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Capitulo 1

Onde a Economia Encontra 0Direito

A relacao entre economistas e juristas sempre foi marcada por diferencas

nao raro intransponiveis, tendo sido alvo de piadas e acidas recriminacoes

mutuas. Alias, as trocas sobre advogados e economistas, distorcendo a irna-

gem do profissional do direito ou do economista, proliferam nao apenas nos

Estados Unidos e na Europa, como tarnbem entre n6s.

E conhecida, por exemplo, a aversao que John Maynard Keynes tinha por

advogados: certa vez, durante a reuniao de Bretton-Woods, 0 ilustre econornis-

ta britanico teria afmnado que os advogados eram os unicos na face da terra

que transformavam a poesia em prosa e a prosa em jargaol Em outra ocasiao,

afirmou que 0 Mayfair (0 navio que conduziu os pioneiros colonizadores ao

Novo Mundo) deveria ter atracado "packed w ith lawye rs" , nurna referenda mui-

to pouco elogiosa a quanti dade de advogados existentes naquele pais. Mesmo

assim, curiosamente, 0pai dos economistas liberais, Adam Smith, foi professor

de jurisprudence, tradicional materia de Direito, ainda que tampouco ele tivesse

uma opiniao muito enaltecedora sobre a profissao, Shakespeare, ao que parece,

tambem tinha pouco apre<_;opela categoria. Na pe<_;aHen riq ue V I, urn dos rebel-

des, Dick, 0Acougueiro, sugere que sejam liquidados todos os advogados! Me-

nos radical, mas ainda no seculo passado, urna charge no The New Thrk Times

mostrava a seguinte justificativa dada por urn profissional do Direito: "Sou um

membro da profissao legal, mas nao urn advogado no sentido pejorative",

Os economistas igualmente sao alvo facil de piadas para os advogados.

Uns ale gam que economistas sao como "profetas do passado" ou "engenhei-

ros de obras feitas", ja que nao e incomum ouvirmos a critica de que eles

estariam sempre prevendo 0 passado e tratando de temas do 6bvio ou do

incompreensfvel, Outros alegam que economistas sao futur6logos que inva-

riavelmente se equivocam em suas projecoes do futuro. Em defesa da catego-

ria dos economistas, mas ainda em tom de ironia, ja se sugeriu que a unica

coisa que nao se ensina na faculdade de Economia e tolerar os tolos.

A Importancia do Estudo Conjunto do Direito e da Economia

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4 D ireito , E co no mia e M ercad os ELSEV IER

Todos conhecemos outras piadas com evidente sentido de diversao; no

entanto, 0 conflito entre as duas profissoes e serio e merece reflexao. E certo

que, na opiniao dos juristas, foram os economistas (e, na opiniao dos econo-mistas, osjuristas) que alargaram as divisoes e diferencas entre as duas profis-

soes. George Stigler faz urn alerta sobre a dificuldade de comunicacao que

existe entre as duas disciplinas:

"Enquanto a eficiencia se constitui no problema fundamental dos economistas, a

justica e 0 tema que norteia os professores de Direito (...) e profunda a diferenca

entre uma disciplina que procura explicar a vida economica (e, de fato, toda a acao

racional) e outra que pretende alcancar ajustica como elemento regulador de todos

os aspectos da conduta humana. Essa diferenca significa, basicamente, que0eco-

nomista e 0advogado vivem em mundos diferentes e falam diferentes Iinguas."I

Mais recentemente, foram os planos de estabilizacao economica que au-

mentaram ainda mais 0 fosso entre advogados e economistas. E corrente a

critic a aos economistas que trabalharam para governos que, nos seus dife-

rentes planos de estabilizacao da moeda e programas de desenvolvimento,

sistematicamente desprezaram as liberdades publicas e os direitos individuais."

E comum dizer, por exemplo, que os economistas do governo sempre geramemprego para pelo menos uma profissao - ados advogados! Estes, por outro

lado, sao vistos por aqueles como interesseiros e desprovidos de espirito civi-

co, quando buscam na justica forcar 0 governo a realizar pagamentos total-

mente fora do alcance das contas publicas, ou entulhando 0J udiciario com

disputas ja pacificadas pelos tribunais superiores, prejudicando todo 0 pais

em busca de gordos honorarios.

o embate entre Direito e Economia no Brasil cresceu na decada de 1980 com

a avalanche de pIanos economicos e com a Constituicao de 1988, que abriu parao Poder judiciario novas (e importantes) fronteiras. Alem disso, alguns dispositi-

vos legais "abertos", no senti do de sua vagueza e abrangencia, nao raros no Direi-

to, foram ceIebrados na nova Carta, tornando a sua interpretacao cada vez

mais ampla. Da conjuncao entre dispositivos abertos - alguns dos quais dando

a entender ser dever do Estado prover services piiblicos universais ao cidadao

- e a crescente hegemonia do Poder Executivo resultou 0que ha de mais nefas-

to no sistema moderno: urn enorme deficit nas contas publicas, tanto interno

como externo, sem a contrapartida do crescimento economico.Jose Eduardo Faria resume as diferencas num paradoxo complexo e quase

insoluvel:

UNarealidade, para neutralizar 0risco de crises de governabilidade, nao cabe ao

sistema judicial por objetivos como disciplina fiscal acima da ordem jurfdica.

