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TERRITORIO OU TERRA DE NINGUÉM? GUSTAVO BITTENCOURT MACHADO. INSTITUTO AGROPARISTECH. DOUTORANDO/BOLSISTA DA CAPES/MEC- GOVERNO DO BRASIL, PARIS, FRANÇA. [email protected] APRESENTAÇÃO ORAL DESENVOLVIMENTO TERRITORIAL E RURALIDADE Território ou terra de ninguém? Grupo de Pesquisa 11: Desenvolvimento territorial e ruralidade Resumo Discute-se o processo de formação de territórios no Brasil a partir das recentes políticas publicas, centradas na organização da agricultura familiar e nos assentamentos de reforma agrária, a partir do exercício da democracia participativa. Ao mesmo tempo, verifica-se que esse processo ainda não possui estrutura institucional suficiente para impulsionar uma trajetória sustentável de desenvolvimento dos territórios, entendidos como regiões em sua totalidade ou espaços regionais fragmentados, uma vez que o poder publico local não se vem engajando de forma articulada nos municípios, para a constituição de um ente coletivo institucional que represente não so o Estado em âmbito local, mas a sociedade civil organizada. Falta assim uma quarta pessoa de direito publico interno no federalismo brasileiro, que pode vir a estruturar-se a partir dos princípios da democracia participativa, consolidando o federalismo regional, com inovações jurídico-constitucionais, através de contratos territoriais de desenvolvimento entre a União, os estados-membros, municípios e a nova esfera publica de poder: o território. Palavras-chave: democracia participativa, federalismo regional, contratos territoriais Abstract This paper discusses the territorial formation process in Brazil, by the recent public policies, based in the familial agriculture organization and the land reform communities, according to the participative democracy. It is possible verify this process doesn’t have a necessary institutional structure to promote a sustainable trajectory of territorial development, understanding how the regions in itself totality or separated regional spaces,

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TERRITORIO OU TERRA DE NINGUÉM?

GUSTAVO BITTENCOURT MACHADO.

INSTITUTO AGROPARISTECH. DOUTORANDO/BOLSISTA DA CAP ES/MEC-GOVERNO DO BRASIL, PARIS, FRANÇA.

[email protected]

APRESENTAÇÃO ORAL

DESENVOLVIMENTO TERRITORIAL E RURALIDADE

Território ou terra de ninguém?

Grupo de Pesquisa 11: Desenvolvimento territorial e ruralidade

Resumo Discute-se o processo de formação de territórios no Brasil a partir das recentes políticas publicas, centradas na organização da agricultura familiar e nos assentamentos de reforma agrária, a partir do exercício da democracia participativa. Ao mesmo tempo, verifica-se que esse processo ainda não possui estrutura institucional suficiente para impulsionar uma trajetória sustentável de desenvolvimento dos territórios, entendidos como regiões em sua totalidade ou espaços regionais fragmentados, uma vez que o poder publico local não se vem engajando de forma articulada nos municípios, para a constituição de um ente coletivo institucional que represente não so o Estado em âmbito local, mas a sociedade civil organizada. Falta assim uma quarta pessoa de direito publico interno no federalismo brasileiro, que pode vir a estruturar-se a partir dos princípios da democracia participativa, consolidando o federalismo regional, com inovações jurídico-constitucionais, através de contratos territoriais de desenvolvimento entre a União, os estados-membros, municípios e a nova esfera publica de poder: o território. Palavras-chave: democracia participativa, federalismo regional, contratos territoriais Abstract This paper discusses the territorial formation process in Brazil, by the recent public policies, based in the familial agriculture organization and the land reform communities, according to the participative democracy. It is possible verify this process doesn’t have a necessary institutional structure to promote a sustainable trajectory of territorial development, understanding how the regions in itself totality or separated regional spaces,

because the local public power isn’t involved in the municipalities, small towns, to constitute a institutional collective entity that represent the local state and the organized civil society. There isn’t a fourth internal public right person in the brazilian federalism, which can be structured with the principles of the participative democracy, consolidating a regional federalism with juridical-constitutional innovations, through the development territorial contracts between the Federal Union, the federative states, the cities and towns and the new public power sphere: the territory. Key words: participative democracy, regional federalism, territorial contracts Introdução No presente texto, propõe-se discutir quais seriam as condições de legitimação institucional da categoria território no sistema jurídico brasileiro, como mais um coletivo publico inserido da estrutura do federalismo brasileiro. O que se defende, nesse trabalho, é que, se não houver um processo de autonomia dos territórios, entendidos como entes com personalidade jurídica própria, não haverá condições institucionais de execução das políticas publicas de desenvolvimento regional, que perpassam os limites institucionais e geográficos dos municípios. Há varias definições em torno da categoria território, seja do ponto de vista da geografia física, da geografia humana, da ciência política, ao tratar da soberania dos paises, da teoria geral do Estado, da biologia e ecologia, ao estudarem as espécies e suas populações, da própria economia, ao considerar os territórios produtivos existentes no âmbito dos mercados específicos, ou a partir de uma perspectiva regional, agregada, ou como uma categoria espacializada da divisão social do trabalho, já contemplando inclusive, a financeirizaçao dos mercados, um território tangível e material e outro imaterial, ou como uma categoria de classe: mas, enfim, sempre haverá uma referência à idéia de espaço, como fluxo de relações sociais. De fato, quando começam as primeiras sociedades de classe, a primeira forma de território que revela uma tendência à estratificação social é a propriedade privada, dos povos em fase de sedentarizaçao. Não se trata de esgotar essas definições, nem aprofunda-las nesse trabalho, do ponto de vista dos ramos da ciência que se considerem. No Brasil, diante das recentes políticas publicas voltadas para o fortalecimento de novos coletivos regionais, o território vem-se traduzindo como uma categoria regional, de que surge a idéia de desenvolvimento territorial, designação que outrora não aparecia no âmbito das políticas publicas. Territorial pode ser desde o micro até o macroespaço, a comunidade, o local, o regional, o nacional e o global; entretanto, do ponto de vista das políticas publicas brasileiras, territorial tem significado de regional. Isso se revela à medida que os estados-

