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1 TERRORISMO QUIMICO Por Susana García A OMS em seu Guia sobre Resposta de Saúde Pública a Armas Biológicas e Químicas se inicia afirmando que os países precisam de um sistema de saúde pública que possa responder ao lançamento deliberado de agentes químicos e biológicos, e cita como antecedentes o uso de gás mostarda e agentes nervosos na guerra entre o Iraque e a República Islâmica em 1980, os incidentes com antrax nos Estados Unidos em 2001 e o ataque terrorista pela seita Aum Shinrikyo com o agente nervoso sarin no metrô de Tóquio em 1995 para ilustrar porque é preciso se estar preparado. Para isto, provavelmente não seja preciso criar estruturas novas nem planos de ação, mas reforçar os sistemas existentes de vigilância em nível local, nacional e internacional, para que detectem rapidamente as ameaças químicas e biológicas; preparem localmente os níveis assistenciais para os desafios que envolve a atenção de múltiplas vítimas contaminadas com produtos químicos ou com doenças associadas a toxinas e substâncias tóxicas, reforçando a capacitação de recursos humanos do sistema de saúde pública para reconhecer e agir adequadamente perante esses eventos, bem como para se preparar para assegurar o abastecimento de água segura e proteger o fornecimento de alimentos da contaminação deliberada com agentes químicos e biológicos. 1. Introdução O desenvolvimento, a produção e o uso de armas químicas e biológicas estão proibidos por tratados internacionais que a maioria dos estados membros da OMS assinaram, tais como o Protocolo de Genebra de 1925, a Convenção de Armas Biológicas e Toxinas de 1972 e a Convenção de Armas Químicas de 1993. Mesmo que tenham sido raramente usadas, representam sérios perigos para aqueles que as desenvolvem, produzem e usam, persiste a possibilidade de que sejam empregadas para propósitos terroristas ou criminais. O desenvolvimento da biotecnologia, por exemplo, pode se desviar dos propósitos pacíficos para fins hostis como o desenvolvimento de novos agentes a partir do ADN recombinante como armas de destruição em massa. Sabendo que existe a ameaça e antecipando a magnitude dos efeitos possíveis sobre a população civil, é preciso que os governos estejam preparados e tenham planos de preparação e resposta perante esses eventos como parte integral dos planos nacionais de saúde pública e desastres, consistentes com os planos existentes para a resposta perante surtos de doenças, desastres naturais, acidentes industriais ou de transporte de produtos perigosos. A preparação deveria se basear na análise de riscos e avaliação de ameaças que permita determinar a prioridade relativa que deveria ser dada a esse tipo de evento em comparação com outros perigos para a saúde pública que existam em cada país. 2. Armas químicas

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TERRORISMO QUIMICO

Por Susana García A OMS em seu Guia sobre Resposta de Saúde Pública a Armas Biológicas e Químicas se inicia afirmando que os países precisam de um sistema de saúde pública que possa responder ao lançamento deliberado de agentes químicos e biológicos, e cita como antecedentes o uso de gás mostarda e agentes nervosos na guerra entre o Iraque e a República Islâmica em 1980, os incidentes com antrax nos Estados Unidos em 2001 e o ataque terrorista pela seita Aum Shinrikyo com o agente nervoso sarin no metrô de Tóquio em 1995 para ilustrar porque é preciso se estar preparado. Para isto, provavelmente não seja preciso criar estruturas novas nem planos de ação, mas reforçar os sistemas existentes de vigilância em nível local, nacional e internacional, para que detectem rapidamente as ameaças químicas e biológicas; preparem localmente os níveis assistenciais para os desafios que envolve a atenção de múltiplas vítimas contaminadas com produtos químicos ou com doenças associadas a toxinas e substâncias tóxicas, reforçando a capacitação de recursos humanos do sistema de saúde pública para reconhecer e agir adequadamente perante esses eventos, bem como para se preparar para assegurar o abastecimento de água segura e proteger o fornecimento de alimentos da contaminação deliberada com agentes químicos e biológicos. 1. Introdução O desenvolvimento, a produção e o uso de armas químicas e biológicas estão proibidos por tratados internacionais que a maioria dos estados membros da OMS assinaram, tais como o Protocolo de Genebra de 1925, a Convenção de Armas Biológicas e Toxinas de 1972 e a Convenção de Armas Químicas de 1993. Mesmo que tenham sido raramente usadas, representam sérios perigos para aqueles que as desenvolvem, produzem e usam, persiste a possibilidade de que sejam empregadas para propósitos terroristas ou criminais. O desenvolvimento da biotecnologia, por exemplo, pode se desviar dos propósitos pacíficos para fins hostis como o desenvolvimento de novos agentes a partir do ADN recombinante como armas de destruição em massa. Sabendo que existe a ameaça e antecipando a magnitude dos efeitos possíveis sobre a população civil, é preciso que os governos estejam preparados e tenham planos de preparação e resposta perante esses eventos como parte integral dos planos nacionais de saúde pública e desastres, consistentes com os planos existentes para a resposta perante surtos de doenças, desastres naturais, acidentes industriais ou de transporte de produtos perigosos. A preparação deveria se basear na análise de riscos e avaliação de ameaças que permita determinar a prioridade relativa que deveria ser dada a esse tipo de evento em comparação com outros perigos para a saúde pública que existam em cada país. 2. Armas químicas

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As armas químicas são aquelas que podem causar a morte, incapacidade temporária ou lesões permanentes pela toxicidade dos seus princípios ativos. Podem ser usadas contra seres humanos, animais ou plantas. São consideradas armas químicas as substâncias de uso industrial, como o fosgênio ou o cianídrico, quando são disseminados com propósitos hostis. Não são considerados armas químicas agentes propelentes, explosivos, aditivos ou outros que sejam adicionados aos princípios ativos. Alguns agentes biológicos são patogênicos devido a substâncias tóxicas geradas por eles mesmos, chamadas de “toxinas”, as quais podem ser isoladas e usadas como armas. As toxinas, mesmo quando são consideradas armas biológicas, produzem efeitos como resultado de mecanismos tóxicos e não infecciosos, por isso também podem ser consideradas agentes químicos de guerra. O Departamento de Saúde e Serviços Humanos dos Estados Unidos lista os seguintes agentes químicos que podem ser usados com fins terroristas: - Toxinas biológicas

o Abrina o Estricnina o Ricina

- Agentes vesicantes/agentes que causam bolhas o Lewisitas/agentes de cloroarsina o Lewisita (L, L-1, L-2, L-3) o Mostarda/lewisita (HL) o Mostardas o Gás mostarda (H) (mostarda de enxofre) o Mostarda de enxofre (H) (gás mostarda) o Mostarda destilada (HD) o Mostarda/lewisita (HL) o Mostarda nitrogenada (HN-1, HN-2, HN-3) o Mostarda sesqui o Mostarda/T o Oxima de fosgênio (CX)

- Agentes sanguíneos o Arsina (SA) o Cianeto o Cloreto de cianogênio (CK) o Cianeto de hidrogênio (AC) o Cianeto de potássio (KCN) o Cianeto de sódio (NaCN)

- Cáusticos (ácidos) o Ácido fluorídrico (fluoreto de hidrogênio)

- Pulmonares/agentes asfixiantes ou pulmonares (prejudicam os pulmões) o Amoníaco o Cloro (CL) o Cloreto de hidrogênio o Fosfina o Fósforo, elementar, branco ou amarelo o Fosgênio o Difosgênio (DP)

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o Fosgênio (CG) - Agentes incapacitantes

o BZ o Fentanilos e outros opióides

- Anticoagulantes de longo prazo o Superwarfarina

- Metais o Arsênico o Mercúrio o Tálio

- Agentes nervosos o Agentes tipo G

Sarin (GB) Soman (GD) Tabun (GA)

o Agentes tipo V VX

- Solventes orgânicos o Benzeno

- Agentes anti-distúrbios/gás lacrimogêneo o Cianeto de bromobencilo (CA) o Cloroacetofenona (CN) o Clorobencilidenmalononitrilo (CS) o Cloropicrina (PS) o Dibenzoxacepina (CR)

- Alcoóis tóxicos o Etileno Glicol

- Agentes vomitivos - Adamsita (DM) 3. Características do terrorismo químico - Todas as vítimas sofrerão o mesmo tipo de efeito nocivo. Somente a magnitude do

prejuízo será diferente. - A toxicidade das armas químicas geralmente é extremamente elevada e pode

produzir intoxicações graves em doses muito pequenas e, portanto, requer uma atenção médica rápida e antídotos específicos.