Zelar pela estabilidade monetaria e funcao do sistema economico. Como 0papel

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"Por isso, tendo em vista a seguranc,;ado direito, nao se pode cobrar economica-

mente da justica aquilo a que ela nao tern condicoes de atender juridicamente.Insistir em argumentos de ordem fiscal em detrimento de argumentos juridicos,

como tern feito 0 governo para pressionar 0 STF, e complicar as coisas.0que os

responsaveis por essas pressoes tern de entender e que crises de governabilidade

Capitulo 1: Onde a Economia Encantra 0Direito 5

ELSEVIER

do sistema judicial e aplicar 0 direito, ele s6 esta preparado para decidir entre 0

legal eo ilegal. Evidentemente, 0 sistema judicial nao pode ser insensivel ao que

ocorre no sistema econ6mico. Mas s6 pode traduzir essa sensibilidade nos limi-tes de sua capacidade operativa. Quando acionado, 0maximo que pode fazer e

julgar se decisoes econ6micas sao legalmente validas. Se for alern disso, a J ustica

exorbitara.justificando retaliacoes que ameacam sua autonomia. Como osjuizes

poderao preserva-la, se abandonarem os limites da ordem jUrldica? Por isso,

quando os tribunais incorporam elementos estranhos ao direito, eles rompem

sua l6gica operativa e comprometem os marcos legais para 0 funcionamento da

pr6pria economia.">

Alem disso, nao se pode ignorar que os sistemas juridico e economico estao

umbilicahnente ligados ao sistema politico. E 0nosso sistema politico privile-

giou a confusao reinante entre Direito e Economia. Por exemplo, ate por consi-

derar os nossos tribunais superiores nao como Cortes da federacao com a fun-

910 de controlar 0 sistema constitucional, mas como simples tribunais de justi-

~ de terceira ou quarta instancia as partes, 0 sistema judicial brasileiro apre-

enta uma disfuncao inrrinseca grave. Nurn sistema democratico, resolver (e

reformar) tal estrutura de solucao de conflitos e imperativo e urgente.

Inspirado em preceitos do seculo XIX, nossos tribunais ainda tendem a

entender e interpretar os conflitos de modo arcaico. De acordo com Wald,precisamos de uma economia de mercado inspirada com direito, e urn direito

que considere as regTas do mercado, na exata medida em que, "se houver urn

mercado sem direito, teremos uma selva selvagem. Se, ao contrario, tivermos

urn direito sem 0 funcionamento do mercado, havera a paralisacao do pais, e

nao havera desenvolvimento". Alem disso, segundo esse autor, 0velho brocardo

fiat ju stitia , p er ea t mundus [facajustica ainda que 0mundo pereca] nao pode se

obrepor a custa da existencia dos mercados e da economia: "( ...) de nada

adianta, pois queremos que a justica prevaleca para que 0mundo sobreviva,

se desenvolva e progrida''.'o judiciario tem 0 condao de aumentar 0 deficit das contas do Estado,

sobretudo quando julga sem considerar a extensao no plano economico, situa-

<;:aoque se agigantou em especial no Supremo Tribunal Federal (STF). 0pro-

blema parece ser insohivel: se, por urn lado, e preciso garantir que a justica seja

feita no plano individual, pOI' outro, nao se pode chegar a ponto de falir 0

Estado (e a sociedade) para tanto. 0mesmo prof. Jose Eduardo Faria aquilata:

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6 D ireito , E co no mia e M ercad os ELSEVIER

nao surgem apenas quando os tribunais agem sem "realismo economico". Elas

tambern irrompem quando aJustica, ao abandonar a logica do legal versus ilegal,

abre caminho para a justaposicao de suas esferas de competencias com as dossistemas econ6mico e politico. Como verso e reverso de uma mesma moeda, a

erosao da certeza juridica decorrente dessa indiferenciacao entre os Poderes e a

negacao aos mercados da seguranca legal que tanto reivindicam.:"

'Iambem na esfera microeconomica se observam diferencas criticas entre

economistas e operadores do Direito, porem com uma inversao das posicoes,

com os primeiros defendendo 0 respeito as leis, aos contratos e aos direitos de

propriedade, e os segundos relativizando-o para fora da l6gica do legal versus

ilegal a que se ref ere Jose Eduardo Faria. Urna pesquisa baseada em uma amos-

tra com 741 magistrados brasileiros, das justicas estadual, federal e do Traba-lho, realizada por Armando Castelar Pinheiro, revela que a maioria deles cons i-

dera que as decisoes judiciais no Brasil sao ocasionalmente baseadas .mais nas

visoes politicas do juiz do que em urna leitura rigorosa da lei, enquanto 20%

dos juizes acreditam que isso ocorre com frequencia e 4% que se trata de urn

fenomeno muito frequente." E nas decisoes envolvendo a privatizacao que a

visao politica do magistrado influencia mais acentuadamente 0 comportamen-

to do juiz: de acordo com 25% dos entrevistados, nesses casos a "politizacao"

das decisoes e muito frequente, e para 31% deles e algo frequente. Em disputas

sobre a regulacao de services publicos e contratos de trabalho e credito, osmagistrados apontam que a tendencia a politizacao das decisoes judiciais e

bern mais frequente do que sugerem os numeros acima.

