram preservados, ou dos testemunhos que nos chegaramsobre eles. convém lembrar entretanto que esses testemunhos, sobretudo no caso dos sofistas, nem sempre tiveram apreocupação de fidelidade.

THALES DE MILETO c. 624546 A.C.

Considera-se que a filosofia ocidental tenha se iniciado no século VI a.c. em Mileto, cidade localizada no litoraljônico da Ásia Menor. A Jônia1 era geograficamente um ponto de encontro entre o Oriente e o Ocidente, sendotambém a pátria de Homero. Os primeiros filósofos milesianos, Thales, Anaximandro e Anaxímenes, eram abertos nãosomente a influências orientais e à tradição homérica, mas também à matemática egípcia e babilônica, assim comoàs idéias e informações que fluíam ao longo das rotas de comércio que passavam através da Jônia.

O que se conhece a respeito de Thales de Mileto chegou até nós exclusivamente por meio dos relatos deoutros, uma vez que nada dos seus escritos originais sobreviveu até nossos dias. Thales era, fato comum entre osgregos, versado em diferentes campos do conhecimento. O pensador provavelmente viajou para o Egito para estudarastronomia, geometria e práticas relacionadas à mensuração e ao manejo do solo e da água. De acordo comHeródoto, ele previu um eclipse solar ocorrido em 585 a.c. Seus conhecimentos de geometria capacitaram-no aconduzir navios e a medir as pirâmides, tendo por referência a sua sombra em determinada hora do dia. Como relataHeródoto, Thales também solucionou um problema logístico relacionado à travessia de um corpo militar por um riosem pontes. A solução encontrada por Thales foi desviar o curso d’água, de modo a alcançar a retaguarda doacampamento e fazendo com que o canal diante dele estivesse raso o suficiente para ser atravessado a vau. Tambémé relatado que ele foi politicamente muito astuto. Como se sabe, o filósofo advertiu os jônicos para estabelecerem umaúnica câmara deliberativa na cidade de Teos, no centro da Jônia, e considerar as demais cidades enquanto demes2ou localidades portuárias de menor expressão subordinadas àquela sede. Thales distinguiu-se na história damatemática como criador da prova geométrica. De acordo com Proclus3, Thales elaborou um conjunto deproposições que, embora não se apresentassem numa seqüência lógica correta, estavam ainda assim relacionadasumas com as outras de modo dedutivo, método requerido numa prova geométrica.

Mas não foram esses grandes feitos que garantiram a Thales o reconhecimento como filósofo. Antes, foi suapreocupação em elaborar uma descrição e uma análise racional do mundo. Esse projeto racional distinguiusignificativamente seu pensamento dos anteriores, que trabalhavam numa base mitológica para explicar o universo.Para a questão de qual seria a origem de todas as coisas, sua resposta era: a água. Thales sustentava — de acordocom aqueles que escreveram a seu respeito4 — que todas as coisas tem sua origem na água e que a própria Terraflutuava nela, como um pedaço de madeira. Aristóteles discute essa perspectiva em sua Metafísica. Ele mostra queThales parecia não considerar que a água, na qual a Terra se sustentava, deveria ela mesma se sustentar em algo.Aristóteles sugere que Thales chegou a esta suposição de que a água é a substância primordial, mantendo suanatureza própria enquanto serve de base para a existência de outras coisas, pela observação de que tudo é alimentadopela umidade, e que as sementes e o esperma são úmidos.5

Deve-se recordar que as idéias de Thales, assim como as dos demais milesianos, chegaram até nósconfiguradas pelo olhar e pelo entendimento daqueles que transmitiram seus ensinamentos. Tem sido sugerido queAristóteles, que conhecia Thales apenas indiretamente — visto estar separado deste em pelo menos trezentos anos —,pode não ter tido uma compreensão completa das suas idéias. Há uma argumentação de que Thales teria se inspiradonuma concepção popular à época, na qual o mundo estaria rodeado e sustentado por uma extensão ilimitada de água.Assim, para ele, não haveria o problema levantado por Aristóteles sobre a questão da sustentação última.

A concepção de que a Terra repousa na água constituía uma antiga crença egípcia, e fazia parte também datradição homérica. O pensamento de Thales provocaria, assim, uma pequena mas decisiva mudança, partindo daperspectiva da água enquanto suporte para todas as coisas e chegando à idéia da água como origem delas. Mas osdetalhes das idéias de Thales a respeito do relacionamento da água com tudo o mais são desconhecidos. Aristótelespode ter elaborado, por extensão, suas próprias inferências baseado nas principais concepções de Thales. É digno denota, sobretudo, que Thales tenha sustentado sua cosmogonia — isto é, sua teoria sobre o universo — na observaçãodo mundo natural e não nas referências mitológicas e nos provérbios.

A sua segunda grande afirmação sobre a natureza do universo foi a de que “todas as coisas estão cheias dedeuses”. O exato significado dessa afirmação também não é inteiramente claro, porém a sua acepção mais comum éque algum tipo de força vital permearia o mundo, que todas as coisas são de alguma forma animadas, constituindoparte de um único conjunto ou de uma vitalidade unificadora. É desconhecido se Thales propôs uma relação entre aágua e os “deuses (presentes) em todas as coisas’ mas seria difícil negar algum tipo de relação entre ambos, dada apremissa de que a água é a origem de tudo.

A visão de Thales sobre a natureza do mundo pode primeiramente parecer mais uma teoria das ciênciasnaturais do que uma filosofia. Seu conteúdo filosófico e importância, porém, seriam elucidados, com suprema lucidez,pelo filósofo Friedrich Nietzsche:

ANAXIMENES.585-528 a.C.

