terra-pátria - revisão em 14.5

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA MINTER UNOCHAPECO/UFSC DISCIPLINA: DIREITO E ECOLOGIA POLÍTICA PROFESSOR ROGÉRIO PORTANOVA Eduardo Sens dos Santos 30.10.2001 TERRA-PÁTRIA – EDGAR MORIN A história é boêmia e jamais conheceu leis – p. 147 Todas as grandes transformações ou criações foram impensáveis antes de se terem produzido – p. 188 A Terra é a placenta da humanidade – p. 56 Cada ser humano é um cosmos – p. 62 Existem três tempos: o presente do passado, o presente do presente e o presente do futuro – p. 116

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Resumo do livro Terra-Pátria, de Edgar Morin.

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Page 1: Terra-Pátria - revisão em 14.5

UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA

MINTER UNOCHAPECO/UFSC

DISCIPLINA: DIREITO E ECOLOGIA POLÍTICA

PROFESSOR ROGÉRIO PORTANOVA

Eduardo Sens dos Santos30.10.2001

TERRA-PÁTRIA – EDGAR MORIN

A história é boêmia e jamais conheceu leis – p. 147

Todas as grandes transformações ou criações foram impensáveis antes de se terem produzido – p. 188

A Terra é a placenta da humanidade – p. 56

Cada ser humano é um cosmos – p. 62

Existem três tempos: o presente do passado, o presente do presente e o presente do futuro – p. 116

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MORIN, Edgar; KERN, Anne Brigitte. Terra-Pátria. 3. ed. Porto Alegre :

Sulina, 2000.

Um pensador chamado Edgar Morin

Segundo o apresentador, Morin sugere que só é intelectual aquele que trata de

maneira interdisciplinar e não especializada das questões humanas, deixando de lado

os chavões acadêmicos.

Como o conhecimento não passa de uma percepção da realidade, trabalhada

pelos sentidos humanos, não se pode ter uma noção absoluta da realidade. Tudo é

incerto.

“Intelectual, sugere, é quem através do ensaio, do texto de revista ou do artigo

de jornal, “de maneira não-especializada”, mas com riqueza de informação, trata das

grandes questões humanas” (p. 11).

Edgar Morin busca destruir as certezas. Para ele, “nossas certezas não são

eternas. Nenhuma teoria científica [...] está segura de ter certeza absoluta” (p. 11).

A apresentação insere a informação de que “leis estatísticas gerais” só

existem em “sistemas fechados”. Todavia, não há contexto suficiente para averiguar

o conteúdo da afirmação. Será que os princípios são as leis gerais? Será que os

princípios só existem em sistema fechados?

“Terra-Pátria é o livro fundamental para o exame do fenômeno nacionalista

neste final de século” (p. 11).

Prólogo – a história da história

A história é feita de surgimento, crescimento, multiplicação e luta entre

estados. Conquistas, invasões, escravizações, mas também resistência, revolta,

insurreição.

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Um dado importante: “Somente persistiram, durante milênios, e a despeito de

invasões e mudanças de dinastias, dois núcleos estáveis de civilização, o indiano e

sobretudo o chinês” (p. 17). Por que será? Qual a força têm para terem se mantido

durante tanto tempo? Mais adiante o autor lembra que as “técnicas” para alcançar o

conhecimento na Europa foram importadas do oriente (p. 19).

É necessária uma “história multidimensional” e individualista

(antropológica), que concentre tudo o que gira ao redor do homem, “seus

ingredientes de ruído e de furor, de desordem e de morte” (p. 17).

A dúvida do autor é: podemos sair dessa História? Essa aventura é nosso

único devir?

A era planetária

Morin chama de era planetária o período da evolução humana no qual as

interações entre o velho e o novo mundo se realizam por todo o globo. Percebe que

esse período se desenvolve mediante muita violência e destruição, além da

“exploração feroz das Américas e da África” (p. 24). Esta seria a Idade de Ferro

planetária, na qual ainda estamos.

Ocidentaliza-se o mundo, posteriormente, pois o modelo de Estado-nação

criado pelos europeus vem a ser a forma que se encontra para fugir da dominação.

