direito romano - prof francisco amaral

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    FRANC ISCO AMARAL

    -

    INTRODUO AO DIREITO ROMANO7aedio

    '

    UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO 9

    venda autorizada fuscr cpias Itda.i

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    A514iT ed.

    Amaral, Francisco. Introduo ao direito romano/Francisco Amaral Rio deJaneiro: UFRJ, Sub-Reitoria de Ensino e Graduao e Corpo Discente/SR-1 1996.(CADERNOS DIDTICOS UFRJ; 2).

    Inclui bibliografia e apndice1.direito romano - Histria 2. Direito romano - Histria. 1. Universidade Federal doRio de Janeiro. Sub-Reitoria de Ensino e Graduao e Corpo Discente, SR-1. U.Ttulo.

    96-0329 CDU 34 (37)

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    INTRODUO AO DIRKITO ROMANO

    APRESENTAOO direito romano como objeto de estudo

    Sob o ttulo Introduo ao Direito Romano renem-se aqui os princpios, asnoes e as categorias essenciais desse ramo histrico do Direito, indispensveis para umconhecimento mais profundo do nosso direito civil. A semelhana das Instituies, (deinsituere, instruir) obras jurdicas de carter didtico que os juristas romanos elaboravampara expor a matria jurdica, principalmente de direito privado, de que so exemplo as deGayo. Ulpiano. Marciano, Modestino. tem este caderno a finalidade de iniciar no estudo dacincia jurdica romana. , portanto, uma obra didtica, sem maiores pretenses do queaquelas que a sua prpria natureza e finalidade justificam.

    Seu objetivo fornecer, de modo claro e conciso, aos estudantes que se iniciamnos estudos jurdicos, e a partir da concepo do direito como produto histrico e social, oselementos necessrios compreenso do direito romano e, consequentemente, contribuirpara o conhecimento do direito civil brasileiro. Pretende-se, assim, oferecer no s umpanorama do processo evolutivo do direito romano, como tambm os traos fundamentaisdos seus principais institutos jurdicos. Um estudo, portanto, histrico e dogmtico, queajuda a compreender o direito civil brasileiro na sua estrutura, funo e fundamento.

    O direito romano faz parte do patrimnio cultural europeu e, por via deconseqncia, da cultura jurdica brasileira. Durante sculos foi t ido como a razo escrita,como o nico sistema que se constituiu na base do direito contemporneo, principalmentede natureza privada. , por isso, objeto de considerao e estudo por parte das principaisFaculdades de direito nacionais e estrangeiras, sendo de salientar-se o interesse dos juristaschineses que traduziram recentemente o Digesto de Justiniano, e os Cdigos Civis italiano ebrasileiro, representantes, entre outros cdigos, do esprito e do sistema de direito romano.

    Ao direito romano atribui-se inegvel valor na formao do juristacontemporneo, principalmente do civilista, que nele encontra a origem da maior parte dosconceitos, regras e institutos que formam a matria do direito privado e a metodologia de

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    sua realizao. Como arte de disciplinar e organizar a sociedade do seu tempo, constituiu-seo direito romano em um sistema de afirmao e defesa da pessoa humana e de sualiberdade, tendo alcanado a perfeio tcnico-jurdica quese revela nas suas idias e nosseus institutos, e seconcretiza na preciso e certeza de suas decises. Dotado de uma lgicaespecfica, atendia realidade do seu tempo, sem utilizar esquemas dogmticos ouformulaes definitivas. Na sua realizao, seguia o mtodo indutivo, emprico-casustico,tendo como ponto de partida o problema, a partir do qual desenvolvia um raciocniodialtico para construir a soluo justa. Atualmente, em face da crise e superao domodelo que herdamos do pensamento racional da modernidade (cujo raciocnio lgico-dedutivo faz o inverso, parte do sistema jurdico para o caso), esse mtodo e o estudo dodireito romano retomam gradativmente a sua importncia na realizao do Direito.

    Redescoberto no sculo XII, na Universidade de Bolonha , e t ransformado emdireito comumda Europamedieval, basedo processode codificao que marcouos temposmodernos, o direito romano hoje reconhecido como um dos eixos fundamentais da culturaocidental, ao ladodo pensamentogrego e do cristianismo,do que resulta o reconhecimentode sua importncia no processo de educao jurdica. O seu estudo reveste-se hoje degrande utilidade para a compreenso do direito civil, em que marcante a influncia doseu esprito e da sua tcnica, e tambm no direito Comparado, no qual surge como substratoe origem comum dos vrios sistemas jurdicos.

