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Aixa de UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ FACULDADE DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO BRASILEIRA CLAUDIANA MARIA NOGUEIRA DE MELO PROGRAMAS DE FORMAÇÃO DE PROFESSORES ALFABETIZADORES DE CRIANÇAS: ANÁLISE DOS ASPECTOS POLÍTICOS E PEDAGÓGICOS FORTALEZA 2015

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Aixa de

UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ

FACULDADE DE EDUCAÇÃO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO BRASILEIRA

CLAUDIANA MARIA NOGUEIRA DE MELO

PROGRAMAS DE FORMAÇÃO DE PROFESSORES ALFABETIZADORES DE

CRIANÇAS: ANÁLISE DOS ASPECTOS POLÍTICOS E PEDAGÓGICOS

FORTALEZA

2015

1

CLAUDIANA MARIA NOGUEIRA DE MELO

PROGRAMAS DE FORMAÇÃO DE PROFESSORES ALFABETIZADORES DE

CRIANÇAS: ANÁLISE DOS ASPECTOS POLÍTICOS E PEDAGÓGICOS

Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação Brasileira da Universidade Federal do Ceará, como requisito parcial para obtenção do título de Doutora em educação. Área de concentração: Educação brasileira.

Orientadora: Profª Dra. Sylvie G. Delacours

Soares Lins.

FORTALEZA

2015

2

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação Universidade Federal do Ceará

Biblioteca de Ciências Humanas

M528p Melo, Claudiana Maria Nogueira de.

Programas de formação de professores alfabetizadores de crianças: análise dos aspectos políticos e pedagógicos / Claudiana Maria Nogueira de Melo. – 2015.

165 f. : il. color., enc. ; 30 cm. Tese (doutorado) – Universidade Federal do Ceará, Centro de Humanidades, Programa de Pós-

Graduação em Educação Brasileira, Fortaleza, 2015. Área de Concentração: Educação Brasileira. Orientação: Profa. Dra. Sylvie G. Delacours. 1. Professores - formação. 2. Professores alfabetizadores. 3. Políticas. I. Título.

CDD 379.24

3

CLAUDIANA MARIA NOGUEIRA DE MELO

PROGRAMAS DE FORMAÇÃO DE PROFESSORES ALFABETIZADORES DE

CRIANÇAS: ANÁLISE DOS ASPECTOS POLÍTICOS E PEDAGÓGICOS

Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação Brasileira da Universidade Federal do Ceará, como requisito parcial para obtenção do título de Doutora em Educação. Área de concentração: Educação brasileira.

Aprovada em: 19 / 11 / 2015.

BANCA EXAMINADORA

______________________________________________ Profa. Dra. Sylvie G. Delacours Soares Lins (Orientadora)

Universidade Federal do Ceará (UFC)

______________________________________________ Profa Dra. Ana Maria Iório Dias

Universidade Federal do Ceará (UFC)

______________________________________________ Profa. Dra. Francisca Geny Lustosa

Universidade Federal do Ceará (UFC)

______________________________________________ Profa. Dra. Maria Socorro Lucena Lima Universidade Estadual do Ceará (UECE)

______________________________________________

Profa. Dra. Xênia Diógenes Benfatti Universidade de Fortaleza (UNIFOR)

4

Ao amado pai Nilo Saraiva de Melo (In

Memoriam), que “encantou-se” durante a

realização desta pesquisa, e à querida mãe

Terezinha Nogueira de Melo, pelo amor

incondicional e exemplos de vida.

Ao Carlos Bonfim, meu grande e eterno amor,

pelo afeto, paixão e comunhão.

Ao meu amado filho, Íkaro de Melo Bonfim,

pela imensa alegria de tê-lo em minha vida.

Ao Lukas, à Karoline, ao Tarcilio, Giordano,

Beatriz, Estevão, Vinicius e Valentina, pessoas

que enchem minha vida de luz.

5

AGRADECIMENTOS

Ao Deus pai misericordioso que me dá preciosas oportunidades.

À Professora Dra. Sylvie Delacours S. Lins, pela orientação deste estudo,

acompanhamento e compreensão com as minhas questões pessoais. Meus sinceros

agradecimentos.

À Professora Dra Ana Iório Dias, por sua consistente contribuição nos exames de

qualificação e defesa final da tese. Seu profissionalismo, sensibilidade e respeito são

exemplos de docência.

À Professora Dra. Geny Lustosa, amiga querida, docente de tantos saberes, pelo

carinho, respeito, interlocuções, leituras, inquietações causadas e indicações para a melhoria

deste estudo.

Às Professoras Doutoras Socorro Lucena e Xênia Benfatti, pelas valiosas

participações, avaliações e contribuições neste trabalho.

Ao Professor Me. Carlos Bonfim, pela parceria, interlocuções, livros partilhados,

leituras e acompanhamento deste texto. Obrigada pelo companheirismo, por compreender

cada fase vivida e por me curar com seu amor.

À Terezinha Nogueira, mãe amada, pela “força-tarefa” que organizou para me dar

condições para a escritura deste texto. Pelo amor e orações recebidas.

Aos irmãos queridos, Clébia, Nilo Filho, Claudete e Françuir, pela amizade, carinho e

inúmeros cuidados com Íkaro.

À Mazé (Dedé), por cuidar tão bem de meu filho, possibilitando tempo para dedicar-

me à produção desta investigação.

À Maninha, que viabilizou a alimentação de minha família, cuidados com Chiara e

Cacau, feitos de forma tão dedicada.

À Professora Dra. Inês Mamede, pelo carinho, respeito, torcida e ajuda na elaboração

da temática desta pesquisa.

À Professora Dra. Bernadete Porto, pela sensibilidade e solidariedade em me partilhar

seu gabinete para a escrita deste texto.

Às amigas queridas, Gardênia Lustosa, Anita Lustosa, Gustava Bezerril e Márcia

Holanda, pela amizade e palavras de incentivo.

À Ruth Janiques, pelas palavras sábias e cuidados dedicados.

6

Aos professores e professoras do Programa de Pós-Graduação em Educação, da

Universidade Federal do Ceará, que partilharam seus saberes e contribuíram para meu

desenvolvimento profissional.

Aos colegas professores do Curso de Pedagogia, da Faculdade de Educação de

Itapipoca (FACEDI), unidade da Universidade Estadual do Ceará (UECE), pela torcida e por

compreenderem minhas limitações de tempo.

Ao Professor Vianey Mesquita, pela revisão final deste texto.

7

RESUMO

A constituição teórica e metodológica dos programas de formação de alfabetizadores de crianças, Formação de Professores Alfabetizadores (PROFA), Pró-Letramento e Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa (PNAIC), é o objeto desta tese. O objetivo é investigar, por meio de um estudo comparativo, tanto os modelos de formação como as intenções que referendam os procedimentos e práticas alfabetizadoras. O referencial teórico está organizado em temáticas agrupadas nas discussões sobre formação docente, políticas educacionais e alfabetização/letramento/gêneros textuais. A metodologia é de natureza qualitativa do tipo bibliográfica e documental, com o uso do método de análise de conteúdo. Assente em uma perspectiva comparativa, a análise revelou-nos que o PROFA, PRÓ-LETRAMENTO e PNAIC são estruturados de acordo com as orientações do Banco Mundial, sob a padronização internacional de políticas seguindo os princípios de focalização e descentralização. Os programas apresentam mais semelhanças do que diferenças: apesar de utilizarem denominações diferentes para os modelos de formação, apresentam em comum o conceito de formação centrado na prática docente, esta baseada na teoria da epistemologia da prática. A reflexão, eixo estruturador do processo de aprendizagem dos professores, é apresentada na dimensão individual, voltada, sobretudo, ao mundo privado da aula. Nessa direção, os professores são vistos como práticos reflexivos. Em relação ao processo de alfabetização, os três programas têm a teoria da psicogênese da língua escrita como base epistemológica para a compreensão da aquisição da linguagem escrita pela criança. Contudo, apenas o PRÓ-LETRAMENTO e PNAIC assumem de forma mais explícita uma sistematização do processo de aquisição da escrita e sobre a temática do letramento. Metodologicamente, as similaridades se concentram nas propostas de trabalhos colaborativos, promovidos por meio da formação de grupos de discussão, na socialização e na proposição de atividades permanentes nos encontros presenciais. Em suma, a análise comparativa dos materiais do PROFA, PRÓ-LETRAMENTO e PNAIC nos fez inferir: estes programas representam avanço quanto à possibilidade de constituição de saberes dos docentes, visto a especificidade da área e as fragilidades relativas à formação inicial. Mas, por outro, representam a clara intenção do Estado em tratar a formação de alfabetizadores e a educação da criança sem perspectivas de realmente transformar a realidade social com vistas a uma vida humanizada e mais justa.

Palavras-chave: Programas de Alfabetização. Formação docente. Alfabetização. Letramento.

8

RÉSUMÉ

La constitution théorique et méthodologique des programmes de formation d’enseignants responsables de l’alphabétisation d’enfants, Formation d’Enseignants Responsables de l’Alphabétisation (PROFA), “Pró-Letramento” et Pacte National pour l’Alphabétisation au Bon Âge (PNAIC), c’est le sujet de cette thèse dont le but est d’enquêter, grâce à une étude comparative, tant les modèles de formation que les intentions qui réaffirment les processus et les pratiques d’alphabétisation. Sa base théorique est organisée dans des thématiques recueillies des discussions sur la formation de l’enseignant, les politiques de l’éducation et l’alphabétisation/genres textuels. La méthodologie est fondamentalement qualitative du type bibliographique et documentaire, avec l’utilisation de la méthode d’analyse de contenu. Fondée sur une perspective comparative, l’analyse nous a dévoilé que les programmes PROFA, PRÓ-LETRAMENTO et PNAIC sont structurés selon les orientations de la Banque Mondiale, sous la standardisation internationale de politiques conformément aux principes de focalisation et décentralisation. Les programmes présentent plus de ressemblances que de différences: malgré l’utilisation de différentes terminologies donnéés aux modèles de formation, ces trois projets ont en commun l’idée de formation basée sur la pratique de l’enseignant, celle-ci conçue à partir de la théorie de l’épistémologie de la pratique. La réflexion, axe structurant du processus d’apprentissage des enseignants, est envisagée individuellement, tournée vers, surtout, le monde privé de la classe. À cet égard, les enseignants sont vus comme des êtres pratiques réfléchis. Par rapport au processus d’alphabétisation, les trois programmes adoptent la théorie de la psychogènese de la langue écrite comme base épistémologique pour la compréhension de l’acquisition du language écrit par l’enfant. Cependant, seulement le PRÓ-LETRAMENTO et PNAIC ont de façon plus explicite une systématisation du processus d’acquisition de l’écriture et sur la thématique de l’alphabétisation. Méthodologiquement, les similitudes se concentrent sur les propositions de travaux collaboratifs, grâce à la formation de groupes de discussion, à la socialisation et à la proposition d’activités permanentes pendant les rencontres face à face. Enfin, l’analyse comparative des matériels du PROFA, PRÓ-LETRAMENTO et PNAIC nous a permis déduire: ces programmes indiquent un progrès en ce qui concerne la constitution de savoirs des enseignants, étant donné la spécificité du domaine et les fragilités concernant la formation initiale. Mais, d’autre part, ils représentent la nette intention de l’État d’aborder la formation d’enseignant responsables de l’alphabétisation et l’éducation de l’enfant sans aucune perspective de transformer la réalité solciale visant une vie humanisée et plus équitable.

Mots-clés: Programmes d’Alphabétisation. Formation de l’Enseignant. Alphabétisation.

9

LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 1 - Eixos de atuação – PNAIC........................................................................... 114

Figura 2 - Direitos de aprendizagem – Língua Portuguesa........................................... 123

Figura 3 - Caixa de jogos distribuída pelo PNAIC....................................................... 127

Figura 4 - Livros de Literatura Infantil – PNBE........................................................... 127

10

LISTA DE TABELAS

Tabela 1 - Bolsas ofertadas pelo PROUNI, nos anos de 2005 a 2010.......................... 62

Tabela 2 - Instituições de Ensino Superior................................................................... 63

Tabela 3 - Estruturação de Avaliação Mensal............................................................... 117

Tabela 4 - Materiais do PNAIC.................................................................................... 118

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LISTA DE SIGLAS

BID Banco Interamericano de Desenvolvimento

BIRD Banco Mundial – Banco Internacional para a Reconstrução e

Desenvolvimento

BM Banco Mundial

CAPES Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior

CEALE Centro de Alfabetização, Leitura e Escrita

CEEL Centro de Estudos em Educação e Linguagem

CF Constituição Federal

CNE Conselho Nacional de Educação

CONSED Conselho Nacional de Secretários de Educação

EAD Educação à Distância

ENEM Exame Nacional do Ensino Médio

FHC Fernando Henrique Cardoso

FIES Fundo de Financiamento Estudantil

FMI Fundo Monetário Internacional

FNDE Fundo Nacional para o Desenvolvimento da Educação

FUNDEB Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica

FUNDEF Fundo de Desenvolvimento do Ensino Fundamental e Valorização do

Magistério

FUNDESCOLA Fundo Nacional de Desenvolvimento da Escola

IDEB Índice de Desenvolvimento da Educação Básica

IES Instituição de Ensino Superior

INEP Instituto Nacional de Estudos e Pesquisa Educacional Anísio Teixeira

INFET Institutos Federais de Educação Tecnológica

LDB Lei de Diretrizes e Base da Educação Nacional

MEC Ministério da Educação

OCDE Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico

PAIC Programa de Alfabetização na Idade Certa

PARFOR Plano Nacional de Formação de Professores da Educação Básica

PCN Parâmetros Curriculares Nacionais

PDDE Programa Dinheiro Direto na Escola

PDE Plano de Desenvolvimento da Educação

12

PIBID Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência

PISA Programa Internacional para Avaliação de Estudantes

PNAE Programa Nacional de Alimentação Escolar

PNAIC Programa Nacional pela Alfabetização na Idade Certa

PNBE Programa Nacional Biblioteca da Escola

PNE Plano Nacional de Educação

PNLD Programa Nacional do Livro Didático

PROFA Programa de Formação de Professores Alfabetizadores

PROFORMAÇÃO Programa de Formação de Professores em Exercício

PROINFÂNCIA Programa Nacional de Reestruturação e Aquisição de Equipamentos

para a Rede de Educação Infantil

Proinfantil Programa de Formação Inicial para Professores em Exercício na

Educação Infantil

PROINFO Programa Nacional de Informática na Escola

Pró-Letramento Programa de Formação Continuada de Professores das séries iniciais do

Ensino Fundamental

Pró-Licenciatura Programa de Formação Inicial para Professores em Exercício no Ensino

Fundamental e/ou Ensino Médio

PRONATEC Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e ao Emprego

PROUNI Programa Universidade para Todos

PSPN Piso Salarial Profissional Nacional

REUNI Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das

Universidades Federais

SAEB Sistema de Avaliação da Educação Básica

SPAECE Sistema Permanente de Avaliação da Educação Básica do Ceará

UAB Universidade Aberta do Brasil

UECE Universidade Estadual do Ceará

UFC Universidade Federal do Ceará

UNDIME União Nacional dos Dirigentes Municipais

UNESCO Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura

13

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO...................................................................................................... 15

2 REVISÃO DE LITERATURA............................................................................. 23

2.1 Caminhos trilhados pela formação docente.............................................................. 23

2.2 A dimensão e a complexidade dos saberes docentes............................................... 35

2.3 O processo de aquisição da linguagem escrita na perspectiva do letramento.......... 41

2.4 Linguagem, gêneros textuais e situações comunicativas......................................... 46

3 HISTÓRIA DAS POLÍTICAS DE FORMAÇÃO DOCENTE NO BRASIL... 52

3.1 As políticas educacionais nas décadas de 1960 a 1990............................................ 52

3.2 As políticas educacionais no governo FHC............................................................. 57

3.3 As políticas educacionais no governo Lula.............................................................. 60

3.4 As políticas educacionais no governo Dilma........................................................... 66

4 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS DA INVESTIGAÇÃO................. 68

5 OS PROGRAMAS OFICIAIS DE FORMAÇÃO DE PROFESSORES ALFABETIZADORES DE CRIANÇAS.............................................................

75

5.1 Programa de Formação de Professores Alfabetizadores (PROFA).................. 75

5.1.1 Contextualização histórica...................................................................................... 77

5.1.2 Objetivo e caracterização dos materiais................................................................. 78

5.1.3 Modelo de formação e constituição teórica............................................................ 80

5.1.4 Conteúdos de ensino............................................................................................... 85

5.1.5 Constituição metodológica..................................................................................... 88

5.2 Pró-Letramento...................................................................................................... 91

5.2.1 Contextualização histórica...................................................................................... 91

5.2.2 Objetivo e caracterização dos materiais................................................................. 94

5.2.3 Modelo de formação e constituição teórica............................................................ 96

5.2.4 Conteúdos de ensino............................................................................................... 103

5.2.5 Constituição metodológica..................................................................................... 104

5.3 Pacto Nacional Pela Alfabetização na Idade Certa (PNAIC)............................. 108

5.3.1 Contextualização histórica...................................................................................... 108

5.3.2 Objetivo e caracterização dos materiais................................................................. 111

5.3.3 Modelo de formação e constituição teórica............................................................ 118

5.3.4 Conteúdos de ensino............................................................................................... 124

5.3.5 Constituição metodológica..................................................................................... 126

14

6 ANÁLISE COMPARATIVA: PROFA, PRÓ-LETRAMENTO E PNAIC...... 128

6.1 A dimensão política.................................................................................................. 128

6.2 A dimensão teórico-metodológica: concepções e intenções.................................... 137

6.3 A exploração da avaliação........................................................................................ 144

7 CONSIDERAÇÕES FINAIS................................................................................ 148

REFERÊNCIAS ................................................................................................... 153

ANEXO A - PRINCIPAIS CONTEÚDOS TRABALHADOS NO PROFA..... 161

ANEXO B - UNIVERSIDADES PARCEIRAS DO PNAIC ............................. 163

15

1 INTRODUÇÃO

O Brasil, nas últimas duas décadas, materializa intensos investimentos em

diversas políticas de formação profissional, com crescentes recursos públicos. Sabemos que

tais iniciativas são respostas às recomendações do Fundo Monetário Internacional e do Banco

Mundial, realizadas em acordos com os governos dos países em desenvolvimento, com o

intuito de atingir quatro finalidades: atenuar consequências da exploração às quais

comprometem as condições socioculturais das classes socialmente desfavorecidas; controlar

possíveis lutas e reivindicações desses estratos; qualificar a força de trabalho para, em uma

perspectiva de “empregabilidade”, atender as exigências do mercado de trabalho; concretizar

políticas públicas visando a atender as demandas sociais relativas ao ensino básico, em

especial à Educação Infantil e aos Anos Iniciais do Ensino Fundamental (DEL PINO, 2000).

Para levar a cabo, porém, essas finalidades, verifica-se a tendência de os governos

investirem em uma formação profissional sobre “nova” base científica e tecnológica, ou seja,

uma educação voltada para o saber-fazer, portanto, estritamente técnica (DEL PINO, 2000;

GATTI, 2008). De igual modo, essa tendência se estende também para a formação docente.

Com a justificativa de contribuir para o desenvolvimento profissional dos

professores e de alcançar a pretendida transformação didática, várias políticas educacionais

são desenvolvidas, com o objetivo de minimizar os elevados índices de analfabetismo e

exclusão social, os baixos níveis de escolarização e de aprendizagem, as evasões e

repetências, entre outros problemas que perfilam o grave quadro da educação pública

brasileira. Para tanto, gestores e políticos apostam na formação docente como elemento

fundamental para a melhoria da qualidade da educação.

Com esses argumentos, a recente política de formação de professores no País

enseja diversas iniciativas, tanto no âmbito da legislação quanto de programas de intervenção

didático-pedagógicos. No que diz respeito ao aparato legal, contamos com vários documentos

que normatizam e estabelecem diretrizes para o magistério na Educação Básica. Podemos

elencar, por exemplo, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB/1996), as

Diretrizes Nacionais para a Formação Inicial de Professores da Educação Básica, o Decreto

Nº 6.755/2009 (que institui a Política Nacional de Formação de Profissionais do Magistério

da Educação Básica) e os planos decenais de Educação. Quanto aos programas, podemos citar

o Programa Nacional do Livro Didático (PNLD), o Mais Educação, Escola Aberta, além dos

destinados à formação docente em vários níveis educacionais, todos coordenados pelo

Ministério da Educação (MEC).

16

Entre as várias intervenções didático-pedagógicas oficiais, escolhemos nos

debruçar sobre três importantes programas de formação de alfabetizadores de crianças,

coordenados pelo MEC: o Programa de Formação de Alfabetizadores (PROFA), criado em

2001; o Pró-Letramento, lançado em 2005, e o Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade

Certa (PNAIC) – implantado em 2012. Estes programas de abrangência nacional são as mais

recentes formações oficiais destinadas aos alfabetizadores de crianças.

Em virtude de o nosso foco de estudo ser a formação de alfabetizadores de

crianças, deter-nos-emos nas iniciativas voltadas aos professores da Educação Infantil e dos

anos iniciais do Ensino Fundamental, por serem as etapas em que na escola o processo de

aquisição da linguagem escrita se deve desenvolver, e sobre o qual recaem índices alarmantes

de insuficiente desempenho escolar.1 A tarefa de investigar os programas PROFA, PRÓ-

LETRAMENTO e PNAIC se relaciona com as inquietações vivenciadas ao longo de nossa

trajetória acadêmica e profissional2. No decurso dessa caminhada, fomos nos aprofundando na

temática da aprendizagem da linguagem escrita de crianças e na reflexão sobre os percursos

de formação de professores alfabetizadores.

Um momento inicial dessas inquietações foi o trabalho monográfico oriundo da

Especialização em Alfabetização. Referida pesquisa investigou as concepções e ações de uma

professora alfabetizadora, que afirmava conduzir sua prática pedagógica na perspectiva do

letramento. Os resultados deste estudo indicaram que, apesar da professora apresentar em seu

discurso, e na própria elaboração de algumas atividades, a intenção de alfabetizar na

perspectiva do letramento, observamos que sua prática pedagógica era marcada pela

significativa ausência dos materiais escritos reais e da pouca interação dos alunos com

práticas sociais de leitura e escrita, havendo, portanto, pouco aproveitamento e

aprofundamento das situações de aprendizagens planejadas.

A necessidade de aprofundar referidos estudos motivou-nos ao ingresso no

Mestrado em Educação Brasileira da Universidade Federal do Ceará. Nesta etapa de nossa

formação, objetivamos investigar a presença dos gêneros textuais nas experiências formativas

(familiares, escolares, acadêmicas e profissionais) de professoras e as repercussões que

1 Nos resultados da Prova ABC, por exemplo, realizada em 2011, pelo Movimento Todos pela Educação, observa-

se que no Nordeste somente 42,5% das crianças do 3º ano do Ensino Fundamental atingiram o conhecimento esperado em leitura, e 30,3% em escrita.

2 Atuamos como professora alfabetizadora, assessora pedagógica na área da alfabetização e desde 2007 no Ensino Superior no Curso de Pedagogia.

17

particularmente tinham essas experiências para a prática pedagógica3. Buscamos conhecer e

compreender fatos e recortes significativos da formação das professoras alfabetizadoras e suas

experiências de interação com os diversos gêneros textuais, ao longo de suas vidas, no sentido

de compreender se e como essas vivências orientavam suas práticas pedagógicas.

Esse interesse ampliou-se quando ingressamos como bolsista de Pós-Graduação,

no Projeto de Extensão Uniescola4, da Faculdade de Educação da Universidade Federal do

Ceará, e, logo em seguida, como colaboradora em um grupo de pesquisa-ação denominado

Gestão da Aprendizagem na Diversidade (GAD)5.

Outra vivência que se alia nesse percurso é a atuação como coordenadora

pedagógica do Eixo Alfabetização do Programa Alfabetização na Idade Certa (PAIC) 6 e

como coautora de livros destinados aos professores e alunos do 1º ano do Ensino

Fundamental, escritos a pedido do Programa e distribuídos em todas as escolas públicas do

Estado do Ceará. Referido programa desenvolve ações sistemáticas de formação e

acompanhamento de professores alfabetizadores e técnicos das secretarias de Educação dos

municípios do Ceará, além da produção de materiais didáticos para alunos e professores do

Estado.

Essas experiências aguçaram a nos dedicar sempre mais sobre o universo da

pesquisa acerca da formação do professor alfabetizador e de sua prática pedagógica. Durante

os diversos contatos com professores alfabetizadores, tanto em situações de pesquisa quanto

de formação, percebemos expressiva dificuldade em vivenciar na prática pedagógica

atividades de leitura e de escrita que promovessem com qualidade a aquisição e o uso social

da linguagem escrita. Somam-se a essas percepções os resultados de nossa pesquisa de

mestrado, que nos revelaram, quanto à formação das professoras participantes dessa

investigação, que as experiências de maior significação para a ação docente foram o PROFA e

o GAD. A articulação teórica e prática e o contato sistemático com os formadores foram

aspectos positivos assinalados pelas docentes.

3 Participaram da pesquisa quatro professoras: duas da Educação Infantil (Infantil III e IV) e duas do Ensino

Fundamental (1º e 2º anos). 4 Coordenado pela Professora Doutora Inês Mamede, desenvolvido em parceria com a Secretaria Municipal de

Educação de Fortaleza (SME), que visava à formação teórico-metodológica e cultural de professores da Educação Infantil ao 2º ano, em 32 escolas da rede pública municipal, nas áreas da alfabetização, letramento e desenvolvimento cultural.

5 Coordenado pela Professora Doutora Rita Vieira de Figueiredo, do Programa de Pós-Graduação em Educação Brasileira da Universidade Federal do Ceará. Esse estudo desenvolvia uma experiência de inclusão em uma escola pública de Fortaleza, em que se promovia a formação em serviço do corpo docente e núcleo gestor.

6 Sob a coordenação geral da Professora Doutora Amália Simontti.

18

Nesse sentido, formações realizadas com esse “modelo” foram expressas pelas

falas das professoras com riqueza maior de detalhes, especificados na metodologia e

procedimentos adotados nesses cursos. Segundo as docentes, esses tipos de cursos

constituíram-se como as experiências formativas que mais produziram mudanças em sua

prática pedagógica. Conforme relataram, as metodologias utilizadas pelo PROFA e pelo GAD

são exemplos de formações nesse sentido.

Pelas razões anteriormente explicitadas, nos motivamos a realizar uma

investigação acerca dos programas de formação de professores alfabetizadores de crianças,

pois sabemos que a estrutura, o desenvolvimento e os resultados dessas ações constituem um

desafio para profissionais e pesquisadores da Educação, gestores e políticos.

No que diz respeito à formação do professor alfabetizador, as lacunas típicas da

formação inicial das licenciaturas (falta de articulação entre teoria e prática educacional, entre

formação geral e formação pedagógica específica, entre conteúdos e métodos) tornam-se

ainda mais agravadas no Curso de Pedagogia, hajam vistas a pouca ênfase conferida aos

estudos envolvendo infância e ao processo de alfabetização. A complexidade que envolve o

ensino da leitura e da escrita exige a constituição de saberes específicos desse docente,

visando à aprendizagem dos aspectos didático-metodológicos de propostas pedagógicas para

alfabetizar e letrar à luz das novas teorizações. Teóricos como Cagliari (1999), Rojo (1998),

Soares (2002, 2012), entre outros, defendem o argumento de que essa complexidade

proveniente da natureza do processo de alfabetização exige do professor conhecimentos nas

áreas da Linguística, Psicologia Cognitiva, Psicolinguística, Sociolinguística, além da

compreensão dos condicionantes sociais, culturais, políticos e econômicos que interferem

diretamente nesse processo.

O que podemos perceber, no entanto, foi que ainda não há uma formação

específica de qualidade desses docentes no período da formação inicial para essa área, fato

expresso na pesquisa intitulada Como Estão Sendo Formados os Professores Alfabetizadores

no Ceará.7A citada investigação revela que, nas instituições de Ensino Superior (IES), os

currículos exprimem algumas disciplinas relacionadas com a alfabetização infantil, “porém

um número aquém da real necessidade requerida para a formação de um professor com maior

domínio na área. As demais disciplinas são de linguagem ou fazem referência à

alfabetização”. (AGUIAR; GOMES; CAMPOS, 2006, p. 107).

7 Pesquisa realizada em 2004 pelo Comitê Cearense para a Eliminação do Analfabetismo Escolar: educação de

qualidade começando pelo começo.

19

Ainda o estudo citado toma por base a investigação realizada em várias

instituições de Ensino Superior (IES), que fez o levantamento das disciplinas componentes

dos currículos dos cursos de Pedagogia que se vinculam à área de alfabetização. Os dados

revelados por essa pesquisa demonstram que os cursos de Pedagogia, com a função de formar

professores para a Educação Infantil e os anos iniciais do Ensino Fundamental, no Estado do

Ceará, disponibilizam uma pequena quantidade de disciplinas voltadas a essa área do

conhecimento, ou se expressam como indiretamente relevantes para a formação e atuação do

professor alfabetizador (AGUIAR; GOMES; CAMPOS, 2006).

Pelas fragilidades da formação inicial, cabe principalmente à formação continuada

possibilitar a formação dos saberes necessários à prática alfabetizadora. Essa formação, no

entanto, que ocorre concomitante ao serviço do ofício, com a intenção de desenvolver os

saberes e os fazeres docentes, também é objeto de importantes críticas.

A esse respeito, algumas pesquisas apontam as fragilidades dos modelos de

formação continuada propostos. Em uma investigação com professoras alfabetizadoras no

Estado do Ceará, Mamede (2000) revela que as professoras pesquisadas criticam a “postura

de repasse” dos formadores, a ênfase dada à teoria e a desarticulação com a prática, nos

escassos cursos realizados ao longo do ano. A autora assinala, ainda, que nas práticas

observadas dessas professoras, constataram-se simultaneamente “velhos” rituais e “pequenas”

inovações pedagógicas nas classes de alfabetização.

Barreto (2004) e Melo (2009), em outras pesquisas sobre formação de

alfabetizadores, chamam a atenção para o fato de que as falhas ocorridas nesse tipo de

formação decorrem do fato de ela não ser oferecida de modo permanente e também por não

considerar o espaço de atuação do professor como locus de formação docente.

Em face de tal contexto, percebe-se que a formação docente, em especial a do

professor alfabetizador, conduz a exigência de reflexões aprofundadas, para compreendermos

tanto acerca da constituição dos diversos saberes necessários à sua prática pedagógica, quanto

ao trabalho docente em seu contexto geral.

As inquietações expostas nos motivam a investigar o PROFA, o PRÓ-

LETRAMENTO e o PNAIC, a fim compreender a totalidade, a cadeia de relações e as

contradições que envolvem esses programas de formação de professores alfabetizadores.

Assim, poderemos mapear como esses modelos oficiais de formação voltados para a

alfabetização de crianças vêm se constituindo ao longo dos últimos anos e as concepções que

os fundamentam.

20

Assim surgem questões que nos inquietam: quais as intenções, interesses,

potencialidades, limitações e contradições existentes nos programas oficiais de formação de

alfabetizadores de crianças? Qual a constituição teórica e metodológica desses programas?

Quais concepções de alfabetização e de letramento são expressas em cada programa? Que

saberes docentes estão sendo propostos por esses programas? Quais estratégias metodológicas

são utilizadas em cada programa? Que tipo de alfabetizador esses programas querem formar?

Nestes termos, estabelecemos como questão central desta pesquisa: Como estão

sendo organizados (teórica e metodologicamente) os atuais modelos de formação continuada

de alfabetizadores propostos pelos programas oficiais coordenados pelo MEC?

A intenção deliberada é expor criticamente, por meio de um estudo comparativo,

as especificidades e analogias entre o PROFA, o Pró-Letramento e o PNAIC, tendo por base a

constituição teórica e metodológica expressa nos materiais de cada um desses programas, na

forma em que eles pensam o como e para quê formar os professores alfabetizadores, bem

como suas intenções e interesses.

Nossa hipótese é a de que referidos programas têm por principal objetivo

instrumentalizar o trabalho docente do alfabetizador, com vias prioritárias ao saber-fazer

relacionado ao ensino da leitura e da escrita. Por essa razão defendemos a tese de que o

Estado utiliza a formação dos alfabetizadores, por intermédio desses programas, como meio

de controle do trabalho docente e como forma de alienação das discussões mais amplas acerca

da função social da escola, do caráter social e político da alfabetização, do letramento e da

formação docente.

A relevância desta pesquisa assenta inicialmente no estudo dos programas

PROFA, Pró-Letramento e PNAIC, por estes terem abrangência nacional e por serem as

formações oficiais de professores alfabetizadores de crianças. Ademais, possibilita o

mapeamento e o diagnóstico da personificação das tendências formativas atuais, na forma

como estas se constituem e se efetivam pelas políticas educacionais pelo poder estatal. Essas

tendências, expressas de forma explícita ou subliminarmente, dispersas nos vários

documentos dos programas de formação de alfabetizadores, foram aqui estudadas com o

propósito de síntese e análise. Portanto, esta investigação possibilita uma visão abrangente,

numa perspectiva crítica acerca da organização e das intenções políticas, ideológicas e

pedagógicas desses programas oficiais.

Por meio desta investigação, poderemos conhecer os modelos de formação

adotados pelas instituições governamentais, que, por sua vez, revelarão os tipos de

conhecimentos teóricos, práticos, didáticos e políticos intencionados a formar nesses

21

profissionais. Por meio do estudo comparativo, poderemos inferir que sujeitos (professores e

crianças) o Estado quer formar.

Pelas diversas demandas formativas e educacionais expressas e por acreditarmos

na necessidade de um estudo aprofundado e comparativo acerca dos programas oficiais de

formação de alfabetizadores de crianças, estabelecemos como objetivo geral: Investigar, por

meio de um estudo comparativo, a constituição teórica e metodológica dos materiais dos

programas PROFA, PRÓ-LETRAMENTO e PNAIC, a fim de compreender tanto os modelos

de formação adotados quanto as intenções que referendam os procedimentos e práticas

alfabetizadoras. Para tanto, traçamos os objetivos específicos, adiante.

Analisar as concepções teórico-metodológicas expressas nos materiais dos

programas PROFA, PRÓ-LETRAMENTO e PNAIC, como propostas de

políticas educacionais.

Interpretar a concepção de formação docente, alfabetização e de letramento

assumida, subjacente nos programas.

Investigar intenções e interesses políticos e ideológicos subjacentes aos

programas.

Compreender as relações existentes entre os fundamentos teóricos e os

fundamentos para a ação que emergem dessas propostas de formação para

professores alfabetizadores.

Conhecer os conteúdos de ensino, os materiais destinados os professores e as

formas de organização do trabalho pedagógico formuladas, bem como as

estratégias adotadas com vias ao resultado esperado – Formar professores

alfabetizadores.

Destacamos que pela amplitude e complexidade do PROFA, PRÓ-

LETRAMENTO e PNAIC e pelos objetivos deste estudo, nos debruçaremos exclusivamente

sobre os materiais destes programas, a fim de compreender tanto os modelos de formação

adotados quanto as intenções que referendam os procedimentos e práticas alfabetizadoras,

visto que eles são frutos das políticas educacionais desenvolvidas. A intenção é nos situar

como leitora crítica dos documentos dos programas, a fim de analisar como estão sendo

representadas as concepções, conteúdos e metodologias explicitados nos documentos dos

programas. Para tanto, utilizaremos a abordagem qualitativa e optamos pela pesquisa do tipo

bibliográfica e documental para a realização de referida análise crítica. A seguir, delineamos

o modo de organização desta tese.

22

O capítulo dois foi dedicado à revisão de literatura acerca da temática formação de

professores, saberes docentes, aquisição da linguagem escrita na perspectiva do letramento e

gêneros textuais. O capítulo três expressa um resgate histórico acerca das políticas

educacionais desenvolvidas nas últimas décadas no Brasil, votadas à formação docente. O

quatro expõe a abordagem metodológica adotada, o percurso da investigação, os instrumentos

utilizados para a coleta de dados e para a produção dos resultados. O cinco apresenta os

objetivos, a caracterização dos materiais dos programas, a contextualização histórica, o

modelo de formação adotado, a constituição teórica, os conteúdos de ensino e a constituição

metodológica do PROFA, do Pró-Letramento e do PNAIC. O capítulo seis tem por finalidade

a apresentação das análises realizadas com suporte no estudo comparativo entre os três

programas estudados e, por fim, explicitamos as considerações finais, encerrando com as

referências bibliográficas.

23

2 REVISÃO DE LITERATURA

A escrita deste capítulo traz uma revisão bibliográfica de estudos a respeito dos

eixos fundamentais à pesquisa: formação docente, aquisição da linguagem escrita e gêneros

textuais. Compreendemos que tais eixos estão interligados e constituem o arcabouço teórico

para a compreensão e análise dos materiais dos programas de formação de professores

alfabetizadores aqui investigados.

Dessa forma, o capítulo encontra-se organizado em quatro partes: a primeira

discute a formação docente, seu construto histórico, destacando a realidade brasileira; a

segunda discorre sobre os saberes docentes e sua complexidade; a terceira faz uma reflexão

sobre a temática da aquisição da linguagem escrita na perspectiva do letramento e a quarta

acerca do caráter interativo da linguagem que se efetiva por meio dos gêneros textuais.

Tendo por base os pressupostos teóricos que tomamos para cada uma dessas

temáticas, compomos o quadro conceitual de referência deste estudo, corpus sob a qual estão

sediadas nossas compreensões em relação ao objeto estudado.

2.1 Caminhos trilhados pela formação docente

É na sala de aula onde se espera que os referenciais e concepções defendidas pelas

teorias da educação se concretizem, configurando-se como palco de mudanças e inovações na

prática pedagógica. Ela se configura, no modelo de formação docente vigente, como um

importante espaço de aprendizagem tanto do aluno quanto do professor, pois possibilita a

aquisição do saber-fazer pedagógico.

A efetivação do que se defende, contudo, como princípios e concepções na prática

pedagógica, não ocorre de forma automática na escola, pois dependem de fatores diferentes.

Tal constatação é decorrente, em parte, do fato de que mudanças não se efetivam de forma

direta e imediata, dado o caráter processual da natureza formativa e das dificuldades da

transposição didática.

Não se pode negar a importância da formação docente para a melhoria da

qualidade da educação, mas é preciso considerar que há outros elementos que condicionam a

realidade educacional, como as questões políticas, sociais, culturais e econômicas. Portanto, é

oportuno compreender que o processo educativo se constitui no entrecruzamento de fatores

externos e internos e que estes irão influenciar nas ações dos sujeitos que compõem a escola.

Por ser, no entanto, um relevante componente de mudança, a formação docente é tema de

24

inúmeros debates e estudos entre pesquisadores, gestores de políticas públicas, comunidade

escolar, e inúmeros estudiosos da área.

Além disso, a sociedade insatisfeita com os resultados dos processos de

escolarização acaba fazendo convergir sobre o professor diversas expectativas e exigências de

mudanças em sua ação pedagógica, as quais requerem cada vez mais a constituição de saberes

sólidos, em constante aprimoramento, para atender e acompanhar as múltiplas e aceleradas

transformações da atualidade.

Esse contexto de pressão social tem implicações nos modelos e nas atuais

demandas por formação docente, visando à melhoria e à adequação do fazer educativo ante as

necessidades, exigências contemporâneas do campo da educação escolar e do mercado de

trabalho. Além disso, ao professor é conferida a responsabilidade pela natureza e qualidade da

educação na sala de aula, gerando a necessidade de preparação para o enfrentamento dessas

demandas e uma constante renovação de conhecimentos, competências e habilidades.

Aliados a essa reconfiguração do campo da educação escolar, com base nas novas

demandas que se apresentam, vivenciamos avanços de conceitos nos pressupostos teóricos

sobre a formação docente. Nesse sentido, a formação para o exercício da docência é expressa

na compreensão de um continuum entre a formação inicial e a formação continuada, com

etapas diferenciadas e especificidades próprias. Nesse percurso de formação, as experiências

docentes e a realidade concreta na qual a prática é situada têm grande influência nas

aprendizagens do professor, e devem ser consideradas com o caráter formativo devido.

Em estudos sobre formação docente, Nóvoa (2001) argumenta que muito já se

avançou no aspecto teórico, todavia, demarca que ocorreram diversas contradições nesse

percurso histórico. Esse autor assinala que, sob sua avaliação,

(...) se avançou muito do ponto de vista da reflexão teórica, se avançou muito do ponto de vista da reflexão, mas se avançou relativamente pouco do ponto de vista das práticas da formação de professores, da criação e da consolidação de dispositivos novos e consistentes de formação de professores. (NÓVOA, 2001, p. 47).

Referido autor situa então que, apesar dos avanços nas discussões e estudos sobre

formação do professor, ainda pouco repercutiram na dimensão das práticas formativas da

docência, uma vez que ainda persistem nos atuais modelos de formação, antigas práticas que

não atendem às atuais discussões e demandas sociais e educativas. Para Nóvoa (2001), as

mudanças teóricas conquistadas nessa área, ainda não produziram de forma eficiente uma

25

mudança na prática e que é preciso superar urgentemente a dicotomia entre discurso teórico e

prática ainda existente nos cursos de formação de professores.

Tais mudanças no campo teórico ocorreram devido ao movimento nacional e

internacional, constituído já há algumas décadas, que tomam impulso com o movimento mais

amplo de profissionalização do magistério, a partir dos anos 1980. Na análise de Alves (2007,

p. 40),

(...) o referido movimento de profissionalização possui como algumas de suas características a busca de elevação da formação profissional do professor ao nível superior e a procura por transformar a estrutura do ensino e da carreira, elevando os salários e o status profissional, sendo a profissão médica tomada como modelo de referência. Esses aspectos estão presentes em dois grandes relatórios publicados em 1986 pelo Holmes Group — um grupo formado por decanos das universidades americanas — e pelo Carnegie Task Force on teaching a profession – grupo formado por autoridades do setor público, empresarial, sindical e educacional. Ambos os relatórios, respectivamente Tomorrow’s teachers e A nation prepared: teachers for 21st Century, problematizam e apontam soluções para o avanço do ensino — o fortalecimento da profissão docente — e podem ser vistos como marcos e impulsionadores do movimento de profissionalização do magistério.

Assim delineado na conjuntura internacional, os desdobramentos desse

movimento de profissionalização docente se aliam aos estudos do campo dos saberes que

ganham divulgação no Brasil no início da década de 1990, por meio dos trabalhos de Tardif,

Lessard e Lahaye (2005).

A ampliação das discussões em torno da literatura internacional (NÓVOA, 1992;

TARDIF; LESSARD; LAHAYE, 2005; PERRENOUD, 2000) apresenta uma ruptura com as

perspectivas teóricas dos modelos de formação docente até então realizados.

Nesse sentido, o campo da formação docente chega ao final do século XX com

uma proliferação de termos e conceitos referentes aos professores, à formação e ao trabalho

docente que estes desenvolvem. Terminologias como epistemologia da prática, prática

reflexiva, professor reflexivo, professor pesquisador, epistemologia da práxis, saberes

docentes e competências, reúnem parte das expressões anunciadas para o debate sobre

educação, notadamente para o campo da formação de professores.

Até então, tinha-se como modelo vigente a racionalidade técnica, uma concepção

epistemológica da prática herdada do positivismo, que, em termos de corrente de pensamento,

prevaleceu ao longo de todo o século XX. Segundo esse modelo, a atividade profissional é,

sobretudo, instrumental, dirigida para a solução de problemas mediante a aplicação rigorosa

de teorias e técnicas, que concebia o professor como técnico, como mero aplicador de valores,

normas e diretrizes, visando a enfrentar os problemas concretos do cotidiano escolar.

26

Assim, na intencionalidade de prescrever normas para o fazer-docente, reduzia-se

o professorado a meros executores, alinhados a objetivos políticos de perpetuação da ordem

social vigente. Numa direção oposta, surge um novo paradigma de formação docente,

alicerçada em novas bases teórico-conceituais de compreensão acerca da construção da

profissionalização docente. Cabe destacar, nesse particular, as influências das pesquisas

estrangeiras e os trabalhos desenvolvidos no Brasil, nessa década (VEIGA; D’AVILA, 2008;

LIBÂNEO, 2006). Sob os novos pressupostos defendidos, a docência, compreendida como

prática profissional, complexa e socialmente produzida, tem em torno dos saberes docentes

outros referentes assentados na epistemologia da prática. Ganham corpo novas discussões em

direção inversa ao caminho “trilhado” pela racionalidade técnica: “em vez de caminhar da

teoria para a prática, caminha-se da compreensão da prática para a ressignificação da teoria”.

