teoria geral da relação jurídica - francisco amaral

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS DIREITO CIVIL II – PROFA. MÁRCIA S. SOARES CAPÍTULO IV – Direito Civil : Introdução. AMARAL, Francisco. A Relação Jurídica de Direito Privado Sumário: l. Relação jurídica. Conceito e aspectos gerais. 2. Notícia histórico doutrinária. 3. Fundamento ideológico. 4. Natureza. 5. Importância da relação jurídica. 6. Estrutura e origem. 7. Conteúdo. 8. Espécies de relação jurídica. 9. Efeitos da relação jurídica. 10. A dinâmica da relação jurídica. Aquisição, modificação e. extinção de direitos. Os fatos jurídicos. 11. Aquisição de direitos. 12. Aquisição originária e aquisição derivada. 13. Direitos atuais e direitos futuros. Sua proteção. 14. Modificação de direitos. 15. Extinção dos direitos. 16. Relações de fato: a) a união estável; b) a sociedade de fato; c) a separação de fato; d) a filiação de fato; e e) as relações contratuais de fato. 1. Relação jurídica. Conceito e aspectos gerais. Relação jurídica é o vínculo que o direito estabelece entre pessoas ou grupos, atribuindo- lhes poderes e deveres. Representa uma situação em que duas ou mais pessoas se encontram, a respeito de bens ou interesses jurídicos. 1

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Teoria Geral da Relação Jurídica

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOISDIREITO CIVIL II PROFA. MRCIA S. SOARESCAPTULO IV Direito Civil : Introduo. AMARAL, Francisco.A Relao Jurdica de Direito PrivadoSumrio: l. Relao jurdica. Conceito e aspectos gerais. 2. Notcia histrico doutrinria. 3. Fundamento ideolgico. 4. Natureza. 5. Importncia da relao jurdica. 6. Estrutura e origem. 7. Contedo. 8. Espcies de relao jurdica. 9. Efeitos da relao jurdica. 10. A dinmica da relao jurdica. Aquisio, modificao e. extino de direitos. Os fatos jurdicos. 11. Aquisio de direitos. 12. Aquisio originria e aquisio derivada. 13. Direitos atuais e direitos futuros. Sua proteo. 14. Modificao de direitos. 15. Extino dos direitos. 16. Relaes de fato: a) a unio estvel; b) a sociedade de fato; c) a separao de fato; d) a filiao de fato; e e) as relaes contratuais de fato.1. Relao jurdica. Conceito e aspectos gerais.Relao jurdica o vnculo que o direito estabelece entre pessoas ou grupos, atribuindo-lhes poderes e deveres. Representa uma situao em que duas ou mais pessoas se encontram, a respeito de bens ou interesses jurdicos. conceito bsico do direito privado, representando a situao jurdica de bilateralidade que se estabelece entre sujeitos, em posio de poder, e outros em correspondente posio de dever. Poderes e deveres estabelecidos pelo ordenamento jurdico para a tutela de um interesse, entendendo-se como interesse a necessidade de bens materiais ou imateriais que se constituem em razo para agir.Como exemplos de relao jurdica podemos citar a relao de consumo, entre consumidor e fornecedor, a relao matrimonial entre cnjuges, a relao de parentesco entre descendentes do mesmo ancestral, a relao locatcia entre locador e locatrio, a relao de condomnio entre os co-proprietrios de uma coisa, a relao de responsabilidade civil solidria entre os que praticam um ato ilcito, a relao que existe entre os herdeiros do mesmo falecido etc.A relao jurdica um dos critrios ou ngulos de apreciao do fenmeno jurdico.Sua principal fonte de referncia a experincia jurdica privada, conjunto de relaes cujo contedo, isto , os poderes e os deveres, determinado pela autonomia dos particulares. Essa experincia particular consiste nas relaes sociais de que os indivduos participam e que, pela possibilidade potencial de gerarem conflitos de interesses, so disciplinadas pelo direito. A relao social assim regulada passa a denominar-se relao jurdica que apresenta, portanto, dois requisitos: um, de ordem material, que a relao social, o comportamento dos indivduos; outro, de ordem formal, que a norma de direito incidente, que confere relao social o carter de jurdicaA incidncia da norma transforma a relao em um vnculo jurdico que se traduz em uma situao de poder e outra de dever ou de sujeio. Pode-se, portanto, dizer que, de modo abstrato, a relao jurdica a relao social disciplinada pelo direito, e concretamente, uma relao entre sujeitos, um titular de um poder, outro, de um dever.A relao social nasce de variadas causas, como, por exemplo, valores ticos, econmicos, polticos. A norma jurdica incidente manifestao de poder do Estado ou de particulares no exerccio da autonomia que lhe confere o sistema legal.A relao jurdica aprecia-se ainda sob o ponto de vista estrutural ou esttico e funcional ou dinmico. No primeiro caso, ela surge como um conjunto de elementos de ordem pessoal, os sujeitos da relao, entre os quais se configuram poderes e deveres que caracterizam o vnculo ou nexo jurdico, tendo por objeto os bens da vida. Sob o aspecto funcional, configura-se como o regulamento do caso concreto, a disciplina de situaes ou de centros de interesses opostos. A relao jurdica representa, assim, o ordenamento dos casos da vida real, pelo que se justifica a viso doutrinria do sistema jurdico como um sistema de relaes.Pode-se tambm dizer que o aspecto esttico corresponde estrutura da relao em si, enquanto o aspecto dinmico se manifesta nos eventos que marcam a existncia da relao, vale dizer, o seu nascimento, as suas modificaes subjetivas ou objetivas, e a sua extino, tudo isso por efeito dos fatos jurdicos. A relao , assim, no seu aspecto dinmico, um verdadeiro processo.Quando se configuram relaes decorrentes de fatos jurdicos no tpicos, isto , no previstos no ordenamento jurdico, fala-se em relaes de fato para significar aquelas situaes desprovidas de uma estrutura jurdica definida, como a da relao jurdica nascida de fatos tpicos, mas que tm importncia e significado para o direito. So exemplos comuns a sociedade de fato, a separao de fato, a filiao de fato e as relaes contratuais de fato.2. Notcia histrico-doutrinriaO conceito de relao jurdica produto da pandectstica alem. Introduzido por Savigny, consiste, ainda hoje, em uma das mais importantes categorias da tcnica jurdica do direito privado e um dos mais importantes critrios de orientao da teoria geral do direito.Embora noo antiga, com antecedentes no direito romano (iuris vinculum, nexum, coniunctio), e no direito cannico medieval em matria de casamento (relatio), foi