    Nesta poca de rpidas mudanas polticas, econmicas e sociais, e deconseqentes e inevitveis solicitaes ticas, deve o jurista dispor, no s doconhecimento tcnico-instrumental do direito mas, tambm da teoria forjada ao longo dossculos, o que somente se obtm por meio de uma perspectiva histrico-cultural dofenmeno jurdico. Sendo assim, remontar matriz do direito continental ocidental, que oromano, e estudar o seu processo formativo e a tcnica de sua realizao, reveste-se degrande utilidade para a formao do jurista contemporneo, pois proporciona-lhe uma visohistrica e anti-dogmtica do direito, crtica, portanto, e fornece-lhe critrios para acompreenso do processo de crise e de mudana jurdico-social do nosso tempo,principalmente no direito privado.

    No que respeita ao direito civil brasileiro, pretender realiz-lo e at modific-lo,sem conhecer o esprito da sua gnese e os fundamentos de sua estrutura, resulta, as mais

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    das vezes, em exerccio de pura retrica, vazia de contedo e desprovida de fundamento.Desconhecendo-se a sua origem e evoluo, dificilmente se poder aprender ecompreender, na sua totalidade, as suas origens e o valor intrnsecodo seu sistema, prpriode uma sociedade que se constri com o auxlio e o dos homens que o professam - osjuristas. E ser jurista pressupe ter uma viso unitria da nossa experincia jurdica quetem, pelomenos no que respeita ao direito privado,o direito romanocomo principal fonte.

    Creio, por isso, poder reconhecer-se ainda, como vlidas, as seguintesexpresses de juristas famosos:

    Ningum pode ser um grande jurista, se no for um bom civilista: e ningumpode ser um bomcivilista, se nofor, pelo menos, um razovelromanista .Guilherme Moreira

    No mepodeisfazer maior honra, do que chumando-me romanista.Te ix ei ra d e Freitas

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    O esprito desse direito revela-se em mximas at hoje cultivadas, como estas:

    D. 1.1.1 pr - Iuri operam daturum prius tiosse aportei, unde nomen iurisdescendat. Est autem a iustitia appellatum; nam, uteleganter Celsus difinit, iusestarsboniet aequi. ( preciso que aquele que h de se dedicar ao direito primeiramente saiba ondedescende a palavra ius. Vem, pois, de iustitia (justia) pois, como Celso elegantementedefine, o direito a arte (tcnica) do bom e do justo).

    D. 1.1.10 pr - Iustitia est constam etperpetuavoluntas ius suum cuique tribuendi.(A justia a constante e perptua vontade de dar a cada um o que seu).D. 1.1.10. 1. - [tais praecepta sunt haec: honeste vivere, alterum non laedere,

    suum cuique tribuere. Estes so os preceitos do direito: viver honestamente, no prejudicarningum, dar a cada um o que seu).

    D. 1 ,3 ,8 - Iura non in singulas personas, sed generaliter constituuntur. (no seconstituem leis para cada pessoa em particular, mas para todas em geral).

    D. 50.17.106 - Libertas inestimabilis rest est. (A liberdade coisa inestimvel).

    D. 50.17.56 - Semper in dubis benigniora praeferenda sunt. ( nos casos duvidososh-de preferir-se sempre o mais benigno).

    D. 50.17.144 - Non omme, quod licet, honestum est. (Nem tudo o que lcito honesto).

    D. 39.3.2.5 - ...haec aequitas suggerit etsi de/iciamur. (..e isto o que sugere aequidade, quando nos falte o direito).

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    S U M A R I O

    1. O direi to romano .O direito como produto histrico-cultural. Direito romano. Conceito ecaractersticas. Razes do seu estudo. Formao do direito romano. Fases histricas.Sobrevivncia e recepo. A tradio romanista. O direito romano no direito civilbrasileiro.

    2. Conceitos fundamentais do direito romano.Ius. Lex. Fas. Mores. Aequitas. Iustitia. lurispnulcntia. Iuspublicum e iusprivatum.Iuscivilc. ius gentium e ius honorarium. Ius commune e ius singularc.

    3 . Fon te s do di re i to r omano .Conceito e espcies. O costume (mores maiorum) e sua interpretao {interpretadopntdentium). A Lei das XII Tbuas. O plebiscito. O edito do magistrado. O senatus-consultum. As constituies imperiais. O corpus iuris civilis. A matria do direitoprivado.

