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    O restauro do moderno: o caso do edifcio Vilanova Artigas da FAUUSP

    Autores:Profa. Dra. CLAUDIA T. DE ANDRADE OLIVEIRA

    Departamento de Tecnologia da FAUUSPProfa. Dra. LUCINDA FERREIRA PRESTES

    Pesquisadora da FAUUSPProfa. Dra. MARLENE YURGEL

    Departamento de Histria e Esttica do Projeto da FAUUSPProf. Dr. SYLVIO BARROS SAWAYA

    Departamento de Projeto da FAUUSPProf. Dr. ORESTE BORTOLLI JR.Departamento de Projeto da FAUUSP

    ALEXANDRE MIRANDA DE ALMEIDA ROSAEstagirio da FAUUSP

    Rua do Lago, 876, Cidade Universitria, Butant - CEP05508-080 - So Paulo SPtel. +55 11 30914571 fax. +55 11 30914539 [email protected]

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    O restauro do moderno: o caso do edifcio Vilanova Artigas da FAUUSP

    RESUMO

    Tendo sido projetado em concreto armado aparente pelo arquiteto Joo Batista Vilanova Artigas e peloengenheiro Carlos Cascaldi, a arquitetura do edifcio Vilanova Artigas, da Faculdade de Arquitetura eUrbanismo da Universidade de So Paulo FAUUSP, revela a singular plasticidade e ousadia da suaestrutura e tornou-se referncia na produo de edifcios voltados educao superior nacional. Com umacobertura em grelha de escala monumental, intercolnio de 22m, vigas e pilares que apresentam indito earrojado desenho, o edifcio Vilanova Artigas um marco que destaca a importncia e inovao dasestruturas e tcnicas construtivas usadas na Arquitetura e Engenharia Estrutural brasileiras da dcada de1960. Considerando a expectativa de um primeiro ciclo de manuteno corretiva com grandes intervenesaos 50 anos de idade, a estrutura de concreto aparente, viabilizada pelo engenheiro Figueiredo Ferraz, jcumpre cerca de 80% da sua vida til e comea a apresentar srias falhas e manifestaes patolgicas. Oobjetivo do presente trabalho elucidar as condies atuais da cobertura em grelha e apresentar osprincpios metodolgicos para o seu restauro.

    Palavras-chave: anlise de desempenho, cobertura concreto armado, restauro

    ABSTRACT

    Designed by the architect Joo Batista Vilanova Artigas and the engineer Carlos Cascaldi, the Faculty ofArchitecture and Urbanism of the University of So Paulo was constructed in apparent reinforced concreteand reveals a singular and extraordinary plasticity. By these meanings, the building became a sample ofreference and inspirations for other architects in order to concive educational buildings. The magnitude of theroof composed by a grid, long-span beams (up to 22 meters) as well as other structural elements, such asthe inverted A beams and unparallel pyramid-like shape columns, mint innovations for the advance inarchitecture and engineering in Brasil during the decade of 1960. However, considering 50 years its firstmajor repair cycle in order to maintain performance level of uncoated reinforced concrete, the structure,designed by the engineer Figueiredo Ferraz, has just achieved 80% of this service life and nowadayspresents pathological problems. The focus of this paper is to elucidate the grid roofs conditions and presentsthe methodological principles for its restoration.

    Key-words: performance analysis, reinforced concrete grid roof, restoration

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    1 Introduo

    Este trabalho faz parte de uma pesquisa mais ampla que trata do restauro do Edifcio VilanovaArtigas da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de So Paulo FAUUSP, comvistas a recuperar as condies de habitabilidade (acessibilidade, salubridade, conforto),segurana e funcionalidade do edifcio. O objetivo do presente trabalho elucidar as condiesatuais da cobertura em grelha do edifcio e apresentar os princpios metodolgicos para o seurestauro.