membros são divididos em territórios onde se encontram os municípios, a partir da orientação dos ministérios e secretarias para execução dessas políticas. A divisão dos estados-membros em territórios a partir das identidades dos movimentos sociais, coletivos representativos dos agricultores familiares e demais categorias sociais rurais sobretudo é uma tentativa, legitimada socialmente, de concentrar a aplicação dos recursos e dos investimentos públicos segundo os interesses, não de uma categoria social, de um município, mas de um conjunto desses; entretanto, nesse processo de territorializaçao, sondagens realizadas junto a prefeituras têm demonstrado a inexistência de participação das prefeituras, cujos representantes, em geral, desconhecem os critérios de regionalização. Exemplificativamente, até 2002, no âmbito da linha de financiamento infra-estrutura do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar – PRONAF, os recursos eram individualizados e aplicados em cada município, sendo o órgão gestor a Prefeitura Municipal, e o órgão deliberativo e colegiado, o Conselho Nacional de Desenvolvimento Rural Sustentável – CMDRS. Hoje não mais há o PRONAF-infra-estrutura municipal e como não há um ente estatal no nível regional, o Estado não tem representação para fazer a gestão dos recursos públicos oriundos da União Federal, assim como faltam consórcios intermunicipais, e as organizações da sociedade civil1 não estão estruturadas para fazer a gestão desses recursos, além de que não representariam a complexidade das representações coletivas regionais em sua totalidade. De fato há um vazio institucional do nível de decisão e gestão entre o estado-membro e o município na estrutura tripartite do federalismo brasileiro: União Federal, estado-membro e município. Para a finalidade do desenvolvimento das regiões, falta um quarto nível: o território, como ente estatal. Trata-se de apresentar o problema a partir da ciência política, da teoria geral do Estado, do Direito Internacional Publico e do Direito Constitucional. A natureza política do território Um elemento essencial à existência do Estado é o território, como base física, porção do globo por ele ocupada, servindo de limite à sua jurisdição e fornecendo-lhe recursos materiais. Sem território não pode haver Estado. Os judeus, antes da formação do Estado de Israel, são uma nação, mas não formavam um Estado, ainda que organizados sob uma autoridade governante, porque não possuíam território. O Papa, em 1870, perdeu o 1 A pessoa concreta que é para si mesma um fim particular como conjunto de carências e como conjunto de necessidade natural e de vontade arbitraria constitui o primeiro principio da sociedade civil. Mas a pessoa particular esta, por essência, em relação com a análoga particularidade de outrem, de tal modo que cada uma se afirma e satisfaz por meio da outra e é ao mesmo tempo obrigada a passar pela forma da universalidade, que é o outro principio. Como cidadãos deste Estado, os indivíduos são pessoas privadas que têm como fim o seu próprio interesse: como este so é obtido através do universal, que assim aparece como um meio, tal fim so poderá ser atingido quando os indivíduos determinarem o seu saber, a sua vontade e a sua ação de acordo com um modo universal e se transformarem em anéis da cadeia que constitui o conjunto. O interesse da idéia, que não esta explicita na consciência dos membros da sociedade civil enquanto tais, é aqui o processo que eleva a sua individualidade natural à liberdade formal e à universalidade formal do saber e da vontade, por exigência natural e também por arbitrariedade das carências, o que da uma cultura à subjetividade particular (HEGEL, 1997).

território pontifício, e muitos governos negaram-se a continuar considerando Sua Santidade como pessoa de Direito Internacional, até que em 1929, pelos acordos de Latrao, a Itália reconheceu à Santa Sé soberania plena sobre a Cidade do Vaticano. Os povos nômades, ainda que sujeitos à autoridade de um chefe, não formam um Estado, porque o território deve ser fixo e determinado, como limite físico do poder jurídico. O território pode não ser continuo, mas formado de porções destacadas. Reconhece-se a soberania dos Estados entre a faixa de águas situada entre as respectivas costas e o alto-mar, assim como do espaço aéreo, sendo a camada atmosférica que cobre o território. O território do Estado pode ser de duas espécies: político e comercial. Político é o que se exerce a soberania do Estado em toda a plenitude, sendo a base mais importante da vida do Estado. O comercial é aquele em que o Estado exerce apenas algumas faculdades limitadas, preocupando-se com objetivos mercantis; entretanto, o comercial pode ser incorporado ao território político. O território político pode ser dividido em metropolitano e colonial. O primeiro, do ponto de vista histórico, do direito internacional publico, é onde se encontra o governo central. O território colonial é formado pelas regiões afastadas da metrópole e colonizadas pelo respectivo Estado, sendo que este exerce sua autoridade, mas tem organização diversa. O exemplo clássico são as colônias européias na África, Ásia e Oceania. O Estado exerce o poder sobre o seu território e sobre as pessoas que nele se encontrem, sejam nacionais ou estrangeiras. As leis de cada Estado são obrigatórias em relação a todos os indivíduos que estão em seu território. Para uns autores, trata-se do direito de propriedade, um dominium, baseando-se na natureza da primitiva relação entre a soberania e a terra. Nas monarquias européias da Idade Média, o príncipe era proprietário do solo, de que decorria seu poder sobre as pessoas. Os que habitavam suas terras ficavam subordinados à autoridade do príncipe e eram súditos do rei e não cidadãos do reino. A soberania era territorial e o com o tempo essa situação se modificou. Hoje nem mesmo os reis são considerados proprietários do território estatal, e menos ainda a organização política que se chama Estado. A maioria dos escritores tende a ver na relação entre Estado e território, não um domínio, um direito de propriedade, mas um vinculo de natureza diversa, um imperium, que se exerce diretamente sobre as pessoas e, por elas, sobre o território. Segundo Azambuja (2005), o território não é propriedade do Estado, mas um elemento integrante do Estado. Não há uma relação jurídica entre um e outro. Do ponto de vista do Direito Internacional Publico, sobre o seu território, o Estado exerce sua jurisdição, detendo uma série de competências para atuar com autoridade. O território é a área terrestre do Estado, somada aos espaços hídricos de interesse interno, como os rios e lagos. Sobre o território, o Estado soberano tem jurisdição geral e exclusiva. A generalidade da jurisdição significa que o Estado exerce, no seu domínio territorial, todas as competências de ordem legislativa, administrativa e jurisdicional (Montesquieu). A exclusividade significa que o Estado local não enfrenta a concorrência de qualquer outra soberania.

No passado, era comum que Estados do gênero das potências navais adquirissem território por descoberta, seguida de ocupação efetiva e presumida. O objeto da descoberta era a terra nullius2 – ou terra de ninguém - área territorial nos outros continentes, desde que os indígenas não oferecessem resistência: o descobrimento do Brasil pela frota portuguesa de Cabral foi modelo perfeito daquilo que, na Europa, entendeu-se como descoberta e apossamento da terra nullius (REZEC, 2001). Outro objeto de ocupação por Estados de intensa presença nos mares foi a terra derelicta, que é a terra abandonada por seu primitivo descobridor cujo estatuto jurídico se assimilava ao da terra nullius. A Espanha parece haver abandonado a ilha de Palmas, bem como as Malvinas e as Carolinas, objeto ulterior de ocupação pelos Paises Baixos, Grã-Bretanha e Alemanha. O principio da contigüidade operou ao tempo em que a terra nullius se oferecia à descoberta e à ocupação. Segundo REZEC (ibid), trata-se de principio inspirado na lei física da atração da matéria pela matéria, sendo que a pretensão ocupacionista do descobridor avança pelo território adentro até quando possível, encontrando a resistência de uma pretensão alheia congênere. A descoberta pelos portugueses de certos pontos do litoral brasileiro fez com que sua pretensão dominial se irradiasse em todos os sentidos, contendo-se apenas onde viesse a esbarrar nas pretensões espanholas - também à luz o principio da contigüidade – que se expandiam em sentido contrario. A aquisição de território também ocorria por conquista, mediante emprego da força unilateral, ou como resultado de triunfo em campo de batalha. As tropas espanholas encontraram resistência à pretendida ocupação de terra nullius e acabaram por se apossar dessas áreas após a debellatio – o aniquilamento de seus ocupantes nativos. Adquire-se e perde-se território mediante cessão onerosa, do tipo da compra e venda, ou a permutação3. Há também o instituto jurídico da cessão gratuita, típico dos tratados de paz, aqueles em que, finda a guerra, defrontavam-se na mesa de negociação vencedores e vencidos. Mediante cessão gratuita, a França, após a derrota na guerra bilateral, cedeu a Alsacia-Lorena à Alemanha, m 1871. Após a 1a guerra mundial, a França, vitoriosa, mediante cessão gratuita, recebe a Alsacia-Lorena com o Tratado de Versalhes. Quanto à atribuição de território por decisão política de uma organização internacional no âmbito da ONU em 1947, a propósito da partilha da Palestina, o órgão judiciário das Nações Unidas, a Corte de Haia, não atribui território, limitando-se a dizer, a partir do direito aplicável, a quem certa área pertence, ou como os contendores deverão proceder para a correta partilha da região controvertida.

