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Teorias e experiências de desenho urbano FAUUSP AUP0573 – Desenho Urbano: da teoria ao projeto Prof. Dr. Eduardo Nobre 2º semestre 2011 1

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Teorias e experiências de desenho urbano

FAUUSP

AUP0573 – Desenho Urbano: da teoria ao projeto

Prof. Dr. Eduardo Nobre

2º semestre 2011

1

2 FAUUSP - AUP0573 Desenho Urbano: da teoria ao projeto – Prof. Dr. Eduardo Nobre

Conforme visto na aula anterior, o campo do desenho urbano contemporâneo surge a partir das reações ao urbanismo e planejamento urbano modernos a partir da década de 1960.

A partir desta época, o desenho urbano se desenvolveu a partir das principais correntes:

1. Comportamental – confere ao espaço físico determinadas características que induzem a

determinados tipos de reação (Jane Jacobs, Oscar Newman);

2. Percepção visual – se preocupam com a percepção visual e imagética do espaço (Kevin Lynch, Gordon Cullen);

3. Historicista – baseia-se nos aspectos históricos e morfológicos do espaço físico para o desenvolvimento do projeto (Cervelatti, irmãos Krier);

4. Legislativa – utiliza-se do instrumental legal urbanístico para moldar a forma urbana (Noa

Iorque, Inglesa).

As principais correntes teóricas do Desenho Urbano

3 FAUUSP - AUP0573 Desenho Urbano: da teoria ao projeto – Prof. Dr. Eduardo Nobre

1.1 Jane Jacobs: Morte e vida das Grandes Cidades (Death and life of Great

American Cities. Nova Iorque: Vintage Books , 1961).

Chamou a atenção para a destruição da diversidade urbana que o planejamento e o projeto urbanos modernistas ocasionaram.

Segundo ela, essa diversidade era essencial para a vida urbana e a sua destruição ocasiona a 'morte' da cidades, pois:

A diversidade aumentava a segurança das

ruas, pois a presença permanente de um grande número de pessoas num local aumenta a sua vigilância 'comunitária'.

A diversidade ocasionava a otimização do

uso da infraestrutura, pois as diferentes atividades realizadas propicia o uso 24 horas dessa infraestrutura.

As condições para se obter a diversidade são:

presença de atividades principais

combinadas – usos residencial, comercial e de serviços),

as quadras pequenas – um número maior de ruas e esquinas que são essenciais para o comércio

variedade da idade dos edifícios – edifícios antigos possibilitam a presença de atividades econômicas mais simples em função de seus aluguéis baixos

uma grande densidade populacional (uma grande concentração de pessoas viabiliza a presença das diversas atividades).

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1.1 Oscar Newman e o Espaço defensável (Defensible space. Washington: HUD, 1972).

Newman criticou as afirmações de Jacobs a respeito da importância da diversidade para manutenção da segurança e vigilância urbanas.

Provando com estatísticas, ele afirmou que as ruas comerciais de Nova Iorque apresentam maior taxa de criminalidade que os outros tipos de rua.

Ele considerava os longos corredores fechados de conjuntos residenciais perigosos, pois eram de visibilidade difícil.

As áreas livres de conjuntos residenciais também apresentavam maiores taxas de criminalidade do que as ruas.

Isso ocorria devido a falta de definição entre os espaços públicos e privados

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Segundo Newman, para se conseguir o espaço defensável era necessário as seguintes características:

1. Territorialidade - a ideia de que o lar de cada um é sagrado;

2. Vigilância Natural - a ligação entre as características físicas de uma área e a capacidade dos moradores de ver o que acontece;

3. Imagem - a capacidade do projeto físico dar uma sensação de segurança

4. Milieu - outras características que podem afetar a segurança, tal como a proximidade um posto policial ou de uma área comercial movimentada

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2.1 Kevin Lynch e a imagem da cidade (The image of the city. Nova Iorque: MIT Press, 1960).

Preocupava-se com a identificação de imagens públicas coletivas, a partir do estudo da percepção dos usuários, a fim de estabelecer diretrizes de organização do espaço,

Estabeleceu os cinco elementos que definem a "imageabilidade" de um lugar:

Caminhos: ruas, calçadas, ferrovias, etc;

Limites: são contornos perceptíveis, tais como muros, construções, rios, etc;

Bairros: áreas da cidade, distintas por alguma característica ou identidade;

Nós: são pontos de convergência de pessoas, como cruzamentos ou praças;

Marcos referenciais: são objetos que servem como ponto de referência.

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2.2 Gordon Cullen: A Paisagem Urbana (The Concise Townscape. Londres: Pnigun Books, 1961).

Publicado primeiramente em 1961, teve grande influência em muitos urbanistas.

Cullen pesquisou a corrente artística tradicional do projeto urbano encontrada nas ideias de Camillo Sitte, Barry Parker e Raymond Unwin.

Criou o conceito da visão serial no qual define a paisagem urbana como uma sequência de espaços seriados e relacionados.

Sua aproximação estética ao projeto urbano se baseava em sketchs, croquis e desenhos, com alta qualidade pictórica, quase como os quadros de artistas impressionistas, nos quais os aspectos visuais da paisagem eram extremamente valorizados.