Da mesma forma, as idéias se mundializam, mas os povos não ocidentais

continuam sendo considerados atrasados. Mesmo com a teoria evolucionista de

Darwin, que definiu serem todos os homens descendentes do mesmo primata, o

preconceito ocidental encontrou uma saída: a compartimentalização da espécie

humana, em raças hierarquicamente superiores e inferiores.

A guerra também se mundializa. Os fatores determinantes seriam as

interações entre os grandes imperialismos europeus e os pequenos nacionalismos. A

morte de um duque gera uma guerra geral entre imperialismos mundiais (I Guerra

Mundial); a crise na bolsa de Nova Iorque gera danos econômicos à Alemanha já

massacrada pelo tratado de Versalhes.A violência é sintoma de outras violências.

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Por exemplo, a crise de 1929 e o nacionalismo alemão, detonadores o

primeiro de angústias e sofrimentos e o segundo do desejo de vinganças, fazem com

que Hitler chegue ao poder a ataque os judeus.

A economia também se mundializa, pois as partes são dependentes do todo e

vice-versa. O todo sofre as perturbações que afetam as partes.

Para Morin, os problemas do terceiro mundo são sentidos em todo o mundo

(crítica) e a visão ocidentalocêntrica dá lugar ao reconhecimento das “habilidades”

das sociedades não-ocidentais. (Questão interessante: será que este reconhecimento

das habilidades, da riqueza e da diversidade das culturas do mundo não é meramente

o reconhecimento de um destino turístico?).

Também percebe a mundialização da “civilização”, mas se refere à

civilização ocidental. Como benefício, diz que se produzem hábitos ou costumes

mundiais e melhora a compreensão entre os povos.

Morin diz que não há um evento que não chegue aos lares de todo o mundo

através da TV e da CNN. “Da mesma forma que cada ponto de um holograma

contém a informação do todo de que faz parte, doravante cada indivíduo também

recebe ou consome as informações e as substâncias vindas de todo o universo” (p.

35). A ingenuidade deste pensamento é evidente, já que há milhões de indivíduos

sem acesso a TV ou a qualquer espécie de cultura. Diaristas no interior de fazendas

de cana, trabalhadores braças de grandes cidades, gente que muitas vezes nem tempo

tem para a televisão. Talvez o que o autor queira dizer seja: cada um, por mais

distante que esteja, sofre os efeitos do que ocorre no universo, mesmo não estando

consciente disso: “[...] cada um de nós, rico ou pobre, traz em si, sem saber, o

planeta inteiro” (p. 36).

A humanidade, para Morin, é um todo interligado e requer a mundialização,

de modo a evitar provincialismos. O desenvolvimento desta mundialização tem

aspectos positivos e negativos: ao passo que destroi culturas, produz hábitos e

costumes comuns através das fronteiras.

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A humanidade é a unidade dos seres humanos, não apenas física ou biológica,

mas histórica: a era planetária (p. 42), ou seja, a era em que a história pertence a

todos e influencia a todos, independentemente do local em que estejam.

A carteira de identidade terrestre

Nossa filosofia “esterilizou o espanto do qual nasceu”, porque não se tem

mais aquela curiosidade por todas as coisas do mundo, como acontecia com os

gregos. Ou até se tem, mas a academia acaba com isso, compartimentando o

conhecimento. Não nos permite conhecer nossa própria humanidade, nossa própria

essência. Desaprendemos a interagir com o mundo. Aristóteles na universidade?

Impossível!

O homem está ligado a tudo que ocorre no mudo, dentro e fora da atmosfera.

A Terra é só a placenta da vida, a Terra é a placenta da humanidade (p. 56).

Reconhece-se que o homem possui um “duplo estatuto” (p. 59), dependente,

por um lado, do elemento biológico, do elemento físico e do elemento cósmico e,

por outro lado, do elemento cultural. É preciso no entanto unir os conhecimentos

acerca da natureza do homem, principalmente no aspecto biológico, psíquico e

cultural, sem compartimentalizar cada ramo do conhecimento.

O Homo sapiens guarda uma “unidade antropológica” com todos os

representantes. Todos riem, choram e têm o cérebro organizado de maneira

semelhante.

Para o autor, o desenvolvimento cada vez maior da compaixão e do

humanismo nos levará à superação das “cegueiras etnocêntricas” e a tratar

respeitosamente os outros homens. E tudo isso acontecerá quando, através da

desespecialização das ciências, percebermos a identidade biológica, econômica,

sociológica, histórica, psíquica e cultural do ser humano.