2 A terra nullius e a terra derelicta são dois institutos jurídicos clássicos do Direito Internacional Publico. 3 Os Estados Unidos da América compraram a Louisiana da França, em 1803, por 60 milhoes de francos, e o Alasca, da Rússia, em 1867, por 7,2 milhoes de dólares. O Brasil adquiriu o Acre da Bolívia, em 1903, mediante o pagamento de 2 milhoes de libras esterlinas e a prestação de determinados serviços (REZEC, 1991).

A constitucionalização das regiões e o federalismo regional A Constituição Federal de 1988, no titulo Dos Princípios Fundamentais, em seu artigo 1o, dispõe que a Republica Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos a soberania, a cidadania, a dignidade da pessoa humana, os valores sociais do trabalho e da livre concorrência e o pluralismo político. No parágrafo único afirma que todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos da Constituição. No âmbito do Direito Internacional Publico, nas relações dos paises entre si e com os organismos internacionais, pouco importa se o Estado é federal ou unitário, com mais ou menos nível de descentralização de competências. No âmbito das relações jurídicas publicas internacionais, é indiferente ter o Estado uma ou outra forma de organização. Essa distinção so tem realidade do ponto de vista do direito constitucional já que a federação esta submetida aos limites de um único Estado. Em seu artigo 43, a Constituição Federal previu a existência das regiões, com o objetivo de promover o desenvolvimento e reduzir as desigualdades regionais. Em vez de fortalecer o federalismo no Brasil, o art. 43 da Constituição Federal amplia os poderes do Governo Federal, sendo que a criação de regiões compete exclusivamente à União, sem qualquer participação dos Estados interessados. Esse artigo 43 nunca foi concretizado, pois depende da União para ser implementado. E necessário que se cumpra o artigo 165, §1o, que determina que a lei do plano plurianual deva estabelecer as diretrizes, metas e objetivos da Administração para as despesas de forma regionalizada. Nos §§ 2o e 3o do Artigo 165 tem-se a preocupação única com os incentivos fiscais. A região é um conceito importante, mas esquecido no federalismo brasileiro. Para Bercovici (2005), a solução para a Questão Regional no Brasil é política e passa pela necessária institucionalização da Região como ente federado no Estado Federal, através do Federalismo Regional. Reconhece-se a importância e a necessidade de um federalismo regional; entretanto, diferentemente, do que defendem Bonavides apud Bercovici (ibid) et Bercovici (ibid), que optam por um tipo de federalismo regional, englobando mais de um estado-membro, portanto, como um ente político autônomo entre a União e o estado-membro, defende-se, nesse texto, um federalismo regional, tendo os territórios como ente político-administrativo autônomo, ocupando o vazio institucional existente entre os estados-membros e os municípios. O quarto ente político estaria situado entre o estado-membro e os municípios, englobando-os, e não entre a União e os estados-membros. O território seria uma categoria regional estadual. Segundo Bercovici (ibid), com a autonomia política da região, os Estados passariam a se aglutinar em dimensão regional, promovendo a comunhão de seus interesses em torno de uma política social e econômica projetada efetivamente em âmbito regional. Os órgãos regionais de planejamento deixariam de ser meros executores de políticas da União,

transformando-se em incentivadores da autonomia regional, resolvendo os desequilíbrios regionais. O federalismo regional é a institucionalização política das Regiões, complementando a sua institucionalização econômica. Como as fronteiras políticas de um estado-membro não coincidem geralmente com suas fronteiras econômicas, as tensões intra-regionais mostram a importância e a complexidade da concepção regional, havendo a necessidade de politiza-la em âmbito federativo para uma solução dos problemas que não são mais de um estado ou de outro, mas de uma região geoeconômica. Estas características regionais acabam assumindo significado nacional, ultrapassando os limites da analise em apenas um estado, fazendo com que sejam relegados a segundo plano pela União exatamente por serem questões regionais, não propriamente federais. A idéia de um federalismo regional decorre em si da noção de federação; mas o que é uma federação? Segundo Bastos (1990), foi a forma mais imaginosa já inventada pelo homem para permitir a conjugação das vantagens da autonomia política com aquelas outras decorrentes da existência de um poder central. A federação é a forma mais sofisticada de se organizar o poder dentro do Estado, implicando uma repartição delicada de competências entre o órgão do poder central, denominado União, e as expressões das organizações regionais, conhecidas por estados-membros, sendo usado o nome província e até cantão. Trata-se de uma partilha de competências bastante rígida, pois prevista na Constituição Federal, so podendo tal divisão ser alterada via emenda constitucional4. A implementação do federalismo regional entre União e estados-membros ou dos territórios é necessária para a concretização do desenvolvimento nacional e a superação das desigualdades regionais. Para Paulo Bonavides apud Bercovici (2005), a região é o instrumento renovador para a reacomodaçao política e econômica do sistema federal em bases mais realistas, transformando-se em um modelo mais compatível para as transformações internas do pais. A questão que se coloca é a seguinte: por qual processo legislativo pode-se alterar a estrutura federativa do Brasil? O § 4o do artigo 60 prevê que não sera objeto de deliberação a proposta de emenda (constitucional) tendente a abolir a forma federativa de Estado, o voto direto, secreto, universal e periódico, a separação dos Poderes e os direitos e garantias individuais. Esses temas so poderão ser alterados mediante uma nova Assembléia Nacional Constituinte. São as chamadas clausulas pétreas do constitucionalismo brasileiro. Ora a Constituição Federal não proíbe a alteração da estrutura federativa do Brasil, mas tão somente a sua abolição. Nesse caso, entende-se que, não havendo decisão sumular do Supremo Tribunal Federal, o federalismo brasileiro pode ser alterado via emenda constitucional processada no Congresso Nacional, no exercício do poder constituinte derivado. Desse modo, o território pode tornar-se o quarto ente político, com autonomia administrativa e financeira. Nada impõe que a autonomia regional seja exercida através da

4 (...) a federação não é um esquema jurídico que possa ser transformado em realidade tão-so pela sua enunciação no Texto Constitucional. A federação, como a democracia, é um processo que necessita constante aperfeiçoamento e adaptação a novas realidades (Bastos, 1990).