com a pandectstica alem que se alou condio de conceito bsico do sistema jurdico, considerada como "relao de pessoa a pessoa, determinada por uma regra jurdica".Era, assim, uma relao de vida reconhecida pelo direito. Com o evolver do direito civil, a relao jurdica passa a considerar-se como um nexo jurdico entre pessoas, significando a palavra nexo um vnculo, uma relao poder-dever entre duas pessoas. Com os juristas alemes do sc. XIX, que viam o direito como expresso da vida social e das relaes que a constituem, a relao jurdica sofre uma dupla e complexa evoluo. Por um lado, talvez pela circunstncia de o direito civil ser, na poca, o mais importante ramo do direito, tentou-se aplicar esse conceito aos demais ramos jurdicos.Foi um processo de extenso. De outra parte, a contribuio de outros juristas serviu para aperfeioar o conceito. Foi um processo de preciso.4 Savigny escreveu: "Toda relao jurdica aparece-nos como relao de pessoa a pessoa, determinada por um regra de direito que confere a cada sujeito um domnio onde sua vontade reina independente de qualquer vontade estranha. Em conseqncia, toda relao de direito compe-se de dois elementos: primeiro, uma determinada matria, a relao mesmo; segundo, a idia de direito que regula essa relao. O primeiro pode ser considerado como elemento material da relao de direito, como um simples fato; o segundo, como o elemento plstico que enobrece o fato e lhe impe a forma jurdica. Todavia, nem todas as relaes de homem a homem entram no domnio do direito, nem todas tm necessidade, nem todas so suscetveis de serem determinadas por uma regra de tal gnero. Cabe, Npois, distinguir trs casos: ora a relao est inteiramente dominada por regras jurdicas, ora est somente em parte, ora escapa a elas por completo. A propriedade, o matrimnio e a amizade podem servir como exemplo dos trs diferentes casos."Idntica teoria de Savigny a de Puchta,6 para quem as relaes jurdicas so relaes entre seres humanos, consideradas como manifestao da liberdade jurdica, vale dizer, da autonomia da vontade. J Neuner considera a relao jurdica como relao entre uma pessoa e um bem da vida, reconhecido pelo ordenamento jurdico e garantido contra terceiros. Distinguindo a relao do direito subjetivo que encerra, esse autor contribui de modo relevante para a preciso do conceito. Ihering identifica a relao jurdica com o direito subjetivo dizendo que todos os direitos privados, exceto os de personalidade, dariam fundamento a uma relao jurdica entre o titular e o mundo exterior, pessoas e coisas. Todo o direito seria, portanto, ao mesmo tempo, uma relao jurdica, em que se distinguiria um lado ativo e um lado passivo, sendo que grande parte da doutrina posterior a Ihering tende a identificar a relao jurdica com o contedo dos direitos subjetivos, como ocorre com Gierke, Max Weber, Francesco Ferrara. Com perspectiva mais ampla, Dernburg definia a relao jurdica como uma relao juridicamente eficaz de uma pessoa para outras, ou para bens reais. Kholer e Chiovenda estendiam o conceito ao direito processual civil, denominando relao jurdica processual o conjunto de atos que integram o processo, sob a crtica de Carnelutti. Contribuindo para a preciso do conceito, Hohfeld afirma que a relao jurdica, fora do mbito da pandectstica, mais do que a ligao entre pessoas ou entre estas e os bens da realidade externa. A relao jurdica seria o vnculo entre situaes subjetivas, opinio que se consagra em obra recente, a de Perlingieri, para quem a relao deve ser vista, funcionalmente, como regulamento de interesses. No direito italiano, um dos mais fervorosos adeptos da relao jurdica, como expresso do direito, foi Levi, para quem Esse conceito a base sobre a qual se funda a construo sistemtica ou cientfica de qualquer ordenamento jurdico. Esse autor eleva o conceito a um nvel filosfico, como categoria fundamental e originria para a compreenso do direito.Para uma concepo diversa, a relao jurdica deve ser vista no como vnculo entre pessoas, mas como vnculo entre pessoas e ordenamento jurdico. a tese de Kelsen, Cicala, Barbero. Para outros ainda, a relao jurdica pode estabelecer-se entre pessoas e coisas e entre pessoas e lugares. Qualquer que seja o entendimento seguido, o conceito de relao jurdica ocupa um lugar de relevo na teoria geral do direito, no direito civil e at na filosofia do direito. Se j a filosofia grega considerava o direito e a justia como relao, a filosofia medieval escolstica que destaca em todo o seu valor o aspecto relacionai da virtude, da justia e de seu objeto, o "ius sive justum", com So Toms de Aquino criando as bases definitivas para a elaborao de uma filosofia da relao de direito. A escolstica influencia os juristas glosadores e os decretalistas, que concebem a justia e o direito em termos de relao. , todavia, Savigny, e com ele a escola histrica, quem eleva esse conceito categoria bsica de cincia do direito, assim com faz Emmanuel Kant no campo da filosofia do direito. Para Kant, o direito era uma "relao de equilbrio entre arbtrios externos conseguido por uma coao, a mnima indispensvel". a relao entre pessoas, como direitos e deveres, "o momento central da experincia jurdica". O conceito de relao jurdica , desse modo, um conceito moderno na cincia do direito. Pertence ao direito privado, embora, por sua importncia, seja tambm objeto da teoria geral do direito, e utilizado nos demais campos da cincia jurdica. No obstante a sua utilidade, e tambm sua simplicidade, a relao jurdica, "como tcnica de representao conceituai da realidade"21 tem recebido algumas crticas e at mesmo rejeio, sob o argumento de que essa tcnica, sobre ser produto da exagerada abstrao pandectsta, conduz subalternizao da pessoa humana. Essas crticas, porm, se por um lado chamam a ateno para as limitaes do instituto, por outro no tm conseguido reduzir a sua importncia e aceitao como conceito fundamental da cincia do direito. Cabe tambm destacar que essas crticas partem de uma viso formalista da relao jurdica, desconsiderando que, nela, o mais importante o aspecto material, a relao social, cuja existncia precede, muitas vezes, formalizao jurdica.3. Fundamento ideolgicoSe o Cdigo Civil francs foi produto de uma concepo antro-pocntrica, colocando o homem no centro do universo jurdico, a pandectstica alem tinha a pretenso de ser estritamente cientfica, neutra, rejeitando