A "politizacao" das decisoes judiciais se observa igualmente na tentativa

de alguns magistrados de proteger certos grupos sociais vistos como a parte

rna is fraca nas disputas levadas aos tribunais. Os pr6prios magistrados cos-

tumam se referir a esse posicionamento como urn reflexo do papel de promo-

ver a justica social que cabe aos juizes desempenhar. Perguntados se levados

a optar entre duas posicoes extremas - respeitar sempre os contratos, inde-

pendentemente de suas repercussoes sociais, ou tomar decisoes que violem

os contratos, na busca da justica social-, urna larga maioria dos entrevistados

(73,1 %) respondeu que optaria pela segunda alternativa. Essa ampla maioria

contrasta com a proporcao elevada, mas minoritaria, de magistrados para os

quais "0 compromisso com a justica social deve preponderar sobre a estrita

aplicacao da lei". 7 A proporcao de juizes que concordam com a segunda op-

<;ao ("0 juiz tern urn papel social a cumprir, e a busca da justica social justifica

decisoes que violem os contratos") tambem varia conforme a area a que se

ref ere a causa, e e mais forte em disputas que envolvem direitos do consumi-

dor, meio ambiente e disputas trabalhistas e previdenciarias. Por outro lado,

os magistrados posicionaram-se majoritariamente a favor da necessidade derespeitar contratos quando se trata de causas comerciais.

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Capitulo 1: Onde a Economia Encontra 0 Direito 7

ELSEVIER

o contraste entre essa posicao dos magistrados e 0 que, em geral, apren-

dem os economistas sobre como funciona 0Direito e significativo. E interes-

sante observar, tambem, que sao os juizes e os membros do Ministerio PUbli-co - que, em tese, deveriam ser os guardi6es maxim os da lei e da

inviolabilidade dos contratos - 0 grupo das elites brasileiras que propugna

com mais conviccao que a Justic;;a se afaste da mencionada 16gica do legal

versus ilegal.

A Tabela 1.1 reproduz as respostas de uma amostra estratificada de represen-

tantes de varies segmentos da elite brasileira aquela pergunta feita por Pinheiro

2003) aos magistrados, em pesquisa realizada por Bolivar Lamounier e Arnaury

de Souza." Como se ve, 0 respeito aos contratos, independentemente de suas

consequencias distributivas, e 0 valor predominante entre as elites brasileiras.As respostas dos membros do judiciario e do Ministerio PUblico destoam inteira-

mente da concedida por outros segmentos, mesmo em grau, ainda que nao em

sentido, dos representantes sindicais, religiosos e membros de ONGs.

Tabela 1.1:Opc;aoentre garantir 0 cumprimento de contratos e a busca dajustica social,

segundo0ponto de vista das elites

Questao: UNaaplicacao da lei, existe frequentcmente urna tensao entre contratos, que preci-sam ser observados, e os interesses de segmentos sociais menos privilegiados, que precis amser atendidos. Considerando 0conflito que surge nesses casos entre os dois objetivos especi-ficados, duas posicoes opostas tern sido defendidas:

A. Os contratos devem ser sempre respeitados, independentemente de suas repercussoessociais,

B. 0 juiz tem urn papel social a cumprir, e a busca da justica socialjustifica decisoes que vio-lem os contratos.

Com qual das duas posicoes o(a) senhor(a) concorda mais?"

Concorda Concorda Outras Sem opiniiiomais com a mais com a respostasprimeira (A) segunda (B)

Crandes empresarios 72 15 7 6

Liderancas do segmento de 45 50 5 0

pequenas e medias empresas

Dirigentes de entidades de 24 73 3 0

representacao sindical

Senadores e deputados federais 44 39 17 0

Executives do governo federal 77 15 8 0

~Iembros do judiciario e do 7 61 32 0

.Ministerio PUblico

Imprensa 52 32 16 0

Religiosos e ONGs 22 53 22 3

Intelectuais 50 30 18 2

Total48 36 14 2

Fonie: Lamounier e Souza (2002).

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8 D ireito , E co no mia e M ercado s ELSEVIER

Seja qual for a origem hist6rica de tais diferencas, e talvez exatamente por

causa delas, e inegavel que atualmente se compreende a necessidade de am-

pliar as fronteiras entre uma e outra ciencia humana como ponto de partidapara encaminhar 0 debate.? Quer pela justificativa da estabilidade economi-

ca, hoje reconhecida como irnprescindivel a urn sistema legal eficiente, quer

por meio da estabilidade das normas e do respeito aos contratos, igualmente

reconhecidos como fundamentais ao desenvolvimento economico, e precisopor maos a obra e aproximar as duas areas. Por 6bvio, ainda restam muitas

arestas a ser aparadas, e as dificuldades de comunicacao a que se refere Stigler

mostram a extrema dificuldade com que confluem os significados e os insti-

tutos juridicos, assim como os conceitos da teoria economica.

