terra indígena, população, ambiente e saúde um estudo...

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1 Terra indígena, população, ambiente e saúde um estudo sobre os A’uwe Xavante /MT Introdução Este trabalho analisa questões relacionadas à Terra indígena, população, ambiente e saúde do povo A’uwe Xavante que vive atualmente no estado do Mato Grosso. Os Xavante pertencem ao tronco lingüístico Makro Jê, família Akuen, sua autodenominação Xavante é A’uwe (“gente”), enquanto dos Xerente é Akwe. Alguns autores como Graham (2008), Maybury-Lewis (1984), consideram que Akuen ou Acuen refere-se apenas aos Xavante e Xerente. Os Akuen que tinham seu território no Brasil central eram conhecidos na época da colônia como Tapuias, enquanto os Tupi eram denominados Tamoios. Os A’uwe Xavante não têm nenhuma proximidade histórica, lingüística ou sociológica com os Oti-Xavante (SP) ou com os Ofaié Xavante (MS). (Maybury-Lewis,1984). Outros autores atribuem a denominação Akuen grupo etnolinguístico aos Xavante, Xerente,Xacriabá, Acroá. Os dados se referem ora a um ou a outro subgrupo deste conjunto de maneira confusa. Em meados do século XIX para todo este conjunto de povos estimava-se uma população entre 3 a 5 mil pessoas. A história deste povo esta relacionada com as inúmeras migrações a que foram forçados, neste sentido foram desterritorializados para num outro momento se territorializar formando assim seu território. (Haesbaert, 2004). O contato dos Xavante com a sociedade envolvente ocorreu em diferentes momentos, pois as cisões políticas determinaram que os vários grupos Xavante realizassem trajetórias distintas. O período de sua História de meados do século XIX até recentemente, refere-se aos grupos Xavante que passaram a viver no Mato Grosso, após as travessias dos rios Araguaia, Cristalino e das Mortes. De acordo com Lopes da Silva (1992) pode se resumir os principais fatos da história Xavante do século XX, da seguinte forma: “ nas primeiras décadas do século XX os Xavante vivem um período de tranqüilidade; na década de 1940 iniciou-se a ocupação do centro- oeste pela colonização agropecuária, sob a ideologia da ocupação dos espaços “vazios”, com a “Marcha para o Oeste” através da Expedição Roncador Xingu e da Fundação Brasil Central; nas décadas de 1940-50 a “pacificação oficial” de um grupo Xavante, às margens do rio das Mortes; e período de certo distanciamento na

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Terra indígena, população, ambiente e saúde – um estudo sobre os A’uwe

Xavante /MT

Introdução

Este trabalho analisa questões relacionadas à Terra indígena, população,

ambiente e saúde do povo A’uwe Xavante que vive atualmente no estado do Mato

Grosso. Os Xavante pertencem ao tronco lingüístico Makro – Jê, família Akuen, sua

autodenominação Xavante é A’uwe (“gente”), enquanto dos Xerente é Akwe. Alguns

autores como Graham (2008), Maybury-Lewis (1984), consideram que Akuen ou Acuen

refere-se apenas aos Xavante e Xerente. Os Akuen que tinham seu território no Brasil

central eram conhecidos na época da colônia como Tapuias, enquanto os Tupi eram

denominados Tamoios. Os A’uwe Xavante não têm nenhuma proximidade histórica,

lingüística ou sociológica com os Oti-Xavante (SP) ou com os Ofaié – Xavante (MS).

(Maybury-Lewis,1984). Outros autores atribuem a denominação Akuen grupo

etnolinguístico aos Xavante, Xerente,Xacriabá, Acroá. Os dados se referem ora a um ou

a outro subgrupo deste conjunto de maneira confusa. Em meados do século XIX para

todo este conjunto de povos estimava-se uma população entre 3 a 5 mil pessoas.

A história deste povo esta relacionada com as inúmeras migrações a que foram

forçados, neste sentido foram desterritorializados para num outro momento se

territorializar formando assim seu território. (Haesbaert, 2004).

O contato dos Xavante com a sociedade envolvente ocorreu em diferentes

momentos, pois as cisões políticas determinaram que os vários grupos Xavante

realizassem trajetórias distintas. O período de sua História de meados do século XIX até

recentemente, refere-se aos grupos Xavante que passaram a viver no Mato Grosso, após

as travessias dos rios Araguaia, Cristalino e das Mortes.