Anaxímenes foi o terceiro do trio de filósofos conhecidos corno milesianos. Especula-se que tenha elaboradosuas idéias por volta de 540 a.c.. Diógenes Laerte recorda, em sua obra Vidas de filósofos famosos, provavelmentecompilada no século terceiro antes de Cristo, que ele foi discípulo de Anaximandro.

Como Anaximandro, Anaxímenes argumentou que o princípio primordial de todas as coisas seria o infinito.Mas, diferentemente, buscou especificar a natureza desse princípio primordial que, para ele, era o ar. Teofrasto,discípulo de Aristóteles, falando sobre Anaxímenes, relata a respeito de sua crença de que as substâncias materiaiseram derivadas do ar por meio de processos dc rarefação e condensação:

Sendo mais sutil, ele [o ar] torna-se fogo, sendo mais espesso, torna-se vento,então nuvem, então [quando mais espesso ainda] água, então terra, entãopedras, e todo o resto vem a ser a partir destes. Ele também produz omovimento eterno, dizendo que a mudança também acontece por meio dele.

Aúnica frase escrita remanescente de Anaxímenes é: “Como nossa alma, sendo ar, nos mantêm unidos e noscontrola, assim faz o vento [ou o hálito J e [o] ar guarda o mundo inteiro” . Embora Anaximandro, mais do queAnaxímenes, seja freqüentemente considerado como o ponto mais alto da filosofia milesiana, podemos argumentarque o segundo foi, de certo modo, um pensador mais avançado. E certo que sua produção filosófica suplanta a deThales. pois especifica como a terra. o fogo e a água podem possuir origem em urna substância primordial, no caso, oar. Mas sua elaboração também é um avanço com relação à de Anaximandro, que postulava uma substânciaindefinida como primordial. Ademais, ela recorre mais ao senso-comum do que à mitologia — visto estarfundamentada na observação dos processos naturais —, ao mesmo tempo enraizada na crença tradicional pela qual oar é a origem da vida.

Anaximenes imaginava que a Terra era chata e envolvida pelo ar, sendo que para ele as estrelas eram“implantadas como pregos na transparência [do céul”] e os corpos celestiais moveriam-se em volta da terra, “assimcomo um boné de feltro envolve nossa cabeça” O filósofo explicava a ocorrência dos terremotos levando emconsideração as variações existentes entre as condições secas e úmidas na terra. Quando a terra seca, ela “racha echacoalha pelos picos que são assim interrompidos subitamente e desmoronam [para dentro da falha]”. A chuva, eleargumenta, é produzida quando o ar muito condensado forma as nuvens, as quais são então comprimidas, a ponto de aumidade se esvair delas. O granizo seria o resultado da aglutinação da água e da neve cm queda quando o vento seune com a umidade. Aécio atribui ao pensador a fala pela qual o Sol “é chato como uma folha” e todos os corposcelestes seriam flamejantes, mas tendo corpos terrestres entre eles6. Anaxímenes não só tenta desenvolverexplicações de fundo natural para todos os fenômenos como também parece, por meio da sua concepção do ar comoelemento de união tanto das almas humanas como do mundo em si mesmo, sugerir uma unidade orgânica queabarcaria todas as coisas existentes, incluindo os seres humanos.

Embora a marca dos milesianos para o desenvolvimento da filosofia ocidental tenha sido o advento dopensamento científico e racional e, ademais, a mudança do mito para a razão, recordemos que este processo não foi

súbito. Ao longo da consolidação de tal processo, mito e razão interagiram, influenciando-se mutuamente, ou seja, ascrenças tradicionais sobre elementos como o ar e a água foram gradualmente transformadas pelo desenvolvimento dareflexão racional e da consciência do mundo natural. A mudança de atitude ocorreu baseada na superação daexplicação do mundo que tinha por referência deuses e poderes estranhos, para uma explicação recorrendo à ordemnatural de causas e regularidades. Os milesianos podem ser considerados cientistas, por observarem o mundo edesenvolverem suas teorias com base nessas observações. Porém, também foram filósofos, em razão da sua questãoprincipal não dizer respeito somente a uma explicação de como o mundo é, mas como ele veio a existir enquanto tal.Esses pensadores pretendiam não somente descrever os fenômenos, mas descobrir sua razão última.

ANAXIMANDRO C. 6 10-546 A.C.

Anaximandro parece ter sido apenas alguns anos mais jovem do que Thales, de quem foi “sucessor e pupilo’segundo Teofrasto, discípulo de Aristóteles. Do mesmo modo que Thales, Anaximandro foi uma combinação deastrólogo, geólogo, matemático e físico, além de filósofo. Foi ele quem provavelmente introduziu o gnomon (o relógiosolar baseado no movimento da sombra provocado pela marcha aparente do Sol no horizonte) na Grécia’. E foitambém ele quem, segundo Agatemeros, “primeiro ousou desenhar o mundo habitado numa prancha”2. Um fragmentodo livro Sobre a natureza, atribuído a Anaximandro, chegou até nós. De acordo com todos os relatos, esse livro tratava-se de uma obra volumosa que incluía, além de uma cosmogonia, relatos sobre corpos celestiais e o desenvolvimentodos organismos vivos, além de estudos sobre história natural, biologia, meteorologia, astronomia, geografia, mapas domundo e, para completar, dissertações referentes a todos os aspectos da vida humana e animal. Sua façanhaintelectual serviu como inspiração e exemplo para muitos pensadores que o sucederam.