    Edifcio tombado pelos rgos de preservao do patrimnio nas esferas municipal e estadual, foiprojetado e construdo na dcada de 1960, e abriga predominantemente as atividades de ensinode graduao, pesquisa e extenso da FAUUSP. Necessita hoje de obras urgentes paraconservao, manuteno corretiva, adaptaes de uso e medidas para preveno de riscosocupacionais. As obras emergenciais, que devero ser realizadas nos prximos anos, sonecessrias em razo do estado crtico de deteriorao de partes (subsistemas) do edifcio queno atendem adequadamente s normas vigentes de acessibilidade universal e as exignciaslegais quanto preveno de riscos e segurana ocupacional em edifcios pblicos. O projeto dearquitetura deve ser entendido como clula mater, sistema nico composto por vriossubsistemas, que devero sempre dialogar entre si.

    O estado de deteriorao em que se encontram esses subsistemas, entre os quais se destaca osubsistema cobertura, pode ser justificado, predominantemente, em razo do seu desgastenatural tendo em vista a expectativa de vida til de projeto dos materiais, componentes eelementos construtivos. Aps quase 4 (quatro) dcadas de uso, a despeito dos servios demanuteno preventiva e/ou corretiva levados a cabo pelas diferentes gestes desta Unidade, noh materiais, equipamentos e instalaes capazes de manter um nvel aceitvel de desempenho,dadas as condies de uso intenso em edifcio pblico e os recorrentes atos de vandalismo efurtos registrados nesse perodo. Acrescenta-se a isso a falta de conhecimento e domnio sobre ocomportamento em uso, ou seja, sobre o desempenho dos materiais especificados pelo projetooriginal, tais como o concreto armado aparente. Embora o concreto armado fosse conhecidodesde o final do sculo XIX, a sua aplicao sem revestimento e que negava a necessidade de

    qualquer tratamento para colmatar a porosidade superficial daqueles concretos era tida, epoca,como uma soluo que virtualmente dispensava manuteno. Essa prtica potencializou aocorrncia de inmeras patologias ou no conformidades nos edifcios modernistas no sculo XX,notadamente aqueles projetados com lajes planas na cobertura e grandes vos.

    1.1 O restauro

    O restauro ou restaurao, no seu sentido lato, pode ser compreendido como ... qualquerinterveno voltada a dar novamente eficincia a um produto da atividade humana... (BRANDI,2004, p.25). No campo da arquitetura e urbanismo, o restauro deve ser considerado, alm doprprio significado simblico da preservao de uma determinada cultura, de uma sociedadeespecfica e naquele tempo anunciado, algo que se distingue de aes derivadas tambm derazes prticas. Nesse sentido, um projeto de restauro abriga de maneira articulada os aspectosmateriais e tcnicos, formais e documentais da obra (KHL et al, 2007). O tratamento dispensadoao projeto de restauro baseia-se no respeito obra preservada, considerada em si mesma comoum documento antigo e que como tal, no dever sofrer rasuras ou desconsideraes.

    Como o restauro da cobertura tratado neste trabalho obedecer parmetros do projeto original eno produzir resultados que alterem a significncia esttica e histrica do edifcio, destaca-seque os aspectos materiais aqui so interpretados como aqueles afetos recuperao fsica daestrutura da cobertura propriamente dita e de suas instalaes. O termo recuperaoser usado,portanto, para designar as intervenes fsicas no subsistema cobertura (projetos e obras)tratando de recuperar o nvel de desempenho adequado para os seus principais requisitos, asaber: estanqueidade, funcionalidade, estabilidade e durabilidade.

    Como dispe o artigo 9 da Carta de Veneza publicada em 1964 (INTERNATIONAL COUNCIL ONMONUMENTS AND SITES, 1977), ...a restaurao uma operao que deve ter carter

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    excepcional..., portanto, pretende-se reafirmar a caracterstica de excepcionalidade que deveestar implcita nesses trabalhos, mesmo aqueles de natureza essencialmente tcnica. O projeto ea obra no devem ser tratatos apenas como procedimentos que visam resolver problemaspontuais, mas que tratem os problemas de forma integrada e sistmica, lanando mo dastcnicas mais avanadas cuja eficcia seja demonstrada por dados cientficos e comprovada pelaexperincia, restituindo as condies adequadas e seguras de vivncia e convivncia nesteedifcio. A Carta de Veneza traz em seu artigo 4 outra citao que merece destaque; trata-se da

    incorporao da prtica permanente de manuteno do edifcio restaurado, prioritariamente amanuteno preventiva, prtica que continua sendo desprezada durante a vida til dos edifcios.