(D’ÁVILA; SONNEVILLE, 2008, p. 24). Tardif (2002, p. 288) argumenta que a

epistemologia da prática postula que “a prática profissional ganha uma realidade própria,

bastante independente dos construtos teóricos dos pesquisadores e de procedimentos

elaborados por tecnólogos da ação. Por isso, ela se constitui um lugar de aprendizagem

autônomo e imprescindível”. Os avanços contemporâneos nos estudos sobre formação de

professores sublinham os limites que também concernem a essa concepção. Em tempos de

políticas globalizadoras e da difusão de compromissos economicistas que pressionam para

uma formação rápida e expansionista, coexiste uma ameaça significativa de incorrer em riscos

reducionistas, quando pautadas sob esses pressupostos para a realização das discussões e das

ações em torno da formação da docência. Segundo Pimenta (2006), essa é uma concepção de

formação docente que se apoia na valorização da prática profissional como momento de

construção do conhecimento, mediante a reflexão, análise e problematização desta, e o

reconhecimento do conhecimento tácito, presente nas soluções que os profissionais encontram

em ato. O professor é visto, então, como um profissional em continuum processo de

formação, cujos conhecimentos estão ligados ao agir profissional e a prática cotidiana emerge

como lugar de construção de saberes, tendo valor (auto)formativo. Pimenta (2006, p. 36)

acredita que essa ideia de formação docente centralizada nos professores se traduz

na valorização do seu pensar, do seu sentir, de suas crenças e seus valores como aspectos importantes para se compreender o seu fazer, não apenas da sala de aula, pois os professores não se limitam a executar currículos, senão também que os elaboram, os definem, os re-interpretam. Daí a prioridade de se realizar pesquisas para se compreender o exercício da docência, os processos de construção da identidade docente, de sua profissionalidade, o desenvolvimento da profissionalização, as condições em que trabalham, de status e de liderança.

27

Como o campo para discussões sobre a valorização da prática como espaço de

formação da docência estava fértil, propício e sedento de reflexões com esse caráter, a

abordagem da epistemologia da prática docente teve grande e rápida repercussão no meio

acadêmico brasileiro.

Um fator de grande relevância para a divulgação da concepção da epistemologia

da prática no Brasil foi também a influência da publicação do livro Os professores e sua

formação, organizado por Nóvoa, em 1992.8 Essa coletânea trouxe à baila o debate teórico

sobre a formação dos professores, constituído na defesa da perspectiva dos professores como

profissionais reflexivos, na relação entre teoria e prática para a formação docente. Tal

perspectiva amplia a compreensão sobre formação e profissionalização docente para o âmbito

do desenvolvimento pessoal e profissional do professor.

Alguns princípios passaram a ser apropriados e amplamente discutidos por

estudiosos e interessados na temática. Um desses princípios se refere à conceitualização do

termo formação, que passa a ser visto como um processo dinâmico e interativo que se

estabelece num continuum da formação inicial e contínua, no qual traz uma conotação de

evolução e continuidade permanente, sendo composta por fases claramente diferenciadas do

ponto de vista curricular e experiencial.

A formação, portanto, compreendida sob esse novo paradigma, é concebida como

um processo constituído de elementos diferentes (de ordem teórica, prática, social, econômica

e política) incorporados ao longo do desenvolvimento profissional do professor. Nessa

perspectiva, a formação para a docência se vincula ao conceito de desenvolvimento

profissional, na medida em que ambos estabelecem o caráter processual e permanente que se

realiza no exercício da profissão. Nesse sentido, existe estreita e importante relação entre

formação e desenvolvimento profissional. Para Garcia (1995), desenvolvimento profissional é

um processo longo, cuja primeira fase é a formação inicial dos professores, sendo as demais

desenvolvidas durante a formação continuada, em consonância com as experiências didáticas

e pedagógicas vivenciadas pelos docentes. Para o autor é

um processo, que pode ser individual ou coletivo, mas que deve contextualizar no local de trabalho do docente –a escola – e que contribui para o desenvolvimento de competências profissionais através de experiências de diferentes índoles, tanto formais como informais. (GARCIA, 2009, p. 10)

8 Essa obra reuniu um conjunto de textos que apresentavam as ideias de conceituados autores como Garcia e

Gómez (Espanha), Schön e Zeichner (Estados Unidos) e Demailly (França).

28

Pro sua vez, Nunes considera desenvolvimento profissional

(...) o processo que situa o professor em contínua expansão e no controle cada vez maior de seu próprio percurso formativo, com vistas a um ensino de qualidade situado no marco de mudanças sociais, tecnológicas, ecológicas, axiológicas, que apresentam constantes exigências e novos dilemas à educação. (NUNES, 2002, p. 4).

Ideias como as defendidas por Garcia (1995) e Nunes (2002) vão, portanto,

evidenciar que o desenvolvimento profissional do professor se processa à medida que se

orienta para a evolução, na busca contínua da resolução de situações vivenciadas ao longo de

sua formação. Além disso, também consideram a diversidade de elementos que se agregam e

interferem nesse processo.

Com efeito, a formação docente deve ser encarada como integrada no cotidiano

dos professores e das escolas, e não estabelecida como iniciativas que se processam à margem

dos contextos das políticas educacionais, sociais e organizacionais.

Um aspecto importante na discussão contemporânea sobre formação de

professores e seu consequente desenvolvimento profissional é o princípio da reflexão como

componente relevante desse processo (SCHÖN, 1992, 2000; GARCIA, 1995; TARDIF, 2002;

PERRENOUD, 2000).

Tais autores são exponenciais na análise revisitada da concepção schöniana de

profissional reflexivo, centrando-a na docência. O pensamento reflexivo, difundido

inicialmente por Schön (1992), se opõe ao modelo de racionalidade técnica de tradição

positivista, adotado nos currículos das escolas profissionais dos Estados Unidos. A

abordagem positivista largamente adotada propunha que a formação iniciasse com o estudo da

ciência, depois a aplicação e, em seguida, um estágio que possibilitasse a aplicação, pelos

discentes, dos conhecimentos técnico-profissionais, assimilados nos estudos realizados.

Schön se contrapõe à abordagem da racionalidade técnica, que visa a desenvolver,

no profissional, capacidades para resolver problemas práticos, mediante a aplicação de teorias

e instrumentos técnicos. Em contraposição a esse modelo de formação profissional, a

abordagem schöniana apresenta uma nova perspectiva à formação profissional baseada na

prática como um campo privilegiado de produção de saberes. Essa teoria valoriza a prática ou

a própria experiência vivida pelo sujeito como um espaço de construção de saberes, um

campo que favorece a apropriação de conhecimentos necessários à sua profissão, mediante a

utilização de um importante princípio: a reflexão.

29

Tal proposta teve grande repercussão nos cursos de formação de profissionais, e a

área da educação se utiliza dos seus pressupostos teóricos para pensar seus modelos de

formação. Assim, as ideias de Schön trouxeram importantes contribuições teóricas para o

campo da formação de profissionais reflexivos. As discussões no cerne da reflexividade da

formação profissional possibilitou um novo estatuto à dimensão prática do trabalho docente,

destacando a importância do estudo do pensamento dos professores como fator que influencia

e determina a prática pedagógica.

Referido autor propõe que o profissional elabora seu conhecimento a partir da

reflexão sobre suas práticas: “pensar o que fazem, enquanto fazem” em situações de incerteza,

singularidade e conflito.

Nessa mudança de paradigma, a reflexão é um novo objetivo e um elemento

estruturador para a formação dos professores, compreendendo o professor como um

profissional prático reflexivo. O objeto dessa reflexão é a própria prática, tendo em vista que

ela representa a realização efetiva das estratégias e dos processos formativos, visto que a

aprendizagem é constituída desde a análise e interpretação da própria atividade profissional.

Assim, é via privilegiada para a formação docente.

Esse diálogo reflexivo com a prática, capacidade conceituada por Schön (1992)

como a reflexão na e sobre a ação, promove um conhecimento pessoal e tácito específico e

ligado à ação.

Ainda sobre o princípio da reflexão, Gómez (1995) afirma que se faz necessário

distinguir três conceitos apresentados por Schön (1992) que integram o pensamento reflexivo:

“conhecimento-na-ação”; “reflexão-na-ação”; “reflexão sobre a ação e sobre a reflexão na

ação” (GÓMEZ, 1995). Estes três conceitos distintos são componentes do pensamento

prático, na sua acepção mais lata e caracterizam a atividade do profissional.

O“conhecimento-na-ação” é o elemento que direciona toda a atividade humana e

se manifesta no saber-fazer, visto que orienta a ação à medida que pensamos. Nesse caso, na

ação, durante a solução de problemas, utilizamos o nosso conhecimento, mesmo que este seja

fruto de experiências e reflexões passadas, assimilados em esquemas ou rotinas, de forma

semiautomática.

Não opera, todavia, apenas o conhecimento aplicado na atividade prática, ou seja,

nessa ação. É fato que, no cotidiano, no decorrer de nossas ações, ao utilizarmos nosso

conhecimento na ação, também pensamos sobre o que fazemos. Segundo Gómez (1995), a

essa dinâmica Schön chamou de “reflexão-na-ação” e Habermas conceituou como

“deliberação prática”. Assim, há um processo de diálogo entre a ação e a reflexão, o que vai

30

ligar o processo de “conhecimento-na-ação e o de reflexão”, quando atuamos sobre uma

determinada problematização que exige uma intervenção concreta e particular.

Para Gómez (1995, p. 104), a reflexão-na-ação “é um processo de reflexão sem o

rigor, a sistematização e o distanciamento requeridos pela análise racional, mas com a riqueza

da captação viva e imediata das múltiplas variáveis intervenientes e com a grandeza da

improvisação e criação”. O autor explica ainda que, nesse caso, não há rigor nessa reflexão,

pelo fato de o profissional estar efetivamente envolvido, imerso na situação problemática, e

que, por sua vez, o sujeito age, portanto, carregado de elementos afetivos e emocionais que

vão interferir diretamente em sua intervenção.

Apesar dessas limitações, a “reflexão-na-ação” se caracteriza por ser um

significativo e rico componente na formação do profissional, pois parte da realidade

problemática, possibilitando um confronto empírico com uma situação real da prática. Nesse

movimento de reflexão com as complexas e diversas situações práticas, o profissional pode

compreender o seu percurso de aprendizagem, bem como formular outras teorias, esquemas e

conceitos. A “reflexão sobre a ação e sobre a reflexão-na-ação” é caracterizada como uma

análise realizada pelo profissional, posteriormente, ao processo reflexivo sobre sua ação. É o

momento de retomar a ação realizada mediante a reflexão, para analisar e avaliar. Gómez

(1995, p. 105) defende o argumento de que seria mais apropriado denominar de “reflexões

sobre a representação ou reconstrução a posteriori da ação”.

Gómez (1995, p. 105) defende a ideia de que “a reflexão sobre a ação supõe um

conhecimento de terceira ordem, que analisa o conhecimento na-ação e a reflexão-na-ação em

relação com a situação problemática e o seu contexto”. Referido autor afirma, ainda, que, “na

reflexão sobre a ação, o profissional prático, liberto dos condicionantes da situação prática,

pode aplicar os instrumentos conceituais e as estratégias de análise no sentido da compreensão

e da reconstrução da sua prática”. (GÓMEZ, 1995, p. 105).

A reflexão sobre a ação é, portanto, um elemento fundamental para a

aprendizagem e formação contínua do profissional. Sua relevância ocorre por imbricar

conjuntamente todos os procedimentos realizados, os esquemas de pensamento, as

concepções teóricas e o conhecimento prático do profissional para a resolução de uma

situação problemática, ocasionando um processo autoformativo. Assim, à medida que o

sujeito vai refletindo sobre sua prática, reelabora e constitui seus saberes.

Esses três processos caracterizam o pensamento prático do profissional, no caso, o

professor, que possibilitam o enfrentamento das situações da prática. Esses processos não são

independentes e juntos se completam para possibilitar uma intervenção prática racional.

31

Nesse sentido, do profissional, no caso o professor, passa a ser exigido atuar como

um prático-reflexivo na sala de aula, que elabora continuamente estratégias de ação adequadas

à sua realidade e necessidades, possibilitando, assim, uma melhor compreensão dos processos

de ensino e de aprendizagem.

Autores como Nóvoa (1995), Perrenoud (2000) e Tardif (2002), entre outros,

complementam essa ideia, afirmando que os problemas vivenciados no cotidiano dos

professores não são somente de natureza instrumental, mas de ordens e naturezas diversas

(fatores naturais e ambientais, fatores ligados ao próprio “objeto” de trabalho, fenômenos

resultantes da organização do trabalho e da interatividade que caracteriza a ação docente etc.),

situados num contexto complexo e específico que requerem do professor decisões rápidas e

particulares para cada situação.

Essa característica própria da atividade docente impõe, ao professor, tomadas de

decisões que se processam com base nos seus saberes e do seu autodesenvolvimento reflexivo

e tem aporte também no seu desenvolvimento profissional. Não há, então, a aplicação de

técnicas e métodos pré-estabelecidos por teorias, mas sim situações singulares que exigem do

professor a sua mobilização para construir e comparar estratégias de ação dialogadas com a

realidade em que está inserido.

Notadamente, nesse referencial, a reflexão é um instrumento fundamental no

desenvolvimento do pensamento e da ação do professor, sendo um importante e complexo

componente da atividade profissional, que difunde a ideia de que o professor deve ser um

profissional autônomo, que, com por meio de suas reflexões, toma decisões durante a própria

ação, buscando a melhoria e estabelecendo um diálogo reflexivo com a prática. Tal

pressuposto é defendido por diversos autores (GÓMEZ, 1995; NÓVOA, 1992; ZEICHNER,

1995; TARDIF, 2002, e outros).

É oportuno salientar que a perspectiva do professor como prático-reflexivo,

defendida principalmente por Schön (1992), vem sendo revisitada, ampliada e analisada sob

novas abordagens por autores mais diretamente envolvidos com a formação de professores.

Entre esses estudiosos, destacamos aqueles da literatura internacional (ZEICHNER, 1995;

GÓMEZ, 1995; SACRISTÁN, 2000) e os estudos nacionais que discutem, mediante focos de

interesses específicos, esse referencial (NUNES, 2002; PIMENTA, 2006; LIBÂNEO, 2006;

LIMA, 2006).

Devemos assinalar, todavia, que tal perspectiva não se desenvolve sem críticas.

Se, para os autores elencados anteriormente, essa perspectiva pode contribuir com o

desenvolvimento profissional dos professores, no entanto, para outros estudiosos (DUARTE,

32

2001, 2003; LIBÂNEO, 2006; ARCE, 2001, ente outros), ela é compreendida como um

ajustamento ao ideário neoliberal, representando recuo no modo de se conceber a formação do

professor, de forma despolitizada e acrítica.

Além dessa crítica mais ampla, outras dizem respeito à supervalorização dada ao

professor como sujeito responsável pelos processos de inovação e mudança na escola. É dada

ênfase, nesse caso, à exacerbada relevância conferida ao conhecimento prático do docente,

por enfocar prioritariamente as questões do interior da sala de aula, desconsiderando os

fatores sociais, econômicos e políticos que interferem e concorrem para a constituição da

realidade escolar.

Zeichner (1995), por seu turno, chama a atenção para as limitações da concepção

do professor reflexivo, quando esta fomenta “uma atitude narcísica, em que as condições

sociais e institucionais, que distorcem a compreensão que os professores têm de si próprios,

são completamente ignorados”. Portanto, defende a noção de que a prática reflexiva deve ter

um cunho eminentemente social e crítico, compartilhado coletivamente. Para esse autor, outro

fator que compromete essa perspectiva de formação é a pouca importância dada ao

conhecimento teórico que as ciências da educação historicamente constituíram, além do

estímulo a uma reflexão da prática pela prática. Contreras (LIBÂNEO, 2006, p. 65) também

assinala críticas quando situa que há

uma marca individualista e imediatista das práticas reflexivas, a desconsideração do contexto social e institucional, a identificação entre ação e pensamento, a não-valorização do conhecimento teórico, a não-consideração da cultura como práticas implícitas configuradores de comportamentos, a falta de compreensão crítica do contexto social e simultaneamente a pouca ênfase no trabalho coletivo e na influência da realidade social e institucional sobre as ações e os pensamentos das pessoas.

As análises críticas anteriormente citadas sobre a concepção do professor como

prático reflexivo ampliam as discussões sobre reflexividade e apresentam outra perspectiva

para a formação docente: a do professor crítico reflexivo, “afirmando-o como um conceito

político-epistemológico que requer o acompanhamento de políticas públicas consequentes

para sua efetivação” (PIMENTA, 2006, p. 47). Essa perspectiva amplia o movimento da

epistemologia da prática, propondo o conceito de epistemologia da práxis, no sentido de um

“conhecimento que é resultado de uma ação carregada da teoria que a fundamenta”

(GHEDIN, 2006, 2006, p. 130). Para esse autor,

33

(...) a epistemologia da prática limita o horizonte da autonomia, que só se torna possível com a emancipação da crítica. A reflexão crítica emana da participação num contexto social e político que ultrapasse o espaço restrito da sala de aula, pois se constitui num contexto de uma sociedade de classes.

Portanto, é preciso que o professor reflita criticamente sobre sua realidade,

levando em consideração o contexto social, político, econômico e histórico onde se encontra.

Assim, percebe o contexto social a ser transformado, tendo mais condições de promover a

mudança, numa resistência e oposição ao que está historicamente imposto. Nesse movimento,

a epistemologia da práxis sugere ao professor que

(...) é necessário transcender os limites que se apresentam inscritos em seu trabalho, superando uma visão meramente técnica na qual os problemas se reduzem a como cumprir as metas que a instituição já tem fixadas. Esta tarefa requer a habilidade de problematizar as visões sobre a prática docente e suas circunstâncias, tanto sobre o papel dos professores como sobre a função que cumpre a educação escolar. Isto supõe: que cada professor analise o sentido político, cultural e econômico que cumpre à escola; como esse sentido condiciona a forma em que ocorrem as coisas no ensino; o modo em que se assimila a própria função; como se têm interiorizado os padrões ideológicos sobre os quais se sustenta a estrutura educativa. (GHEDIN, 2006, p. 137).

Nesse sentido, o trabalho docente é caracterizado como tarefa potencialmente

intelectual vinculada ao saber fazer. O professor como intelectual crítico tanto compreende os

fatores sociais e institucionais que condicionam sua prática como busca vias de superação das

formas de dominação a que está subjugado.

Vemos, portanto, que o atual modelo de formação de professores pautado no

princípio da reflexão apresenta duas perspectivas: o professor como profissional prático

reflexivo e como crítico reflexivo. Ghedin (2006) alerta no sentido de que, na abordagem do

professor como profissional reflexivo, é preciso chamar atenção para qual perspectiva de

reflexão se destina a formação, pois cada uma se desloca a propósitos e interesses distintos.

Diante das discussões tecidas, explicitamos que nosso interesse maior é

compreender as implicações das perspectivas que influenciaram e ainda repercutem no campo

da formação de professores no Brasil. Assim, no exercício de reflexão, buscamos dialogar

com cada abordagem, levantando os limites e possibilidades de cada uma, quando no

procedimento de resgatar o percurso histórico e confrontar com os novos modos de conceber

e investigar o trabalho do professor.

Dessa forma, concordamos com Pimenta (2006), quando defende o argumento de

que é possível vislumbrar possibilidades de evolução da ideia da reflexão no exercício da

docência, quando ampliamos a perspectiva do professor reflexivo para a do professor ou

34

intelectual crítico reflexivo, ou seja, quando saímos da dimensão individual da reflexão e

ampliamos para as dimensões públicas e éticas; na ampliação da análise da epistemologia da

prática para analisarmos a práxis; e na mudança da perspectiva do professor-pesquisador para

a instauração da pesquisa no espaço escolar como parte integrante do trabalho dos

profissionais da escola. Essa perspectiva considera a colaboração de pesquisadores da

universidade; da formação inicial e da continuada vinculada à experiência docente, vista como

um processo que constitui o desenvolvimento profissional; da formação contínua concebida

como profissionalização individual para o investimento coletivo da escola, visando ao

desenvolvimento profissional dos professores.

Trata-se, portanto, de se pensar e efetivar uma política de formação e prática

docente, na qual a valorização do professor e da escola sejam seus pilares; embasada no

reconhecimento da capacidade de pensar dos seus profissionais, dos seus saberes científicos,

pedagógicos e da experiência, com o objetivo de estabelecer as mudanças necessárias à gestão

do ensino, da sala, das práticas, da realidade escolar e da sociedade.

Expressamos que, em virtude do embate no campo teórico, uma vez que

construtos teórico-conceituais são reunidos mediante perspectivas distintas, nas quais

subjazem diferentes enfoques e /ou concepções, tais perspectivas agregam ou dividem as

principais discussões da área em abordagens específicas, segundo os conceitos defendidos.

Nesse sentido, podemos organizar as discussões sobre a perspectiva do

profissional reflexivo em, pelo menos, três conjuntos de enfoques, quando em relação aos

conceitos em que se sediam: os estudos de base epistemológica, de dimensão política e os

centrados sobre o enfoque da profissionalização.

O primeiro se refere aos embates no campo da constituição do conceito de

professor-reflexivo e de seus fundamentos filosóficos. O segundo volta-se para a

compreensão dos desdobramentos e significados políticos desse conceito; enquanto o terceiro

se destina à discussão das repercussões para a constituição da profissão docente e do trabalho

do professor.

Em suma, torna-se evidente que o campo da formação docente é uma seara de

discussões e debates complexos e conflituosos, em que se situam diferentes tensões, e em

particular, as teórico-conceituais, expressas nos limites e nas possibilidades atuais. Esses

limites e possibilidades se concentram no âmbito do conhecimento teórico, da prática e do

delineamento das políticas de formação. Ademais, não podemos conceber o professor como

único responsável pela qualidade do ensino que ministra, pois é preciso discutir formação

35

docente enveredando pelo conhecimento de todas as dimensões que implicam e repercutem na

constituição da docência.

2.2 A dimensão e a complexidade dos saberes docentes

Nesta seção, discutiremos o saber docente, por se tratar de uma importante

dimensão do ensino em que se sedia a ação dos professores no ambiente escolar,

particularmente na sala de aula e no trabalho pedagógico ali desenvolvido. Além disso, por se

tratar de uma importante categoria vislumbrada pelos programas de formação de professores

alfabetizadores, foco deste estudo.

As discussões atuais sobre profissionalização, desenvolvimento profissional dos

professores e, por conseguinte, formação docente, conduz-nos a refletir sobre os elementos de

base constitutivos da docência. O esforço conceitual de se pensar a questão dos saberes

docentes, pode colaborar para entendermos como e sob quais bases o professor dá sustentação

ao seu trabalho no cotidiano escolar.

É importante destacar que compreendemos o saber do professor como uma

categoria intrinsecamente ligada aos contextos sociais, organizacionais e humanos nos quais

esses sujeitos estão inseridos. Discutir o saber docente, portanto, requer analisar também esses

condicionantes. Entendendo assim, Lustosa, Melo e Santos (2008) atentam para o fato de que

é importante compreender que o professor está imerso em uma realidade situada

historicamente, que, se de um lado, predominam os ganhos dos avanços tecnológicos

contemporâneos, possibilitando a liberação do ser humano do trabalho mecânico e repetitivo e

a melhoria da qualidade de vida em vários sentidos, por outro, se apresenta de forma perversa,

tornando a existência precária para muitos.

Dessa forma, o panorama em que se inscreve a profissão docente na

contemporaneidade está marcado pelas profundas e contraditórias transformações que

alteraram o ritmo de vida na sociedade capitalista, em escala mundial. Nesse contraditório

contexto, analisado por diversos autores (MÈSZÁROS, 2005; FRIGOTTO, 2003; TONET,

2005), é que nos encontramos.

Assim, temos a consciência de que a ação docente recebe influências das

condições objetivas em que a prática acontece – circunstâncias efetivas da realização do

trabalho docente, o que envolve a organização da prática, as políticas educacionais e de

formação de professores, além de outras questões ligadas à profissionalização; e das

condições subjetivas – compreendendo um conjunto de variáveis, dentre elas a que inclui a

36

compreensão do significado da ação docente. Essa conjuntura traz implicações para a

constituição da natureza dos saberes docentes, agregando-se e influenciando a configuração

da prática pedagógica do professor.

Nesse sentido, avançar em investigações sobre o processo formativo do professor

requer que enveredemos pelo conhecimento das dimensões que se implicam na constituição

da docência, particularizando para essa análise a noção do saber docente. Assim, tomaremos

como base a noção de “saber do professor”, defendida por Tardif (2002, p. 60), que confere a

esse conceito “um sentido amplo, pois, este engloba os conhecimentos, as competências, as

habilidades (ou aptidões) e as atitudes docentes, ou seja, aquilo que por muitas vezes foi

chamado de saber, saber-fazer e saber-ser”.

A discussão sobre os saberes da docência nos descortina sua pluralidade e

multiplicidade de determinantes, que provêm de fontes diferentes, como: família, sociedade,

instituição escolar, universidade, diversas experiências vividas no contexto da história de vida

e da profissionalização do professor. Portanto, os saberes dos professores são algo

particularizado, singular, pois estão relacionados com a pessoa, com a sua história de vida,

com as relações estabelecidas com o outro na esfera social e profissional. Tardif (2002, 11)

assinala que

o saber dos professores é o saber deles e está relacionado com a pessoa e a identidade deles, com a sua experiência de vida e com sua história profissional, com as suas relações com os alunos em sala de aula e com os outros atores escolares da escola. Por isso, é necessário estudá-lo relacionando-o com esses elementos constitutivos do trabalho docente.

Apesar dessa notória singularidade dos saberes do professor, eles não podem ser

vistos dissociados da dimensão coletiva na qual são constituídos, uma vez que são produzidos

socialmente, na interação com outros sujeitos, desde a sua imersão nos diversos contextos de

atuação (família, grupos, amigos, escolas etc.). Esses saberes também não podem ser

pensados de forma distanciada do entendimento das realidades sociais organizadoras da ação

humana. Nesse sentido, Tardif (2002) aponta a dupla dimensão do saber do professor – a

individual e a social – que juntas formam um todo a ser analisado e compreendido. Portanto, o

saber docente é alvo de influências das condições concretas em que o trabalho se realiza e

também da própria personalidade e experiências docentes.

Buscando interpretar a diversidade de saberes e suas influências, devemos

entender de forma articulada os aspectos individuais e sociais do saber do professor. Referido

autor se posiciona, destacando a natureza social do saber, defendendo esse caráter assentado

37

no princípio de que ele ocorre partilhado com toda a categoria dos professores, que têm uma

formação comum (mesmo levando em consideração as variações de níveis, ciclos e graus de

ensino) e participam de uma mesma estrutura e organização de trabalho. Esse grupo de

agentes produz práticas sociais, porquanto realizam o trabalho em si. Essa característica

assinala o caráter coletivo do trabalho docente, que retrata e depende intimamente da história

de uma sociedade e de sua cultura, uma vez que evoluem com o tempo e com as mudanças

sociais.

Esses saberes são adquiridos no contexto de uma socialização profissional, em

processos de incorporação, modificação e adaptação, em fases diferenciadas da carreira

profissional, no decurso de uma história profissional, “no qual estão presentes dimensões

identitárias e dimensões de socialização profissional, além de fases e mudanças” (TARDIF,

2002, p. 70).

Esse saber não é uma produção encerrada em si mesma e por si mesma, é

elaborado socialmente e depende de instituições sociais que legitimam e orientam sua atuação

como: universidades, sindicatos, grupos científicos, Ministério da Educação etc. Assim,

dependem dos contextos de trabalho subordinados aos mecanismos sociais, forças sociais

interiores e exteriores à escola; evoluem com o tempo e com as mudanças sociais. Os saberes

são construções sociais que dependem intimamente da história da sociedade

Nesse sentido, constituído em caráter processual ao longo da carreira profissional.

Os saberes são incorporados, modificados e adaptados de acordo com as necessidades e

interesses de cada fase e momento do percurso profissional. Há, portanto, a iminência social

do saber, ao mesmo tempo em que há a individual, que é carregada de especificidades e

características do próprio professor.

Além dessa natureza social, o saber tem caráter relacional, pelo fato de este se

inscrever no próprio cerne da ação docente, notadamente representado na relação estabelecida

com o outro, imantado em uma coletividade de alunos e nas interações de um grupo. Esse

caráter determina a docência como atividade de interações humanas.

Ao estudo desse conjunto de saberes utilizado pelos professores no seu locus de

atuação no desempenho de suas atividades Tardif (2002, p. 255) designou de Epistemologia

da prática profissional. Essa abordagem teórica objetiva apresentar os saberes docentes e

compreender como são articulados e vivenciados na prática pedagógica desses profissionais.

Busca ainda conhecer como esses saberes são incorporados, produzidos, utilizados e

transformados no desempenho de suas tarefas profissionais (TARDIF, 2005; PIMENTA,

2000), constituídos no contexto da experiência docente.

38

Segundo a Epistemologia da prática profissional, o saber da docência é concebido

de forma plural e heterogênea, porque se configura de diferentes conhecimentos e saberes,

oriundos de fontes e naturezas diversas, tecidas ao longo da formação inicial, continuada e das

experiências vivenciadas pelos sujeitos. Esses saberes docentes formam amálgama que vai

constituindo a identidade do professor.

Conceitualmente, a identidade profissional é entendida como um processo

dinâmico, que supera a ideia estática de sua definição. Ela está em permanente constituição do

sujeito e é “um processo único e complexo graças ao qual cada um de nós se apropria do

sentido da sua história pessoal e profissional” (NÓVOA, 1992, p.16).

Compartilhamos com Nóvoa (1992, p. 16), quando ele assinala que a identidade

não é um dado adquirido, é um “lugar de lutas e de conflitos, é um espaço de construção de

maneiras de ser e de estar na profissão”. Nesse sentido, o autor afirma que é mais adequado

denominar processo “identitário”, em vez de identidade, pelo fato de ser um fenômeno que

está em permanente (re)construção, e não um produto.

Assim, a identidade profissional docente é uma construção que permeia a vida

profissional envolvida desde a “escolha” da profissão, prosseguindo pela formação inicial e

pelos diferentes espaços e experiências sociais e institucionais vivenciadas pelo sujeito no

percurso de sua profissionalização. Essa característica de constituição identitária atribui uma

dimensão histórica e localizada, pois ocorre no tempo, no espaço e nas interações, sendo

constituída, pois, tanto nas bases dos saberes da profissão quanto sobre pressupostos éticos, de

compromisso político e ideológico. Os processos identitários são feitos com base na

significação e revisão social da profissão e na revisão das formas consolidas pela tradição e

pela experiência (VEIGA, 2008; PIMENTA, 2006). Assim, tais dimensões concedem à

identidade docente um caráter de singularidade profissional. Dimensões perfiladas, portanto,

em um jeito de ser e de ensinar, constituídos por percursos, concepções, metodologias e pelas

características pessoais do professor.

Nóvoa (1995, p. 17) defende a noção de que o processo identitário está também

ligado à capacidade de desenvolver autonomamente nossas atividades profissionais, e que a

maneira como cada um de nós ensina está diretamente dependente daquilo que somos como

pessoa quando exercemos o ensino.

A configuração desse processo identitário tem, assim, como componente em sua

base os saberes, na sua pluralidade de determinantes, multiplicidade de fontes e relações

estabelecidas no exercício da docência. Os saberes que compõem a identidade profissional são

39

formados pela articulação dos saberes oriundos da formação profissional e de saberes

disciplinares, curriculares e experienciais (TARDIF, 2002).

Os saberes profissionais referem-se aos saberes produzidos pelas Ciências da

Educação e ideologia pedagógica, transmitidos pelos centros de formação inicial e continuada

dos professores. Neles são incorporados os saberes pedagógicos que “apresentam-se como

doutrinas ou concepções provenientes de reflexões sobre a prática educativa no sentido amplo

do termo” (TARDIF, 2002, p. 37).

Os saberes disciplinares, por sua vez, são compostos pelas diversas áreas do

conhecimento construídos pela sociedade ao longo dos tempos. Eles são originados pela

cultura e pelos grupos sociais produtores de conhecimento.

Em relação aos saberes curriculares, concebemos que eles estão relacionados aos

discursos, objetivos, conteúdos e métodos que os docentes aplicam no desenvolvimento das

suas disciplinas. Já os saberes experienciais são saberes práticos que dizem respeito aos

saberes específicos do exercício da docência, aprendidos no desenvolver da própria vivência

cotidiana. “Esses saberes brotam da experiência e são por ela validados. Eles incorporam-se à

experiência individual e coletiva sob a forma de habitus e de habilidades, de saber-fazer e

saber-ser” (TARDIF, 2002, p. 39).

Esses saberes articulados alicerçam o trabalho docente, no entanto, segundo

pesquisas de Tardif (2002), não há uma equiparação de importância entre esses saberes por

parte dos docentes. Os professores tendem a hierarquizar tais saberes de acordo com a sua

utilidade no trabalho docente, ou seja, quanto maiores seu uso e sua utilidade, maior será seu

prestígio. Assim, o saber que emerge da prática, ou seja, os saberes experienciais são

considerados pelos professores como o conhecimento que serve de base para o ensino: “a

experiência de trabalho parece ser a fonte privilegiada de seu saber-ensinar” (TARDIF, 2002,

p. 61). Além disso, também atribuem ao fazer docente importância dos fatores cognitivos,

como: a própria personalidade, talentos, entusiasmo, amor à profissão e aos alunos etc.

Dessa forma, para os professores, a experiência assume uma instância relevante de

produção do saber profissional, pois possibilita o desenvolvimento de saberes específicos e

necessários para a profissão docente. Assim, os professores atribuem um status particular aos

saberes experienciais, pois deles fazem uso sistemático em seu dia-a-dia escolar. Esses

saberes conferem subsídios específicos e práticos ao fazer pedagógico, contribuindo para o

sentimento de competência profissional. Esses saberes experienciais se originam de situações

concretas vivenciadas no exercício cotidiano do magistério e têm interferências dos

condicionantes e das diversas interações na realidade. Particularmente, no que diz respeito à

40

prática pedagógica, no campo da pesquisa educacional, as ideias de profissionalização do

ofício de professor e da prática reflexiva surgem como princípios da perspectiva atual de

formação de professores (PERRENOUD, 2002).

Na perspectiva dos professores, a experiência é condição para a aquisição e a

produção dos seus próprios saberes profissionais e permite certezas relativas à atuação na sua

realidade escolar, colaborando, assim, na sua integração profissional na profissão e na

instituição.

As situações-problema enfrentadas pelo professor ao longo dos anos exigem certa

improvisação e habilidade pessoal na resolução de tais problemas e vão desenvolvendo no

professor um saber-fazer validado pelo trabalho cotidiano. Sobre essa questão, Perrenoud

(2000) afirma que, na prática docente, é preciso decidir na incerteza e agir na urgência. Nessa

dinâmica experiencial, à medida que o professor lida com os condicionantes e variáveis

presentes na ação pedagógica, desenvolve e aprimora os saberes experienciais, por isso, tem

um caráter formador.

Os saberes experienciais possibilitam a “cultura docente em ação”, que consiste

nas representações que os professores utilizam para interpretar, compreender e orientar sua

atuação pedagógica, bem como sua profissão. Essas representações, que vão sendo

constituídas nos contextos de múltiplas interações, desenvolvem no professor estratégias,

posicionamentos e formas de agir que vão possibilitar o enfrentamento dos condicionantes e

variáveis presentes no cotidiano escolar, referendados pela prática, consolidados sob a forma

do saber-fazer, auxiliando o trabalho docente.

Tardif (2005) afirma que, ante a essa relação do professor com os seus saberes, os

saberes experienciais surgem como fundamentais ao saber docente, pois é com eles que o

professor procura aproximar e transformar os outros saberes para sua própria prática. Como

ele mesmo assinala “os saberes experienciais não são saberes como os demais; são, ao

contrário, formados de todos os demais, mas retraduzidos, “polidos” e submetidos às certezas

construídas na prática e na experiência” (TARDIF, 2006, p. 54).

Com relação aos saberes profissionais, disciplinares e curriculares, no entanto, os

professores mantêm uma relação de exterioridade, por não se sentirem seus produtores

legítimos, já que estes são definidos, selecionados e produzidos por outros grupos, como, por

exemplo, os da universidade e do Estado. Entre os professores, essa relação de exterioridade

confere uma delicada relação entre os saberes. Em tal posicionamento, não apenas há uma

deslegitimação desses saberes, como, por desdobramento, mesmo que não conscientemente,

41

ocorre uma desvalorização da sua própria formação profissional e das teorias que a

fundamentam.

As discussões até então tecidas sobre os saberes da docência decorre do fato da

relação importante que se estabelece com os estudos da formação docente e, particularmente,

sobre o fenômeno da hierarquização dos saberes pelos professores.

A formação dos professores depara-se com uma circunstância desafiadora, uma

vez que seu próprio objeto de formação é centrado particularmente na questão dos saberes

docentes: como formar professores, contemplando as bases teórico-conceituais, aqui

defendidas, sediadas na constituição dos diferentes saberes, quando nos deparamos com a

atribuição de maior importância ao saber de experiência, como principal fonte formativa?

Como atender as expectativas dos professores em suas demandas reais ante um referencial

que seja legítimo e importante para sua formação?

Essa discussão sobre a hierarquização dos saberes e a propensa desvalorização dos

saberes (profissionais, curriculares e disciplinares), em função dos saberes experienciais,

interessa sobremaneira ao campo dos estudos da formação docente, em virtude de apresentar-

se como objeto de conhecimento importante para as elaborações nessa área. Além desse

aspecto, incidem os desdobramentos que podem se articular desse conhecimento para a

fomentação de políticas de formação.

Assim, este trabalho procura contribuir para o avanço desse debate, concorrendo

para ampliar o conhecimento sobre como os professores integram seus diversos saberes

(disciplinares, curriculares, profissionais, experienciais), provenientes de fontes diferentes

(sociais, da história de vida individual, da sociedade, da instituição escolar, dos outros agentes

educativos, dos lugares de formação), na mobilização do seu agir docente.

Portanto, na busca de interlocução desses saberes, vinculados à formação do

professor alfabetizador, e estes, com o ensino ministrado, é que se descortina a necessidade de

articularmos as discussões existentes na literatura especializada sobre os estudos relativos ao

processo de aquisição da linguagem escrita na perspectiva do letramento.

2.3 O processo de aquisição da linguagem escrita na perspectiva do letramento

Estudos em diversas áreas têm sido realizados no sentido de compreender como a

criança constrói o conhecimento sobre a linguagem escrita e qual a influência sociocultural

sobre essa apropriação (FERREIRO & TEBEROSKY, 1986; KATO, 1990; KLEIMAN,

42

1993; CAGLIARI, 1997; ROJO, 1998, 2009; SOARES, 2002, 2012; CURTO, 2000;

FERREIRO, 2001).

Soares (2012, p. 18) defende o conceito de alfabetização como “um conjunto de

habilidades, o que a caracteriza como um fenômeno de natureza complexa, multifacetado”.

Por serem diversas essas faces da alfabetização, diferentes áreas têm contribuído com estudos

enfocando algum aspecto desse processo. Assim, temos pesquisas nas áreas da psicologia e da

linguística (nas abordagens da psicolinguística, da sociolinguística e da linguística

propriamente). Fato que tem contribuído para uma visão fragmentada e muitas vezes

conflituosa a respeito da alfabetização.

Comungamos com Soares (2012) quando ela chama a atenção para a necessidade

da elaboração de uma teoria da alfabetização que articule e integre todos esses estudos,

superando a visão fragmentária que temos até o momento.

Hoje compreendemos que a construção dos saberes necessários para alfabetizar

deve se fundamentar nessa teia de conhecimentos de diferentes áreas, constituindo-se um

arcabouço teórico consistente e diversificado.

Os estudos e pesquisas da psicologia acerca da alfabetização têm tido significativa

difusão, desenvolvendo-se em expressiva quantidade. Essas investigações visam conhecer os

processos psicológicos acerca da aprendizagem da leitura e da escrita.

O volume de publicações dedicado à explicitação dos processos cognitivos

implicados nessa aprendizagem, principalmente nas últimas décadas, produziu inovações e

revoluções de ideias acerca do modo como a criança se apropria desse objeto cultural que é a

escrita. Para tanto, tem especial influência a divulgação internacional do trabalho de Emília

Ferreiro e Ana Teberosky (1986) sobre os processos de aquisição da linguagem escrita por

crianças pré-escolares, que tem como base teórica o construtivismo interacionista piagetiano,

a qual se explica que o conhecimento é construído ativamente na interação do ser humano

com o meio.

Nas suas pesquisas no campo da Psicologia, as autoras criaram a teoria da

psicogênese da língua escrita, que explicita a compreensão dos processos e formas pelos quais

as crianças adquirem o conhecimento da língua escrita. Na tentativa de compreender a

natureza da construção da língua escrita pela criança, essa pesquisa pautou-se pelos seguintes

objetivos:

1) Descobrir o conhecimento construído pela criança no processo de aquisição da

escrita.

43

2) Identificar, por meio de estudos longitudinais, as hipóteses infantis,

interpretando-as do ponto de vista do processo de construção da criança;

3) Identificar os processos cognitivos envolvidos nesse processo, compreendendo

como e por que se dá a evolução conceitual (a lógica interna desse processo de

construção); e

4) Avaliar as implicações da escola e da configuração social na evolução das

conceitualizações infantis.

Essa pesquisa mudou os paradigmas da alfabetização, pois redimensionou a

compreensão que os educadores tinham sobre a aprendizagem da linguagem escrita, visto que

a escrita passou a ser concebida como objeto de conhecimento e não mais de ensino,

admitindo-se, então, uma lógica de progressão diferente da pré-estabelecida pelos métodos

alfabetizadores.

Entre as principais ideias das referidas autoras está a premissa fundamental de que

as crianças começam a interagir com textos muito antes do que imaginamos, antes até de

entrarem na escola, com esteio nas quais elas constroem hipóteses coerentes sobre a leitura e a

escrita, nas interações significativas em seu contexto sócio-histórico e cultural. Assim, à

medida que vão operando com variados textos, com leitores e produtores de textos mais

experientes, há uma evolução conceitual nessa aquisição e também na compreensão de sua

função social. Dessa forma, a alfabetização é desencadeada na interação com a língua escrita

e com os seus usuários.

Com estribo na compreensão de sujeito cognitivo de Piaget, as autoras

conceberam a ideia de que a criança, mesmo de pouca idade, é capaz de externar problemas,

criar hipóteses, testá-las e constituir verdadeiros sistemas interpretativos na busca de

compreensão do universo que a cerca. Segundo Ferreiro e Teberosky (1986, p. 26),

O sujeito que conhecemos através da teoria de Piaget é um sujeito que procura ativamente compreender o mundo que o rodeia, e trata de resolver as interrogações que este mundo provoca. Não é um sujeito que espera que alguém que possui um conhecimento o transmita a ele, por um ato de benevolência. É um sujeito que aprende basicamente através de suas próprias categorias de pensamento ao mesmo tempo que organiza seu mundo.

O entendimento da interação da criança com o meio para a construção do

conhecimento é de fundamental relevância, pois o entendimento de que o sujeito é visto como

44

ser ativo diante do saber redimensionou a prática educativa para ações de caráter mais

mediador e desafiador.

As contribuições da Psicogênese da Língua Escrita propiciaram, ainda, a

reconsideração do momento e da forma como se inicia a aprendizagem da linguagem escrita.

Até então, as práticas pedagógicas consideravam como fundamental o estado de prontidão da

criança, no qual somente quando ela estava madura no manejo de certas habilidades

psicomotoras era capaz de ingressar no sistema escolar. Posteriormente, era permitida a

aprendizagem da técnica da escrita concebida como instrumento de transcrição da língua oral.