    4. Os sujeitos de direito.O conceito de pessoa no direito romano. Pessoa e capacidade jurdica. A pessoanatural. Nascimento. Morte . Status l ibertat is . Escravido e manumisso. Statuscivitatis. Status familiae. Mudanas na personalidade. Extino da pessoa natural eda personalidade. Capacidade de fato. A pessoajurdica.

    5. O objeto de direi to . Coisas e bens.As coisas como objeto de direito. Classificao das coisas: Res in patrimonium eres extra patrimonium . Res extra commercium e res in commercio. Res corporalese res incorpora/es. Resmancipi e res nec mancipi. Coisas mveis e coisas imveis.Coisas simples, compostas e homogneas. Coisas divisveis e coisas indivisveis.

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    Coisas consumveis e coisas inconsumveis. Coisas fungveis e coisas infungveis.Coisas principais e coisas acessrias. Os frutos.

    6. As aes. A proteo dos direitos. O processo civil romano.A defesa dos direitos e o processo civil romano. Organizao judiciria e espciesde procedimento. Sistema das aes da lei {legis aciiones). O processo formular(agere performulas). O processo extraordinrio (cognitio extra ordinem).

    7. O direito das Obrigaes.Obrigao. Conceito, gnese e evoluo histrica. Elementos subjetivo eobjetivo. Requisitos da prestao. Fontes das obrigaes. Contrato, delito, quasecontrato, quase delito. O sistema contratual romano. Espcies de obrigaes.Responsabilidade civil e garantia das obrigaes.

    8. Os Direi tos Reais.Conceito e caractersticas. A propriedade. A comunho. Os direitos reais de gozo(superfcie, enfiteuse, usufruto, servido) e os direitos reais de garantia (penhor,hipoteca). A posse.

    9 . O dire i to de Faml ia .Introduo. A famlia. Conceito e importncia. Espcies de famlia. Modos deingresso na famlia romana. O matrimnio. Forma. Requisitos. Efeitos. Osesponsais. O regime patrimonial da famlia. Filiao. Ptria potestas. Tutela.Curatela .

    10. O direi to Heredi t r io .A sucesso. Herana. Sucesso legtima. Ordem da vocao hereditria. Sucessotestamentria. Formas de testamento. Legados. Fideicomisso. Codicilo.

    11. O mtodo de realizao do direito romano.

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    BibliografiaGlossr ioFontes do direito romano textos parciais)

    Es tudos de di re i to r omano .A casus t ica Roman aA Boa F

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    DIREITO ROMANO

    Smrio: o direito como produto histrico-culnual. Dirclto , ,..,,

    Odireito como produto histrico-culturalhistrica 5 ^ Um eleme ' ^ CU ra ^ ' ' ' ^*- *>,S.onca Adellnla ma,s frequ

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    Representa, assim, o conjunto de conhecimentos, crenas, normas de comportamento,produes no campo n arte, da cincia, da tcnica, isto , a totalidade dos bens espirituais edos materiais, assim como dos padres de comportamento que caracterizam umadeterminada sociedade. A cultura aprendida I^PM com par t i lhada e transmitida,pelo que se chama, tambm, herana social.

    Elemento fundamental da cultura o Direito, como produto milenar daexperincia humana e pelo significado histrico que encerra. No que, particularmente, nosdiz respeito, o direito e a cultura brasileira fazem parte da chamada cultura ocidental, que seformou ao longo dos sculos com a contribuiode vrios componentes, dentre os quais sedestacam, por sua importncia, o pensamento grego, o direito romano e o Cristianismo.Do pensamento grego recebemos uma viso do mundo que a base dacivilizao ocidental . Suas linhas gerais so a confiana crescente na razo humana,(pensamento lgico), a criao da liberdade poltica e da tica, e a crena no valor e nadignidade do indivduo, tudo isso base da tradio racional e humanista do ocidente. O seuamor cincia e sabedoria, os seus princpios e conceitos fundamentais, as suas verdadeseternas e, principalmente, a oposio teoria versus prtica, vieram a orientar os grandessistemas de pensamento.