A comunicação entre as sociedades espalhadas sobre o globo cria o que o

autor chama de “pátria terrestre”, da qual cada um terá sua carteira de identidade

terrestre.

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A agonia planetária

O desregramento do sistema econômico tem sua causa na falta de estudo da

economia em conjunto com outras ciências não-econômicas. Por isso ela é alheia

aos acontecimentos da sociedade (aumentos de preço e inflação). Não sabem os

economistas os porquês dos problemas que a sociedade sofre. “É a relação com o

não-econômico que falta à ciência econômica” (p. 70).

A sociedade também acaba influenciada pela economia à medida que passa a

monetarizar tudo. Ocorre uma erosão de valores e tudo passa a ser quantificado em

dinheiro. Para Morin, uma consequência desta erosão é “o quase desaparecimento

do não-monetário, que ocasiona a erosão de qualquer outro valor que não o atrativo

do lucro, o interesse financeiro”. É interessante pensar aqui na geração pós-google,

em que o não-monetário volta à importância (lembrar das ferramentas da Google,

todas gratuitas e melhores que as da concorrência, e todas atualizadas pelos próprios

usuários).

Há também outros problemas interligados, como a explosão demográfica, o

desregramento ecológico e a crise do desenvolvimento.

Problemas de segunda evidência também são importantes para entender o

desregramento mundial. A falta de coincidência entre a nação, a etnia e o Estado

causa sérios riscos, pois o Estado é o berço protetor dos adultos, que têm seus

relacionamentos baseados na etnia, na família, no clã, na tribo (p. 76). “A nação

restaura no adulto a relação infantil no seio do lar protetor”. A nação é a mãe do

adulto. Os Estados que não guardam correspondência com suas etnias

invariavelmente expulsam as minorias e acabam permitindo a instauração de

conflitos.

Morin parece sugerir então a criação de Uniões entre Estados para superar a

crise ecológica e outros problemas planetários, como o tráfico de drogas, ecologia,

êxodo rural (p. 77). Isso também evita a histeria nacionalista que favorece a

chegada de ditaduras. Quando a economia vai mal, os nacionalismos ganham força.

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As pessoas, com a crise universal do futuro, perdem sua autonomia moral e se

concentram na exaltação estética e no niilismo.

A origem dos fundamentalismos é uma busca pelo passado, ante a crise do

futuro, dada a miserabilidade do presente. Por isso é que o progresso não é uma

certeza histórica.

A tragédia do desenvolvimento leva à exaltação do consumismo. Como a

busca da felicidade passa a ser a busca pelo dinheiro, as famílias trocam suas

culturas de subsistência que até então as alimentava e adotam as monoculturas de

produtos de necessidade oscilante (p. 84).

Quando decai a importância desses produtos ocorre o êxodo rural e as cidades

ficam abarrotadas de miseráveis. Por isso se diz que o desenvolvimento é

desintegrador.

Morin propõe que se lute pela salvação da diversidade cultural e, ao mesmo

tempo, pela cultura planetária comum. Reconhece como males da civilização a

obsessão pela forma física e pelo consumo, frisando que é na adolescência que se

concentram, dada a sua vulnerabilidade, os males da sociedade. Aí é que se

potencializam. “A bibelomania se conjuga com a bugigangomania”. “O turismo é

menos a descoberta do outro, a relação física com o planeta, do que um trajeto

sonambúlico guiado num mundo semifantasma de folclores e monumentos” (p. 89).

O desenvolvimento desregulado da tecnociência faz com que o homem se

hiperespecialize em detrimento de uma cultura ou competência geral. A lógica das

máquinas artificiais invade o cotidiano, formando a mcdonaldização da sociedade e

trazendo o pensamento mecânico e parcelar; o homem não indaga mais da própria

existência (p. 94).

* Quais serão as características da googleização da sociedade e da cultura?

Tudo isso dificulta a ocorrência de uma grande mutação econômica, técnica e

social, pois os homens deixam de pensar o mundo como uma totalidade. Desde

Marx ninguém mais soube pensar complexamente e criar algo novo e progredido.

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Após o colapso do marxismo o pensamento político é incapaz de praticar um

pensamento complexo e de considerar um grande projeto (p. 97).

Em suma, o problema maior é a “aventura descontrolada da tecnociência” (p.