democracia representativa, podendo sê-la pela democracia participativa, conforme o parágrafo único do artigo 1o da Constituição Federal, assim como com a existência dos Três Poderes5. As funções executivas e deliberativas, normativas podem ser exercidas mediante conselhos. Na Europa, segundo Bercovici (ibid), o regionalismo esta se convertendo em um elemento estrutural típico do Estado Constitucional. A concepção de região na Europa é diferente da concepção brasileira ou latino-americana. Nos paises europeus, em geral, a questão regional é um problema de identidade étnica ou cultural, enquanto na América Latina, a questão regional é um problema preponderantemente econômico e social. Nos Estados regionais europeus, como Itália e Espanha, o federalismo pode ser a consumação do regionalismo, mas não é a forma final ou ideal do regionalismo. A idéia do federalismo regional avança mais que a autonomia regional existente nos paises europeus, sendo que a região adquire caráter estatal. Com o federalismo regional, não se propõe o desaparecimento da esfera estadual, mas o seu fortalecimento através do reconhecimento da região como ente político. Para Bercovici (ibid), a divisão política brasileira em Estados deve ser mantida, mas não é mais suficiente uma vez que inúmeros estados não possuem densidade política e econômica para se desenvolverem sem depender da União. Para Paulo Bonavides, a Constituição Federal de 1988 chegou perto da solução institucional da questão regional, já que as regiões foram constitucionalizadas administrativamente, mas sem a consagração constitucional da autonomia política regional. O artigo 3o da Constituição Federal, entre os objetivos da Republica, dispõe sobre a garantia do desenvolvimento nacional e a redução das desigualdades regionais. Toda discussão jurídica passa pelo reconhecimento institucional das regiões em sua dimensão macro, englobando os estados-membros. Não mais que isso. A questão regional intra-estados não é considerada no debate; entretanto, muito mais que a macrorregião, as condições institucionais de superação de situações de estagnação econômica de vários espaços nos estados-membros consiste na autonomia dos territórios, como mesorregioes, como entes político-administrativos estruturados a partir das identidades histórico-culturais da formação social e econômica dos municípios. Do ponto de vista das políticas publicas, as ações de territorializaçao tem partido do Ministério do Desenvolvimento Agrário, com a participação das organizações de agricultores familiares, movimentos sociais e sociedade civil, sem a presença das prefeituras. Assim surge o problema da escolha de um ente que venha a aplicar os recursos públicos federais nos projetos de infra-estrutura regionais. Em recentes visitas a campo, percebeu-se a falta de engajamento das prefeituras e dos órgãos públicos nos processos de constituição dos territórios.

5 O ente político “município” não possui a competência constitucional judiciária. Não existe um Poder Judiciário Municipal. Da mesma forma, não há porque se prever, da forma clássica, os Três Poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário) para o Território.

Ao mesmo tempo, há uma duplicidade de políticas publicas voltadas para a territorializaçao na Bahia. De um lado, conduzido, de forma democrática e participativa, com a presença atuante de representantes das organizações representativas dos agricultores familiares, dos movimentos sociais e de órgãos públicos federais e estaduais, e internacionais,. há a proposta, que se vem desenvolvendo desde 2003, da Secretaria de Desenvolvimento Territorial, do Ministério do Desenvolvimento Agrário, no âmbito do Programa Nacional de Desenvolvimento Sustentável de Territórios Rurais. Esse projeto vem sendo discutido de forma exaustiva e sistemática, com a definição de 23 territorios rurais na Bahia. Sem duvida de que se trata de um importante processo para que os territórios, adquirindo autonomia política e institucional, possam ser considerados, a partir de uma reforma constitucional que altere o pacto federativo, o quarto ente publico. Do ponto de vista da regionalização, o termo “território rural” limita-se à idéia de um espaço essencialmente marcado pela ruralidade, onde há projetos políticos de desenvolvimento estruturados pelos agricultores familiares sobretudo. Do ponto de vista do estudo cientifico, essa distinção é pertinente e adequa-se às realidades regionais, entretanto, para a política publica de fortalecimento desses teritorios como unidades autônomos, seria preciso desde já considerar a designação “território” exclusivamente. Embora algumas pesquisas (VEIGA: 2002; SEI: 2004) já apontem a natureza rural de regiões do território brasileiro, apesar das estatísticas do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) considerarem as sedes municipais como núcleos urbanos, quando, na realidade, os municípios são essencialmente rurais, o modo de vida, hábitos dos moradores, tendo a principal atividade econômica a agricultura. Nesse sentido, o esforço tem que ser no sentido de tratar esse novo coletivo social, que se vem institucionalizando como território, como forma de evitar uma visão dicotômica e reducionista do urbano e do rural, como opostos, pois o que há, hoje em dia, é uma tendência a uma nova unidade, uma nova síntese: o território (o local, o mesorregional) com suas atividades essencialmente urbanas e agrícolas. Espera-se que se avance na discussão e nas políticas publicas em tratar os espaços regionais como territórios, e não como territórios rurais. O projeto em curso, fomentado pelo Governo Federal, tem uma base social significativa, pois surge de “baixo para cima”, que tende a permanecer e a consolidar a perspectiva de um reordenamento institucional do federalismo brasileiro. A outra proposta é a do Governo do Estado da Bahia, elaborada na gestão passada, conhecida como “Nossa Região”, que prevê a criação de Conselhos Regionais de Desenvolvimento: metodologicamente, diferente. A questão é saber como proposta o atual Governo do Estado ira levar adiante. Trata-se de uma proposta tecnocrática, “de cima para baixo”, à medida que, desde já, institui, mediante uma lei especifica e decreto governamental, o modo de regionalização e de organização das regiões, sob tutela do Executivo estadual. Assim sendo não tem sido uma proposta com legitimidade e enraizamento social. Trata-se de processos de motivação burocrática que, pela sua natureza, não contribui para uma discussão ampla do processo de institucionalização de uma região, até porque centraliza a participação do poder publico municipal, submetido a uma lógica de poder estadual, exercida no âmbito dos conselhos.

O modelo institucional é pensado a fim de, na essência, as decisões dos conselhos regionais de desenvolvimento ficarem subordinadas aos interesses econômicos de empresários quase que exclusivamente, e interesses políticos dos prefeitos e do Executivo estadual, exercendo o controle do processo de forma tutelada e quase-totalitaria (ARENDT, 1997) sobretudo sobre as camadas populares organizadas, defendendo um planejamento centrado na tecnocracia de Estado. Esse modelo institucional foi pensado em “gabinetes”, contrario à perspectiva da descentralização das políticas publicas com destaque à democracia participativa, prevista na Constituição Federal de 1988. Promulgou-se uma Lei estadual n. 8.538/02, e publicou-se o Decreto n. 8.461/2003, em que os Conselhos Regionais de Desenvolvimento são interlocutores do Estado nas regiões. Não se trata, enfim, de uma autonomia político-social que se defende, vinda de “baixo para cima” mas de uma exteriorização administrativa do Executivo estadual nas regiões, em essência: uma pseudo-democracia participativa: um palco, uma arena. Desse modo, seria oportuno que as duas metodologias pudessem ser fundidas com a prevalência da lógica participativa e democrática da proposta federal, como forma de consolidar os novos coletivos sociais em entes político-administrativos, com mais autonomia, na institucionalização de um federalismo regional, pautado para o desenvolvimento econômico, humano e sustentável e no planejamento participativo. Em síntese, cabe reconhecer a natureza dialética e de classe social dos agentes econômicos e a inserção de cada individuo numa classe a partir de suas identidade sócio-cultural, territorialmente diferenciada. E tratar o território como uma categoria de classe social, de matriz marxista, com a existência de vários projetos político-institucionais. O artigo 3o da Constituição Federal aponta a redução das desigualdades regionais entre os objetivos da Republica, sendo que a regionalidade ganhou grau hierárquico no patamar mais alto da Constituição, como matéria principal, e os princípios compõem o aspecto nobre da Lei, sendo invioláveis, não passiveis de derrogação, até mesmo por emenda. Trata-se das clausulas implicitamente intangíveis do ordenamento constitucional, com a mesma densidade e rigidez da matéria prevista no §4o do artigo 60 da Constituição Federal. A Constituição possui a chave institucional da reorganização federativa. Não institucionalizar as Regiões em grau de autonomia, como se infere do art. 3o, III, implica desobediência à norma de principio, e como tem superioridade hierárquica na pirâmide normativa, a infringência omissiva do legislador é passível de ação direta de inconstitucionalidade por descumprimento de preceito fundamental da Constituição Federal. Segundo Bercovici (2005), aliado ao conceito da inconstitucionalidade material das normas, atos e políticas, contrariando o disposto no art. 3o da CF, haveria a convicção de que o respeito às determinações constitucionais estaria garantido e o Estado brasileiro atuaria no sentido de promover o desenvolvimento nacional, buscando reduzir as desigualdades regionais. No que se refere às omissões e desrespeitos aos preceitos estabelecidos na Constituição Federal de 1988, a única saída para o impasse institucional seria a possibilidade de surgimento de movimentos político-sociais que busquem a realização dos valores proclamados no texto constitucional, sendo que a efetivação pode ser a ruptura com a