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Em 1982, Cullen foi contrato para desenvolver um plano para a área Ilhas dos Cães nas Docas Londrinas.

A Ilha dos Cães é uma península formada pelos meandros do Tâmisa, aonde se concentra a maior parte da Zona de Empreendimento. No apogeu do porto de Londres, a ilha era o coração das docas pois concentrava as Companhias das Índias Ocidentais e Orientais.

Após análise visual da região, baseou o seu projeto na existência de um grande eixo visual que cortava a linha no sentido Sudeste–Noroeste e ligava pontos importantes, tais como o parque de Greenwich, a Escola Naval e a igreja de St. Anne em Limehouse.

3.1 O conceito de Morfologia urbana e a experiência de Bolonha

O conceito de Morfologia urbana pode ser atribuído a geógrafos alemães e franceses no começo do século passado (XX). Consiste em compreender a lógica de formação, evolução e transformação dos elementos urbanos a fim de identificar formas mais apropriadas cultural e socialmente para intervenção na cidade.

Estudos morfológicos foram amplamente usados na elaboração de planos de preservação histórica e na elaboração de projetos de renovação urbana de cidades como Bolonha, Veneza, Glasgow, São Francisco e no trabalho dos irmãos Krier para o IBA de Berlin e Poundbury na Inglaterra.

Segundo Butina (1987), morfologia urbana constitui um método de análise que investiga os componentes físico-espaciais (lotes, ruas, tipologias edificatórias e áreas livres) e sócio-culturais (usos, apropiação e ocupação) da forma urbana e como eles variam em função do tempo.

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Pier Luiggi CERVELLATI (1977) utilizou-se de estudos de TIPOLOGIA EDILÍCIA e MORFOLOGIA URBANA para elaborar o Plano de Conservação do Centro Histórico de Bolonha, cujos objetivos eram:

1. Refrear a especulação imobiliária;

2. Melhorar as condições de moradia das classes trabalhadoras e populares;

3. Preservar o patrimônio histórico do Centro.

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Grande importância foi dada as tipologias edilícias, pois os técnicos viram a possibilidade de produzir um grande número de unidades habitacionais diferentes para o programa de habitação social.

De acordo com as pesquisas foram encontrados 4 tipos diferentes de edifícios:

1. Grandes complexos edificados (Contenitori) tais como palácios, monastérios, e conventos;

2. Pequenos complexos edificados - construções com pátios internos, testadas medindo de 10 a 15m;

3. Casas dos Artesãos - casas geminadas estreitas, testadas medindo de 4 a 8m;

4. Construções sem interesse histórico.

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Estratégia de intervenção

Tipos A e B – Preservação e restauro

Tipo C Reforma com preservação dos elementos externos

(fachadas, pórticos, galerias, portas e janelas), do pátios internos e dos elementos estruturais (escadas e corredor);

Reforma com demolição e reestruturação da parte interna.

Comércio, serviços comuns e lavanderia foram criados no térreo.

Tipo D – Demolição e construção de serviços sociais

O tipo C foi considerado o mais importante por permitir uma variedade de unidades habitacionais e apartamentos para várias tipos de família: pequenos apartamentos (30/40 m²) para idosos e solteiros; apartamentos simples (60/80 m²) para jovens casais, estudantes e turistas e apartamentos duplex (100/130 m²) para famílias. Todos com kitchnete e banheiro artificialmente ventilados.

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3.2 Os irmãos Krier

Os irmãos KRIER (Robert e Leon) são arquitetos que sofreram a influência dos estudos tipológicos na sua formação profissional.

Robert, influenciado por Sitte, desenvolveu um trabalho sobre o espaço urbano baseado nos estudos de figura-fundo para estabelecer a tipologia de praças nas cidades européias. Em 1987, coordenou o redesenho do bairro do Tiergarten Sul na exposição do IBA (International Bauaussatellung) de Berlin.

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Leon apresenta ideias bem

mais arraigadas no passado,

utilizando-se das tipologias

históricas para propor a

salvação das cidades

europeias.

Através dos seus contatos

pessoais com o Príncipe

Charles, da Inglaterra, Leon

conseguiu reproduzir em

Poundburry uma cidade do

século XVIII em pleno XX.

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16 Planejamento Urbano: a experiência internacional – Prof. Dr. Eduardo Nobre

O primeiro código de zoneamento compreensivo dos Estados Unidos surgiu na cidade de Nova Iorque em 1916, quando a cidade aprovou a primeira lei restringindo o direito individual de construir.

Até então o poder público só podia exercer o controle do uso em suas próprias terras.

A principal razão para o surgimento do zoneamento foi a necessidade de se estabelecer padrões mínimos de iluminação e ventilação para as ruas onde arranha-céus já começavam a aparecer.

Outra razão foi a necessidade de separação de usos incômodos em áreas residenciais.

Equitable Building. Fonte: http://www.bc.edu

A experiência do Zoneamento Nova Iorquino: 4.1 O zoneamento de incentivo

17 Planejamento Urbano: a experiência internacional – Prof. Dr. Eduardo Nobre

Em 1961, o código de zoneamento foi revisto com o surgimento do zoneamento de incentivo que tinha como finalidade prover os distritos centrais de mais áreas livres.