todo e qualquer sistema de idias que servissede fundamento ao direito. Este seria apenas um conjunto ordenado e unitrio de elementos entre os quais alguns conceitos dedutveis uns dos outros, conceitos fluidos como o da relao jurdica. Ocorre que o direito, tanto no seu sistema quanto nos seus conceitos e categorias, no neutro. Suas normas representam os valores que se defendem e realizam, de modo que no se podem separar os preceitos jurdicos desses princpios que os fundamentam e legitimam. Conseqentemente, sendo o Cdigo Civil francs e a cincia das pandectas produto cultural do mesmo sculo e do mesmo conjunto de idias, o individualismo, o princpio fundamental a liberdade como imperativo categrico, expressa na mais ampla esfera de autonomia que se realiza nos institutos da propriedade, do contrato e da transmisso da herana.A relao jurdica surge, ento, como um conceito representativo da idia de ligao entre vontades autnomas e diversas, e que por isso mesmo se coloca no centro do sistema de direito civil, numa perspectiva interindividual: a vontade do sujeito como fundamento do individualismo jurdico, e este como justificao axiolgica do poder jurgeno dos particulares. No por outra razo que o sistema jurdico se pode definir como um sistema de relaes, no sentido de serem estas a disciplina legal dos casos concretos das relaes sociais.Fundamento ideolgico da relao jurdica, pelo menos na concepo personalista, , assim, o individualismo, que tem como corolrios imediatos o liberalismo, no campo poltico, e o capitalismo, no campo econmico. E a prova de que a teoria da relao jurdica tem suas razes no individualismo dos iluministas est no fato de que um dos mais representativos cultores, Emmanuel Kant, considerava o direito como relao. Da poder dizer-se que os seus fundamentos axiolgicos so a moral Kantiana e a doutrina liberal-democrtica e seu campo de incidncia a experincia jurdica privada.4. NaturezaA evoluo histrico-doutrinria leva-nos a duas concepes tericas acerca da natureza do conceito da relao jurdica. Para a concepo personalista, clssica, amplamente dominante, a relao jurdica vnculo entre pessoas, contendo poderes e deveres. Resulta da incidncia da norma jurdica sobre as relaes sociais que se transformam, por isso mesmo, em vnculos pessoais qualificados pela norma jurdica, vale dizer, vnculos normativos, nexos entre sujeitos de direito.Tal concepo corresponde, evidentemente, a uma viso privatista do direito, pois no direito pblico no se encontra to claramente a hiptese de a relao jurdica resultar da qualificao de uma relao social preexistente. Savigny quem mais claramente enuncia tal teoria ao escrever, como j visto, que "toda relao jurdica aparece-nos como vnculo de pessoa a pessoa (elemento material), determinado por uma regra de direito (elemento formal) que confere a cada indivduo um domnio no qual sua vontade reina independentemente de qualquer outra vontade externa".Temos, assim, que a concepo personalista pressupe dois elementos para que se forme uma relao jurdica: um, de ordem material, que a relao social; outro, de ordem formal, que a determinao jurdica que transforma a relao de fato em relao de direito; por isso a definio relaes sociais reguladas pelo sistema jurdico. A relao jurdica surge, conseqentemente, como uma totalidade de efeitos jurdicos, um complexo de direitos e deveres derivado da relao entre duas pessoas. E a norma que determina o contedo da relao social, transformando-a em um vnculo jurdico.A concepo personalista da relao jurdica tem o mrito de estabelecer a relao entre termos homogneos, os sujeitos de direito, e de considerar juridicamente relevantes os conflitos de interesses existentes entre as pessoas na sua convivncia social. Melhor, talvez, fosse, visualizar a relao jurdica como vnculo no entre sujeitos, especificamente, mas entre situaes jurdicas, ou melhor ainda, entre centros de interesses determinados, superando-se o elemento pessoal, no necessariamente presente, como ocorre, por exemplo, quando desaparece a pluralidade de scios de uma sociedade e, decorrido certo perodo, no se restabelece essa pluralidade. Nesse nterim falta um dos elementos subjetivos da relao jurdica. O que se apresenta sempre, portanto, a relao entre dois centros de interesses, entre duas situaes subjetivas.Para outra concepo, de natureza normativista, a relao jurdica vnculo entre os respectivos sujeitos e o ordenamento jurdico, ou entre pessoas e coisas, pessoas e lugares.A doutrina dominante critica a concepo formal ou normativista com os seguintes argumentos: a) o direito disciplina e organiza as relaes entre os homens na tutela de seus interesses; b) a relao jurdica supe um poder jurdico a que se contrape correspondente dever, no podendo esse poder dirigir-se contra coisas, mas sim contra pessoas; c) inconcebvel um poder de uma pessoa sem correspondente limitao para com as demais. E ainda o fato de que essa teoria concebe um vnculo entre realidades heterogneas, como a pessoa e a coisa, ou a pessoa e a norma jurdica. Da a franca aceitao da teoria personalista, embora reconhecidamente mais apropriada ao direito privado do que ao pblico, donde a idia mais recente neste ramo do direito, da relao jurdica como simples vnculo instaurado pela norma, no necessariamente decorrente de relao social preexistente. Adotada a teoria personalista, temos que a relao jurdica retrata um determinado comportamento humano conformado juridicamente. Esse comportamento pode referir-se expressamente a pessoas determinadas, como nas obrigaes, ou pode consistir no dever de respeitar determinada situao jurdica, como ocorre nos direitos reais e nos direitos da personalidade, isto , nos direitos subjetivos absolutos. A conformao jurdica desse comportamento decorrer da lei ou da autonomia privada, de acordo com Nos princpios da teoria geral das fontes do direito e produzir, no aspecto subjetivo, poderes, direitos, faculdades e, de outro lado, sujeio, obrigao, deveres.Posio doutrinria mais recente concebe a relao jurdica por meio de uma perspectiva dinmica, considerando-a, principalmente no que tange ao direito das obrigaes, como um todo unitrio e orgnico que se apresenta como um processo em andamento. Processo, de procedere, do direito cannico, como indicativo de uma "srie de atos relacionados e condicionados entre si, e interdependentes", a traduzir a relao jurdica como uma totalidade, um conjunto de direitos e deveres que existe e se desenvolve em face de um determinado objetivo.Qualquer que seja a teoria adotada, a personalista ou a normativista, certo que se deve personalizar o direito civil, no sentido de acentuar que a pessoa humana ocupa o primeiro lugar, o centro do sistema de direito privado.33 Mas no o sujeito abstrato do liberalismo econmico, que fundamentou o direito civil no sculo XIX, dos cdigos civis francs e alemo, "mas o homem concreto da sociedade contempornea, na busca de um humanismo socialmente comprometido". O direito , essencialmente, um sistema axiolgico, devendo considerar-se o homem como o valor primeiro. "E restaurar o primado do homem o primeiro dever de uma teoria geral do direito." 