98). A busca por tecnicizar a ciência, especializando-a e compartimentando-a. O

caminho a trilhar é aquele que encontrar um freio ao avanço técnico sobre as

culturas, para evitar a implosão da própria cultura. É preciso uma parada para

pensar, para respirar, para “preparar a mutação” (p. 100).

Nossas finalidades terrestres

O ser humano tem duas finalidades na Terra. A primeira é a de preservá-la e

conservar a vida e suas manifestações culturais. A segunda é a de criar condições

para a realização do homem, como humanidade, numa comunidade de ações.

O desenvolvimento deve ser concebido como o desenvolvimento intelectual,

psíquico, cultural e social, não apenas econômico. A acepção inicial que teve a

doutrina socialista abarcava esta idéia. E quanto maior desenvolvimento econômico,

maior o subdesenvolvimento moral, psíquico e cultural (p. 106).

A conclusão é a de que o problema do subdesenvolvimento psíquico é o

problema da hominização. “O verdadeiro desenvolvimento é o desenvolvimento

humano” (p. 108). A finalidade do desenvolvimento, em última instância, é a

dignidade humana, é o viver verdadeiramente e o viver melhor, sem ser explorado, o

que pressupõe a ética do desenvolvimento.

Observa Morin o que chama de fenômeno chave da era planetária: “o

subdesenvolvimento [miséria mental, escassez de amor] dos desenvolvidos aumenta

precisamente com seu desenvolvimento tecno-econômico” (p. 110 e p. 112).

É preciso também reencontrar a relação entre presente, passado e futuro, pois

a crise do futuro (falta de perspectiva) cria a hipertrofia do presente (viver o agora),

fazendo o ser humano regredir ao passado. Daí os fundamentalismos. A restauração

do futuro é muito importante.

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No entanto, não se deve querer o melhor dos mundos, mas apenas um mundo

melhor – deve-se caminhar aos poucos.

Um passo para isso é a luta por uma democracia civilizadora, na qual não

haja uma imposição da maioria à minoria, mas pela qual se tenha a possibilidade de

expressar idéias desviantes e heréticas; a minoria não prevalece, mas tem vez.

Para esse objetivo é prejudicial o desenvolvimento das tecnoburocracias, que

tendem a excluir dos meios democráticos decisões que caberiam, num sistema

democrático, ao povo ou aos parlamentares (p. 120).

É preciso também “federalizar a Terra”, reconhecendo a ela a característica

de mátria e pátria do homem – daí o título do livro: Terra-Pátria. Deve-se buscar

uma associação mais ampla que o Estado-nação. A luta é pela unidade da

diversidade, ou seja, pela preservação das multiplicidades culturais, a “mestiçagem

generalizada” e diversificada (p. 126).

Em suma, é preciso ser cosmopolita. “É somente quando nos tornarmos de

fato cidadãos do mundo, isto é, cosmopolitas, que seremos vigilantes e respeitosos

das heranças culturais, bem como compreensivos das necessidades de retorno às

fontes” (p. 127).

O impossível realismo

A realidade é incerta porque é formada de múltiplas incertezas e o que

comumente se diz ser realidade comporta dois elementos variáveis: o elemento

factual e o elemento temporal.

Pelo elemento temporal percebe-se que aquilo que era verdade ontem já não é

mais hoje, e também não será a realidade amanhã.

O elemento factual remete à necessidade de se conhecerem os fatos para

definir a realidade; mas os fatos, além de não estarem sempre bem visíveis, ainda

têm que passar por uma interpretação. Essa interpretação, contudo, requer o

conhecimento de complexas e variadas realidades, porque o tradicional pensamento

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reduzido separa os diferentes aspectos da realidade e não permite um entendimento

completo.

Para saber a realidade do futuro é preciso apostar, porque, pelo princípio da

ecologia da ação, uma ação começa a se afastar da idéia que a criou assim que entra

no jogo das interações do meio. Daí a metáfora do efeito borboleta, pela qual uma

batida de asas na Austrália pode causar terremotos nos EUA.

Nessa perspectiva, ficam prejudicadas as possibilidades de aceitar que os fins

justifiquem os meios, porque os meios ignóbeis podem prejudicar os fins (já que não

estão deles afastados) ou então tomar rumo próprio e se autofinalizar. É preciso

apostar que determinados meios levarão a um fim, reconhecendo os riscos.