Anaximandro afirmava que a substância primordial do mundo era o apeiron, que não teria fronteiras, limites oudefinição. Pode-se inferir com isso que ele poderia entender que o apeiron era espacialmente infinito ou que eraindefinido, no sentido de não corresponder a uma matéria do universo físico. O filósofo descreveu o apeiron comoenvolvendo todas as coisas ilimitadamente e como sendo aquilo com base no qual todos os céus e todos os mundosnele inseridos tornam-se existentes: terra, ar, fogo e água seriam de alguma forma gerados desta substância indefinida.As coisas estão constantemente em movimento e o que nasceu do infinito a ele retorna na morte. Anaximandro pareceacreditar que algum tipo de balanço final ou estado de justiça é mantido entre todas as coisas, provavelmente por meiode interações entre as oposições cósmicas de quente e frio, seco e úmido. Uma passagem de Plutarco nos apresentaalguns detalhes desta cosmogonia:

Ele [Anaximandro] afirma que aquela parte fértil do quente e frio eternos

foi separada destes no vir-a-ser deste mundo, e aquele tipo de esfera de fogo

de que era formado rodeava o ar que envolve a Terra, como a casca envolve

a árvore. Quando isto foi rompido e cortado em círculos exatos, o Sol, a Lua

e as estrelas foram formados.

Anaximandro acreditava que a Terra possuía uma forma cilíndrica, sendo a sua profundidade uma terça parteda sua largura, ou seja, seria como o fuste de uma coluna. ATerra, de acordo com a sua sugestão, “era sustentada pornada e permanecia, por sua vez, em igual distância de todas as coisas”. O filósofo conjecturou de modo surpreendente

sobre a origem do homem, afirmando que as primeiras criaturas vivas nasceram na umidade mantida nas cascasespinhosas e que a raça humana apareceu mais tarde, com o desenvolvimento da vida orgânica. O pensadorargumentava que deveria ter sido esse o passado da vida na Terra e que os seres humanos seriam gerados tendocomo base criaturas de outro tipo, uma vezque a maioria das criaturas é auto-suficiente, sendo que os seres humanosprecisam de cuidados prolongados e não poderiam ter sobrevivido se a sua forma atual fosse a original.

Um fragmento de um escrito remanescente de Anaximandro apresenta-se como parte da exposição de sua visão,evidenciada por Simplício:

E a origem do vir-a-ser para a existência das coisas é aquela na qual a destruição tambémacontece “segundo a necessidade, porquanto impõe pena e tira vingança um do outro porsuas injustiças, segundo a avaliação do tempo”, como descreve nesta frase um tantopoética.

Estudiosos de filosofia concordam que o último trecho desta passagem indica que a frase precedente é umareferência direta às palavras de Anaximandro. Mas não há consenso a respeito do sentido real do fragmento e ocontexto ao qual este se reporta.

Uma especulação interessante é que, na metáfora relativa à reparação da injustiça, Anaximandro apresentariaum princípio metafísico subjacente, explicando a aparência das coisas. Este princípio poderia implicar que as trocas eos conflitos, assim como o dado e o tomado observados na ação da natureza, constituiriam partes de um processo deexploração e de reparação que, numa longa jornada, mantém o equilíbrio ou estado de “justiça” do todo.6 Esta visão écoerente com outras fontes conhecidas de Anaximandro, as quais relatam que o apeiron “é mutuamente princípio eelemento” e que “conduz todas as coisas”. Além disso, as interações de características opostas são muito importantesna sua filosofia da natureza, embora os detalhes de como Anaxirnandro entendia estas interações sejamdesconhecidos.

Talvez não devêssemos enfatizar Anaximandro como metafísico. Não há dúvida de que foi muito mais a suaespantosa compreensão da filosofia da natureza do que a sua visão metafísica que determinou o profundo respeito e aaclamação por ele obtida, estabelecendo sua reputação como um grande pensador e como um modelo de realizaçãointelectual. Ainda assim, é interessante especular sobre as implicações metafísicas das suas idéias, saboreando, comespecial apetite, o ímpeto, tão freqüentemente causado por estes primeiros filósofos, de nos fazer aventurar na sendadas conjecturas inocentes e primitivas, como muitos de nós fizemos na infância, sobre as origens e a .naturezaessencial do cosmos.

Anaxágoras

Além de ter elaborado teorias de indiscutível profundidade, Anaxágoras exerceu notável influência sobre a filosofiagrega posterior a ele, tendo introduzido em Atenas as concepções desenvolvidas pelos pensadores das colôniashelênicas.

Nascido em Clazômenas por volta do ano 500 a.C., na juventude Anaxágoras foi para a capital da Ática, onde logo setornou a figura principal do grupo de intelectuais reunidos em torno de Péricles, governante da cidade. Sua obra, cujainterpretação, em parte por causa da escassez de fragmentos, é muito controvertida, pode ser situada na confluênciaentre a tradição milésia e o pensamento de Parmênides. Com os filósofos de Mileto, sustentava que a experiênciasensorial põe o ser humano em contato com uma realidade cambiante, cuja constituição última ele pretendiaencontrar. Com Parmênides, afirmava que só o ser é e o não-ser não é, porque ao ser, enquanto totalidade, não sepode acrescentar nem tirar nada.

Considerava, em conseqüência, que "nada vem à existência nem é destruído, tudo é resultado da mistura e da divisão".A cambiante pluralidade do real é simplesmente o produto de ordenações e reordenações sucessivas, já não dosquatro elementos tradicionais -- água, terra, fogo e ar --, mas sim de "sementes", ou "homeomerias", das quais há tantostipos quantas classes de coisas existem. Nada pode chegar a ser aquilo que não é ou deixar de ser o que é: "comopoderia chegar a ser carne aquilo que não é carne ou pêlo aquilo que não é pêlo?".