    O Cristianismo, como conjunto de doutrinas que professam a f em Jesus deNazar, filho de Deus, deu-nos a religio, que se tomou uma das chaves da histria, pelocondicionamento que estabeleceu para a evoluo das sociedades europias, influindo nacultura, no direito, no comportamento moral, na arte; o humanismo, pela conscincia daimportncia do ser humano e da natureza; a disciplina espiritual, por meio da culturaintensa da vida interior: as tradies sagradas, que contriburam para a integrao e para aorganizao da sociedade medieval.

    O direito romano, o direito da sociedade romana, objeto do nosso estudo, legou-nos, com o Corpus iuris civilis (Corpo de direito civil), os princpios, as estruturas, ascategorias e os conceitos fundamentais daquilo que viria a construir a cincia jurdicamedieval, moderna e contempornea. Nesse contexto, uma de suas contribuies maisimportantes, como direito de juristas, talvez sejao mtodo de natureza emprico-casusticode realizao do direito. O direito romano pode, assim, ser considerado o alfabeto e a

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    gramtica da cincia jurdica e de toda a cincia do Direito, do que decorre a importnciade seu conhecimento propedutico, isto , preliminar em um curso jurdico.

    O estudo do direito romano insere-se, portanto, em uma perspectiva histrica,indispensvel a um conhecimento ingral do fenmeno jurdico, pois o jurista no podelimitar-se a conhecer o direito vigente no seu aspecto positivo, nas suas construestcnicas, devendo contextualiz-las no quadro da cultura e da sociedade a que pertence,compreendendo-o no seu processo de evoluo histrica e conscientizando-seda influnciaque sobre eleexercem a economia, a poltica, as ideologias dominantes, a cultura, enfim.Direito romano. Conceito e caractersticas.

    Direito romano o conjunto dos princpios e das normas jurdicas que vigoraramem Roma e nos territrios porela dominados, desde a fundao da cidade (753 a.C.) atamorte de Justiniano, Imperador doOriente (565 d.C). Em sentido amplo, a experinciajurdica do povo romano, que se criou ao longo de 13 sculos e se transformou de acordocom as necessidades de cada fase histrica, as circunstancias econmicas, sociais epolticas.

    Considera-se, porm, aqui, como objeto de nosso estudo, o direito privado, basedo direito comum vigente na maioria dos pases europeus durante a Idade Mdia e,porviada colonizao, nos pases da Amrica Latina, entre os quais o Brasil, como fontesubsidiaria, ato advento do Cdigo Civil (1916). O direito pblico romano, porm, tevedurao efmera e importncia muito menor na gnese do direito moderno e docontemporneo.

    O direito romano era um direito natural, conforme realidade, e no produto deconcepes intelectuais e abstratas. Apresentava-se como o conjunto de soluesnormativas para os problemas que a vida social suscitava, no conflito dos interessessubjetivos. Era tambm um direito laico, no sentido de ser produto da criao humana, eno reflexo da lei divina, e ser autnomo relativamente a outros sistemas de regulaosocial, e aqui nos referimos a religio. Graas a essa autonomia, pode evoluir e adaptar-se anovas situaes, revelando uma flexibilidade que lhe permitiu ser duradouro no tempo eexpansionista no espao. Dotado de esprito analtico, elaborou os conceitos, categorias eclassificaes necessrias ao raciocnio jurdico, do que exemplo a classificao; 'ao das

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    coisas, dos contratos, a distino entre as situaes de fato;'ao o que conjugava a tradiocom o progresso, no sendo esttico mas, como a vida, um processo inferi; era um direitoconcreto, porque as suas instituies nasciam como resposta a exigncias e a prticas davida; era um direito universal, porque Roma era, em certo perodo da histria dos povos,um verdadeiro universo, por sua importncia e extenso; e finalmente, era um direito quevisava proteger e realizar, em toda a sua dimenso, o valor da liberdade individual.

    Tais aspectos ressaltam a importncia do direito romano para a teoria e para aprtica jurdica principalmente no campo do direito privado, matria que se enriqueceugradativamente com as decises dos magistrados e as respostas dos juristas nos conflitos deinteresses particulares. O ordenamento jurdico romano converteu-se, assim, em um doseixos da civilizao ocidental.Razes do s eu e s tudo .

    Considerando-se o direito como elemento integrante da nossa herana social,nada mais conseqente do que iniciar a formao do jurista contemporneo com o estudodo direito romano. Essa a opinio dominante nos meios jurdicos, que seguem umaorientao histrico-cultural do direito contraria ao modelo acentuadamente tcnico einstrumental que marcou o dogmatismo da cincia jurdica moderna. Vrias razes.explicadas a seguir, justificam, assim, o estudo atual do direito romano. Umas referem-seespecialmente ao seu valor formativo: outras, sua perfeio tcnico-juridica: e outras,ainda, ao seu valor prtico e histrico.