    A metodologia da recuperao proposta est inserida nas normas internacionais de preservaode bens tombados.

    1.2 Caractersticas fsicas do edifcio

    O Edifcio Vilanova Artigas possui uma rea construda de 18.600 m2; est implantado na Rua doLago, 876, na Cidade Universitria Armando de Salles Oliveira CUASO, no Butant na cidadede So Paulo.

    O bloco retangular medindo em planta 110 m x 66 m, com rea construda de 18.600 m2, abriga 8

    pavimentos interligados por rampas, escadas e um elevador. A organizao espacial, pode sermelhor caracterizada por meio dos cortes ilustrados na Figura 1. A cobetura em grelha, objetodeste estudo, est ampliada e parcialmente representada nos cortes na Figura 2. A laje decobertura em grelha recoberta por domos translcidos trazendo a iluminao zenital; apoiadaem vigas secundrias (vigas com seo em A invertido vazias ou plenas) e dois tipos de pilares,os internos que podem ser chamados de colunas e os perimetrais, de seo piramidal, cujaplasticidade os destaca como elementos marcantes na arquitetura do edifcio. As vigas principais(vigas invertidas de seo retangular), ilustradas nos dois cortes da Figura 2, delimitam osmdulos da cobertura que tm dimenses em planta de 5,5 x 22 m e so compostos por 16domos. A estrutura de concreto aparente foi calculada pelo escritrio do Engenheiro Jos Carlosde Figueiredo Ferraz.

    Figura 1. Cortes transversal e longitudinal do edifcio Vilanova Artigas.

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    Figura 2. Cortes do edifcio Vilanova Artigas. O corte transversal (primeiro corte) mostra as seesdas vigas em formato de A, vazadas, que ainda guardam a frma de madeira usada na

    concretagem em tcnica conhecida como caixo perdido. O corte longitudinal (segundo corte)ilustra as sees das vigas vazadas e das vigas de seo plena.

    2 Contexto histrico

    O edifcio Vilanova Artigas, foi projetado e construdo entre 1961 e 1969 por Joo Batista VilanovaArtigas e Carlos Cascaldi para abrigar a Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidadede So Paulo, localizado na Cidade Universitria em So Paulo.

    Consubstancia-se como paradigma de uma arquitetura definida pela beleza de suas formas e

    modstia nos acabamentos. Soma-se a isso, a sofisticao da criao de uma estruturaimponente e indita que abriga espaos generosos que se comunicam, interligando-se, propondoa convivncia e a troca, conforme bem descreve o prprio Artigas1.

    (...)O prdio da FAU, como proposta arquitetnica, defende a tese da continuidade espacial.Seus 08 pavimentos so ligados por rampas suaves e amplas em desnveis que procuramdar a sensao de um s plano. H uma interligao fsica contnua em todo prdio. Oespao aberto e as divises e os andares praticamente no o secionam, mas,simplesmente lhe do mais funo(...)

    1Citaes do livro: Vilanova Artigas: arquitetos brasileiros - So Paulo: Instituto Lina Bo e P. M. Bardi: Fundao Vilanova Artigas,1.997, pagina 101.

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    (...) uma escola de acabamento simples, modesto como convm a uma escola dearquitetos, que tambm um laboratrio de ensaios. A sensao de generosidade espacialque sua estrutura permite, aumenta o grau de convivncia, de encontros, de comunicao...

    Projeto cheio de surpresas, que ousou sugerir a beleza do vazio, da nudez do espao em si e quemarca indelevelmente a funo esttica da arquitetura, no Salo Caramelo. Um edifcio voltadopara o ensino de arquitetura, sendo ele prprio valoroso material didtico, a encarnao viva do

    saber da profisso. Passou a ser referncia na produo de edifcios que cumprem o programa doensino superior nacional.