Anaxágoras, contudo, defendeu também a idéia de que, junto à matéria, existe um princípio ordenador, um nous ou"inteligência", como causa do movimento. Por isso foi chamado de o primeiro dualista. Platão saudou com entusiasmoessa inovação, mas criticou o filósofo de Clazômenas por fazer uso insuficiente dela. Segundo interpretava Platão,Anaxágoras recorria a essa tese apenas para explicar a origem do movimento no universo, produzido esse movimento,o universo ficava abandonado a forças mecânicas. Não é claro que as coisas se passassem assim, nem se o nous eraconcebido como algo plenamente imaterial ou se, ao contrário, tinha uma certa materialidade, mesmo que sutil. Defato, as opiniões científicas de Anaxágoras, que se chocaram com as concepções religiosas da época, lhe custaramser julgado por ateísmo. Graças à ajuda de Péricles, conseguiu refugiar-se em Lâmpsaco, onde morreu por voltade 428 a.C.

Visto na antiguidade como profeta e mago, Empédocles também foi político, orador e poeta. Diz a lenda que encerrousua brilhante carreira atirando-se na cratera do vulcão Etna, para dar aos seguidores uma demonstração convincentede divindade.

Empédocles nasceu em Agrigento, Sicília, então parte da Magna Grécia, por volta de 490 a.C. Continuador da tradiçãodos jônicos, desenvolveu uma interpretação do universo em que todos os fenômenos da natureza eram entendidoscomo resultado da mistura de quatro elementos: água, fogo, ar e terra. Esses princípios, também chamados "raízes",seriam eternamente subsistentes, jamais engendrados, e de sua união ou separação nasceriam e pereceriam todas ascoisas. Os quatro elementos se uniriam sob a força do amor e se separariam sob o influxo do ódio. Os mananciais e osvulcões seriam provas da existência de água e fogo no interior da Terra.

Segundo Empédocles, no poema Katharmoi (As purificações), do qual resta somente uma centena de versos, aintervenção do ódio está na origem de todas as coisas e dos seres individuais, que se vão diversificando até aseparação total e o domínio absoluto do mal. Entretanto, o princípio do amor voltará a triunfar, unificando e misturandotudo até a configuração de uma só coisa, Sphairos, a esfera perfeita, na qual o mundo presente tem princípio e fim. Nomundo atual há seres individuais e, portanto, ódio e injustiça, o que exige um processo de purificação que só terminaráquando o amor triunfar. Mas esse triunfo é ainda relativo: a evolução dos mundos é um processo no qual se manifestaum domínio alternado do amor e do ódio, do bem e do mal. Apesar da lenda, supõe-se que a morte de Empédoclestenha ocorrido no Peloponeso, Grécia, por volta de 430 a.C.

EMPÉDOCLES

Empédocles foi um filósofo, médico, legislador, professor, místico além de profeta, foi defensor da democracia esustentava a idéia de que o mundo seria constituído por quatro princípios: água, ar, fogo e terra. Filósofo grego pré-socrático, Empédocles propôs uma explicação geral do mundo, considerando todas as coisas como resultantes dafusão dos quatro princípios eternos e indestrutíveis: terra, fogo, ar e água. Tudo seria uma determinada mistura dessesquatro elementos, em maior ou menor grau, e seriam o que de imutável e indestrutível existiria no mundo.

Segundo Aristóteles, fundou a oratória. Foi também fundador da primeira teoria biológica. Sua doutrina pode ser vistacomo uma primeira síntese filosófica.

Para Empédocles, duas forças fundamentais responsáveis pela manutenção do universo: O AMOR que unia oselementos (raízes) e o ÓDIO que os separava. A morte para ele era simplesmente a desagregação dos elementos.Segundo ele, todos nós fazíamos parte do todo que se renovava em ciclos; reunindo-se (nascimento) e separando-se(morte).

Seu pensamento influenciará os pensadores da escola atomista.

No Naturalismo esboçou o que podemos citar como os primeiros passos do pensamento Teórico Evolucionista:“Sobrevive aquele que está melhor capacitado”, aproximadamente 2460 anos antes de Charles Darwin. Tendo seguidoTales de Mileto na mesma linha de pensamento evolutivo: “O mundo evoluiu da água por processos naturais”.

Na política opôs-se à oligarquia, defendendo a democracia. Cedo virou figura legendária: ele mesmo se atribuíapoderes mágicos. Conta a lenda que ele teria se suicidado atirando-se na cratera do Etna, para provar que era umdeus.

Substitui a busca dos jônicos de um único princípio das coisas pelos quatro elementos, combinando ao mesmo tempoo ser imóvel de Parmênides e o ser em perpétua transformação de Heráclito, salvando ainda a unidade e a pluralidadedos seres particulares.

Esses princípios, também chamados “raízes”, seriam eternamente subsistentes, jamais engendrados, e de sua uniãoou separação nasceriam e pereceriam todas as coisas. Os quatro elementos se uniriam sob a força do amor e seseparariam sob o influxo do ódio.

Os mananciais e os vulcões seriam provas da existência de água e fogo no interior da Terra.

Escreveu dois poemas em jônico: Sobre a Natureza e Purificações, cujos fragmentos chegaram até nós e cujainfluência continua a fazer-se sentir, como, por exemplo, em René Char.