    Os professores Sebastio Cruz e Santos Justo, da Faculdade de direito daUniversidade de Coimbra, estabelecem hierarquicamente, essas razes (Enciclopdia Polis,vol. II, p. 556).

    I) O elevado valor formativoO ensino do direito romano tem um alto valor formativo, consubstanciado na

    educao do jurista para haver:a) Uma certa liberdade e uma relativa independncia perante a Lei, porque

    desmistifica o pensamento positivo do direito que, identificando Lei e

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    061Direito, monopoliza aQex\omoUons iurisl Evidencia-se, no estudo do direitoromano, que a lex no foi a primeira nem sequer a mais importante fonte dodireito; o positivismo jurdico instalou-se, no direito romano, numapocadedecadncia. Essa relativa independncia conscientiza o jurista para a funoque deve ter de natureza constitutiva, sempre criadora do Direito, emcontraste com a instrumentalizao, a que o positivismo jurdico o sujeita, ouseja. a simples aplicao de um direito qualquer que lhe fornecido como umdado e cuja justia lhe recusada valorar. O jurista deve formar-se como vivavox iuris, rejeitando todas as leis injustas, por exigncia do direito que interprete e defensor.b) Um casusmo cientfico: o jurista no deve apenas interpretar e aplicar asnormas jurdicas, mas saber, tambm, criar uma norma adequada especificidade de cada situao e elaborar a construo jurdica aplicvel aocaso (montar o andaime prprio, conforme o edifcio a levantar). Deverejeitar o mtodo positivista do silogismo judicirio, mas empenho emafirmar umacerta cincia do que em servir vida, esquecendo que nem tudoo que lgico justo e que, nada criando a lgica, mas to s deduzindo, lheescapam as particularidades que, enriquecendo e especificando os casos,exigemsoluesque as completam. A jurisprudncia clssica atingiu o pontodifcil da estilizao da casustica: soube abstrair do caso concreto(apresentando ou hipottico) os elementos no-jurdicos e os no relevantes,criando figuras jurdicas concretas e, no, conceitos gerais e abstratos: paracada ca so soub e criar a norma exata.

    c) Uma firmeza de princpios perante as transformaes da vida jurdica atual,que atravessa uma crise muito semelhante que sofreu o mundo romano: asnovas idias no receberam consagrao jurdica apressada, foramdevidamente testadas atravs de uma aplicao cautelosa e prudente. Almdisso, a evoluo do direito romano jamais conheceu rupturas ou violnciasrevolucionrias queo impusessem pela\y/.sjO grande xito do direito romanofoi saber conciliar os princpios tradicionalmente consagrados com as novasexigncias da vida: sem comprometer o ius civile, foi-lhe transmitida, por

    ;WWMNQvlGAo

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    meio de uma tcnica rigorosa e perfeita, a dinmica capaz de satisfazer asnovas necessidades que a vida constantemente suscitava. Os jurisconsultosromanos foram intransigentes na defesa do direito contra o despotismo e atirania; por exemplo. Papinianus foi assassinado por Caracala por Terrecusado utilizar o direito como expediente de justificao de um crime torepugnante como o de fraticdio.

    II) A perfeio tcnieo-jurdicaO direito romano tem uma extraordinria perfeio tcnieo-jurdica: os romanoscriaram, com um rigor inexcedvel. figuras jurdicas; fonnularam princpios doutrinais e

    regras jurdicas consagraram uma terminologia que os sculos no enfraqueceram. Asfontes romanas constituem o fundamento do direito privado ocidental e encontram o seuresultado nos cdigos civis dos estados modernos.

    III) O seu interesse prticoO direito tem interesse prtico atual: sem o seu estudo, impossvel compreender

    plenamente a maioria das atuais in.stituies jurdicas, j que estas ufem a sua base nodireito romano sendo que algumas no passam de meras transcries ou simplesadaptaes.