Esta claro que, para os juristas, 0mundo mudou, e muito. Alem disso,confirma-se a impressao comum de que os advogados nao exercem mais 0

papel que antes lhes era reservado. Desde que Bolimbroke criou, e

Montesquieu sistematizou, a triparticao dos Poderes, a administracao da jus-

tica passou a ser funcao do juiz que julga, do promotor que representa a

sociedade, e do advogado que defende os interesses de seus clientes. Por

certo, este modelo nao pode mais se aplicar nos dias de hoje.'?

Ao menos no que se refere ao advogado, garantiu-se a ele, no passado, 0

papel de interprete da lei, dos direitos e dos deveres. A figura incontrastavel

do born orador e do habil negociador perdurou por pelo menos 15 seculos, eesta definitivamente superada. Reconhece-se, contudo, que 0 advogado eimprescindivel para assegurar que os interesses de seus clientes nao sejam

lesados, defende-los se houver prejuizos e servir como intermediario em ne-

gociacoes mais dificeis. Hollywood imortalizou as sinteticas frases Talk to m y

lawyer ou ainda See you in court como sinonimos da importancia instrumental

do advogado, profissional essencial para a preservacao de direitos fundamen-

tais objetivos e subjetivos, urn dos elementos mais importantes da democra-

cia - isso num pais tao hostil a sua funcao,No entanto, ao optar por trabalhar em hip6teses te6ricas e condicionais

que quase nunca se materializam, 0 advogado era visto como uma especie de

chato necessario. E mesmo que pudesse ter razao em situacoes mais extre-

madas, seu papel na comunidade empresarial nao era visto como construti-

vo. Engasgando sempre com detalhes, com suposicoes irrealistas e com ques-

toes menores, era considerado moroso no que fazia e sua contribuicao, no

minimo, modesta. Assim, na opiniao de muitos, era uma das funcoes que

mereciam ser urgentemente terceirizadas.

Essas visoes, se representavam a imagem costumeiramente aceita do ad-

vogado, se provaram equivocadas e distorcidas, distantes da realidade atual

que se impoe aos neg6cios. Como em tudo, a sociedade esta em constante

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Capitulo 1: Onde a Economia Encontra 0 Direito 9

utacao, e nao poderia ser diferente para os operadores do Direito. Por urn

0 nao e mais ele quem administra 0monop6lio do acesso da J ustica,pouco pode ser considerado urn elemento causador de tumultos, ganan-

.: e pernostico, Seu papel mudou radicalmente para a sociedade e para as

resas. Muito mais do que urn formalizador de decisoes e x ante , 0 advoga-

e fundamental para agregar valor ao acionista e evitar riscos que possam

locar em xeque 0 neg6cio em si. "Parte desses riscos resulta da expropria-

- que pode ocorrer por atos do Principe, insuficientemente controlado ou

mo coadjuvado pelo Poder judiciario, no que Bacha, Arida e Rezende

nominam risco jurisdicional, agregando ao panorama empresarial urn ris-

que se mostra mais agudo, com a tao propalada crise dajustica e do Judi-

rio."!'

o Poder Judiciario acabou se tornando uma alternativa ainda mais dis-

e para a solucao dos conflitos. Emerge desse fato, como principal causa,

escolamento da lei para a sociedade. Se, por urn lado, e 0 contrato que

- e as regras entre as partes (a lei somente prevalece naquilo que conflitar

os contratos), no mundo atual dos negocios sao os tribunais arbitrais

e. potencialmente, substituem 0 judiciario como arena para a solucao de

itos. Ou seja, de modo geral, as empresas encaram 0 Poder Judiciarioo alternativa pouco eficiente, dotada de uma relacao custo-beneficio de-

. ibrada, para ser acionada apenas em ultimo caso. E morosa, extrema-

te ritualizada, imprevisivel e cara. Sem con tar que muitas vezes quem

zanha nao leva.

Se 0 fato concreto se resume a constatacao de que ir aos tribunais se tor-

urn caminho espinhoso e cheio de riscos para os agentes economicos,

elerou-se, com isso, 0 processo de transformacao da formacao do advoga-

. seja ele 0executivo da empresa responsavel pela area juridica, seja 0profis-

liberal que the presta assessoria.

Alem disso, ainda que nao haja, nem nunca tenha havido, urn Direito que

seja economico, no dizer de Fabio Nusdeo, a divisao entre a ciencia do

ito e a ciencia da Economia vern se tornando menos rigida com as trans-

rmacoes que se observam na aplicacao do direito.P 0campo de atuacao do

.sta passou a se constituir eminentemente por dispositivos de cunho

ncial, de materias que envolvem interesses economicos. Ora, 0 Direito

- pode deixar de perceber que 0 seu papel e, por consequencia, 0 do advo-

__do por si so, serve senao para criar regras de comportamentos que tute-a atividade humana, que tenham, em algum momento, valor moral e

or economico.