5. Importncia da relao jurdica.O conceito de relao jurdica tem grande importncia para a teoria do direito e, particularmente, para o direito civil.No campo da teoria constitui-se em categoria bsica para a explicao do fenmeno jurdico, juntamente com a norma jurdica e a instituio, ambas complementares. Para o direito civil, ou privado, a relao jurdica traduz a regulamentao jurdica (aspecto formal) do comportamento dos indivduos (aspecto material) no seu dia a dia, na disciplina de seus interesses, estabelecendo situaes ativas (poderes) e situaes passivas (deveres). conceito bsico que exprime poderes, pretenses e deveres decorrentes da autonomia e da iniciativa individual, assim como a da responsabilidade dos respectivos sujeitos da relao.No obstante ser categoria prpria do direito privado, tem tambm acolhida no direito pblico. Neste caso, no como resultante de prvias relaes sociais de fato, mas comovnculo entre pessoas e rgos. Exemplo disso so as normas constitucionais que reconhecem e protegem direitos humanos como direitos fundamentais, e a prpria categoria dos direitos pblicos subjetivos, que se podem ver como garantia da autonomia individual necessria constituio das relaes de direito. A idia-chave da teoria relacional , portanto, a autonomia da vontade individual, com a qual os sujeitos podem criar e modificar relaes jurdicas, no exerccio da tutela de seus interesses e da composio dos diversos conflitos que esses provoquem. Projees imediatas da sua importncia esto na liberdade contratual, nos seus diversos aspectos, no direito de propriedade e na garantia constitucional dos direitos humanos, dos direitos subjetivos pblicos, enfim, da proteo jurdica que o Estado presta ao cidado, na sua vida social e jurdica, o que pressupe relaes jurdicas instauradas pela autonomia dos indivduos.A relao jurdica apresenta-se, enfim, como a categoria capaz de explicar toda a atividade jurdica.A importncia da relao jurdica manifesta-se ainda em algumas constataes de ordem prtica. S existem problemas jurdicos, ou conflitos de interesses, entre pessoas que integram relaes jurdicas. Por isso, a idia de direito e de justia pressupe um vnculo intersubjetivo, com direitos e deveres. Assim, no h problema jurdico, por mais complicado que seja, que no se simplifique com a identificao das relaes que o formam. Por outro lado, s existem direitos subjetivos porque h sujeitos de direito, e estes s existem nas relaes jurdicas. No h direitos nem deveres sem que haja uma relao prvia. Alm disso, a relao jurdica constitui-se em conceito bsico sobre o qual se constroem os institutos jurdicos, complexos de normas que disciplinam e se estabelecem em torno da mesma relao, como, por exemplo, os institutos do casamento, da filiao, do ptrio poder, da propriedade etc. E o conjunto de normas e institutos forma o sistema jurdico, conjunto unitrio de regras jurdicas ordenadas de modo lgico e coerente, e dedutveis entre si.No campo do procedimento judicial, um dos requisitos para que uma pessoa proponha uma ao a sua titularidade sobre o direito, objeto da controvrsia, a chamada legitimidade para a causa, legiti-matio ad causam, o que pressupe a participao do sujeito na relao (CPC, arts. 3, 6, 267, VI) em que surge o conflito de interesses. Ser sujeito de uma relao jurdica, e consequentemente de direitos e deveres, sinnimo de titularidade.A idia de relao jurdica como vnculo normativo permite, ainda, explicar uma srie de fatos da vida jurdica, em que se verificam mudanas subjetivas na relao, como a cesso de crdito, a assuno de dvida, a funo social da propriedade, os direitos e deveres matrimoniais, e ainda mudanas objetivas, como a sub-ro-gao prevista no art. 1.409 do Cdigo Civil. Realizao prtica dessa possibilidade de mudana a ao de sub-rogao destinada a substituir um bem gravado com clusula de inalienabilidade por outro de igual valor, permanecendo o regime jurdico da coisa sub-rogada, isto , o bem substituto permanece inalienvel (CC, arts. 1.407, par. 2 e 1.911, par. nico, e ainda o Decreto-Lei n- 6.777, de 8 de agosto de 1944, art. 1, sobre a sub-rogao de imveis gravados ou inalienveis).6. Estrutura e origem.Qualquer relao jurdica, principalmente de direito privado, representa uma situao em que duas ou mais pessoas (elemento subjetivo) se encontram a respeito de uns bens ou interesses jurdicos (elemento objetivo).O conjunto desses elementos, mais um vnculo intersubjetivo que traduz o conjunto de poderes e deveres dos sujeitos, constitui a chamada estrutura da relao jurdica.Os sujeitos so pessoas titulares de poderes e deveres, por exemplo, credor e devedor, comprador e vendedor, locador e locatrio, marido e mulher, em uma atribuio bilateral (donde a bila-teralidade caracterstica da norma jurdica). O elemento objetivo so os bens, aquilo sobre que incidem os poderes contidos na relao, e que consistem em valores materiais (coisas) ou imateriais (aes). O vnculo expressa uma posio de poder (sujeito ativo) e uma posio de dever (sujeito passivo), com referncia ao terceiro elemento.Essa a estrutura abstrata, simples e esttica, de uma relao jurdica. Em termos concretos da vida real, as relaes apresentam-se geralmente de forma complexa, englobadas, caracterizando situaes jurdicas dinmicas em que as pessoas so titulares, simultaneamente, de poderes e deveres.Quanto sua origem, as relaes jurdicas nascem de acontecimentos reconhecidos pelo direito como idneos a produzi-las, externos relao, denominados fatos jurdicos, e deles constituem a sua eficcia.7. Contedo.Contedo significa o conjunto de poderes e deveres que se configuram