    Sua estrutura ousada apresentando novas propostas inseridas nos cnones da ArquiteturaModerna Brasileira.

    ..A, o indivduo se instrui, se urbaniza, ganha esprito de equipe.... A estrutura, para oarquiteto, no deve desempenhar o papel humilde de esqueleto, mas exprimir a graa comque os novos materiais permitem dominar as formas csmicas, com a elegncia de vosmaiores, de formas leves(...)

    O concreto aparente e ferragens foram distribudos numa imensa laje de cobertura em grelha,iluminao zenital em domus translcidos, em seus belos pilares acinturados de apoioscantantes e em suas vigas de desenho vigoroso. A inovadora estrutura de concreto aparente foicalculada pelo escritrio do Engenheiro Jos Carlos de Figueiredo Ferraz.

    O edifcio passou a ser referncia na produo de edifcios que cumprem o programa do ensinosuperior nacional. Recebeu o Prmio Internacional Jean Tshumi da UIA Unio Internacional deArquitetos em 1985, por sua contribuio ao desenvolvimento tecnolgico em arquitetura.

    2.1 Das tratativas da obra2

    Em 29 de novembro de 1966 a 92. Ata do Conselho de Administrao do Fundo para Construoda Cidade Universitria Armando Salles de Oliveira da USP foi presidida pelo ento reitor Prof. Dr.Antonio da Gama e Silva e contou com a participao dos Professores Doutores: Tharcisio Dannyde Souza Santos, Marcio Guimares Ferri, Pedro Moacyr do Amaral Cruz, ento diretor daUnidade, Jos Francisco de Camargo, Orlando Marques Paiva e o diretor do mesmo, AdalbertoMendes dos Santos. Tratava-se da aprovao da construo do edifcio da Faculdade deArquitetura e Urbanismo da Cidade Universitria:

    (...)Historiou o Senhor Presidente os fatos ocorridos com a elaborao do projeto em queseu autor arquiteto Joo Batista Vilanova Artigas, alis professor da mesma Faculdade,tinha previsto grandes reas livres, jardins cobertos e outras ociosas. Face ao exposto oSenhor Presidente se viu obrigado a solicitar do Senhor Diretor da FAU o reexame daqueleprojeto, tendo Sua Excelncia assim procedido com uma comisso por ele presidida econstituda, tambm dos Senhores Professores Telmaco Hyplito de Macedo Longendonck

    e Oscar Porto, com assistncia do prprio autor do projeto(...)O custo da estrutura foi considerado muito alto pelos examinadores do projeto e aps a anlisedetalhada, a referida Comisso apresentou em 11 de outubro de 1965 um parecer onde sedestacam os seguintes itens:

    1. Primeiramente, se questionou quanto validade do aproveitamento do projeto executado, quedeveria sofrer modificaes, ou se deveria ser substitudo por um outro.

    2. As alteraes propostas diziam respeito mudana na destinao de reas dos pavimentosque deveriam seguir conforme plantas em anexo, com a devida complementao de clculoestrutural.

    2Dados extrados dos seguintes processos: Processo Reitoria da USP 20.458/66, Processo Reitoria da USP 25.764/81

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    3. Foi sugerida especial ateno s condies de ventilao, iluminao e de escoamento deguas pluviais e aos problemas futuros de manuteno, notadamente da cobertura, para o perfeitofuncionamento do edifcio.

    O parecer e as as solicitaes foram encaminhadas para os autores e, depois de revisado, oprojeto foi enfaticamente defendido pelo diretor da Faculdade, Pedro Cruz que alegava, inclusive,a urgncia da construo. Defendeu o projeto com convico, mostrando que embora

    relativamente caro, seria funcional. Salientou que esse projeto foi remanejado com a colaboraodo autor, em cujo trabalho foi obtida melhoria no aproveitamento de reas pondo ainda emevidncia que (...) embora arquitetonicamente seja original, um tanto extico mesmo, seria oprdio da FAU, um testemunho histrico de uma fase da arquitetura brasileira (...).