Segundo Empédocles, no poema Katharmoi – As purificações – do qual resta somente uma centena de versos, aintervenção do ódio está na origem de todas as coisas e dos seres individuais, que se vão diversificando até aseparação total e o domínio absoluto do mal.

Entretanto, o princípio do amor voltará a triunfar, unificando e misturando tudo até a configuração de uma só coisa,Sphairos, a esfera perfeita, na qual o mundo presente tem princípio e fim.

No mundo atual há seres individuais e, portanto, ódio e injustiça, o que exige um processo de purificação que sóterminará quando o amor triunfar.

Mas esse triunfo é ainda relativo: a evolução dos mundos é um processo no qual se manifesta um domínio alternado doamor e do ódio, do bem e do mal.

“Mas vá, contempla os testemunhos do meu discurso anterior, não se dê o caso de nele ter faltado beleza: o Sol, quenteao olhar e todo ele ofuscante; todos os imortais que se banham no calor e nos raios brilhantes; a chuva em tudosombria e gelada; e as coisas enraizadas e sólidas que brotam da terra.

Na Cólera tudo é de diferentes formas e está separado, mas no Amor todas as coisas se unem e se desejam umas àsoutras. Delas procede tudo o que existiu, existe e existirá no futuro – surgiram as árvores e os homens e as mulheres, asferas e as aves e os peixes que na água se criam, e também os deuses de longa vida, superiores em honrarias.

Pois só estes existem, mas, correndo uns através dos outros, tomam formas diversas: de tal modo os altera a suamistura.

HERÁCLITO

Heráclito nasceu em Éfeso, cidade da Jônia (atual Turquia ). Diógenes Laércio relata que "Heráclito, filho de Blóson,ou, segundo outra tradição, de Heronte, era natural de Éfeso. T inha uns quarenta anos por ocasião da69ª Olimpíada (504 -501 a.C. ). Era homem de sentimentos elevados, orgulhoso e cheio de desprezo pelos outros".

Por seu desprendimento em relação ao poder e pelo desprezo que dedicava aos bens materiais, Heráclito não erasimpático aos efésios, que eram exatamente o seu oposto. Foi, aliás, muito criticado por seus concidadãos quandoconseguiu convencer o tirano Melancoma a abdicar para ir viver nos bosques, em livre contato com a natureza[1] .Heráclito era acusado de desprezar a plebe , de se recusar a participar dapolítica - essencial aos gregos ) - e dedesdenhar os poetas , os filósofos e a religião .[2]

Misantropo, viveu na solidão do templo de Ártemis . O mesmo Diógenes nos conta: "Retirado no templo de Ártemis,divertia-se em jogar com as crianças e, acercando-se dele os efésios, perguntou-lhes:

De que vos admirais, perversos? Que é melhor: fazer isso ou administrar a República convosco?

Nos últimos anos da sua vida, passou a viver ainda mais isolado, nas montanhas, alimentando-se somente de plantas.Quando adoeceu, atacado por uma hidropisia , Heráclito foi obrigado a voltar à cidade. Aos médicos, cujoconhecimento ridicularizava, perguntou se seriam capazes de transformar uma inundação em seca , aludindo à suadoença.[3] Os médicos não entenderam e acabaram sendo expulsos por Heráclito. O filósofo resolveu então recorrer aum curandeiro que lhe aconselhou imergir-se no estrume pois o calor faria evaporar a água em excesso que havia emseu corpo. Foi um desastre: os cães de Heráclito não reconheceram o dono, inteiramente coberto de excrementos, e oatacaram, causando a sua morte. É possível também que a causa da morte de Heráclito tenha sido o sufocamentocomia esterco de vaca. O historiador Neantes de Cízico (século III a.C. ) afirma que, tendo sido impossível retirar ocorpo de sob o esterco, lá permaneceu.

O PEN SA M EN T O D E H ER Á C L I T O

Os filósofos de Mileto (Tales , Anaximandro , Anaxímenes , entre outros) haviam percebido o dinamismo das mudançasque ocorrem na physis , como o nascimento, o crescimento e a morte, mas não chegaram a problematizar a questão.

Heráclito, inserido no contexto pré-socrático , parte do princípio de que tudo é movimento, e que nada podepermanecer estático - Panta rei ou "tudo flui", "tudo se move", exceto o próprio movimento.

Mas este é apenas um pressuposto de uma doutrina que vai mais além. Odevir , a mudança que acontece em todas ascoisas é sempre uma alternância entre contrários: coisas quentes esfriam, coisas frias esquentam; coisas úmidassecam, coisas secas umedecem etc. A realidade acontece, então, não em uma das alternativas, posto que ambas sãoapenas parte de uma mesma realidade, mas sim na mudança ou, como ele chama, na guerra entre os opostos. Estaguerra é a realidade, aquilo que podemos dizer que é. "A doença faz da saúde algo agradável e bom"; ou seja, se nãohouvesse a doença, não haveria por que valorizar-se a saúde, por exemplo. Ele ainda considera que, nessa harmonia,os opostos coincidem da mesma forma que o princípio e o fim, em um círculo; ou a descida e a subida, em umcaminho, pois o mesmo caminho é de descida e de subida; o quente é o mesmo que o frio, pois o frio é o quentequando muda (ou, dito de outra forma, o quente é o frio depois de mudar, e o frio, o quente depois de mudar, como seambos, quente e frio, fossem "versões" diferentes da mesma coisa).