- Somente pessoal devidamente protegido por equipamento adequado ao perigo poderá ingressar na área contaminada. As ambulâncias e demais profissionais de saúde não devem ingressar nessas áreas.

- Podem variar desde os relativamente confinados a um lugar específico até aqueles que se expandem a ponto de colocar em perigo à comunidade toda.

- Alto risco de contaminação secundária. As vítimas expostas podem ser um risco para o pessoal de resgate, que poderia se contaminar ao entrar em contato com elas. Por conseguinte, uma descontaminação oportuna deve ser feita preferencialmente antes que as vítimas sejam atendidas por pessoal médico. Além disso, os responsáveis de prover essa atenção devem conhecer como avaliar e gerir as manifestações de doença que as vítimas contaminadas possam apresentar e saber se proteger do risco potencial derivado da contaminação

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secundária. Para prevenir exposições desnecessárias qualquer pessoa envolvida no processo de resgate deve ser considerada contaminada.

- Os hospitais (e outras instalações para tratamento) e as vias de acesso a eles podem estar dentro da zona contaminada de modo que é provável que o acesso seja bloqueado e não seja possível receber novos pacientes em um período considerável. Portanto, os planos devem incluir a exigência de se contar com instalações médicas temporárias em escolas, centros esportivos, barracas, etc.

- É provável que o conhecimento geral das propriedades e efeitos de muitos produtos químicos não seja completo. Por conseguinte, é preciso identificar sistemas efetivos para obter informação essencial dos produtos químicos envolvidos e oferecer essa informação aos grupos de resgate e outras pessoas que possam precisar dela.

- Pode ser preciso realizar estudos toxicológicos ambientais ou dos fluídos biológicos de pacientes contaminados, por isso é preciso identificar os laboratórios que tenham a capacidade para realizar esse tipo de análises.

- As comunidades afastadas do lugar do incidente também podem ser afetadas indiretamente pela contaminação de água e alimentos.

Geralmente as pessoas expostas na cena de um incidente estão sob maior risco desde o início. Os primeiros respondedores da emergência (por exemplo, os bombeiros, os policiais ou outro pessoal de resgate) também podem estar em perigo quando a proteção é inadequada. Um grupo de alto risco e que é freqüentemente esquecido são os trabalhadores da saúde, quem podem estar expostos longe do lugar da emissão se os afetados não forem devidamente descontaminados antes de ser transportados às instalações médicas/unidades de saúde. A distância onde se encontram os residentes de uma comunidade, as condições climáticas, a vegetação e as fontes de água potável na área do incidente geralmente são fatores críticos na determinação dos efeitos à saúde humana e ao ambiente. 4. Conseqüências do terrorismo químico As conseqüências de um ato de terrorismo químico são fundamentalmente prejudiciais à saúde, ao ambiente e à propriedade. Efeitos sobre a saúde Os efeitos sobre a saúde podem ser: - Efeitos agudos que têm uma ampla variabilidade dependendo do tipo e dose da

substância. Podem ser locais (por exemplo, os prejuízos irritativos produzidos pela inalação de vapores de amoníaco ou as lesões destrutivas da pele e mucosas produzidas por ácidos e álcalis) ou sistêmicos (por exemplo, a depressão do sistema nervoso central produzido pelos hidrocarbonetos voláteis, a neuropatia periférica produzida por metais, etc.) e podem afetar diferentes órgãos e sistemas, por isso as manifestações podem significar prejuízo neurológico, respiratório, gastrointestinal, hepático, renal, etc.

- Efeitos a longo prazo, devidos à exposição/permanência prolongada a/de um produto perigoso lançado ao ambiente, que causa contaminação de fontes de água, do solo e dos alimentos, logo a exposição será repetida ou continuada. Alguns efeitos de longo

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prazo são: a carcinogênese, mutagênese, teratogênese, doenças respiratórias, encefalopatias crônicas, etc.

Também podem aparecer: - lesões de tipo traumáticas (fraturas múltiplas, hemorragias, ruptura de órgãos,

morte súbita, queimaduras e outras) como resultado de explosão ou incêndio; - reações psicológicas resultantes do estresse, como depressão, ansiedade,

confusão, etc.; - doenças transmissíveis, por deslocamentos da população potencialmente exposta

a áreas onde não há serviços adequados, desabastecimento de água potável ou deterioração das condições sanitárias.

Efeitos sobre o ambiente - Contaminação do ambiente abiótico: solos, ar, águas superficiais e subterrâneas. - Morte de diversos organismos sensíveis: aves, peixes e outros organismos

aquáticos, plantas, microorganismos do solo, fungos, mamíferos. - Contaminação de alimentos.

Efeitos econômicos

5. Gestão hospitalar de urgência em caso de incidentes com agentes

químicos de uso bélico ou terrorista. Protocolo geral 1. Identificar o agente/produto/substância. 2. Preparar as áreas onde serão recebidas as vítimas contaminadas, os equipamentos

de proteção individual e de descontaminação e antídotos necessários (veja os anexos). Construir barracas de descontaminação se for possível.

3. Proteger todas as áreas que possam ser contaminadas, incluídas as entradas do hospital e o solo.

4. Notificar o vento às autoridades de Defesa/Proteção Civil e outros atores importantes. 5. Se a substância química for um agente de guerra e as forças militares ou de

segurança não foram informadas, proceder a notificação a elas. 6. Se um agente nervoso (anticolinesterase) estiver envolvido, notificar às farmácias das

unidades de saúde sobre a possível necessidade de grandes quantidades de atropina e pralidoxima.

7. Acionar o sistema de vigilância ambiental e epidemiológica Quando as vítimas chegam (Observação: Um paciente contaminado pode chegar à sala de emergências sem aviso prévio) 8. O perigo químico é real?

- A liberação ou a exposição são conhecidas (incluindo uma notificação tardia) - Há alguma substância líquida sobre a pele do paciente ou a roupa. - Há sintomas específicos de efeitos de substâncias químicas (estresse respiratório,

coma, convulsões, miose, etc.) - Existe uma referência a um cheiro/odor específico (H, L, fosgênio, cloro) - O perigo pode ser detectado com algum equipamento de detecção apropriado

SIM: Veja o número 10

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NÃO: Trate a vítima com procedimentos de rotina. 9. Mantenha a vítima fora da sala de emergências até que o pessoal tenha colocado o Equipamento de Proteção Individual. 10. No caso de evidências de contaminação (líquido sobre a pele ou a roupa, papel detector positivo) ou se houver suspeita de contaminação, descontaminar o paciente antes de sua entrada no prédio. 6. Tratamento Inicial e Identificação do Agente Químico 1. Estabilizar a via aérea. 2. Fornecer respiração artificial, se não respira. 3. Controlar hemorragias. 4. Se houver sinais de intoxicação por agentes anticolinesterase:

- Pupilas puntiformes - Dificuldade respiratória (sibilâncias, dispnéia, ronqueira, etc.) - Sudorese local ou generalizada - Fasciculações - Secreções abundantes - Náuseas, vômitos, diarréia - Convulsões - Coma.

VEJA PROTOCOLO AGENTES NERVOSOS 5. Se houver antecedentes de exposição a cloro: VEJA PROTOCOLO CLORO 6. Há bolhas que apareceram dentro dos primeiros minutos da exposição? SIM: Veja 7 NÃO: Veja 8 7. Há queimaduras por calor? SIM: Veja 9 NÃO: VEJA PROTOCOLO LEWISITA 8. Há queimaduras ou irritação ocular que começaram entre 2 e 12 horas da exposição? SIM: VEJA PROTOCOLO MOSTARDAS NÃO: Veja 9 9. É possível uma exposição a fosgênio?

- Exposição a fosgênio conhecida - Exposição conhecida a hidrocarbonetos clorados e calor - Dificuldade respiratória que iniciou poucas horas depois da exposição

SIM: VEJA PROTOCOLO FOSGÊNIO 10. Pesquisar outras exposições químicas possíveis:

- Exposição conhecida - Depressão do Sistema Nervoso Central sem traumatismo do crânio - Cheiro na roupa ou no hálito - Sinais ou sintomas específicos.