    Aodireito romano hde se recorrer para integrar algumas lacunas; eledeverserconsultado quando, em face da insuficincia de alguns institutos, o legislador tiver de criarnovas figuras jurdicas mais idneas e responder s exigncias da vida atual (por exemplo,afiducia

    IV ) O se u interesse histricoO direito romano tem um inegvel interesse histrico: o melhor laboratrio

    jurdico paia quem desejar estudar a dinmica do Direito, isto , com nasceram, atingiram o

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    apogeu e decaram algumas normas jurdicas. um timo campo de estudo para filsofos,socilogos, historiadores, juristas e polticos.V) A sua utilidade para o direito comparado e a unificaode direitos

    Odireito romano ainda importante porque selepode fundamentar a cincia dodireito comparado, dado ser a raiz comum dos vrios direitos romnicos. Pode ser a basefundamental de um possvel direito europeu ou de um direito latino-americano, nomomento em que os continentes tendem a uma certa uniformizao jurdica. a base daunificao do direito privado, que nele se apoia geneticamente.

    O professor lvaro d'Ors sustenta que(...) o mtodo da unificaopor via legislativa no s difcil, mas tambm podeconsiderar-se absolutamente invivel para alcanar a unificao do direitoprivado. O mtodo mais idneo para essefim (...) o de aproximar a atividadeda jurisprudncia, procurando libert-la da escravido dopositivismo legalista,isto ,fortalecendo nosjuristas a conscincia da sua autonomia, a autonomia dasua autoridade, perante os imperativos legais. E notrio que os influxosdoutrinais superam as fronteiras do nacionalismo legislativo. A formao deuma doutrina comum poderia alcanar-se precisamente ai dejar libre juego competncia das correntes doutrinrias, mediante a reduo ao mnimo dasujeio s leis nacionais. Nesta tarefa (...0 o direito romano tem papelimportante (...); nenhum estudo pode dar ao jurista maior e mais fundadaconscincia da sua autonomia, da sua liberdade, que o estudo da experinciajurdica romana, e concretamente a do direito da poca clssica, o qualconsistia na autoridade dos prudentes e no na vis das leis.De modo mais sinttico, poderamos dizer que vrias razes justificam o estudo

    contemporneo do direito romano. Umas demonstram o seu elevado valor normativo,outras mais pertinentes sua perfeio tcnieo-jurdica, outras ainda mais atinentes a seuvalor prtico e histrico e sua utilidade para o direito comparado. Alm disso, esse estudoleva compreenso de que o direito um fenmeno histrico, donde a insuficincia dopensamento lgico-dedutivo para lhe captar a essncia e o sentido. Por outro lado, sendo o

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    direito romano um direito histrico, sofreu diversas alteraes no seu processo de evoluo,adaplando-se s circunstncias de tempo e de espao. E sendo a poca atual uma poca demudanas, compreender as sofridas pelo direi to ajuda o futuro juris ta a compreender aspresentes, atendendo-as com as respostas adequadas s questes suscitadas.

    Tambm no assunto da terminologia jurdica, sendo a palavra em dos principaisinstrumentos de trabalho do jurista, de extrema utilidade conhecer o direito romano, oprincipal criador da terminologia jurdica atual. Finalmente, mas no de menorimportancia, a grande contribuio do direito romano ao mtodo de realizao do direito.Os romanos partiam dos problemas, dos casos concretos, para, raciocinando indutivamente,construir as solues normativas adequadas a cada caso. Seu mtodo era o que hoje se podechamar emprico-casustico, e com ele formavam uma mentalidade elstica e nodogmtica, capaz de compreender a relatividade dos conceitos jurdicos (Corbi,/43) e deformar uma mentalidade {forma mentis) que permita enfrentar qualquer problema. Serjurista no significa conhecer a lei, mas sim poder captar, na sua essncia o problema dodireito que no mais do que o problema dajustia. (Corbi/45)

    O estudo do direito romano justifica-se, portanto, por sua finalidade formativa, epor sua perfeio tcnieo-jurdica, alm de sua utilidade para a compreenso dos institutosjurdicos contemporneos e para a comparao jurdica e unificao de direitos.

    Formao do direi to romano.Como nasceu e s e d e se n v o lv e u o direi to r omano?Durante os primeiros sculos de Roma, a iurisprudentia foi atividade prpria dos

    sacerdotes ou pontfices, que tinham competncia para decidir questes de direito sagrado ede direito civil, j que o direito se vinculava estrei tamente religio. Eram membros daclasse superior (patrcios), com a funo de interpretar os faz (vontade dos deuses) e osantigos mores (costumes), que constituam a base do direito arcaico.