Panta rei os potamós (do grego πάντα ῥεῖ ), traduzido como "Tudo flui como um rio" é o célebre aforisma no qual atradição filosófica subsequente identificou sinteticamente o pensamento de Heráclito com o tema do devir , emcontraposição à filosofia do ser própria deParmênides .

Mas, na realidade, o famoso moto panta rei não é atestado nos fragmentos conhecidos da obra de Heráclito, e podeser atribuído ao seu discípulo Crátilo , que desenvolveu o pensamento do mestre, radicalizando-o. A fórmulaléxica panta rei será cunhada e utilizada pela primeira vez somente por Simplício , em seu comentário à PhysicaAuscultatio, 1313, 11. Aexpressão deriva de um fragmento do tratadoSobre a natureza:

Não se pode percorrer duas vezes o mesmo rio e não se pode tocar duas vezes uma substância mortal nomesmo estado; por causa da impetuosidade e da velocidade da mutação, esta se dispersa e se recolhe, vem evai.—91 Diels -Kranz

Tudo é considerado como um grande fluxo perene no qual nada permanece a mesma coisa pois tudo se transforma eestá em contínua mutação. Por isso, Heráclito identifica a forma do Ser no Devir pelo qual todas as coisas são sujeitasao tempo e à sua relativa transformação.

Heráclito sustenta que só a mudança e o movimento são reais, e que aidentidade das coisas iguais a si mesmas éilusória: para Heráclito tudo flui (panta rei).

O panta rei é uma consequência de polemos (guerra, conflito), que reina sobre tudo. Em consequência, Heráclito deÉfeso não é o filósofo do "tudo flui" mas do "tudo flui enquanto resultado da tensão contínua dos opostos em luta".

Adoutrina dos contrários

Polemos é pai de todas as coisas, de todas, de todas rei.

A doutrina da unidade dos contrários é talvez o aspecto mais original do pensamento filosófico de Heráclito. A leisecreta do mundo reside na relação de interdependência entre dois conceitos opostos, em luta permanente; mas, ao

mesmo tempo, um não pode existir sem o outro. Nada existiria se não existisse, ao mesmo tempo, o seu oposto. Assim,por exemplo, uma subida pode ser pensada como uma descida por quem está na parte de cima. Entre os contrários secria uma espécie de luta constitutiva do logos indiviso.

Nessa dualidade, que na superfície é uma guerra (polemos ), mas no fundo é harmonia entre os contrários, Heráclitoviu aquilo que definia como o logos, a lei universal da Natureza.

E é a própria doutrina dos contrários que faz de Heráclito o fundador de uma lógica "antidialética", fundada na leiestética do devir da realidade. Antidialética porque tese e antítese (ser e não ser) são uma síntese contraditória epermanente na realidade, que só assim pode vir a ser, através dos seus dois aspectos existenciais ("no mesmo rio,entramos e não entramos"; "somos e não somos"); oposta à lógica aristotélica porque oposta ao seu princípio da não-contradição e do terceiro excluído .

A teoria de Heráclito é alternativa à ontologia de Parmênides , o filósofo da unidade e da identidade do Ser , que ensinaque é a contínua mudança a principal característica do não ser .

Apartir de seus pressupostos - panta rei e a guerra entre os contrários -, Heráclito definiu uma arché , um princípio queestá em todas as coisas desde a sua origem: o fogo . Para ele, "todas as coisas são uma troca do fogo, e o fogo, umatroca de todas as coisas, assim como o ouro é uma troca de todas as mercadorias e todas as mercadorias são uma trocado ouro"; ou seja, todas as coisas transformam-se em fogo, e o fogo transforma-se em todas as coisas.] A cosmologiade Heráclito

Heráclito, em detalhe do afresco pintado por Rafael , AEscola de Atenas

Segundo Heráclito, o fogo é, pois, o elemento primordial de todas as coisas. Tudo se origina por rarefação e tudo fluicomo um rio. O cosmos é um só e nasce do fogo e, de novo, é pelo fogo consumido, em períodos determinados, emciclos que se repetem pela eternidade.Em seu livro - Do Céu, Aristóteles escreve: "Concordam todos em que o mundo foi gerado; mas, uma vez gerado,alguns afirmam que é eterno e outros que é perecível, como qualquer outra coisa que por natureza se forma. Outros,ainda, que, destruindo-se, alternadamente é ora assim, ora de outro modo, como Empédocles e Heráclito de Éfeso. (…)Também Heráclito assevera que o universo ora se incendeia, ora de novo se compõe do fogo, segundo determinadosperíodos de tempo, na passagem em que diz "acendendo-se em medidas e apagando-se em medidas."Para Heráclito, o fogo, quando condensado, se umidifica e, com mais consistência, torna-se água; e esta, solidificando-se, transforma-se em terra; e, a partir daí, nascem todas as coisas do mundo. Este é o caminho que Heráclito definecomo sendo "para baixo".Derretendo-se a terra, obtém-se água. Água transforma-se em vapor, tal como vemos na evaporação do mar. E,rarefazendo-se, o vapor transforma-se novamente em fogo. E este é o caminho "para cima".Nosso mundo é cercado pelos astros (Sol, Lua e estrelas). Esses nada mais são do que barcos cujas concavidadesestão voltadas para nós, e que carregam dentro de si chamas brilhantes. A mais brilhante (para nós) é a chamado Sol e também a mais quente. Os demais astros distam mais da Terra e é por isso que seu brilho é menos vivo emenos quente, mas a Lua , que está bem próxima da Terra, não é por isso, mas por não se encontrar num espaço puro– a escuridão. O Sol, entretanto, está em região clara e pura.Os eclipses do Sol e da Lua acontecem quando as concavidades dos barcos se voltam para cima. E as fases da Luaocorrem quando o barco que a encerra se volta aos poucos em nossa direção.Dia e noite, meses e estações, chuvas, ventos e demais fenômenos são conseqüências de diferentes evaporações.