De acordo com Lopes da Silva (1992) pode se resumir os principais fatos da

história Xavante do século XX, da seguinte forma: “ nas primeiras décadas do século

XX os Xavante vivem um período de tranqüilidade; na década de 1940 iniciou-se a

ocupação do centro- oeste pela colonização agropecuária, sob a ideologia da ocupação

dos espaços “vazios”, com a “Marcha para o Oeste” através da Expedição Roncador

Xingu e da Fundação Brasil Central; nas décadas de 1940-50 a “pacificação oficial” de

um grupo Xavante, às margens do rio das Mortes; e período de certo distanciamento na

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década 1960; nos anos 1970 o foco são as regularizações das terras indígenas Xavante

com a importante liderança de Mario Juruna- Dzuru’rã, e a imagem dos Xavante como

“índios conscientes e reivindicadores”.

O território Xavante atual, no estado do Mato Grosso está fragmentado em 09

terras indígenas, a saber: T.I.Marãiwatsede, T.I.Pimentel Barbosa, T.I.Areões (Areões

I,Areões II), T.I.Marechal Rondon, T.I.Parabubure, T.I. Chão Preto,T.I.Ubawawe,

T.I.Sangradouro/Volta Grande, T.I.São Marcos.

No quadro n° 1 dados sobre área em hectares, município, situação fundiária das

Terras Indígenas Xavante:

Quadro 1 – Terras Indígenas Xavante área (ha) e situação fundiária e localização

TERRA INDÍGENA ÁREA

(HECTARES)

MUNICÍPIO SITUAÇÃO

FUNDIÁRIA

T.I.Marãiwatsede 168.000 Alto da Boa Vista Homologada

T.I.Pimentel Barbosa 328.966 Água Boa

Canarana

Ribeirão Cascalheira

Homologada

T.I. Areões 218.515 Nova Xavantina Homologada

T.I. Areões I 24.450 Água Boa Demarcada

T.I. Areões II 16.650 Água Boa Demarcada

T.I. Marechal Rondon 98.500 Paranatinga Demarcada

T.I. Parabubure* 224.447 Campinápolis

Água Boa

Homologada

Chão Preto 8.060 Campinápolis Homologada

Ubawawe 51.900 Novo São Joaquim Homologada

T.I. Sangradouro 100.280 General Carneiro

Poxoréu

Homologada

T.I. São Marcos 188.478 Barra do Garças Demarcada

Fonte : Instituto socioambiental, 2013.

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Metodologia

O presente artigo foi propiciado pela pesquisa realizada na elaboração da tese de

doutorado na qual discutiu-se o território indígena Xavante e suas relações com os

cerrados. A pesquisa fundamenta-se, nos procedimentos de uma pesquisa participante,

no conhecimento adquirido ao longo dos anos de trabalho como assessora da

Associação Xavante Warã. A metodologia utilizada na pesquisa teve alem da pesquisa

documental e dos levantamentos bibliográficos, o trabalho de campo nas terras

indígenas e entorno. Os procedimentos foram a coleta de depoimentos e entrevistas

realizadas nas aldeias com homens e mulheres Xavante.

As entrevistas são fundamentais para a obtenção de informações sobre a realidade a ser

pesquisada. Quando se trabalha com povos indígenas é necessário buscar os

informantes que são aqueles com maior conhecimento, em geral são apontados os mais

velhos e para a tradução, os mais jovens que são bilíngües e por vezes também a escrita.

Os trabalhos de campo proporcionaram o conhecimento de parte do território Xavante,

aprofundamos o entendimento sobre a sociedade estudada, além de serem importantes

para conhecimento do entorno das terras indígenas, questão fundamental de nosso

estudo.

Demografia Xavante

Em termos populacionais os Xavante caracterizam-se por ser um dos maiores

entre os povos indígenas do Brasil na atualidade. As primeiras informações sobre a

população Xavante são apenas estimativas e não números precisos, pois nos primeiros

contatos entre índios e não-índios havia imprecisões quanto aos povos considerados.

Os dados demográficos variam até a metade do século XX, quando os Xavante

entram novamente em contato com os brancos, desta vez definitivamente. No entanto,

deve ser observado que os números são sempre aproximados e não absolutos, dada a

falta de políticas públicas eficientes relacionadas aos povos indígenas. Observa-se na

demografia Xavante um grande decréscimo da população na época dos primeiros

contatos com a sociedade envolvente, num período que vai do século dezoito até metade

do século dezenove. Um pequeno aumento populacional ocorre no final do século

dezenove após a travessia dos rios Araguaia, Cristalino e rio das Mortes onde se

instalam próximos à Serra do Roncador. Até esse momento os dados demonstram que a

população Xavante sofria as conseqüências dos contatos com diversas frentes de

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colonização como os bandeirantes, e suas expedições punitivas e as diversas epidemias

que assolaram todos os povos indígenas no Brasil.