na relao jurdica, como ocorre, por exemplo, nas relaes contratuais, entre credor e devedor.Representa o comportamento jurdico das pessoas que intervm na relao, o qual setraduz em situaes de poder (ativas) e de dever (passivas). As primeiras, normalmente de exerccio voluntrio por seu respectivo titular; as segundas, de exerccio obrigatrio ou necessrio, tudo isso de acordo com as diversas espcies de relao como, por exemplo, as de famlia, as contratuais, as de propriedade etc.O poder jurdico existe quando o direito atribui a uma pessoa a possibilidade dela exigir, por um ato de sua vontade, determinado comportamento de outra ou de outras pessoas, ou a de impor certas conseqncias. Por suas peculiaridades, esse poder pode apresentar-se como direito subjetivo, pretenso, direito potestativo e faculdade jurdica, matria que se apreciar no captulo seguinte.8. Espcies de relao jurdica.A relao jurdica pode apresentar-se sob diversas espcies. Podemos classific-la, distingui-la, inicialmente, em relao jurdica de direito pblico e de direito privado; de direito pblico aquela em que participa o Estado com predomnio de seu interesse ou com poder de autoridade; de direito privado quando as pessoas, inclusive o Estado, participam em condies de igualdade. A relao jurdica de direito privado compreende as de personalidade, em que se protegem os direitos inerentes pessoa(direito vida, integridade fsica, ao cadver, ao tratamento mdico, direito a ligar o nome do autor s obras, direito honra, imagem, ao nome); as de famlia, se decorrente do matrimnio, parentesco, filiao ou tutela, e as patrimoniais, quando dirigidas satisfao de interesses econmicos. As relaes jurdicas patrimoniais compreendem as obrigacionais e as reais.Quanto eficcia, a relao jurdica diz-se absoluta quando o titular do direito subjetivo nela contido o exerce erga omnes, isto , contrapondo-se a um dever geral de absteno, o que se verifica nos direitos personalssimos e nos direitos reais; e relativa, quando o direito se exerce em face de uma ou de vrias pessoas determinadas, ou determinveis, como nas relaes de famlia e nas obrigacionais.Quanto ao objeto, a relao jurdica diz-se real, se os seus direitos se exercem sobre bens, e obrigacional, quando visa prestaes especficas e, geralmente, economicamente apreciveis. Na primeira existe um poder de utilizao direta das coisas, com o respectivo dever universal de absteno, pelo que se diz que o direito real absoluto. Na segunda, o objeto denomina-se prestao que um comportamento que se exige de algum, o que pode ser um dar, um fazer ou um no fazer, pelo que o direito obrigacional relativo.Quanto ao nmero, a relao jurdica simples quando se forma de um s vnculo, unindo duas partes, e complexa quando vrias relaes se entrelaam, criando uma pluralidade de direitos e deveres entre as partes. Nas relaes complexas pode existir um vnculo com pluralidade de sujeitos como, por exemplo, nas obrigaes solidrias (CC. art. 264) e nas indivisveis (CC. art. 258), ou vrios vnculos com unidade de sujeito, como nas obrigaes conjuntas (CC. arts. 260, I).Quanto natureza, a relao jurdica principal quando autnoma, existente de per si, e acessria, quando depende de uma principal, na sua existncia ou na sua eficcia, como ocorre, por exemplo, na relao contratual entre fiador e afianado, que depende de um contrato principal, freqentemente de locao.9. Efeitos da relao jurdica.A relao jurdica traduz direitos e deveres, que nem sempre se realizam de imediato.Pode constituir-se, apenas, na base de futuras pretenses,40 como ocorre, verbi gratia, com o parentesco que, no produzindo efeitos em um momento, pode ocasion-los mais tarde, ao verificar-se determinado fato, como a morte (CC, art. 1.784), ou o empobrecimento (CC, art. 1.695); ou como ocorre com o contrato de mandato que, produzindo efeitos ao ser constitudo, pode originar eventual crdito do mandatrio contra o mandante (CC, art. 676), pela execuo do mandato.A relao jurdica eficaz, em princpio, apenas entre as partes (rs inter alios acta, tertio neque prodest neque nocei) . Pode verificar-se, porm, uma eficcia reflexa, afetando-se terceiros dela no integrantes, como se verifica, por exemplo, quando se extingue uma relao jurdica acessria de garantia, como a fiana, por ter-se extinto arelao principal, ou quando algum contrata em favor de terceiros (CC, art. 436, par. nico) ou no caso de seguro de vida (CC, art. 789), ou ainda nos casos de sucesso legal, intervivos, como ocorre quando uma pessoa substitui outra na titularidade da mesma situao jurdica, por exemplo, o adquirente de imvel alugado que obrigado a respeitar a locao (Lei 8.245/91), art. 8), ou o possuidor que, para fins de usucapio, pode acrescentar sua posse a do seu antecessor (CC. art. 1.243).10. A dinmica da relao jurdica. Aquisio, modificao e extino de direitos. Os fatos jurdicos.A relao jurdica e os direitos nela contidos nascem, modificam-se e extinguem-se por efeito de certos acontecimentos que o direito considera importantes e que, por isso, lhes d eficcia jurdica. So os fatos jurdicos.Tais acontecimentos so apenas os relevantes para o direito, os que entram no mundo jurdico, os que produzem efeitos jurdicos, de tal modo que a norma jurdica j os prev na sua hiptese de fato (fattispecies, tatbestand) como pressupostos de certasconseqncias estabelecidas ou consentidas, que so o nascimento, a perda ou a modificao de direitos ou, de modo geral, qualquer alterao na situao jurdica preexistente. Podem consistir em simples eventos da natureza (fatos jurdicos stricto sensu), como o nascimento, a morte, o decurso do tempo, a doena etc., ou em manifestao da vontade humana (atos jurdicos), como o casamento, o reconhecimento de filho, a fixao de domiclio, os contratos, o testamento etc. Como segunda espcie de atuao da vontade humana, mas de modo contrrio ao direito, temos o ato ilcito.Um contrato, por exemplo, d origem a direitos e obrigaes. Um casamento cria direitos e deveres recprocos (CC, art. 1.566). A morte determina a abertura da sucesso (CC, art. 1.784). A prtica de um ato ilcito cria a obrigao de indenizar o dano (CC, art. 186 e 187). Outros acontecimentos existem, mas sem importncia para o direito, como um convite para passeio, o uso de certas roupas, manifestaes normais denatureza, como a chuva, a neve, o dia de sol etc., e que, por isso no entram no mundo