ordem de poder estabelecida. Apenas com a mobilização social, através da ampliação e efetivação da democracia participativa, sera possível fazer com que os objetivos previstos, como a superação das desigualdades regionais, saiam do papel, a fim de se construir uma sociedade mais justa e solidária. Desenvolvimento e autonomia dos territórios O desenvolvimento passa necessariamente pela presença do Estado, através de suas instituições de planejamento, nos espaços regionais. Assim, os territórios, embora possam representar uma identidade histórico-cultural que determina as tendências homogêneas dos municípios participantes de cada um deles, podem estruturar-se a fim de viabilizarem as condições de superação da estagnação econômica. Desse modo, o sentido de finalidade da autonomia político-administrativa consiste numa nova federalização do atual sistema brasileiro, admitindo-se a existência de um Estado. A intervenção estatal é condição para a superação da estagnação econômica, baseada na idéia cepalina; entretanto, o Estado intervencionista, para se fazer presente, em detrimento do Estado liberal, necessita da participação da sociedade civil através dos instrumentos da democracia participativa. O desenvolvimento é condição necessária para a realização do bem-estar social. O Estado é, através do planejamento, o principal promotor do desenvolvimento, tendo o Estado autonomia frente aos grupos sociais, ampliando suas funções, reorganizando seus órgãos e sua estrutura. O papel estatal de coordenação da a consciência da dimensão política da superação do subdesenvolvimento, explicitada pelos objetivos nacionais e regionais e prioridades sociais enfatizadas pelo próprio Estado. A superação do marasmo e estagnação econômicos de vários espaços regionais da Bahia, por exemplo, exige uma política deliberada e de longo prazo, com decidida intervenção planificadora por parte do Estado. Com a abertura proporcionada pela Constituição Federal de 1988, surge no debate jurídico brasileiro, uma identificação das ações do Estado em torno da execução de políticas publicas. A questão refere-se à concretização do programa constitucional e a reformulação das concepções tradicionais do Direito Publico brasileiro, especialmente a reconstrução do Direito Administrativo a partir da ação do Estado para a satisfação do interesse social. Define-se política publica como tendo por fundamento a necessidade de concretização de direitos por meio de prestações positivas do Estado, considerando que políticas publicas são os programas de ação governamental visando coordenar os meios à disposição do Estado e as atividades privadas, para a realização de objetivos socialmente relevantes e politicamente determinados. Passa-se da analise do Estado para a analise das políticas publicas, fruto de uma tentativa de substituição do Estado pela sociedade civil como centro das preocupações políticas. Houve um deslocamento do estudo ou do papel do Estado, assim como das concepções totalizantes, para uma discussão setorial de políticas publicas. Para Castro apud Bercovici (2005), houve uma politização não institucional, fora da esfera estatal, uma espécie de política antipolitica.

Desse modo, não é possível compreender o papel do Estado no processo de desenvolvimento exclusivamente pelas políticas publicas uma vez que são sempre políticas setoriais, mais ou menos integradas entre si. Decorre disso um choque entre a visão global e a de territorialidade, que é a do desenvolvimento e do planejamento, com uma visão setorial e fragmentada, das políticas publicas (Bercovici, 2005). Para o estudo do desenvolvimento, com as suas possibilidades emancipatorias, não faz sentido a fragmentaçao da analise em torno de políticas publicas especificas. O desenvolvimento impõe um planejamento abrangente, tendo o desenvolvimento nacional, como principal política publica, conformando e harmonizando as demais políticas, sobretudo as regionais. As políticas publicas devem inserir-se numa estratégia mais ampla de desenvolvimento. Do ponto de vista do Direito e da Ciência Política, trata-se de renovar a Teoria do Estado com uma visão de totalidade, a fim de compreender as relações entre a política, a democracia, a soberania, a Constituição e o Estado segundo Hermann Heller apud Bercovici (ibid). A proposta de Heller é a de uma Teoria do Estado atual, não seguindo o estilo das tradicionais Teorias Gerais do Estado alemão, que partiam da idéia de que o Estado é invariável com características constantes e carater universal através do tempo e dos lugares. Heller defende a investigação da especifica realidade estatal que nos rodeia. A Teoria do Estado é uma ciência da realidade, que estuda o Estado enquanto realidade, formação real e histórica , buscando compreender o Estado, não a partir do direito que o constitui, mas pela sua ligação com a realidade social. O Estado não pode ser visto como um setor isolado e independente de toda a atividade social. Heller defende que o Estado seja estudado como totalidade da vida social do ponto de vista de uma ordenação territorial. Nesse contexto, trata-se de um Estado presente, através de suas instituições e da execução de políticas publicas, promotor do desenvolvimento, local e territorial. Democracia participativa e federalismo regional Segundo Bonavides (2003), uma outra classe política se desenha nos horizontes: a do cidadão participe, vocacionada, de imediato, para a democracia direta, sendo aquela que entra em substituição dos corpos representativos, cuja degenerescência os aliena da vontade popular, como pedestal de uma legitimidade perdida. A democracia direta pensada por Bonavides não tem a rigidez imediatista do modelo ateniense. Sua versão moderna ou contemporânea, baseada nas exigências, requisitos e postulados da atualidade toma a feição de uma democracia participativa, qualificada pela presença do povo soberano em todas as questões vitais da ação governativa. Sob um certo enfoque, governar é legislar; governo é legislatio (Bonavides, 2003); governa quem legisla e, em se tratando de democracia, legisla quem tem legitimidade, e o povo a tem.