A demografia e a saúde dos povos indígenas são condicionadas por vários

aspectos, entretanto o principal deles é a restrição territorial, ou seja, o confinamento

nas terras indígenas, que leva a drásticas mudanças culturais.

Os dados sobre a demografia indígena como um todo e aos Xavante em

particular, apontam para as altas taxas de mortalidade infantil, muito acima da média

nacional ( Souza et a.l ,2004). Os povos indígenas estariam vivendo um “complexo

processo de transição epidemiológico”, onde ao lado de doenças infecciosas e

parasitárias, ocorre aumento importante de doenças crônicas não transmissíveis assim

como outras causas externas (Souza , op. cit.).

Sem dúvida, as condições da saúde indígena são extremamente precárias em

comparação com a sociedade envolvente. Deve-se também citar que não existem “dados

suficientes que permitam traçar um perfil demográfico e epidemiológico razoável da

população Xavante” (idem), saúde, ambiente e território formam uma tríade inseparável

para a vida Xavante.

A vivência na bacia do rio das Mortes deixou–os em certo isolamento até

próximo dos anos 1940, quando são novamente contatados pelos “brancos” e sua

pacificação é oficializada. Com este contato mais efetivo e com as invasões em seu

território, inúmeras epidemias os atingem e a população volta a decrescer. Apenas

voltando a se recuperar na década de 1970 quando lutam pelas demarcações de suas

terras e têm certo apoio da missão católica salesiana e da FUNAI- Fundação nacional do

Índio.

Nos anos 1980, o crescimento da população é mantido, tendo uma taxa de

crescimento de 5,6% (Carrara,1997:45-47).

No entanto, esse crescimento não é continuo. Na década de 1990, houve ligeiro

decréscimo populacional devido à diminuição de seus territórios, à sedentarização,

mudanças nos hábitos alimentares e suas conseqüências na saúde indígena. Também

agrava –se o quadro de desnutrição das crianças e a população apresenta altas taxas de

mortalidade infantil, principalmente na faixa de 0 a 5 anos de idade. Muitas

enfermidades acometeram os Xavante, algumas diretamente relacionadas ao

confinamento territorial, como aquelas ligadas à precariedade no saneamento básico,

principalmente falta de tratamento da água. (Carrara, op.cit.)

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Em relação a sua população atual, os dados informam que esta vem crescendo.

Segundo o Instituto socioambiental, em 2000 contava-se 9.601 habitantes, passando de

acordo com a Funasa Fundação Nacional de saúde, para 10.477 indivíduos no ano de

2002, e chegando a 11.374 pessoas em 2004, (sendo que 40% do total da população

com menos de 5 anos de idade), já em 2010 a população contava com numero de 15.315

indivíduos.

Gráfico 1 - Dinâmica da população Xavante

Fonte : Funasa, Isa instituto socioambiental

Dentro dos aspectos demográficos atuais dos Xavante tem-se a alta taxa de

natalidade, crescimento médio anual de 4,4 % e para outros autores 5%, e alta taxa de

mortalidade infantil, média de 96,7 óbitos de crianças menores de 1 ano por mil

nascidos vivos (dados de pesquisa do período entre 1999 e 2004).

Gráfico 2 – Pirâmide Etária dos Xavante

Fonte: Lima (2005), a partir da DSEI Xavante, 2002.

0

2000

4000

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00

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20

07

População Xavante Total

-1100 -600 -100 400 900

0 a 4

5 a 9

10 a 14

15 a 19

20 a 24

25 a 29

30 a 34

35 a 39

40 a 44

45 a 49

50 a 54

55 a 59

60 a 64

65 a +

Masculino Feminino

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O gráfico n.2 pirâmide população Xavante demonstra as características da

dinâmica demográfica com altas taxas de natalidade e de mortalidade infantil. As faixas

etárias até os 15 anos de idade correspondem a 55,5% da população total.