Pois a brilhante evaporação, inflamando-se no círculo do Sol, produzo dia; e, quando a contrária prevalece, produz anoite; e, quando da evaporação brilhante nasce o calor, faz verão; mas, quando da sombra o úmido prevalece, faz-se oinverno.

O D EU S E A A L M A

Dentro do pensamento de Heráclito, Deus não tinha a aparência de um homem nem de outro animal qualquer. Emseu pensamento Deus não era nem criador, nem onipotente. Heráclito limitava-se a identificá-lo com os opostos, osquais persistem apesar de suas mudanças e assim são capazes de compreender sua própria unidade."O Deus é dia-noite, inverno-verão, guerra-paz, saciedade-fome; mas se alterna como o fogo, quando se mistura aincensos, e se denomina segundo o gosto de cada um."Nesse argumento, podemos ver que Herác lito considerava as diversas divindades da mitologia grega , que eramadoradas pelos homens de seu tempo, como sendo apenas fogo misturado a diferentes tipos de incensos.E a alma consiste apenas de mais uma rarefação do fogo e sofre as mesmas mudanças que todas as outras coisastambém experimentam; e a morte traza completa extinção da alma."Para almas é morte tornar-se água, e para água é morte tornar-se terra, e de terra nasce água, e de água alma."Novamente aqui, nesse raciocínio, vemos Heráclito descrever seus caminhos "para baixo" e "para cima".

Parmenides:Parménides de Eleia (em grego Παρμενίδης ὁ Ἐλεάτης) foi um filósofo grego . Nasceu entre 530 a.C. e 515 a.C. [1] na cidade

de Eleia ,[2] colónia grega do sul da Magna Grécia (Itália ), cidade que lhe deveu também a sua legislação. Segundo Estrabão , foi graçasà influência dos filósofos Parménides e Zenão de Eleia que a cidade foi bem governada, e o bom governo garantiu seu sucesso contra

os Leucani e osPoseidoniatae, mesmo tendo Eleia território e população menores.[2] Foi um dos representantes da escolaeleática juntamente com Xenófanes , Zenão de Eleia eMelisso de Samos .

Parménides escreveu uma só obra, um poema em verso épico, do qual foram preservados fragmentos em citações de outros autores. Osespecialistas consideram que a integridade do que conservamos é consideravelmente maior em comparação com o que foi preservado dasobras de quase todos os restantes filósofos pré-socráticos , e por isso a sua doutrina pode ser reconstruída com maior precisão.

Apresenta o seu pensamento como uma revelação divina dividida em duas partes:

A via da verdade, onde se ocupa «do que é» ou «ente», e expõe vários argumentos que demonstram seus atributos: é estranhoà geração e corrupção e portanto é inegendrado (incriado) e indestrutível, e é o único que verdadeiramente existe — com o quenega a existência do nada — é homogéneo, imóvel e perfeito.A via das opiniões dos mortais, onde trata de assuntos como a constituição e localização dos astros, diversos fenómenosmeteorológicos e geográficos, e a origem do homem, construindo uma doutrina cosmológica completa.

Enquanto que a via da opinião se assemelha às especulações físicas dos pensadores anteriores, como os milésios e os pitagóricos , a viada verdade contém uma reflexão completamente nova que modifica radicalmente o curso da filosofía antiga: considera-se que Zenão deEleia e Melisso de Samos aceitaram as suas premissas e continuaram o seu pensamento. Os físicos posteriores,como Empédocles , Anaxágoras e osatomistas , procuraram alternativas para superar a crise a que tinham sido atirado o conhecimento dosensível. Também a sofística de Górgias acusa uma enorme influência de Parménides, na sua forma argumentativa.

Tanto a doutrina platónica das formas como a metafísica aristotélica guardam uma dívida incalculável em relação à via da verdade deParménides. É por esta razão que muitos filósofos e filólogos consideram que Parménides é o fundador da metafísica ocidental.

O P E N S A M E N T O D E P A R M Ê N I D E S

Seu pensamento está exposto num poema filosófico intitulado Sobre a Natureza e sua permanência, dividido em duas partes distintas: umaque trata do caminho da verdade (alétheia) e outra que trata do caminho da opinião (dóxa), ou seja, daquilo onde não há nenhuma certeza.De modo simplificado, a doutrina de Parmênides sustenta o seguinte:

Unidade e a imobilidade do Ser;O mundo sensível é uma ilusão;O Ser é Uno, Eterno, Não-Gerado e Imutável.Não se confia no que vê.

Devido a essas , alguns veem no poema de Parmênides o próprio surgimento daontologia . Ao mesmo tempo, o pensamento deParmênides é tradicionalmente visto como o oposto ao de Heráclito de Éfeso .

Para alguns estudiosos, Parmênides fundou a metafísica ocidental com sua distinção entre o Ser e o Não-Ser. Enquanto Heráclito ensinavaque tudo está em perpétua mutação, Parmênides desenvolvia um pensamento completamente antagônico: “Toda a mutação é ilusória”.

Parmênides vai então afirmar toda a unidade e imobilidade do Ser. Fixando sua investigação na pergunta: “o que é”, ele tenta vislumbraraquilo que está por detrás das aparências e das transformações.