Superando também a concepção de escrita como código, Ferreiro e Teberosky

(1986), apoiadas em estudos linguísticos, chamaram a atenção para a complexidade da escrita,

entendida como um sistema de representação. A esse respeito, Gasparian e Luize (2005)

assinalam que, ao lado dos princípios normativos que organizam o seu funcionamento (como

a “alfabeticidade” e a ortografia), há uma vasta possibilidade de configurações e funções

inerentes ao uso da língua que merece ser considerada nas mais diversas situações sociais de

uso da escrita. Assim, longe de simplesmente praticar os princípios de um código, o aprendiz

(desde cedo, um efetivo usuário da escrita) envolve-se em processos de reflexão e de

recriação linguística transformadores da própria linguagem. (GASPARIAN & LUIZE, 2005,

p.17). Esse processo de reflexão e de recriação linguística se configura numa trajetória em

que a criança elabora hipóteses sobre a escrita que evoluem em etapas sucessivas. Ferreiro,

em suas pesquisas, organizou essas etapas em três grandes períodos:9

O primeiro período caracteriza-se pela busca de parâmetros de diferenciação

entre as marcas gráficas figurativas e as marcas gráficas não figurativas, assim

como pela formação de série de letras como objetos substitutos, e pela busca de

condições de interpretação desses objetos substitutos.

O segundo período é caracterizado pela construção de modos de diferenciação

entre o encadeamento de letras, baseando-se alternadamente em eixos de

diferenciação qualitativos e quantitativos; e

O terceiro período é o que corresponde à fonetização da escrita, que começa por

um período silábico e culmina em um período alfabético.

As contribuições de Ferreiro e Teberosky redimensionaram a concepção que se

tinha sobre a Pedagogia da alfabetização até a década de 1980. Assim, os métodos e as

9 Etapas descritas no A escrita antes das letras. In Hermine Sinclair (ed.) A produção de notações na criança, São Paulo, Cortez Editora, 1990.

45

práticas preconizadas pelas tradicionais cartilhas deixam de ser o foco das perspectivas de

inovação, transferindo a focalização do professor que ensina para o aluno que aprende,

ampliando inclusive a compreensão de língua escrita como objeto cultural vivo e

necessariamente contextualizado. Estudos nas áreas da Psicolinguística e da Sociolinguística

voltados para a alfabetização, também vêm contribuindo para uma melhor compreensão desse

processo, embora ainda ocorram em bem menor quantidade dos que os de abordagem

psicológica. Além das discussões acerca da alfabetização, letramento é outro conceito que

ganhou destaque no cenário educacional. Soares (2002) se refere ao termo letramento como

sendo o estado ou a condição de quem sabe ler e escrever; pessoas que incorporam os usos da

leitura e da escrita, que se apropriaram plenamente de suas práticas sociais. Nesta perspectiva,

portanto, a pessoa não está só alfabetizada (sabendo ler e escrever), mas cultiva e exerce as

práticas sociais de leitura e escrita, utilizando-se desse estado ou condição para se divertir,

informar-se cada vez mais, inserir-se social e culturalmente, conhecer-se a si própria etc.

O que mais propriamente se denomina letramento, de que são muitas as facetas – imersão das crianças na cultura escrita, participação em experiências variadas com a leitura e a escrita, conhecimento e interação com diferentes tipos de gêneros de material escrito (SOARES, 2003, p.13).

Portanto, alfabetização só tem sentido quando desenvolvida no universo de

práticas sociais de leitura e de escrita, ou seja, num contexto de letramento e por meio de

atividades de letramento; este, por sua vez, só pode se desenvolver na dependência da e por

meio da aprendizagem do sistema de escrita. Para alfabetizar e letrar são fundamentais a

especificidade e a indissociabilidade dos processos de letramento e de alfabetização. É preciso

deixar claro que defender a especificidade do processo de alfabetização não significa dissociá-

lo do processo de letramento.

Dissociar alfabetização e letramento é um equívoco porque, no quadro das atuais concepções psicológicas, lingüísticas e psicolinguísticas de leitura e escrita, a entrada da criança (e também do adulto analfabeto) no mundo da escrita se dá simultaneamente por esses dois processos: pela aquisição do sistema convencional de escrita – alfabetização, e pelo desenvolvimento das habilidades de uso desse sistema em atividades de leitura e escrita, nas práticas sociais que envolvem a língua escrita – o letramento. Não são processos independentes, mas interdependentes, e indissociáveis: a alfabetização se desenvolve no contexto de e por meio de práticas sociais de leitura e escrita, isto é, através de atividades de letramento, e este, por sua vez, só pode desenvolver-se no contexto da e por meio da aprendizagem das relações fonema-grafema, isto é, em dependência da alfabetização (SOARES, 2003, p. 9).

46

Assim, as novas exigências do mundo contemporâneo com relação à leitura e à

escrita materializam no cenário educacional o conceito de letramento. Esse termo se inaugura

pela necessidade de configurar e nomear novos comportamentos e práticas sociais de leitura e

escrita que ultrapassem o domínio do sistema alfabético e ortográfico.

Vários pesquisadores (BAZERMAN, 2011; ROJO, 1998; SOARES, 2012)

também vêm investigando e publicando novos trabalhos, buscando a relação do conceito de

letramento com a palavra escrita, debruçando-se sobre a relação entre alfabetização e

letramento, habilidades e práticas sociais de leitura e escrita. De acordo com essa perspectiva,

as pessoas fazem uso da leitura e da escrita nas práticas sociais no cotidiano, para atender a

determinados objetivos com propósito comunicativo, em situação de interação e com

interlocutores. Desse modo, fazem uso dos diversos gêneros textuais que circulam em nossa

sociedade.

Portanto, quando objetiva-se alfabetizar e letrar, leva-se em consideração a

interação, incorporação e uso da diversidade textual presente nas diversas práticas sociais.

Ante tal realidade, a escola deve, portanto, proporcionar aos alunos, o contato e a interação

com essa diversidade textual em suas formas de circulação, materializada nos diversos

gêneros textuais existentes (orais e escritos). Essa concepção de ensino da língua escrita se

ampara na concepção atual de linguagem na abordagem dos gêneros textuais.

2.4 Linguagem, gêneros textuais e situações comunicativas

A linguagem é compreendida como um espaço de interação humana, e é nesse

locus e por meio dele que nos situamos no mundo, produzindo imagens e representações

sobre os outros com os quais nos relacionamos. Essa abordagem compreende a linguagem

como expressão de uma competência discursiva que possibilita a interação social. A

linguagem é, portanto, uma forma de interação social das pessoas, que atende a finalidades

diversas e seu domínio é um imprescindível recurso utilizado nos diferentes grupos de uma

sociedade.

Bakhtin (1992), Bronckart (1999), Marcuschi (2003), Schneuwly e Dolz (2004)

defendem a noção de linguagem como algo essencialmente interativo, ou seja, uma ação entre

o produtor e o receptor do texto que atende a propósitos sociais de comunicação. Vieira e Val

(2005) concordam com essa visão, pois também concebem a linguagem como atividade

sociointerativa, forma de ação, lugar de interação de sujeitos, em determinado contexto social

de comunicação e para certo fim. As múltiplas atividades humanas produzem diferentes

47

formas de utilização da linguagem para atender às necessidades de interação, manifestadas em

formas de enunciados (orais e escritos) que se organizam de acordo com cada realidade

(BAKHTIN, 1992). Por serem inúmeras essas atividades humanas, cada enunciado produzido

recebe diversas influências tanto do contexto físico quanto do sociossubjetivo no qual está

inserido (BRONCKART, 1999).

Portanto, os enunciados são produzidos por determinada situação e contexto

sócio-histórico, para certo destinatário e para atender a uma finalidade com um conteúdo

específico. Nesse sentido, “ao servir de materialidade textual a uma determinada interação

humana recorrente a um dado tempo e espaço, a linguagem se constitui como gênero”.

(MEURER; MOTT-ROTH, 2002, p.11).

Bakhtin (1992, p. 279) define a enunciação como um produto da relação social e

argumenta que “cada esfera de utilização da língua elabora seus tipos relativamente estáveis

de enunciados” e a estes chamou de gêneros do discurso10.

A noção da “relatividade da estabilidade” defendida por Bahktin apresenta-se

como um importante conceito para a compreensão do gênero. E justifica-se, por ser uma

característica inerente à categoria gênero textual, em função de sua abstração e plasticidade,

uma vez que este se modifica em função das necessidades enunciativas.

Esses aspectos nos apresentam as fronteiras fluidas dos gêneros [...]. Pois, assim como a língua varia, também os gêneros variam, adaptam-se, renovam-se e multiplicam-se. Em suma, hoje, a tendência é observar os gêneros pelo seu lado dinâmico, processual, social, interativo, cognitivo, evitando a classificação e a postura estrutura.(MARCUSCHI, 2005, p. 18).

Assim, o estatuto de gênero textual não é algo imanente como propriedade

inalienável, mas relativa ao seu funcionamento na relação com os agentes envolvidos e as

condições de enunciação. Segundo a teoria bakhtiniana, os gêneros são um tipo de gramática

social, ou seja, uma gramática da enunciação, pois organizam nossa fala e escrita.

Entendemos, com referido autor, que gênero textual é, a um só tempo, uma ação

de linguagem e uma atividade de linguagem, que tem um propósito comunicativo. Portanto, é

a linguagem em uso, seja na sua forma oral, seja em sua forma escrita. Segundo Schneuwly

(2004), a noção de gênero defendida na obra de Bakhtin (entre 1953 e 1979) pode ser

resumida pelos seguintes aspectos:

10 Adotamos a orientação de Marcuschi (2002), que considera como sinônimas as expressões gênero textual e

gênero discursivo.

48

Cada esfera de troca social elabora tipos relativamente estáveis de enunciados: os gêneros;

três elementos os caracterizam: conteúdo temático – estilo – construção composicional;

a escolha de um gênero se determina pela esfera, as necessidades da temática, o conjunto dos participantes e a vontade enunciativa ou intenção do locutor. (SCHNEUWLY, 2004, p.25).

O estudo desse autor (2004) assinala que existem elementos centrais na

conceituação de gênero, que dizem respeito à escolha do gênero ante a uma situação definida

(com finalidade, destinatário e conteúdos), ou seja, o gênero a ser usado deve atender a

situação discursiva. Além desse aspecto, há um lugar social em que essa base se processa,

definindo um conjunto possível de gêneros. E, por fim, o gênero escolhido para a interação é

definido por sua função comunicativa, tendo por sua vez uma estrutura relativamente estável.

Santos, Mendonça e Cavalcante (2006) argumentam que, nas práticas de uso da

língua, todos os textos se organizam como gêneros textuais típicos, ou seja, tais práticas de

uso da língua empregada no cotidiano vão requerer gêneros específicos adequados àquele

contexto comunicativo. Por exemplo, na tentativa da venda de um imóvel, não seria

apropriado usar o gênero conto para informar a um grande público o propósito dessa situação

comunicativa, porquanto é mais adequado o gênero anúncio, que cumpre a função de fazer

chegar à população esse tipo de informação de modo rápido e preciso.

Portanto, como afirma Schneuwly (2004), a escolha do gênero se faz em função

da definição dos parâmetros da situação que guiam a ação. Dessa forma, há uma relação entre

meio-fim, definida e guiada pelo contexto da atividade discursiva. Assim, temos em Bakhtin a

base de explicação da categoria gênero textual sediada no propósito comunicativo envolvido

na circunstância de interação, atuando na definição dessa noção, três elementos: conteúdo

temático, construção composicional e estilo.

O conteúdo temático diz respeito ao conteúdo em si e o que pode se tornar

comunicado por meio do gênero. Quanto à construção composicional, refere-se à estrutura

específica dos textos pertencentes ao gênero, uma vez que guardam características estruturais

comuns entre si.

O reconhecimento de um gênero inclui, portanto, o conteúdo temático, ou seja, o

que diz respeito ao conteúdo em si e o que pode se tornar comunicado por meio do gênero.

Inclui ainda, o reconhecimento da construção composicional, ou seja, dos aspectos que se

referem à estrutura específica dos textos pertencentes ao gênero, uma vez que já sabemos que

o gênero guarda características estruturais comuns entre si. E, por fim, o elemento estilístico,

ligado às configurações específicas das unidades de linguagem, sobretudo da posição,

49

intenções e propósitos do locutor, além dos conjuntos particulares de sequências que

compõem o texto.

A articulação dos argumentos descritos para o reconhecimento de um gênero e,

portanto, inerentes a sua constituição, é expressa nos Parâmetros Curriculares Nacionais

(PCN, 1998), acompanhando, assim, a perspectiva de definição e classificação dos gêneros,

seguindo uma concepção bakhtiniana. Outro aspecto importante à análise é o fenômeno da

“hibridização” dos gêneros. A esse respeito, Marcuschi, (2005) postula que a hibridização se

caracteriza pela confluência de dois gêneros, fato corriqueiro no dia-a-dia, em que passamos

de um gênero a outro, ou inserimos um no outro, na fala ou na escrita.

Referido autor se coloca, porém, em contraposição às ideias expressas por Kress,

quando anuncia que essa mobilidade dos gêneros caminha para uma mixagem de tal ordem,

ao ponto de chegarmos à situação em que não ocorram mais “categorias de gêneros puros e

sim apenas fluxo” (MARCUSCHI, 2005, p. 25).

A posição defendida por Marcuschi (2005) é a de que se faz inadequado

considerar tal fenômeno como ‘evidência de ausência de gênero’, uma vez que só se mescla e

une aquilo que pré-existe. Dessa forma, podemos verificar que esse autor concorda com o

fenômeno da hibridização que Kress argumenta, assentado na ideia de mobilidade dos

gêneros, todavia, não comunga com o anúncio da perspectiva do desaparecimento da

categoria gênero.

Esse fenômeno vem se demarcando na contemporaneidade, acirrado pela

influência das novas demandas sociais no uso da linguagem, disponíveis em nossa cultura, e

pelo surgimento de Novas Tecnologias do Conhecimento e da Informação (NTICs).11 É

principalmente nessa área da tecnologia que se observam os desdobramentos desse fenômeno

na linguagem. Assim, temos, por exemplo, nos chats e blogs como novos espaços de

interação e de comunicação, ou o e-mail (correio eletrônico) como desdobramento das cartas

(pessoais, comerciais...) e dos bilhetes.

Este fenômeno também tem influência pela dinâmica dos gêneros e sua

adaptabilidade inclusive na materialidade linguística. Isso mostra que os gêneros apresentam

identidade social e organizacional ampla e são parte constitutiva da sociedade e, portanto,

com funções socioverbais e ideológicas.

11 Referimo-nos especialmente à tecnologia eletrônica, com particularidade à informática, computador e internet e

os desdobramentos de novas formas de organizar e estabelecer os relacionamentos interpessoais nesse novo contexto, pensadas em uma perspectiva mais sócio-histórica e menos tecnicista (GERALDINI, 1998).

50

Como se nota, a noção de gênero vem envolta num conjunto relativamente

extenso de parâmetros de observação, haja vista a complexidade do fenômeno que envolve

aspectos linguísticos, discursivos, sociointeracionais, históricos, pragmáticos, entre outros

(MARCUSCHI, 2005).

Como a linguagem é a base da interação humana e o gênero é a linguagem em

ação, consideramos que a abordagem pedagógica de gênero se constitui fundamental para a

competência discursiva. Apoiadas em pesquisadores como Bronckart (1999; 2006),

Schneuwly e Dolz (2004) entre outros, compreendemos o caráter comunicativo eminente,

constituído socialmente na interação com o outro.

Sobre isso, Bronckart (1999) assinala que “a apropriação dos gêneros é um

mecanismo fundamental de socialização, de inserção prática nas atividades comunicativas

humanas” (P. 103), ou seja, os gêneros são instrumentos de que os sujeitos dispõem para atuar

nos diferentes domínios da atividade humana.

Para Kress (apud MOTTA-ROTH, 2000), o conhecimento sobre a forma como

ocorre a interação mediada pela linguagem, estabelecida em situações específicas, permite

democratizar o acesso aos bens culturais e sociais em uma sociedade letrada e

tecnologicamente desenvolvida. A abordagem de gêneros é relevante em virtude da ênfase no

papel que a linguagem desempenha na interação social, com necessidades sociais e valores

culturais específicos.

Em uma ampliação dessa significação, temos ainda que, do ponto de vista

funcional, aprender a língua significa desenvolver competência progressiva no uso de funções

da linguagem (HALLIDAY apud MEURER, 2000, p. 149) e que “essa competência engloba

igualmente a capacidade de compreender as práticas discursivas e as relações sociais

articuladas ao uso dos diferentes gêneros textuais”.

Nesse sentido, o ensino baseado em estudos dos gêneros textuais pode estimular o

estudo da língua e se transformar em um contexto destinado ao levantamento, reconhecimento

e uso das inúmeras manifestações orais e escritas. Esse tipo de prática vem auxiliar os agentes

sociais a se perceberem e perceber o contexto, conduzindo e reconstituindo a apropriação da

cultura atual e a reconstituição de culturas de outras épocas. Os gêneros textuais na escola

situam o ensino em práticas socioculturais mais amplas.

Com base no referencial teórico exposto, apresentaremos e analisaremos os

programas PROFA, Pró-Letramento e PNAIC. No entanto, antes desse capítulo, faz-se

necessária uma reflexão a respeito das políticas educacionais desenvolvidas no país, a fim de

compreendermos de forma sistêmica sua influência sobre os programas estudados.

51

Nesse sentido, passaremos ao capítulo seguinte com o objetivo de fazer um

resgate histórico das políticas educacionais desenvolvidas nos últimos tempos, com prioridade

para àquelas voltadas à formação docente.

52

3 HISTÓRIA DAS POLÍTICAS DE FORMAÇÃO DOCENTE NO BRASIL

Minha tese inicial é bastante pessimista: há uma distância considerável entre as políticas

educacionais, a legislação educacional, a pesquisa acadêmica, e o que acontece na

realidade das escolas, isto é, no ensino, no trabalho cotidiano dos professores, na

aprendizagem dos alunos. (LIBÂNEO, 2008).

A política educacional de um país envolve legislação, financiamento, gestão,

currículo e avaliação dos sistemas e das unidades escolares. Compreendendo a amplitude e

complexidade, tanto das políticas educacionais no Brasil, como de sua história, tomaremos

como objeto de análise as políticas de formação docente num determinado recorte temporal.

Nesses termos, optamos pelo exame do período de 1995 a 2015.

Essa escolha ocorre em detrimento de, nesta fase, terem sido desenvolvidos

nacionalmente três importantes programas de formação de alfabetizadores, que aqui nos

propomos analisar: o Programa de Formação de Professores Alfabetizadores (PROFA), o Pró-

Letramento e o Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa (PNAIC). Esses programas

foram criados e executados respectivamente nos governos presidenciais de Fernando

Henrique Cardoso (1995-2002), Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2010) e Dilma Rousseff

(2011- 2015); além disso, em decorrência de importantes reformas educacionais e ações

implementadas no País no referido momento histórico.Para tanto, faremos inicialmente,

remissões aos anos de 1960 a 1990, com uma breve apresentação de alguns fatos importantes,

ocorridos nessa época, que têm implicações na atualidade e que concorrem para uma melhor

compreensão de que as políticas educacionais estão engendradas numa teia de relações

econômicas nacionais e internacionais, e que estas se organizam a fim de atender a uma

agenda globalmente estruturada por organismos internacionais para serem efetivadas de modo

diferenciado pelos países.

3.1 As políticas educacionais nos anos de 1960 a 1990

Desde os anos de 1960, com acelerado crescimento demográfico,

desenvolvimento e acirramento do capitalismo urbano, a sociedade brasileira passou por

alterações no que diz respeito à demanda de qualificação do trabalhador em geral e,

consequentemente, à necessidade de expansão da escolarização básica. De acordo com

53

Pimenta (2002, p. 98), a população trabalhadora “se organiza e reivindica escolas, na medida

em que ela é condição de acesso ao mercado de trabalho e, portanto, de sobrevivência”. O

histórico movimento por universalização do ensino básico ampliou o acesso à escolarização,

difundindo a ideia da Educação como redentora das desigualdades sociais, quando pensada

como fator aliado ao desenvolvimento econômico, ou seja, ao desenvolvimento do

capitalismo.

Esse contexto e suas ideias postuladas acarretam um conjunto de problemas e

dificuldades para a Educação, entre os quais estão expressos nos altos índices de repetência,

evasão escolar, distorção idade-série, legado histórico dessa época que se reúne a outro já

historicamente avolumado, que concerne a pouca qualificação docente. Nesses termos,

constatamos que a conquista da expansão da Educação Básica não veio associada à garantia

da qualidade do Ensino Público.

A primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei 4.024, de

20/12/1961) não trouxe inovações para a formação docente ministrada no Ensino Normal,

pois conservou as grandes linhas da organização anterior, seja em termos de duração dos

estudos ou de divisão de ciclos (TANURI, 2000). O curso de Pedagogia manteve-se com uma

natureza bacharelesca e generalista, sem foco específico para a formação docente voltada aos

anos iniciais da Educação Básica.

Em termos históricos, o que se estabelece como supostos ganhos com a referida

lei situa-se na equiparação legal ocorrida em todas as modalidades de Ensino Médio, assim

como a descentralização administrativa e a flexibilidade curricular que ensejaria o

rompimento da uniformidade curricular das escolas normais. Assinala-se, porém, que a Lei de

1961 beneficiou de fato mais a iniciativa privada, já que com essa legislação se criaram a

possibilidade e a facilidade no País para abrir e ministrar ensino privado em todos os graus,

ensejando ao mesmo tempo menor aprimoramento da escola pública.

Instaurada em 1964, a ditadura militar produziu marcas próprias ao projeto

educacional neste novo contexto social e econômico da época,12 orientado por duas leis e um

amplo conjunto de decretos-lei: a Lei n 5.540/68 que regulamentou a reforma universitária, a

qual instituiu os princípios para a organização e funcionamento do Ensino Superior; e a Lei n

5.692/71, que fixou as diretrizes e bases para o Ensino de 1º e 2º graus.

12 Esse período foi marcado pelo avanço no processo de industrialização brasileiro, pautado por padrões

internacionais, fato que aumentou a internacionalização do mercado e a incorporação de modernas tecnologias à produção nacional.

54

Essas duas leis tinham por finalidade, respectivamente, formar profissionais

graduados para atender as demandas do mercado, de um lado, e, de outro, conter as crescentes

demandas sobre o Ensino Superior, promovendo a profissionalização em nível médio

(VIEIRA & FARIAS, 2007). Assim, esperava-se que a Educação pudesse garantir o

crescimento econômico, isto é, o desenvolvimento do capitalismo no País.

Portanto, na época, a demanda por formação docente no Ensino Superior ainda

não é exigência para os professores que atendem ao ensino primário. Além disso, nesse

período, conta-se com um número insuficiente de professores para esse nível, situação esta

que, pelas circunstâncias, motivou ao sistema o aproveitamento de pessoas para atuarem

como documentos no Ensino Primário, de forma improvisada e sem a devida formação.13

Temos ainda como desenho da formação docente, nesse período, o fato do

distanciamento das formações dadas em relação à realidade educacional da época,

desenvolvida nos cursos de magistério em nível médio na modalidade normal, repercutindo na

ausência de preparação dos professores para o enfrentamento dessa realidade.

Em meio a referido contexto, tem-se como um dos desdobramentos a constituição

das discussões sobre formação docente no Brasil. Mostram-se, como destaques nos anos de

1960/70 diversos estudos realizados pelo Instituto Nacional de Pesquisas Educacionais Anísio

Teixeira (INEP).14 Essa instituição realizou importantes pesquisas sobre a formação de

professores na Escola Normal de Ensino Médio, que preparava professores das séries iniciais.

Os resultados dessas pesquisas evidenciaram, particularmente, o distanciamento da formação

docente em relação à realidade da escola primária da época, que se configurava pela

ampliação do acesso à escolarização, a qual trouxe para a escola crianças de segmentos

sociais menos favorecidos, até aí não atendidos.

Concomitante ao contexto da Escola Normal desse período abriu-se a tendência

de elevar a formação do professor das séries iniciais, com a defesa de que a formação mínima

para o magistério deveria ocorrer em cursos de nível superior. Foi uma tendência que segundo

Pimenta (2006, p. 30) instaurou a necessidade de se proceder a uma “transformação paulatina

da formação dos professores para a escolaridade básica a ser realizada no ensino superior”.

13 Censo Escolar do Brasil, realizado pelo INEP em 1965. 14 Segundo Pimenta (2006, p. 29), esses estudos são promovidos pelo INEP, instituto criado no início dos anos

1940, que “iniciou em julho de 1944 a publicação da revista brasileira de estudos pedagógicos (RBEP), responsável pela divulgação do pensamento educacional brasileiro e das pesquisas sobre formação de professores, até meados dos anos 90”. A autora situa ainda esse Instituto como um dos principais promotores das conferências nacionais de educação (CBE), inviabilizadas posteriormente pela ditadura militar.

55

Outro fato que também contribuiu como instrumento de pressão por melhorias na

formação docente foi a institucionalização da pós-graduação nas universidades brasileiras, no

final dos anos de 1960, que promoveu a pesquisa e a produção acadêmica, dentre elas, em

Educação, no Brasil. Alguns programas como o de Filosofia da Educação da PUC-SP e PUC-

RJ, UNICAMP, UFMG, dentre outros, se destacaram por analisar criticamente, à luz de

referenciais marxistas e gramscianos, a realidade da escola, da educação e das suas relações

com o contexto político e social do País. Essas produções acadêmicas foram marcadas pela

crítica à função social da escola na reprodução das classes sociais e pela explicitação dos

fatores intraescolares como dispositivos geradores dos mecanismos de exclusão dos

segmentos da classe trabalhadora.

As investigações produzidas no âmbito científico da época revelavam as lacunas

na formação para o magistério e suas implicações para a docência na Educação Básica, o que,

segundo Pimenta (2006, p. 32) era percebido na

[...] ausência de projeto formativo, conjunto entre as disciplinas científicas e as pedagógicas, o formalismo destas, o distanciamento daquelas da realidade escolar, além do desprestígio do exercício profissional da docência no âmbito da sociedade e das políticas governamentais prejudicando seriamente a formação de professores.

No que diz respeito à formação docente para a Educação Básica, especificamente,

nos anos de 1980, as pesquisas apontam a necessidade de uma formação voltada para os

problemas que a prática in loco da escola revelava, bem como para a urgência de fortalecer os

conhecimentos teóricos dos professores, a fim de que eles aprimorassem sua atuação

pedagógica. Concorria também, nessa época, a intensa discussão sobre o curso de Pedagogia,

e neste a formação e as especificidades dos pedagogos e do seu trabalho.

No contexto internacional, essa década foi palco de profundas mudanças na

liderança das organizações internacionais responsáveis por financiamentos das políticas

educacionais nos países em desenvolvimento. A Organização das Nações Unidas para a

Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), até então principal instituição responsável pelo

setor da Educação, perde força, enquanto o Banco Mundial (BM) e o Fundo Monetário

Internacional (FMI) passam a ter expressiva influência na realidade educacional desses países,

articulando reformas no Estado e ajustes estruturais da economia.

De acordo com Aplle (1989), Azevedo (2007) e Teodoro (2001, 2003), porém,

tanto as agências financiadoras (FMI, BM, BID) quanto às intragovernamentais (UNESCO,

OEA) legitimam e criam condições de efetivação das políticas educacionais no mundo – mais

56

precisamente, nos países (“em desenvolvimento”) dependentes e subalternos ao capital

financeiro internacional.

Nos anos de 1990, o Banco Mundial acentuou financiamentos, passando a ter

intensiva influência sobre as políticas educacionais nos países em desenvolvimento. Para

tanto se utilizou de vários mecanismos de inserção e materialização de seus interesses.

Exemplo disso é a Conferência de Jomtien, realizada na Tailândia em 1990, convocada e

financiada pelo BM e UNESCO, que resultou na Declaração Mundial de Educação para

Todos. Esta declaração se tornou a base de elaboração das diretrizes dos planos decenais de

Educação dos países signatários da Conferência Mundial, os quais detinham a maioria da

população mundial, entre eles, o Brasil. Gradativamente, o Banco Mundial passou a exercer

simultaneamente as funções de financiador, de assistência técnica e de referência de pesquisas

educacionais em todo o mundo (AKKARI, 2011).15

Por sua vez, no Brasil, as orientações neoliberais desses organismos multilaterais

foram inicialmente absorvidas no governo Fernando Affonso Collor de Mello (1990-1992)

que instaurou a abertura do mercado brasileiro e a subordinação quase irrestrita do País ao

capital financeiro internacional, representado precisamente por esses organismos – que

extorquem riqueza, interferindo e gerindo setores importantes do País. Por isso, assim como

em outros setores, a política educacional do governo Collor foi objeto de severas críticas

quanto às ações governamentais.

Com a renúncia de Fernando Collor (em 29/12/1992 para evitar o impeachment),

o então vice-presidente, Itamar Franco, insurge ao poder e retoma a definição da política

educacional no País, sintonizando-a ainda mais aos interesses econômicos e políticos dos

organismos financeiros internacionais. E, desse modo, com o governo Itamar Franco (1992-

1994) se inicia a tentativa de elaboração do Plano Decenal de Educação para todos (BRASIL,

1993), o qual se tornou o primeiro ensaio do Plano Nacional de Educação (PNE) previsto na

Constituição de 1988. Não se torna, no entanto, um documento legal aprovado. Em 1994, é

realizada a Conferência Nacional de Educação para Todos, que tem como baliza a Declaração

Mundial de Educação para Todos. Este documento estabeleceu que as políticas educacionais

dos países signatários investissem no desenvolvimento das necessidades básicas de

aprendizagem. Portanto, o foco deveria ser as “competências” e habilidades básicas nas áreas

15 De acordo com Akkari (2011, p. 32), é possível identificar três importantes prioridades das políticas

educacionais inspiradas pelo Banco Mundial: dedicar metade dos gastos públicos para a Educação Básica; aumentar a participação do setor privado no âmbito educacional (principalmente Ensino Médio e Superior); descentralizar a gestão da Educação, dar prioridade à aquisição de conhecimentos e habilidades que possam ser mobilizados no setor produtivo e reformar os currículos escolares.

57

de Português e Matemática. Dessa forma, a prioridade da ação política do Governo seria

dirigida ao Ensino Fundamental, alinhando todo o sistema educacional e formação docente

para tal fim.

3.2 As políticas educacionais no governo FHC

Foi, sobretudo, no governo Fernando Henrique Cardoso (1995-2002) que se

concretizou uma intensa reforma educacional, que de modo significativo alterou a natureza e

o perfil do sistema educacional brasileiro, subordinando-o à cartilha neoliberal elaborada e

ditada pelo Banco Mundial e Fundo Monetário Internacional. Sobre o governo FHC, Frigotto

(2011, p. 9) sintetiza dizendo que

[...] as reformas neoliberais, ao longo do Governo FHC, aprofundaram a opção pela modernização e dependência mediante um projeto ortodoxo de caráter monetarista e financista/rentista. Em nome do ajuste, privatizaram a nação, desapropriaram seu patrimônio, desmontaram a face social do Estado e ampliaram a sua face que se constituía como garantia do capital. Seu fundamento é o liberalismo conservador redutor da sociedade a um conjunto de consumidores. Por isso, o indivíduo não mais está referido à sociedade, mas ao mercado. A educação não mais é direito social e subjetivo, mas um serviço mercantil.

Nesse novo perfil de conjuntura delineado na época, destacam-se a elaboração e a

aprovação, em 1996, da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei nº 9.394/96),

aparato legal que consolidará no Brasil importantes mudanças em todos os níveis e

modalidades da Educação. Assim, a LDB de 1996 constitui-se de um texto de 92 artigos, que

traz os princípios, fins, direitos e deveres (Art. 1 ao 7); dispositivos sobre a organização da

educação nacional e as incumbências das distintas esferas do Poder Público (Art. 8º ao 20º);

níveis e modalidades de ensino (Art 21º ao 60º); profissionais da Educação (Art 61º ao 67º);

recursos financeiros (Art 68º ao 77º); disposições gerais (Art 78º ao 86º); e, disposições

transitórias (Art 87º ao 92º).

Referida Lei, que de lá para cá foi alterada por diversas emendas, viabilizou novos

modelos da gestão, financiamentos da Educação, organização dos sistemas, escolas e

currículos, tudo em atendimento aos princípios neoliberais de descentralização, privatização e

padronização apontados pelo capital financeiro, ou seja, pelos organismos financeiros

internacionais para as políticas educacionais no País.

No que diz respeito à formação docente, a LDB privilegia no seu texto,

particularmente no artigo 62, o estabelecimento da formação dos profissionais em Educação

58

em nível superior, em curso de licenciatura, de graduação plena, em universidades e institutos

superiores de Educação. Sobre a docência na Educação Infantil e nos anos iniciais do Ensino

Fundamental, a mesma Lei admite como formação mínima a oferecida em nível médio na

modalidade Normal. Já no artigo 87, no parágrafo 4º, diz que “até o fim da Década da

Educação [1997-2007] somente serão admitidos professores habilitados em nível superior ou

formado por treinamento em serviço”.

No entanto, a Lei 12.796, de 04 de abril de 2013 altera a LDB de 1996, no que diz

respeito ao nível de formação de professores para a contratação na Educação Básica. Com

esta nova lei, a LDB volta a admitir o nível médio, na modalidade normal, como formação

mínima para o exercício do magistério na Educação Infantil e nos cincos primeiros anos do

Ensino Fundamental. Essa alteração surge em função de os estados e municípios

argumentarem que não teriam como cumprir a lei de responsabilidade fiscal, caso o Piso

Salarial do Magistério passasse a ser estipulado com base nos proventos dos professores com

nível superior. Referido Piso, quando criado foi estipulado tendo por base os salários dos

docentes com nível médio. Assim, para garantir menor piso salarial aos professores, foi

preciso manter um menor nível de formação exigido por lei. Como anota Barreto (2015),

mantém-se um padrão conhecido das políticas educacionais: legitimar as medidas

emergenciais como permanentes.

Para realizar a formação docente em nível superior, a LDB de 1996 cria e regula,

no artigo 63, os institutos superiores de Educação, como alternativa às universidades e

faculdades, no qual estabelece que eles, mantivessem cursos para a formação de profissionais

da Educação Básica, incluído o “curso normal superior”, para formar docentes para a

educação infantil e os anos iniciais do Ensino Fundamental – excluído, para tal fim, o curso

de Pedagogia. Com o tempo, contudo, a formação docente para a Educação Infantil e os anos

iniciais do Ensino Fundamental passou a se restringir ao curso de Pedagogia, que na Década

da Educação, não se encontrava preparado para tal função, visto que ainda mantém em sua

proposta curricular uma formação mais generalista para atender a um vasto campo de atuação

profissional.

Cabe destacar o fato de que a proposta dos institutos superiores de Educação

expressa na LDB de 1996, já era um modelo na experiência internacional, como na

Alemanha, Argentina, Portugal e Espanha, sob o qual já repousavam inúmeras críticas.

Algumas dessas experiências até haviam sido extintas ou estavam sendo veementemente

questionadas em razão da baixa qualidade e ineficiência, em particular pela notória ausência

na articulação das dimensões do ensino e pesquisa (PIMENTA, 2006, p. 30).

59

Outra característica do modelo de ensino a ser desenvolvido pelos institutos

superiores de Educação, que veio a ser muito questionada, foi (e ainda é) o aligeiramento no

tempo da formação docente para a Educação Infantil e os anos iniciais do Ensino

Fundamental. Isso porque o aligeiramento traz sérias complicações, entre os quais a

diminuição das exigências curriculares, a ênfase na dimensão prática em negligência dos

aspectos teóricos - fatos esses comprometedores da qualidade, tanto dos cursos ofertados

como das aprendizagens dos cursistas.

Ainda em 1996, de acordo com Vieira & Farias (2007), é também aprovado, com

a Lei nº 9.424/1996, o dispositivo que dispõe sobre o Fundo de Desenvolvimento do Ensino

Fundamental e de Valorização do Magistério (FUNDEF),16 com recursos exclusivos para o

Ensino Fundamental e o pagamento de seus professores. Dessa maneira, a política

educacional no Brasil optou por investir prioritariamente no Ensino Fundamental, regida pelo

princípio da descentralização como propulsora da reforma do sistema escolar público.17

Portanto o Estado-nação, por intermédio do MEC, inaugura um papel: regulador e avaliador

de suas ações, as quais, doravante, passam a ser executadas pelos estados e municípios. Com

o objetivo de monitoramento e controle visando a levar a cabo esse novo papel, o MEC

amplia e fortalece o Sistema de Avaliação da Educação Básica (SAEB), implantado em 1990,

com o governo Fernando Collor. Além disso, a descentralização abre espaço para o

estabelecimento de “parcerias” entre o setor público com o setor privado e vice-versa.

Visando a uma reforma curricular no Ensino Fundamental, em 1997, o MEC

distribui para os professores de crianças das escolas públicas uma coleção de dez volumes que

compõem os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) destinados aos 1º aos 4º anos. Em

1998, publica os parâmetros do 5º ao 8º anos. E assegura: “estes são os referenciais para a

renovação e reelaboração da proposta curricular das escolas”. (BRASIL, 1997, p. 9).

Esses dois documentos foram alvo de várias críticas, principalmente aos aspectos

do processo de suas elaborações, que não contaram com ampla discussão com os docentes em

serviço nas escolas e academias, e que, por esta razão, não levaram em consideração as

múltiplas realidades, demandas, culturas e expectativas dos diversos sujeitos que compõem a

diversidade das comunidades escolares existentes em todo País.

16 O FUNDEF é um fundo de natureza contábil com vigência de dez anos, instituído em 1998. Tem por objetivo

vincular 60% dos recursos de despesas com Manutenção e Desenvolvimento do Ensino (MDE). 17 Descentralização designa delegação formal de funções e responsabilidades entre os entes federativos do País:

Estado-Nação, estados e municípios.

60

Vieira & Farias (2007), assinalam que outras ações referentes à política

educacional do governo Fernando Henrique Cardoso são o fortalecimento e ampliação de

programas federais em curso, como o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), o

Programa Nacional do Livro Didático (PNLD), e os programas Dinheiro Direto na Escola; Tv

Escola; Programa Nacional de Informática na Escola (PROINFO); o Programa de Formação

de Professores em Exercício (PROFORMAÇÃO) e o Programa de Formação de Professores

Alfabetizadores (PROFA). De acordo com as autoras,

A definição e encaminhamento desse conjunto de iniciativas inaugura nova orientação governamental para a agenda da política educacional brasileira, explicitando assim os compromissos assumidos junto à agenda internacional promovida pelo Banco Mundial ao longo da década de 1990. (BRASIL, 2007, p. 169).

Houve, ainda, a retomada do PNE,18 que depois da aprovação, pelo Congresso

Nacional, foi sancionado em janeiro de 2001, pelo então presidente Fernando Henrique

Cardoso, por meio da Lei 10.172, com duração de dez anos (2001-2010). Esse plano institui a

elaboração dos planos decenais dos estados, municípios e Distrito Federal, com as devidas

adequações às especificidades regionais e locais. Consoante, porém, noticia Saviani (2004),

referido documento não passou de pouco mais de “uma peça de ficção”, pois não serviu para

o encaminhamento das decisões tomadas no âmbito da política educacional da época. Em

termos de recursos financeiros, todos os pontos foram vetados pelo presidente Fernando

Henrique Cardoso, fortemente regido pela política neoliberal de seu governo. E assim, sob a

égide da lógica neoliberal, Fernando Henrique finda o século XX e inicia o século XXI, mas,

praticamente, foi o governo de Luís Inácio Lula da Silva (2003-2010) que, a partir de 2003,

deu o tom da política educacional da primeira década do século XXI.

3.3 As políticas educacionais no governo Lula

A esse respeito, Luís Inácio Lula da Silva, nordestino, ex-operário e sindicalista,

chega à Presidência com o programa de governo denominado Uma Escola do Tamanho do

Brasil. Referido programa divulga a defesa de que a Educação deve ser tratada como

prioridade na política educacional, como direito social indispensável ao gozo dos outros

direitos e como ação relevante na transformação da realidade econômica, social e cultural do

18 Iniciado no governo Itamar Franco, que pensou em definira educação nacional.

61

povo brasileiro. O governo Lula foi herdeiro de uma reforma educacional de longo alcance e

complexidade iniciada e desenvolvida nos anos de 1990. A esse respeito, Evangelista (2012)

assinala que o governo Fernando Henrique Cardoso deixou para o governo Lula duas

importantes heranças: o crescimento da privatização do Ensino Superior e a política de

formação docente ofertada, em sua maioria, por instituições privadas, sob a forma de

educação a distância (EAD).

Conforme assinala Frigotto (2011), observa-se que as políticas educacionais da

primeira década do século XXI foram amplamente determinadas pelas concepções e práticas

educacionais expressas nas reformas educacionais dos anos 1990; década das parcerias

público-privado, ampliação da dualidade estrutural da educação e penetração dessa lógica de

forma ampla nas instituições educativas públicas, repercutindo desde os conteúdos do

conhecimento até os métodos de sua produção ou socialização. Para Oliveira (2009), contudo,

a política educacional do governo Luís Inácio Lula da Silva caracterizou-se por ações

ambivalentes que apresentam permanências e rupturas em relação às ações do governo

anterior, o de Fernando Henrique Cardoso. Ainda segundo Oliveira (2009, p. 208),

Ao mesmo tempo em que se assiste, na matéria educativa, a tentativa de resgate de direitos e garantias estabelecidas na Constituição de 1988, adotam-se políticas que estabelecem nexo entre a elevação dos padrões de desempenho educativo e a crescente competitividade internacional (justificada nos padrões do desempenho educacional nos países da OCDE).

Entre as ações do governo Luís Inácio Lula da Silva, destaca-se no segundo

mandato (2007-2010), a criação do Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE), lançado

em 2007 pelo MEC. Esse plano, que abriga todos os programas em desenvolvimento pelo

MEC, estipula ações sobre os mais variados aspectos da Educação em seus vários níveis e

modalidades. A Universidade Aberta do Brasil (UAB), o Programa Institucional de Bolsas de

Iniciação à Docência (PIBID) e a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível

Superior (CAPES), órgão que passa a ser responsável por fomentar a formação dos

profissionais de todos os níveis da educação, constituem as principais ações do PDE para a

formação de professores.

Articulado ao PDE, foi criado em 2007 o Índice de Desenvolvimento da Educação

Básica (IDEB). Este é uma referência desenvolvida no governo Lula por servir de indicador

de qualidade na Educação brasileira. O IDEB mede, por meio de avaliações de larga escala, o

desempenho do sistema, estabelecendo uma escala que vai de zero a dez. Como meta da

Educação Básica, estipulou alcançar até 2021 a nota seis. Esta foi a melhor nota obtida pelos

62

países da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE) no

Programa Internacional de Avaliação dos Estudantes (PISA).19 Os resultados dessas

avaliações têm implicações diretas tanto no sistema público, como nas reformas educacionais,

pois o controle dos conteúdos avaliados direciona as “competências” a serem adquiridas pelos

alunos, e consequentemente, por orientar o currículo escolar da Educação Infantil e dos anos

iniciais do Ensino Fundamental e o currículo dos cursos de formação docente para essas áreas,

ou seja, os cursos de Pedagogia. Ao analisar o PDE, Frigotto (2011, p. 14-15) acentua que a

lógica que o embasa

[...] pode ser traduzida como uma espécie de ‘pedagogia de resultados’. Assim, o governo se equipa com instrumentos da avaliação dos produtos, forçando com isso, que o processo se ajuste a essa demanda. É, pois, uma lógica do mercado que se guia, nas atuais circunstâncias, pelos mecanismos das chamadas ‘pedagogias das competências e da qualidade total’.

Outro desdobramento das avaliações nacionais é que, com base na análise dos

mediadores do IDEB, o MEC oferece parcerias e apoio técnico e financeiro aos municípios

que têm escolas com baixos índices de qualidade no ensino. O aporte de recursos se dá, desde

a adesão ao “Compromisso Todos pela Educação”, quando estados, municípios e o Distrito

Federal, com base no IDEB, elaboram seus respectivos Planos de Ações Articuladas (PAR).

O PAR é um instrumento de planejamento obrigatório para o recebimento de referida

assistência do MEC/FNDE.