7. Protocolos

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PROTOCOLO AGENTES NERVOSOS

1. Há dificuldade respiratória severa?

NÃO: Veja 2 SIM: Intubação traqueal e ventilar - Atropina: Adultos: 6 mg IV ou IM (*) Crianças: 0,05 mg/kg - Pralidoxima: Adultos: 200 - 400 mg IV lento (gotejamento 30 minutos) ou IM

Crianças: 4 - 8 mg/kg 2. Há sinais maiores (miose, hipercrinia, depressão do SNC, fasciculacões?

NÃO: Ver 6. SIM: Atropina: Adultos: 4 mg IV ou IM Crianças: 0,05 mg/kg

Pralidoxima: Adultos: 200 - 400 mg IV lento (gotejamento 30 minutos) ou IM Crianças: 4 - 8 mg/kg

3. Repetir atropina se for preciso Adultos: 2 mg IV ou IM Crianças: 0,005 mg/kg

Pode se repetir cada 3 minutos até que as mucosas se sequem (não devem se esperar mudanças nas pupilas, nem na freqüência cardíaca).

4. Repetir pralidoxima se for preciso

Adultos: 200 mg IV (gotejamento 30 minutos). Repetir cada 1 hora até três vezes. Crianças: 4 - 8 mg/kg

5. Há convulsões? NÃO: Veja 6. SIM: DIAZEPAM 10 mg IV lento 6. Reavaliar cada 3 - 5 minutos. Se os sinais piorarem, repetir desde 3. Observação: Alertar à farmácia do hospital sobre a possível necessidade de grandes quantidades de atropina e pralidoxima. (*) no caso de não haver via IV ou IM disponível, pode se usar como via alternativa a intratraqueal.

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PROTOCOLO CLORO

1. Se houver dispnéia

- Broncodilatadores - Internar - Oxigênio por máscara - Rx Tórax

2. Tratar outros problemas e reavaliar (considerar fosgênio). 3. Se o sistema respiratório estiver bem, veja 5. 4. Na possibilidade de ser uma intoxicação com fosgênio (Veja protocolo fosgênio) 5. Dar tratamento de suporte, tratar outros problemas ou dar alta. (*) No caso de existir bronco-espasmo: Beta 2 agonistas e corticosteroides inalatórios ou IV.

PROTOCOLO MOSTARDA

1. Se houver obstrução da via aérea: Traqueotomia 2. Se houver grandes queimaduras

- Estabelecer um acesso IV – Não ministrar líquidos em casos de queimaduras térmicas.

- Drenar as vesículas, “remover a película” das bolhas grandes e irrigar a área com antibióticos (de preferência sulfadiazina de prata 1%).

3. Tratar sintomaticamente as outras manifestações clínicas: - Antibióticos oculares - Precauções estéreis

Observação: a morfina geralmente não é necessária no tratamento de urgência, mas pode ser apropriada para o tratamento dos pacientes internados.

PROTOCOLO LEWISITA

1. Avaliar a extensão das lesões. 2. Tratar a pele afetada com ungüento de dimercaprol (BAL - British Anti-Lewisite), se

estiver disponível. 3. Tratar os olhos afetados com pomada oftálmica de BAL se estiver disponível. 4. Tratar os efeitos severos ou pulmonares com:

- BAL: 3 a 5 mg/kg, intramuscular profunda. Repetir três vezes cada 4 horas (às O,

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4, 8, e 12 horas). - Morfina

5. Se a intoxicação for severa: encurtar os intervalos para as injeções de BAL cada 2

horas.

PROTOCOLO FOSGÊNIO

1. Restringir ingestão de líquidos, Raio x de tórax, gases no sangue. Os resultados são compatíveis com a intoxicação com fosgênio? SIM: veja 4 2. Dispnéia? SIM: Oxigênio, PEEP 3. Observação cuidadosa durante 6 horas, no mínimo.

- Se a dispnéia piorar, veja 4. - Se a dispnéia for leve ao longo de várias horas, veja 1.

4. Se a dispnéia piorar ou a Rx Tx ou os gases em sangre forem compatíveis com uma intoxicação com fosgênio: - Internar - Ministrar O2 sob PEEP - Restringir líquidos - Rx Tx - Gases no sangue

5. No caso de broncoespasmo: - Beta 2 agonistas e corticosteroides inalatórios ou IV

6. Se houver hipotensão: - Ministrar fluidos IV

8. Bibliografía - Advances In Military Dermatology. The Prevention And Treatment Of Cutaneous Injury

Secondary To Chemical Warfare Agents. Application of These Finding to Other Dermatologic Conditions and Wound Healing. Dermatologic Clinics. Volume 17 • Number 1 • Janeiro 1999.

- Borak J, Phosgene exposure: mechanisms of injury and treatment strategies. - J Occup Environ Med; 43(2): 110-9, 2001.

- Borden Institute, Walter Reed Army Medical Center. “Textbook of Military Medicine. Medical aspects of chemical and biological warfare”.http://www.nbc-med.org/SiteContent/HomePage/WhatsNew/MedAspects/contents.html

- CDC Departamento de Saúde e Serviços Humanos. Centros para o Controle e a Prevenção de Doenças. Preparação e resposta para casos de emergência. Emergências químicas. http://www.bt.cdc.gov/agent/espanol/agentlistchem-category.asp (último acesso outubro 2008)

- CDC Emergency Room Procedures in Chemical Hazard Emergencies - A Job Aid Preparations http://www.cdc.gov/nceh/demil/articles/initialtreat.htm

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- Holstege, C., Kirk, M. Sidell, F., Medical Toxicology. Chemical Warfare, Nerve Agent Poisoning.

- Manual de Emergencias Prehospitalarias del SAME- 4° edição. Dirección General del Sistema de Atención Médica de Emergencias – Departamento de Desastres – Gobierno de la Ciudad de Buenos Aires – Secretaría de Salud, Buenos Aires, Actualização outubro 2001.

- POISINDEX ® database, Management Warfare Agents. Estados Unidos, 2001. - Smith KJ, Hurst CG, Moeller RB, et al: Sulfur mustard: Its continuing threat as a

chemical warfare agent, the cutaneous lesions induced, progress in understanding the mechanism of action, long term health effects, and new developments for protection and therapy. J Am Acad Dermatol 32:765-776, 1995.

- United States Army. Medical Research Institute of Chemical Defense. “Medical management of chemical casualties Handbook”. Second edition. Setembro 1995.

- WHO guidance. Public health response to biological and chemical weapons. 2nd ed. World Health Organization. Genebra, 2004.

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9. Anexos Anexo 1. Lista de antídotos

Antídoto Principal Indicação Outras Indicações Possíveis

Atropina Síndrome Colinérgico (Inibidores de acetilcolinesterase: praguicidas organofosforados e carbamatos, agentes nervosos)

Azul de Metileno Metahemoglobinemia Diazepam Inibidores de Acetilcolinesterase Dimercaprol Arsênico Mercúrio Inorgânico Gluconato de Cálcio u outras Sales Solúveis de Cálcio

Ácido Fluorídrico, Fluoretos, Oxalatos

Oxigênio Cianeto, Monóxido de Carbono, Sulfídrico

Oxigênio-Hiperbárico Monóxido de Carbono Cianeto, Sulfídrico, Tetracloreto de Carbono

Nitrito de amilo Cianeto Nitrito de sódio Cianeto Pralidoxima ou Obidoxima Inibidores de Acetilcolinesterase Succimero (DMSA) Antimônio, Arsênico, Bismuto,

Cádmio, Cobalto, Cobre, Chumbo, Mercúrio (orgânico e inorgânico)

Mercúrio (elementar)

Tiossulfato de sódio Cianeto Bromatos, Cloratos, Iodo

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Anexo 2. Equipamento médico básico necessário para o tratamento de emergência do paciente intoxicado

* Manutenção da função respiratória:

Oxigênio Laringoscópios Cateteres ouro e nasotraqueais Sistema de ventilação Bolsa de ventilação Equipamento de traqueotomia Ventilador mecânico portátil

* Manutenção da função cardiocirculatória Monitor cardíaco Desfibrilador Eletrocardiógrafo Marca-passo externo

* Tratamento sintomático e específico: Fármacos Fluidos e eletrólitos Antídotos selecionados

* Descontaminação Equipamento portátil de lavagem Material de lavagem ocular Material de lavagem gástrico Soluções para lavagens

* Outro material necessário: Recipientes para amostras químicas Material para amostras biológicas Cateteres Material de curativos Sacolas de plástico Material de limpeza Equipamentos de proteção individual

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Anexo 3. Protocolos por tipo de agente A. AGENTES NERVOSOS (GA, GB, GD, GF, VX) Os agentes nervosos comportam-se toxicologicamente como compostos organofosforados inibidores da enzima acetilcolinesterase e os efeitos são resultado do excesso de acetilcolina. São classificados em: “agentes G”: GA (tabun), GB (sarin), GD (soman), GF (ciclohexilsarín), e “agentes V”: VX. São os agentes de guerra mais tóxicos entre todos os conhecidos. São perigosos em estado líquido e de vapor e podem causar a morte poucos minutos depois exposição. Características físicas Os “agentes G” (GA, GB, GD e GF) são vapores a temperatura ambiente, são mais voláteis e menos persistentes que os “agentes V” (VX), que permanecem líquidos.