Por isso, não basta que a idéia vá ao real, é preciso que o real vá à idéia,

formando uma multidimensionalidade, um realismo complexo, que compreende a

incerteza do real.

A antropolítica

Se a política se incumbe do devir do homem no mundo, o desenvolvimento,

que também significa a incumbência política do devir humano, deve ser tratado com

multidisciplinariedade, multidimensionalidade. “A política deve tratar da

multidimensionalidade dos problemas humanos” (p. 143).

Há duas espécies de política: a totalizante, que deveria encontrar boas

soluções para tudo; e a totalitária, que quer controlar tudo, mas por não conseguir

tenta se impor pela força.

O certo é que uma política, sozinha, não pode assumir nem resolver todos os

problemas.

Mas o problema é levar a uma política fragmentada, que recorra a experts que

trabalham de forma compartimentada. Por exemplo, deixa-se a política econômica

de um país inteiro nas mãos de um economista que nunca foi político. O resultado é

um pacote econômico sem respaldo público e sem eficácia. Isso tudo faz com que a

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política se “afaste das grandes idéias” e tome como “prioridades objetivos

econômicos” (p. 144).

A grande dificuldade é ser multidimensional sem ser totalitária ou

fragmentada. Deve integrar a administração, a técnica, o econômico, sem se

despolitizar (p. 145). O ideal é que a política assuma problemas fundamentais

globais. A política, todavia, não pode pretender ser soberana: “a política que envolve

tudo deve ser ela própria envolvida pelo todo que ela envolve” (p. 146).

A consequência do alcance dessa política é a chamada política de caráter

planetário e antropológico, que permita a tomada de consciência global.

A complexidade na base antropológica

O que se pode esperar?

Dentro dessa visão complexa de política, não se pode pretender encontrar leis

históricas para o desenvolvimento humano, porque pelo princípio da ecologia da

ação, as conseqüências das ações só obedecem às próprias ações por pouco tempo,

quando obedecem. “A história é boêmia e jamais conheceu leis” (p. 147).

Para o autor, não se pode permitir que “as ciências físicas, biológicas e

humanas deem a última palavra no saber antropobio-cosmológico” (p. 147). O

pensamento complexo tem que assumir sua posição e “ligar o que estava separado,

ao mesmo tempo que mantém as distinções e diferenças”, porque “a antropologia

complexa é capaz de iluminar a antropolítica” (p. 147).

Complexidade no comando: ecologia da política e estratégia

Princípio da ecologia da política: “A política não tem soberania sobre a

sociedade e sobre a natureza; ela se desenvolve de maneira autônoma/dependente

num ecossistema social, ele próprio situado num ecossistema natural, e as

consequências de suas ações, que entram imediatamente no jogo das inter-retro-

ações do conjunto social e natural, só obedecem por pouco tempo e raramente à

intenção ou à vontade de seus atores. Isto é ainda mais verdadeiro na era planetária,

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na qual a interdependência generalizada faz que ações locais e singulares tenham

consequências gerais, longínquas e inesperadas. O princípio da ecologia da ação

política deve portanto estar presente sem descanso no pensamento antropolítico e no

pensamento planetário” (p. 148).

Resumindo: a política é autônoma em relação à sociedade. As consequências

da política são imprevisíveis. As ações só inicialmente obedecem à vontade dos

atores. A interdependência generalizada da era planetária torna isso mais evidente.

A solução para esse caos é a estratégia de condução permanente, que leva em

conta os diversos roteiros possíveis no desenrolar de uma ação. O problema se torna

então uma questão de escolhas: prudência com audácia. A prudência deve ser usada

mais, mas a audácia é boa para “sacudir inércias” (p. 149). É também preciso

“promover o princípio moral segundo o qual os meios devem estar de acordo com as

finalidades”, mas “meios maus [por vezes] tornam-se indispensáveis para salvar do

pior”.

* Eis aqui talvez uma contradição no texto do autor: se a política obedece ao

princípio da ecologia da ação, não há como prever “roteiros possíveis”, não há como

escolher entre uma e outra. Não há como minimizar riscos se lutamos contra um

inimigo invisível e totalmente imprevisível: a falta de obediência das consequências

às ações iniciais. E é no mínimo estúpido afirmar que os meios devem estar de

acordo com os fins, mas que “em casos limites” os meios podem ser maus... A

subjetividade vai evidentemente tornar a exceção (casos limites) em regra.