O “Compromisso Todos pela Educação” (TPE)20 é um movimento da sociedade

civil brasileira que tem a missão de contribuir para que até 2022 (ano do bicentenário da

Independência do Brasil), o País assegure a todas as crianças e jovens o direito à Educação

Básica de qualidade, propiciando condições de acesso, alfabetização e sucesso escolar. Esse

compromisso constitui uma união política entre corporações capitalistas atuantes na economia

brasileira21 e representantes das quatro esferas de poder (municipal, estadual e federal),

dirigentes do CONSED e da UNDIME e representantes de organizações da sociedade civil.

19 O PISA é destinado à avaliação do desempenho escolar de estudantes de 15 anos, fase de término do ensino obrigatório. As avaliações abrangem competências nas áreas de Leitura, Matemática e Ciências e são realizadas por meio de testes padronizados para todos os países participantes.

20 De acordo com Martins (2008, p. 4), o TPE foi criado, em 2005, por um grupo de intelectuais orgânicos que se reuniram para refletir sobre a realidade educacional brasileira na atual configuração do capitalismo. O grupo verificou que a baixa qualidade da Educação brasileira vinha trazendo sérios problemas para a capacidade competitiva do País, comprometendo também o nível de coesão social dos cidadãos. O grupo concluiu que a“incapacidade” técnico-política dos governos na realização de políticas educacionais ao longo dos anos havia criado sérios problemas para os interesses do capital.

21 Grupos como Gerdau, Bradesco, Itaú, Santander, Rede Globo, Fundação Victor Civita, Microsoft, Gol, entre outros.

63

Consolida-se, com efeito, mais uma vez, a parceria público e privado, além da atuação

empresarial sobre metas e diretrizes a serem desenvolvidas pelas políticas educacionais

implementadas no País. De acordo com Oliveira (2009),

A naturalização de políticas que vinculam as capacidades de escolha e ação individual à transformação institucional, traduzida na ideia do estabelecimento do compromisso de todos pela educação, como se os baixos níveis de desempenho fossem resultado da falta de compromisso e não de outras carências, atribui à educação certo voluntarismo que é contrário à noção de direito público assegurado.

A descentralização que o Movimento “Todos pela Educação” enseja

desresponsabiliza relativamente o Estado-Nação ao setor da Educação Pública, pois esse

processo delega ações para outros agentes, sobretudo os locais de cada região, fazendo-o

administrar a distância. Além disso, fortalece a inserção do setor privado no sistema escolar

público, bem como aumenta o seu poder nas decisões e metas estipuladas no que diz respeito

à Educação Básica.

Essa busca pela melhoria de resultados é acompanhada pelo discurso, em âmbito

nacional e internacionalde que a formação docente é um dos principais responsáveis pela

qualidade da Educação Básica. Por essa razão, a “qualidade” se tornou setor estratégico das

políticas educacionais. É oportuno refletir, no entanto, acerca do conceito de qualidade que

defendemos pelo fato de ser ele um termo polissêmico.

De acordo com Nogueira (2012), o conceito de “qualidade da Educação”,

elaborado pelo Banco Mundial, relaciona-se à mensuração da eficiência e eficácia dos

sistemas educativos averiguados pela medição dos processos de ensino e aprendizagem,

verificados por meio de várias avaliações oficiais. Por essa perspectiva, a qualidade da

Educação pauta-se na busca de melhoria de resultados e sua representação em índices

meramente estatísticos, e não dos reais processos de ensino e de aprendizagem com toda a sua

complexidade e a multidimensionalidade em termos cognitivos, técnicos, éticos, estéticos e

político-social. Esta visão reducionista, alicerçada em resultados, ou índices estatísticos,

materializa-se em conferências, declarações, legislação e diversas ações desenvolvidas nos

últimos tempos. Ainda a esse respeito, Nogueira (2012, p. 95) adverte para a ideia de que esse

conceito “atende a finalidade econômica e não aos princípios da qualidade social”.

Como setor estratégico, a formação docente para a educação de crianças (da

Educação Infantil aos anos iniciais do Ensino Fundamental) é alvo de ações diversas. No

governo Lula, é grande o número de programas voltados para esse fim e seu direcionamento

político como questão do Estado. Foram organizados 11 programas específicos para formação

64

docente, entre eles o Pró-Letramento (um dos focos de nosso estudo), cinco para preparo de

material de estudo, um programa de estímulo à iniciação à docência (PIBID), três redes de

formação docente, um sistema de formação a distância, uma política de formação articulada à

CAPES, prêmio para professores, o fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação

Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação Básica (FUNDEB), um banco de

dados internacional, uma política de editais com financiamento para formação, além de

transformar os institutos federais de Educação Tecnológica (IFET) em agências de formação

docente.

Um marco histórico para o magistério nacional, que teve a defesa da redução das

desigualdades regionais de salários dos docentes, foi a criação, em 2008, do Piso Salarial

Profissional Nacional (PSPN), convertido na Lei 11.738/2008. Esta obriga todos os

municípios brasileiros a pagar o mesmo valor mínimo aos profissionais em início de carreira,

fixando, no ano de seu lançamento, o valor do piso em R$ 950,00 reais. Isso representou uma

conquista por seu ineditismo e por buscar minimizar as desigualdades internas da profissão.22

Outra ação que teve grande destaque foi a expansão do acesso ao Ensino Superior,

efetivada principalmente por meio de dois programas: o Programa Universidade para Todos

(PROUNI)23, que concede bolsas de estudo integrais e parciais em instituições privadas de

Ensino Superior a estudantes de classes sociais menos favorecidas, e o Programa de Apoio a

Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (REUNI), que promove a

expansão física, acadêmica e didática da rede federal de Ensino Superior.

Sobre referida expansão, em entrevista concedida a Emir Sader e Pablo Gentili, o

Presidente Luís Inácio Lula da Silva afirmou: “Eu sinto um orgulho - e nesse caso é um

orgulho muito pessoal, até um pouco de vaidade - que é o de passar para a história como o

único presidente sem diploma universitário, mas o que criou mais universidades nesse país”.

(SADER, 2013, p. 12). Essa “vaidade” justifica-se porque, de fato, houve a consolidação do

aumento do número de vagas ofertadas no Ensino Superior. Em 2003, início do 1º mandato de

Lula, havia no País 83 instituições de Ensino Superior federal, e ao final do seu 2º mandato, já

se somavam 99. Essa ampliação de universidades e institutos, no entanto e a expansão do

acesso não alterou a tendência histórica de privatização. Ao contrário, possibilitou o

crescimento da iniciativa privada nesse nível de ensino, seja pelo aumento de cursos pagos,

22 Para Trojan (2010), essa lei só beneficiou os professores da Educação Infantil e dos anos iniciais do Ensino

Fundamental, pois eram os profissionais que ganhavam abaixo desse valor. 23 Ao aderir ao Programa, a instituição privada fica livre de recolher quase todos os tributos federais a que estaria

sujeita.

65

seja por meio da concessão de bolsas de estudo. Como exemplo, a tabela a seguir revela o

impressionante crescimento do número de bolsas ofertadas pelo PROUNI, nos anos de 2005 a

2010:

Tabela 1 - Bolsas Ofertadas pelo PROUNI, anos de 2005 a 2010.

Ano Tipo de bolsa

Integral Parcial Total

2005 71.905 40.370 112.275

2006 98.698 39.970 138.668

2007 97.631 66.223 163.854

2008 99.495 125.510 225.005

2009 153.126 94.517 247.643

2010 125.922 115.351 241.273

Fonte: BRASIL .MEC (2014)

Pelos dados ora expressos, podemos perceber que, no intervalo dos dois mandatos

de Lula, houve um crescimento de mais de 214% na privatização (direta e indireta) do Ensino

Superior. Esses números revelam o forte processo de privatização que o Ensino Superior vem

passando e o fortalecimento da parceria do público e do privado que se estabelece no

incentivo de bolsas de estudo.

Para Gentili e Oliveira (2013), esse aumento é consequência de um

aproveitamento da expansão das universidades privadas durante o período de governo de

FHC, que teve crescimento de mais de 210% durante sua gestão: das 684 instituições

existentes em 1995, saltaram para 1.442 em 2002. Ao final do governo Lula (2010)

totalizavam 2.099, como mostra a tabela baixo:

Tabela 2- Instituições de Ensino Superior no BRASIL

Categoria Administrativa das instituições de ensino superior

Ano Total Geral Públicas Privadas

1995 894 210 684

2002 1637 195 1442

2010 2.377 278 2099

Fonte: Elaboração própria, com dados do BRASIL .MEC.INEP (2014).

66

Essa expressiva e propagada expansão do Ensino Superior por meio da

privatização, suprime a possibilidade de implantação de uma Educação Pública gratuita, laica

e socialmente referendada, além de comprometer a qualidade dos serviços prestados em

ensino, pesquisa e extensão, bem como aumenta a precarização das condições do trabalho

docente. Outra ação de acesso ao Ensino Superior, promovida desde o governo Lula,

direcionada à formação docente, é a Política Nacional de Formação de Profissionais do

Magistério da Educação Básica (PARFOR), sob Decreto nº 6.755/2009. Este é um programa

emergencial cuja finalidade é organizar, em regime de colaboração entre União, Distrito

Federal e municípios, a formação inicial e continuada dos profissionais do magistério das

redes públicas da Educação Básica que estão em exercício, mas sem formação adequada. Os

cursos são ministrados por instituições públicas de Ensino Superior e as aulas ocorrem

prioritariamente durante os meses de férias das escolas. O Decreto evidencia: “a formação

docente para todas as etapas da Educação Básica” é um “compromisso público de Estado”

(BRASIL, 2009, Art. 2º, inciso I); “a formação dos profissionais do magistério” é um

“compromisso com um projeto social, político e ético que contribua para a consolidação de

uma nação soberana, democrática, justa, inclusiva e que promova a emancipação dos

indivíduos e grupos sociais”. (BRASIL, 2009, Art. 2º, inciso II).

O PARFOR oferece cursos em diversas licenciaturas, como Pedagogia, Letras,

Ciências Biológicas, Matemática, Física, Artes, Educação Física entre outros, tanto para

professores sem formação em Ensino Superior quanto para profissionais licenciados, mas que

atuam em área distinta de sua formação. Até 2012, o PARFOR implantou 1920 turmas. Até

esse período, 54.000 professores da Educação Básica frequentaram os cursos em turmas

especiais, localizadas em 397 municípios do País. A influência dessas políticas para a

formação e o trabalho docente se expressam de formas diferentes como: maior

responsabilização de suas tarefas, sobrecarga de trabalho, jornadas triplas, aligeiramento e

comprometimento da formação, foco na dimensão técnica em detrimento da humana, ética e

política, salas de aulas lotadas e vários outros problemas vivenciados no cotidiano escolar.

3.4 As políticas educacionais no governo Dilma

A realidade anteriormente citada, também, é mantida no Governo Dilma (2011-

2015), eleita e reeleita com o apoio de Lula. Em entrevista dada em programa de rádio24,

24Café com a Presidenta, exibido às 18h32min do dia06 de janeiro de 2014. Fonte: portal.mec.gov.br.

67

Dilma Rousseff fez um balanço das políticas educacionais desenvolvidas em seu governo.

Segundo a Presidenta, por meio do Programa Nacional de Reestruturação e Aquisição de

Equipamentos para a Rede de Educação Infantil (PROINFÂNCIA), o Governo Federal já

entregou quase 1.300 creches e outras 3.100 estão em construção. As escolas públicas em

tempo integral devem chegar a 60 mil em 2014, e 300 mil professores alfabetizadores estão

fazendo cursos de formação de dois anos. A Presidenta também falou dos avanços do

PROUNI, do Fundo de Financiamento Estudantil (FIES), do Ciência sem Fronteiras e da

reformulação do Ensino Médio por meio do Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico

e ao Emprego (PRONATEC)25, programa de maior aposta desse governo.

Diversos outros programas são mantidos e fortalecidos, como o TV Escola, o

Programa Nacional Biblioteca da Escola (PNBE), o Programa Nacional do Livro Didático

(PNLD), entre outros. No que diz respeito à formação docente de crianças, lançou em 2012 o

Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa (PNAIC). Este é um programa de

abrangência nacional que desenvolve distintas ações voltadas para a Educação Infantil e as

séries iniciais do Ensino Fundamental, com o objetivo de alfabetizar todas as crianças até os

oito anos.

O PNAIC se organiza em quatro eixos de atuação, que envolvem a formação

continuada para professores alfabetizadores, distribuição de materiais didáticos, pedagógicos

e literários, avaliações sistemáticas e a gestão de todo o programa por meio da parceria entre

os governos federal, estaduais e municipais.

Em seu 2º mandato, Dilma Rouseff afirmou em seu discurso de posse26o fato de

que é de conhecimento de todos que a formação de professores é uma área frágil do sistema

educacional brasileiro e lançou o lema de seu novo governo “Brasil, pátria educadora!”,

afirmando que todas as áreas do seu governo convergirão esforços para a Educação. Este será

o setor prioritário de investimentos e ações e prometeu mudanças curriculares e

aprimoramento na formação docente. Em sua fala, disse que iria manter os programas

voltados à educação, reforçando o destaque ao PRONATEC, e uma atenção especial ao

PRONATEC Jovem aprendiz.27

25 O PRONATEC, primeiro programa nacional do Governo Dilma, lançado em 2011, tem o objetivo de ampliar a oferta de cursos de Educação Profissional e Tecnológica, destinado ao setor produtivo para suprir as demandas por qualificação profissional. Portanto, pertence à Política de Educação Profissional Técnica.

26 Discurso na íntegra: http://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2015/01/01/leia-a-integra-do-discurso-de-posse-de-dilma-rousseff.htm

27 Destinado ao incentivo às micro e pequenas empresas para a contratação de um jovem em seus estabelecimentos.

68

4 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS DA INVESTIGAÇÃO

Em termos de escolha metodológica, temos a consciência de que, dentre tantas

abordagens e percursos teóricos possíveis de se fazer opção, a verdade é que o recorte dado a

uma realidade a ser investigada necessita se exprimir coerente com o que se quer conhecer. É

necessária a consciência de que eleger um, dentre o universo possível de reflexões e análises,

é, como tal, sempre limitado e parcial. A composição do modo de ver o objeto (problema) de

investigação traz, além das informações científicas sobre metodologias, os pontos de vista, a

história de vida, os conhecimentos, crenças e os valores de quem opta por uma dentre outras

formas de “ver-compreender” os fenômenos estudados.

Deste modo, podemos dizer que toda investigação, desde a elaboração do tema e

do corpo teórico até a definição do percurso metodológico, da categorização dos dados

obtidos e de sua análise, traz essa marca pessoal do seu pesquisador.

Neste sentido, este estudo se define pelo que a literatura em metodologia

científica classifica como abordagem qualitativa. Esta é especificamente apropriada a estudos

situados no campo dos fenômenos humanos e sociais, com um nível de realidade constituído

mediante múltiplos sentidos e significações (BOGDAN & BIKLEM, 1994).

Bogdan e Biklem (1994) discutem o conceito da abordagem qualitativa em

pesquisa e propõem fundamentos para caracterizar e utilizar esse tipo de pesquisa em

Educação, mediante a explicitação do seu percurso, métodos e bases teóricas. Tal

compreensão aufere cada vez maior espaço na área educacional, em virtude da melhor

adequação à complexidade e ao dinamismo da vida educativa.

Referidos autores defendem o ponto de vista de que a abordagem qualitativa

“exige que o mundo seja examinado com a ideia de que nada é trivial, que tudo tem potencial

para constituir uma pista que nos permita estabelecer uma compreensão mais esclarecedora do

nosso objeto de estudo”. (BOGDAN & BIKLEM, 1994, p. 49).

Nesse enfoque, o pesquisador é um importante instrumento para a compreensão

do significado dos fenômenos sociais estudados. Para tanto, faz uma aproximação objetiva

com a realidade a ser investigada, com a finalidade de compreendê-la de forma ampla e

complexa. De acordo com Triviños (1987, p. 128), o pesquisador é “importante à medida que

não esquece esta visão ampla e complexa do real social (...). A pesquisa qualitativa parte do

fenômeno social concreto”. Sua natureza é descritiva e intenta perceber não só a aparência do

fenômeno estudado, mas principalmente as causas de sua existência, as relações estabelecidas,

mudanças ocorridas e possíveis consequências na vida humana. Por isso, a pesquisadora deve

69

buscar os dados em toda sua riqueza e totalidade, considerando tanto o processo como o

contexto em que são produzidos.

Por essa óptica de análise, buscamos o estudo crítico e aprofundado dos

programas de formação oficiais de alfabetizadores de crianças, especificamente, o PROFA, o

PRÓ-LETRAMENTO e o PNAIC. Em virtude da natureza e dos objetivos da investigação e

de esses programas terem por base diversos documentos (materiais destinados à formação dos

professores -sites, artigos, coletâneas de textos, vídeos, resoluções etc.), o estudo sob relatório

se fundamenta em uma pesquisa do tipo bibliográfica e documental.

Tanto a pesquisa bibliográfica quanto a documental têm o documento como objeto

de investigação, daí a proximidade entre esses dois tipos de pesquisa. Para melhor entender a

distinção e conceituação mais concreta acerca dessas duas abordagens de busca científica pela

natureza de suas fontes, Bravo (1991) argumenta que documentos são todas as realizações

produzidas pelo homem que se mostram como indícios de sua ação e que podem revelar suas

ideias, opiniões e formas de atuar e viver. Nesse sentido, os documentos podem ser escritos,

numéricos, estatísticos, de reprodução de som e de imagem. O que diferencia, no entanto, a

pesquisa bibliográfica da documental consiste na natureza das fontes, que podem ser

primárias e secundárias.

A pesquisa bibliográfica, segundo Oliveira (2007), se destina ao estudo de

documentos, cuja natureza se caracteriza pelo fato de serem de domínio científico acerca de

temas produzidos por diversos autores, como artigos científicos, livros, periódicos e

dicionários. Estes objetos, tornados em materiais de análises, são chamados de fontes

secundárias. Por esse motivo, no dizer de Oliveira (2007, p. 69), a pesquisa bibliográfica é

um tipo de “estudo direto em fontes científicas, sem precisar recorrer diretamente aos

fatos/fenômenos da realidade empírica”. Portanto, neste perfil de investigação, as fontes a

serem pesquisadas devem ter domínio científico.

A respeito de pesquisa documental, Oliveira (2007, p. 69) ainda assinala que esta

se caracteriza pela busca de “informações em documentos que não receberam nenhum

tratamento científico, como relatórios, reportagens de jornais, revistas, cartas, filmes,

gravações, fotografias em outras matérias de divulgação”. Isso requer do pesquisador um

trabalho de análise rigoroso e cuidadoso dessas fontes. Estes documentos que ainda não

receberam tratamento analítico são chamados de fontes primárias.

Portanto, a diferença básica entre esses dois tipos de investigação é que o

pesquisador, de feitio bibliográfico se debruça sobre fontes secundárias, enquanto que, na de

conteúdo documental, este recorre às fontes primárias.

70

É imperativo ainda destacar o fato de que compreendemos a atividade

investigativa sobre os documentos não como simples descrições, mas também análises críticas

e rigorosas acerca das concepções, ideias e pressupostos teóricos e metodológicos das fontes.

Portanto, para esta pesquisa, pretendemos compreender as intenções, interesses, concepções

teóricas e metodológicas expressos nos documentos produzidos pelos programas oficiais de

formação de alfabetizadores.

Pelo rigor científico, tanto a pesquisa bibliográfica como a documental precisam

se desenvolver num continuum, ordenado por procedimentos na busca por soluções,

constituído por etapas, onde cada uma pressupõe a que precede e que se completa na seguinte.

Temos consciência, no entanto, de que estas etapas não são divisões estanques, assim

podendo ocorrer simultaneamente, pois elas se retroalimentam durante todo o percurso de

investigação (LIMA & MIOTO, 2007).

Dessa forma, as pesquisas documental e bibliográfica permitem a consecução de

um amplo mapeamento de informações, possibilitando a síntese de dados dispersos em

diversos documentos na busca de respostas às questões e aos objetivos dessa investigação,

para melhor delimitação e entendimento do objeto de estudo proposto. Por conseguinte, tanto

as questões como os objetivos estabelecidos para este trabalho guiarão a seleção e a síntese

dos dados.

Para este estudo, delimitamos a sequência de etapas que percorremos desde o

levantamento dos dados – tanto na pesquisa documental quanto na bibliográfica – até a escrita

final do documento/tese. Convém destacar o fato de que, em primeiro lugar, toda a análise

documental se desenvolveu à luz das discussões teóricas comuns à revisão da literatura da

área. Em segundo lugar, utilizamos a análise crítica para melhor compreender a totalidade, a

cadeia de relações e as contradições que envolvem os programas estudados. Todo esse

trabalho de investigação e análise desenvolveu-se por etapas.

1ª ETAPA. Fase exploratória dos documentos primários e secundários – 1ª fase de

coleta de dados. Neste período, levantamos e estudamos as informações contidas nos

documentos constitutivos das fontes primárias e secundárias deste estudo. Foi, de um modo

específico, a fase da seleção e da apropriação dos dados. Quanto aos documentos oficiais dos

programas PROFA, Pró-Letramento e PNAIC (documentos primários), todos foram

selecionados para estudo e análise crítica. Estão descritos, na sequência os documentos que

constituem cada programa.28

28 Optamos por delinear os programas de acordo com a ordem cronológica de sua criação (PROFA, PRÓ-

LETRAMENTO E PNAIC).

71

.Programa de Formação de Professores Alfabetizadores (PROFA)

Módulo 1: Processos de Aprendizagem (vídeos e apostilas com Guia de

Orientações; Coletânea de textos e Guia do formador).

Módulo 2: Propostas Didáticas I (apostilas com Coletânea de textos do módulos

II e Guia do formador do módulo II).

Módulo 3: Propostas Didáticas I (apostilas com Coletânea de textos do módulos

III e Guia do formador do módulo III).

.Pró-Letramento

Pró-Letramento: Alfabetização e Linguagem (Material de Ensino destinado à

formação de professores dos anos iniciais do ensino fundamental).

DVD’s de Alfabetização e Linguagem.

Pró-Letramento: Guia Geral

Documento “Rede Nacional de Formação Continuada de Educação Básica:

orientações gerais” (BRASIL, 2005).

Site do Ministério da Educação: portal.mec.gov.br – Link formação - Pró-

Letramento.

.Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa (PNAIC)

Site: pacto.mec.gov.br

Portarias e medidas provisórias: Portaria nº 1458 (14/12/2012); Portaria nº 867

(4/07/2012); Portaria nº 90 (06/02/2014); MP: 586 (08/1/2012).

Manual do Pacto (com apresentação do PNAIC, esclarecimentos e informações

sobre o curso de formação, dos materiais pedagógicos distribuídos, das

avaliações a serem desenvolvidas e gestão).

Cadernos de Formação (cadernos produzidos para a formação dos professores

alfabetizadores).

2ª ETAPA. Fase da categorização dos dados. Este momento caracterizou-se pela

classificação dos dados que deveriam levar em conta os objetivos da pesquisa, os assuntos

abordados, os valores, as intenções, entre outros. Esta foi uma criteriosa e importante etapa

que possibilitou classificar e organizar a diversidade de dados para posterior análise.

72

3ª ETAPA. Fase da síntese integradora. Produção do texto escrito, resultante da

análise e reflexão dos documentos e dos dados recolhidos. Esta designou a fase voltada à

apreensão rigorosa do problema, visualização do que nos propomos como objetivos e síntese

das principais conclusões da pesquisa.

Assim, ao longo das três etapas, utilizamos o método de Análise de Conteúdo..29

De acordo com Bardin (1977, p. 160), a análise de conteúdos designa um conjunto de técnicas

de análise das comunicações, cujo objetivo, realizado mediante procedimentos sistemáticos e

objetivos de descrição do conteúdo das mensagens, “é obter indicadores quantitativos ou não,

que permitam a inferência de conhecimentos relativos às condições de produção/recepção

(variáveis inferidas) das mensagens”.

Comungamos das idéias de Triviños (1987), quando este chama a atenção para o

aspecto qualitativo que pode ser enfocado pelo método e de sua importância para o campo da

pesquisa qualitativa, ao contrário do que fez Bardin (1977), que privilegiou a dimensão

quantitativa. Referido método é um meio privilegiado de estudo dos conteúdos das mensagens

produzidas pelo homem em sua comunicação e interação.

Para esse tipo de análise, a opção foi utilizar referido método nas mensagens

escritas nos documentos selecionados, porque eles “são mais estáveis e constituem um

material objetivo ao qual podemos voltar todas às vezes que desejarmos”. (TRIVIÑOS, 1987,

p. 160). Além disso, por meio da análise de conteúdo, como salienta Trivinõs (1987), é

possível fazermos inferências com suporte em informações que fornecem o conteúdo da

mensagem, aspecto este fundamental para a efetivação do método, e que torna possível ao

pesquisador a elaboração de suposições a respeito da mensagem analisada. A inferência tem o

rigor científico quando produzida com arrimo nos pressupostos teóricos, levando também em

consideração os contextos histórico e social dos produtores ou receptores da mensagem.

A análise de conteúdo30 presentes nos documentos coletados e examinados neste

estudo desenvolveu-se seguindo os três períodos básicos descritos por Trivinõs (1987): pré-

análise, descrição analítica e interpretação inferencial. A pré-análise diz respeito ao momento

da leitura geral dos documentos selecionados, visando à formulação dos objetivos gerais da

pesquisa, das hipóteses, bem como da especificação do campo investigativo. Nela, a intenção

é apreender de uma forma global as ideias principais e seus significados. A descrição

29 De acordo com Triviños (1987), este método foi apresentado em maior detalhes (técnica de seu emprego e

princípios) por Bardin, em uma obra intitulada L’analyse de contenu, publicada em Paris em 1977. 30 Esse processo se desenvolverá em etapas, mas estas não ocorrem de forma linear, pois, tanto a etapa de

descrição analítica quanto a de interpretação referencial terão início na pré-análise.

73

analítica é o momento de estudo aprofundado do corpus da pesquisa, guiado pelos objetivos

da investigação e pela fundamentação teórica adotada. A interpretação referencial é a fase em

que as inferências tomam uma dimensão de maior intensidade. De acordo com Triviños

(1987, 162), a “reflexão, a intuição, com embasamento nos materiais empíricos, estabelecem

relações, aprofundando a conexão das ideias”.

Foi imprescindível, contudo, a utilização de procedimentos indispensáveis como a

classificação dos conceitos, sua codificação e a categorização para a eficácia e qualidade de

sua aplicação. Frisamos que tudo isso depende de um arcabouço teórico consistente, para

fundamentar as análises. E assim, para este estudo, após o levantamento e apropriação mais

global dos documentos analisados, realizamos a classificação dos conceitos dos materiais, os

quais são chamados de unidades de análise. Em seguida, codificamos esses conceitos

(unidades de análise) com marcações dessas unidades de análise por meio de sinais

alfanuméricos.

Este agrupamento ocorreu por meio da categorização dos dados. Esta fase se

caracterizou pela classificação das unidades de análise, que obedeceram a critérios de

proximidade ou intimidade de temas. Mediante a análise crítica e rigorosa dessas categorias

foi possível exprimir significados e inferências importantes.

Nesse sentido, por se tratar de um estudo de abordagem qualitativa acerca de três

programas educacionais do Governo, optamos por fazê-lo com base em uma perspectiva

comparada de análise. A propósito, a perspectiva comparada engendra nova dinâmica à

pesquisa, especialmente quando ela alargou sua orientação para a diversidade de situações e

contextos, referentes aos temas relacionados ao campo das Ciências Sociais, das Ciências da

Educação e, em especial, ao campo da Pedagogia. Nóvoa defende a ideia de que a

comparação renova o caráter científico da pesquisa educacional, porque a especificidade e a

diferença de um objeto, em relação a outro, não podem ser estabelecidas sem a comparação

(CAVALCANTE, 2008).

É lícito dizer-se que, na comparação, podemos estabelecer relações, analogias,

especificidades e diferenças, e assim entrevermos desígnios, motivações, ideologias,

concepções, situações, contextos, sentidos. Isso, sobretudo, quando no mundo globalizado se

faz impossível encontrar os sentidos das coisas apenas no âmbito de suas particularidades

locais, referenciadas somente em si mesmas. Baseada nesse entendimento é que buscamos

analisar os programas de formação de professores alfabetizadores de crianças, tendo por base

a perspectiva comparada, em uma dimensão crítica.

74

Dizemos em uma dimensão crítica, no sentido de que a comparação acerca de

objetos distintos deve ser norteada pela relação de conjunto e não de modo parcial ou apenas

isoladamente. Para isso, faz-se necessário relacionar os objetos comparados com os demais

aspectos do contexto em que eles se encontram originados e inseridos, pois uma comparação

é definida e ganha sentido somente se norteada em um contexto concreto e também real.

Pela dimensão crítica da comparação, o pesquisador sempre considera a relação

de totalidade e a unidade, a contradição e o conflito, o ser e o devir, o aqui e agora e

movimento histórico; além de apreender, em todo o percurso da comparação, as dimensões

filosófica, material/concreta e política, que envolvem os objetos comparados entre si.

Ainda sobre a dimensão crítica da perspectiva comparada, defendemos a noção de

que se faz necessária uma reflexão em que se busca chegar à essência das relações, processos

e estruturas, envolvendo na análise, também, as representações ideológicas ou teóricas

constituídas sobre os objetos em suas relações comparadas. É, portanto, um modo de se

aprofundar sobre a produção de conhecimento que envolve concretamente objetos

comparados, considerando a realidade social dinâmica, contraditória, histórica e ontológica.

Enfim, com base em um estudo de abordagem qualitativa, do tipo bibliográfica e

documental, utilizamos o método de Análise de Conteúdo, de Laurence Bardin, referente a

três programas estatais de formação de professores. Nesse sentido, por serem três objetos

distintos, elegemos a perspectiva comparada como base da análise. Assim ensejamos,

doravante, demonstrar as intenções políticas e pedagógicas, as potencialidades, as limitações e

contradições teóricas e metodológicas expressas nos materiais do PROFA, Pró-Letramento e

PNAIC.

75

5 OS PROGRAMAS OFICIAIS DE FORMAÇÃO DE PROFESSORES ALFABETIZADORES DE CRIANÇAS

As políticas de formação de professores no Brasil constituem campo de tensões,

conflitos e intensos debates, pois estas políticas representam avanços em alguns aspectos,

retrocessos e permanências em outros. O MEC desenvolve diversas ações formativas, dentre

as quais se destaca a criação em 2005 da Rede Nacional dos Centros de Formação Continuada

da Educação.31

A instituição dessa Rede pelo MEC tem por finalidade a qualificação docente nos

processos de ensino e de aprendizagem, que se desenvolvem em uma rede de 19 centros

ligados às universidades brasileiras, de variadas regiões do País, com o objetivo de produzir

materiais em cooperação com as instituições de ensino para fomento de programas de

formação continuada de professores e implantação de tecnologias de ensino e gestão em

unidades e redes de ensino. As áreas de formação dessa rede são: Alfabetização e Linguagem;

Educação Matemática e Científica; Ensino de Ciências Humanas e Sociais; Artes e Educação

Física; Gestão e Avaliação da Educação.

Notadamente, para este estudo, destacamos dois importantes centros dessa rede,

que exprimem pesquisas relevantes na área da Linguagem: o Centro de Alfabetização, Leitura

e Escrita (CEALE) 32 e o Centro de Estudos em Educação e Linguagem (CEEL).33

O CEALE é um órgão da Faculdade de Educação da Universidade Federal de

Minas Gerais, que desde 1990 desenvolve projetos de pesquisa voltados para a área da

alfabetização e do letramento. Tem como finalidade difundir o conhecimento produzido na

Universidade, envolvendo, para tanto, a Administração Pública, professores e especialistas do

Ensino Superior e da Educação Básica e estudantes da graduação e da pós-graduação.

Referido Centro mantém um dos mais importantes acervos do País na área de alfabetização,

leitura e escrita, além do banco de dados de pesquisa (Base Abec – no site), responsável pelo

levantamento e avaliação da produção acadêmica e científica sobre alfabetização no Brasil. O

acervo é composto por mais de 1200 teses e dissertações sobre referidas temáticas.

31 Efetivação por meio da Portaria Ministerial nº 1.403 (BRASIL, 2003a), que instituiu o Sistema Nacional de

Formação Continuada e Certificação de Professores, criando com o Edital 01 os Centros de Pesquisa e Desenvolvimento da Educação (BRASIL, 2003). Esse documento normatiza os critérios de funcionamento dos centros e direciona suas ações exclusivamente para a Educação Infantil e o Fundamental, excluindo o Ensino Médio e a Educação Superior.

32 Endereço eletrônico: www.ceale.fae.ufmg.br. 33 www.ufpe.br/ceel

76

A equipe do CEALE é constituída por pesquisadores da UFMG e professores

colaboradores de outras universidades, como as federais de Pernambuco e de Ouro Preto, da

Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais e a Universidade Estadual de Campinas. O

Centro trabalha em colaboração com as redes públicas de ensino, na elaboração de projetos de

formação de professores, desenvolvimento curricular e avaliação do ensino, além da produção

de materiais para divulgação científica.

De acordo com Frade (2010), o CEALE é responsável por três coleções impressas

que organizam os cursos de formação de alfabetizadores: Instrumentos de Alfabetização;

Alfabetização e Letramento e o Pró-Letramento. Este último é resultado de uma edição

conjunta, que reúne textos de cinco centros de formação da área da alfabetização.

Outro relevante centro de formação docente é o CEEL, criado em 2004, pela

Universidade Federal de Pernambuco, que atua desenvolvendo pesquisas sobre o ensino da

Língua Portuguesa e acerca da formação de professores da Educação Básica. A relevância

social desse Centro consiste na articulação de ações voltadas a professores de Língua

Portuguesa, gestores em Educação e secretarias de Educação, nos seguintes segmentos:

Avaliação Educacional de Língua Portuguesa, em distintas modalidades de ensino; Avaliação

e Produção de Material Didático; Assessoria a Secretarias de Educação e outras Instituições;

Formação Inicial e Continuada de Professores; Pesquisas Relativas ao Ensino da Língua e

Publicação de Livros e Guias para os Professores.

A equipe desse Centro é constituída por formadores e pesquisadores de centros e

departamentos de várias universidades34. O CEEL participa ainda do Programa Brasil

Alfabetizado, do Programa Nacional do Livro Didático (PNLD), Pró-Letramento e PNAIC.

Os materiais produzidos pelos pesquisadores destes dois centros, em especial os

do Pró-Letramento, buscam reconstituir uma didática da alfabetização, na qual os textos são

produzidos sob duas perspectivas: divulgação científica e aplicabilidade em sala de aula.

Na constituição da formação de alfabetizadores de crianças no país, destacamos,

especificamente, o Programa de Formação de Professores Alfabetizadores (PROFA), o

Programa de Formação Continuada de Professores dos Anos Iniciais do Ensino Fundamental

(PRÓ-LETRAMENTO) e o Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa (PNAIC).

Lembramos que pela amplitude e complexidade dos programas (PROFA, Pró-

Letramento e PNAIC) foi que elegemos como objetivo central investigar, por meio de um

34 Centro de Educação, Centro de Artes e Comunicação e Centro de Filosofia e Ciências Humanas (UFPE);

Departamento de Educação (UFRPE); Departamento de Letras (UFPB); Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN); Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), entre outras.

77

estudo comparativo, a constituição teórica e metodológica dos materiaisdos três programas,

a fim de compreendermos tanto os modelos de formação adotados quanto as intenções que

referendam os procedimentos e práticas alfabetizadoras, visto que eles são frutos das políticas

educacionais desenvolvidas. Portanto, mais uma vez, enfatizamos o fato de que este estudo se

debruça exclusivamente sobre os documentos constitutivos dos referidos programas.

Para tanto, nos deteremos, nas subseções seguintes, a descrever analiticamente, à

luz dos objetivos e da revisão da literatura adotada, referidos materiais de cada programa,

trilhando a seguinte estrutura textual: contextualização histórica; objetivo e caracterização dos

materiais do Programa; modelo de formação e constituição teórica; conteúdos de ensino e

constituição metodológica.

5.1 Programa de Formação de Professores Alfabetizadores (PROFA)

5.1.1 Contextualização histórica

Toda ação política de governo é histórica e, portanto, tem origem social. Logo,

para se entender uma ação política em sua concretude, a contextualização histórica surge

como indispensável.

Quando se aplica tal princípio ao PROFA, ele nos faz recuar no tempo histórico

ordinário ao ano de 2001. Referido Programa foi criado pelo MEC, no governo de Fernando

Henrique Cardoso, em um período de intensas reformas neoliberais na seara educacional no

País. Tais reformas foram realizadas em consonância com o documento oficial intitulado

Declaração Mundial de Educação para Todos35, cuja orientação principal regia que as

políticas educacionais dos países emergentes deveriam investir no desenvolvimento das

necessidades básicas de aprendizagem nas áreas de Língua Materna e Matemática. Isso com o

propósito de gerar competências e habilidades fundamentais para estas áreas identificadas

como prioritárias. Por esse motivo, a aquisição da leitura e da escrita, bem como as operações

básicas de Matemática, passaram a ser foco dos processos de ensino e aprendizagem.

No Brasil, essa necessidade encontrava justificativa de ação política estatal no

baixo desempenho revelado nos resultados das avaliações de larga escala, promovidas em

35 Referida declaração foi elaborada seguindo as orientações neoliberais do Banco Mundial e do Fundo Monetário

Internacional, órgãos comumente conhecidos por delineamento de políticas econômicas para os países emergentes, baseadas no princípio de atrelar a educação formal aos interesses do mercado financeiro.

78

todo o País.36 Dessa maneira, a formação docente destinada para o ensino da aquisição da

leitura e da escrita para crianças, jovens e adultos, passou a ser, mais uma vez, alvo das

políticas educacionais do Poder Estatal. Daí dizer-se que o fato se justificava tanto pelos

resultados das avaliações quanto pela necessidade de propagar conhecimento didático na área

de alfabetização de crianças, jovens e adultos,37hajam vistas as grandes fragilidades na

formação do professor alfabetizador. Referida formação não encontrava eco nas agências

formadoras de professores. Os cursos de nível médio na modalidade normal estavam em plena

decadência no País e os institutos superiores de Educação, criados e regulamentados pela

LDB de 1996, artigo 63, no primeiro mandato de FHC, não existiram. Ademais, os cursos de

Pedagogia e suas propostas político-pedagógicas não privilegiam componentes curriculares

voltados à área da alfabetização. Dessa forma, os professores responsáveis pela alfabetização

de crianças, jovens e adultos chegavam às escolas com os conhecimentos mínimos acerca do

trabalho alfabetizador. Toda essa conjuntura evidenciava e promovia a urgência de programas

de formação continuada compensatórios para a área da alfabetização. Neste contexto, o

projeto do PROFA foi traçado.

De todo modo, ordinariamente, diz-se que o PROFA foi projetado por formadores

de programas anteriores38 – desenvolvidos pela Secretaria de Educação Fundamental do

MEC, em parcerias com as secretarias de Educação estaduais e universidades, nos anos de

1999 e 2000, com o envolvimento de educadores das redes públicas em todo o País. No

período de 2001 a 2002, o programa foi supervisionado pela professora Doutora Telma

Weisz.39

5.1.2 Objetivo e caracterização dos materiais

O Programa de Formação de Professores Alfabetizadores (PROFA), lançado no

final do governo de Fernando Henrique Cardoso (1995-2002), constitui-se como um curso

36 A esse respeito, ver dados do SAEB anos 2000. 37 Segundo o PROFA, esse conhecimento didático de alfabetização é expresso em uma metodologia de ensino da

língua escrita, produzido por diversos profissionais e estudiosos da área, em muitos países ao longo das últimas décadas (1980-1990).

38 Em especial, o Programa Parâmetros em Ação. 39 Doutora em Psicologia Escolar e do Desenvolvimento Humano pela Universidade de São Paulo (1997).

Atualmente é Coordenadora da Pós-graduação Lato Sensu do Instituto Superior de Educação Vera Cruz, Profesora-investigadora de la Maestria da Universidad Nacional de La Plata, Consultora da Secretaria de Estado da Educação de São Paulo e Membro de corpo editorial da Lectura y Vida. Weisz é reconhecida pelo desempenho na discussão, estudos e formação de alfabetizadores. É uma das autoras dos Parâmetros Curriculares Nacionais de Língua Portuguesa. Já publicou diversos artigos e livros como Além das letras e O diálogo entre o Ensino e a Aprendizagem.

79

anual de formação na área da alfabetização. De acordo com o Programa, o curso destina-se à

formação de professores e formadores, com a finalidade de subsidiá-los, teórica e

metodologicamente, na área da alfabetização de crianças, jovens e adultos. O material do

curso está organizado em um kit,40de que constam os seguintes instrumentos de formação

didático-metodológica:

•Documento de apresentação do Programa;

•Guia de orientações metodológicas gerais;

•Guia do formador;

•Coletâneas de textos;

•Fichário ou caderno de registros;

•Catálogo de resenhas;

•Manual de orientação para uso do acervo do Programa Nacional e Biblioteca da

escola;

•Seis DVDs com filmagens de situações didáticas reais vivenciadas com crianças,

jovens e adultos em espaços escolares, e vídeos discutindo, sob o ponto de vista

teórico e metodológico, temáticas acerca do processo de ensino-aprendizagem da

aquisição da linguagem escrita e outras temáticas relacionadas.

O “Documento de apresentação do Programa” destinado a todos os envolvidos no

Programa expõe o percurso de criação do PROFA no País e argumenta ainda acerca da

necessidade da formação de professores na área da alfabetização. Já o “Guia de orientações

metodológicas gerais”, aos formadores, exprime concepções e estratégias metodológicas de

formação de formadores e educadores, para o desenvolvimento de competências profissionais.

Por seu lado, organizado em três módulos, o “Guia do formador” expõe a sequência de

atividades a serem desenvolvidas pelas unidades (que são as temáticas de estudo de cada

encontro).

A “Coletânea de textos” reúne produções escritas de diferentes autores e gêneros

textuais, para possibilitar aos professores e formadores maior contato com a diversidade

textual da cultura escrita. Segundo essa lógica, o “Caderno de Registros” é espaço de reflexão

e produção escrita dos professores cursistas. Nele podem ser escritas reflexões, dúvidas,

conquistas, além das atividades sugeridas pelo programa. O “Catálogo de Resenhas” traz o

40 2ª edição, 2006.

80

release de filmes que podem contribuir para o desenvolvimento cultural dos envolvidos no

programa. O “Manual de Orientação para uso do acervo do Programa Nacional e Biblioteca

da Escola” destina-se a comentar os livros das coleções do PROFA.

Com relação à carga horária do curso, o programa totaliza 160 horas, distribuídas

em três módulos, cada qual estruturado em unidades que se organizam em cinco tipos de

atividades desenvolvidas em cada encontro de formação. Três delas são permanentes: leitura

compartilhada de textos literários; rede de ideias e levantamento do conhecimento prévio do

professor acerca do tema estudado.

Sobre a leitura compartilhada de textos literários, o Programa indica que o

objetivo é a interação dos professores com diferentes gêneros textuais e a formação de

leitores. A rede de ideias intenciona a partilha, entre os cursistas, de suas opiniões,

considerações e dúvidas acerca das atividades de leitura e de escrita propostas nos encontros

formativos para serem vivenciadas nas escolas e, por fim, o levantamento do conhecimento

prévio do professor é a atividade que aciona o que os docentes já sabem sobre o tema

estudado.

As outras duas atividades variam de acordo com os objetivos do encontro. Têm

como estratégias metodológicas, no entanto, a tematização da prática pedagógica, o

planejamento e o desenvolvimento de propostas de ensino e aprendizagem, a socialização de

conhecimentos, necessidades e dificuldades dos professores.