    Em 15 de dezembro de 1966 foi celebrado contrato entre o Fundo para Construo da CidadeUniversitria Armando de Salles Oliveira da USP e a Construtora Alberto Nagib Rizkallah Ltdapara construo da estrutura de concreto armado e protendido para o novo edifcio da FAUUSPno valor global de Cr$ 1.519.146.906,00, segundo a notcia no 7444 do setor de Difuso Culturalda Reitoria da USP, com rea proposta de construo de 20.000 m2.

    Em 12/jun/1968, cita-se no referido processo, novamente a 92 ata do FUNDUSP que autorizou aconstruo do novo prdio da FAU nos seguintes termos:

    (...) Foi grande a celeuma provocada na ocasio e somente foi autorizado o incio das obras apsalteraes no projeto original, sugeridas por Comisso dessa Faculdade(...)

    (...) O Professor Doutor Joo Batista Vilanova Artigas comprometeu-se em fazer as modificaesaprovadas(...)

    (...) no entanto ao examinarmos os detalhes para acabamento da obra notamos algumasmudanas ao arrepio do que foi autorizado pelo Conselho, inclusive a Biblioteca, que dotrreo passou a ocupar o 1. Pavimento, ficando aquele quase vazio. Respeitamosprofundamente a filosofia que inspirou a elaborao do trabalho do Professor Artigas semnenhum favor, um dos expoentes da arquitetura brasileira a que se referiu VossaExcelncia, de maneira feliz, na sesso de ontem, mas, como rgo meramente executivo,

    devemos nos ater ao que ficou estabelecido e autorizado pelo colendo ConselhoAdministrativo do Fundo(...)

    Exemplar representativo da excelncia da Arquitetura Moderna Brasileira foi tombado peloConselho de Defesa do Patrimnio Histrico, Arqueolgico e Artstico e Turstico do Estado deSo Paulo - Condephaat, na resoluo no 26 de 23 de julho de 1981 e pelo Conselho Municipalde Preservao do Patrimnio Histrico, Cultural e Ambiental da Cidade de So Paulo Conpresppela resoluo no 05/91 de 05 de abril de 1991, tombamento ex-officio.

    No processo Condephaat no. 21736/81 de 22 de agosto de1981 o estudo de tombamentoelaborado pelo Arq. Conselheiro do Condephaat Eduardo Corona, assim esclarece:

    (...) 5. Assim esta obra aqui considerada, pelo papel que desempenha no quadro daArquitetura brasileira e na produo de Arquitetura Paulista Contempornea pode sertombada, a fim de encetarmos o processo de valorizao de exemplares da arquiteturaatual. Esta obra, que obteve em 1969 o grande Prmio Internacional na X Bienal de SoPaulo, concentra em si, toda uma lio de arquitetura, por suas qualidades artsticas, porsua nfase na tecnologia do concreto armado e pela valorizao dos espaos fsicos, nosquais o homem habita, circula, estuda e prepara seu intelecto para o Brasil de hoje e,certamente o de amanh (...)

    3 Diagnstico da cobertura do edifcio

    A pesquisa tcnica aqui relatada est inserida na rea de conhecimento da Anlise e Avaliao deDesempenho do Ambiente Construdo, especificamente no domnio do Desempenho de Edifcios.Nas ltimas trs dcadas, significativos avanos tcnicos e cientficos propiciaram a consolidao

    dos procedimentos metodolgicos, bem como da compreenso do edifcio como um sistema

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    complexo composto por subsistemas correlacionados, dependentes do funcionamento do todo edas interfaces do todo com o seu em torno.

    No atual conceito de desempenho, entendido como o comportamento em uso do edifcio,incorporam-se de modo mais preciso os requisitos vinculados durabilidade, que definida comoa garantia do desempenho do imvel ao longo de sua vida de servio, sem sofrer intervenessignificativas. A durabilidade, portanto, no pode ser considerada como um requisito

    independente, guardando uma relao direta com a qualidade das solues tcnicas adotadas emprojeto, o custo inicial da obra, com o custo e estratgias de operao e manuteno do edifcio,com a vida til estimado de projeto.