Assim, ele dizia: “Vamos e dir-te-ei – e tu escutas e levas as minhas palavras. Os únicos caminhos da investigação em que se pode pensar:um, o caminho que é e não pode não ser, é a via da Persuasão, pois acompanha a Verdade; o outro, que não é e é forçoso que não seja,

esse digo-te, é um caminho totalmente impensável. Pois não poderás conhecer o que não é, nem declará-lo.” [26]

Numa interpretação mais aprofundada dos fragmentos de Heráclito e Parmênides, podemos achar um mesmo todo para os dois e estaoposição entre suas visões do todo passa a ser cada vez menor.

Parmênides comparava as qualidades umas com as outras e as ordenava em duas classes distintas. Por exemplo, comparou a luz e aescuridão, e para ele essa segunda qualidade nada mais era do que a negação da primeira.

Diferenciava qualidades positivas e negativas e, esforçava-se em encontrar essa oposição fundamental em toda a Natureza. Tomava outrosopostos: leve-pesado, ativo-passivo, quente-frio, masculino-feminino, fogo-terra, vida-morte, e aplicava a mesma comparação do modeloluz-escuridão; o que corresponde à luz era a qualidade positiva e o que corresponde à escuridão, a qualidade negativa. O pesado eraapenas uma negação do leve. O frio era uma negação do quente. O passivo uma negação ao ativo, o feminino uma negação do masculinoe, cada um apenas como negação do outro.

Por fim, nosso mundo dividia-se em duas esferas: aquela das qualidades positivas (luz, quente, ativo, masculino, fogo, vida) e aquela dasqualidade negativas (escuridão, frio, passivo, feminino, terra, morte). A esfera negativa era apenas uma negação da esfera positiva, isto é, aesfera negativa não continha as propriedades que existiam na esfera positiva.

Ao invés das expressões “positiva” e “negativa”, Parmênides usa os termos metafísicos de “ser” e “não-ser”. O não-ser era apenas umanegação do ser. Mas ser e não-ser são imutáveis e imóveis. No seu livro: Metafísica, Aristóteles expõe esse pensamento de Parmênides:“Julgando que fora do ser o não-ser é nada, forçosamente admite que só uma coisa é, a saber, o ser, e nenhuma outra... Mas,constrangido a seguir o real, admitindo ao mesmo tempo a unidade formal e a pluralidade sensível, estabelece duas causas e dois princípios:quente e frio, vale dizer, Fogo e Terra. Destes (dois princípios) ele ordena um (o quente) ao ser, o outro ao não-ser.”

[ E D I T A R ] O V I R - A - S E R

Quanto às mudanças e transformações físicas, o Vir-a-Ser, que a todo instante vemos ocorrer no mundo, Parmênides as explicava comosendo apenas uma mistura participativa de ser e não-ser. “Ao vir-a-ser é necessário tanto o ser quanto o não-ser. Se eles agemconjuntamente, então resulta um vir-a-ser”.

Um desejo era o fator que impelia os elementos de qualidades opostas a se unirem, e o resultado disso é um vir-a-ser. Quando o desejoestá satisfeito, o ódio e o conflito interno impulsionam novamente o ser e o não-ser à separação.

Parmênides chega então à conclusão de que toda mudança é ilusória. Só o que existe realmente é o ser e o não-ser. O vir-a-ser é apenasuma ilusão sensível. Isto quer dizer que todas as percepções de nossos sentidos apenas criam ilusões, nas quais temos a tendência depensar que o não-ser é, e que o vir-a-ser tem um ser.

[ E D I T A R ] O S E R - A B S OL U T O

Toda nossa realidade é imutável, estática, e sua essência está incorporada na individualidade divina do Ser-Absoluto, o qual permeia todo oUniverso. Esse Ser é onipresente, já que qualquer descontinuidade em sua presença seria equivalente à existência de seu oposto – o Não-Ser.

Esse Ser não pode ter sido criado por algo pois isso implicaria em admitir a existência de um outro Ser. Do mesmo modo, esse Ser nãopode ter sido criado do nada, pois isso implicaria a existência do “Não-Ser”. Portanto, o Ser simplesmente é.

Simplício da Cilícia , em seu livro Física, assim nos explica sobre a natureza desse Ser-Absoluto de Parmênides: “Como poderia sergerado? E como poderia perecer depois disso? Assim a geração se extingue e a destruição é impensável. Também não é divisível, poisque é homogêneo, nem é mais aqui e menos além, o que lhe impediria a coesão, mas tudo está cheio do que é. Por isso, é todo contínuo;pois o que é adere intimamente ao que é. Mas, imobilizado nos limites de cadeias potentes, é sem princípio ou fim, uma vez que a geração ea destruição foram afastadas, repelidas pela convicção verdadeira. É o mesmo, que permanece no mesmo e em si repousa, ficando assimfirme no seu lugar. Pois a forte Necessidade o retém nos liames dos limites que de cada lado o encerra, porque não é lícito ao que é serilimitado; pois de nada necessita – se assim não fosse, de tudo careceria. Mas uma vez que tem um limite extremo, está completo de todos oslados; à maneira da massa de uma esfera bem rotunda, em equilíbrio a partir do centro, em todas as direções; pois não pode ser algo maisaqui e algo menos ali.”

O Ser-Absoluto não pode vir-a-ser. E não podem existir vários “Seres-Absolutos”, pois para separá-los precisaria haver algo que nãofosse um Ser. Consequentemente, existe apenas a Unidade eterna.

Teofrasto relata assim esse raciocínio de Parmênides: “O que está fora do Ser não é Ser; o Não-Ser é nada; o Ser, portanto, é.