jurdico. No so fatos jurdicos.11. Aquisio de direitos.Os direitos nascem quando se concretizam as respectivas relaes jurdicas. Sendo estas vnculos pessoais, ao seu nascimento corresponde a unio do direito ao sujeito que dele fica titular. O direito se adquire quando a pessoa dele se torna titular. Aquisio de direito , portanto, a ligao do direito pessoa. Constituindo-se a relao jurdica, o sujeito ativo adquire o direito ou outro poder. Ttulo de aquisio (causa adquirendi) o fato jurdico que justifica a aquisio, por exemplo, um contrato.Nascimento e aquisio de direitos so fenmenos distintos, se bem que geralmente simultneos. Toda constituio de direitos implica em sua aquisio, pois no existe direito sem sujeito. A recproca no , porm, verdadeira. Freqentemente, adquirem-se direitos j constitudos anteriormente, como ocorre na aquisio derivada, em que algum recebe um direito de outrem.A aquisio de direitos pode ser originria e derivada, e esta, gratuita e onerosa, a ttulo singular e a ttulo universal.Adquirem-se os direitos por ato prprio ou por intermdio de outrem; neste caso, atravs do instituto da representao, que pode ser legal (pais, tutores, curadores) ou convencional (procurador). A pessoa adquire o direito para si ou para terceiros.Os direitos tambm se adquirem por efeito de simples fatos jurdicos, independentemente de ao humana, por exemplo, a morte, que implica a abertura da sucesso (CC. art. 1.784), o decurso do tempo, que pode levar usucapio (CC. art. 550), a acesso, que leva aquisio da propriedade imvel (CC. art. 536).12. Aquisio originria e aquisio derivada.A aquisio de um direito diz-se originria quando no decorre de prvia relao jurdica entre o atual titular e o anterior. No h transmisso do direito entre eles, como ocorre com a ocupao de rs nullius ou de rs derelicta43 (CC, art. 1.263), com a usucapio (CC, art. 1.238), a ocupao, a especificao, a inveno, o achado de tesouro, a aquisio de direito de autor pela criao, aquisio de direito potestativo por fato que a lei considera idneo para o nascimento do direito (Captulo V, n 10).A aquisio derivada quando existe relao jurdica entre o titular anterior (transmitente) e o atual (adquirente). A aquisio derivada diz-se translativa, quando o direito permanece ntegro, como ocorre, por exemplo, na cesso de crdito, na compra de imvel, e constitutiva, se implica a criao de outro direito, com base no que se transmite, por exemplo, a transferncia de propriedade com a constituio de usufruto (CC. art. 1.225, IV) ou de servido pelo proprietrio (CC. art. 1.225, III). importante distinguir a aquisio originria da derivada. Na originria, adquire-se o direito na sua plenitude. Na segunda, adquire-se com suas limitaes, j que ningum transfere mais direito do que tem, como acontece por exemplo, na cesso de crdito (CC. art. 286), e na assuno de dbito (CC. art. 299).44 Por isso, a validade e a eficcia do direito do novo titular dependem, em regra, da validade e da eficcia do direito do precedente titular.A aquisio derivada diz-se, ainda, sucesso, porque novo titular sucede ao anterior. onerosa quando existe contraprestao do adquirente, como acontece nos contratos bilaterais, e gratuita, se inexistente tal contraprestao, como nos contratos unilaterais e na sua sucesso por morte. E a ttulo universal quando implica a transferncia de todos os direitos, o que s ocorre, nas pessoas fsicas, com a morte do titular, e nas pessoas jurdicas, no caso da fuso ou incorporao de empresas.45 E a ttulo singular quando se transfere um ou alguns direitos. A sucesso universal tem regras prprias, objeto do direito das sucesses.13. Direitos atuais e direitos futuros. Sua proteo.Chamam-se atuais os direitos completamente adquiridos, isto , os que j se incorporaram definitivamente ao patrimnio do titular, podendo ser por este exercidos.Direitos futuros so aqueles cuja aquisio ainda no se completou. O direito futuro, cuja aquisio depende apenas da vontade do adquirente, chama-se deferido, e no deferido quando subordinado a fatos ou condies falveis. O direito deferido confunde-se com o direito eventual, como, por exemplo, o direito de propriedade dependente da transcrio do ttulo aquisitivo, o direito do promitente-comprador de um apartamento, com o preo pago, de fazer a escritura definitiva. O direito no deferido normalmente um direito condicional pois, iniciada a aquisio, fica esta subordinada a condies falveis, por exemplo, a aquisio de uma safra agrcola futura.A proteo e conservao dos direitos atuais e futuros faz-se por meio de meios judiciais que a ordem jurdica pe disposio do titular, e que so objeto do direito processual civil. Tais meios compreendem as medidas cautelares. Em casos especficos, permite-se a autodefesa (CC, art. 1.210, par. 1).14. Modificao de direitos.Modifica-se a relao jurdica quando se alteram os sujeitos (modificao subjetiva) ou o objeto (modificao objetiva).A modificao subjetiva ocorre na sucesso, que o nome que se d transferncia do direito de uma pessoa para outra ou outras. Neste caso, multiplicam-se os sujeitos.Quando voluntria denomina-se alienao, por exemplo, a compra e venda, a doao.A modificao objetiva pode ser quantitativa e qualitativa. Quantitativa quando variam as dimenses do objeto, como no caso de aumento do terreno por avulso, a diminuio da dvida com os pagamentos parciais, a destruio parcial da coisa; e qualitativa quando mudam as qualidades do objeto, como na hiptese de sub-rogao de bens clausulados ou na obrigao de indenizar decorrente do inadimplemento contratual.Aplica-se o princpio pretium succedit in locum rei, rs succedit in locum pretii que se materializava no Cdigo Civil de 1916, art. 56, hoje no constante do novo Cdigo Civil.15. Extino dos direitos.Extingue-se o direito quando se extingue a relao jurdica, como se verifica, por exemplo, no caso de destruio da coisa, ou da realizao do interesse, ou do prprio decurso do tempo. Perde-se o direito quando ele se transfere a outro titular por aquisio derivada.A extino dos direitos pode referir-se ao sujeito e ao objeto.Quanto ao sujeito, os direitos extinguem-se pela morte, pelo decurso do tempo e pela renncia do titular. A morte extingue os direitos personalssimos, como o direito a alimentos devidos pelo parentesco (CC, art. 1.700), no os direitos patrimoniais, transmissveis, em geral, aos sucessores do falecido (CC, art. 