    Esses conhecimentos aplicados ao ciclo de produo e restauro dos edifcios (projeto, construo,uso, operao e manuteno) proporcionaram melhorias relevantes no desempenho e naqualidade dos mesmos no que diz respeito s necessidades dos usurios quanto habitabilidade(conforto, acessibilidade, salubridade), funcionalidade, segurana. Porm, a compreenso edomnio da natural complexidade das variveis desse processo produtivo e suas inter-relaes,no garantem por si, a produo de edifcios que atendam adequadamente s necessidades dosusurios, somadas s novas demandas do desenvolvimento sustentvel nas suas vriasdimenses.

    A falta de clareza na definio e conhecimento das patologias ou no conformidadesapresentadas pelos edifcios e suas origens, bem como a incerteza da extenso dos riscos aosquais esto expostos o edifcio e seus usurios, so aspectos inerentes s fases seminais de umprojeto de restauro. Assim, a anlise das possveis solues tcnicas torna-se dependente dereflexes intuitivas e qualitativas baseadas na experincia profissional dos projetistas e no resgatedos aspectos histricos relevantes do projeto e da cronologia construtiva.

    3.1 Diagnstico do estado da cobertura

    Um trabalho experimental pormenorizado realizado entre 2005 e 2006 (PEREIRA; BARBOSA,2006) e inspees, estudos tcnicos e pesquisa histrica realizadas no primeiro semestre de2007, permitiram a definio do status quoda cobertura do edifcio Vilano Artigas.

    Considerando a expectativa de um primeiro ciclo de manuteno corretiva com grandesintervenes aos 50 anos de idade, a estrutura de concreto aparente da cobertura j cumprecerca de 80% da sua vida til e comea a apresentar srias falhas e manifestaes patolgicas.

    Diante da crescente agressividade do meio ambiente e do aumento da intensidade das chuvas nacidade de So Paulo, a cobertura do edifcio Vilanova Artigas j mostra sinais de intensadeteriorao que demandam intervenes urgentes. Parte desta cobertura - 30 mdulos - j foirecuperada no que se refere ao sistema de impermeabilizao, h aproximadamente 5 anos.Restam ainda por recuperar 30 mdulos cujas patologias so apresentadas nas Figuras 3, 4 e 5.

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    Figura 3 Mdulo da cobertura com os domus e indicao das rupturas localizadas no sistema deimpermeabilizao (esquerda) e dificuldade da drenagem das guas pluviais em razo dadeformao da laje e vigas da cobertura (direita) (Fotos: Clauda Oliveira).

    Figura 4 Pontos de infiltrao e eflorescncias na cobertura (laje e vigas) e nos pilares (Fotos:Clauda Oliveira).

    Figura 5 Infestao por cupim de solo detectado nas vigas tipo caixo perdido e que se proliferamnas faces internas das empenas dos estdios (esquerda) e corroso das armaduras (direita)(Fotos: Clauda Oliveira).

    Todas as patologias apresentadas na Figuras 3 a 5, com exceo da infestao por cupim desolo, so resultantes de 3 fatores bsicos: (a) falha no subsistema de impermeabilizao; (b)deformao da estrutura; (c) deteriorao do concreto, (d) falha no subsistema de drenagem dasguas pluviais.

    Convm esclarecer que o projeto original especificou um subsistema de impermebalizao muitoavanado para a poca; tratava-se do uso de compostos elastmricos dispostos em camadas,de marcas comerciais neoprene e hypalon, que ainda hoje so usados com sucesso em obrasdiversas. A especificao foi correta, pelos seguintes motivos: os produtos aplicadosacompanham as deformaes do concreto, geradas por gradientes trmicos. O mtodo deaplicao compatvel com o grau de interferncia que as abas dos domus provocam na lajeplana; no requer camada de proteo mecnica, Embora seja de custo inicial elevado, areaplicao dos produtos relativamente fcil e tm vida til garantida pelo fornecedor de 10anos. A falha da impermeabilizao foi devida prioritariamente falta de manuteno.