Agente Congelamento º C

Ebulição º C

Persistência em climas frios

Persistência em climas quentes

Tabun -5 240 Dias Horas Sarin -56 158 Dias Horas

Soman -42 198 Dias Horas GF -30 239 Data

aproveitamento Data aproveitamento

VX <-51 298 Semanas Dias Podem ser lançados desde mísseis, foguetes, bombas, projeteis, minas, munições e outros dispositivos que podem ser usados em espaços confinados (teatros, centros comerciais, estações subterrâneas, etc.). Mecanismo de toxicidade Os agentes nervosos são altamente tóxicos Exemplo: A toxicidade do sarin é de 25 a 50 vezes superior à do cianeto. Os agentes nervosos podem ingressar ao organismo por distintas vias: contato com a pele, mucosas ou inalação do vapor. A inalação é a via de absorção mais eficiente devido à ampla superfície da área pulmonar. Os líquidos ou aerossóis em contato com a pele ou mucosas (olhos, nariz, lábios) são de menor absorção. Agente DL50 (1) contato com líquidos (em

g) CL50 (2) inalação de vapor ug/m3

em um minuto Tabun (GA)

10.000 400

Sarin (GB) 1.700 100 GF 30 Desconhecido VX 10 50

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(1) DL50 é a dose letal para o 50% dos indivíduos expostos em estudos experimentais com animais. (2) CL50 é a concentração letal para o 50% dos indivíduos expostos em estudos experimentais com animais. Os Agentes Nervosos agem inibindo a ação da enzima ACHe (aceltilcolinesterase), responsável da degradação da acetilcolina (ACH), neurotransmissor das sinapses colinérgicas do sistema autônomo parassimpático, nos gânglios do sistema autônomo simpático, na placa neuromuscular e no sistema nervoso central. São inibidas todas as isoenzimas: a acetilcolinesterase eritrocitária, a butirilcolinesterase sérica e as acetilcolinesterases tissulares. A união do agente nervoso e da enzima é irreversível e produz o seu envelhecimento, a não ser que o tratamento com reativadores de acetilcolina (por exemplo, pralidoxima) seja fornecido antes de ocorrer o envelhecimento. O soman (GD) envelhece a enzima em dois minutos e o tratamento com pralidoxima não é efetivo. Efeitos clínicos A acetilcolinestase bloqueada não degrada a acetilcolina, que desta maneira é acumulada nas sinapses alterando, por exemplo, o funcionamento da placa neuromuscular, causando a contração descoordenada das fibras musculares, com o conseqüente esgotamento e rápida fatiga muscular. Esses efeitos são dose dependentes. Assim, uma dose baixa de Agentes Nervosos afetará somente a um grupo de músculos e causará efeitos locais leves e uma dose alta produzirá paralisia dos músculos respiratórios. O quadro clínico reflete o excesso de ACH no espaço sináptico resultante da inibição da ACHe. Os sintomas colinérgicos são caracterizado por um quadro que se manifesta por náuseas, vômitos e diarréia e uma grande quantidade de sintomas secundários produzidos pela excessiva secreção glandular (sudorese, salivação, lágrimas, rinorréia, broncorréia) que alteram a função respiratória. Também podem aparecer miose, visão borrada, dispnéia e broncoespasmo. 1. Muscular:

Fasciculações Fraqueza Paralisia

2. Sistema Nervoso Central

Convulsões Coma

3. Efeitos colinérgicos

Náuseas, vômitos Diarréia Sudorese Sialorréia

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Lagrimejamento Rinorréia Broncorréia Miose Broncoespasmo

4. Combinação de sintomas

Dificuldade respiratória Visão borrada Ansiedade Respiração lenta

A classificação segundo a gravidade dependerá da dose e da via de exposição.

Exposição a vapor (GA, GB, GD e GF) Contato cutâneo com líquido (VX)

Leve a moderada

Miose, visão borrada, injeção conjuntival, cefaléia, rinorréia, salivação, dificuldade respiratória leve (broncoconstricção e broncorréia). Insônia, dificuldade para se concentrar, irritabilidade, transtornos do juízo e da memória.

Sudorese e fasciculações musculares localizadas, náuseas, vômitos, sensação de fraqueza. Insônia, dificuldade para se concentrar, irritabilidade, transtornos do juízo e da memória. Miose se o contato for perto dos olhos.

Tempo de início: Segundos a minutos Tempo de início: 10 minutos até 18 horas da exposição

ChE eritrocítica normal o reduzida (escassa correlação)

ChE eritrocítica normal ou reduzida (escassa correlação)

Grave Todo o quadro anterior mais: dificuldade respiratória severa até apnéia, perda súbita do conhecimento, convulsões, paralisia flácida, secreções abundantes, incontinência esfincteriana, bradicardia ou taquicardia. Cianose, hipotensão e bradicardia são sinais terminais.

Todo o anterior mais: miose, dificuldade respiratória severa hasta apnéia, perda súbita do conhecimento, convulsões, apnéia, fasciculações musculares generalizadas, paralisia flácida, secreções abundantes, diarréia, incontinência esfincteriana, bradicardia ou taquicardia. Cianose, hipotensão e bradicardia são sinais terminais.

Tempo de início: Segundos a minutos Tempo de início: minutos a uma hora da exposição

ChE eritrocítica reduzida ChE eritrocítica reduzida Seqüelas Transtornos do SNC transitórios (4 a 6

semanas)

A insuficiência respiratória e as convulsões são as principais causas de morte. O manejo da ventilação a pressão positiva é um dos elementos críticos da atenção pré-hospitalar.

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Métodos de diagnóstico Depois da exposição aguda, a atividade da colinesterase eritrocitária reflete melhor a atividade da enzima tissular. Durante a recuperação a atividade da enzima sérica é mais representativa que a atividade enzimática tissular. A detecção no ambiente pode ser realizada por métodos colorimétricos (papéis, analisadores). Tratamento médico - Descontaminação: sempre retirar a roupa (exposição a vapor ou líquido). Em casos de

contato cutâneo com líquidos pode ser usado hipoclorito de sódio ou de cálcio ao 0,5%, solução de sabão alcalino e água em abundância.

- Suporte ventilatório: Aspirar secreções. Considerar que há alta resistência da via aérea (50-70 cm de água) por broncoconstricção e broncorréia que melhoram com a atropina. NÃO SE DEVE DAR ATROPINA SE HOUVER HIPOXIA, antes deve ser fornecido oxigênio. Normalmente é requerido por uma a três horas, tempo em que começa a recuperação (no caso em que os antídotos tenham sido fornecidos corretamente e que não haja uma hipoxia prolongada ou outras complicações).

- Provisão de antídotos: Atropina, pralidoxima e diazepam (veja o quadro). Essas três drogas estão disponíveis em auto-injetores de uso militar. A provisão de atropina a pessoas não expostas gera efeitos adversos.

- Tratamento de suporte/manutenção. Pré-tratamento O pré-tratamento com piridostigmina tem demonstrado certo efeito protetor quando foi fornecido antes da exposição a soman (GD) e seguido pelo uso de auto-injetores, aumentando a sobrevivência dos soldados expostos. - A piridostigmina e a fisostigmina não são antídotos dessas intoxicações. não reduzem

os efeitos desses agentes. - Não devem ser fornecidos depois da exposição a agentes nervosos. - Seu uso está restringido ao âmbito militar. Triagem Coma, convulsões, dificuldade respiratória ou apnéia, flacidez muscular Hipercrinia severa, sem perda de conhecimento, respiração dificultosa, mas espontânea, fasciculações.