A faixa etária dos 0 aos 4 anos são cerca de 26% da população. Outra

característica é o pequeno número de indivíduos entre os 40 e 64 anos de idade, portanto

aqueles que nasceram no final da década de 1930 até o inicio da década de 1960.

revelando que este período da História Xavante, foi particularmente marcante quanto à

mortalidade, o qual coincide com o re-contato com a sociedade envolvente. (Souza, et

all, 2004)

Ao se comparar a mortalidade infantil indígena com a brasileira têm-se os

seguintes dados: 23,7 por mil entre os brasileiros, 56,5 por mil entre os povos indígenas

e 133,6 por mil entre os Xavante. A média indígena é duas vezes maior do que a

brasileira, enquanto que a Xavante é quase seis vezes maior do que a brasileira, o que

reflete a situação de colonização a que estão submetidos estes povos. (idem)

Desta forma, conclui-se que as relações entre populações, e índices de

morbidade e saúde estão relacionados ao contato com a sociedade abrangente, aos

conflitos territoriais e socioambientais e principalmente a limitação territorial.

A Terra indígena Marãiwatsede um caso emblemático

Relação entre o território e saúde indígena

Quadro 2 – Caracterização da Terra Indígena Marãiwatsede

Tipo Situação

Situação Jurídica Atual homologada (Registro de Criação e SPU - 11/12/1998)

Documento decreto sem data – data de publicação - 14/12/1998

Administração Regional da FUNAI Barra do Garças

DSEI FUNASA Xavante ~700

Extensão da Área 165.241 hectares

Municípios / Área (IBGE) Alto da Boa Vista/ 611.903 hectares

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Fonte: ISA – Instituto Socioambiental

Uma breve historia da terra indígena Marãiwatsede

A palavra Marãiwatsede (mata alta/mata ruim) tem um significado

correspondente à biogeografia da região, pois esta é uma área de transição do cerrado

para a floresta amazônica.

Marãiwatsede localiza-se entre os rios Araguaia a leste e rio Xingu a oeste, seu

limite norte é o rio Tapirapé (afluente do Araguaia ), o divisor de águas é a Serra do

Roncador. “a Serra do Roncador faz parte do território tradicional Xavante” e era uma

área rica em caça e outros recursos utilizados pelos Xavante.

Nesta região o cerrado está localizado entre a área inundável do Araguaia e as

matas de transição da Serra do Roncador e é na faixa de cerrado que se situam as

aldeias Xavante. As áreas limítrofes são parte de seu território e utilizadas para caça e

coleta. Marãiwatsede engloba estes diferentes fitofisionomias. (FUNAI, 1992:2,3)

A trajetória histórica dos diversos grupos Xavante foi bastante distinta, o caso de

Marãiwatsede caracteriza-se pela extrema violação dos direitos indígenas, pois este

grupo foi expulso de suas próprias terras e transferido para outra terra indígena Xavante,

a T.i. São Marcos.

A área da T.I. Marãiwatsede quando usurpada dos Xavante, na década de 1960,

ficou conhecida como Fazenda Suiá-Missu, este é o nome de um afluente do Rio Xingu

que nasce na Serra do Roncador e é denominado de Marãiwatsede’pa pelos Xavante.

A implantação da fazenda culminou com a expulsão dos Xavante em 1966 e sua

transferência para São Marcos, feito que contou com o apoio do SPI e da FAB e dos

missionários salesianos.(idem) Neste sentido o depoimento coletado pela Funai comenta

que decidem “livrar-se dos Xavante” e “ foi quando tiraram os índios de suas próprias

terras, em aviões da FAB ... chegava 3,4, avião e enchia de índio, cachorro, galinha,

São Félix do Araguaia / 1.893.504 hectares

Bom Jesus do Araguaia / 427.908

Obras de Infra-Estrutura Rodovia (BR 158) Federal - construída

Rodovia (BR 080) Federal – construída

Missão Católica e Missão Evangélica Não

Fonte: ???

Elaboração: Maria Lúcia C. Gomide, 2008

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papagaio,tudo que eles tinham levavam nos aviões..” (Dossiê Itália –Brasil 1990 apud

FUNAI,1992 :17)

Assim, os Xavante foram obrigados a se mudarem para missão de São Marcos,em

agosto de 1966. Como parte desta tragédia, uma epidemia de sarampo matou muitos

Xavante que chegaram em São Marcos, em poucos dias morreram mais de cem pessoas.

Devido a todo esse sofrimento, perda da terra e das pessoas, os sobreviventes se

dispersaram, e os pequenos grupos foram viver em diferentes aldeias, em “terras

emprestadas pelos parentes”. Assim, o grupo de Marãiwatsede foi se movimentando

pelas outras áreas Xavante e em 1979 transferiram-se para a atual T.I. Parabubure, mais

tarde mudam-se para Areões em 1985 acabam por situar-se em Pimentel Barbosa

fundando a aldeia Água Branca ( existe ainda atualmente ).