Do ponto de vista contemporaneo, os escandalos corporativos de gran-

empresas como Enron, Mel e Parmalat mostraram que ha urn certo en de-

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10 Direito, Economic e Mercados ELSEVIER

recamento pessoal e moral que exige que 0 advogado adquira nao apenas

capacidade tecnica ou de planejamento, mas tambem aquela de longo prazo,

que inclua a responsabilidade social no foco da defesa de seu constituinte.

Nao por outra razao, a sabedoria pratica, a tecnica e 0 conhecimento jurfdico

precisam estar aliados aos efeitos de uma politica corporativa motivada pelo

longo prazo, pela responsabilidade social e pela credibilidade. Assim, 0advo-

gada deveria pensar e agir com uma especie de reserva moral para questoes

publicas que possam afetar a reputacao e 0negocio em si. Tal atitude signifi-

ca ir mais lange: significa agir tambem como policial vigilante de politicas

arriscadas e potencialmente devastadoras no longo prazo. Por essa razao, e

util promovermos uma revisao do que aconteceu na chamada crise etica nomundo corporativo atual. Como alguns importantes diretores jurfdicos fo-

ram implicados em tais escandalos, tanto por pratica irresponsavel da profis-

sao como por fraude mesmo, e preciso investigar a natureza e a causa da

postura do advogado em cad a caso. Se urn dos importantes papeis do advo-

gado e ser 0 conselheiro-preventivo, 0 fato de ele nao ter funcionado como

tal indica que ha urn problema, cuja solucao esta, em parte, no resgate da

dimensao moral que deveria fazer parte da carreira jurfdica. E, curiosamen-

te, tais eventos mostraram a importancia de en tender Direito &Economia na

me sma sintonia, dentro de urn espectro maior de etica."

Entretanto, a origem dessas transformacoes nao e nova. Alias, esta noDireito romano, quando, mediante a evolucao da consciencia social e de cir-

cunstancias de fato, se criou uma atividade voltada para a interpretacao das

normas de direito, desenvolvendo e adaptando 0direito existente as necessi-

dades sociais. Assim, na Roma antiga havia os prudentes, aqueles que podiam

agir, nao propriamente na defesa em juizo, esta confiada aos advogados, mas

na indicacao das formas; os juriconsultos, que monopolizavam a atividade

consistente em dar pare ceres e solucoes para as questoes (a atividade derespondere, por escrito, scribere, a pedido dos magistrados ou particulares, ou

decidir controversias, iudices); e os pretores, que administravam a justica com

poderes jurisdicionais."

omovimento de Law &Economics (a que vamos nos referir de agora em

diante como movimento de Direito & Economia) nasce como uma resposta a

todas essas (e outras) mudancas discutidas aqui. Surge inicialmente como

uma disciplina de economia das faculdades de direito, mas logo 0mundo do

direito percebe os imensos beneffcios que poderia trazer aos advogados ir

alem, com a construcao de uma teoria economica do direito que pudesse, em

especial, dar respostas a urn advogado que rapidamente muda de perfil. 15

Claro que 0 chamado "advogado do direito empresarial" nao e exatamenteurn profissional de economia; no entanto, e inegavel que, a medida que urn

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Capitulo 1: Onde a Economia Encontra 0 Direito 11

rador do direito consiga entender a l6gica e 0 racional economico que

neiam a atividade empresarial, sua tarefa se simplifica. Todas as areas do

~d.LIJU1dodireito empresarial" tern 6bvios fundamentos economicos, dai as

ragens de se conhecer a sua inspiracao.

o presente livro didatico pretende, de forma sintetica, despretensiosa e

esgotar 0assunto, reduzir a distancia entre os conceitos e a aplicacao dos

- itutos juridicos e a teoria economica, ou, como preferimos, ocupar-se em

;-Q"af a fronteira entre as ciencias do Direito e da Economia, dentro de urna

:<1visao funcional do advogado na sociedade e na empresa." Pelas razoes

vamos debater aqui, 0Direito e relevante para a Economia, e a Economia

ente relevante para 0Direito.

amos agora estudar 0papel do Direito na Economia.

Papel do Direito na Economia

Em que pesem as diferencas de ponto de vista, ha urn amplo reconheci-

ento entre os economistas de que as leis, 0judiciario e 0 direito em geral

e cern urn papel essencial na organizacao da atividade economics. Esse

nhecimento, ainda relativamente recente, se deu em larga medida com a

lhor compreensao do papel das instituicoes na economia e, em especial,

de envolvimento economico, processo que ganhou corpo na decada de

. North e Olson, por exemplo, apontam as instituicoes como 0 deter-

. ante mais importante (junto com as politicas economicas adotadas) do

e 0 de urn pais em desenvolver-se. Segundo Olson, "qualquer pais pobre

implemente politicas economicas e instituicoes relativamente adequadas

experimenta uma rapida retomada do crescirnento".'? Scully obtem eviden-

- empiricas de que paises com boas instituicoes sao duas vezes mais efi-

entes e crescem tres vezes mais rapido do que aqueles com instituicoes18

_Iais recentemente, 0 estudo de Shahid Burki e Guillermo Perry, Beyond~rashing ton consensus : ins ti tu tions matt er , publica do pelo Banco Mundial em

_" trata da reforma das instituicoes em certas areas como a financeira, a

cacional e ajudicial na America Latina e mostra que instituicoes fortes e

speitadas contribuem para 0 crescimento economico. A igual conclusao

ezaram Edward Glaeser, Rafael La Porta, Florencio Lopez de Silanes e

drei Shleifer em Do institu tion s cause grow th? (NBER,jun. 2004), com exem-

- e provas concretas da hist6ria economica recente.