IMEDIATO VERMELHO

A partir da medidas iniciais de administração de antídoto, houve recuperação/estabilização hemodinâmica mantendo-se a ventilação no local.

DEMORADO AMARELO

Paciente ambulatorial com sintomas leves, sem comprometimento ventilatório nem circulatório

MÍNIMO VERDE

Coma, convulsões, apnéia, flacidez muscular. Não se obtém pressão arterial.

EXPECTANTE PRETO

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Acompanhamento A recuperação clínica geralmente ocorre dentro das primeiras 24 horas, a recuperação de 75% da atividade normal de colinesterase eritrocitária pode ser atingida dento de várias semanas. Efeitos a longo prazo Mudanças EEGs menores e transtornos neurocomportamentais até um ano após a exposição. Não foram reportadas polineuropatías.

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B. AGENTES SANGUÍNEOS (CIANETO - AC CK) O cianeto é um agente letal que age rapidamente. Seu uso como agente de guerra foi limitado pela sua elevada volatilidade, as altas concentrações necessárias para alcançar os efeitos desejados, e o tipo de efeito “tudo ou nada” (a diferença com as mostardas é que elas causam prejuízo ocular com 1% da dose letal). O termo cianeto refere-se ao ânion CN-, ou sua forma ácida, ou ácido cianídrico ou hidrociânico (HCN). Os cianetos simples (HCN, NaCN) são compostos que se dissociam em um ânion cianeto (CN-) e um cátion (H+, Na+). O nitrilo é um composto orgânico que contém cianeto, e é cianogênio a um composto (geralmente um nitrilo) que libera o ânion cianeto durante seu metabolismo. Cianogênio (C2N2) também é o produto da oxidação do íon cianeto. Foi chamado “agente sanguíneo” para diferenciá-lo daqueles que produziam apenas lesões locais (vesicantes) ou pulmonares (fosgênio). A aparição de outros agentes que são absorvidos e transportados pelo sangue e têm efeito sistêmico, como os agentes nervosos, fez com que essa denominação fosse inadequada. Esse nome também tem levado à interpretação errada de que o local de ação do agente é o sangue. O íon cianeto encontra-se em quase todos os organismos vivos, e todos toleram e inclusive precisam de pequenas concentrações dele para seu metabolismo. Há frutas, hortaliças e sementes que contêm cianogênios (cerejas, pêssegos, damascos, amêndoas, mandioca, etc.). A combustão de certos materiais que contêm carvão e nitrogênio (plásticos com acrilonitrilos) também pode liberar cianeto. Os sais de cianeto são usados em muitos processos industriais: síntese química, galvanoplastia, extração mineral, impressão, fotografia, gravado, indústria do papel, têxtil e plástica. Como agentes de guerra química, têm sido usados o cianeto de hidrogênio ou cianídrico (AC) e o cloreto de cianogênio (CK). O brometo foi usado, mas atualmente não apresenta interesse. Características físicas Os cianetos se encontram em estado líquido nas munições, mas evaporam rapidamente quando são detonados. A maior ameaça são os vapores. A forma preferida de liberar cianeto é através de grandes munições (bombas), já que são necessárias quantidades importantes. Mecanismo de toxicidade O cianeto tem grande afinidade por alguns compostos de enxofre (sulfatos) e complexos metálicos (cobalto ou ferro trivalente - Fe3+-). O cianeto combina rapidamente com o ferro do citocromo a3 (componente do complexo enzimático do citocromo oxidasa na mitocondria) inibindo a enzima e bloqueando o uso de oxigênio intracelular. A partir disto, a célula começa a usar as via metabólicas anaeróbias, criando um excesso de ácido láctico e produzindo acidose metabólica. O cianeto também tem alta afinidade pelo íon férrico da metahemoglobina e isto é usado como estratégia terapêutica, induzindo a formação de metahemoglobina para se ligar ao cianeto circulante.

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O cianeto circulante é metabolizado pela enzima hepática rodanasa, que catalisa uma reação irreversível entre o íon cianeto e um sulfato para produzir tiocianatos (composto relativamente não tóxico que é excretado pela urina). O fator limitante desta reação normalmente é a disponibilidade de sulfatos como substrato da rodanasa, pelo que também tem utilidade terapêutica a provisão de sulfetos, como tiossulfato (ou hipossulfito) de sódio para acelerar a reação. Este metabolismo natural do cianeto determina que seus efeitos sejam “tempo-dependentes”, já que a dose letal de cianeto em um minuto de exposição causará sinais insignificantes de intoxicação se for ministrado lentamente. Efeitos clínicos Os efeitos começam aos poucos segundos da inalação de uma dose letal. A morte pode ocorrer em seis a oito minutos. Se a dose é mais baixa, demorará uns poucos minutos. Normalmente não há começo tardio dos sintomas. O início e a progressão dos sinais e dos sintomas depois da ingestão ou da inalação de uma concentração baixa de vapor é lenta os quais podem começar vários minutos depois da exposição e sua evolução dependerá da quantidade absorvida e da velocidade de absorção. Os órgãos/sistemas mais susceptíveis ao cianeto são: o sistema nervoso central e o coração. Pele: pode apresentar uma coloração rosa (similar às intoxicações com monóxido de carbono), “vermelho cereja”, ainda que muitas vezes tem aparência normal, palidez ou cianose. Pupilas: normalmente são de tamanho normal ou midriáticas. Cardiovascular: hipertensão arterial inicial e bradicardia compensatória, seguida de hipotensão e taquicardia. Hipotensão terminal e bradiarritmias. Asistolia. O cheiro característico de amêndoas amargas não pode ser detectado por 50% da população. O cloreto de cianogênio (CK) produz irritação intensa nos olhos, nariz e vias aéreas, lagrimejamento, rinorréia e broncorréia.

Efeitos por exposição ao vapor

Moderado

Hiperpnea transitória, ansiedade, agitação, fraqueza, tremores, vertigem, náuseas, vômitos, cefaléia. Início em minutos. Pode progredir a “severo” se a exposição continuar.

Severo

Hiperpnea transitória - 15 segundos Convulsões – 30 segundos Apnéia -- 2-4 minutos Parada cardíaca -- 4-8 minutos

O cianeto é o menos tóxico dos agentes químicos letais.

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Para o cianeto de hidrogênio (AC) a CL50 por inalação foi estimada em 2500-5000 mg/m3 num minuto de exposição, a DL50 intravenosa em 1.1 mg/kg e a DL50 cutânea em 100 mg/kg. Para o cloreto de cianogênio (CK) a CL50 por inalação foi estimada em 11000 mg/m3 em um minuto de exposição. A DL50 oral para cianeto de sódio e potássio está ao redor de 100 e 200 mg/kg respectivamente. Exames complementares 1. Cianeto no sangue: concentrações de 0.5-1.0 g/mL se associam com efeitos leves, e

concentrações iguais ou maiores de 2.5 g/mL com coma, convulsões e morte. 2. Tiocianatos no sangue e em urina: sua elevação é sinal de exposição. 3. Estado ácido-base: acidose metabólica com altas concentrações de ácido láctico

resultante do metabolismo anaeróbico (acidose láctica), ou com um inexplicavelmente alto “anion gap”. Este achado não é específico.

4. Diferença arteriovenosa de oxigênio maior que o normal (pO2 venosa maior que o normal devido a que a cadeia respiratória mitocondrial está inibida para extrair o oxigênio do sangue. Esse achado não é específico.

5. Papeis detectores para uso do pessoal responsável da primeira resposta. Gestão médica A descontaminação da pele não é necessária devido à grande volatilidade da substância. No entanto, se a roupa estiver úmida deverá ser removida e a pele subjacente deverá ser lavada com água em abundância. Objetivos do tratamento: - Remoção do cianeto da enzima citocromo a3 no complexo citocromo oxidase e ligação

do cianeto para que não reingresse à célula: isto se consegue através da formação de metahemoglobina com:

o Nitrito de amila: substância volátil formulada em ampolas que podem ser quebradas pela vítima e inaladas.

o Nitrito de sódio: formulado para uso endovenoso ao 3% (300 mg em 10 ml), ministrado em 2 a 4 minutos. Pode-se repetir a metade da dose se não houver melhoria.

o A Alemanha usa dimetilaminofenol (DMAP), que forma rapidamente metahemoglobina. Usa-se por via intravenosa devido à necrose muscular que ocorre no local da injeção quando é usado por via intramuscular.