5.1.3 Modelo de formação e constituição teórica

Segundo o material do PROFA, este assume o modelo de formação profissional

pautado no desenvolvimento de competências docentes, para, por seu intermédio, o docente

poder atender as diversas demandas do exercício da profissão, tendo como prioridade o ensino

da leitura e da escrita. De acordo com o documento oficial, o objetivo maior do PROFA é

“desenvolver as competências profissionais necessárias a todo professor que ensina a ler e a

escrever”. (BRASIL, 2006a, p. 5). Com efeito, vale referir que o conceito de competência,

defendido e assumido textualmente pelo Programa, fundamenta-se na definição do teórico

suíço Philippe Perrenoud.41 Segundo ele, competência se traduz na

41 Philippe Perrenoud é doutor em Sociologia e Antropologia. Atua nas áreas relacionadas a currículo, práticas

pedagógicas e instituições de formação nas faculdades de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade de Genebra.

81

[...] capacidade de um sujeito de mobilizar o todo ou parte de seus recursos cognitivos e afetivos para enfrentar uma família de situações complexas [...] Pensar em termos de competência significa pensar a sinergia, a orquestração de recursos cognitivos e afetivos diversos para enfrentar um conjunto de situações que apresentam analogias de estrutura. (PERRENOUD,2000, p. 21).

Referido autor assinala o referencial que o guiou na elaboração das 10 novas

competências para ensinar42 está em consonância com as demandas atuais, tanto de

profissionalização quanto de políticas educacionais, pois estas apresentam “coerência com o

novo papel dos professores, com a evolução da formação contínua, com as reformas da

formação inicial e com as ambições das políticas educativas”. (PERRENOUD, 2000, p. 12).

Destaca, ainda, que as famílias de competências não são neutras, pois carregam em si opções

teóricas e ideológicas.

Na análise de tais competências, podemos perceber uma intenção explícita de

ajustamento da formação docente às ambições das políticas educativas. Estes, por sua vez,

estão atreladas às exigências atuais do capitalismo em transformação e à elaboração

instrumental do “saber fazer” da ação docente. Nesse novo contexto, o bom docente é um

profissional prático que se harmoniza às necessidades atuais e futuras, que está de prontidão e

preparado para dar aulas, domina os conteúdos, administra sua turma e sabe avaliar, para que

os alunos apresentem desempenho e condição de responder com eficiência às demandas

efetivas ou de empregabilidade do mercado de trabalho.

Focado predominantemente na dimensão instrumental do “saber fazer” da ação

docente, no entanto, o campo da teoria das competências não traz igualmente para a discussão

e análise importantes questões acerca das condições objetivas e subjetivas do trabalho

docente. Entre elas, por exemplo, as circunstâncias sociais e efetivas da realização do ofício

de professor; a relação entre economia, sociedade, políticas educacionais e de formação de

professores; a compreensão e abrangência multidimensional do significado da ação docente.

Dessa forma, podemos inferir que as famílias de competências propostas por

Perrenoud, e que embasam o PROFA, inevitavelmente, têm a tendência de promover uma

formação do alfabetizador com lacunas, uma vez que se direciona prioritariamente para a

dimensão instrumental da prática educativa, desligando-se de outras dimensões inerentes e,

portanto, essenciais. Nesse sentido, a proposta do PROFA de formação do alfabetizador (de

42 Referencial genebrino aplicado em 1996, que inspirou Perrenoud a criar as 10 grandes famílias de

competências: Organizar e dirigir situações de aprendizagem; Administrar a progressão das aprendizagens; Conceber e fazer evoluir os dispositivos de diferenciação; Envolver os alunos em suas aprendizagens e em seu trabalho; Trabalhar em equipe; Participar da administração da escola; Informar e envolver os pais; Utilizar novas tecnologias; Enfrentar os deveres e os dilemas éticos da profissão; Administrar sua própria formação contínua (PERRENOUD, 2000).

82

crianças, jovens e adultos) fundamentada em competências não expressa procedimentos e

espaços que promovam, na formação, o desenvolvimento da crítica, transformação e

emancipação do professor alfabetizador.

Por esse motivo, diversas são as críticas tecidas à Teoria das Competências, como,

por exemplo, a delineada por Pimenta (2006), ao exprimir que o termo competência,

comumente utilizado em discursos e documentos oficiais, substitui a expressão saberes

profissionais, e isto acarreta uma série de perdas e desvalorização da profissão docente, fato

que produz várias reflexões e críticas acerca da polissemia do vocábulo e das consequências

objetivas para a profissão docente e das representações sociais criadas em torno dele.

Por sua vez, observa-se que os saberes profissionais são bem mais amplos e

complexos. Constituem-se de diferentes fontes e de articulação com dimensões diversas,

como a social, política, ética, estética, curricular e disciplinar. Fazer com que os

alfabetizadores desenvolvam e expressam na ação docente tais saberes requer das agências

formadoras uma mobilização mais profunda, crítica e sistêmica do processo formativo, da

Educação, da Pedagogia e dos sistemas educacionais que se ocupam da Educação de crianças,

jovens e adultos.

A seu turno, a perspectiva da Teoria das Competências particulariza sua ação

sobre determinadas categorias do trabalho docente, sob o pressuposto da individualidade, do

reordenamento do processo educativo e da responsabilização profissional centrada apenas no

docente. Por isso, Pimenta (2006, p. 42) assinala que a Teoria das Competências pode estar

relacionada ao neotecnicismo, “entendido como um aperfeiçoamento do positivismo

(controle/avaliação) e, portanto, do capitalismo”.43

Orientada pela teoria das competências, a formação docente não se ajusta em

condutas de ofício nem de saberes emanados da carreira profissional, mas em fazeres da

prática previamente estipulados por programas oficiais, e, portanto, controlados por diversos

instrumentos de avaliação discente, docente e institucional.

Ainda, por conseguinte, em virtude de estarem centradas no particular da prática

docente e esta no microssistema, isto é, no contexto imediato em que está a ação educativa,

seja na sala de aula ou em outros espaços de alfabetização, as competências se efetivam

desprovidas de reflexões coletivas, epistemológicas e políticas, de problematizações e

compreensões da profissão e da realidade como um todo. Portanto, em termos de formação

43 O termo neotecnicismo faz referência à definição de “tecnicismo” dada por Demerval Saviani em Escola e Democracia (1986). Na atualidade, o vocábulo é aplicado à nova investida liberal/conservadora na política educacional, preservando os mesmos traços originais descritos por Saviani, mas com o uso de outra plataforma operacional baseada na privatização e no controle (FREITAS, 2011, p. 76).

83

docente, pensar o desenvolvimento profissional do alfabetizador com base em competências e

não em saberes, é perder “a visão de totalidade; consciência ampla das raízes, dos

desdobramentos e implicações do que se faz para além da situação; das origens; dos porquês e

dos para quês” (PIMENTA, 2006, p. 42); é conceber a formação docente como um exercício

técnico-profissional, incidindo em um preparo prático, simplista e prescritivo, baseado no

aprendizado “imediato” do que vai ensinar, a fim de resolver problemas do cotidiano da

escola.

Deste modo, quando o PROFA assume a formação do alfabetizador de crianças,

baseado no modelo de desenvolvimento de competências profissionais, há um

posicionamento político e ideológico em focar os estudos apenas na reflexão sobre a prática

individualizada, centrada no microssistema; daí partindo da mobilização de situações-

problema geradas na sala de aula, nas atitudes, nos esquemas motores e de percepção,

avaliação, antecipação e decisões dos docentes que ocorrem em situações singulares de ensino

e aprendizagem.

De outra parte, compreendemos e defendemos a dimensão instrumental da prática

docente como importante dimensão do ensino. A formação docente, no entanto, não pode se

reduzir ao ensino de um conjunto padronizado de conhecimentos técnicos sobre o “como

fazer” a ação educativa, desvinculados dos problemas relativos ao sentido e aos fins da

Educação, dos conteúdos específicos, assim como do contexto sociocultural concreto em que

foram gerados. A reflexão sobre a prática só faz sentido quando articulada a outras dimensões

que compõem o ofício da docência, como a social, a política, a ética, a estética e outras.

Outra concepção subjacente ao PROFA diz respeito ao conceito de professor. Este

é visto pelo Programa como sujeito ativo do processo formativo. Por esta razão, a

aprendizagem é concebida como processo singular, produto de uma história pessoal e

coletiva. Nessa perspectiva, defende-se a posição de que a aprendizagem deva ser

significativa,44 quer dizer, que o processo de apropriação do conhecimento (acerca da

aprendizagem da leitura e da escrita) seja constituído com suporte na vinculação do novo ao já

aprendido. O conhecimento é visto como uma elaboração em que a pessoa age com as

estruturas que já possui sobre os meios físico e/ou social.

Com arrimo neste pressuposto epistemológico (sobre a natureza da relação entre o

sujeito e o objeto de conhecimento), o PROFA organiza todo o seu trabalho, partindo do

44 Aprendizagem significativa designa um conceito proposto originalmente pela Teoria da Aprendizagem de David Ausubel. Para ele (1963, p. 58), a aprendizagem significativa é o processo por meio do qual uma nova informação (novo conhecimento) se relaciona de maneira não arbitrária e substantiva (não literal) à estrutura cognitiva do aprendiz.

84

conhecimento pedagógico e experiencial do professor: promovendo avaliações diagnósticas

do que sabem os docentes, e acerca da capacidade de acionar os conhecimentos nas situações

educacionais, assim como para buscar outros a fim de realizar a atividade programada pelo

curso e prescrita pelo Programa. Com origem em situações da prática, intenciona-se a

produção de sentidos para os novos conhecimentos.

Tal compreensão comunga das ideias de formação docente desenvolvidas pelo

professor português António Nóvoa (1995). Este, em sua produção teórica sobre o tema,

defende a noção de que a formação está indissociavelmente ligada à produção de sentidos

sobre as vivências e experiências de vida. Isto ocorre à medida que o professor reflete sobre a

sua prática. Com efeito, presume-se que a produção de sentidos sobre vivências e experiências

decorre da reflexão que o professor faz sobre sua prática singular, tornando-se um

memorialista de si mesmo; e assim nesse ato de “memorializar” a sua prática pela reflexão,

emerge o sentido que ele dá a sua prática, ao seu ofício. Assim, em vez de se tornar um

profissional referenciado nas demissões social, política, ideológica, ética, estética e crítica da

profissão, torna-se um trabalhador intimista, encerrado e referenciado em si mesmo.

Além disso, ainda é observado o fato de que o modelo de formação docente

adotado pelo PROFA, com o intuito de desenvolver competências profissionais prescritas

oficialmente pelo poder estatal, para o ensino da leitura e da escrita, tem a reflexão como

principal meio de aprendizagem. No Programa, a reflexão sobre a prática é um importante

objetivo e um elemento estruturador de aprendizagem docente. Por isso, são organizadas

diversas atividades em grupo, que partem de situações-problema com o fim de propiciar

reflexões coletivas e compartilhadas.

Como as situações-problema estão diretamente ligadas ao microssistema do

cotidiano da sala de aula de alfabetização e às questões da prática instrucional, portanto, o

objeto de reflexão é a própria prática, podemos inferir que a perspectiva de formação docente

adotada tem por base também a teoria do professor como um prático reflexivo. Essa

perspectiva foi sistematizada e defendida pelo norte-americano Donald Schön (1992). Este

assinala que a reflexão se constitui com origem na análise e interpretação da própria atividade

profissional, por meio do triplo movimento – conhecimento na ação, reflexão na ação e

reflexão sobre a ação e sobre a reflexão na ação.

Observa-se, pois, o PROFA prescrevendo que a reflexão sobre a prática se

consolide nas atividades em grupo e em colaboração entre os pares, desenvolvidas na

observação da prática pedagógica dos colegas cursistas, na análise de situações documentadas

85

em vídeo, no planejamento de aulas em conjunto, nos registros escritos das vivências e nos

momentos de correspondência entre os pares e entre o formador, via carta ou internet.

Em tais atividades, utiliza-se a linguagem, principalmente a escrita, como via

privilegiada para a reflexão sobre a prática pedagógica, a respeito das vivências e no

concernente à própria história de vida. Desse modo, intenciona-se “desenvolver as

capacidades de uso da linguagem que favoreçam a ampliação do nível de letramento e de

capacidades intelectuais mais requintadas”. (BRASIL, 2006a, p. 58).

Com relação à teoria do professor como um prático reflexivo, no Brasil, autores

como Duarte, (2003), Libâneo (2006) e Arce (2001), entre outros, tecem diversas críticas,

pois compreendem que referida teoria assenta numa supervalorização da prática docente

centrada nela própria, como também na priorização das questões do interior da sala de aula,

desconsiderando, muitas vezes, os fatores sociais, econômicos e políticos que interferem e

concorrem para a constituição da realidade escolar e dos processos de alfabetização. Além

disso, o professor é visto como o sujeito responsável pelos processos de inovação e mudança

na escola, que responde por tudo: se os programas fracassam, é porque não os desempenhou

como devia e estava prescrito.

Do ponto de vista da concepção de alfabetização adotada pelo Programa, podemos

dizer que o curso se organiza em torno de dois eixos básicos. 1. Como acontecem os

processos de aprendizagem da leitura e da escrita na criança. 2. Como se organizam situações

didáticas. Salientamos que referidos eixos se fundamentam na Teoria da Psicogênese da

Língua Escrita, publicada nos anos de 1980 por Emília Ferreiro e Ana Teberosky, que mudou

o paradigma da alfabetização, pois deslocou as investigações do “como se ensina a escrita”

para “como se aprende”, explicitando a compreensão do processo e das formas por meio das

quais as crianças se apropriam do conhecimento da linguagem escrita. Assim, mediante a

Psicogênese da Língua Escrita,é possível compreender que a criança elabora seu sistema

interpretativo, pensa, raciocina e faz hipóteses acerca do complexo objeto social que é a

escrita.

5.1.4. Conteúdos de ensino

Com relação aos conteúdos de ensino propostos pelo PROFA, estes foram

pensados em acordo com o que indica o Referencial de Formação de Professores nas áreas de

conhecimento sobre crianças, jovens e adultos: conhecimento sobre a dimensão cultural,

social e política da educação; cultura geral e profissional; conhecimento pedagógico e

86

conhecimento experiencial contextualizado em situações educacionais. Assim, os conteúdos

trabalhados45 no PROFA são divididos em conteúdos procedimentais, atitudinais e

conceituais – todos voltados para o desenvolvimento de competências profissionais para o

ensino da leitura e da escrita. A esse respeito, aponta o Guia do Formador:

Os conteúdos conceituais referem-se à abordagem de conceitos, fatos e princípios. A aprendizagem envolve aquisição de informações, vivência de situações, construção de generalizações, compreensão de princípios. Os conteúdos procedimentais expressam um saber fazer que implica tomar decisões e realizar uma série de ações, de forma ordenada e não-aleatória, para atingir uma meta e construir instrumentos para analisar processos e resultados obtidos. Os conteúdos atitudinais incluem valores, normas e atitudes. As atitudes envolvem cognição (conhecimentos e crenças), afetos (sentimentos e preferências), condutas (ações e declarações), normas e regras que orientam padrões de conduta e os valores que orientam ações e possibilitam fazer juízo crítico. (BRASIL, 2006d, p. 19).

Pela análise do documento, é possível entender que os conteúdos procedimentais

versam, em geral, acerca da reflexão sobre situações didáticas, gestão do ensino e da sala de

aula de alfabetização. Os conteúdos atitudinais dizem respeito ao modo de o professor

observar, acolher e lidar com os ritmos e estilos de aprendizagem dos alunos, bem como as

especificidades da aprendizagem da aquisição da linguagem escrita. Os conteúdos conceituais

se concentram em temas envolvendo alfabetização, analfabetismo, aquisição da leitura e da

escrita e conhecimento didático sobre essa área.

Nos documentos do PROFA, esses conteúdos são distribuídos em três módulos.

De caráter teórico, o primeiro módulo aborda a fundamentação dos processos de

aprendizagem da leitura e da escrita e da didática da alfabetização. O segundo módulo e o

terceiro, voltados para a prática pedagógica, focam diversas situações didáticas de

alfabetização.

Nessa direção, podemos inferir que tais conteúdos de ensino revelam que o

Programa prioriza na formação do alfabetizador a compreensão do processo de construção da

escrita, percorrido pela criança, e de como o professor, com base nesse conhecimento teórico,

pode criar situações didáticas para a efetivação dessa aprendizagem; além do investimento na

dimensão cultural dos professores, viabilizada por meio dos textos literários e filmes

propostos.

O caráter positivo dessa escolha é que o Programa contribuiu na popularização da

“Psicogênese da Língua Escrita”, teoria crucial para a área da alfabetização, conhecimento

necessário a todo alfabetizador. Além disso, trouxe a sistematização de situações didáticas de

45 No Anexo A estão listados os principais conteúdos propostos para serem trabalhados.

87

leitura e escrita, que,à luz dessa teoria possibilita às crianças à aquisição da língua escrita;

isso, à época do Programa, se constituiu como inovador, pois, mesmo após quase 20 anos da

publicação da Psicogênese, ainda havia entre os alfabetizadores desconhecimento da teoria,

diversos equívocos conceituais e distorções acerca da aprendizagem da escrita. Inferimos, no

entanto, que a ausência de estudos acerca da sistematização do processo de alfabetização,

ensejou entre os professores uma reprodução automatizada das práticas sugeridas pelo

Programa.

A mudança de paradigma que a teoria causou, mudando o foco da atenção do

“como ensinar” para o “como se aprender” deixou os professores mais atentos à

aprendizagem das crianças do que ao conhecimento em si da área. E isso causou um

espontaneísmo do processo educativo, que, sob a alegação equivocada de que as crianças

inseridas na cultura letrada, naturalmente, iriam criando hipóteses e avançando na

compreensão do complexo sistema de escrita, as deixaram entregues à própria sorte. O

acompanhamento do processo de aprendizagem da criança pelo professor passou a ter um

importante posicionamento valorativo. Assim, os “erros” cometidos pelas crianças eram

identificados pelos alfabetizadores, mas estes ficavam sem a devida mediação pedagógica,

pela compreensão de que eram hipóteses que faziam parte da tentativa da criança de

compreensão e reconstituição da escrita e que por isso precisavam ser respeitados como

processo. Nisso, pouco se investia nas intervenções, tampouco na elaboração de atividades

pedagógicas voltadas para esse fim.

As situações didáticas, envolvendo leitura e escrita, propostas pelo Programa,

articulando teoria e prática, apresentaram aos alfabetizadores novos horizontes de atuação

pedagógica, mas agora mais intencionais e sistematizados. E isso causou expressiva aceitação

e aprovação dessa formação46. A constituição teórica de um programa de formação de

alfabetizadores, no entanto, fundamentada prioritariamente em pesquisas psicolinguísticas,

desconsiderando estudos em outras áreas, como a Sociolinguística e a Linguística, assim

como da concepção de linguagem adotada, fragiliza a compreensão do educador ante a

caracterização do processo complexo e multifacetado da alfabetização. Ademais, não há

discussão teórica aprofundada acerca de temas como letramento e gêneros textuais nos

materiais do PROFA, fato que enseja outras importantes lacunas.

46 A aprovação desse Programa é expressa em várias falas de professoras alfabetizadoras que participaram de

pesquisa realiza por Melo (2009). As docentes traziam afirmações de que o PROFA era a formação de maior significação para a ação docente, em decorrência do modelo de formação adotado, que articulava estudos teóricos e reflexões sobre a prática.

88

Defendemos o ponto de vista de que as práticas sociais de leitura e de escrita

existentes socialmente devem ser efetivamente vivenciadas pelos alfabetizadores e suas

crianças. As implicações e repercussões do uso dos gêneros textuais na prática pedagógica em

leitura e escrita têm importância singular para o trabalho alfabetizador de qualidade, uma vez

que possibilitam sobremaneira a perspectiva do letramento. E isso, no Programa, é mais

explorado no plano procedimental do que na contextura conceitual.

5.1.5 Constituição metodológica

No PROFA, para as concepções de professor, ensino e aprendizagem, foi

estabelecido, segundo os materiais do Programa, um modo de consecução de procedimentos

que privilegiam o aprofundamento do conhecimento didático, a articulação teoria-prática, a

documentação escrita do trabalho realizado ao longo do curso, a socialização de experiências

e a aprendizagem em parceria. Quanto ao modo de efetivação do curso de formação de

alfabetizadores, o PROFA se estrutura com as estratégias metodológicas expressas na

sequência.

01. Procedimentos de iniciação - visam à apresentação e o estabelecimento de

vínculo entre os cursistas e formadores.

02. Definição do contrato didático do grupo – condutas que regulam o

funcionamento do trabalho do grupo e as relações entre os participantes.

03. Leitura compartilhada de textos literários – pela fruição e prazer literário;

04. Estudo de textos expositivos e instrucionais – explicitação dos conteúdos

abordados, relacionando-os ao que está sendo estudado.

05. Registro escrito das reflexões – uso da linguagem como espaço de reflexão,

para formar professores que sejam usuários competentes da linguagem.

06. Discussão coletiva – debate entre os participantes com amparo em uma

temática.

07. Problematização – devolutivas, perguntas provocativas feitas pelo formador

ao grupo.

08. Aula expositiva e dialogada – dada pelo formador para aprofundar um

determinado conteúdo.

09. Tematização dos conteúdos de programas de vídeo – para desencadear a

reflexão sobre a prática.

89

10. Simulação – são atividades em que se tem de realizar uma determinada tarefa

ou resolver um problema experimentando o papel do outro (coordenador,

criança, professor).

11. Sistematização – sínteses conclusivas dos estudos, sistematização escrita de

falas por meio de esquemas, listas e tabelas.

12. Análise de materiais e propostas – feita pelo formador, visando à identificação

da lógica e os critérios de seleção e sequenciação das atividades, estratégias

metodológicas e conteúdos que devem ser aprofundados.

13. Análise do trabalho de formação e do processo pessoal de aprendizagem –

para os formadores compreenderem o modelo de formação e o percurso

pessoal de aprendizagem.

14. Avaliação – tanto da realidade em que as ações do Programa serão

implementadas, quanto do que sabem os professores.

Por fim, é possível analisar o fato de que o PROFA privilegia, como elemento

estruturante da formação docente, o processo de formação de alfabetizadores com aporte em

três teorias: a Psicogênese da Língua Escrita, as 10 novas competências para ensinar e o

professor como um prático reflexivo. Para tanto, privilegia estratégias metodológicas

envolvendo a articulação teoria e prática por meio de situações-problema, as quais ocorrem

por via do trabalho coletivo e colaborativo entre alfabetizadores e formadores. Em última

instância, esses são os pilares de referência do Programa de Formação de Professores

Alfabetizadores (PROFA), criado em 2001 pelo MEC, no final do governo neoliberal de

Fernando Henrique Cardoso (1995-2002).

Na análise do programa, podemos inferir que o PROFA intencionou formar

professores alfabetizadores para criar e organizar situações didáticas para o ensino da leitura e

da escrita, para compreender o percurso de apropriação da criança acerca do sistema de escrita

e para ser capaz de refletir sobre a sua prática, para mobilizar conhecimentos voltados ao

saber-fazer, ou seja, centrados na dimensão instrumental da prática docente. Tudo isso tendo a

linguagem como via privilegiada de aprendizagem.

No levantamento de pesquisas (PIATTI, 2006, BISPO, 2006, MAZZEU, 2007,

entre outros) acerca do PROFA, podemos perceber que, apesar das mudanças positivas

ocorridas nas representações e na própria prática dos alfabetizadores, o Programa é alvo de

várias críticas.

90

Em sua pesquisa acerca dos reflexos do PROFA, Piatti (2006) conclui que este foi

mais um programa em parceria com o MEC e secretarias que atuou de forma casuística e sem

continuidade. O aspecto positivo foi evidenciado pelo incentivo de leitura literária aos

professores cursistas e aos seus alunos e que isto foi incorporado à rotina de trabalho desses

docentes, bem como na mudança das representações dos professores acerca de suas práticas

que passaram por algumas modificações com suporte em informações recebidas.

Em outra investigação a respeito do PROFA, Bispo (2006) assinala que o

programa contribuiu para o desenvolvimento da postura reflexiva acerca da prática e para a

reconceptualização do conceito de alfabetização, avaliação e para o hábito de estudo. Os

sujeitos de sua pesquisa, no entanto, apontaram a falta de continuidade das políticas públicas,

fato que desfavoreceu o desenvolvimento do trabalho pedagógico com origem em novas

aprendizagens. Seu estudo apontou ainda para a necessidade de debates acerca das ações

formativas com os professores, a fim de torná-los participantes ativos nesse processo.

Os estudos de Mazzeu (2207) concluíram que as perspectivas oficiais de formação

docente, pautadas pela Epistemologia construtivista, pela Pedagogia das competências e pela

Teoria do professor reflexivo, apontam, por um lado, para a descaracterização do trabalho

educativo como atividade de ensino e, por outro, para a desqualificação da reflexão filosófica

e secundarização do conhecimento científico, necessários à compreensão das vinculações da

prática educativa no seio da prática social global.

Em suma, o estudo dos materiais do PROFA nos leva a comungar dos resultados

das pesquisas anteriormente expostas. São inegáveis as contribuições deste Programa para a

formação do alfabetizador, seu caráter inovador expresso na constituição

teórica/metodológica para o seu período histórico e no desenvolvimento cultural dos

professores. A ausência de estudos de importantes conteúdos, porém, necessários à formação

do alfabetizador e ao caráter pragmático da formação, nos sugere importantes fragilidades e

comprometimentos na constituição dos saberes docentes dos alfabetizadores. Essa lacuna nos

leva a inferir que,apesar dos possíveis ganhos, o Programa possibilitou uma reprodução

automatizada da proposta didático-pedagógica defendida por parte dos professores.

91

5.2. Pró-Letramento

5.2.1 Contextualização histórica

O Pró-Letramento foi criado em 2003, no primeiro ano da nova gestão do

Governo Federal, com o então presidente Luís Inácio Lula da Silva, do Partido dos

Trabalhadores. Da perspectiva de sua política educacional, é lançado o programa de governo

“Uma Escola do Tamanho do Brasil”. Por meio desse programa, o Presidente alega assumir a

Educação como prioridade na política educacional. E assim passa a defender a Educação

como constitutiva da ação relevante na transformação da realidade econômica e social do

povo brasileiro.

Para tanto, o documento “Uma Escola do Tamanho do Brasil” indicava como

prioridade a expansão do sistema educacional público e gratuito e a elevação de seus níveis de

qualidade, dados os baixos desempenhos expressos em avaliações oficiais no País, realizadas

em 2001 e 2003 pelo SAEB e também pelo tempo médio de quatro anos de escolarização dos

brasileiros economicamente ativos. Para o atendimento dessa dimensão social, formularam-se

propostas vinculadas à Educação, como a bolsa-escola e a bolsa-universidade; programas de

formação profissional e de Educação de Jovens e Adultos; investimento em pesquisa e

desenvolvimento; universalização e melhoria da Educação Básica e ampliação significativa da

Educação Superior (BRASIL, 2002).

Em outros termos, por meio dessa política, o Governo segue a agenda daquilo que

é próprio à política educacional para os países denominados de emergentes: o investimento na

melhoria da Educação Básica como estratégia para a promoção do desenvolvimento

econômico do País, na medida em que ela seja capaz de contribuir para a acumulação de

capital humano e, por meio desta, o consequente aumento de renda da população

trabalhadora. Para tanto, aponta-se a formação docente como principal recurso para atingir tal

objetivo. Com efeito, o Governo cria diversos mecanismos para viabilizar esse projeto, de

configuração de um Estado cambiante entre princípios neoliberais e princípios democrático-

sociais: incentivos à expansão das instituições privadas de Educação mediante políticas de

financiamento estatal, e de igual modo o investimento público em Educação e a formação de

professores são exemplos disso.

Ainda em 2003, o MEC formula e distribui o documento “Toda Criança

Aprendendo” (BRASIL, 2003) que, entre outros temas, dizia intentar ampliar o atendimento

escolar, aumentando a jornada e a duração do Ensino Fundamental e o estabelecimento de

92

políticas de formação docente delineadas pelo MEC, com o modelo de estruturação de

parceria com as secretarias estaduais e municipais de Educação. Nesse documento, foram

indicadas quatro políticas básicas.

1 Implantação de uma política nacional de valorização e formação de professores,

a começar, em 2003, com o incentivo à formação continuada dos professores

dos ciclos ou séries iniciais do ensino fundamental.

2 Ampliação do atendimento escolar, por meio da extensão da jornada e da

duração do ensino fundamental.

3 Apoio à construção de sistemas estaduais de avaliação da educação pública,

também focalizando, em 2003, o alunado dos ciclos ou séries iniciais do

ensino fundamental.

4 Implementação de programas de apoio ao letramento da população infantil.

Inferimos que foi o delineamento da primeira política que teve repercussões

diretas sobre os gestores de políticas educacionais do Governo, tornando-se um dos fatores

determinantes para a criação do Pró-Letramento. Outros fatores importantes foram também a

criação, em 2003, do Sistema Nacional de Formação Continuada, a Certificação de

Professores e a Rede dos Centros de Pesquisa e Desenvolvimento da Educação, ligados às

universidades – que em 2005 passou a se chamar Rede Nacional dos Centros de Formação

Continuada de Professores.

Estes centros de pesquisa e de formação continuada (também chamados de “novos

meios de formação”, por intermédio de cursos presenciais e à distância, e da produção de

materiais) destinaram-se à qualificação docente, nos processos de ensino-aprendizagem em

áreas específicas, como Alfabetização e Linguagem; Educação Matemática e Científica;

Ensino de Ciências Humanas e Sociais; Artes e Educação Física; Gestão e Avaliação da

Educação. A produção desses materiais foi feita em cooperação com as instituições da rede de

ensino da Educação Básica, para fomento de programas de formação continuada de

professores e implantação de tecnologias de ensino e gestão em unidades e redes de ensino.

Por fim, em 2005, com o apoio dos centros de formação continuada referentes às

áreas de Alfabetização/Linguagem e Matemática, é que de fato foi criado o Pró-Letramento,

com o pretensioso propósito de melhorar a qualidade da Educação - compromisso firmado no

plano de governo de Lula. É forçoso destacar, entretanto, que essa “qualidade” era (e ainda é!)

mensurada por meios da eficiência e eficácia dos sistemas educativos e da medição dos

93

processos de ensino e aprendizagem, expressos pelos resultados das avaliações de larga

escala, promovidas pelo Sistema de Avaliação da Educação Básica – SAEB. Nos anos de

2001 e 2003, essas avaliações haviam mostrado imensas dificuldades das crianças dos anos

iniciais nessas áreas referidas: alfabetização/linguagem e matemática.

Com o respaldo desses baixos desempenhos em Leitura, Escrita e Matemática,

como política de governo, o Programa foi pensado por seus gestores com uma estrutura

organizacional orientada para a integração e parceria entre o MEC, as universidades da Rede

Nacional de Formação Continuada e os sistemas de ensino da Educação Básica dos estados e

municípios que aderiram ao Programa. A função do MEC nesse Programa foi a de

coordenação nacional. Assim, é ele quem elabora as diretrizes e os critérios para organização

dos cursos e a proposta de efetivação. Além disso, garante os recursos financeiros para a

produção e a reprodução dos materiais e também para a formação dos orientadores/tutores.

Quando se analisa, no entanto, a natureza da “parceria” entre esses diversos níveis

hierárquicos, percebemos que ela se orienta pelo princípio da descentralização da gestão da

Educação Básica, germinado no Governo como uma das principais orientações de políticas

educacionais do Banco Mundial aos países em desenvolvimento. Segundo Trojan (2013), a

descentralização é um processo formal de delegação, determinado por vários âmbitos:

político, administrativo, econômico e territorial.47 O conceito de descentralização, no entanto,

não significa a inexistência de órgão de idealização e controle.

Outro ponto que merece destaque, acerca dessa “parceria” é que, em razão da

estrutura organizativa do Programa, meticulosamente idealizada pelos gestores de políticas

públicas do Governo Federal, a alternativa de processos de formação a distância, se tornou

estratégia básica. O Programa, todavia, tenta a nos levar a acreditar que a Educação a

distancia adveio de uma demanda externa ao Pró-Letramento, como deixa transparecer o Guia

do Tutor:

O fato de diferentes instâncias estarem envolvidas traz duas implicações: primeiramente, a de que o professor orientador não atuará sozinho, mas como um dos articuladores de uma “rede”; e, em segundo lugar, a de que a participação de tantos e diferentes sujeitos se inviabiliza na presença física, ou seja, trata-se de um trabalho na modalidade à distância. (BRASIL, 2006b, p. 15).

Sabemos que, no Brasil, desde o governo de Fernando Henrique Cardoso, a

Educação a Distância (EAD) cresceu vertiginosamente nos últimos tempos e que é bastante

47 Político: significa delegação de poder e competência para tomar decisões. Administrativo: delegação de funções

e responsabilidades. Econômica: redistribuição de recursos. Territorial: desconcentração da autoridade estatal.

94

utilizada como via de formação docente, tanto inicial quanto continuada, orquestrada tanto

por instituições públicas quanto por privadas. Com o discurso de que o País tem dimensões

enormes, e de que a universalização da Educação Básica é um dever do Estado, utiliza-se a

EAD como via privilegiada de ampliação de acesso às oportunidades de aprendizagem e de

aumento da eficiência dos processos administrativos.

Compreendemos, no entanto, que esta modalidade de ensino atende a um projeto

econômico-liberal do Estado, ao prever que a menores custos seja possível alcançar um

grande número de pessoas. Isso, econômica e administrativamente, é muito positivo para o

Governo, porém, manter a qualidade da Educação, prestada num universo extenso de pessoas

atendidas, se traduz como um grande desafio às agências formadoras.

Outra questão também a ser considerada, é o fato de que muitos cursos a

distância, oferecidos aos professores da Educação Básica, deparam dificuldades provenientes

de várias naturezas, como, por exemplo, o baixo nível de letramento digital dos professores,

fragilidades na forma de interação destes com o material disponibilizado, limitado acesso à

internet, pouco tempo disponível para o estudo, dificuldades na relação dos cursistas com a

produção de textos e tantos outros.

5.2.2 Objetivo e caracterização dos materiais

O Pró-Letramento (Mobilização pela Qualidade da Educação) é um programa

oficial de formação continuada de professores, que diz ter por objetivo a melhoria da

qualidade da aprendizagem da leitura, escrita e matemática das crianças nos anos iniciais do

Ensino Fundamental.

Mediante a análise do documento oficial, observa-se que o Programa se estrutura

em dois cursos na modalidade semipresencial: um destinado à formação de

orientadores/tutores e o outro a professores da Educação Básica. O curso para a formação de

tutores tem a duração de 300 horas, realizado em dois momentos: 180h na primeira etapa e

120h no revezamento48. Para os professores cursistas, a carga horária é de 240h, distribuídas

igualmente em duas fases.

Ainda se observa que aos participantes do Pró-Letramento é distribuído um

material49 constituído pelos seguintes documentos: dois conjuntos de fascículos (um da área

48Na etapa do revezamento, quem fez o curso sobre Alfabetização e Linguagem na 1ª etapa faz o de Matemática e

vice-versa. 49 Para este estudo analisamos a Edição 2008.

95

de Alfabetização e Linguagem e o outro de Matemática), um fascículo do tutor, um fascículo

complementar e quatro fitas de vídeo. Para não fugirmos dos objetivos desta pesquisa, não

abordaremos os fascículos de Matemática. Assim expresso, quanto ao material de

Alfabetização e Linguagem, o Programa destina sete fascículos, descritos abaixo:

Fascículo 1 aborda os conceitos de alfabetização e letramento, bem como as

principais capacidades linguísticas a serem desenvolvidas pelas

crianças nos anos iniciais da escolarização.

Fascículo 2 discute questões sobre avaliação em alfabetização e letramento, bem

como encerra sugestões de atividades avaliativas a serem realizadas em

sala de aula.

Fascículo 3 analisa a organização do tempo pedagógico e o planejamento do

ensino.

Fascículo 4 discute a importância da biblioteca escolar ou da Sala de Leitura, sua

organização e possibilidades de uso.

Fascículo 5 explora o lúdico na sala de aula com exemplos de jogos e

brincadeiras envolvendo leitura e escrita.

Fascículo 6 apresenta algumas reflexões acerca do livro didático de alfabetização

e de Língua Portuguesa em sala de aula.

Fascículo 7 aborda os modos de falar e de escrever e a integração entre essas duas

práticas e as suas relações com a aprendizagem da escrita.

Além desse conjunto de fascículos, ainda há o Fascículo do Tutor, que contém os

fundamentos para o trabalho de tutoria e o Fascículo Complementar que trata de questões

relacionadas ao processo de ensino e aprendizagem da língua escrita nos anos iniciais do

Ensino Fundamental.

Quando se faz a avaliação desse material, pode-se compreender que os fascículos

são norteados por temáticas com base em abordagens semelhantes, cujo objetivo central é

fazer com que as crianças desenvolvam a aprendizagem da leitura e da escrita na perspectiva

do letramento. Além disso, é possível observar que os fascículos também são norteados por

temas voltados para a organização do tempo pedagógico, planejamento e avaliação.

Do ponto de vista da elaboração do material, o documento oficial do Pró-

Letramento afere que ele foi produzido pelos centros das universidades (UFMG, UFPE,

UEPG, UnB, UNICAMP) que integram a Rede Nacional de Formação Continuada nas áreas

de Alfabetização/linguagem e de Matemática. Ainda revela que as universidades também são

96

responsáveis pela formação dos orientadores/tutores (profissionais dos municípios em que

ocorrerá a formação), pela coordenação de seminários e pela certificação dos participantes do

Programa. A realização do curso é feita em parceria com as secretarias de Educação estaduais

e municipais, que têm a função de coordenar, acompanhar e executar as atividades do

Programa. Assim, no que diz respeito à realização do Programa, o documento oficial expõe

que nos estados ele é executado pelos seguintes participantes:

.Coordenador Geral do Programa – profissional vinculado à

universidade, responsável pela realização do Pró-Letramento;

.Formador – preferencialmente ser vinculado à universidade

formadora e responsável pela formação dos orientadores de

estudos;

.Coordenador Administrativo do Programa – profissional da Secretaria

de Educação, responsável pela organização do Programa no

município e pela articulação entre a IES e a Secretaria de

Educação;

.Orientador de Estudos – professor (a) efetivo (a) do município que

recebe a formação da Universidade para ministrar o curso e

acompanhar os professores cursistas; e

.Professor (a) Cursista – professor (a) das séries ou anos iniciais do

Ensino Fundamental (1ª a 4ª série ou 1º ao 5º ano), que atua em

sala de aula.

Essa é a estrutura básica do Pró-Letramento, na forma como é delineada pelo

documento oficial, regedor, normativamente, tanto em relação ao planejamento como a

execução das ações materiais concretas, que inicia no âmbito do Estado e passa pelas

universidades envolvidas até chegar aos locais onde ocorrem as formações dos professores

alfabetizadores de crianças.

5.2.3 Modelo de formação e constituição teórica

Ao avaliar o corpo documental do Programa, percebemos que o modelo de

formação assumido se pauta em especial pelo objetivo de desenvolvimento profissional do

professor. Segundo o material do Pró-Letramento, esse modelo vincula a formação para a

docência ao conceito de desenvolvimento profissional, por compreender o caráter processual,

97

contínuo e de evolução que deve ocorrer no exercício da profissão. Desenvolvimento

profissional é assim definido no Guia do Tutor:

Processo concebido para o desenvolvimento pessoal e profissional dos indivíduos num clima organizacional positivo de respeito e de apoio, que tem como finalidade última melhorar a aprendizagem dos alunos e a auto-renovação contínua e responsável dos educadores e das escolas. (PARKER apud GARCIA, 1999, p.137).

Garcia (2009), em um levantamento das definições de desenvolvimento

profissional, realizado por diversos autores – como Heideman, Fullan, Day, Bredeson,

Villegas-Reimers- sintetiza que estes entendem o conceito como

[...] um processo, que pode ser individual ou coletivo, mas que deve contextualizar no local de trabalho do docente –a escola – e que contribui para o desenvolvimento de competências profissionais através de experiências de diferentes índoles, tanto formais como informais. (GARCIA, 2009, p. 10).

Referido autor é um dos pesquisadores que defende esse conceito de

desenvolvimento profissional, por acreditar ser ele é o que melhor se adapta à concepção atual

do professor como um profissional do ensino e por trazer em si a conotação de evolução e

continuidade, fato que, para ele, pode superar a tradicional justaposição entre formação inicial

e aperfeiçoamento dos professores.

Garcia (2009) assinala que desenvolvimento profissional, na perspectiva atual, se

baseia nas seguintes características: construtivismo, caráter processual e colaborativo da

aprendizagem docente, que ocorre em contextos concretos, baseados na escola e na relação

com as atividades diárias dos professores vistos como práticos reflexivos. O caráter evolutivo

do desenvolvimento profissional está diretamente ligado aos processos de mudança na

dimensão profissional e pessoal dos professores. Por isso, há uma atenção especial ao modo

como se constituem as aprendizagens docentes, bem como as condições que ajudam e

promovem esse crescimento.

O autor ainda adverte para o fato de que esse conceito se modificou nos últimos

anos, em virtude da evolução do entendimento de como se produzem os processos de

aprender a ensinar. Além disso, assevera que o desenvolvimento profissional pode se mostrar

de diferentes formas em contextos diversos. Por isso a necessidade das próprias escolas e seus

professores avaliarem suas necessidades, crenças e práticas culturais para escolherem qual o

modelo de desenvolvimento profissional mais apropriado para tais demandas. Garcia (2009)

aponta que “qualquer discussão sobre o desenvolvimento profissional deve tomar em

98

consideração o significado do que é ser um profissional e qual o grau de autonomia destes

profissionais no exercício do seu trabalho”. (GARCIA, 2009, p. 12).

Ao analisar esses pressupostos teóricos a respeito do desenvolvimento

profissional, indagamos: como eles se efetivam no Pró-Letramento? A inferência sobre tal

questão na análise do material é expressa, por exemplo, no Guia do Tutor, quando, na página

14, ao discutir a expressão desenvolvimento profissional, defende a ideia de que a formação

deve estar voltada para o avanço qualitativo das práticas e que a aprendizagem ocorre de

forma ativa, capaz de envolver aquele que aprende, e de fazer o professor participar na

medida em que compreende e ressignifica e reorganiza o contexto de seu ensino.

Assim, a formação docente é vista pelo Programa como um continuum,

estruturada para contribuir para o avanço profissional do professor em termos de

aprendizagens, novas posturas, capacidades e autonomia intelectual voltados para as

mudanças na prática pedagógica. A evolução dirigida, prioritariamente, para as mudanças no

contexto de ensino personificadas na pessoa do professor minimiza o conceito de

desenvolvimento profissional defendido por Garcia.

Com efeito, a pretendida evolução da docência e do ensino fica limitada às

questões da prática pedagógica, ao aprender a ensinar, ao saber fazer, e nega a possibilidade

de formar professores que vislumbrem um projeto coletivo de Educação e de superação das

contradições das classes sociais, ou que incorpore aspectos mais amplos do desenvolvimento

profissional do professor. Além disso, situa novamente esse profissional como o grande

responsável pelo êxito ou fracasso do seu trabalho com as crianças nas escolas básicas

municipais maciçamente frequentadas pela população infantil das classes populares, uma vez

que somente a prática pedagógica é levada em conta, desconsiderando os outros elementos do

contexto educacional e social.

Assinalamos que o Pró-Letramento toma o conceito de desenvolvimento

profissional como modelo de formação docente, apenas na dimensão teórica, mas faz uma

opção política em formar professores numa perspectiva individualista e pragmática da

profissão docente.

Em termos de política de formação docente, constitui-se, no mínimo,

problemático discutir desenvolvimento profissional sem levar em consideração todos os

contextos (políticos, sociais, acadêmicos e profissionais) que envolvem a docência. Um

processo formativo dessa natureza restringe e fragiliza a constituição dos saberes desse

profissional e o torna mero executor, um prático, profissional voltado apenas para a sua sala

de aula e para a sua evolução profissional e pessoal. Dessa forma, quando a dimensão social e

99

coletiva é excluída, essa formação não se traduz em melhores condições de trabalho e de

carreira, tampouco tem o poder de promover uma formação plena voltada para a

transformação e desenvolvimento social. Tal dimensão é imprescindível em qualquer modelo

de formação docente, principalmente se tomarmos em consideração os índices alarmantes de

analfabetismo e de exclusão social em curso no País.