A invasão do território Xavante começou com a chegada de posseiros na região

de São Felix do Araguaia e entraram em conflitos com os Xavante. Diante desses

conflitos violentos o grupo Xavante de Marãiwatsede teve parte de suas terras ocupadas

por posseiros. Em seguida a invasão deu-se a implantação da fazenda Suia- Missu que

expulsou tanto índios como os posseiros, a “fazenda Suia-Missu foi o primeiro

latifúndio escriturado que se instalou nessa região.” (FUNAI, op.cit.29)

Os Xavante desde então reivindicaram o retorno a esta parte de seu território

usurpado por grileiros, e que passou a pertencer a empresa italiana Agip , a qual depois

de 25 anos fez a “devolução” da área aos Xavante, após intensos conflitos e campanhas.

(FUNAI, op.cit.)

O retorno para Marãiwatsede iniciou-se em 1980 devido a desentendimentos

entre o grupo de Couto Magalhães e de Marãiwatsede. A primeira tentativa em 1981

foi fracassada, pois não foi possível reunir os Xavante que estavam dispersos. Apenas

em 1984, conseguem criar a aldeia Água Branca e com isto unem-se novamente.(

FUNAI,op.cit. , 65-67)

Em 2004 os Xavante conseguem retornar para sua terra, embora até o presente

ainda enfrentem constantes conflitos com os posseiros que não saíram de seu território .

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A versão dos Xavante conta a História de Marãiwatsede

Em depoimentos das lideranças Xavante à Ferraz (FUNAI,1992), contam a triste

história da perda de suas terras. No depoimento do velho Davi1 Xavante recordou

que “estava presente às primeiras lutas com os brancos. Seus avós lutaram com

armas para defender o povo, a terra e a natureza. Natureza essa que não é mais

como antes(...) naquele tempo defendiam a terra para ninguém entrar..” (FUNAI,

1992:43) Antigamente era o tempo da liberdade, quando tomavam conta de seu

território que se estendia : até o rio Tapirapé, ao norte, o rio das Garças ao sul, e o

rio Xingu a oeste.

Nos tempos que ainda tinham o domínio de seu território os Xavante exerciam

seu movimento, denominado zomori, e nestas longas caminhadas chegavam próximo ao

rio Xingu, e Tapirapés. Após estas perambulações voltavam às aldeias. (Ferraz op.cit.

50,51,52) Por este tempo os Xavante receberam muitas agressões dos moradores

regionais, como o ataque na aldeia Udzurãwawe (local com muito buriti), ocorrido na

década de 1950 :

“ (as crianças) estavam no meio da aldeia, jogando flechinha (...)

nós vimos os brancos iam atacar , estavam em cima de nós.

Então nós corremos (...) dez crianças que foram tiradas para

massacrar, para matar (...) os pais vinham tirar as crianças mas

já estavam nas mãos dos brancos para matar ...” (depoimento de

Paulo Xavante apud FUNAI, 1992 )

Os Xavante reagiram a estas invasões e conflitos com uma dispersão em varias

aldeias menores.

A T.I.Maraiwatsede foi enfim homologadas em 1998, mas isto não significou a

recuperação total dessa parte do território Xavante, pois os conflitos continuam com a

permanência de posseiros dentro da terra indígena e a pouca vontade política do

governo brasileiro em resolver a questão de Marãiwatsede.

1 Depoimento feito ao grupo de trabalho para a demarcação da T.I. Marãiwatsede , ao chegarem a

fazenda Suia Missu ( Ferraz ,1992)

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Figura 1 - Mapa

de localização da

Terra indígena

Marãiwatsede/MT

Os conflitos recentes

Destaca-se entre os problemas enfrentados pela população Xavante de Marãiwatsede, a

morte de crianças por desnutrição e/ou doenças diarréicas e respiratórias nos últimos

anos. Assim, em 2013, os dados da SESAI apontam que 80% das crianças estava

desnutrida. Em carta denunciando a situação precária os Xavante ressaltaram que a

restrição ao seu território tradicional, ocasiona o quadro de desnutrição generalizado,

inclusive a ausência de água potável sendo um dos graves problemas ocasionados pela

dificuldade de acesso ao território.

“Queremos ocupar integralmente a nossa terra, mas queremos nosso povo saudável”

dizem os Xavante.