- Detoxificação: através da administração de um composto doador de sulfetos (tiossulfato de sódio) que é combinado com o cianeto produzindo tiocianato (substância menos tóxica e rapidamente excretada pela urina). Formulada para uso endovenoso em ampolas de 50 ml contendo 12,5 gr de tiossulfato de sódio. Ministra-se após o nitrito de sódio. Pode-se repetir a metade da dose se não houver melhoria clínica.

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- Alguns compostos de cobalto quelam o cianeto diretamente. A Grã-Bretanha e a França usam edetato de cobalto (Kelocyanor). Não está claramente demonstrada sua superioridade e pode causar efeitos adversos severos em pacientes com exposições leves.

- Na Europa usa-se também a hidroxicobalamina (vitamina B12a), que forma complexos com o cianeto, formando cianocobalamina, em uma relação equimolar, por isso são requeridas doses altas.

- Suporte vital do paciente: Oxigênio. Correção da acidose metabólica. Não há evidência que justifique o uso de oxigênio hiperbárico.

Triagem Convulsões, apnéia. Hemodinamicamente compensado. IMEDIATO VERMELHO Recuperando de efeitos leves ou de terapia exitosa. DEMORADO AMARELO Efeitos leves MÍNIMO VERDE Apnéia e falha circulatória EXPECTANT

E PRETO

Em geral, um paciente que sobrevive à exposição inalatória o tempo suficiente para receber cuidados médicos, os necessitará em grau mínimo. Alta Algumas horas: casos leves a moderados. Um dia: casos severos que responderam ao tratamento.

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C. AGENTES VESICANTES (HD, H, L, CX) São incluídas aqui as mostardas de enxofre (HD, H), a lewisita (L), e a oxima de fosgênio (CX), ainda que não seja estritamente um vesicante, age na realidade como um urticante corrosivo. C.1 MOSTARDAS (HD, H) As mostardas de enxofre (H) devem seu nome aquelas que contêm aproximadamente 30% de sulfetos como impurezas. As mostardas destiladas (HD) são mais puras devido ao processo de destilação usado em sua fabricação. As mostardas nitrogenadas (HN1, HN2, HN3), usadas como quimioterápicos, não tem sido muito utilizadas como armas de guerra. Características físicas As mostardas são líquidos oleosos com uma cor que varia do amarelo claro ao marrom. Têm cheiro de alho, cebola ou mostarda, desenvolvem uma rápida tolerância e desensibilização, por isso habitualmente não são detectados com o olfato. Evaporam-se lentamente a temperatura ambiente, mas acima de 35 oC representam um sério perigo como vapor. Congelam-se a -10 oC e é de difícil dispersão em estado sólido, pelo que mistura-se com outros agentes vesicantes (Lewisita ou agente T) que são líquidos de baixo ponto de congelamento, para que permaneça líquido a baixas temperaturas. Estas misturas são conhecidas como HL (com Lewisita) e HT (com o agente T). Mecanismo de ação Segundos ou minutos depois da absorção, as mostardas são transformadas em compostos cíclicos na água intracelular, que são extremamente reativos e unem-se rapidamente às enzimas intra e extracelulares, proteínas e ADN, prejudicando principalmente as líneas celulares de alta taxa de divisão como os queratinócitos basais, o epitélio mucoso e as células precursoras da medula óssea. Isto leva à morte celular, reações inflamatórias e alteração das uniões dermo-epidérmicas com formação de bolhas. Os fluidos corporais e os tecidos não contêm mostardas ativas e não são vesicantes. Nas mucosas podem ocorrer necrose e hemorragias com prejuízo aos tecidos basais (por exemplo, musculatura da árvore bronquial). As mostardas possuem uma leve atividade colinérgica que é manifestada cedo com sintomas gastrointestinais e miose. Efeitos clínicos Efeitos locais: por ação de vapor

ÓRGÃO SEVERIDADE EFEITOS INÍCIO Olhos Leve Lagrimejamento, ardor, sensação de queimação 4-12 horas

Moderado O anterior mais vermelhidão, edema de pálpebras e dor moderada, fotofobia

3-6 horas

Severo Edema de pálpebras importante, possível

prejuízo da córnea, dor severa. Miose por efeito 1-2 horas

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ÓRGÃO SEVERIDADE EFEITOS INÍCIO colinérgico. Complicações e seqüelas: vascularização da córnea, perfuração e perda do olho, panoftalmite, glaucoma.

Via aérea

Leve Rinorréia, espirros, epistaxe, ronqueira, tosse seca.

12-24 horas

Severo O anterior mais tosse produtiva severa, respiração dificultosa por prejuízo da via aérea inferior.

2-4 horas

Extremamente severo

Edema pulmonar hemorrágico, obstrução da via aérea por pseudo-membranas (necrose). Pneumonia secundária.

Pele

Leve a severo

Eritema, vesículas e bolhas grandes de paredes finas e translúcidas de cor amaraleda. Localização perineal, genitais externos, axilas, fossa antecubital e nuca. Em dose muito altas, necrose.

2-24 horas

Efeitos sistêmicos: são pouco freqüentes e podem aparecer em doses altas

Medula óssea Pancitopenia Gastrointestinal Náuseas e vômitos 24 horas SNC Apatia, letargo. Convulsões. Várias horas

A causa de morte normalmente é a falha respiratória por obstrução da via aérea por pseudomembranas, ou mais comumente, pelas pneumonias bacterianas agregadas entre o terceiro e o sexto dia. Em alguns casos a supressão da medula óssea contribui à sépsis. A DL50 da mostarda líquida é de aproximadamente 7 gramas (uma colher de chá). Esta quantidade é suficiente para cobrir o 25 % da superfície corporal total. Exames complementares Não há determinações específicas de laboratório. Contagem de glóbulos brancos: Leucocitose desde o primeiro dia. Se diminuir entre o terceiro e o quinto dia, é indício de depressão medular. Abaixo de 500 cel/ml é sinal de mal prognóstico. Pode também ocorrer anemia e trombocitopenia. No caso de aumentar entre o terceiro e o quinto dia, é indício de sobre-infecção bacteriana (por exemplo, pneumonia). Cultivos periódicos de esputo e de conteúdo das ampolas. Hematócrito: Se diminuir, procurar sangue oculto em matéria fecal. Ionograma e EAB: As alterações são menos importantes que nas queimaduras.

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Rx Tórax Papéis detectores: mudam sua cor em presença das mostardas. São úteis para o pessoal de resposta imediata na cena. Gestão médica Não há antídoto específico e o tratamento é sintomático. A descontaminação imediata é a única medida para reduzir o prejuízo. A descontaminação tardia pode ser útil para evitar que o produto continue sendo absorvido. Recomenda-se o uso de hipoclorito de sódio ou de cálcio ao 0,5 % e água em abundância. Tratamento sintomático Pele Eritema: tratar como eritema solar (Soluções de calamina)

Vesículas e pequenas bolhas (1-2 cm) manter intactas. Bolhas grandes: quebrar e remover a película cuidadosamente (o conteúdo não é vesicante). As áreas denudadas devem ser irrigadas de 3 à 4 vezes por dia com solução salina estéril, e cobertas com antibióticos locais. Analgésicos e antipruriginosos por via sistêmica.

Olhos Ungüento oftálmico com anticolinérgicos (evita sinéquias sequelares) e antibióticos. Vaselina nos bordes das pálpebras (evitam que sejam aderidas). Analgésicos. Os corticóides não têm valor terapêutico.

Via aérea

Inalação de vapor pode ser útil perante sintomas leves (ronqueira, tosse não produtiva, dor de garganta). Gestão sintomática da febre, dispnéia e tosse dos primeiros três dias (pneumonite ou bronquite asséptica. Broncodilatadores. Os corticóides não têm demonstrado ser efetivos. Antibióticos depois do terceiro dia se os sintomas continuarem. Intubação orotraqueal, oxigênio, PEEP Broncoscopía para remoção de pseudomembranas,

Gastrointestinal

Anticolinérgicos e antieméticos

Medula óssea

Esterilização do intestino (antibióticos não absorvíveis) para reduzir risco de sepse. Transfusão de sangue. Transplante de medula óssea.