1.784 e 1.829).O decurso do tempo fator extintivo de direito se aliado inrcia do titular. Os institutos de direito civil que disciplinam essa matria so a prescrio e a decadncia.Prescrio a perda da pretenso de um direito subjetivo em virtude da inrcia do titular em um perodo determinado em lei (CC.art. 189).Decadncia a perda de um direito potestativo pela inrcia do titular no prazo legal.A renncia ato unilateral e gratuito pelo qual o titular de um direito dele se despoja, sem transferi-lo a quem quer que seja. Produz a perda absoluta do direito pela manifestao de vontade do titular nesse sentido. Ocorre, por exemplo, quando o credor abre mo das garantias pignoratcias (CC. art. 802, III), hipotecrias (CC. art. 849, III) ou fidejussrias dadas a seus crditos, ou, ainda, quando o herdeiro recusa a herana (CC, art. 1.805).49 Pode visar quaisquer direitos, menos os personalssimos e os de ordem pblica, como os de famlia. A renncia declarao de vontade. Distingue-se do abandono, que no a tem. A coisa abandonada chama-se rs derelictae. So renunciveis os direitos que protegem os interesses privados, e irrenunciveis os que envolvem os de ordem pblica. No h renncia translativa, isto , a que se faz para beneficiar algum.Nesse caso, o que se verifica uma transferncia de direitos, como acontece, por exemplo, quando um herdeiro renuncia sua parte na herana para beneficiar terceiros. Inexiste renncia, mas sim, doao.Perece o objeto sempre que ele perde suas qualidades essenciais ou o valor econmico, como acontece quando um terreno coberto pelo mar, ou quando se confunde com outro, de modo a no poder se distinguir, ou quando o objeto fica em lugar donde no pode ser retirado, por exemplo, a jia que se perde no mar, tudo isso como decorrncia de fato natural (terremoto, incndio, catstrofe etc) ou da vontade humana (destruiovoluntria do objeto). Extinguem-se os direitos potestativos com o seu simples exerccio.Se o perecimento do objeto for imputvel a algum, responder este por perdas e danos (CC, arts. 186 e 389).Direito extinto no renasce.16. Relaes de fato: a) a unio estvel; b) a sociedade de fato; c) a separao de fato; d)a filiao de fato; e e) as relaes contratuais de fato.J vimos que a relao jurdica compe-se de dois elementos: um, material, que relao entre pessoas, e outro, formal, que a incidncia direta da norma jurdica aplicvel ao caso.As relaes jurdicas so conseqncia dos fatos jurdicos, nascem em funo do dispositivo da norma jurdica, depois do enquadramento do fato da vida real na hiptese de aplicao da norma.A vida social , porm, fertilssima na diversidade dos fatos, suscitando, por vezes, situaes que no se enquadram na hiptese das normas jurdicas, no obstante os atributos da abstrao. Isso faz com que diversos fatos, socialmente relevantes, no produzam efeitos jurdicos tpicos por no corresponderem hiptese de aplicao da norma, ou pela prpria inexistncia de norma jurdica adequada, embora j sejam socialmente valorados. Existe o fato, o valor, mas no a norma jurdica, o que no impede que a relao de fato produza, verificados certos pressupostos, os mesmos efeitos da relao de direito. Configura-se aqui a questo da eficcia jurdica da relao de fato.Surgem, assim, as chamadas relaes de fato, relaes materiais cujo nascimento no decorre de nenhum fato jurdico, mas sim de fatos socialmente relevantes, o que se constitui em problema mais sociolgico do que jurdico. claro que o reconhecimento de relaes de fato (porque no de direito) pode levar insegurana jurdica, contrariando um dos valores fundamentais, que a certeza do direito. A seu favor, existe porm uma exigncia de eqidade em face de "necessidades sociais indiscutveis, que representam uma forma de progresso tanto no pensamento como natcnica jurdica".Entre as relaes de fato de maior relevo social destacam-se:a) a unio estvel;b) a sociedade de fato;c) a separao de fato;d) a filiao de fato; ee) as relaes contratuais de fato.a) A unio estvel.O casamento o ato jurdico que d origem relao matrimonial, caracterizada por uma srie de direitos e deveres especficos, de natureza tica, personalista e recproca, como a fidelidade, a vida em comum no domiclio conjugai, a mtua assistncia e osustento, guarda e educao dos filhos (CC, art. 1.566), alm de efeitos patrimoniais estabelecidos na disciplina dos regimes de bens. Tais direitos e deveres formam um estado especial, o de casado, de grande importncia e repercusso em vrios campos do direito (direito civil, processual civil, penal, eleitoral etc.).52 Por sua importncia, o casamento ato jurdico solene, com pressupostos de existncia (diversidade de sexos, consentimento dos nubentes, celebrao do ato por autoridade competente) e requisitos de validade (capacidade e legitimidade dos nubentes e observncia da forma legal do ato), cuja infrao torna o casamento inexistente, nulo ou anulvel. No obstante a inexistncia de casamento, por impossibilidade ou vontade, duas pessoas podem unir-sede modo estvel, levando uma vida de casados como se na verdade o fossem, configurando uma nova figura tpica no direito de famlia, a unio estvel.Esta situao de fato pressupe os seguintes elementos essenciais: a) unio permanente com aparncia de matrimnio, para que no se configure simples unio transitria; b) ausncia de matrimnio civil vlido; c) convivncia pblica, contnua e duradoura, e estabelecida com o objetivo de constituio de famlia (CC. art. 1.723) . A unio estvel distingue-se da relao de concubinato, que a unio de pessoa casada, com terceiro, durante a convivncia matrimonial. relao no eventual entre homem e mulher impedidos de casar (CC. art. 1.727). A unio estvel reconhecida pelo novo Cdigo Civil, (art. 1.723) produz, todavia, importantes efeitos, dos quais destacamos: a) direito do companheiro usar o nome do outro (Lei n- 6.015/73, art. 57 e pars. 2 a 4); b) direito indenizao em caso de acidente de trabalho (Smula n- 35 do STF); c) direito metade do patrimnio adquirido com seu companheiro, em sociedade de fato; d) direito de prosseguir com a relao jurdica locatcia, substituindo o companheiro falecido; e) o direito dos companheiros a alimentos e sucesso; e f) a existncia de direitos e deveres recprocos, semelhantes aos que nascem do casamento, (CC arts. 1.724 e 1.725).56b) A sociedade de fato.Sociedade de fato aquela sociedade que, no preenchendo os requisitos legais para sua existncia