Relativamente à concepção de professor, o Guia do Tutor defende a ideia de que o

professor é o sujeito central da sua formação, um interlocutor crítico, um profissional que

aprende à medida que confronta, analisa, propõe, que constitui sua autonomia profissional no

âmbito da escola e da profissão. Assim, podemos perceber que a teoria de aprendizagem

assumida pelo Programa remete diretamente à Teoria construtivista, visando à aprendizagem

do saber fazer da profissão de alfabetizador.

Outro componente da formação defendido pelo programa Pró-Letramento é o da

reflexão, embasado em estudiosos do desenvolvimento profissional. Para Garcia (1995), a

reflexão é um princípio que facilita a tomada de consciência dos professores acerca dos

problemas da prática de ensino; e que “esta analisa as causas e as consequências da conduta

docente, superando os limites didáticos e da própria aula”. (GARCIA, 1995, p. 55). Nessa

mesma linha de raciocínio o documento Guia do Tutor se desenvolve, uma vez que defende a

noção de ser fundamental que a reflexão sobre a prática seja viabilizada nas formações. De

acordo com o material,

A reflexão na docência é uma atitude imprescindível, pois permite olhar com cuidado e atenção o trabalho vivido, procurando compreendê-lo através da conexão com o conhecimento e com outras situações já experienciadas e, a partir daí, estabelecer conclusões. (BRASIL, 2008b, p. 20).

Referido material dedica toda a Unidade II do Guia do Tutor, para abordar esse

tema. Nessa seção, aborda-se o conceito de reflexão (fundamentado principalmente em

Dewey) numa perspectiva pragmática, portanto, voltada para a prática didático-pedagógica.

Por essa perspectiva, a reflexão é um movimento de tomada de consciência que ocorre em

etapas que se iniciam com a identificação do problema real a ser enfrentado, a fim de

posterior estudo (ato de pesquisa) dessa situação problemática, para finalmente reorganizar a

situação geradora da reflexão. É o conhecido movimento “ação-reflexão-ação”, assim

difundido posteriormente por Schön (1992). Em outras palavras, é a proposição de novas

práticas, fundamentadas teoricamente por meio do estudo realizado, para superar o problema

inicial localizado por meio da reflexão.

100

Ainda no documento citado, as etapas propostas por Dewey (1959) ficam assim

expressas: reflexão sobre a identificação do problema de reflexão; reflexão sobre a busca de

fundamentação no processo de reflexão e reorganização da situação inicial. Daí se pode

perceber que toda a discussão sobre reflexão, contida no material do Pró-Letramento,

direciona o ponto de visão do tutor e do professor para a prática pedagógica, na busca de sua

melhoria. A reflexão é tida como princípio em todas as fases do processo de ensino e de

aprendizagem e é assim conceituada:

Refletir implica atribuir a tais dados um significado, um sentido, relacionar-se com eles e, nesse processo, buscar entendê-los para superá-los, o que pressupõe pesquisa e estudo, seguidos de confronto e articulação com o trabalho através de um movimento de discussão consigo mesmo, com o grupo e o formador (BRASIL, 2008b, p. 24)

Nessa reflexão, a articulação entre teoria e prática é intensamente incentivada,

uma vez que defende a conexão da experiência do professor com os novos referenciais

teóricos apresentados, na busca pela constituição de novas compreensões pelo movimento de

elucidação, confronto e de análise, para, assim, possibilitar proposições de uma nova ação

(BRASIL, 2008b, p. 24).

A atitude reflexiva sobre a realidade da sala de aula é proposta pelo material do

programa (Guia do Tutor) por meio de duas estratégias: as perguntas pedagógicas e as

narrativas, ambas com caráter de problematização. As perguntas pedagógicas (O que faço?

Por que faço? Como passei a fazer de tal modo? Como posso fazer diferente?) visam à

tomada de consciência do professor com o objetivo de reconstituição da prática. A proposta é

que pela primeira pergunta pedagógica (O que faço?), o professor, por meio de uma narrativa

(relato escrito), descreva sua prática de ensino, para depois interpretá-la reflexivamente. Após

as fases de descrição e interpretação, há o momento do confronto que visa à reflexão dos

fundamentos que guiam a prática do professor, para então chegar à fase da reconstrução dos

saberes docentes com o fim de possibilitar a autonomia, o controle sobre o trabalho e uma

nova prática.

Na busca por compreender como essas fases se materializam no curso, ou seja,

como o princípio da reflexão é trabalhado nas formações, analisamos o material Guia de

Formação do Pró-Letramento (2008), documento que traz as orientações gerais para os 19

encontros presenciais do curso.50

50 Documento que apresenta os roteiros dos encontros, temas a serem explorados, objetivos e procedimentos.

101

Na leitura dessas orientações, vimos que nos encontros presenciais essa reflexão

fica limitada a algumas poucas atividades, hajam vistas a ampla demanda de estudos dos

conteúdos e brevidade do tempo. Quando ela ocorre, está diretamente relacionada à análise de

atividades desenvolvidas em sala de aula. Assim, a reflexão, princípio norteador dessa

formação em serviço é proposta para ser consolidada principalmente no estudo a distância, na

leitura do material dos cursistas – os sete fascículos de Alfabetização e Linguagem. As

reflexões sugeridas nesse material se articulam com as narrativas (relatos escritos) de

professores no documento, havidos como pontos de partida para a compreensão dos temas

estudados, além das atividades de pesquisa e reflexão propostas ao longo do material. Estas

servem como apoio para a reflexão e posterior busca de reconstituição da prática.

No que diz respeito ao ensino da leitura e da escrita, proposto pelo programa, este

se ampara nos estudos atuais acerca de linguagem, alfabetização e letramento. Apesar de não

trazer no corpo do texto os nomes dos autores das temáticas trabalhadas, que respaldam as

concepções defendidas de linguagem, apresentadas pelos documentos do Pró-Letramento,

destacamos ser esta defendida por teóricos como Bakhtin (1992), Bronckart (1999; 2006),

Marcuschi (2003; 2005), Schneuwly e Dolz (2004). Esses autores compreendem a linguagem

como algo essencialmente interativo, ou seja, uma ação entre o produtor e o receptor do texto

que atende a propósitos sociais de comunicação. A linguagem é vista como um espaço de

interação social das pessoas, que atende a finalidades diversas e seu domínio é um

imprescindível recurso utilizado nos grupos de uma sociedade. É com suporte nessa

concepção que toda a discussão teórica, contida no Fascículo I do material “Alfabetização e

Linguagem”, se estrutura.51

Esse documento traz, na página 9, a linguagem como “um sistema que tem como

centro a interação verbal, que se faz através de textos ou discursos, falados ou escritos”. Por

compreender que a linguagem se efetiva em seu uso social, a concepção de alfabetização

contida no material está diretamente relacionada ao conceito de letramento, uma vez que se

defende a promoção simultânea da apropriação do sistema de escrita alfabética, possibilitada

por atividades de reflexão acerca do nosso sistema de escrita, com o contato intenso na

produção e leitura de textos diversificados, nas vivências de práticas sociais de leitura, escrita

e de oralidade. Nesse sentido, o material traz discussões tanto acerca do conceito de

alfabetização, de letramento, quanto de ensino da língua escrita, contemplando as duas

perspectivas.

51 Essa concepção embasa também outros documentos oficiais, como os Parâmetros Curriculares Nacionais (1997)

e Guia do Programa Nacional do Livro Didático (PNLD), entre outros.

102

A concepção de alfabetização (página 10 do material) é amparada na Teoria da

Psicogênese da Língua Escrita, que caracteriza o aprendizado da linguagem escrita como um

processo ativo da criança, de construção e reconstrução de hipóteses sobre a natureza e o

funcionamento da língua escrita. Já o conceito de Letramento é demonstrado como o

resultado da ação no uso das habilidades de leitura e de escrita nas diversas práticas sociais da

sociedade.

Essa perspectiva de alfabetizar letrando é atualmente defendida por Kleiman,

(1993); Rojo (1998, 2009) e Soares (2003, 2012), entre outros. A esse respeito, Soares (2003)

argumenta que a aprendizagem da leitura e da escrita é um processo que se desenvolve por

meio de duas vias distintas, porém indissociáveis, uma das quais é o domínio da técnica

(proceder às devidas relações entre sons e letras, de fonemas com grafemas, escrever da

esquerda para direita etc.) e a outra é o uso social desse sofisticado sistema de representação

da linguagem. Apesar de serem aprendizagens distintas, pois representam objetos de

conhecimento diferentes, a aquisição e o uso da linguagem escrita mantêm uma relação

indissociável, na qual as duas devem se processar concomitantemente, sem a necessidade do

domínio de uma para posterior uso da outra. Nesse sentido, o ensino da técnica deve estar

associado a situações sociais que propiciem práticas de uso de gêneros textuais diferentes que

circulam na sociedade. Não adianta aprender a técnica e não saber usá-la – diz Soares (2003).

Nessa perspectiva de alfabetizar letrando, toda a Unidade II do Fascículo I

discute os eixos necessários para a aquisição da linguagem escrita. Segundo esse documento,

as capacidades52 linguísticas da alfabetização na perspectiva do letramento são: compreensão

e valorização da cultura escrita; apropriação do sistema de escrita; leitura; produção de textos

escritos e desenvolvimento da oralidade. Cada um desses eixos se desdobra em capacidades,

conhecimentos e atitudes que devem ser trabalhados com as crianças em sala de aula. Então, é

proposta a base de conhecimentos linguísticos necessários a alfabetizar letrando.

Essa óptica formativa de alfabetização, letramento, desenvolvimento profissional

e reflexão sobre a prática, defendida pelo Programa, direciona o docente a pensar o seu

processo formativo e a educação apenas na dimensão evolutiva individual de seu trabalho,

com objetivos de melhoria na carreira e nos problemas cotidianos de sua sala de aula.

52 Segundo o material do Programa, o termo “capacidades” foi escolhido para sua utilização na proposta em virtude de essa expressão representar um vocábulo amplo, que pode abranger desde os desempenhos mais simples da criança (como seus primeiros atos motores), até os mais elaborados (como o ato de ler, de produzir uma escrita ou um conceito abstrato). (P. 15).

103

5.2.4 Conteúdos de ensino

Por se tratar de um curso de formação docente, destinado a professores

orientadores/tutores e a professores alfabetizadores, há dois agrupamentos de conteúdos. Um

grupo proposto para a elaboração de saberes acerca da formação continuada de professores, e

outro grupo destinado ao ensino da alfabetização e linguagem. Ambos os grupos são

fundamentados na concepção interacionista, que entende a linguagem em sua função

discursiva, ou seja, como linguagem em ação, constituída socialmente na interação com o

outro. É importante destacar o fato de que os conteúdos trabalhados no material, para ambos

os grupos, estão em consonância com as pesquisas mais atuais acerca desses temas, dentro das

matrizes epistemológicas assumidas pelo Programa.

Os conteúdos de ensino, destinados aos tutores, versam sobre formação docente,

aprendizagem de adultos, desenvolvimento profissional, reflexão, educação à distância e

formação de grupos. Abordam-se os conceitos fundamentais para essas temáticas, como a

definição e concepção de formação, como adultos aprendem, etapas para uma reflexão da

prática, o que é Educação a distância, a importância do trabalho com grupos e algumas

estratégias metodológicas.

Para os professores alfabetizadores, os conteúdos de ensino estão distribuídos nos

sete fascículos de “Alfabetização e Linguagem” do material do Programa, que abordam os

conceitos de alfabetização, letramento, ensino da língua, capacidades linguísticas da

alfabetização, organização do tempo pedagógico, planejamento, avaliação, organização e uso

da biblioteca escolar, jogos na sala de aula, livros didáticos e modos de falar e escutar.

Em nossa análise, os conteúdos contidos no material sobre Alfabetização e

Linguagem constituem um arcabouço teórico, com temáticas necessárias à compreensão do

trabalho do alfabetizador em sua sala de aula, fundamentais para a formação de professores

alfabetizadores. Ademais, procede a articulações significativas desses conteúdos com prática

pedagógica, apesar da brevidade nas discussões propostas. É imperativo, no entanto, também

salientar que, por ser um curso de Educação à Distância e semipresencial, a aprendizagem

desses conteúdos requer dos cursistas (professores e tutores) uma série de esforços e

condições para os estudos teóricos e para as atividades práticas de alfabetização e letramento,

haja vista a variedade, complexidade dos temas e a limitada socialização nos encontros

presenciais. Inferimos que a quantidade e a natureza dos conteúdos requerem

aprofundamento, partilhas e interações, fato que, na estrutura com que o Programa se

apresenta, nos faz pensar a brevidade das discussões que devem ocorrer nos encontros

104

presenciais, por conta do pequeno tempo disponível para os estudos desses conteúdos e para

as atividades práticas. Outro problema que também se revela é a exclusividade dos temas

voltados prioritariamente para a prática pedagógica, excluindo dessa formação a possibilidade

de discussões coletivas, visando à melhoria da carreira e das condições de efetivação dos

trabalhos com origem nas novas aprendizagens.

Essa realidade de estudo solitária exige, então, bastante tempo para as leituras, a

superação de possíveis dificuldades de compreensão dos textos e escrita, a pesquisa em outros

materiais para aprofundamento dos conteúdos apresentados, a observação, reflexão e registro

sobre a prática, entre outros elementos. Assim, podemos inferir que, na realidade docente

vivida em nosso País, onde professores têm jornadas exaustivas de trabalho, por mais boa

vontade em aprender que tenham esses profissionais, resta pouco tempo para um estudo a

distância dessa natureza, que objetiva a aprendizagem dos conhecimentos básicos necessários

a alfabetizar letrando. Isso compromete demasiadamente a formação desses alfabetizadores,

por mais que eles tenham às mãos um material de formação de base para suas demandas

pedagógicas. Ademais, a autoformação responsabiliza exclusivamente o professor em seu

percurso de aprendizagem, comprometendo a possibilidade de compreensão de que a

Educação é uma questão social e não individual.

5.2.5 Constituição metodológica

Segundo o documento do Tutor do Pró-Letramento, esse Programa tem natureza

própria que envolve variadas instâncias (MEC, estados, municípios e redes de ensino) e que,

por envolver muitos sujeitos, a efetivação de seu trabalho precisa ocorrer na modalidade a

distância. Esta escolha sucede, segundo o material, por possibilitar uma “real democratização

do saber e amplia as oportunidades de acesso ao conhecimento, pois atinge um número maior

de pessoas em menos tempo e em diferentes distâncias”. (BRASIL, 2008b, p. 15).

Com base nessa defesa, os documentos do Programa propõem uma Educação a

distância na perspectiva da aprendizagem adulta e autônoma por parte dos cursistas, no que

tange à gerência e regulação de seu processo de aprendizagem, em que os alunos são vistos

como os sujeitos formuladores de seu percurso formativo, com as condições de conduzi-lo de

forma apropriada, adequando-o às suas demandas e possibilidades. Desse modo, dá aos

cursistas o estatuto de grandes responsáveis pelo êxito de seu desenvolvimento profissional.

A opção por esta modalidade de ensino implica que o processo de ensino-

aprendizagem se efetive por intermédio de materiais didáticos, meios tecnológicos, tutoria e

105

autoavaliação e por isso requer uma constituição metodológica apropriada à sua natureza e

aos seus objetivos formativos. Para tanto, a consecução de procedimentos do Programa

privilegiam estratégias de observação, registros escritos, socialização, trabalho em parceria e

colaborativo. Estas estratégias metodológicas foram organizadas em uma proposta de rotina

de trabalho, apontada no documento Guia de Formação do Pró-Letramento (2008), que assim

se estrutura:

1. Leitura de texto literário para os professores.

2. Discussão da rotina/pauta do encontro.

3. Organização de grupos de trabalho.

4. Leitura coletiva das páginas escolhidas ou tarefas de produção de atividades.

5. Apresentação das conclusões sobre a leitura realizada por cada grupo de

professores ou a apresentação de atividades produzidas pelo grupo.

6. Apresentação e análise de vídeo.

7. Avaliação do cumprimento da rotina.

8. Síntese final.

9. Encaminhamentos e proposição de tarefas para o encontro seguinte.

Essa estruturação de rotina privilegia o trabalho de formação de grupos, como

principal estratégia metodológica, tanto nos encontros presenciais quanto nos estudos à

distância53. Segundo o Guia do Tutor (paginação irregular), o grupo de estudos é o lugar

adequado para a partilha, reflexão coletiva, construção de saberes, de elaboração e de

reconstrução da prática. Nos grupos, o trabalho se organiza em torno da leitura compartilhada

e análise dos textos teóricos contidos nos fascículos e na elaboração de atividades de

aplicação baseados nos conteúdos estudados.

Para o trabalho desenvolvido em grupos, a tutoria é vista pelo Programa como

peça-chave, fundamental para o desenvolvimento do curso, pois é o orientador/tutor quem

proporciona as condições de uma aprendizagem autônoma aos professores cursistas. Segundo

o Guia do Tutoreste profissional será o “responsável por um conjunto de ações educativas que

contribuirão para desenvolver e potencializar as capacidades básicas dos professores em

formação, orientando-os para obterem crescimento intelectual e autonomia”. (P. 17). Na

leitura das funções desse profissional no Programa, podemos ver uma supervalorização do seu

53 Os fascículos sugerem que os professores se organizem em suas escolas para o estudo e reflexão das temáticas

abordadas pelo Programa.

106

poder de ação, pois muitas das questões enfrentadas por ele junto aos professores nas

formações ultrapassam suas condições de atuação. Um exemplo disso é que essa desejada

autonomia intelectual – tão proclamada pelo Programa - resulta de uma longa formação, das

experiências e oportunidades vividas pelos professores no decorrer de suas vidas, não algo

conquistado em encontros esporádicos de formação. Além disso, lidar com motivação

profissional remete a diversas questões, externas à formação em si, como valorização

profissional, condições de trabalho, salário etc. Por isso, colocar o tutor como o responsável

por tamanhas conquistas é negar e ignorar todos os fatores que interferem diretamente no

trabalho docente.

Em síntese, é possível constatar que o Pró-Letramento privilegia, como elementos

estruturantes da formação docente, a formação de alfabetizadores com base em cinco teorias:

a Psicogênese da Língua Escrita, o Letramento, a Linguística aplicada à alfabetização, o

desenvolvimento profissional e o professor como um prático reflexivo. Para tanto, privilegia

estratégias metodológicas envolvendo a articulação, teoria e prática por meio de relatos

escritos reflexivos e perguntas pedagógicas, as quais ocorrem por meio do trabalho coletivo e

colaborativo viabilizado pelo trabalho em grupos.

Na análise do Pró-Letramento, podemos afirmar que referido Programa, segundo

seu material, intenciona formar professores alfabetizadores que tenham autonomia intelectual

para investirem em seu desenvolvimento profissional, a fim de ter condições para criar e

organizar situações didáticas para o ensino da leitura e da escrita na perspectiva do

letramento, para serem capazes de refletir sobre a sua prática, à medida que mobilizam seus

conhecimentos. O estudo dos documentos do Programa,no entanto, nos faz inferir que a

conquista desses objetivos pelo professor alfabetizador se traduz num percurso solitário e

difícil, haja vista o enfrentamento das dificuldades em uma realidade comumente conhecida,

bem como pela estruturação e perspectiva do modelo de formação adotado.

Tal avaliação, também, é apontada em algumas pesquisas de mestrado e

doutorado (ROCHA, 2009; ALFRERES, 2009; LÚCIO, 2010; MARTINS, 2010; LUZ, 2012;

entre outros) acerca das repercussões do Pró-Letramento na formação continuada de

professores alfabetizadores. Por exemplo, a investigação de Alferes (2009) aponta que o

Programa é necessário, pois contribui para uma consistente instrumentalização teórica-prática

para o alfabetizador, mas salienta a ação individual dos professores. Para a autora, o Programa

não é suficiente, pois está descontextualizado de outros aspectos fundamentais para a

promoção de uma educação de qualidade.

107

No conhecimento de Lucio (2010), a análise dos resultados permitiu concluir que,

apesar dos imperativos neoliberais que permeiam a política de formação a distância e dos

inúmeros desafios, formar, nessa modalidade, é um movimento que contribui para a

constituição de um quadro de formação de formadores nas redes estaduais e municipais de

ensino, contribuindo para a composição de uma rede de apoio local à prontidão permanente de

professores alfabetizadores.

Em outra pesquisa, Luz (2012) evidencia que o Programa trouxe melhorias para a

atuação profissional na dimensão pragmática da alfabetização, pois possibilita melhor

compreensão do saber-fazer do alfabetizador. Essa melhoria não traz, no entanto, mudanças

para a carreira e condições de trabalho, pois está pautada em uma perspectiva pragmática e

individualista de formação continuada.

Pelo estudo comparativo aqui realizado, comungamos de todos os resultados de

pesquisa expressos anteriormente, mas assinalamos que o Pró-Letramento em relação ao

PROFA trouxe avanços na constituição teórica do Programa. A compreensão dos autores dos

materiais, em relação à concepção de linguagem vista como algo que se efetiva em seu uso

social, comunga dos estudos acerca do letramento – tema de relevo para a alfabetização. Isto

promoveu a defesa mais incisiva do ensino simultâneo da apropriação do sistema de escrita

alfabética e da vivência de práticas sociais de leitura e escrita. Também é forçoso destacar, no

entanto, a ideia de que o Programa desconsidera importantes discussões acerca das condições

objetivas e subjetivas do trabalho docente, como as condições de trabalho e de tempo dos

professores, as realidades das classes sociais de alunos e professores etc.

108

5.3 Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa (PNAIC)

5.3.1 Contextualização histórica

Dilma Rousseff, do Partido dos Trabalhadores (PT), eleita em 2010 como a

primeira mulher presidente do País. Em seu plano de governo, estabelece como meta garantir

a educação para a qualidade social, a cidadania e o desenvolvimento. Para tanto, promete

como propósito de seu mandato a erradicação do analfabetismo. Assim, em 2012, lança o

PNAIC, como continuidade de outros programas elaborados pelo Governo Lula (2003-2010),

no atendimento da antiga agenda de acordos internacionais acerca de medidas para a melhoria

da Educação Básica, investindo prioritariamente nas áreas de português e matemática dos

anos iniciais do Ensino Fundamental.

Os acordos internacionais nessa área se caracterizam pelo fato de se pautar pelos

seguintes objetivos intercalados: contribuir para a qualificação da força de trabalho perante os

processos de reestruturação produtiva, favorecer o crescimento econômico sustentado e

promover a redução da pobreza. Esses aspectos colaboram, definitivamente, para o conceito

de Educação escolar, atrelado aos interesses econômicos transpostos ao desenvolvimento

social, conceito firmado em um modelo mercadológico de política educacional, que tem como

componentes estruturantes a competitividade, a produtividade e o individualismo

(NOGUEIRA, 2012).

Ao vir à tona nesse contexto, o PNAIC encontra-se vinculado ao que é proposto

pelas políticas educacionais expressas no Plano de Desenvolvimento da Educação (BRASIL,

2007b) no seu inciso II artigo 2º, igualmente no Plano de Metas Compromisso Todos pela

Educação (BRASIL, 2007) na sua II diretriz, e no novo Plano Nacional de Educação, na meta

5, aprovado e sancionado pelo Governo Federal em 2014 (BRASIL, 2014). Referidos planos

estatais propõem assegurar o acesso de todas as crianças a uma educação básica de qualidade,

com efetivas condições de alfabetização e êxito escolar. Para esse objetivo, conclama a união

política da sociedade em seus diversos segmentos: corporações capitalistas atuantes na

economia brasileira; poderes municipais, estaduais e federais e representantes de organizações

da sociedade civil. Em outras palavras, o Governo, dessa forma, seguindo orientações dos

acordos internacionais, busca consolidar duas diretrizes de fundo: a parceria público-privada

no espaço da escolarização pública e, nessa base, a efetivação de políticas educacionais de

formação docente para a alfabetização em Português e Matemática de crianças dos anos

iniciais do Ensino Fundamental.

109

No plano político-ideológico, no entanto, o discurso se expressa por outros

parâmetros. Por exemplo, a presidente Dilma Rousseff, em discurso de lançamento do

referido Programa, se valeu de um mote clássico para justificar sua política, ao acentuar que o

quadro atual de desigualdade no País é preocupante. Portanto, para a Presidente, o “PNAIC é

o caminho fundamental para a igualdade". Igualdade que passa pela linha da escolarização e

da alfabetização das crianças; dinâmica que necessita de uma eficiente formação de

professores alfabetizadores competentes. Assim o PNAIC é lançado como promessa de

promover a igualdade, na medida em se propõe a formar professores para alfabetizar as

crianças na “idade certa”, ante os baixos desempenhos em Leitura, Escrita e Matemática,

expressos nas avaliações oficiais do País.

É importante destacar o fato de que o PNAIC se serve da experiência comum a

dois programas precedentes, igualmente destinados à formação de alfabetizadores, para

incrementar as redes de escolas públicas municipais. Um deles é de abrangência nacional, o

Pró-Letramento. O outro é de âmbito estadual, o Programa Alfabetização na Idade Certa

(PAIC),54 realizado no Estado do Ceará desde 2007 e ainda em andamento. Quando se faz

uma análise comparativa, pode-se constatar que, da experiência e da estrutura político-

organizacional-padrão destes programas, o PNAIC extraiu e absorveu vários elementos

importantes, entre eles: componentes curriculares atendidos (Linguagem e Matemática);

modelo de estruturação, com seus eixos de atuação; modelo de formação dos

orientadores/tutores e professores alfabetizadores; concepções teóricas e metodológicas,

premiações aos professores e escolas, entre outros.

A avaliação dessas experiências tornou-se base de orientações para políticas

públicas do Governo Federal. No Ceará, por exemplo, do período de implantação do PAIC até

a criação do PNAIC (2007-2012), a média global dos alunos do 2º ano, nas áreas de leitura e

escrita, cresceu. Segundo os dados do Sistema Permanente de Avaliação Básica (SPAECE-

Alfa), o Ceará avançou na erradicação do analfabetismo. Em 2007, dos 184 municípios

cearenses, somente 48 estavam em situação de “suficiente” ou “desejável” de

alfabetização.55Em 2012, todos os municípios do Estado se encontravam em situação de

“suficiente” ou “desejável”. Na contextura nacional, o Pró-Letramento repercutiu resultados

positivos. Nesse âmbito, o IDEB evidenciou melhoria do sistema escolar brasileiro. Em 2007,

54 Como optamos por analisar apenas programas de abrangência nacional, o PAIC não foi selecionado por se tratar

de um programa estadual. 55 O sistema de avaliação SPAECE-Alfa, categoriza seus resultados conforme os seguintes perfis de proficiência

em leitura e escrita: desejável, suficiente, intermediário; Como também: alfabetização incompleta, e não alfabetizado.

110

o índice foi de 4,2, e, no ano de 2009, se atingiu o índice de 4,6 nos anos iniciais do Ensino

Fundamental – isso quando as metas estipuladas pelo Governo foram de 3,9 e 4,2, para os

respectivos anos.

É preciso considerar, no entanto, que esses índices quantitativos não traduzem a

realidade fatual dos processos de aprendizagem em leitura e escrita das crianças, na forma

como os seus professores e gestores escolares esperam. A melhoria dos índices evidencia que

houve um crescimento, mas esses números são apenas indicadores de curvas no gráfico

estatístico. Não traduzem a real condição de aprendizagem das crianças das classes populares

nas redes escolares municipais, nem a real condição de realização dos processos pedagógicos

no chão da escola por seus professores e gestores. Além disso, os indicadores estatísticos

promovem acirrada competição entre turmas de crianças, professores, instituições,

profissionais, municípios e estados - que aparecem em ordem de classificação de acordo com

as notas obtidas, fato que promove obstinada corrida por melhores resultados, fragilizando o

processo de avaliação, à medida que descaracteriza o seu real sentido. Assim, utilizam-se

dessas avaliações para direcionar o processo de ensino, para a preparação e realização das

provas, e não para o processo de aprendizagem em si, tendo a avaliação como aliada e recurso

de retorno e retroalimentação de práticas pedagógicas necessárias à construção dos

conhecimentos das crianças e professores.

Trojan (2013) assevera que a base desses sistemas oficiais de avaliação é a

competitividade. Por esse pretexto, não oferece subsídios necessários para as políticas

educacionais diminuírem as desigualdades e diferenças regionais e institucionais, mas sim,

evidenciá-las, torná-las explícitas. Para a autora, os resultados expressos nessas avaliações

ensejam uma classificação que repercute e influi na concessão de recursos e benefícios,56

como também em modelos de representações de qualidade do trabalho desenvolvido pelas

escolas e professores, perante famílias e estudantes.

Outro fato igualmente merecedor de destaque é que essas avaliações,

padronizadas em larga escala, tornam-se verdadeiros instrumentos de regulação e controle

docente por parte do Estado, pois a medição do desempenho estudantil insurge como

“prestação de contas” à sociedade e como avaliação do desempenho dos docentes. Assim, à

medida que o Estado dispõe dos resultados, os seus gestores podem justificar “pacotes” de

programas, controle de propostas curriculares, concepções teóricas e metodológicas, modelos

56 Em escola Nota 10, há premiações para a escola e os professores.

111

de formação e de trabalho docente. O PNAIC surge e se justifica orientado também por meio

dessas intenções.

O Programa está tendo continuidade no segundo mandato de Dilma Rousseff

(2015-2018) e é objeto de alterações em virtude de ajustes financeiros decorrentes da forte

crise econômica que o País enfrenta. Em 2015, expressivos cortes de recursos a diversos áreas

sociais do País foram realizados, ocasionando várias reformulações e adaptações. A

Educação, todas as suas instâncias e programas, também são vitimados por essas

circunstâncias. E na mesma proporção, o PNAIC.

5.3.2 Objetivo e caracterização dos materiais

Lançado em 2012, O Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa (PNAIC)

diz volver-se por um compromisso formal estabelecido entre Governo Federal, estados e

municípios. Segundo o Caderno de Apresentação do Programa, a intenção de sua criação

decorreu do fato de que fosse assegurada uma reflexão mais minuciosa sobre o processo de

alfabetização e acerca da prática docente. O documento assegura que o principal objetivo do

PNAIC é a “alfabetização de todas as crianças, até os oito anos de idade, ao final do 3º Ano

do Ensino Fundamental”. (BRASIL, p. 5, 2012e).

Do ponto de vista de sua organização política, o site oficial do PNAIC, por

exemplo, menciona que o Pacto representa a articulação de ações diversas, programas e

recursos materiais do MEC, já antes voltados para a alfabetização e letramento. Assim,

observa-se, pelos documentos oficiais, que, organizado por essa articulação, o PNAIC se

distingue dos programas anteriores, mediante oito tipos de investimentos, conforme adiante

expresso:

1 Aumento de materiais didáticos a serem disponibilizados nas salas de aula dos

três anos iniciais do Ensino Fundamental.

2 Formação continuada de orientadores de estudo e de professores alfabetizadores,

com incentivos (bolsas de estudo) a esses profissionais para participar das

formações.

3 Gestão e monitoramento do Programa, em colaboração com os estados e

municípios.

4 Mobilização da sociedade e da comunidade escolar.

5. No monitoramento de conselhos de Educação e escolares.

112

6 Aplicação de avaliações diagnósticas (Provinha Brasil), realizados pelas

próprias redes de ensino.

7 Realização de avaliações externas aplicadas anualmente ao final do 2º e 3º anos.

8 Incentivo para as escolas que avançarem mais em seus desempenhos relativos à

aprendizagem da leitura e da escrita.

Ainda em seus documentos de apresentação, o Pacto defende a integração de

ações que visam à alfabetização e ao letramento de crianças no primeiro “ciclo de

alfabetização”,57 com o objetivo de contribuir para a redução da distorção idade-série e para a

elevação do índice de desenvolvimento da Educação Básica no Brasil.

Também, segundo as informações oficiais sobre o PNAIC, propaga-se a ideia de

que estão sendo desenvolvidas várias ações, entre as quais o debate acerca dos direitos de

aprendizagem das crianças do “ciclo de alfabetização”; os processos de avaliação e

acompanhamento da aprendizagem das crianças; o planejamento e avaliação das situações

didáticas; o conhecimento e uso dos materiais distribuídos pelo Ministério da Educação,

voltados para a melhoria da qualidade do ensino no ciclo de alfabetização.

Para poder levar a cabo todo esse rol de intenções, objetivos, investimentos e

ações, os criadores e gestores oficiais do Programa decidiram estruturá-lo em quatro eixos de

atuação. O primeiro diz respeito à formação continuada presencial para professores

alfabetizadores e seus orientadores de estudo. O segundo beneficia a produção de materiais

didáticos, obras literárias e de apoio pedagógico, além de jogos e tecnologias educacionais. O

terceiro eixo organiza avaliações externas anuais aplicadas pelo INEP. O quarto eixo se

destina a ações voltadas para a gestão, mobilização e controle social. Esses eixos são

representados por um diagrama. (Confira Figura 1).

Observa-se que o Eixo Formação Continuada de Professores Alfabetizadores se

estrutura no formato de dois cursos, baseados na mesma experiência do programa Pró-

Letramento. Um é destinado à formação de orientadores de estudo e o outro aos

alfabetizadores. Os orientadores58 são os responsáveis por um conjunto de ações educativas

junto aos professores, com a função de “acompanhar as atividades, motivar a aprendizagem

57 Segundo Barreto; Sousa, (2005), no Brasil, a denominação “ciclo” é recente. Ela surge em meados dos anos

1990. Desde então, passaram a ser chamados de: básico, de alfabetização, de progressão continuada, de formação etc. O chamado primeiro ciclo de alfabetização, equivale aos três primeiros anos do Ensino Fundamental. Segundo o Programa, este é considerado o tempo necessário para que as crianças consolidem suas aprendizagens sobre o sistema de escrita, produzam e compreendam textos orais e escritos com autonomia.

58 O PNAIC recomenda que esses orientadores sejam professores das redes, e que sejam escolhidos entre a equipe de tutores formados pelo Pró-Letramento em seus municípios ou estados.

113

do cursista, orientar, apoiar, questionar e promover seu crescimento em cada uma das etapas

do processo de ensino, proporcionando-lhe condições de uma aprendizagem autônoma”.

(GUIA, p. 16).

Figura 1: Eixos de atuação - PNAIC

Fonte: BRASIL. MEC ( 2012, p. 11).

Quanto à formação dos orientadores (realizada pelas universidades parceiras),59 o

Programa estipula que ela deve ter a duração de 200 horas-aulas de estudo60. Essa carga

horária é estruturada pelo Programa da seguinte forma: 1 Curso inicial de 40h, no qual deve

ser discutida a necessidade de desenvolver uma cultura de formação continuada, buscando

propor situações que incentivem a reflexão e a construção do conhecimento como processo

contínuo de formação docente. 2 Mais quatro encontros de formação de 24h cada, para

ampliação dos estudos, planejamento das formações dos professores e avaliação das ações. 3

Ainda estabelece dois seminários para socialização das experiências (um de 8h, realizado no

próprio município do orientador, e outro de 16 h, entre os participantes de cada estado). Além

disso, o programa fixa mais 40h referentes a momentos de estudo, planejamento e realização

de atividades realizadas pelo orientador. (BRASIL, 2012e, p. 29).

Enquanto para a formação dos alfabetizadores o Programa impõe um curso

presencial com carga horária de 120 horas por ano (dois anos de curso), distribuídas em

quatro cursos destinados a professores do 1º, 2º e 3º anos, e outro para professores de turmas

59 Em anexo, a relação completa dessas universidades. 60 Esta carga horária descrita equivale à etapa de 2013. Em 2014, houve um aumento de tempo, em virtude da

inclusão da área de Matemática e em 2015 houve uma redução de 50% da carga horária nas formações, em função dos cortes de verbas.

114

multisseriadas, diz o Programa que estes cursos mantêm similaridades. Estas ocorrem em

razão das temáticas centrais abordadas nas formações. De acordo com o caderno de

Apresentação do PNAIC, o que diferencia um curso do outro são as particularidades na forma

como essas temáticas são abordadas, em razão das especificidades de cada um dos três

primeiros anos do Ensino Fundamental.

O Programa ainda delineia que o Eixo Materiais Didáticos e Pedagógicos

consolida um conjunto de recursos destinados à alfabetização. Esses são descritos da seguinte

forma: livros didáticos e dicionários de Língua Portuguesa distribuídos nas escolas pelo

PNLD; obras pedagógicas complementares aos livros; jogos pedagógicos de leitura e escrita e

tecnologias educacionais direcionadas à aquisição do sistema de escrita alfabética. E daí o

documento oficial diz que o Programa prevê o aumento na quantidade de materiais

disponibilizados às escolas, cujo cálculo é realizado em função do número de turmas de

alfabetização do 1º, 2º e 3º anos do Ensino Fundamental. Faz essa ressalva porque, antes do

PNAIC, o cálculo da quantidade de materiais era por escola e não por turma.

No que diz respeito ao Eixo Avaliação, observa-se que as avaliações se

organizam sob três modalidades: 1. Processual, realizada pelos próprios alfabetizadores junto

aos seus alunos ao longo do ano e discutida nas formações. 2. Diagnóstica (Provinha Brasil),

aplicada também pelos professores, no início e ao final do 2º ano, e 3. Externa universal,

concertada pelo INEP, ao término do 3º ano. Com ligação a estas avaliações, o Programa

prevê premiações para os professores, escolas e redes de ensino que mais se destacam em

termos de desempenho de resultados em leitura e escrita.

Por fim, há o Eixo Gestão, Controle Social e Mobilização. Conforme o

Programa, este é responsável pela gestão institucional do pacto nacional pela “alfabetização

na idade certa”. Referido eixo é formado por quatro instâncias: 1. Um Comitê Gestor

Nacional. 2. Uma Coordenação Institucional em cada estado, com representação de diferentes

entidades, que desenvolvam funções e mobilizações que atendam aos objetivos do pacto. 3.

Uma Coordenação Estadual, pelas secretarias de educação dos estados, cuja função é efetivar

e monitorar as ações em suas redes. 4. Uma Coordenação Municipal, responsável pelas ações

em cada município.

Essa é a estrutura político-organizacional-padrão do PNAIC, na forma como o

programa por ele mesmo se descreve e se concebe oficialmente; porém, para essa estrutura

tornar-se ação concreta na vida das escolas, foram organizadas, segundo o site oficial, quatro

etapas de realização do pacto nacional.

115

Na primeira (em 2012), foram destinadas várias ações. Entre elas, a adesão ao

PNAIC pelos estados, Distrito Federal e municípios; a aquisição de materiais e

descentralização para universidades formadoras; a constituição da rede de orientadores de

estudo e início de sua formação; a entrega dos materiais didáticos aos estados e municípios

participantes e desenvolvimento de sistemas (Portal de Gestão da Estratégia, Sistema de

Coleta de Resultados da Provinha Brasil, Sistema de Monitoramento da Formação).

Na segunda etapa, 2013 a 2014, o Programa diz ter se dedicado à formação dos

orientadores de estudo e à formação presencial de todos os professores de 1º, 2º e 3º anos do

ensino fundamental nos estados e municípios participantes, na área de Português. Também

dedicou tempo para aplicação da Provinha-Brasil no início do 2º ano e, de igual modo, se

voltou para a aplicação da avaliação externa universal ao final do 3º ano letivo e efetivação da

metodologia e do portal da gestão e monitoramento.

Em 2013, ocorreu a primeira edição da Avaliação Nacional da Alfabetização

(ANA)61 com alunos matriculados no 3º ano do Ensino Fundamental das escolas participantes

do PNAIC. Esta avaliação, no entanto, de larga escala disponibiliza os resultados apenas às

escolas, com a justificativa de que com esse procedimento evitará comparações e/ou prejuízos

às crianças. Referida avaliação utilizou instrumentos variados e, segundo o site, tem os

seguintes objetivos: aferir tanto o nível de alfabetização e letramento em Língua Portuguesa e

alfabetização em Matemática, quanto às condições das instituições (gestão escolar e

organização do trabalho pedagógico, entre outras temáticas) em que as crianças estão

vinculadas.

Na terceira etapa, ocorrida em 2014, previu-se a continuidade da formação dos

professores iniciada em 2013, agora integrando nas formações a área de Matemática, com

aumento da carga horária do curso. Também foi prevista outra aplicação da Provinha Brasil e

da avaliação externa.

Por fim, na quarta etapa, prevista oficialmente para iniciar em abril de 2015, o

Programa informa em seu site oficial, que trará a ampliação para as demais áreas do

conhecimento, de forma integrada, abrangendo as áreas de Arte, Ciências Humanas e da

Natureza, de modo a promover a Educação integral das crianças; no entanto, apesar de

estarmos no último trimestre do ano, esta etapa ainda não iniciou.

61 De acordo com o site oficial do Programa foram gastos nessa avaliação R$ 150 milhões pelo Governo Federal.

116

Está programada novamente a aplicação da Provinha Brasil e da avaliação externa

universal. Sobre a quarta etapa, vale ressaltar que a Avaliação Nacional da Alfabetização

(ANA) foi cancelada, em virtude do corte de gastos implementado pelo Governo Federal.

Ainda segundo o site do Programa, todos os participantes do PNAIC passam por

avaliações mensais. Tanto avaliam como são avaliados. A seguir, um quadro com a

estruturação das avaliações:

Tabela 3: Estruturação de Avaliação Mensal

PERFIL É AVALIADO POR AVALIA QUEM?

Coordenador Geral --- Coordenador Adjunto

Coordenador Adjunto Coordenador Geral Supervisor

Supervisor Coordenador Adjunto Formador

Coordenador Local

Formador Supervisor

Avaliação complementar:

orientador de estudo

Orientador de Estudos

Coordenador Local Supervisor

Avaliação complementar:

orientador de estudo; Professor

Alfabetizador

Orientador de Estudos

Orientador de Estudos Formador; Coordenador Local

Avaliação complementar:

Professor Alfabetizador

Professor Alfabetizador

Avaliação complementar:

Formador; Coordenador Local;

Autoavaliação.

Professor Alfabetizador Orientador de Estudos Avaliação complementar:

Coordenador Local; Orientador de

estudos; Autoavaliação.

Fonte: BRASIL. MEC (2012).

Segundo o documento anteriormente citado, a avaliação realizada pelos

participantes do Programa obedecem os seguintes critérios: frequência, atividades realizadas e

monitoramento das ações previstas para cada etapa. Isto é uma etapa crucial para a aprovação

e pagamento das bolsas. A perspectiva de monitoramento utilizada se aplica somente aos

orientadores de estudos, coordenadores locais e formadores, e diz respeito ao preenchimento

das informações mensais dos bolsistas de suas equipes. Para isso, o Programa possui o

sistema SisPacto, disponibilizado pelo Sistema Integrado de Monitoramento, Execução e

Controle (SIMEC). Segundo o site do Programa, os principais profissionais envolvidos na

execução das ações do PNAIC terão acesso ao sistema de forma gradativa.

117

Com relação aos materiais didáticos utilizados, podemos perceber que os

elaboradores e gestores do PNAIC deram grande ênfase a esse tipo de recurso, tanto para as

formações, quanto para o uso nas escolas. De fato isso chama a atenção de quem analisa os

materiais do referido Programa. Nesse sentido, com relação ao material didático, o Programa

disponibiliza aos seus cursistas os seguintes documentos:

Tabela 4: Materiais do PNAIC

MATERIAL DESCRIÇÃO

Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa -

Formação do Professor Alfabetizador: Caderno de

Apresentação

Caderno com informações e princípios gerais sobre o

Programa de Formação do Professor Alfabetizador, no

âmbito do Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade

Certa.

Formação de professores: princípios e estratégias

formativas

Caderno de reflexão sobre formação continuada de

professores e apresentação dos princípios sobre

formação docente adotados no Programa e orientações

didáticas aos orientadores de estudo.

8 Cadernos das unidades (para cada curso) Oito cadernos para cada curso (32 cadernos ao todo),

com textos teóricos sobre os temas das formações,

relatos de professores, sugestões de atividade, dentre

outros.

Caderno de Educação Especial -

A Alfabetização de Crianças com deficiência: uma

proposta Inclusiva

Caderno com texto de discussão sobre Educação

Especial.

Caderno de Educação no campo – A alfabetização de

crianças com deficiência: uma proposta inclusiva

Caderno com texto de discussão sobre Educação no

campo.

Portal do Professor Alfabetizador Portal com informações sobre as formações e

materiais para os professores alfabetizadores.