General Equilíbrio hidroeletrolítico, alimentação parenteral Outros Carvão ativado NÃO é útil.

Hemodiálise NÃO é útil. Hipossulfito de sódio reduziu efeitos sistêmicos, ministrado dentro dos primeiros 20 minutos da exposição em animais.

Triagem Sinais e sintomas pulmonares moderados a severos que começam dentro das 4 a 6 horas da exposição (a demora pode conduzir a

IMEDIATO VERMELHO

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prejuízos irreversíveis). Lesões cutâneas com extensão inferior a 50% da SCT. Efeitos pulmonares leves a moderados. Lesões oculares de qualquer grau.

DEMORADO AMARELO

Lesões cutâneas com extensão inferior a 5% da SCT (em áreas não vitais). Lesões oculares leves (irritação e vermelhidão). Sintomas leves de vias aéreas superiores (tosse seca, irritação orofaríngea que aparecem depois das 12 horas da exposição.

MÍNIMO (sintomático no lugar e alta)

VERDE

Sinais e sintomas pulmonares extremamente severos que começam dentro das 4 a 6 horas da exposição. Lesões cutâneas com extensão superior a 50% da SCT.

EXPECTANTE

PRETO

SCT: superfície corporal total Alta Imediata para os casos com lesões cutâneas, oculares e pulmonares leves. Uma a três semanas para os pacientes com lesões oculares ou pulmonares moderadas. Vários meses para aqueles com lesões extensas de pele. Efeitos a longo prazo Bronquite crônica, conjuntivite crônica, queratite, podem persistir como seqüela de uma exposição única, mas severa. Cicatrização e pigmentação da pele. As mostardas são classificadas como mutagênicos e carcinogênicos em animais. Em humanos, têm sido associadas ao câncer de vias aéreas superiores na exposição laboral durante um período de vários anos, mas não à exposição única. O câncer de pele tem se desenvolvido em áreas cicatrizais. C.2 LEWISITA (L) Lewisita é um vesicante que prejudica os olhos, pele e as vias aéreas por contato direto, produzindo dor IMEDIATA e irritação, ainda que as lesões continuem evoluindo durante horas. Se for absorvida, aumenta a permeabilidade capilar, produzindo hipovolemia, choque e prejuízo orgânico. As lesões costumam ser menos graves e extensas que as produzidas por mostardas depois do começo IMEDIATO dos sintomas que facilitam o alerta e a descontaminação. A gestão médica é similar ao dos casos de mostarda, ainda que exista um antídoto específico, British-Anti-Lewisite (BAL; dimercaprol) que pode aliviar alguns efeitos. Em alguns casos pode estar misturado com mostardas para diminuir o ponto de congelamento e melhorar as dispersões aéreas. Características físicas

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Lewisita é um líquido oleoso, incolor, com cheiro de gerânio, mais volátil do que as mostardas. Mecanismo de toxicidade A lewisita contém arsênico trivalente que se mistura com os grupos tióis de muitas enzimas, no entanto, o mecanismo do efeito vesicante não se conhece exatamente. Efeitos clínicos Efeitos locais: por ação de vapor ou líquido

ÓRGÃO EFEITOS

Olhos Dor e blefaroespasmo. Edema conjuntival e de pálpebras. Irrita e prejudica a córnea em doses altas.

Via aérea Rinorréia, espirros, epistaxe, ronqueira, tosse seca, logo tosse produtiva severa, respiração dificultosa. O edema pulmonar é mais freqüente e severo do que para as mostardas. Obstrução da via aérea por pseudomembranas (necrose). Pneumonia secundária. A severidade do quadro é dose-dependente.

Pele Área de contato de cor gris. Dor e irritação (5 minutos). Eritema, vesículas e bolhas. Começa precocemente, mas alcança o máximo entre as 12 e 18 horas. O eritema perilesional é menos evidente e a necrose é mais importante do que nas mostardas.

Efeitos sistêmicos: são pouco freqüentes e podem aparecer em altas doses.

Cardiovascular Aumento da permeabilidade capilar, choque hipovolêmico Gastrointestinal Vômitos e diarréia Fígado Necrose. Insuficiência hepática Rim Necrose. Insuficiência renal.

A causa da morte geralmente é a falha respiratória por obstrução da via aérea por pseudomembranas, ou mais comumente, pelas pneumonias bacterianas agregadas entre o terceiro e o sexto dia. Em alguns casos a supressão da medula óssea contribui à sépsis. A lewisita causa irritação nasal a uma concentração de 8 mg/m3 em um minuto e o limite odorífero é de 20 mg/m3 em um minuto. A DL50 da lewisita é de aproximadamente 2.8 gramas sobre a pele. Exames complementares Não há determinações específicas de laboratório. Leucocitose

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Papeis detectores: mudam sua cor em presença de lewisita. São úteis para o pessoal de resposta imediata no local. Gestão médica A descontaminação imediata é a única medida para reduzir o prejuízo. Deve ser considerada mais como uma medida de auto-assistência do que de tratamento médico. A descontaminação tardia pode ser útil para evitar que o produto continue sendo absorvido. Recomenda-se o uso de hipoclorito ao 0,5 % e abundante água. Atenção cuidadosa do equilíbrio hidrosalino devido às perdas por aumento da permeabilidade capilar. British-Anti-Lewisite (BAL; dimercaprol) reduz os efeitos sistêmicos atuando como um quelante do arsênico contido na molécula. Deve ser ministrado por via intramuscular profunda e considerar os efeitos adversos. Também pode ser aplicado sobre a pele e os olhos imediatamente depois da primeira descontaminação para diminuir a severidade das lesões. Para isso, existem formulações como ungüento cutâneo e oftálmico, mas não são facilmente disponíveis. Triagem O mesmo procedimento adotado para as mostardas. C.3 OXIMA DE FOSGÊNIO (CX) A oxima de fosgênio é um agente urticante que produz lesões por contato de tipo corrosivo. Não é um vesicante verdadeiro já que não produz bolhas. O vapor é extremamente irritante. Características físicas CX é sólido a temperaturas inferiores a 35 °C, mas a pressão de vapor do sólido é o suficientemente alta para produzir sintomas. Também é produzido por descomposição de muitos metais. Mecanismo de toxicidade Não se conhece o mecanismo do efeito tóxico. Efeitos clínicos Efeitos locais: por ação de vapor o líquido

ÓRGÃO EFEITOS

Olhos Dor e blefaroespasmo. Edema conjuntival e de pálpebras. Irite e prejuízo da córnea em doses altas.

Via aérea Rinorréia, espirros, epistaxe, ronqueira, tosse seca, logo tosse produtiva severa, respiração dificultosa. Edema pulmonar mesmo depois de exposição cutânea.

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Pele Dor e formação de uma mácula branca com anel eritematoso em 30 segundos. Eritema branco em 30 minutos e necrose tardia. A dor persiste por vários dias.

Efeitos sistêmicos: são pouco freqüentes e podem aparecer em doses altas.

Gastrointestinal Gastrenterites hemorrágica. O mais distintivo deste agente é a dor extrema de início imediato. A CL50 da oxima de fosgênio por inalação é aproximadamente de 1.500 a 2.000 mg/m3 por minuto. A DL50 cutânea é 25 mg/kg. Exames complementares Não há exames laboratoriais específicos. Papéis detectores: mudam sua cor em presença de lewisita. São úteis para o pessoal de primeira resposta no local. Gestão médica A descontaminação imediata é a única medida para reduzir os danos. Deve ser considerada mais como uma medida de auto-assistência do que de tratamento médico. A descontaminação tardia pode ser útil para evitar que o produto continue sendo absorvido. Recomenda-se usar água abundante. O tratamento é sintomático. As úlceras deverão ser tratadas como as lesões necróticas ulceradas de outras etiologias. Triagem A maioria dos casos será categorizada como de prioridade “demorada”.