Foi com base nessa literatura que se desenvolveram os estudos que elabo-

ram e demonstram empiricamente a influencia positiva que instituicoes le-_ - (aqui entendidas como 0 sistema de normas e 0 sistema Judiciario) efi-

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12 D ire ita , E co nomic e Merc ad os ELSEVIER

cientes exercem sobre a economia. Entre outras coisas, tais trabalhos enfatizam

o papel das leis em alocar os direitos de propriedade de forma a minimizar 0

imp acto dos custos de transacao sobre a eficiencia economica, e em defmir a

distribuicao da renda em geral; a funcao dos contratos em organizar a pro-

ducao por meio do mercado (em anteposicao a faze-lo hierarquicamente dentro

da empresa) e em distribuir riscos entre os agentes economicos; e do Judici-

ario em arbitrar disputas no caso de situacoes nao previstas em contratos (ou

na lei).

Ronald Coase chama atencao para 0 fato de que a politica economica

nada mais e do que a escolha de regras e procedimentos legais e estruturas

administrativas com 0 objetivo de maximizar 0 bem-estar social. Para ele, apolitica economica consiste na escolha entre instituicoes sociais alternativas,

e estas sao criadas por lei ou dela dependem:

"0 objetivo da politica economica e garantir que as pessoas, quando decidem

que caminho seguir, escolham aquele que resulta na melhor escolba para 0siste-

ma como urn todo. (...)Ja que, na maior parte das vezes, as pessoas optam por

fazer aquilo que elas pensam que promove 0 seu proprio bem-estar, a forma de

alterar 0 seu comportamento na esfera econornica e fazer com que seja do seu

interesse fazer isso (agir como e melhor para 0sistema). A (mica forma disponi-

vel para os governos fazerem isso (que nao pOl' meio da exortacao, em geral

completamente ineficaz) e alterar a lei ou sua aplicacao.v"

Na perspectiva proposta por Coase, as leis atuam sobre a atividade econo-

mica, por intermedio da politica econ6mica, desempenhando quatro fun-

<_;6esbasicas: protegem os direitos de propriedade privados; estabelecem as

regras para a negociacao e a alienacao desses direitos, entre agentes privados

e entre eles e 0Estado; definem as regras de aces so e de safda dos mercados;promovem a competicao; e regulam tanto a estrutura industrial como a con-

duta das empresas nos setores em que ha monop6lio ou baixa concorrencia.

Sherwood, Shepherd e Souza, pOl' sua vez, atestam:

"Em sistemas de mercado, a estrutura legal (em termos ideais pelo menos) estabe-

lecera direitos de propriedade duradouros - os quais dificilmente serao aliena-

dos de forma arbitraria - e fornecera os meios para que esses direitos permeiem

e se facam valer ao longo de toda a estrutura dos meios de propriedade: permiti-

ra urn nfvel substancial de atividade e garantira Iiberdade suficiente para associa-

c;,:aoo que diz respeito a formacao de empresas e, considerando e definindo 0

carater limitado de responsabilidade das partes, encorajara 0crescimento do

capital, estabelecendo as bases para a dissolucao ordenada de associacoes, em-

presas,joint-ventuTes e assim por diante."?

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Capitulo 1: On de a Economia Encontra 0 Direito 13

Hay, Shleifer e Vishny afirmam, na mesma toada, que:

"0 primado do Direito significa, em parte, que as pessoas usam 0sistema legalpara estruturar suas atividades econornicas e resolver suas contendas. Isso signifi-

ca, entre outras coisas, que os individuos devem aprender 0 que dizem as regras

legais, estruturar suas respectivas transacoes econ6micas fazendo uso delas, pro-

curar punir ou obter compensacoes daqueles que as quebram e voltar-se a instan-

cias publicas, como os tribunais e a policia, para a aplicacao dessas mesmas

regras."!

Num senti do estrito, ha tres tipos de regra: as de conduta, as de organiza-

~o e as que induzem os agentes a urn dado programa (conhecidas como

regras programaticas"). Para Norberto Bobbio, sao tres as funcoes funda-

mentais da linguagem do Direito (que, por sua vez, expressam regras de con-

duta, de organizacao e programaticas): descritiva, expressiva e prescritiva."