O desmatamento da Terra indígena Marãiwatsede, é recorrente, esta é considerada

como uma das terras indígenas que mais sofre degradação ambiental na Amazônia. De

acordo com o IMAZON (2013), os dados de monitoramento do desmatamento por meio

de imagens orbitais, revela que a T.I. Marãiwatsede, já tinha perdido em 2013, cerca de

60 % de sua cobertura florestal. Este desmatamento é conseqüência da ocupação pelos

invasores que desenvolvem atividades do agronegócio em especial cultivos de soja e

pecuária. Estas atividades provocam vários problemas socioambientais como a

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contaminação de cursos d’água por agrotóxicos2. O impacto ambiental está diretamente

relacionado aos graves problemas de saúde que acometem a população indígena, não

apenas com diarréia, mas também com descontrole da tireóide, do sistema neurológico

em geral, surdez, diminuição da acuidade visual, entre outros.(IMAZON,2013)

Na fala de uma importante liderança Xavante, ressalta os graves problemas de saúde

conseqüentes da restrição terra e degradação do ambiente :

“precisamos de uma solução ao problema da saúde. Saúde é só política, nós somos

usados e jogados. Hoje o vento esta contaminado. Quem acabou com a floresta? Foi

fazendeiro grande. Hoje as crianças estão fracas e magras. Eu cresci gordo e sadio e

alto. Mas hoje acabaram com a natureza que é a nossa defesa. ... já sofremos muito.”

Cacique Damião Xavante.

A desintrusão da terra indígena iniciou-se em novembro de 2012, (com apoio do

Exercito, força nacional, policia federal, policia rodoviária), mas “incentivados por

fazendeiros e políticos locais, os ocupantes decidiram não cumprir a decisão judicial e

procuraram desestabilizar o processo forçando conflitos.” (ISA, 2013) com isso o

processo de desintrusão foi longo e conflituoso, sendo finalizado em janeiro de 2013.

Assim, em meio ao luto, pela morte de varias crianças, em abril de 2013, foi entregue

simbolicamente a terra aos Xavante, depois de 50 anos de ocupação ilegal. (idem)

No entanto, por mais inadmissível que seja, as noticias de 29 de janeiro de 2014,

informam que a terra indígena Marãiwatesede, voltou a ser invadida.

“ exatamente um ano após autoridades federais terem cumprido

a ordem judicial que determinava que todos os não índios

deixassem voluntariamente ou fossem retirados do interior da

T.I. Marãiwatsede um grupo de pessoas voltou a ocupar

irregularmente a área. A retirada dos invasores foi concluída no

final de janeiro de 2013”. (Agencia Brasil, 29/01/2014)

2 A instrução normativa do ministério da agricultura e pecuária, a IN n.2, 2008, regulariza que a

pulverização de agrotóxicos por avião deve respeitar 500 metros de distancia de nascentes de águas, onde

vivam populações, mas em geral não é respeitado como o caso de Maraiwatsede. (ISA).

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Considerações finais

Neste breve histórico relaciona-se os conflitos pela terra e a degradação

ambiental aos problemas de saúde advindos. Desde a época da transferência da

população de Marãiwatsede para a terra indígena São Marcos na década de 1960, onde

muitos morreram de sarampo até os problemas atuais com as doenças vinculadas à falta

de saneamento básico, vindos com a sedentarização das aldeias, a desnutrição

decorrente da falta de segurança alimentar e a contaminação da água por agrotóxicos,

são todos conseqüências da restrição territorial e do desrespeito a que estão submetidos

os Xavante de Marãiwatsede.

Finalizamos lembrando que todas as Terras Indígenas Xavante foram

demarcadas em meio a intensos conflitos, e numerosas vezes foram reivindicadas

revisões dos limites, que por vezes resultaram em decretos de demarcação, no entanto

seu território encontra-se fragmentado e ilhado. Mas, mesmo cercados pelos “brancos-

waradzu”, os Xavante numa incrível resistência, ainda tentam sustentar a sua

cosmologia e as representações de mundo e se manter enquanto um Povo.

Referencias

ARAUJO, Elis et all. Areas protegidas da Amazonia legal com mais alertas de

desmatamento em 2012-2013. Belém. Instituto do homem e meio ambiente da

Amazônia, IMAZON. 2013.

CARRARA, Eduardo. Relatório do Diagnostico Antropológico da EIA: Hidrovia

Araguaia-Tocantins (trecho do rio das Mortes),(quatro mapas). Dezembro,1997.

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