Pela legislação de zoneamento, as novas construções não precisavam de recuos até a altura de 24 m. Acima dessa altura, os recuos deveriam ser baseados num plano de exposição solar reduzindo a ocupação até 40%

Na legislação de 61 foi instituído o Plaza Bonus. Com esse instrumento, os empreendedores que construíssem no seu terreno praças, áreas livres, galerias ou passagens para pedestres, ganhavam um bônus de 20% em cima do FAR (Floor Area Ratio).

Nas áreas mais densas isso permitiu uma variação do FAR de 15 para 18.

Seagram Building. Fonte: http://pcalabria.blogspot.com

4.2 Os distritos de zoneamento especial

Os distritos de zoneamento especial surgiram em Nova Iorque para estabelecer diretrizes para empreendimentos de larga escala em áreas específicas.

A sua criação se baseou no argumento de que através do estabelecimento de controle e de incentivos aplicáveis a um distrito inteiro, seria mais fácil de se obter um desenho urbano mais integrado do que a aplicação de controle e incentivos em edifícios isolados.

Esse novo tipo de zoneamento também permitiu a preservação e o incentivo de determinadas atividades nos distritos (teatros no Theater District, comércio varejista no Lincoln Center e Fifth Avenue Districts).

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19 Planejamento Urbano: a experiência internacional – Prof. Dr. Eduardo Nobre

4.3 Zoneamento de Clusters

Zoneamento em "cluster" (Cluster Zoning) é o nome pelo qual ficaram conhecidos os empreendimentos de unidade planejada (PUDs - Planned Unit Developments).

Eles são geralmente usados em áreas rurais ou suburbanas com o intuito de preservar as suas qualidades ambientais.

O zoneamento oficial dessa áreas fica congelado.

O empreendedor submete então um plano diretor com a mesma densidade global especificada no zoneamento só que em pequenos "cachos" de casas concentradas numa área, ao invés de distribuida por todo o terreno.

Como resultado uma grande parcela do terreno continua no seu estado natural, preservando assim áreas de interesse ecológico como bosques, riachos e pequenos lagos.

Existem já vários exemplos de empreendimentos frutos desse instrumento nos EUA, tais como Village Greens (Staten Island, NY), Lighthouse Cove (Redwood Shores, CA), Turtle Rock Glen (Irvine, CA).

Zoneamento em Cluster . Fonte: http://www.gisdevelopment.net

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6. Referências Bibliográficas

BARNETT, J. (1982) An Introduction to Urban Design. Nova Iorque: Harper & Row Publishers.

DEL RIO, V. (1990) Introdução ao Desenho Urbano no Processo de Planejamento. São Paulo: Pini.

HALL, P. (1995). Cidades do amanhã: Uma História Intelectual do Planejamento e do Projeto Urbanos no Século XX. São Paulo: Perspectiva.

HARVEY, D. (1993) A Condição Pós-Moderna: Uma Pesquisa sobre as Origens da Mudança Cultural. São Paulo: Edições Loyola.

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JACOBS, J. (1961) The Death and Life of Great American Cities. Nova Iorque: Random House.

NOBRE, E. A. C. (1994) Towards a better approach to urban regeneration. Dissertação (mestrado). Oxford: Joint Centre for Urban Design, Oxford Brookes University.

NOBRE, E. A. C. (2000) Reestruturação Econômica e Território: expansão recente do terciário na marginal do rio Pinheiros. Tese de Doutorado. São Paulo: Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo.

SHIRVANI, H. (1985) The Urban Design Process. Nova Iorque: Van Nostrand Heinhold.

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7. Lista de figuras

Figura 1: Plano da Grande Londres. Fonte: ABERCROMBIE, P. (1945) Greater London Plan. Londres: HMSO. Acervo da Biblioteca da FAUUSP.

Figuras 2 a 5 e 10:Unidade de habitação de Marselha; conjunto residencial francês; Roberto Moses e maquete de Nova Iorque; Conjunto Residencial de Pruitt Igoe, EUA e sua demolição em 1970. Fonte: http://en.wikipedia.org

Figuras 6, 7 e 9: edifício do Ministério de Educação, RJ; Conjunto Residencial de Pedregulho, RJ e Plano de Brasília. Fonte: http://www.vitruvius.com.br

Figura 8: Corte da proposta da via-parque. Fonte: MOSES, Robert (1950) Programa de Melhoramentos Públicos para São Paulo. Nova Iorque: International Basic Economic Corporation. Acervo da Biblioteca da FAUUSP.

Figura 11: Projeto de intervenção em quadra de Bolonha. Fonte: DEL RIO (1990). Op. Cit.

Figura 12: Canary Wharf, Londres. Fonte: DAVIES, Colin (1992) "Critique: on the Waterfront". Progressive Architecture, v. 73, n. 4, abril, p. 122-124.

Figura 13 e 14: passeio marítimo de Barcelona e edifício do “Bundestag” em Berlim. Fonte: o autor, 1994 e 2002.