Entre os princípios estratégicos para lidar com a ecologia da política também

podemos notar o da solidariedade e da globalidade, que determina que os problemas

de nível planetário sejam trabalhados globalmente; e o da subsidiariedade, que

manda tratar problemas locais nos locais mesmo.

O novo motor da história, por isso, deve ser o da associação (norma 1, p. 150)

e da solidarização, pelo qual os países respeitem etnias, mas não percam contato

para alcançar conexões econômicas e culturais sadias. Outra norma é a da

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“universalidade concreta”, segundo a qual “o interesse geral não é nem a soma nem

a negação dos interesses particulares” (p. 151).

Em suma, a estratégia da política complexa deve ter consciência das

interações entre os setores e os problemas tratando tudo de forma completa e

interagindo entre os espaços. “Necessita a consciência das interações entre os setores

e os problemas e não pode tratar isoladamente esses problemas e setores” (p. 151).

Deve-se agir não sobre causas isoladas, mas sobre interações entre os problemas que

levam à causa. Exemplo do pesticida: ataca as pragas mas também a qualidade do

alimento. É preciso um tratamento ecológico. Assim ocorre com a política, que

precisa de uma ecologia entre suas causas e efeitos.

Metáfora do motorista no trânsito: às vezes é preciso até pegar uma

contramão para chegar ao objetivo.

Mas essa estratégia política deve operar em três tempos. Os três tempos

devem ser tratados conjuntamente, de modo a permitir não ocorrer descontinuidades

entre cada período (curto, médio e longo prazo). O mais importante é o imediato e o

presente, que requer uma política pragmática do menor mal, às situações de

urgência. Se o doente está muito mal, devem ser tratados os sintomas primeiro, e

depois as causas. A multiplicação do tratamento dos sintomas acaba com o foco nas

causas.

A política de médio prazo tem por objetivo as finalidades terrestres, ou seja, o

associativismo e o “interesse geral”. É uma política de transição.

A política de longo prazo busca as ideias guias, a utopia, as ideias farois.

Há também três espaços, que normalmente não são considerados pela política

tradicional: o espaço das relações pessoais, das relações étnicas, e das relações

planetárias. A antropolítica deve considerar essas três escalas homogeneamente.

A reforma de pensamento

O maior problema do pensamento é o dogma de que quanto mais

especializado e abstrato, melhor. Mas o conhecimento sempre deve ser

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contextualizado. É preciso acabar com aquele dogma. A economia, por exemplo, se

abstraiu de condições sociológicas, políticas e históricas, sendo hoje humanamente

atrasada.

Obviamente, é impossível conhecer a fundo tudo. Conhecer os problemas-

chave e contextualizá-los é que é importante.

Aquele pensamento avulso é eficaz em setores do conhecimento não

complexos, como o das máquinas artificiais; mas a lógica desse sistema acaba não

permitindo considerações afetivas, subjetivas e criadoras. O resultado é um círculo

vicioso, pois os que se dizem cientistas não reconhecem aos não-cientistas o direito

de pensar e elaborar teorias, que só neles encontram aquela subjetividade e

afetividade.

A verdadeira racionalidade trabalha no campo empírico e considera

racionalmente mitos, afetos, amores e mágoas.

A síntese do pensamento complexo requer um pensamento radical (que vá à

raiz dos problemas); um pensamento multidimensional, organizador e sistêmico, que

reconheça a relação todo-partes-todo; um pensamento ecologizado, que considere a

relação do objeto de estudo com seu ambiente cultural, social, econômico, político e

natural; um pensamento que conceba a ecologia de ação e a dialética da ação, e que

estrategicamente permita modificar e até mesmo anular a ação empreendida; e um

pensamento que reconheça suas deficiências e negocie com a incerteza.

Em suma, o pensamento complexo parte da premissa de que é impossível

conhecer o todo sem conhecer as partes, e é impossível conhecer as partes sem

conhecer o todo.

O evangelho da perdição

A aventura desconhecida é a consciência da finitude do ser humano, a

consciência da inconsciência humana.

O conceito de itinerância representa um constante retorno ao presente, ao

passado e ao futuro, revalorizando momentos poéticos, extáticos e autênticos.