Para Bonavides (ibid), o povo, fonte de todo o poder legitimo, segundo confissão política dos melhores filósofos e pensadores da liberdade, ainda não legisla diretamente, qual lhe cumpre na práxis e na doutrina. Mas um dia há de faze-lo, sem a intermediação dos canais representativos. Há que ministrar à cidadania a lição constitucional dos preceitos que possibilitam e fazem exeqüível a imediata adoção da democracia participativa. Democracia que é o mais alto grau de legitimação do governo popular em nossa época. A solução de direito positivo para a introdução da democracia participativa esta na clausula do parágrafo único do art. 1o da Constituição, onde se estatui que todo o poder emana do povo e este o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente nos termos da Constituição. Para alcançar e instituir o novo modelo de democracia participativa, é necessário, segundo Bonavides (ibid), repolitizar a legitimidade e, no campo positivo e objetivo, repolitizar a legalidade. Recupera-se o princípio legal mediante o emprego dos mecanismos plebiscitarios, e o restabelecimento de sua dimensão ética, de seu teor racional, de seus vínculos com o bem comum, a coisa publica, a vontade geral; elementos morais, jurídicos e sociais de todas as organizações de poder onde a lei prevalece sobre o arbítrio. A democracia participativa interroga, como um de seus problemas centrais, a legitimidade dos tribunais constitucionais, atuantes em harmonia com os fundamentos do sistema participativo de democracia direta, combinando, na ordem constitucional positiva, o parágrafo único do art. 1o com o art. 14 da Constituição Federal. A jurisdição constitucional da democracia participativa não devera ferir o espírito da Constituição que a inspira e que é a lei de seu fundamento, sendo o povo soberano na sua dimensão política. A teoria da democracia participativa é a teoria da emancipação. O substantivo da democracia é a participação; logo quem diz democracia diz máxima presença de povo no governo porque, sem participação popular, democracia é quimera, é utopia, é ilusão, é retórica, é promessa sem arrimo na realidade, sem raiz na historia, sem sentido na doutrina, sem conteúdo nas leis. A democracia pode ser compreendida numa esfera tanto objetiva como subjetiva, em virtude de sua índole soberana, igualitária, distributiva, tendo por sujeito ou titular o gênero humano, segundo Bonavides (2003). Como discorre Bonavides (ibid), o executivo no Brasil não é governo, é ditadura, pois governo significa uma composição harmônica dos Três Poderes, sob o Estado de Direito. Sem a ética dos órgãos de governo, não há poder, nem Estado, nem sociedade que se legitimem ou se regenerem. Como trata, portanto, o próprio Bonavides (ibid), despolitizar a legitimidade significa colocar o Pais na escola neoliberal da globalização. Repolitizar a legitimidade equivale a restaura-la, desmembra-la dessa legalidade onde ela na essência já não existe, porque o povo perdeu a crença e a confiança na republica das medidas provisórias e na lei dos corpos representativos, cada vez mais em desarmonia com sua vontade, suas aspirações, seus interesses existenciais.

Busca-se uma nova legitimidade mediante a repolitizaçao do conceito de democracia, inserindo a participação na moldura do regime, de maneira concreta e mais ampla, uma vez que, na Constituição, os princípios da democracia participativa já esta presente, faltando-lhe aplicação, concretude, realidade e hegemonia de poder diante das formas decadentes de organização representativa de governo, até o rompimento de seu domínio oligárquico. Enquanto não houver a utilização de técnicas plebiscitarias em âmbito municipal, base de legitimidade do poder comunitário, a democracia participativa dificilmente diminuira o peso, o alcance e a preponderância do binômio legislativo-executivo, como expressões representativas de poder na linha concretista da soberania popular. O município, ente político e autônomo da Federação, é o espaço constitucional mais adequado, em termos de observação e experiência, ao emprego das técnicas plebiscitarias da democracia participativa. A instituição concreta e eficaz da democracia direta na esfera municipal representa considerável passo no sentido de regenerar os costumes políticos, fazendo ética a publica Administração, tornando o cidadão titular efetivo de uma parcela da soberania, segundo Rousseau. So a democracia participativa previne a dissolução da legitimidade pela ilegalidade, pela utilização de decretos-leis e medidas provisórias, por exemplo. Na clássica democracia representativa, o povo simplesmente adjetiva a soberania, sendo soberano na exterioridade e na aparência, na forma e na designação; com a democracia participativa, o povo passa a ser substantivo, exercendo a soberania em sua essência e eficácia, em sua titularidade e exercício, materialidade e conteúdo, em sua intangibilidade e inalienabilidade. Introduzir os sufrágios plebiscitarios na esfera municipal constitui-se em fortalecer o constitucionalismo da Constituição Federal de 1988, incorporando os municípios na Federação, devendo ser feito com as regiões, mediante o estabelecimento de instâncias regionais de poder autônomo, nesse caso, no âmbito dos territórios, inseridos nos limites geográficos estaduais. Com a constitucionalização administrativa das regiões, cabe ao constituinte de segundo grau instituir a autonomia política dos ordenamentos regionais, sem nenhum prejuízo ao parágrafo 4o do art. 60 da Constituição Federal. Ao tratar de um novo modelo de gestão do quarto ente político do federalismo brasileiro, o território, esta-se propondo uma estruturação institucional que não reproduza, na pratica, o modelo presidencialista dos demais entes políticos, organizados nos Três Poderes, de Montesquieu. Propõe-se a organização a partir de um conselho regional, como coletivo deliberativo, um comitê técnico, como órgão de planejamento, e um comitê executivo, órgão de administração com a presença de gestores públicos executivos. De fato, o modelo presidencialista seria apenas formal uma vez que não se poderia alterar o sistema político previsto na Constituição Federal. Os contratos territoriais na França: os exemplos dos Pays Na França, a categoria de analise território tem seus fundamentos na historia, na cultura e na etnicidade do processo de formação social de uma região. A designação Pays consiste na

categoria mais próxima do território que se pretende implantar no Brasil, destacando que aqui a regionalização tende a ser definida por critérios econômicos, embora não se dissocie da formação social das regiões. O Pays significa um território com certa autonomia administrativa e com uma identidade histórico-cultural definida. Na França, estabelecem-se contratos voltados para o desenvolvimento entre o Estado e as Regiões e os Pays. A regionalização do processo de contratualizaçao produz diferentes tipos de contrato. O contrato pode ser um programa plurianual de ações, compreendendo estrutura financeira, atividades, parceiros. O contrato pode ser concebido como um projeto onde há linhas de intervenção previstas, próximas da declaração de intenção, indicando as categorias mais ou menos precisas de ações eleitas. Nos contratos, recomendam-se as seguintes observações: precisar o modo de operação de seleção e instrução das atividades; integrar os elementos organizacionais relativos ao conjunto de atividades, aos parceiros e hierarquizar as ações em função de sua natureza (estruturantes, acompanhamento, correntes) e seus prazos. O contrato, resultado de uma negociação, deve permitir estabelecer as prioridades divididas entre o Estado, a Região e o Departamento, como parceiros do projeto territorial. O principal objetivo é organizar uma intervenção publica, com a transferência de subvenções, que podem ser obtidas sem elaboração do contrato, a fim de criar um efeito positivo no desenvolvimento do território. Por exemplo, os contratos da Bretanha apresentam um quadro normal que distribui as medidas em quatro temas de intervenção que fazem referência ao contrato de planejamento Estado-Regiao e à convenção de aplicação de sua abordagem territorial, como engenharia e animação do território, gerenciamento durável e valorização do território, desenvolvimento econômico do território e solidariedade e serviços públicos. A convenção do Pays Basque e os contratos de Pays de Ancenis, de Puisaye-Forterre e Nivernais-Morvan são organizados em uma dúzia de temas setoriais do tipo cultura, turismo, meio ambiente, desenvolvimento econômico, infraestrutura e agricultura. Essas tipologias que envolvem os campos do desenvolvimento local permitem a integração no contrato do conjunto de medidas previstas na aplicação do quadro do pays. Essa abordagem pode permitir aos principais parceiros financeiros apreciar as operações propostas diante das intervenções setoriais e transversais. Se é feita menção quanto à existência de créditos fora do contrato de planejamento entre o Estado e a Região, assim como a possível utilização dos fundos estruturais, e os outros dispositivos dos projetos do Pays (dispositivo regional de contratualizaçao, LEADER, contrato de cidades) não são evocados de maneira rápida ou com pouco de precisão sobre suas modalidades de articulação, observa-se o seguinte:

- no contrato de Val de Lorraine, uma boa integração da política da cidade com a vontade de criar uma estrutura urbana e social do pays;

- nos contratos da Bretanha, há a preocupação de estabelecer a articulação entre os diferentes dispositivos territoriais (contratos de Pays, dispositivo regional

territorializado especifico, a perspectiva territorial, criando os comitês locais de coordenação conjunta;

- nos contratos ariégeois, o vinculo com os contratos de pólo turístico; - para os pays incluindo uma aglomeração, a pesquisa de uma complementaridade

entre o contrato de pays e o contrato de aglomeração, que sejam negociados e assinados simultaneamente como em Brest, Rennes e Morlaix.