Livros didáticos aprovados no PNLD Livros adotados nas escolas dos professores

alfabetizadores. Na formação, são realizadas

atividades de análise dos livros e de planejamento de

situações de uso do material.

Livros de literatura adquiridos no PNBE e PNBE

Especial

Obras literárias das bibliotecas das escolas, adquiridos

por meio do Programa Nacional de Biblioteca da

Escola.

Obras Complementares adquiridas no PNLD - acervos

complementares

Livros adquiridos por meio do Programa Nacional do

Livro Didático.

Jogos e software de alfabetização

Material de apoio à alfabetização

Fonte: BRASIL.MEC ( 2012e, p. 34).

118

Além desse material, também foi previsto pelo programa o aumento da quantidade de

livros e jogos entregues às escolas por turma.

5.3.3 Modelo de formação e constituição teórica

De acordo com o Caderno de Apresentação do Programa, são objetivos da

formação preparar professores para contribuir na aprendizagem de conhecimentos diversos

necessários ao professor alfabetizador (BRASIL, 2012e, p. 31). A respeito desses

conhecimentos, é possível perceber vários temas correlacionados, como a alfabetização na

perspectiva do letramento, currículo, avaliação, inclusão de crianças, recursos didáticos,

literatura, jogos e brincadeiras, formas de agrupamento, análise e planejamento de projetos e

sequências didáticas.

O documento Formação de professores no Pacto Nacional pela Alfabetização na

Idade Certa (BRASIL, 2012f, p. 20) defende que a formação continuada deve considerar três

pilares no desenvolvimento de suas ações: a concepção de professor como sujeito autônomo,

inventivo, produtivo e elaborador de suas práticas; a reflexão de suas práticas e, por fim, levar

os docentes a buscar opções educativas para favorecer mudanças na realidade educacional e

social. Relacionados a tais objetivos, apresenta, como princípios gerais da formação

continuada, a prática da reflexividade, a mobilização dos saberes docentes, a constituição da

identidade profissional, a socialização, o engajamento e a colaboração. Percebemos que a

concepção de professor, como sujeito de seu processo de aprendizagem, é novamente

reforçada nessa política de governo. Do mesmo modo, a concepção de formação como

processo contínuo “que visa contribuir tanto para o crescimento pessoal, como profissional”

do professor (BRASIL, 2012f, p. 28). Para isso, acrescenta a necessidade de levar em

consideração as dimensões culturais e subjetivas dos professores. Apesar de não defender

textualmente um determinado tipo de modelo de formação, podemos inferir, com base em

várias passagens dos documentos e nos princípios gerais da formação continuada

apresentados, que o modelo optado pelo PNAIC se assemelha aos pressupostos teóricos da

Teoria do desenvolvimento profissional.

No que diz respeito às concepções de alfabetização e de letramento defendidos

pelo Programa, estas também são as mesmas do Programa Pró-Letramento. Os processos de

alfabetização e de letramento são defendidos pelos dois programas de acordo com a

concepção dialógica da linguagem, entendida como locus de interação dos sujeitos. Estes são

119

compreendidos como agentes sociais, que, por meio das interlocuções, são viabilizadas as

trocas de experiências e de conhecimentos. Nessa direção, a premissa básica do ensino da

Língua Portuguesa é a utilização da linguagem como instrumento de interação social. E assim

os textos que são a linguagem em uso, organizados em determinados gêneros textuais, passam

a ser, na escola, tanto objetos de ensino quanto de aprendizagem. É essa concepção de

linguagem que se exprime nas discussões teóricas dos cadernos de formação do PNAIC. Com

relação à proposta de formação, o PNAIC segundo seu site62, se baseia em cinco princípios

centrais:

Currículo inclusivo, que defende os direitos de aprendizagem de todas as

crianças.

Integração entre os componentes curriculares.

Foco na organização do trabalho pedagógico.

Seleção e discussão de temáticas fundantes em cada área de conhecimento.

Ênfase na alfabetização e no letramento das crianças.

A análise dos materiais revela que, esses princípios orientam as discussões

teóricas e metodológicas mostradas nos cadernos de formação do Programa, apesar de uns se

expressam mais enfáticos, como o de “ênfase na alfabetização e no letramento”, outros de

forma menos incisiva, por exemplo, o de “Currículo inclusivo”.63 O princípio intensivamente

utilizado em todo o material é “Ênfase na alfabetização e no letramento”. Isto pode ser visto

claramente em todos os cadernos/unidades (1 a 8 - do Ano 1). Cumpre registrar a ideia de que

mesmo nas sugestões de trabalho com outras áreas, em uma busca de integralização

curricular, o foco específico dos relatos está em atividades que visam à apropriação do

sistema de escrita, leitura, produção de textos escritos e orais, como ênfase no trabalho

pedagógico a ser realizado.

Como exemplo, trazemos o texto Relatando experiências: a diversidade textual

em sala de aula, páginas 15 a 29, quando este contém relatos de experiências desenvolvidas

por professores de escolas públicas do Recife, em que planejaram “conjuntamente o projeto

didático ‘Meu bairro, quantos lugares!’, na intenção de refletir com os alunos sobre os

62 http://www.pnaic.fe.unicamp.br/noticia/comunicado-do-mec-sobre-o-pnaic-2015 63 Citado princípio tem a discussão centrada em um caderno dedicado à temática, e em passagens dispersas ao

longo das unidades, em que localizamos terminologias ou lembretes da necessidade de uma prática voltada para a diversidade dos alunos e/ou inclusiva.

120

elementos que compõem o bairro onde moram[...], com a finalidade de integrar diversos

componentes curriculares Língua Portuguesa, História e Geografia”. (p.15). O material indica

que o tema bairro possibilita o trabalho com as categorias lugar, paisagem, território, como

forma de estudar o espaço geográfico, na compreensão de que são “espaços onde as pessoas

têm vínculos mais afetivos e subjetivos, que racionais e objetivos” (p.16). Apesar de serem

abordados conteúdos da área da Geografia, no entanto, o que se destaca no material é o

trabalho realizado visando à escrita de palavras ou produção de textos. Na página 17, quando

a professora conta que numa atividade em que tinha como objetivo ativar os conhecimentos

prévios dos alunos sobre a rua em que moram, a atividade realizada logo após a conversa foi a

escrita de uma lista do que as crianças encontravam na rua. E segundo a professora: “Os

alunos foram ditando letra por letra com o meu auxílio, refletindo sobre as letras que

compõem cada palavra listada: CASA, AVENIDA, PRAÇA, PRAIA, RIO. Após a escrita

destes nomes, pedi que as crianças completassem um quadro com a quantidade de letras e

sílabas”. (p. 17).

Esta constatação é recorrente na análise dos relatos dos cadernos de formação.

Independentemente da área de conhecimento ou da temática, a lógica é sempre a mesma: a

centralidade no ensino da leitura e da escrita. Todo o restante do trabalho pedagógico, com as

distintas áreas do conhecimento, parece ser apenas um pretexto para ensinar a ler e a escrever.

Destacado princípio também é expresso nos “Direitos de Aprendizagens” no ciclo

da alfabetização. No que diz respeito ao ensino da Língua Portuguesa, é oportuno lembrar que

o material do Programa apresenta uma fundamentação teórica na perspectiva do letramento e

na concepção dialógica da linguagem.64Esses direitos foram divididos em quatro eixos:

Leitura, Produção de textos escritos, Oralidade, Análise Linguística (discursividade,

textualidade e normatividade; Apropriação do sistema de escrita alfabética).

Estas opções teóricas requerem do ensino uma utilização da língua como

instrumento de interação social, viabilizada por meio de práticas sociais de leitura e escrita de

variados gêneros textuais. Nessa direção, espera-se que a exploração dos gêneros textuais na

escola se efetive por meio de duas dimensões - que não podem ser dissociadas, pois estão

imbricadas uma na outra: o trabalho pedagógico do ponto de vista do “texto” e do “gênero

64 Um exemplo dessa opção pode ser visto no documento “ Planejamento escolar: alfabetização e ensino da

Língua Portuguesa” - Unidade 02 – Ano 1: “ (...) tomamos os usos dos gêneros textuais como ponto de partida para a prática pedagógica, com o objetivo primeiro de propiciar a vivência destas práticas também em ambiente escolar e despertar nossos alunos para além dos muros da escola. Ensinar por meio dos gêneros textuais significa promover um ensino voltado para a vida, que propicie verdadeiramente a formação do cidadão participativo das práticas sociais que envolvem a cultura escrita”. (p. 08)

121

textual”. Isso significa vincular na prática pedagógica questões específicas ao texto, que

visam à exploração do ponto de vista linguístico e da compreensão das ideias; e outra às

questões específicas do gênero, objetivando reflexões acerca dos aspectos sociodiscursivos

(como a finalidade, destinatário, suporte, espaços de circulação...) e das características

textuais.

Tal análise se faz necessária haja vista a importância que têm esses direitos para o

programa e, por sua vez, no cotidiano das escolas, pois estes são sugeridos como “pontos de

partida” para o desenvolvimento do ensino; centrais para os desdobramentos procedimentais

na sala de aula, assim como para organização dos conteúdos a serem avaliados. Ao examinar

o modo como essa concepção de linguagem e a abordagem de ensino se materializam nos

direitos de aprendizagem, que, por sua vez, têm desdobramentos no trabalho pedagógico dos

alfabetizadores, vislumbramos algumas incoerências. Por exemplo, quando se faz uma análise

mais apurada dos direitos de aprendizagem de Língua Portuguesa, expressos nos materiais do

Programa, podemos perceber uma ênfase nos aspectos relacionados à estrutura e à

compreensão do texto (nos eixos leitura e produção de textos escritos, por exemplo),

relegando o trabalho destinado ao gênero textual abordado (função sociodiscursiva).

Isto pode ser observado nos direitos de aprendizagem de Língua Portuguesa -

Eixo Leitura, apresentados na página 33 da Unidade 01, do Ano 01 - Caderno Currículo na

alfabetização: concepções e princípios. Podemos constatar que, dos 19 direitos descritos,

apenas dois são destinados ao trabalho pedagógico do ponto de vista do “gênero textual”,

pois dizem respeito ao processo de interação da criança com o gênero textual lido

(“Reconhecer finalidades de textos lidos” e “Estabelecer relação de intertextualidade entre os

textos”). Todos os outros se remetem à estrutura ou compreensão do texto, portanto,

destinados ao trabalho do ponto de vista do “texto”. Para nós, isto se revela tanto como uma

incoerência entre o que se defende teoricamente e o que se propõe de fato no Programa,

quanto manifesta uma abordagem fragilizada da perspectiva do letramento. Defendemos os

aspectos sociodiscursivos (finalidades, destinatários, suportes, espaços de circulação dos

textos) como articulados aos aspectos composicionais e estilísticos dos gêneros textuais para o

domínio crescente das crianças em relação ao emprego da linguagem nas diversas esferas de

comunicação. Isso precisa ser considerado, visto que a probabilidade de os professores

basearem seus ensinos nos direitos prescritos pelo Programa é bem alta e, portanto,

desconsiderar importante dimensão do ensino da língua materna.

Esses direitos de aprendizagem podem ser compreendidos como grandes objetivos

gerais para áreas de Língua Portuguesa, Matemática, História, Ciências Naturais, Geografia e

122

Arte e são expressos na seção “Compartilhando” das unidades do curso. Apesar da defesa

pela integração entre as áreas, no entanto, as discussões se voltam prioritariamente para os

conteúdos de linguagem, não se manifestando a coesão intencionada e defendida pelo

programa de interdisciplinaridade.

Esta defesa pela integração das áreas pode ser vista no Caderno de Apresentação

do Programa, quando este destaca que a aprendizagem da leitura e da escrita deve ocorrer de

modo a garantir a inserção social desde a da ampliação do universo cultural das crianças por

meio da apropriação de conhecimentos relativos ao mundo social e da natureza (BRASIL,

2012e, p.7). Apesar de propor a aprendizagem sob esta perspectiva e na articulação dos

componentes curriculares (Língua Portuguesa, Matemática, Arte, História, Geografia,

Ciências, Educação física), o Programa é formatado apenas nas áreas de Linguagem e

Matemática. Apenas para o mês de abril ano de 2015 estava prevista a inclusão das áreas de

Arte, Ciências Humanas e da Natureza no ciclo de alfabetização, fato ainda não ocorrido até

outubro deste ano, em virtude de anunciados cortes orçamentários.

O destaque para as áreas de Português e Matemática é também intensificado à

medida que o Programa propõe um sistema de avaliação para essas áreas, forçando os

professores a priorizar e intensificar os trabalhos para o conhecimento dos conteúdos desses

componentes curriculares.

A ênfase da linguagem nas discussões teóricas das unidades e nos direitos da

aprendizagem de todas as áreas nos faz inferir que os conteúdos de Língua Portuguesa são

enfaticamente trabalhados nas formações presenciais do Programa, e, por sua vez, no dia a dia

da sala de aula. Tal circunstância pode, por implicações, comprometer o acesso das crianças

aos outros conhecimentos, tão necessários ao seu processo de letramento e à formação

integral dos sujeitos.

Além dessa lacuna, como anteriormente defendido, situamos que a formação do

alfabetizador de crianças demanda também reflexões sobre os condicionantes sociais,

culturais, econômicos e políticos que envolvem o processo de alfabetização e a atividade

profissional do alfabetizador.

Não localizamos, entretanto, de forma expressiva, na análise dos materiais do

PNAIC, reflexões a esse respeito. Como não há neutralidade no ensino, então podemos

questionar sobre como em um processo de formação de professores alfabetizadores se deixam

de lado temas como o da função social da escola, do trabalho docente e da alfabetização numa

sociedade capitalista? Como não considerar temas específicos relativos às condições

histórico-sociais em que essa profissão se desenvolve?

123

Figura 2: Direitos de Aprendizagem – Língua Portuguesa

Fonte: BRASIL. MEC (2012)

A despeito dos desdobramentos para o ensino da leitura e da escrita de crianças de

classes populares, autores da área da alfabetização, como Patto (2002), Soares (2012), entre

outros, advertem para o fato de que a ausência da dimensão política do significado da

alfabetização compromete o processo de aprender a ler e a escrever. A esse respeito, Soares se

posiciona:

[...] para as classes dominadas o caráter meramente instrumental atribuído à alfabetização, esvaziando-se do seu sentido político, reforça a cultura dominante e as relações de poder existentes, e afasta essas classes da participação na construção e partilha do saber.(SOARES, 2012, p. 22).

124

A ausência dos outros componentes curriculares (Arte, Ciências, História e

Geografia), bem como da dimensão política nos materiais do Programa, materializa

prioritariamente a dimensão individualista da escolarização e da alfabetização, possibilitando

condições mínimas de incremento humano-individual para professores e crianças, com fins

não de rupturas, mas apenas de aumento de condições humanas orientadas para o aumento e

eficiência da produtividade e do crescimento econômico, mas sem fins de transformação

social, no sentido da radical diminuição e supressão das injustiças sociais, entre elas a de

ordem educacional, cultural e econômica.

6.3.4 Conteúdos de ensino

Como expresso anteriormente, os conteúdos de ensino do PNAIC são organizados

em oito unidades de estudo, distribuídos nos quatro cursos do Programa. As temáticas

trabalhadas nos cursos são similares, diferenciando-se apenas nos níveis de aprofundamento,

correspondentes ao 1º, 2º, 3º anos do Ensino Fundamental ou salas multisseriadas.

Para atender ao objetivo do trabalho alfabetizador, privilegiando a compreensão e

a produção de textos orais e escritos, assim como de aprofundar as práticas de letramento das

crianças do ciclo de alfabetização, como conteúdos de ensino, o Programa estabeleceu as

seguintes temáticas:65 concepções de alfabetização; currículo no ciclo de alfabetização,

avaliação na alfabetização; educação inclusiva; planejamento; rotinas de alfabetização na

perspectiva do letramento; sistema de escrita alfabética (SEA); ambiente alfabetizador; jogos

e brincadeiras de leitura e escrita; literatura; ensino da língua na abordagem dos gêneros

textuais; projetos e sequências didáticas na alfabetização; oralidade, leitura e escrita nas

diferentes áreas do saber; avaliação.

Esses conteúdos são abordados nos cadernos de formação, com base em textos

teóricos relativos aos temas da formação, de relatos de professores e de sugestões de

atividades propostas no material. Conforme o documento Formação de Professores no

PNAIC (BRASIL, 2012f, p. 34-35), os cadernos são organizados em quatro seções: 1.

Iniciando a conversa: introdução geral sobre as temáticas trabalhadas. 2.Aprofundamento:

textos com discussão teórica e relatos de experiências desenvolvidas na área da alfabetização.

3.Compartilhando: apresentação de direitos da aprendizagem das diferentes áreas de ensino,

65 Essas temáticas são desdobradas em outras correlacionadas.

125

bem como instrumentos de registro de avaliação, lista de materiais didáticos etc.

4.Aprendendo Mais: sugestões de leitura e de atividades e estratégias formativas para os

encontros. Ainda de acordo com esse documento, esses cadernos têm autoria de professores

universitários, pesquisadores com experiência em formação de professores e por docentes da

Educação Básica.

Segundo o Programa, além desses cadernos, também é utilizado um vasto, rico e

diversificado material didático e pedagógico nas formações, enviado também para as escolas

via secretarias de Educação dos estados e municípios. Por exemplo, textos e vídeos

disponíveis no Portal do Programa, jogos de Alfabetização e de Matemática, livros e acervos

enviados pelo MEC, como os do Programa Nacional da Biblioteca da Escola (PNBE) e do

Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) e obras complementares, dentre outros

materiais. Às crianças são destinados também materiais, além dos livros didáticos, como

dicionários e mochilas com kits para a utilização no cotidiano da sala de aula. Em 2014, todas

as turmas de 1º ao 3º anos do Ensino Fundamental receberam caixas de jogos de Linguagem e

Matemática. Portanto, podemos perceber um grande aporte de investimento financeiro nesse

tipo de material, fato que incrementa sobremaneira o trabalho do professor alfabetizador e,

por sua vez, os negócios privados do mercado editorial. A seguir fotos de alguns desses

materiais:

Figura 3: Caixa de jogos distribuídos pelo PNAIC

Fonte: BRASIL.MEC. (2012)

126

Figura 4: Livros de Literatura – PNBE

Fonte: BRASIL.MEC. (2012)

Todos esses materiais são indicados pelo Programa como recursos didáticos que,

aliados aos conteúdos de ensino anteriormente citados, têm a função de favorecer e

possibilitar atividades pedagógicas que trabalhem na perspectiva da reflexão sobre a Língua,

possibilitando vivências de produção de textos orais e escritos, ou seja, de acordo com o

Programa, os materiais são elaborados e disponibilizados com a função de viabilizar o

processo de alfabetização na perspectiva do letramento.

6.3.5 Constituição metodológica

O documento intitulado Formação de Professores no Pacto Nacional pela

Alfabetização na Idade Certa, em sua segunda parte, traz as estratégias formativas.

Referenciado em Imbérnon, o citado documento defende a importância de se considerar o

contexto de produção de uma ação formativa. Para tanto, sugere ações específicas, em

especial, a aprendizagem colaborativa, a reflexão sobre a prática, a socialização e a

valorização das experiências e a leitura de materiais que favoreçam a aprendizagem dos

professores. Nesse sentido, propõe que algumas atividades a serem desenvolvidas nas

formações devem ser permanentes.

1. Leitura deleite: leitura de textos literários, com conversa sobre os textos lidos,

incluindo algumas obras de literatura infantil, com o intuito de evidenciar a

importância desse tipo de atividade.

127

2. Tarefas de casa e escola e retomada, em cada encontro, do que foi proposto no

encontro anterior, com socialização das atividades realizadas.

3. Planejamento de atividades a serem realizadas nas aulas seguintes ao encontro;

4. Estudo dirigido de textos, para aprofundamento de saberes sobre os conteúdos e

estratégias didáticas.

5. Socialização de memórias.

6. Vídeo em debate.

7. Análise de situações de sala filmadas ou registradas; atividades dos alunos;

recursos didáticos e rotinas de aulas.

8. Exposições dialogadas.

9. Elaboração de instrumentos de avaliação.

Podemos daí perceber que a constituição metodológica do PNAIC beneficia,

principalmente, a reflexão da prática como princípio formativo e o trabalho colaborativo em

grupos. Nas palavras finais do documento, anteriormente citado, assegura que o PNAIC

“propõe a realização de um programa coerente com a perspectiva de formação docente crítica,

reflexiva e problematizadora”. (BRASIL, 2012f, p. 37).

Em síntese. É possível analisar que o PNAIC privilegia os seguintes elementos

estruturantes da formação docente do alfabetizador de crianças, a saber: um específico

processo oficial de formação de alfabetizadores embasado no ensino de Português na

perspectiva da reflexão sobre a Língua, com a possibilidade de vivências de produção de

textos orais e escritos; avaliação como recurso de diagnóstico, acompanhamento da

aprendizagem e controle do trabalho docente; teorias do desenvolvimento profissional

docente e do professor como um prático reflexivo; estratégias metodológicas que ocorrem por

meio do trabalho coletivo e colaborativo, viabilizado pelo trabalho em grupos.

128

6 ANÁLISE COMPARATIVA: PROFA, PRÓ-LETRAMENTO E PNAIC

Considerando as discussões do capítulo imediatamente anterior acerca da

constituição teórica e metodológica do PROFA, Pró-letramento e PNAIC, nos deteremos,

nesta seção, na análise comparativa realizada entre os três programas, com a intenção de

compreender, no recorte cronológico de 2001 a 2015, como se constituem esses programas de

intervenção didático-pedagógicos que intencionam formar professores alfabetizadores.

6.1 A dimensão política

No atual tempo célere da globalização da economia, presenciamos diversas

mudanças nas esferas da produção e do consumo, e igualmente nas relações e condições de

existência das classes sociais. Em razão do dinamismo político-econômico e cultural, essas

mudanças continuamente exigem a subsunção de todas as instâncias e instituições da

sociedade à lógica do mercado. Por essa razão, em cada época caracterizada por essas

mudanças, verificamos correntemente a modificação social do perfil, tanto do trabalhador

como da criança em idade escolar, os quais sempre devem se adequar aos novos conceitos de

Educação escolar e de qualificação, para fazer frente às novas tecnologias dominantes,

próprias ao mundo do trabalho da época. Na atualidade, por exemplo, repercutido pelas

tendências socioeconômicas mundiais, observa-se, de um lado, o conceito predominante do

trabalhador como profissional propositivo, competente e competitivo, e, de outro, o conceito

de Educação da criança como um meio de torná-la um ser comunicativo, criativo e

competente, forjado desde os processos de escolarização.

Esse contexto, marcado por constantes mudanças e com elas conceitos novos de

toda ordem, serve de justificava para os governos continuamente proporem políticas

educacionais, tanto de reformas da Educação Básica como de políticas relativas à elaboração

de modelos de formação docente. Como desde os anos de 1950 se tornou padrão

internacional, com o tempo, estudos e relatórios66, numa perspectiva comparativa, constam a

emergência de um processo de internacionalização de políticas educacionais.

A esse respeito, por exemplo, Akkari (2011) aventa a ideia de que a

internacionalização das políticas educacionais designa a face de um movimento global de

apropriação de reformas educacionais desenvolvidas em variados países, que se disseminam

66 Estudos e relatórios internacionais realizados pelo PISA.

129

rapidamente, mas com constituições diferentes nos sistemas educacionais de cada país. Desse

modo, conceitos, reformas, inovações, programas, métodos, teorias e capital financeiro

circulam entre os países, independentemente de suas diferenças regionais, econômicas, sociais

e educacionais, sob a influência de organizações internacionais como a UNESCO, UNICEF,

BANCO MUNDIAL, OMC e OCDE.

Akkari (2011) adverte, ainda, para o fato de que estes organismos atuam em três

segmentos: 1. Concepção de políticas educacionais: com modelos educacionais cada vez mais

uniformizados. 2. Avaliação dos sistemas educacionais: com exames dos sistemas

educacionais e produção de relatórios, apontando o que precisa ser melhorado. 3.

Financiamento para os países em desenvolvimento, para estes investirem em seus sistemas

educacionais. Nessa direção, no posto de credores externos, em contrapartida, ditam aos

governos reformas que se desdobram em programas oficiais, estruturados em três princípios

comuns e articulados: a focalização, a descentralização e a privatização. Os programas

PROFA, Pró-Letramento e PNAIC, aqui estudados, não fogem a essa padronização

internacional: são estruturados sob essa lógica.

Sobre esses princípios, Trojan (2013) diz que a focalização significa, na verdade,

a substituição dos direitos por benefícios de acesso seletivo. Um exemplo são as políticas

compensatórias. Por essa razão, podemos observar que realidades como o alfabetismo e a

relação idade-série da escolarização das crianças deixam de ser tratadas como ação principal e

passam a ser focadas pelo Estado pela política compensatória.

No Brasil, essa inversão se fez tendência predominante desde os anos de 1920 e se

intensificou com maior frequência nos anos 1990. Nesse sentido, a alfabetização de crianças

em idade escolar, que na lei figura como direito de todas, cuja realização com qualidade

deveria ser objeto principal da ação política, para os governos tornou-se uma área

“beneficiada” pelas resoluções e programas compensatórios.

Por meio de uma inversão da ação político-educacional (pautada no principio da

focalização) foi que os três programas foram criados pelo Poder Estatal brasileiro. Não é sem

sentido que os argumentos oficiais com os quais se justifica a implantação de tais programas

serem exatamente a constatação do baixo desempenho das crianças em leitura e escrita e a

expressiva fragilidade na formação inicial dos professores de crianças. Desse modo, em

termos de políticas educacionais, se verifica que o Governo e órgãos internacionais não focam

nem investem o necessário em uma formação inicial e continuada voltada para a real

superação dos históricos problemas da Educação, em especial, da alfabetização. Nossa

130

política educacional pautada na lógica de que remediar sempre é o melhor negócio67, cria um

círculo vicioso: o pouco investimento no Ensino Superior público cria fragilidades e lacunas

na formação inicial, gerando a necessidade da existência de legislações emergenciais e

também de programas compensatórios de formação continuada para suprir as demandas da

realidade educacional.

No concernente à legislação, essa inversão de prioridades atualmente é possibilitada,

particularmente, pela Lei 12.796, de 04 de abril de 2013, quando esta altera, na LDB de 1996,

o nível de formação de professores para a contratação na Educação Básica68. Com esta nova

lei, a LDB volta a admitir o nível médio, na modalidade normal, como formação mínima para

o exercício do magistério na Educação Infantil e nos cincos primeiros anos do Ensino

Fundamental. Essa alteração surge em função de os estados e municípios argumentarem que

não teriam como cumprir a lei de responsabilidade fiscal, caso o Piso Salarial do Magistério

passasse a ser estipulado com base nos proventos dos professores com nível superior.

Referido Piso, quando criado foi estipulado tendo por base os salários dos docentes com nível

médio. Assim, para garantir menor piso salarial aos professores, foi preciso manter um menor

nível de formação exigido por lei. Como anota Barreto (2015), mantém-se um padrão

conhecido das políticas educacionais: legitimar as medidas emergenciais como permanentes.

A Década da Educação (1997-2007), estipulada pela LDB/96 (em 2013, alterada pela

Lei 12.796), ocasionou uma corrida frenética dos professores ao Ensino Superior. Tal

demanda impulsionou, em especial, uma crescente oferta do Curso de Pedagogia pelas IES. O

Ensino Superior, segundo os dados do INEP/MEC, também cresceu bastante. Em 1995, eram

894 universidades (entre públicas e privadas), em 2013 já somavam 2.391 instituições. Este

aumento, todavia, se centra, sobretudo, na iniciativa privada. Das 2.391 universidades

existentes em 2013 no País, destas, 2.090 instituições são particulares. Esta realidade também

se apresenta nos cursos de Pedagogia. Em 2014, dos 2.665 cursos cadastrados no MEC, 2.032

são realizados em instituições particulares, portanto, 76% do total de cursos ofertados.

Essa conjuntura revela que a expansão do curso de Pedagogia se dá em detrimento do

forte processo de privatização que o Ensino Superior vem passando. Privatização direta ou

indireta - quando esta ocorre por meio da parceria do público e do privado que se estabelece

67 A situação do Ensino Público no Brasil exprime uma elevada taxa de abandono escolar, altos níveis de

reprovação e repetência, resultados insatisfatórios na educação, a baixa qualidade do ensino, dentre outros indicadores apontados por estudos como Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira/Ministério da Educação (INEP/MEC, 1995, 1997, 2001) e indicado por autores como Prado (2000), Soler (2004), Lück; e Parente (2007), dentre outros.

68 O artigo 87 da LDB de 1996 estabelecia que, até o fim da Década da Educação [1997-2007], só seriam admitidos professores habilitados em nível superior ou formados por treinamento em serviço.

131

no incentivo de bolsas de estudo, por meio do PROUNI e FIES. Assim, o Estado cede cada

vez mais espaço para a iniciativa privada e diminui seus investimentos e atuação no setor

público, comprometendo a qualidade do ensino, da pesquisa e da extensão das universidades

públicas brasileiras, e por sua vez, na formação dos professores da Educação Básica. Esta

formação frágil, muitas vezes aligeirada, se expressa nos baixos resultados das avaliações de

aprendizagem no País, fato que justifica a criação dos programas de formação docente

implementados pelo MEC.

Quanto à descentralização - outro princípio de padronização internacional das

políticas educacionais - institui-se como a estratégia para desconcentrar operações e

responsabilidades. A LDB de 1996 viabilizou tal princípio por meio das mudanças nos

modelos da gestão, financiamentos da educação, organização dos sistemas, escolas, currículos

e da formação docente, permitindo, inclusive, a inserção do setor privado em âmbitos antes

monopolizados pelo Estado. Percebemos que a descentralização da gestão e do financiamento

adotado como princípio orientador das reformas do sistema educacional brasileiro, com fins

de redefinição da função do Estado e de ajuste macroeconômico, também se efetiva nos três

programas aqui analisados.

Nesses termos, o PROFA, o Pró-letramento e o PNAIC se organizam e se

estruturam com suporte na descentralização. Acrescentamos o fato de que referido processo

de descentralização é parcial e hierárquico, visto que as dimensões política69 e territorial70

desse princípio não são consideradas. Os três programas são regidos pela dimensões

administrativa e financeira de descentralização, pois envolvem uma rede de parceiros de

instâncias como o MEC, estados, municípios, redes de ensino e universidades, com distintas

responsabilidades, funções e financiamentos. Sob o controle do MEC para todas as decisões,

cabem aos estados e municípios a execução e o acompanhamento das ações estipuladas por

este órgão, que representa o Governo Federal.

Com efeito, em uma análise mais crítica, podemos inferir que o modelo de

descentralização, adotado pelo Governo Federal, traz consigo vários problemas e fragilidades

e, consequentemente, é passível de muitas críticas. A esse respeito, uma importante crítica

relaciona-se ao modo como as propostas são executadas em vários países, que, sem o devido

debate, pelos sujeitos das instâncias, comprometem sua execução. Isso porque senão

69 Delegação de poder e competência para tomar decisões. 70 Desconcentração da autoridade estatal.

132

planejada e debatida coletivamente, uma proposta pode produzir uma série de resistências,

equívocos e distorções (AKKARI, 2001).

No caso de nosso País, com imensidão de continente e profundas diferenças

regionais, culturais e econômicas, podemos pensar nas dificuldades que a descentralização

acarreta a cada estado e município brasileiro, na vivência dos programas investigados.

Inferimos que é, no mínimo, injusto, o fato de o Poder Federal responsabilizar de forma

padronizada realidades com expressivas diferenças estruturais, financeiras, culturais e

educacionais entre os entes federados. Fatores como o Índice de Desenvolvimento Humano

(IDH), arrecadação de impostos, equipamentos culturais, como bibliotecas públicas, teatros,

cinemas etc., dos municípios, são relevantes para comprometer ou favorecer a execução das

ações dos programas. Isso precisaria ser considerado, no entanto, não é plenamente, em

virtude do princípio da descentralização.

Dessa forma, em sua verticalidade organizativa e desconsiderando as

especificidades locais, esse conceito de descentralização compromete o desenvolvimento

pleno dos programas, bem como a autonomia das outras instâncias, instituições e,

principalmente, dos professores, que perdem poder de decisão e controle em relação à sua

formação docente no que se refere às concepções, conteúdos, metodologias, produção de

materiais, propostas curriculares, planejamento etc.

A esse respeito, Apple (1989; 1995) assinala que o controle via currículo,

realizado pelo Estado, enseja fenômenos nomeados de “desqualificação”, “requalificação” e

“intensificação do trabalho docente”. Segundo o autor, a desqualificação, fruto da perda da

autonomia do professor, consiste na separação entre concepção e execução do trabalho

docente. Isto ocorre quando um grupo de especialistas, a serviço do Estado, concebe um

determinado currículo ou programa de formação docente e os professores têm a função de

executar os planos tais quais foram idealizados e no ritmo estabelecido como meta por esses

agentes externos. Isto é claramente percebido nos programas aqui estudados. Nos três, há uma

equipe externa - nos programas Pró-Letramento e PNAIC71, representada prioritariamente por

pesquisadores das universidades brasileiras - que produziu todo o material e aos professores

alfabetizadores cabe a apropriação das novas atribuições e execução dos procedimentos

sugeridos. A eficiência dessas redefinições do trabalho docente está diretamente ligada às

71 Segundo os documentos oficiais do PNAIC, o Programa buscou realizar a interlocução e a participação de

docentes da Educação Básica na produção de seus materiais; no entanto, na extensa equipe de autores, não há indicação de quais são esses professores.

133

metas estipuladas pelos programas e estas são monitoradas pelas sistemáticas e inúmeras

avaliações realizadas, tanto pelo próprio professor, quanto pelos avaliadores externos.

A pressão pela eficiência do trabalho do professor e execução das metas

ocasionam tanto a requalificação quanto a intensificação do trabalho docente. A

requalificação se configura na aprendizagem das habilidades indicadas pelos programas de

formação. Do professor espera-se que ele seja mais criativo, autônomo, reflexivo e capaz de

criar situações didáticas eficientes para o ensino da leitura e da escrita. Para isso, ele precisa

intensificar sua jornada de trabalho para apropriar-se dos conteúdos propostos e transformar

os conhecimentos em novas práticas pedagógicas de acordo com as metas de aprendizagem

estipuladas pelos gestores e coordenadores dos programas; ou seja, ele precisa se requalificar

para executar com êxito o que foi proposto.

Essa conjuntura, independentemente de mudanças nas condições objetivas de

trabalho, vai impor ao professor a exacerbação de mais horas de dedicação para estudo e

trabalho, pressão quanto à melhoria da organização de materiais e de procedimentos e a

realização do ensino alinhado às metas estipuladas pelos programas, referendadas pelas

avaliações externas.

Temos consciência de que as pressões sociais para o bom desempenho do

professor na contemporaneidade, a intensificação da jornada de trabalho, aliadas ao

sentimento de despreparo para o exercício da função, no caso específico deste estudo, ensinar

a ler e a escrever, colaboram para uma espécie de estado de “mal-estar docente”, que promove

consequências, como estresse, angústia, depressão, ansiedade, insegurança e outras mazelas.

Codo (1999), analisando o fenômeno mundial do “mal-estar docente”, chama a

atenção para a síndrome de Burnout, como uma das características mais recorrentes na

circunstância do trabalho docente atual. Segundo o autor, ela se desencadeia quando o

trabalhador percebe a discrepância entre o esforço individual e a respectiva consequência; ou

seja, o descompasso do desempenho exercido em relação às conquistas realizadas. Essa

percepção é influenciada por fatores individuais, organizacionais e sociais. Portanto,

percebemos ser sob essas condições que, na maioria dos casos, se erige a prática pedagógica

de muitos dos nossos professores hoje.

Além dessas questões subjetivas do trabalho docente, a desqualificação

promovida por programas de intervenção pedagógica ocorre aliada a um “controle técnico”.

Aplle (1989) assinala que o “controle técnico” se desenvolve de forma bem sutil, pois está

embutido na estrutura física do trabalho docente, e, dessa forma, é naturalizado como algo

próprio do exercício profissional, como um objetivo a ser conquistado pelos professores e

134

orientadores das formações, para um bom gerenciamento de suas turmas. Percebemos que

esse “fenômeno”, nos programas em foco, se materializa de maneiras diversas. A seguir,

alguns exemplos de como isso se corporifica subliminarmente nos materiais.

No PROFA

No estabelecimento de competências profissionais necessárias a todo

professor que ensina a ler e a escrever (BRASIL, 2006a, P. 23).

Nos conteúdos e metodologias de formação propostos (BRASIL, 2006d, P.

72).

Quando conceitua o que é ser um professor competente: “um professor é

tanto mais competente quanto mais souber encontrar respostas para os

desafios colocados pela prática, ou seja, quanto maior for sua capacidade

de resolução de situações-problema”. (BRASIL, 2006a, P. 29).

No “Quadro-síntese” das atividades propostas como roteiros das

formações dos programas (BRASIL, 2006b, p. 76).

No Pró-letramento

Nas orientações gerais para os encontros presenciais do Pró-letramento

(BRASIL, 2008a), com os temas a serem abordados pelos tutores,

definição de rotinas e sugestões de atividades para os encontros.

Nas “Perguntas Pedagógicas” (o que faço? Por que faço? Como passei a

fazer de tal modo? Como posso fazer diferente?) que objetiva que o

próprio professor regule sua prática pedagógica. (BRASIL, 2008b, p. 25).

Nos roteiros de projetos didáticos (BRASIL, 2008c, p. 25), que sugerem

metodologias a serem trabalhadas pelos alfabetizadores.

No PNAIC

Nos “Direitos de Aprendizagem” sugeridos pelo programa (BRASIL,

2012d, p. 32), quando estes direcionam os conteúdos a serem trabalhados

na área de Língua Portuguesa e o que as crianças devem saber.

Na proposição da exploração dos direitos de aprendizagem a partir do uso

dos Materiais Complementares do programa. (BRASIL, 2012g, p.33 a 36).

135

Nos instrumentos de avaliação sugeridos para o próprio professor

alfabetizador aplicar e regular a aprendizagem das crianças e o

desempenho docente, frente às metas do programa. (BRASIL, 2012c).

Doravante, em uma análise acerca dos modelos predominantes de formação

continuada no Brasil, Alarcão (1998) e Alonso (1999) assinalam que fortemente se privilegia

a dimensão instrumental do trabalho docente. Nesse sentido, a aprendizagem dos professores

se direciona para a operacionalização de técnicas elaboradas por especialistas representantes

das diversas instâncias oficiais. Assim, quanto mais o professor souber operacionalizar na

prática a proposta didático-pedagógica defendida por esses cursos, mais bem consideradas

serão a qualidade e a eficácia dessa formação. Portanto, é considerado bom professor aquele

que assimila e aplica as orientações didático-pedagógicas das propostas oficiais.

Freitas (2005) também adverte para a noção de que os modelos de formação

continuada privilegiam uma concepção instrumental do trabalho docente. Para o autor, há um

forte investimento na preparação técnica dos professores, na mera aplicabilidade de propostas

elaboradas por especialistas ligados às diversas instâncias governamentais.

Outra dimensão de “controle técnico”, que se desdobra como questão igualmente

importante para análise, é a participação das universidades nos programas. As universidades -

ora como corresponsáveis pela produção de materiais didáticos para os programas Pró-

Letramento e PNAIC, ora como responsáveis pelas coordenações regionais - atreladas à

política nacional de formação de professores sob a coordenação e normatização do MEC,

reverbera um ponto nevrálgico da questão: como é sabido, os organismos internacionais

influenciam a política educacional no País, e esta, por sua vez, direciona as ações do MEC,

que atrelou a si as universidades públicas. Nesse “efeito-cascata”, como as universidades

podem não materializar as orientações e determinações de projetos politico-educacionais

idealizados e financiados pelos organismos mundiais do governo do capital?

Nesse sentido, produz-se, com efeito, uma dependência compartilhada de ações

entre as instâncias envolvidas. Nessa dependência, articulam-se, inevitavelmente, espaços de

tensões e conflitos, pois, ao mesmo tempo em que fomenta a articulação entre pesquisa e

extensão nas universidades, também representam uma parceria e cooperação entre essas IES,

escolas, o MEC, os órgãos internacionais e empresas privadas. Essa condição, inerente à

situação, necessita ser considerada e pensada sobre consequentes desdobramentos, visto que a

produção de materiais e a formação oferecida pelos programas recebem influências das

136

orientações e interesses do MEC, e, consequentemente, dos citados organismos

internacionais.

De acordo com Frade (2010), a “parceria” entre MEC, universidade, sistemas de

ensino e organismos internacionais, pode produzir representações equivocadas ante as reais

intenções dos centros de formação das universidades. Uma delas diz respeito ao deslocamento

do lugar da Universidade como espaço de autonomia didático-científica e de crítica

sociopolítica. Outra se relaciona à equivocada utilização, pelos sistemas de ensino, dos

materiais produzidos pelos centros, que muitas vezes se apropriam desses recursos sem a

devida compreensão teórica e metodológica, inclusive, em função do processo de

desqualificação oriundo da sectarização entre concepção e execução do trabalho docente.

Isto se constitui de fato um campo de tensões e conflitos para as universidades

“parceiras”, visto que os materiais dos programas Pró-Letramento e PNAIC foram produzidos

pelos professores pesquisadores de algumas dessas instituições a convite do MEC. Assim, o

Estado, que já desempenha um forte papel regulador por meio das avaliações, intensifica essa

lógica ainda mais, à medida que, com a parceria das universidades, seleciona, justifica e

efetiva modelos de formação, a constituição teórica e metodológica das formações, a

estruturação dos programas, as rotinas e as propostas didático-metodológicas. No caso do

PNAIC, o Programa também conta com a parceria de 40 universidades públicas,

representando todos os estados brasileiros, na realização da formação dos orientadores.72

Compreendendo a Universidade como locus por excelência do debate, da crítica,

da oposição, do tripé ensino-pesquisa-extensão, como e de que modo ela pode exercer essas

atividades quando ela mesma é uma das instâncias atuantes desses programas oficiais de

formação de alfabetizadores sob o formato adotado e tal conjuntura? Como pode ela exercer

autonomia política e ideológica?

A esse respeito, tecemos mais algumas reflexões que nos instigam a pensar,

quando Toledo (2014, p. 24) assinala que “enxerga na universidade um papel estratégico para

um projeto de nação”. Seu papel estratégico, difusora de conhecimento, produtora de ciência e

tecnologia, legitima e valida os modelos adotados de formação docente que respondem aos

interesses e ideologias dos órgãos internacionais, a serviço dos planos de organização e gestão

do capitalismo pelo Mundo.

Destarte, não há como negar que a participação de professores, pesquisadores das

áreas de formação docente e alfabetização/letramento, carrega um caráter de confiabilidade

72 No Ceará, a UFC é a academia responsável pelas formações do PNAIC.

137

aos materiais, produzidos com o suporte em um arcabouço teórico adotado de acordo com as

mais recentes pesquisas nas áreas abordadas, como é o caso dos materiais do Pró-Letramento

e do PNAIC.

6.2 A dimensão teórico-metodológica: concepções e intenções

O discurso teórico dos materiais dos programas Pró-letramento e PNAIC

possibilita uma aproximação dos orientadores e professores alfabetizadores a uma importante

fundamentação teórica, que contribui para a delimitação dos conhecimentos de base para a

prática alfabetizadora na perspectiva do letramento.

Este é um aspecto satisfatório quanto à representação dos conteúdos dos materiais

para a área da alfabetização e do letramento. Nesse sentido, podemos perceber que a inserção

das universidades na elaboração dos materiais dos referidos programas constitui-se por um

lado como avanço em termos de perspectiva teórica para a constituição de saberes necessários

à prática alfabetizadora. De outra parte, no entanto, acarreta a separação entre planejamento e

execução do trabalho docente, assim como o preestabelecimento de comportamentos

metodológicos e posturas teóricas definidas por estas agências formadoras, fato que

compromete sobremaneira a formação do professor. A esse respeito, Cagliari (1999) assevera:

[...] Os alfabetizadores mais antigos costumavam estudar, ler, buscar informações teóricas e estudos sobre a tarefa de alfabetizar, como uma forma de se preparar melhor para o trabalho escolar. Aos poucos, tal interesse foi ficando restrito às orientações governamentais que, (...) começou também a cobrar dos professores comportamentos metodológicos e posturas teóricas bem determinadas. A iniciativa do professor esbarrava na necessidade de prestar contas de uma determinada forma, obrigando-os a desenvolver no processo de alfabetização o que seria indicado, pois isso seria cobrado mais adiante. (CAGLIARI, p. 219).