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D. AGENTES PULMONARES OU SUFOCANTES (CG) Denominam-se genericamente agentes pulmonares ou sufocantes àqueles que podem produzir prejuízo pulmonar agudo, com alteração da barreira alvéolo-capilar. Embora a inalação de muitos gases possa causar edema pulmonar, aqui somente será abordado o fosgênio, como protótipo desta classe de substâncias e porque a gestão médica é aplicável aos outros. Outros agentes pulmonares são o cloro, a amônia, o perfluoroisobutileno (PFIB, produto tóxico de pirólise de polímeros de tetrafluoroetileno que encontra-se em materiais como o Teflon7), os óxidos de nitrogênio (NOxs que são também produtos tóxicos de descomposição), fumaça de combustão de hidrocarbonetos, etc. O fosgênio tem sido usado como arma química em combinação com cloro. . Características físicas O fosgênio se transporta em estado líquido, mas quando explode vaporiza rapidamente formando uma nuvem esbranquiçada mais pesada do que o ar (quatro vezes a densidade do ar). Freqüentemente é misturado com outras substâncias para aumentar seu ponto de ebulição. Tem um cheiro característico a feno, milho ou pasto recém cortado. Mecanismo de toxicidade O fosgênio é muito pouco solúvel em água, porém, uma vez dissolvido é rapidamente hidrolisado para formar dióxido de carbono e ácido clorídrico. O ácido clorídrico é o responsável do rápido início dos sintomas irritativos oculares, nasais e da via aérea. No entanto, o principal efeito tóxico do fosgênio ocorre a nível alveolar e é o resultado das rápidas reações de acilação do grupo carbonilo (C=O) com grupos amino (-NH2), hidroxilo (-OH), e sulfidrila (-SH) da membrana alveólo-capilar, como conseqüência sendo os fluidos extravasados desde os capilares para o espaço intersticial do pulmão. Estes fluidos são drenados pelo sistema linfático, até que a capacidade do mesmo satura-se e aparece o edema pulmonar clinicamente evidente com dispnéia severa. Este efeito ocorre pelo contato direto do fosgênio com as membranas e não é manifestado quando a via de ingresso é outra (por exemplo, intravenosa). Efeitos clínicos Dados de toxicidade: - Concentração limite odorífero: 1.5 mg/m3 - Concentração efetiva para irritação de mucosas: 4 mg/m3. - CL50: 3200 mg/m3 para um minuto de exposição. Efeitos iniciais: - sensação de queimadura transitória dos olhos com lagrimejamento e conjuntivite

química, - tosse com início precoce, - dor retroesternal com sensação de opressão. - irritação laríngea com espasmo laríngeo e morte (altas concentrações)

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- bronco-espasmo (em pacientes com antecedentes asmáticos) Os primeiros sintomas que seguem à exposição aos organohaluros são resultado da irritação das mucosas pelo ácido clorídrico produto da hidrolise do fosgênio. Efeitos tardios: - dificuldade respiratória sem sinais evidentes de prejuízo pulmonar no principio, - edema pulmonar, - dispnéia, com ou sem opressão precordial, - rales finos em ambas bases pulmonares ao início que vão se estendendo até cobrir

totalmente os campos pulmonares, - cianose, - hipovolemia (por seqüestro de fluidos no pulmão de até um litro por hora), - hipotensão (agravada pela pressão positiva na via aérea). A morte se produz por falha respiratória, hipoxemia, hipovolemia ou uma combinação de todos estes fatores. São sinais de mau prognóstico: hipoxia e hipotensão que evoluem rapidamente, e a aparição de edema pulmonar dentro das primeiras quatro horas da exposição. As complicações incluem infecção pulmonar sobreagregada. O período assintomático pode oscilar desde 20 minutos até 24 horas, dependendo da intensidade da exposição (concentração do agente no ambiente e atividade física do individuo exposto). Diagnóstico diferencial O fosgênio se distingue pelo seu odor, pela irritação de mucosas em altas concentrações, dispnéia e edema pulmonar de início tardio. Os agentes de controle de motins produzem sensação de queimação predominantemente nos olhos e nas vias aéreas superiores. Esta irritação é mais intensa do que a produzida pelo fosgênio e sem o cheiro característico. Os agentes nervosos produzem broncorréia e dificuldade respiratória, porém os efeitos colinérgicos característicos permitem o diagnóstico diferencial. A toxicidade respiratória dos agentes vesicantes é tardia e afeta predominantemente a via aérea central, mais do que a periférica, com sinais de necrose, formação de pseudomembranas e obstrução parcial ou completa da via aérea. Predomina a hemorragia sobre o edema de pulmão. Exames complementares Não há provas de laboratório específicas.

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O aumento do hematócrito revela hemoconcentração por extravasamento de fluidos ao parênquima pulmonar. Os gases sanguíneos podem revelar diminuição da PaO2 ou aumento da PaCO2. A velocidade do pico-fluxo expiratório pode diminuir cedo e ajuda a avaliar o grau do prejuízo da via aérea e o efeito dos bronco-dilatadores. A diminuição da capacidade de difusão do monóxido de carbono são indicadores sensíveis do volume de líquido intersticial no pulmão. RxTx mostra hiper-insuflação dos pulmões e logo edema pulmonar sem mudanças cardiovasculares de redistribuição ou cardiomegalia. Gestão médica Finalizar/cessar a exposição é a primeira medida vital. Afastar o paciente do lugar contaminado ou evitar a inalação colocando nele uma máscara com filtro apropriado. Descontaminar a pele e as roupas com água em abundância. Ministrar as medidas do ABC de reanimação, caso seja necessário. Estabilizar a via aérea. Entubar quando haja estridor laríngeo para evitar o laringoespasmo. Monitorar periodicamente a pressão arterial. Repouso total, evitando qualquer esforço físico. A atividade física, mesmo sendo mínima, pode encurtar o período de latência e piorar a severidade do quadro respiratório, precipitando o quadro agudo e produzir inclusive a morte. Aspirar secreções e evitar ou tratar o bronco-espasmo. As secreções são aquosas e abundantes a menos que haja uma sobre-infecção. Serão ministrados antibióticos quando seja documentado o processo infeccioso. O bronco-espasmo, no caso de estar presente, será tratado com broncodilatadores beta adrenérgicos, teofilina ou corticóides parenterais (por exemplo, metilprednisolona 700-1000 mg IV em doses divididas) Não é recomendada a administração inalatória dos corticóides devido a sua absorção errática produzida pelo prejuízo do trato respiratório. Os corticóides não têm demonstrado nenhum benefício em pacientes que não apresentaram bronco-espasmo ou que não têm antecedentes asmáticos. Prevenir ou tratar o edema pulmonar. O uso precoce de pressão positiva na via aérea fornece algum controle sobre as complicações clínicas do edema pulmonar. Na primeira fase pode ser recomendada a restrição de líquidos, no entanto, o estado hemodinâmico deve ser controlado de maneira muito específica, já que pode ser preciso administrar líquidos endovenosos para evitar a hipotensão que é produzida pela diminuição do retorno venoso torácico. Prevenir ou tratar a hipoxia. Provisão de oxigênio, com ou sem ARM, e pressão positiva continua (CIPAP) ou no final da expiração (PEEP).

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Prevenir e tratar a hipotensão: administração endovenosa urgente de expansores de volume. Os vasopressores serão usados como medida temporária até que os fluidos possam ser repostos. Triagem Edema pulmonar – ARM disponível IMEDIATO VERMELH

O Dispnéia sem sinais objetivos de edema pulmonar (*) DEMORADO AMARELO Assintomático com antecedentes de exposição (**) MÍNIMO VERDE Edema pulmonar, cianose e hipotensão (***) EXPECTANTE PRETO (*) re-triagem horária (**) re-triagem a cada duas horas. Com exposição confirmada: alta às 24 horas se permanecer assintomático. Com exposição duvidosa: alta às 12 horas se permanecer assintomático. (***) escassas possibilidades de sobrevivência se aparecer dentro das seis horas da exposição. Alta Se o paciente teve apenas irritação ocular ou das vias aéreas superiores e é assintomático, com exame físico normal ao longo das 12 horas da exposição. Se o paciente teve dispnéia, e o exame físico, a Rx Tx e os gases no sangue são normais às 24 horas da exposição. Se o paciente esteve sintomático e o exame físico, a Rx Tx ou os gases no sangue foram anormais, a alta será dada quando estes voltarem à normalidade depois de 48 horas da exposição.