    A laje plana foi calculada e construda com uma declividade de 0,5%. Dado o desconhecimento deespecificidades sobre a deformao das estruturas de concretos com grandes vos devido aodescimbramento precoce, bem como, devido s deformaes lentas que podem ocorrer emidades avanadas da estrutura, os deslocamentos (flechas) das vigas e consequemente, da laje

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    plana dificultaram o escoamento das guas pluviais. O mtodo corretivo foi a superposio decamadas de argamassa para restabelecer o caimento da laje e a aplicao de uma novaimpermeabilizao. A sobreposio de indevidos experimentos de camadas de argamassaresultam em uma sobrecarga de aproximadamente 200kgf/m2 que pode ter agravado adeformao da estrutura. As fissuras geradas pela deformao da estrutura, bem como asfissuras de concretagem (transio entre viga e laje) so caminhos pelos quais as guas pluviaisno drenadas se infiltram na estrutura. Muitas partes internas e vazadas da laje de cobertura do

    tipo caixo perdido encontram-se cheias de gua devido infiltrao pelas deficincias do atualsistema de impermeabilizao.

    Com a recorrente infitrao, se estabeleceu o processo de degradao do concreto identificadapela formao de eflorescncias (manchas brancas e estalactites formados pela reao do gscarbnico com espcies qumicas solveis lixiviadas do concreto) e corroso de armaduras.

    Em pontos isolados da face inferior da laje existe a ocorrncia de corroso de armaduras. Vigasinvertidas da cobertura apresentam corroso generalizada de armaduras. Este tipo demanifestao patolgica agravado pela pequena espessura de concreto que cobre asarmaduras em razo de problemas ocorridos na obra e a falta de domnio nas condies quepoderiam preservar a integridade do concreto e das armaduras.

    A agressividade do meio ambiente e a conseqente deteriorao do concreto no eramparmetros de projeto suficientemente conhecidos e, portanto, considerados na poca. Alocalizao do edifcio Vilanova Artigas em um grande centro urbano, numa atmosfera urbana eindustrial, agrava a agressividade do meio. Poluentes atmosfricos tpicos como o gs carbnicoCO2, monxido de carbono CO, e outros gases cidos a base de enxofre (SO2), juntos com guapluvial formam a chamada chuva cida de alto poder de deteriorao sobre estruturas deconcreto. O contato com essa atmosfera agressiva acelera o processo de carbonatao daestrutura e a reduo da alcalinidade do concreto. Consequentemente se dar a despassivaodo ao que, em associao a outras condies fsicas e qumicas resulta na corroso dasarmaduras e degradao fsica da estrutura do material. Adicionalmente, a natureza hidrfila dasuperfcie porosa do concreto aparente e sem tratamento, adsorve as partculas em suspenso epropicia a presena e desenvolvimento de fungos tpicos de ambientes midos e quentes como a

    regio de So Paulo.Segundo os critrios de classificao da agressividade ambiental recomendados peloprocedimento NBR 6118 (ASSOCIAO BRASILEIRA DE NORMAS TCNICAS, 2004) para oProjeto de Estruturas de Concreto pode-se considerar um nvel de agressividade forte, nvel IIIcom cobrimento de armaduras de at 3 cm. Nos locais e faces protegidos de chuva, secos eestanques, pode-se considerar nvel de agressividade moderada, nvel II, com risco pequeno dedeteriorao da estrutura.

    Resultados de ensaios realizados durante inspeo em 2005 e 2006 (PEREIRA et al, 2006)revelam que a resistncia compresso do concreto variou de 26MPa a 34MPa; a absoro degua por imerso ficou numa faixa de 4,3% a 6,4%, teores compatveis com a variabilidade daresistncia compresso; a profundidade de carbonatao variou de 5mm a 25mm, em muitasregies ultrapassando a espessura de concreto de cobrimento das armaduras. Os ensaios develocidade e potencial de corroso, realizados na parte interna das vigas vazadas do tipo caixoperdido, indicaram que a corroso de armaduras no uma manifestao patolgica presente.