Convém destacar que na ausência de uma política educacional destinada à

melhoria da formação inicial dos professores, esses programas são, em geral, a principal via

de acesso às experiências formativas na área da alfabetização para os docentes da Educação

Básica.

No estudo dos programas, podemos perceber gradativa melhora na qualidade e na

quantidade dos materiais produzidos para os cursos; ainda que, como política compensatória,

podemos assinalar quanto à dimensão pedagógica, alguns aspectos positivos dos programas:

138

O PROFA, em seu período de execução, trouxe à baila o estudo da Teoria da

Psicogênese da Língua Escrita (conhecimento imprescindível para todo alfabetizador),

portanto, a discussão da necessidade do professor conhecer o percurso de compreensão e de

reconstituição da escrita realizado pela criança. Atrelado a isso, propôs a organização de

uma didática da alfabetização, com a formulação de situações didáticas de leitura e escrita,

privilegiando estratégias metodológicas que envolvessem a articulação teoria e prática por

meio de resolução de situações-problema. Tais estratégias são sugeridas por meio do

trabalho coletivo e colaborativo entre alfabetizadores e formadores do Programa. Além

disso, possibilitou acesso a gêneros literários com fins de desenvolvimento cultural dos

professores, como poemas, crônicas e filmes, aspectos estes até então pouquíssimo

explorados pela literatura especializada, apresentando um caráter inovador para a realidade e

demandas da época; evento que gerou grande aceitação e aprovação do Programa entre

professores e demais profissionais da Educação. Não trouxe, no entanto, uma reflexão

teórica mais sistematizada sobre o ensino da alfabetização, tampouco sobre os estudos

acerca de letramento.

O Pró-Letramento e o PNAIC também têm por base o estudo da teoria da

Psicogênese da Língua escrita e a criação de situações didáticas de alfabetização; no entanto,

esses programas inserem a defesa da concepção de linguagem como locus de interação

verbal, viabilizada por meio do uso dos gêneros textuais orais e escritos e o estudo acerca

dos conhecimentos linguísticos necessários ao processo de alfabetização; acréscimos que se

delineiam como melhoria na constituição teórica desses programas. Consideramos que tal

abordagem pedagógica se constitui fundamental para a aprendizagem da leitura, da escrita e

da competência discursiva. Isto ocorre em função dos gêneros textuais serem instrumentos

utilizados socialmente pelos sujeitos nos domínios da atividade humana. Nesse sentido,

aponta condições de apropriação dessa concepção de linguagem, quando se intenta

alfabetizar na perspectiva do letramento. E isto é expresso de forma ainda mais

sistematizada nos materiais do PNAIC. O Pró-Letramento e o PNAIC, em relação ao

PROFA, ampliam e sistematizam os conteúdos trabalhados e as discussões teóricas a

respeito da alfabetização e do letramento. As temáticas abordadas constituem um arcabouço

teórico necessário à compreensão do trabalho alfabetizador, numa dimensão mais ampla da

aprendizagem da leitura e da escrita, embora a forma como são abordadas as temáticas se

exprima de modo breve e superficial.

O avanço aqui assinalado entre os programas, em termos comparativos, evidencia,

no PNAIC, o expressivo investimento de recursos didáticos destinados aos professores e

139

alunos do ciclo de alfabetização; materiais como livros de formação, de Literatura Infantil,

jogos de Linguagem e Matemática, kits para os alunos, vídeos, compõem um rico e

diversificado material de apoio ao trabalho do professor. Tal investimento, também,

constitui-se um avanço se considerar a carência de recursos didáticos e pedagógicos

enfrentada historicamente pela escola pública brasileira.

Nessa perspectiva de assinalar os avanços entre os programas, podemos destacar,

ainda, a inserção de temáticas pedagógicas contemporâneas das discussões e demandas

educacionais atuais. Temas como Educação do campo, Educação inclusiva73, planejamento,

rotinas, avaliação, jogos, currículo no ciclo de alfabetização, direitos da aprendizagem, entre

outros, aliam-se aos estudos em leitura e escrita propostos e vão compor um conjunto de

fundamentos para o trabalho alfabetizador. Inferimos, entretanto, que em virtude da grande

quantidade e complexidade dos conteúdos abordados nesses materiais, estes se apresentam de

forma breve e sucinta, comprometendo o aprofundamento das discussões necessárias à

construção do conhecimento dos professores alfabetizadores. Essas questões nos instigam a

pensar: como tais estudos nos encontros presenciais podem ser explorados com qualidade,

haja vista o pouco tempo para as devidas reflexões e aprofundamentos?

É também comum, aos três programas, o incentivo do uso da linguagem (oral e

escrita), via relatos e reflexões sobre a prática dos professores, ensejado pelos trabalhos em

grupo. Isto é mais evidenciado no PROFA, com o incentivo da documentação escrita de todo

o trabalho desenvolvido ao longo do curso.

Quanto às fragilidades dos programas, podemos assinalar que uma questão

relevante destacada na análise dos materiais é que alguns assuntos importantes e/ou polêmicos

acerca do trabalho docente são tratados de maneira suavizada ou camuflada, comprometendo

a reflexão crítica da realidade, da profissão e do cotidiano educacional por parte dos

professores e orientadores cursistas dos programas. Um exemplo disso é o caso da abordagem

no material das salas multisseriadas74.

O documento Caderno de Apresentação do PNAIC, nas páginas 21 e 22, ao

apresentar as questões de enturmação, avaliação e progressão continuada do ciclo de

alfabetização, faz uma discussão inicial sobre formas de agrupamento de crianças com base

73 As temáticas de Educação do campo e Educação inclusiva estão apenas nos materiais do PNAIC e representam

avanço na discussão teórica entre os três programas. 74Salas que reúnem vários estudantes de diferentes séries e idades com um único professor. Cardoso e Jacomeli

(2010) assinalam que no Nordeste existem 55.618 turmas multisseriadas (dados do censo 2007), o que corresponde a mais da metade das turmas em todo o território brasileiro. De acordo com o documento “Currículo no Ciclo de Alfabetização, perspectivas para uma educação no campo”, as salas multisseriadas se concentram nas escolas do campo.

140

em critérios diferenciados. As propostas de organização de trabalho em grupos de crianças

visam ao estabelecimento de estratégias para os problemas de defasagem de aprendizagem;

por exemplo, formar enturmações flexíveis no horário da aula ou no contraturno, ou seja, em

alguns momentos do horário escolar ou de acordo com alguns objetivos de ensino e de

aprendizagem. As salas multisseriadas também são consideradas e justificadas como uma

alternativa para as enturmações. Indica, entretanto, que os critérios e as estratégias utilizadas,

precisam ser orientados por procedimentos avaliativos consistentes (BRASIL, 2012e, p. 22).

A respeito dessas orientações e ao tentar vislumbrar como isso se materializa nas

escolas e nas vidas das crianças e dos professores, alguns questionamentos se impõem. Que

desdobramentos essas enturmações têm na rotina das turmas, ante as exigências por bons

desempenhos e resultados nas avaliações? Como as crianças estão lidando com as

representações sociais ocasionadas pelo “poder” de saber ler ou o desprestígio de estar em

grupos denominados não leitores? Com que pressões cotidianas lidam crianças e professores

ante as exigências do Programa?

Nessa conjuntura, a indicação é que se deve acompanhar e avaliar o máximo

possível o primeiro ciclo de alfabetização e que “os profissionais da escola precisam saber

claramente quais são os principais conhecimentos, habilidades e capacidades a serem

consolidas em cada ano do ensino fundamental”. (BRASIL, 2012e, p. 22). Esta diretriz nos

faz perceber a força da dimensão instrumental da formação, assim como do enquadramento

do que devem saber as crianças em cada ano, independentemente do seu ritmo e contexto de

aprendizagem. A respeito das turmas multisseriadas, mencionado documento defende

[...] a aproximação espacial entre escola e a comunidade da qual a criança participa, incluindo a família, é outro fator importante a ser pensado. A presença da escola em espaço próximo ao local de moradia contribui para as possibilidades de processos educativos que fortaleçam as identidades sociais das comunidades e o sentimento de pertencimento das crianças. Por tal motivo, muitos grupos, sobretudo no campo, onde o quantitativo de estudantes por ano de escolaridade é pequeno, preferem a enturmação por turmas multisseriadas ao invés de nucleação. (BRASIL, p. 22, 2012e).

Logo depois, afirma: “Se, por um lado, isso pode dificultar as decisões didáticas e

organização do tempo, por outro, garante vínculos afetivos mais sólidos e maior identificação

entre as crianças, bem como articulação com a comunidade”. (BRASIL, 2012e, p. 21).

Tais argumentos tentam burlar e convencer os cursistas de que as salas

multisseriadas são uma escolha dos alunos e não a única possibilidade de escolarização. Além

disso, não possibilita espaços para discussão a fim de estabelecer reflexões críticas dessa

141

realidade. Referidas turmas são vivenciadas por educadores e educandos, tanto da zona rural

quanto da urbana, mas no material do PNAIC estão relacionadas apenas à Educação do

campo, sob a justificativa de sentimento de pertença. Em nossa avaliação, as multisseriadas

na forma como são utilizadas no País, se constituem como uma mazela do sistema

educacional pátrio, presentes tanto nas escolas do campo quanto nas urbanas (mesmo que em

menor escala). E no material elas são expressas de forma positiva.

Na análise sobre as salas multisseriadas, subjazem problemas sérios quanto à

distorção idade-série, infrequência e evasão das turmas, dificuldades dos professores quanto

ao planejamento e execução de atividades destinadas a crianças de várias séries

concomitantes, angústias desses profissionais geradas por essa realidade, entre outros

problemas. Estes são grandes desafios vividos pelos professores dessas turmas, que têm de

lidar com essa problemática e isso nos documentos do PNAIC, produzidos pelas

universidades, não se mostra de forma real e crítica para reflexões entre os professores

cursistas do Programa.

A validação da qualidade dos materiais promovida pelas universidades também se

efetiva nos modelos de formação de alfabetizadores, adotados pelos programas investigados.

O PROFA assume o modelo de formação profissional pautado no desenvolvimento das

competências docentes. Já o Pró-Letramento é pautado no objetivo de desenvolvimento

profissional. Por seu turno, o PNAIC, apesar de não assumir textualmente como fizeram os

outros dois programas em seus materiais, é possível inferirmos que este também se guia pelo

mesmo modelo adotado pelo Pró-Letramento. Este estudo comparativo aponta que a apesar

dos programas utilizarem denominações diferentes de modelos de formação, os três

demonstram em comum a mesma perspectiva formativa: centrada na prática docente, baseada

na teoria da epistemologia da prática (GOMEZ, 1995; NÓVOA, 1992; TARDIF, 2002).

Essa abordagem baseia a aprendizagem docente, fundamentalmente, na prática,

para a prática e a partir da prática. Esta escolha representa, como critica Ghedin (2006), uma

limitação do horizonte da autonomia do professor, haja vista seu caráter eminentemente

individualista e imediatista do trabalho docente. Ainda, nessa óptica, desconsideram a

dimensão política do trabalho docente, bem como o contexto social, cultural e educacional;

supervalorizam-se os saberes experienciais gerados pela prática, em detrimento do

conhecimento teórico; e tende a fixar as discussões e reflexões no espaço restrito da sala de

aula. Ademais, como essa perspectiva com o tempo passou a ter boa aceitação entre os

professores, em virtude de possibilitar a suposta articulação entre a teoria e o cotidiano da sala

142

de aula, ela tornou-se muitas vezes, para os professores, como satisfatória alternativa

conceitual de formação destinada à área da alfabetização de crianças em idade escolar.

Outra similaridade entre os três programas quanto à concepção de formação

docente é que ela é vista como um continuum, realizada ao longo da vida e resultante da

conjugação da formação inicial e continuada, proveniente de várias fontes e vivências. Na

compreensão desse percurso processual, nos materiais dos três programas, há a defesa de que

o professor é o sujeito central de sua formação, um sujeito ativo, formulador de suas

aprendizagens, capaz de regular, criar, comparar, refletir e propor práticas educativas.

Os três programas postulam a reflexividade como princípio norteador em suas

formações. A reflexão sobre a prática, num movimento de ação-reflexão-ação sobre o

cotidiano da sala de aula, na defesa premente da necessidade da articulação da teoria com a

prática. Como adverte Ghedin (2006), no entanto, há de se considerar para qual horizonte de

reflexão se destina a formação, pois, cada uma se desloca a determinados propósitos e

segundo interesses distintos.

Nos programas investigados, em nossa análise, caracterizamos que os materiais

denotam uma escolha pela dimensão individual da reflexão, voltada, principalmente ao

mundo privado da aula75. Por isso, os professores são chamados nos materiais de práticos

reflexivos. Essa escolha traz como repercussões a tendência de se desconsiderar o fato de que

professores e crianças pertencem a determinadas classes sociais, ao que, como anota Kramer

(2007), traz marcas profundas em seus processos de aprendizagem e de desenvolvimento. Isso

é importante ser refletido, porque programas de formação docente que não levam em

consideração esses elementos da realidade, se tornam autômatos e fadados a produzir

aprendizagens acríticas e socialmente frágeis, tanto para as crianças como para os professores.

Esse “esvaziamento político” das formações docentes também nega aos

professores a compreensão e a indignação com vários aspectos da realidade educacional,

como as más condições de trabalho e o histórico fracasso escolar de crianças de instituições

públicas brasileiras. Centrados na individualidade e desconsiderando o contexto educacional,

social e econômico de crianças e professores, naturalizam-se problemas de naturezas diversas,

em nome de uma “reflexão sobre a prática”.

Somos cientes do desafio inscrito no ato de refletir durante a ação e sobre a ação,

inclusive sobre o contexto e as condições materiais e imateriais que a influenciam. Constituir-

75 Isto pode ser visto em vários documentos dos programas. Como exemplos: no PROFA, na página 38 do “Guia

de orientações metodológicas”. No Pró-Letramento, na unidade II do Fascículo do Tutor, e no PNAIC na página 13, do documento “Formação de Professores no Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa”.

143

se um professor reflexivo, capaz de aplicar uma reflexividade acerca da prática, de criticar e

ordenar sua atividade, perante o que é real, configura-se na atualidade como exigência da ação

docente. Portanto, nos programas de formação (inicial e continuada) dos professores, fazem-

se necessários a apropriação e o desenvolvimento da “nova epistemologia da prática”, ou seja,

do pensamento crítico-reflexivo do docente, para promover novas condições de atuação,

análise, pesquisa e melhoria na qualidade do ensino da escola pública e democrática, com o

objetivo de emancipação humana.

Quanto à concepção de aprendizagem defendida nos materiais dos programas para

a formação dos professores, estes advogam que ela deve ocorrer de forma significativa,

partindo de situações reais da prática e que os novos conhecimentos devem se constituir na

relação desenvolvida com o que já sabem. Apesar de não textualizarem nenhuma alusão ao

conceito proposto originalmente pela Teoria da Aprendizagem de Ausubel (1963),

concluímos que o conceito de aprendizagem significativa orienta as discussões em torno do

modo como os professores aprendem novos conhecimentos acerca da alfabetização. Isto pode

ser visto, por exemplo, nas transcrições a seguir:

PROFA: [...] Criar situações que revelam os conhecimentos prévios/opiniões do grupo sobre um tema a ser abordado, solicitar que os educadores socializem suas experiências pessoais, anotar suas falas, utilizá-las para dar devolutivas [...]. é condição para que os conteúdos possam ser trabalhados pelo formador, de modo a fazer sentido para eles. Afinal, hoje sabemos, a aprendizagem significativa depende da possibilidade de relacionar a nova informação ao conhecimento que já existe. (BRASIL, 2006a, p. 151). Pró-letramento: O problema não está em aproximar o professor das discussões atuais, mas em não se criar espaços para que o professor debata, compare essas novas ideias com outras aprendizagens e experiências profissionais, analisando, expondo sua opinião, enfim, refletindo sobre o “novo”, face ao trabalho que vem sendo desenvolvido. A dificuldade, nesse caso, está no fato de que nem sempre esse “novo” que se apresenta é assimilado e conjugado com os saberes e experiências que o professor já possui. (BRASIL, 2008b, p. 8). PNAIC: Como Nóvoa (1995) e outros autores já afirmaram, é importante dar voz aos professores, trazer à tona o saber que eles possuem e coloca-lo em pauta a partir de determinadas temáticas sobre a escola, o fazer pedagógico e o mundo, para serem conhecidos pelos professores. Ou melhor, colocar em cena saberes diversos para que eles sejam confrontados, estudados analisados e aprendidos. (BRASIL, 2012f, p. 14).

Conforme o exposto, as formações propõem partir da análise de situações da

prática de sala de aula, intencionando a produção de sentidos para os novos conhecimentos a

fim de criar práticas pedagógicas, amparadas pelos modelos teóricos e metodológicos

sugeridos pelos programas. Estes, a fim de atender às demandas da “sociedade do

144

conhecimento” e às exigências das políticas do Estado, vão exigir do professor alfabetizador o

desenvolvimento da criatividade e da autonomia, com fins últimos de criação de situações

didáticas que envolvam leitura e produção de textos do cotidiano dos alunos, num ambiente

alfabetizador. Os programas aqui em foco têm um fim último, de formar professores capazes

de proceder a uma aplicabilidade das propostas pedagógicas “sugeridas”, que expressem a

aquisição de competências técnicas para o ensino da leitura e da escrita, visando a resultados

satisfatórios no trabalho pedagógico junto às crianças, sob a perspectiva recomendada.

Duarte (2001) tece várias críticas às perspectivas teóricas da Pedagogia

contemporânea, como “construtivismo”, “pedagogia das competências” e o “profissional

reflexivo”, sob os quais identificamos como alicerces dos programas PROFA, Pró-Letramento

e PNAIC. Segundo esse autor, tais perspectivas são integrantes de ampla corrente educacional

contemporânea, a qual nomeia de pedagogias do “aprender a aprender”. Para Duarte (2001), o

“aprender a aprender” a nada mais se destina do que referendar a aprendizagem de novos

mecanismos de adaptação da pessoa às constantes e diversificadas exigências da sociedade

capitalista, e não pela busca de transformações ou de superação da realidade, sob o lema de

formar indivíduos criativos e autônomos no seu processo de aprendizagem.

Comungamos com tal crítica, pois, ao fim, na ambiência concreta do chão da

escola, os alfabetizadores findam subsumidos e dependentes às prescrições didático-

pedagógicas, restando-lhes pouco espaço para o exercício da criatividade, da autonomia e da

resistência em seus sentidos plenos. Na dimensão metodológica, as formações propostas pelos

programas demonstram similaridades que se concentram nos trabalhos colaborativos

promovidos por meio da formação de grupos de discussão; na socialização; na proposição de

atividades permanentes nos encontros presenciais, como: tempos destinados à leitura-deleite

para ampliação de formação literária do professor, estudo de textos,76 vídeos (para debate e

reflexões), discussões em grupos, elaboração e análise de atividades para aplicação em sala de

aula, e análise de instrumentos de avaliação.

6.3 A exploração da avaliação

A respeito da exploração da temática da avaliação, percebemos a intensificação e

a diversificação dos mecanismos avaliativos entre os três programas, tanto com relação à

natureza, quanto às finalidades.

76 Textos de fundamentação teórica, relatos de experiências, sugestões de atividades etc.

145

No PROFA, a avaliação é voltada prioritariamente para a aprendizagem dos

professores alfabetizadores. O Programa defende a ideia de que ela será utilizada na

“perspectiva processual, estando centrada no desenvolvimento das competências que se

espera que esses profissionais desenvolvam.” (BRASIL, 2006d, p. 27,). Segundo o “Guia do

Formador – Módulo I”, a avaliação dos professores é realizada pelos formadores, por meio da

análise da participação e do envolvimento dos professores ao longo do curso, na realização

das tarefas propostas, no trabalho pessoal e nas discussões realizadas.

Referido documento também exprime as “Expectativas de Aprendizagem”, que

são um conjunto de competências a serem desenvolvidas pelos professores. Essas

expectativas são avaliadas tanto pelos formadores quanto pelos próprios professores, por

meio, principalmente, do Caderno de Registro. Segundo o material anteriormente citado, este

documento “pode funcionar como um espelho do processo de desenvolvimento profissional

do professor” (p. 24), pois este pode revelar o que sabem os professores alfabetizadores,

localizando os novos conhecimentos adquiridos.

Quanto à avaliação da aprendizagem das crianças, o Programa sugere o

acompanhamento dos processos de evolução das hipóteses de leitura e de escrita por elas

vivenciadas durante o processo de alfabetização. Nesse sentido, a proposta é que a avaliação

ocorra no interior das salas de aula, realizada pelo próprio professor alfabetizador.

Desde a instituição da política de apoio à constituição dos sistemas estaduais de

avaliação da Educação pública,77 no entanto possibilitada por meio da publicação do

documento “Toda criança Aprendendo (2003), o tema avaliação tomou novos rumos e

intensidade nos programas. Assim, o Pró-Letramento incorpora, em seu material, referida

temática, no qual dedica toda a discussão do Fascículo 2 para a avaliação dos processos de

alfabetização e de letramento.

Nesse fascículo, o foco de trabalho é a avaliação da aprendizagem das crianças.

Referido documento, nas páginas 9 e 10, contém a concepção de avaliação nas perspectivas

de diagnóstico e de monitoramento do processo de alfabetização das crianças. Nesse sentido,

assinala: “Monitorar o processo de aprendizagem significa acompanhar e intervir na

aprendizagem, para reorientar o ensino e resgatar o sucesso dos alunos”. (p. 9). Para tanto,

77 No Ceará, já havia sido efetivado desde 1992 o Sistema Permanente de Avaliação da Educação Básica do Ceará

(SPAECE); no entanto, só em 2004 a avaliação promovida por este sistema foi universalizada no Estado. Assim, em 1992, de 14.600 alunos do 4º e 8º anos do Ensino Fundamental avaliados (somente do Município de Fortaleza) passamos em 2004 para 141.593 alunos destas mesmas séries, agora com a participação de todos os municípios do Ceará. Em 2014, 551.341 alunos do 2º, 5º e 9º anos do EF foram avaliados. Desde 2007, o 2º ano foi incorporado – SPAECE-Alfa. (http://www.spaece.caedufjf.net/o-programa).

146

indica o estudo do anexo deste fascículo, que traz o modo como a avaliação diagnóstica pode

ser desenvolvida pelos professores alfabetizadores. Esse documento encerra uma matriz de

referência78, que discrimina os conhecimentos e as competências a serem avaliados, com base

em três eixos: aquisição do sistema de escrita; leitura e produção de textos. Então, sugere

várias atividades de avaliação a serem aplicadas pelos professores.

No caso do PNAIC isto é ampliado sobremaneira, pois a avaliação vira um eixo

de atuação do Programa e passa a ser uma área assaz explorada, materializada no programa

em três modalidades: processual, realizada pelos próprios alfabetizadores junto aos seus

alunos ao longo do ano; diagnóstica (Provinha Brasil), aplicada também pelos professores, no

início e ao final do 2º ano e uma externa universal, concertada pelo INEP, ao término do 3º

ano. Durante o Programa, crianças e professores do ciclo de alfabetização passam a ser

avaliados vorazmente.

O documento do programa Avaliação no ciclo da alfabetização traz uma

discussão sobre a temática nas perspectivas processual e diagnóstica, bem como de seus

diversos e inúmeros instrumentos avaliativos de diagnóstico e de acompanhamento dos

processos de aprendizagem das crianças em leitura e escrita. Na tentativa de justificar a

necessidade da existência do sistema de avaliação externa atrelado ao Programa, o citado

documento advoga que,

[...] ao se adotar uma concepção mais progressista, pode-se considerar a avaliação como uma ação que inclui vários sujeitos, ou seja, uma ação intencional que se dá de modo multidirecional. Dessa forma, o que se busca é um sistema integrado de co-avaliação, no qual docentes, discentes e equipes de profissionais da escola e de outros sistemas avaliam e são avaliados. (BRASIL, p. 07, 2012c).

Não há dissenso das ideias defendidas nesse documento, de que, por meio da

avaliação, é possível analisar aspectos educacionais, nos âmbitos do currículo, planejamento,

ensino e aprendizagem. Sua importância e sua necessidade são algo inquestionável como

recurso do processo educativo e como balizador de políticas sociais. É oportuno lembrar,

todavia, que a avaliação é um campo complexo, marcado por disputas e interesses germinados

de grupos sociais. Nessa seara litigiosa, em que se percebe a avaliação concebida como

instrumento de regulação e controle do Estado, deduzimos que ela se materializa como

elemento comprometido nesse processo de ensino e de aprendizagem, pois pode haver poucas

78 Documento em que apresenta as capacidades linguísticas avaliadas em cada eixo, os respectivos descritores (o

que se deve verificar. Ex: verificar se a criança faz distinção entre letras e números) e procedimentos de avaliação.

147

possibilidades de equilíbrio entre os interesses (classistas, econômicos, políticos, ideológicos

e pedagógicos).

Além das crianças, os profissionais envolvidos no Programa também são

avaliados. O PNAIC se utiliza do SisPacto, sistema de monitoramento que avalia os

participantes pelos critérios de frequência, atividades realizadas e acompanhamento das ações

previstas para cada etapa.

Ao que parece, a avaliação propagada pelo PNAIC em seus materiais é guiada por

duas lógicas antagônicas79: a do controle, em que os resultados estatísticos são as metas

desejadas e a do processo formativo de crianças e professores, que objetiva a aprendizagem de

conhecimentos e não estatística.

As avaliações do PNAIC caracterizam-se como influente e poderoso recurso de

monitoramento e controle de formação e do trabalho docente. De acordo com Barreto (2015),

os programas de formação continuada de professores têm “relegada a intencionalidade das

ações educativas a segundo plano com o predomínio crescente do estilo gerencialista

comandado pela avaliação de resultados nas políticas da educação básica.” (P. 698).

As questões anteriormente mostradas são importantes para a discussão no interior

das escolas, das formações e na gestão das políticas públicas, porque as ações e os efeitos das

formas de uso da avaliação proposta pelos programas se materializam no cotidiano dos

sistemas de ensino, por meio de vários mecanismos fomentando representações e práticas.

79 Baseado nas ideias de Perrenoud expressas no livro Avaliação: da excelência à regulação das aprendizagens

em que o autor faz uma discussão sobre as lógicas utilizadas pela avaliação: uma a serviço das aprendizagens e a outra a serviço da seleção.

148

7 CONSIDERAÇÕES FINAIS

As interrogativas que nortearam este estudo e os “dados” revelados e analisados

no corpo deste trabalho conduzem-nos, nesse exercício de “conclusão”, à compreensão,de

conjunto, das relações e contradições que envolvem os programas de formação de professores

alfabetizadores de crianças, aqui investigados: PROFA, PRÓ-LETRAMENTO e PNAIC.

Nessa direção, o objetivo principal deste trabalho se constituiu em investigar, por

meio de um estudo comparativo, a constituição teórica e metodológica dos referidos

programas, a fim de compreender tanto os modelos de formação adotados quanto as intenções

que referendam os procedimentos e práticas alfabetizadoras. Isso nos deu condições de

vislumbrar como esses modelos oficiais de formação voltados para a alfabetização de crianças

se constituem ao longo desse recorte temporal (últimos 14 anos) e as concepções e interesses

que os fundamentam.

Como desdobramentos da intenção desta pesquisa, buscamos conhecer as

concepções de formação docente e de alfabetização e de letramento assumidas pelos

programas. Igualmente, investigamos as intenções e interesses políticos e pedagógicos, assim

como os conteúdos de ensino, as formas de organização do trabalho pedagógico formuladas e

as estratégias adotadas com vias ao resultado esperado:formar professores alfabetizadores.

Relativamente à constituição teórica e metodológica dos programas investigados,

podemos apreender, pelo estudo comparativo, que estes guardam entre si mais semelhanças

do que diferenças. No que diz respeito às semelhanças, consideramos que o arcabouço teórico

que constitui os materiais do PROFA, do PRÓ-LETRAMENTO e do PNAIC organiza-se

pelos mesmos pressupostos teóricos. De igual modo, a concepção de formação defendida nos

três programas baseia-se na Teoria da Epistemologia da Prática Docente, a qual busca a

valorização e o entendimento da prática profissional mediante a reflexão, análise e

problematização, visando à revivificação da teoria como via privilegiada de construção de

conhecimento pelo professor.

Referida perspectiva tem, em sua base, um corpus teórico de autores exponenciais

como Nóvoa (1992), Perrenoud (200, 2002), Garcia (1995), Schön (1992), entre outros, que

defendem, em linhas gerais, a formação como um continuum e o professor como profissional

reflexivo, que compreende sua prática à luz da relação entre teoria e prática, num processo

permanente de desenvolvimento profissional e pessoal.

Tida, no entanto, como eixo estruturador do processo de aprendizagem dos

professores, a reflexão é promovida pelos programas numa dimensão individual, voltada,

149

sobretudo, ao mundo privado da aula. Por isso os docentes são tomados como prático-

reflexivos. Perspectiva problemática: porque ela enseja uma supervalorização da prática

docente centrada nela própria, negligenciando as reflexões acerca de mediações influentes

como, por exemplo, fatores sociais, econômicos, políticos, ideológicos e culturais que

envolvem a realidade escolar e o trabalho docente no processo de ensino e de aprendizagem

da leitura e da escrita.

Por essa razão, os modelos de formação (nomeados de variadas formas, seja

desenvolvimento de competências no PROFA ou desenvolvimento profissional no Pró-

Letramento), tendem ao investimento na evolução profissional dos professores unicamente na

perspectiva individual, reclusa à prática pedagógica, concepção esta desprendida, portanto, da

perspectiva social do desenvolvimento pleno da carreira docente. Em vez disso, os modelos

de formação dos referidos programas promovem requalificação e intensificação do trabalho

docente, presos à lógica exclusiva aos modos e afazeres da prática restrita à sala de aula.

Esta perspectiva de formação docente constitui um campo de intensas discussões

e debates complexos, com tensões de natureza política, ideológica e, em particular, teórico-

conceitual, expressas nos limites e nas possibilidades dessa abordagem de formação docente

centrada na perspectiva individual. Compreendemos que essa perspectiva compromete, no

âmbito da classe docente, o desenvolvimento de uma visão de totalidade, de tomada de

consciência ampla sobre as origens das problemáticas que envolvem a Educação da criança na

sociedade brasileira, das implicações sociais, educacionais e políticas das formações e do

trabalho dos professores, assim como das intenções que referendam os programas

governamentais, relativas à intervenção didático-pedagógica nas escolas públicas das redes

municipais.

Tomando ainda as concepções de base, vimos que o conceito de alfabetização é o

mesmo nos três programas, tendo como coluna central a Teoria da Psicogênese da Língua

Escrita, de Ferreiro e Teberosky (1986). No PROFA, a discussão acerca dessa teoria é mais

expressiva. Já o PRÓ-LETRAMENTO e o PNAIC investiram mais em outros conteúdos

relacionados ao processo de aquisição da linguagem escrita, como as capacidades linguísticas

que precisam ser desenvolvidas pelas crianças; organização do tempo pedagógico;

planejamento do ensino; direitos de aprendizagem, usos de jogos, dentre outros.

As discussões sobre leitura e escrita revelam a concepção de linguagem como

expressão de uma competência discursiva que possibilita a interação social. Essa concepção

contemporânea de linguagem, respaldada nos estudos de Bakhtin (1992), Bronckart (1999),

Schneuwly e Dolz (2004), denota-se de modo mais explícito no PNAIC. Por essa razão, a

150

interação das crianças com a diversidade de gêneros textuais em diversas situações

sociocomunicativas relaciona-se diretamente à perspectiva do letramento, conceito assumido

pelo PRÓ-LETRAMENTO e PNAIC como proposta ao processo de aquisição da escrita pelas

crianças.

As concepções relativas à linguagem, alfabetização e letramento, defendidas pelos

três programas, são produtos de pesquisas recentes do campo, com circulação em várias

comunidades acadêmicas. Portanto essas concepções, componentes dos programas, têm

legitimidade científica e de igual modo encontram-se em diversos documentos oficiais do

Governo, como os PCN, Guia do PNLD, entre outros. A esse respeito, Silva (1995)

argumenta que propositalmente o discurso neoliberal no mundo da Educação instaura um

sistema linguístico com expressões e conceitos tão consistentes que dificulta posicionamentos

contrários ao proclamado. O arcabouço teórico com legitimidade científica, constituinte dos

três programas, é um clássico exemplo de apropriação de teorias científicas pelos neoliberais,

utilizadas estrategicamente para produzir consentimento e evitar resistências no seio dos

movimentos docentes.

No concernente à dimensão metodológica, verificamos poucas diferenças entre os

três programas. As propostas centram-se em estratégias básicas semelhantes, como debates,

reflexões sobre a prática a partir de relatos ou vídeos, leitura literária, criação de situações

didáticas etc. Recomenda-se que todos esses procedimentos sejam feitos mediante trabalho

em grupos colaborativos. Entre as metodologias, o uso de vídeo para debate, com o objetivo

de desencadear reflexões sobre a prática, mostra-se de modo mais incisivo no PROFA.

Frisamos, entretanto, que a sistematização, a organização, pertinência dos conteúdos e

imagens dos vídeos, que constituíam inovação em atividades formativas precedentes, é o

grande destaque da didática proposta pelo PROFA. Esta sugere que os vídeos abordem, além

de conteúdos conceituais, situações reais de leitura e de escrita com distintos gêneros textuais.

A didática valoriza o ato de “aprender a ensinar”, isso numa intenção de referendar,

conceitual e procedimentalmente, o professor alfabetizador de crianças. Esta intenção se

mostra, ainda, nos outros dois programas, embora se expresse mais efetivamente por meio de

relatos escritos de experiências e sugestões de atividades.

Do ponto de vista político, essa constituição teórica e metodológica, adotada

pelos programas, materializa uma finalidade ideológica programática explícita de ajustamento

da formação docente às ambições das políticas neoliberais. Por sua vez, estão atreladas às

exigências atuais do capitalismo e à elaboração instrumental do “saber fazer” da ação docente.

Nesse âmbito, o bom docente é um profissional prático que se adéqua às necessidades atuais e

151

do futuro, que está de prontidão e preparado para dar aulas, dominar os conteúdos, administrar

sua turma e saber avaliar, para que as crianças apresentem desempenho e condição de

responder, com eficiência, as demandas efetivas ou virtuais (empregabilidade) do mercado de

trabalho.

Situamos, ainda, na análise dos materiais dos programas, a ausência de reflexões

acerca da responsabilidade dos órgãos governamentais perante as dificuldades vivenciadas no

panorama educacional que comprometem, nas escolas públicas municipais, uma Educação da

criança realizada com qualidade, baseada em bons desempenhos em leitura e escrita.

Não basta só o professor alfabetizador saber ensinar à criança a ler e a escrever

gêneros textuais a partir de criativas situações didáticas, como o difundido pelos programas.

Também se faz necessário o incremento de políticas educacionais direcionadas aos sistemas

de ensino, às escolas, com vistas à melhoria das condições objetivas e subjetivas de formação

e de trabalho docente. De igual modo, faz-se imperioso um acompanhamento real do

professor na vivência do cotidiano escolar, para que ele consiga continuar os estudos sobre o

campo da alfabetização e letramento além dos programas oficiais do Governo.

A mudança na qualidade da educação da criança na escola pública depende de

viários fatores e não somente do professor. Nos materiais, entretanto, ainda se percebe um

destaque para o papel desse profissional ante sua formação, sua prática pedagógica e

inovações necessárias à melhoria da aprendizagem das crianças sob sua responsabilidade,

tudo isto atrelado ao “controle técnico” exercido pelos programas, via avaliação e outros

direcionamentos. Pelo estudo comparativo, a avaliação, nos três programas, é uma área de

crescente monitoramento e controle sobre a formação e o trabalho do alfabetizador. É notório

o expressivo aumento da exploração da temática sobre crianças e professores ao longo do

desenvolvimento das propostas do PROFA, PRÓ-LETRAMENTO e PNAIC. No decurso dos

programas, a avaliação vai se diferenciado quanto a natureza, finalidades e diversidade de

instrumentos. O PNAIC é o programa que mais propõe o uso da avaliação como instrumento

regulador de metas e intenções políticas.

Em síntese, podemos afirmar que os materiais dos programas revelam ênfase ao

que poderíamos chamar de perspectiva pragmática do ensino da leitura e da escrita, ao ponto

de desconsiderar ou minimizar três dimensões fundamentais: o aspecto político-social e

cultural inerente à formação e à alfabetização/letramento; a dimensão intelectual e autonomia

do professor; e o contexto de lutas e de interesses próprios de uma sociedade de classes.

Como se sabe, entretanto, essas intervenções didático-pedagógicas se efetivam de

várias formas nos municípios do País. Por isso, faz-se necessária a realização de pesquisas de

152

natureza empírica, para conhecer como são de fato realizadas na prática as intervenções, bem

como a implicações e resultados educativos e sociais de todo o processo sobre os professores,

crianças e comunidades.

Pela análise documental, contudo, realizada por nós sobre os três programas, em

uma perspectiva comparada, podemos delinear as seguintes conclusões: as intervenções

didático-pedagógicas propostas pelos programas, por um lado, representam avanço,por outro,

uma inversão de prioridades.

Em virtude da situação histórica problemática e do descaso por parte do Estado

em relação à formação inicial do alfabetizador nos cursos de Pedagogia, referidos programas,

mesmo sendo de caráter compensatório, representam avanço: são eles, em geral, os principais

meios de acesso, dos professores alfabetizadores de crianças, ao conhecimento das

especificidades da área da alfabetização/letramento, possibilitando a constituição de saberes

necessários à prática alfabetizadora. Por outro, no entanto, representam uma inversão de

prioridades, exatamente pelo fato de revelarem a incompetência e o flagrante descaso relativo

à formação inicial, como prioridade no tocante à formação de professores alfabetizadores de

crianças. Afirmamos isso porque compreendemos que a boa educação da criança em idade

escolar também começa com boa formação inicial de professores alfabetizadores.

Este estudo revela ainda, para nós, a clara intenção do Estado em conceber a

formação dos professores alfabetizadores e a educação das crianças, como meio de controle e

alienação, numa intenção de integrar a classe trabalhadora à dinâmica socioeconômica da

sociedade capitalista, sem perspectivas de realmente transformar, pela educação das crianças,

a realidade social com vistas a uma vida humanizada e mais justa.

153

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ANEXO A - PRINCIPAIS CONTEÚDOS TRABALHADOS NO PROFA

PROCEDIMENTOS

Análise de adequação das situações didáticas de alfabetização, a partir do conhecimento sobre

os processos de aprendizagem.

Análise da produção escrita dos alunos, identificando o que ela revela sobre o seu

conhecimento linguístico sobre a escrita.

Produção/uso de instrumentos de avaliação da aprendizagem do aluno no que se refere à

alfabetização.

Identificação das variáveis que interferem favorável e desfavoravelmente na aprendizagem.

Planejamento de situações didáticas de alfabetização considerando o que se sabe sobre os

processos de aprendizagem e sobre o conhecimento dos alunos.

Uso do modelo metodológico de resolução de problemas na alfabetização.

Formação de agrupamentos produtivos para a aprendizagem de todos os alunos.

Seleção/uso de diferentes materiais apropriados para o trabalho pedagógico de alfabetização.

Gestão adequada da sala de aula, especialmente quando há níveis heterogêneos de

conhecimento em relação ao sistema de escrita.

ATITUDES

Respeito aos diferentes ritmos e formas de aprendizagem, identificando qual é a ajuda

necessária para que todos se alfabetizem.

Consciência do papel de modelo para os alunos – como leitor, escritor e parceiro experiente.

Acolhimento de diferentes hipóteses e falas dos alunos quando expressam seus

conhecimentos.

Valorização da cooperação na sala de aula, especialmente em situações de ensino e

aprendizagem.

Observação atenta dos alunos quando realizam atividades e se relacionam uns com os outros.

Disponibilidade para discutir a prática de alfabetização desenvolvida.

TEMAS/CONCEITOS

Leitura, Escrita e Processos de Aprendizagem na Alfabetização

Diferentes concepções de alfabetização.

Relação entre alfabetização e letramento.

Analfabetismo funcional.

162

Índices de analfabetismo no Brasil e no mundo.

Importância da alfabetização e o sucesso escolar na vida das pessoas.

Estratégias de leitura.

Procedimentos que os não-alfabetizados utilizam para ler/aprender a ler.

Procedimentos que os não-alfabetizados utilizam para escrever/aprender a escrever.

Procedimentos que os não-alfabetizados utilizam para interpretar a própria escrita.

Evolução das ideias dos não-leitores sobre a leitura.

Evolução das hipóteses sobre a escrita alfabética.

Papel da memória na aprendizagem de um conteúdo conceitual complexo como o sistema

alfabético de escrita.

Conhecimento Didático

Critérios de seleção, organização e sequenciação dos conteúdos de alfabetização.

Uso do conhecimento prévio do aluno em favor da alfabetização.

Papel das interações produtivas entre os alunos na aprendizagem inicial da leitura e da escrita.

Critérios de agrupamento de alunos para o trabalho didático de alfabetização.

Uso da heterogeneidade de conhecimentos em relação à escrita como vantagem pedagógica

para a alfabetização.

Possibilidades de intervenção pedagógica em situações de ensino e aprendizagem inicial de

leitura e escrita.

Modelo metodológico de resolução de problemas na alfabetização.

Orientações didáticas para a alfabetização.

Formas de organização dos conteúdos escolares para otimizar o uso do tempo e atender aos

objetivos de ensino e aprendizagem: atividades permanentes, atividades sequenciadas,

atividades independentes e projetos.

Gêneros textuais adequados ao trabalho pedagógico no período de alfabetização.

Materiais didáticos úteis para o ensino e a aprendizagem inicial de leitura e escrita.

Propostas de gestão da sala de aula, especialmente quando há níveis heterogêneos de

conhecimento em relação ao sistema de escrita.

163

ANEXO B - UNIVERSIDADES PARCEIRAS DO PNAIC

UNIVERSIDADE SIGLA

Universidade Federal do Acre UFAC

Universidade Federal de Alagoas UFAL

Universidade Federal do Amazonas UFAM

Universidade Federal do Amapá UNIFAP

Universidade Federal do Recôncavo da Bahia UFRB

Universidade Estadual da Bahia UNEB

Universidade Federal do Ceará UFC

Universidade de Brasília UNB

Universidade Federal do Espírito Santo UFES

Universidade Federal de Goiás UFG

Universidade Federal do Maranhão UFMA

Universidade Federal de Ouro Preto UFOP

Universidade Federal de Juiz de Fora UFJF

Universidade Federal de Minas Gerais UFMG

Universidade Federal de Uberlândia UFU

Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri UFVJM

Universidade do Estado de Minas Gerais UEMG

Universidade Estadual de Montes Claros UNIMONTES

Universidade de Mato Grosso do Sul UFMS

Universidade Federal do Mato Grosso UFMT

Universidade Federal do Oeste do Pará UFOPA

Universidade Federal do Pará UFPA

Universidade Federal da Paraíba UFPB

Universidade Federal de Pernambuco UFPE

Universidade Federal do Piauí UFPI

Universidade Federal do Paraná UFPR

Universidade Estadual de Maringá UEM

Universidade Estadual de Ponta Grossa UEPG

Universidade Federal do Rio de Janeiro UFRJ

Universidade Federal do Rio Grande do Norte UFRN

Universidade Federal de Rondônia UNIR

Universidade Federal de Roraima UFRR

Universidade Federal de Pelotas UFPel

Universidade Federal de Santa Maria UFSM

Universidade Federal de Santa Catarina UFSC

Universidade Federal de Sergipe UFS

164

Universidade Estadual de Campinas Unicamp

Universidade Estadual Júlio de Mesquita Filho UNESP

Universidade Federal de São Carlos CUFSCAR

Universidade Federal de Tocantins UFT

Fonte: Portal do PNAIC