Quanto ao conteúdo dos contratos, aproximadamente um quarto das operações e atividades é destinado, nos diferentes contratos, aos seguintes aspectos:

- ações em favor de empresas industriais ou terciárias; zonas de atividades, ateliers ou escritórios, ajuda à criação ou recuperação de empresas, ajuda a inovações;

- ações em favor da agricultura, como as transferências no contratos de agricultura durável (antigos contratos territoriais de estabelecimento – CTE) coletivos, promoção de uma agricultura que respeite o meio ambiente, a valorização dos produtos agrícolas locais, ajuda à recuperação dos estabelecimentos agrícolas, à diversificação, reorganização fundiária;

- nos pays marítimos, ações em favor da pesca, ajuda financeira à organização de cadeias produtivas, modernização dos equipamentos portuários, manutenção de uma frota ativa;

- ações visando a desenvolver a atividade turística, valorização turística de sítios históricos, criação de produtos turísticos, criação e modernização de alojamentos, profissionalização de atores turísticos, promoção coletiva;

- em quaisquer contratos (Fougères, Rennes, Val de Lorraine), as medidas visam a promover a economia social e solidária.

Os contratos apresentam um vinculo evidente com o desenvolvimento econômico, onde estão presentes as ações relativas à formação, à relação emprego-formaçao, à pesquisa e à transferência de tecnologia. Todos insistem na necessidade de desenvolver a formação continuada e adaptar as competências às evoluções das profissões e aos novos modos de trabalho (utilização das novas tecnologias). Um exemplo a observar, presente no contrato de Tonnerrois, consiste num conjunto de ações visando a fazer face a uma situação de crise econômica, ligada ao anuncio de fechamento da principal empresa do pays: missão especializada de pesquisa de empresas, desenvolvimento de uma oferta de recepção, acompanhamento de pessoal licenciado, programa de formação adaptado à situação de reconversão tecnológica. A prestação de serviços à população também pode estar presente nos contratos celebrados entre o pays e o Estado, não se tratando exclusivamente de serviços públicos (presentes nos contratos interregionais. Os serviços previstos são os seguintes:

- serviços à família e à pessoa; serviços à pequena infância, atividades periescolares, serviços aos jovens, ajuda ao domicilio para as pessoas mais velhas;

- transportes coletivos, como melhoria dos deslocamentos ao interior do pays, sistemas de transporte à demanda;

- desenvolvimento de alojamentos locais sociais, adaptação de oferta de alojamentos às necessidades da população;

- melhoria do acesso aos serviços públicos no meio rural. A cultura também ocupa um lugar importante na convenção dos pays em virtude da linha especifica reservada à política lingüística. Há varias ações ou medidas que procuram preservar o patrimônio cultural. Trata-se de um fator de identidade e de vinculo social, como um elemento de atratividade turística a valorizar. As ações consideradas tratam dos seguintes aspectos:

- preservação do patrimônio cultural (arquitetura, saber-fazer, dança, musica); - estruturação das cadeias artísticas, o desenvolvimento da oferta cultural

(espetáculos, exposições, animações), a pesquisa de uma programação cultural do pays;

- criação e reabilitação dos lugares dedicados à cultura (museus, centros de arte) Os contratos comportam varias ações no domínio do meio ambiente, sendo que, em alguns, é destinado um espaço importante (Pays de Fougères, Pays d’Ancenis, Pays Basque, Pays du Tonnerrois, Pays de Redon e Vilaine). Entre as operações consideradas, podem ser citadas:

- as operações de coleta, triagem e tratamento de dejetos e resíduos; - as ações visando a preservar ou readquirir a qualidade da água; - elaboração de cartas ambientais; - operações de proteção e valorização do patrimônio natural e da paisagem; - ações de sensibilização e educação ambiental

Outro tema importante dos contratos são as ações sociais, como observado nos Pays Ancenis e Vítreas As operações concernem à prevenção a violências conjugais, o uso de tóxico, luta contra o analfabetismo, inclusão social, acolhimento de transeuntes. O contrato de Pays de Nivernais-Morvan comporta um conjunto de ações destinadas à saúde, como a existência de um Centro Local de Informação e Coordenação, criação de uma cadeia de formação para a ajuda médico-social, abertura de casas médicas para aproximar a consulta médica aos pacientes. Todos os contratos possuem pelo menos uma ação ou medida consagrada às infraestruturas de comunicação e de telecomunicação. Todos os contratos contêm uma estrutura consagrada a obras de engenharia e estruturação do pays. Na maior parte do tempo, as atividades permanecem globais e centradas na consolidação das estruturas do Pays e dos conselhos de desenvolvimento. A maioria dos contratos não parece antecipar a necessidade de mobilizar uma engenharia (sobre o plano técnico) para a realização das operações. Pode-se notar no Pays de Val de Adour, que prevê as ações em rede e formação dos animadores territoriais, mas também os eleitos e as pessoas administrativas das coletividades locais. Outros contratos como os de Val de Lorraine e de Nevers Sud Nivernais prevêem um dispositivo de conselho e acompanhamento dos portadores de projeto, fazendo apelo aos parceiros exteriores. Certos contratos apresentam nominativamente os membros da equipe técnica, composta de pessoal de estrutura do pays

e listam as outras estruturas eventualmente mobilizadas como os comitês departamentais e regionais de turismo, agência departamental de desenvolvimento. Os contratos traduzem os projetos territoriais, considerando as seguintes diferenças:

- a convenção do Pays Basque contém uma linha sobre pesca e outra transfronteiriça que não aparece no esquema de gerenciamento e de desenvolvimento;

- no contrato de Ancennis, nota-se a ausência de ações para a agricultura apesar de se admitir a vocação agrícola e rural do Pays, prevista na convenção com a Região;

- o contrato de Tonnerrois compreende as medidas de reconversão econômica; - na convenção do Pays Basque, há também um conjunto de medidas que figuram

para desenvolver a iniciativa dos jovens, aproximar a escola à empresa, incentivar a pesquisa aplicada e a transferência de tecnologia;

- no contrato de Fougères, o conjunto de medidas consideradas no domínio do meio ambiente;

- no contrato de Val d’Adour, as ações para estabelecer um dispositivo territorial para o emprego;

- no contrato de Tonnerrois, o conjunto de ações visam a afirmar uma vocação turística, apoiando-se no patrimônio da Renascença;

- no contrato de Nevers Sud-Nivernais, estão as diferentes operações vinculadas ao desenvolvimento da cadeia eqüina.