    A corroso da armadura se manifesta essencialmente na face externa da laje de cobertura, naface interna das vigas e nas vigas principais (vigas invertidas) da cobertura.

    Especial ateno tem sido dada ao estudo das condies de drenagem das guas pluviais. Oprojeto original dimensionou um condutor vertical de guas pluviais com dimetro nominal de100 mm para cada mdulo, com exceo dos mdulos extremos nos balanos. Ocorre que napoca da construo os condutores foram instalados em mdulos alternados, tendo sidoinstalados apenas a metade deles; a transferncia da gua de chuva, de um mdulo sem condutor

    para outro subseqente, com condutor, foi e continua sendo feita por meio de tubos horizontaiscom dimetro nominal de 100 mm, mas que se encontram, parcialmente, obstrudos pelas

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    camadas de impermeabilizao. A crescente intensidade das chuvas na cidade de So Paulo enovos componentes que facilitam o escoamento das guas pluviais em cobeturas planas tmamparado recentes estudos. O objetivo desses estudos resolver o problema de drenagem destacobetura de modo a garantir as condies de manuteno e o escoamento de guas com amnima declividade possvel sem risco de transbordamento de gua pelas passagens livres dosdomus.

    4 Consideraes finaisTendo sido o edifcio Vilanova Artigas concebido em sua sntese espacial como uma grandecobertura que protege, ampara e abriga todos as suas dependncias, usurios e atividades alidesenvolvidas, considera-se imprescindvel para o projeto de restauro, como de praxe, que aimplementao do projeto seja iniciada pela recuperao da cobertura. Intervenes feitas noedifcio, de forma direta ou indireta, sero afetadas negativamente caso no seja restabelecido odesempenho satisfatrio da cobertura quanto aos requisitos relacionados estanqueidade,funcionalidade, estabilidade e durabilidade.

    Princpios relevantes para o desenvolvimento do projeto de restauro da cobertura podem sersumarizados:

    1. recuperao de todo o concreto degradado que se encontra em alguns pontos em estgioavanado de desagregao, incluindo as juntas de dilatao;

    2. recuperao da estanqueidade da cobertura, conceito que no est apenas relacionado eficcia dos produtos impermeabizantes mas tambm compatibilidade das tcnicas deaplicao as especificidades da cobetura com todas suas variveis de interferncia(instalaes de drenagem das guas pluviais, instalaes de gua fria e eltricas,condies necessrias manuteno preventiva e corretiva, entre outras);

    3. recuperao das condies de drenagem das guas pluviais, para os novos padres eintensidades de chuvas da regio.

    Diante das questes colocadas, destaca-se que esse projeto de recuperao da cobertura empauta deve ser entendido como um problema de mltiplas variveis. sabido que o projeto dearquitetura funciona como base para todos os subsistemas que compem o edifcio, tais como oestrutural, instalaes prediais, vedos, cobertura entre outros. Cabe, portanto, considerar todos osrequisitos e critrios relevantes quando da estruturao do espao na prtica atual, com vistas compatibilizao e eficincia sistmica que um projeto deve incorporar.

    Uma leitura do objeto-edifcio, considerando seu restauro da cobertura como premissafundamental para o funcionamento de atividades previstas e/ou futuras, esclarece a urgncia dasatividades de revitalizao propostas para o edifcio-objeto desta anlise.

    Modelo emblemtico em concreto armado aparente apresenta-se como paradigma da ArquiteturaModernista na esfera internacional, o que lhe confere condies para exigir intervenes urgentesgarantindo, dessa forma, as condies adequadas de habitabilidade, segurana e funcionalidade.

    Os principais resultados a serem alcanados por meio deste trabalho so: formao e capacitaode recursos humanos para o trabalho de restaurao de obras emblemticas da ArquiteturaModerna Brasileira e o resgate da memria construtiva do edifcio que possibilitar a avaliaocontinuada da sua situao fsica, fornecendo subsdios para os programas de manutenopreventiva e conservao, assim como para a conservao de edifcios similares.

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