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O evangelho é a boa nova de que não há salvação se não cultivarmos o jardim

terrestre. O problema é que a esperança de salvação em vida ou além da vida impede

que se observe e que se acredite na perdição. Aliás, a própria idéia de salvação é um

recalque da consciência da perdição.

O apelo à fraternidade é uma das ferramentas de cultivo do jardim terrestre e

diz respeito diretamente à quebra de nossas normas e tabus.

Daí poderá o homem viver e habitar a Terra de modo poético, mas sem deixar

de lado a prosa, que é o lado funcional da literatura.

O evangelho da perdição é, portanto, uma religião, no sentido de re-ligar o

homem ao homem e os problemas uns aos outros.

Só que é uma religião com os objetivos racionais de salvar o planeta, civilizar

a Terra, realizar a unidade humana e salvaguardar a diversidade.

“O reconhecimento da Terra-Pátria conflui com a religião dos mortais

perdidos, ou melhor, desemboca nessa religião da perdição. Não há portanto

salvação se a palavra significa escapar à perdição. Mas se salvação significar evitar

o pior, encontrar o melhor possível, então nossa salvação pessoal está na

consciência, no amor e na fraternidade, nossa salvação coletiva é evitar o desastre de

uma morte prematura da humanidade e fazer da Terra, perdida no cosmos, nosso

‘porto de salvação’” (p. 182)

Conclusão – Terra-Pátria

São várias as tomadas de consciência que se complementam, entre elas a

tomada de consciência da unidade e da diversidade da biosfera, que é a consciência

ecológica; a da unidade e diversidade do homem, que é a consciência antropológica;

e a tomada de consciência do dasein, do estar no mundo sem saber porquê.

É preciso fundar a solidariedade humana centrada na consciência da perdição,

na consciência dos problemas comuns.

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Não se trata de o homem dominar a Terra, pilotando-a. É preciso agora cuidar

dela, co-pilotando-a, porque a Terra tem poderes não reguláveis ou controláveis pelo

homem.

A civilização produz a insatisfação com as satisfações e, por isso mesmo, não

traz a salvação.

Os princípios da esperança na desesperança apontam principalmente a que

todas as grandes criações ou transformações foram inconcebíveis antes de

acontecerem. Tudo que aconteceu de bom na história foi a priori improvável.

Também aponta para o princípio do salvamento a tomada de consciência, pois só se

busca a salvação diante do perigo.

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Aristóteles na universidade...

Por Eduardo Sens dos Santos, novembro de 2001

— Aristóteles passou no vestibular!

— O filho da Maria Alice?

— Isso, da Maria Alice da padaria!

— Coitado, nunca vai ser ninguém na vida...

Essa infelizmente seria a conclusão mais acertada que alguém poderia tirar da assertiva do primeiro compadre.

Coitado do Aristóteles, tinha tudo para ser alguém na vida: um filósofo quem sabe; ou então ser médico; se não o tivessem obrigado a isso poderia virar botânico, ou biólogo; talvez continuasse a se dedicar à poesia; ou então mudasse o rumo e passasse a se concentrar em matemática, astronomia; imaginem ele veterinário, tinha tanto jeito para isso... poderia escrever sobre política ou ética, sobre veterinária e anatomia animal, imaginem...

Mas Aristóteles não vai ser nada disso. Prestou vestibular para aquilo que mais o agradava com seus dezessete anos e vai seguir a vida inteira fazendo a mesma coisa, mesmo que sua paciência se esgote, ou que ele mesmo esgote o assunto, ou que o assunto o esgote...

— Por que isso, compadre?

Porque ele foi obrigado a contrariar sua natureza inteligente e ilimitada. Forçaram-no a voltar seus olhos, os radiantes olhos que todo garoto de dezessete anos tem nessa idade quando descobre algo novo, para um só dos quadros do museu, para um só dos livros da biblioteca. O crime é tão violento quando o do malandro que mostra cinquenta pirulitos para uma criança e diz a ela que escolha apenas um sabor pelo resto da vida, mesmo sem conhecer esse sabor...

Mas, e se Aristóteles não tivesse vivido em nosso tempo? Digamos que tivesse nascido há muitos anos, talvez até mesmo antes de Cristo? O que teria acontecido a ele? Teria sido alguém na vida?