Toda lei contern em si urn elemento de prescricao; urn conjunto de normas

que visa determinar a conduta, a organizacao ou 0programa de urn grupo de

zentes economicos e que deve estar sustentada pela sancao do Estado, ou 0

ue se conhece como eficacia da norma. Tais nocoes de teoria geral de direito

--0 importantes para compreender por que e preciso migrar mais efetiva-

ente para 0 sentido mais economico do direito; as leis sao comandos de

autoridade que imp oem custos ou beneficios aos participantes de uma tran-

- ~o na economia e que sofrem incentivos (positivos ou negativos) no pro-

e 0 de seu cumprimento. Nesse sentido, law matters"

Os contratos desempenham urn papel igualmente central na organizacao

da atividade economica, uma vez que sao a base de sustentacao de muitas

transacoes realizadas no mercado, em especial aquelas de maior complexida-

e. Como apontam Werin e Wijkander, nao obstante, a teoria economica ig-

norou os contratos e seus efeitos microeconomicos por muitos anos.P S6

com0

trabalho pioneiro de Ronald Coase a ciencia economica passou a en-ender que transacoes humanas, comerciais e de trocas sao reguladas nao

zclusivamente pelo sistema de pre<;;os,mas tambem pelos contratos. Em

special, Coase mostrou que tudo 0 que e feito em uma empresa pode seretuado por intermedio do mercado com urn conjunto (ou "feixe", como se

refere dizer) de contratos adequadamente desenhados. 0 que leva a produ-

~o a organizar-se de uma ou outra forma e , em larga medida, 0 custo de

tran a<;;aoinerente a cada opcao.

A importancia para a economia de urn sistema judiciario que proteja con-

tos e garanta os direitos de propriedade, com base em urn sistema de nor-

coerentes, tambem pode ser aferida tanto por argumentos 16gicos como

pela larga evidencia empirica hoje acumulada sobre essa relacao. J ustica e

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14 D ireito , E co nomic e M ercad os ELSEVIER

desenvolvimento economico estao ligados umbilicalmente, ainda mais de-

pois das reformas liberalizantes levadas a cabo na decada de 1990. Como

observado por Summers e Thomas, "0 estabelecimento de urn sistema legal ejudiciario que funcione adequadamente e que garanta direitos de proprieda-

de e essencial como complemento as reformas economicas't.P De acordo com

Willig, ap6s as privatizacoes, os paises que as adotaram ficaram mais depen-

dentes de bons sistemas legais e judiciais para viabilizar niveis adequados de

investimento." Douglass North, premio Nobel de Economia, assim resumiu

a evidencia hist6rica sobre a ligac;ao entre a Justic;a eo desenvolvimento eco-

nomico:

"De fato, a dificuldade em criar urn sistema judicial dotado de relativa imparcia-

lidade, que garanta 0cumprirnento dos acordos, tern se mostrado urn impedi-

mento critico no caminho do desenvolvirnento economico, No mundo ociden-

tal, a evolucao dos tribunais, dos sistemas legais e de urn sistema judicial relativa-

mente imparcial desempenha urn papel preponderante no desenvolvimento de

urn complexo sistema de contratos capaz de se estender no tempo e no espa<;o,

urn requisito essencial para a especializacao economica.?"

A relacao entre judiciario e desenvolvimento enseja varias oportunidade

para os economistas trabalharem 0tema do Direito. Quais sao os meritos e

derneritos de urn sistema judicial e de urn sistema legal numa economia?

Quais sao seus impactos distributivos sobre 0 sistema financeiro, sobre a

relacoes de trabalho etc.? Como reformar 0 sistema judicial em economias

em desenvolvimento para que possa propiciar maior crescimento economi-

co? Esta nao e , porern, a (mica janela pela qual os economistas tern procura-

do olhar as relacoes entre Direito e Economia. Eles tambem colaboram com

os advogados e os tribunais, como peritos, na forrnulacao de pareceres, na

instrucao de processos e na tomada de decisoes judiciais sobre disputas eco-

nomicas. Por exemplo, casos de direito da concorrencia, de comercio exterior

ou de discussoes societarias podem necessitar do expertise do analista econo-

mico. Alem disso, os economistas podem ajudar a en tender 0 litigio judicial,

os incentivos ao conflito e os custos e as recompensas envolvidos nas dispu-

tas judiciais, por meio de pesquisa economica aplicada.

Em sfntese, 0 Direito afeta de forma dramatica a economia em face do

desenho da politica economica, da determinacao dos direitos de propriedade,

do direito dos contratos e de sua aplicacao pelo Poder judiciario, Sem excluir

outros fatores importantes, como a educacao e a liberdade, e 0Direito urna da

instituicoes que mais influenciam a diferenca de desempenho economico en-

tre paises desenvolvidos e nao desenvolvidos. Em especial, 0 respeito aos con-

tratos e a propriedade privada beneficia em muito 0 eficiente funcionamento

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Capitulo 1: Onde a Economia Encontra 0 Direito 15

nomia. Este talvez seja 0canal mais importante, nao obstante nao seja 0

. a gerar no Direito urn largo campo de trabalho para os economistas.

--0posto, devemos responder a seguinte questao: quais sao, de fato, aspelas quais urn advogado deve entender de Economia?