jurdica, tem, contudo, uma existncia material.Chama-se de fato, ou irregular, para distinguir-se da de direito, que obedece aos preceitos regulares de constituio. No tem, por isso, personalidade jurdica, mas temresponsabilidade pelos atos que praticar, respondendo o seu patrimnio pelas obrigaes assumidas, podendo agir judicialmente (CPC, art. 12, VII).Sociedade de fato, ou irregular, a que se contrata verbalmente ou a que, embora contratada por escrito, no arquiva seu ato constitutivo no respectivo registro. Como "a relao jurdica de sociedade pressupe a concluso de um contrato, na forma legal, no existindo o contrato no deve existir a sociedade". A vida real nos oferece, porm, exemplos de sociedade que, sem contrato escrito ou sem registro, praticam atos da vida civil ou comercial como se regulares fossem.Espcie importante de sociedade de fato a que o direito reconhece ter existido entre dois companheiros que reuniram esforos e bens no curso de sua existncia em conjunto, formando um patrimnio comum que deve ser partilhado, embora sem existncia jurdica. A Smula n-380 do STF determina a dissoluo judicial dessa sociedade, o que demonstra a sua existncia, pelo menos de fato.c) A separao de fato.Um dos efeitos do casamento o dever de os cnjuges viverem juntos (CC, art. 1.566). Ocorre que, devido a circunstncias diversas, simples desinteresse, gastos elevados etc., os cnjuges decidem viver separados, sem contudo recorrerem ao divrcio que o direito lhes concede para o fim de extinguirem a sociedade conjugal. Surge, assim, um estado de separao de fato que, no obstante irregular e ilegal (porque os cnjuges devem coabitar), reconhecido na sociedade e produz efeitos que a lei protege. Sua principal caracterstica a permanncia dos deveres recprocos resultantes do casamento enquanto no se efetivar o divrcio, ou ainda, no campo da filiao, a possibilidade de reconhecimento de filho adulterino de mulher casada em caso de manifesta separao de fato do casal, quando os filhos havidos pela mulher casada evidentemente no so, nem poderiam ser, do marido, em virtude da impossibilidade fsica da coabitao dos cnjuges devido comprovada separao de fato, como reconhecido por tranqila jurisprudncia. So relaes de fato, nascidas de acontecimentos no-previstos pelo direito, mas que, por sua relevncia social, produzem efeitos que o mesmo direito reconhece.d) A filiao de fato.Outra importante relao jurdica a filiao de fato, a relao natural, biolgica, existente entre pais e filhos, sem existncia de casamento. Perante as disposies iniciais do Cdigo Civil, era ilegtima, o que foi superado com o advento da Constituio da Repblica de 1988, que estabeleceu, no art. 227, par. 6, a igualdade dos filhos.No obstante a ilegitimidade do vnculo, existia uma relao de fato, consangnea, natural, a que o direito no podia ficar indiferente, pelo que permitia que o filho ilegtimo pedisse alimentos aos pais, em segredo de justia, independentemente de ser reconhecida a relao jurdica da filiao (Lei n. 883, de 21. 10. 49, art. 42), dando-lhe tambm direito sucessrio igual ao dos irmos filhos legtimos, independentemente do reconhecimento expresso de tal relao (Lei n. 883, art. 4, parg. nico).Com a Constituio Federal, art. 227, os filhos, havidos ou no do casamento, ou por adoo, tm os mesmos direitos e qualificao. Sendo proibidas quaisquer designaes discriminatrias relativas filiao. Por outro lado, a Lei 8.560, de 29.12.92, regula oreconhecimento voluntrio e compulsrio dos filhos extramatri-moniais. A filiao de fato perdeu a importncia doutrinria que tinha.e) Relaes contratuais de fato.Outra espcie de relao de fato so as nascidas da "conduta social tpica",consideradas fonte de obrigaes, ao lado da manifestao de vontade (negcio jurdico) e da lei. Tomemos,por exemplo, os meios de transporte, de fornecimento de energia (luz, gs, gua etc.) ou de estacionamento. Quando algum entra em um nibus, ou utiliza-se da energia eltrica ou estaciona um veculo em um estacionamento, faz isso sem qualquer manifestao de vontade dirigida com o fim de realizar um contrato. A inexistncia do contrato no impede, todavia, que o usurio tenha de pagar pelo que utilizou ou consumiu. De fato, inexiste declarao de vontade, mas existe um ato de utilizao que faz nascer um vnculo de fato (porque no de direito), da qual emerge para o beneficirio a obrigao de pagar. Como diz Larenz, "a utilizao de fato de uma prestao de transporte ou de fornecimento oferecida a todos tem de modo genrico, socialmente tpico e conhecido por todos, o sentido de que por ela se leva a outro uma relao contratual sob as condies fixadas pela empresa que realiza a prestao. Quem se comporta assim de forma socialmente tpica h de fazer-se imputar o significado genrico de sua conduta como "aceitao de contrato", sem levar em considerao se teve ou no conhecimento daquilo no caso particular nem se quis ou no os efeitos jurdicos." O efeito principal da conduta socialmente tpica consiste na excluso da mpugnao por erro. Em lugar de duas declaraes de vontade destinadas a formar um contrato, o que existe uma oferta pblica de fato, e uma aceitao de fato da prestao, configurando, ambas, uma conduta que, por seu "significado social tpico", produz os mesmos efeitos que a declarao de vontade destinada a constituir um negcio jurdico.A doutrina das relaes contratuais de fato nasceu no direito civil alemo em 1941, criada por Gnther Haupt na aula inaugural que proferiu em Leipzig. Defendendo a existncia e o reconhecimento de relaes no resultantes de fatos jurdicos tpicos, como so os contratos, mas de fatos no tpicos mas socialmente relevantes, configurando uma conduta social tpica60 como a utilizao de servios (ingresso em meio de transporte, ocupao de vaga em estacionamento etc) ou o ato de apanhar produtos em supermercados, ou ainda os contratos ineficazes por nulidade, principalmente os contatos de trabalho e de sociedade, essa doutrina tem hoje valor mais histrico do que real, rejeitada que pela maior parte dos juristas alemes. , porm, aceita no direito italiano atual, e no direito portugus com exceo de Antunes Varela64. No direito brasileiro, principalmente por obra da jurisprudncia, continua-se a reconhecer a possvel juridicidade das relaes de fato, no s as contratuais mas tambm, como assinalado, a unio estvel, a sociedade de fato, a filiao de fato e a separao de fato.1