Provavelmente alguém com a curiosidade de Aristóteles, com sua perspicácia e determinação, teria feito o que bem quisesse na vida; teria aproveitado ao máximo todos os momentos fazendo aquilo que

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gostava e, como fazia o que gostava, cada vez mais o fazia melhor, e assim melhorava tudo até ser definitivamente o melhor entre os melhores no assunto.

Digamos que aos dezesseis anos gostasse de, por exemplo, medicina: escreveria aos vinte um tratado; e se fosse biologia: pesquisaria e catalogaria milhares de espécies; política ou ética: talvez escrevesse os textos mais importantes sobre o assunto; digamos, quem sabe, literatura: não chegaria a ser o melhor, mas sua contribuição para o mundo seria importante; e na astronomia: andaria a passos largos; e se se metesse a falar de lógica, matemática ou, podemos pensar em algo completamente distinto como... veterinária: deixaria, mesmo assim, suas marcas para o resto do mundo.

Mas, desafortunadamente, não foi esta a sina de Aristóteles. Viu-se obrigado a matricular-se numa faculdade qualquer e a esquecer tudo o que não dissesse respeito ao novo curso. Até a forma com que se expressava teve de mudar: fale de acordo com a gramática; não escreva fora dos padrões científicos; não dê idéias suas, apenas cite autores importantes, de preferência europeus; limite-se ao conteúdo da disciplina...

Aí, quando quis estudar anatomia e escrever um tratado, teve que ficar seis anos num curso maçante cheio de memorizações para dizerem que sabia do que falava; depois, precisou de mais três anos de mestrado e cinco de doutorado para escrever um tratado, que não foi aceito porque não estava nos padrões científicos...

Lá se foram quatorze anos. Resolveu estudar biologia, por gostar e sentir-se à vontade com os animais. Precisou de cinco anos para dizerem que, finalmente, poderia observar animais e estudá-los como pretendia.

Entediado, resolveu estudar a política das cidades próximas à sua e escrever um livro. Informou-se sobre como levar adiante esse trabalho e, novamente, lá se foi para a faculdade de ciências sociais estudar tudo o que não lhe interessava até chegar à ciência política. Mais cinco anos e pensou que agora estaria apto a escrever o que desejava.

Que nada, ainda não tinha conseguido o tal reconhecimento público e precisou escrever diversas outras pequenas obras, sobre assuntos que não lhe interessavam tanto para, somente então, tentar lançar o grande livro.

Agora, contudo, o trabalho passava do limite de páginas estabelecido pela banca de doutorado para aprovação... Com a astronomia, com a

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veterinária, com a matemática e a lógica, com a literatura e a poesia, com tudo foi a mesma história: não aceitavam o que escrevia porque não se encaixava nos padrões ou não tinha ainda o “perfil” para tratar do assunto.

Essa mania de dividir os assuntos, de compartimentalizar e de ver o mundo do modo mais específico possível acabou com Aristóteles, que agora não é mais ninguém. Aliás, Aristóteles agora se chama joão. Isso mesmo, joão assim com letra minúscula, de tão minúsculo que é o tal. Não vai escrever nada de útil ao mundo, não vai descobrir nada de novo nem desafiar regra alguma. Vai ser somente joão, o aluno de número 4.563 a ter passado pela faculdade...

É evidente que não podemos transportar a figura de Aristóteles para os dias de hoje, assim como não podemos exigir da educação a liberdade de tempos remotos. Mas, da mesma forma, não é possível manter o exagero de tornar os conteúdos das disciplinas herméticos em si mesmos, como se tem feito nas últimas décadas; não é possível colocar tantos obstáculos à criatividade e à curiosidade; não se pode acreditar na seriedade de um sistema que se propõe a estimular o estudo de temas cada vez mais específicos sem confrontá-los com o âmbito mais geral do conhecimento de forma multidisciplinar.

Permitamos ao menino do museu e da biblioteca todo o tempo do mundo para se deliciar o quanto quiser com seus quadros e livros; permitamos ao garoto a escolha de qualquer pirulito e, caso não goste do sabor do primeiro, que tente o segundo e o terceiro e o quarto, e assim por diante. Caminhemos para o futuro e não para o passado. Abramos, enfim, os olhos de joão e façamos dele um Aristóteles!

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