- Ito, Economia e Mercados

- gundo Malloy, 0mercado e uma estrutura de formacao de valores, mas

,m de significados, com os quais os individuos buscam atender a seus

ere es especificos. 0 mercado atende as trocas relacionais e, implicita-

e. envolve a pr6pria nocao de comunidade. Sem mercado, nao hi tro-

e. em trocas, a economia nao se desenvolve e 0 direito e muito menos

- ositivo, ji que cada urn apenas sobrevive e produz para si - 0 que sim-

ente nao existe hoje. 0 foco da economia de mercado e a natureza e a

sequencia do processo de trocas, muito mais do que a alocacao dos recur-

escassos dos individuos, visto que, sem a presen<;a de outros agentes,

-- tiria mercado; as decisoes economic as seriam egocentricas e, para 0

ito, irrelevantes. As teorias da economia de mercado, portanto, dizem

~ ito as liberdades individuais no ambito de uma comunidade, em que 0

r dos significados da riqueza esta definido pelo processo de interacao

rre eles."

A mais relevante funcao dos mercados, instituicao pr6pria do capitalis-

. de acordo com Stzajn, e "ordenar a troca economica de forma a, ao faci-

a circulacao de riqueza a partir de uma dada e previa atribuicao de

priedade, tornar 0 sistema mais eficiente"." Segundo ela, sao duas as

rrentes doutrinarias que explicam a formacao historica do mercado: 0 fru-

do laissez-faire , laissez-passer do liberalismo do seculo XVIII, e uma outra

rrente que justifica a existencia dos mercados em razao das normas.P

.-\5 relacoes entre a economia de mercado e essa miriade de normas de-

se ater nao somente a eficiencia das normas e dos regulamentos - para

Ia l loy, urn conceito fluido'" -, e sim considera-lo urna instuuidio. Ou seja,

am que possa ser justificada a existencia de medidas normativas que resul-

em em movimentos de trocas, os mercados sao muito mais do que espa<;os

locais em que se realiza 0 comercio.

o entendimento do C6digo Comercial de 1850, de que 0 espa<;ofisico

nao se refere ao mercado.ja era dado no seu artigo 32:

"Praca do comercio e nao so 0local, mas tambern a reuniao dos comerciantes,

capitaes e mestres de navio, corretores e mais pessoas empregadas no comercio

(...).0 regulamento das prar,;as do comercio marcara tudo quanta diz respeito a

policia intern a das mesmas prar,;as e mais objetos a elas concernentes. "32

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16 D ireito , E co no mic e M ercad os ELSEVIER

Para Natalino Irti, e 0 direito que constitui e disciplina os mercados, amedida que a economia os juridifica e 0 direito estabelece e rege relacoes

economic as e mercantis, em que 0 proprio Estado ordena uma tal constru-

<;aoque promove interesses especificos. Assim, nao ha como debater merca-

dos sem direito ou economia, em especial se considerarmos que se trata de

uma instituicao que, antes de mais nada, e uma estrutura de relacoes huma-

nas.33

A escolha de mercado nao e puramente racional, nem 0 resultado do pro-

cesso cientffico de combinacao de custo-beneficio; ela leva em conta, muito

mais, a inierpretacao de determinados significados, em esquemas de incentivo/desincentivo.t" Assim e que 0Direito, para Malloy, nao cuida apenas da media-

<;aodo conflito em si - ele engloba tambem os valores dos processos de troca."

A par do conceito de mercado, entretanto, esta sedimentada a ideia de

que 0Direito detem 0 rnonopolio da violencia, de que sua unicidade se sobre-

poe as suas multiplicidades de valores e interesses, de que existe a suprema-

cia de certos prindpios e de que normas primeiras fundamentam as demais,

num sistema hierarquico e ordenado. Tercio Sampaio Ferraz Jr. afirma que a

nocao corrente de que 0Direito esta a service da justica e de que as divers ase variadas pretensoes sao, em funcao disso, canalizadas para urn endereco

unico, adapta-se a uma operacionalizaaio da multiplicidade que permite formu-

lar e classificar comportamentos duais, porem abstratos (legal ou ilegal, certo

ou errado etc.). Essas dicotomias do Direito conferem urn carater de univer-

salidade conforme os criterios internos do sistema juridico vigente, com re-

gras que so se operacionalizam no mercado, e 0mercado, na economia.

Por que urn Advogado Precis a Entender de Economia?

Por que os operadores de direito deveriam estudar Direito e Economia?

Cooter e Ulen avaliam que a analise econornica do direito e materia

interdisciplinar que traz as duas areas de estudo para uma mesma arena e

facilita 0 entendimento de ambas." A economia contribui para que 0Direito

seja percebido numa nova dimensao, que e extremamente util na compreen-

sao da formulacao de politicas publicas.

Afastando-se da premissa universal do direito como instrumento de justi-ca - 0 que e amplamente contestado na pratica e na doutrina -, mesmo que

muitos ainda possam considera-lo formulador ou instrumento de solucao de

conflitos, a maior parte do movimento de Direito e Economia ve 0 direito

como urn conjunto de incentivos para determinar 0 comportamento huma-

no por meio do sistema de precos e outros incentivos economicos (ja que

existem incentivos economicos que nao pass am pelo sistema de pre<;os, como