Os contratos também possuem uma preocupação voltada para a preservação dos recursos naturais, traduzindo uma consciência de caráter de transversalidade em varias atividades. O vinculo esta geralmente estabelecido entre uma ação social e um objetivo econômico, como melhorar as soluções de vigilância (creches) das crianças dos assalariados das empresas industriais, garantir o bem-estar das crianças e garantir a empregabilidade dos pais, ou um vinculo entre uma ação econômica e um objetivo ambiental, como em vários contratos, estabelecer um espaço para a agricultura na economia local, beneficiando os trâmites de qualidade, a certificação dos estabelecimentos, o desenvolvimento das cadeias biológicas. De um modo geral, entre as ações consideradas para o conjunto do pays, podem ser citadas a criação de observatórios, as ações de comunicação ou de promoção, a rede de atores, elaboração dos esquemas de gerenciamento, a implantação de equipamentos estruturantes, a sensibilização dos agricultores com respeito ao meio ambiente, a realização de diagnósticos energéticos dos equipamentos públicos, a requalificaçao e integração paisagística das zonas de atividades, das ações de formação, da luta contra o analfabetismo. Entre as ações cujo alcance atinge diretamente as localidades e intercomunidades, estão aquelas que valorizam o patrimônio, a criação de equipamentos de proximidade, as atividades vinculadas à gestão dos dejetos. O conjunto das medidas do contrato de Redon e Vilaine com o Estado, por exemplo, destinadas ao tema da água trata de estabelecer de maneira transversal as ações de prevenção e de gestão dos riscos em caso de inundação, de ações de sensibilização e respeito aos recursos naturais, as ações de restauração de certos recursos aquáticos, a redação de uma carta de uso dos rios, o valor paisagístico dos campos, a criação de equipamentos de lazer turístico e organização de eventos em torno da conservação da água.

Além disso, a existência de solidariedade entre as instituições do território e as populações é freqüente nos contratos. A convenção especifica Pays Basque esta assinada pelo Estado, a Região, o Departamento e o Pays e a aglomeração de Bayonne-Anglet-Biarritz; portanto, há vários coletivos comprometidos com o contrato, do ponto de vista institucional. As condições de sua negociação são atípicas com uma participação forte do Estado prevista no contrato, com proposições voltadas para a pesca, cooperação transfronteiriça e formação profissional. Em Bretanha, os contratos prevêem a criação de duas instâncias: um comitê local de coordenação, cuja composição tem a participação do Estado e da Região em acordo com o Pays, encarregado de examinar os projetos apresentados e dar um aviso sobre sua elegibilidade no contrato do Pays, após a instrução técnica, em vinculo com os serviços do Estado e da Região, sendo que participam desse comitê o correspondente do Pays, designado pelo governador da Região, e o conselheiro regional referente, designado pelo presidente do conselho regional; há um comitê regional de direção, composto pelo Estado e a Região, encarregado do planejamento das atividades. O contrato de Val de Lorraine prevê o mesmo tipo de dispositivo, sendo que o Departamento participa do comitê local. Em Borgonha, os contratos prevêem a criação de 2 instâncias:

- um comitê técnico local encarregado de dar um parecer técnico sobre os projetos, depois de sua instrução pelos serviços de todos os signatários do contrato onde participam os serviços do Estado, da Região, dos departamentos, o presidente do sindicato misto do Pays, o presidente do conselho de desenvolvimento e os serviços do Pays; uma comissão regional de concertaçao territorial, encarregada de formular um parecer sobre a coerência dos projetos em relação à estratégia regional, composta de serviços do Estado na região, do vice-presidente da Região encarregada do gerenciamento do território e dos serviços da Região. A programação intervém no quadro habitual de cada um dos financiadores, para o Estado, a comissão administrativa regional o comitê regional de desenvolvimento durável, o comitê regional de ajudas para a Europa, o comitê regional único de programação, para a Região e os departamentos.

O contrato de Val d’Adour prevê um dispositivo vinculando o caráter interregional do Pays e às diferenças entre as convenções de aplicação da perspectiva territorial dos dois contratos de planejamento considerados:

- no nível local, é criado um comitê territorial de direção, interdepartamental e interregional, composto de membros do órgão de desenvolvimento local do Pays, do conselho de administração do conselho de desenvolvimento, de representantes do Estado, das duas regiões e dos 3 departamentos.

- a convenção de aplicação de Midi-Pyrénées prevê uns comitês departamentais, das políticas territoriais, compostas pelo Estado, a Região e o Departamento considerado cuja regra é harmonizar no nível de cada departamento as ações dos diferentes comitês territoriais de direção. Em cada região, é criado um comitê regional de planejamento das políticas territoriais.

Observa-se que há vários modelos institucionais de gestão firmados entre cada Pays, Região, Departamento e o Estado, voltados para a implantação das políticas territoriais. Desse modo é preciso pensar numa estrutura institucional do quarto ente federativo no Brasil que valorize a democracia participativa. Quanto ao financiamento dos contratos territoriais na Bretanha, os Pays são beneficiados de uma dotação indicativa de créditos contratualizados entre o Estado e a Região calculado sobre uma base demográfica. Essa dotação é suscetível de ser redistribuída regionalmente, após uma avaliação parcial. Considerações finais A democracia participativa desloca o eixo do poder no exercício da soberania, dos corpos representativos para as correntes da cidadania, e estas, sendo o proprio povo, exprimem desde as instâncias supremas, de forma direta e imediata, sua vontade, com tomar assim as decisões governativas e institucionais de grau mais elevado, as quais não podem nem devem ficar sujeitas à intermediação nem ao livre alvedrio das autoridades representativas do legislativo ou do executivo. Como modelo de um quarto ente federativo, não se propõe a mesma estrutura institucional presente nos três entes administrativos da Republica, organizados em três poderes, Poder Executivo, Poder Legislativo e Poder Judiciário, mas estruturado com a participação da sociedade civil num conselho regional, como órgão político deliberativo do planejamento e dos recursos a serem investidos no território, assim como haveria um órgão técnico, uma secretaria de planejamento e informações. Os recursos financeiros, para manter a estrutura, viriam através de um fundo de desenvolvimento regional e de tributos federais e estaduais, decorrentes da repartição de receitas tributarias. Diante da lacuna institucional entre estado-membro e município no federalismo, apesar dos avanços da política de identificação e constituição de coletivos sociais no Brasil e na Bahia, o território pode surgir como uma categoria social com personalidade jurídica própria voltada para fomentar o desenvolvimento regional, a partir de uma reestruturação do federalismo regional. Antes mesmo da alteração constitucional, as políticas publicas estaduais na Bahia podem concentrar-se na perspectiva de consolidação institucional desses territórios, a partir da intensificação de fóruns regionais e fomento à constituição de consórcios intermunicipais que abranjam os limites político-geográficos dos municípios que fazem parte de cada território. Nesse sentido qual categoria jurídica faz-se necessária para dar autonomia aos coletivos regionais? Os consórcios e associações intermunicipais são insuficientes, pois se trata de instituições de direito privado, não compreendendo a totalidade dos atores sociais, uma vez que se trata de aglomerações que contemplam somente as prefeituras municipais. Manter a situação atual, em que os projetos territoriais são gerenciados por uma prefeitura também se constitui numa falta de legitimidade institucional, caracterizando, embora não sendo o mesmo instituto jurídico clássico do direito internacional publico, uma terra nullius no espaço regional. Finalmente para consolidação e interiorização das políticas regionais, de

fortalecimento da agricultura familiar, das forças produtivas e da sociedade, o que se pretende: um território autônomo ou uma terra de ninguém? Referências bibliográficas ARENDT, Hannah. Origens do totalitarismo – anti-semitismo, imperialismo, totalitarismo.

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