    Guardavam em segredo as frmulas das aes da lei e cuidavam do calendriojudicial, estabelecendo os dias fastos (dies fasti). aqueles em que se podia administrar ajustia excluindo os dias nefastos (dies nefasti), dedicados a festas polticas ou religiosas.Eram. assim, os primeiros construtores da cincia do Direito, pelo que se pode dizer Tersido a primitiva jurisprudncia romana de carter eminentemente religioso.

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    O bero do Direito, principalmente o privado, foi, portanto, o colgio dospontfices ou sacerdotes de elevada posio social, que tinha, o monoplio dedizer o direito(ius-dicere) atse conquistar a completa igualdade de direitos entre patrcios e plebeus. Aeles competia a criao e a realizao do direito mediante a interpretutio (D. 1.2.2.7 e35.36). Odireito sacroou sagrado foi, tambm, monoplio dos pontfices.

    Os diversos ramos do direito da poca - direito sacro, direito privado e direitopblico - eram cultivados por juristas da mesma classe, os patrcios, donde uma certauniformidade nas caractersticas desse ramo do direito. Todavia, o direito pblico encontraseus principais intrpretes, alm dos sacerdotes, nos magistrados e senadores da antigarepblica todos pertencentes mesma classe social, refletindo os interesses econmicos eas ideologias polticas da classe patrcia. Essa situao modifica-se a partir do sc. V a.C,com as reivindicaes e os protestos dos plebeus, que desenvolvem e consolidam as suasmagistraturas e as assemblias populares.

    A partir da comea a surgir, ao lado de um direito dos pontfices, um direitolaico, que pouco a pouco ascende ao primeiro plano, como se verifica com a Lei das XIITbuas, em cuja elaborao e aplicao houve clara participao popular. Pode-se, assim,dizer que o direito romano nasceu e se constituiu ao longo de um demorado processohistrico, que vai da origem de Roma, tradicionalmente considerada em 754 a.C, at amorte de Justiniano em 565 d.C, prolongando-se ou projetando-se at os nossos dias demodo a configurar uma verdadeira tradio romanista, perfazendo um total de 27 sculos(13 sculos como direito romano propriamente dito, de Roma e seus territrios, e 14sculos como tradio romanista, do sculo VI al os tempos atuais).

    Esse direito, adaptado s circunstancias da evoluo histrica, modificadoprincipalmente por princpios do Cristianismo e pelas normas do direitocannico, faz-nos lembrar o curso de um majestoso rio que, ao longo do seutrajeto (27 sculos), continuamente abandona e recolhe elementos, segundo otempo e ospasesporquepassa, avanando sempre; no tm faltado nem faltamtentativas para impedir-lhe o curso, mas a corrente continua. (Biondi, apudCruz: 1984, p. 101).

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    O direito romano vai-se formando gradativmente com normas estabelecidas emcostumes, leis, decises dos juizes (jurisprudlencia, dos iuris +prudentis) e com as obrasdos juristas. Essas normas no se apresentavam reunidas, ordenada e logicamente em tomode princpios e estruturas fundamentais, como se apresentam nos sistemas atuais de direito,o direito romano forma-se de vrias ordens ou estratos normativos, diferenciados pelombito de aplicao, com o ius civile (costumes e leis), aplicvel somente aos cidadosromanos, e o ius gentium, aplicvel a todos os homens sem distino de nacionalidade. Eainda o ius praetorium que, contrariamente ao ius civile, foi criado pelos pretores(magistrados judiciais) para reforar, suprir ou corrigir o ius civile. Este o que provmdasleis, dos plebiscitos, dos senatus-consulto, dos decretos dos prncipes (constituiesimperiais), da autoridade dos prudentes (iurisprudentia) (D.1,1, 7 pr.). O ius praetorium oque os protetores introduziram com a finalidade de ajudar (interpretar), de integrar ou decorrigir o ius civile, por motivo da utilidade pblica (D.1,1, 7, 1).

    Ius civile e ius pretorium ou honorarium (de honor, cargo, magistratura) soestratos jurdicos que procedem, assim, de variadas fontes e que convivem de modoassistemtico, j que o direito romano no se apresenta estruturando como um sistema, comconceitos e categoriasabstratas. O direito teve, em Roma, uma formao espontnea.Fases h i s t r i ca s.

    O estudo do direito romano inicia-se com o conhecimento da sua gnese eevoluo, assim como da histria da sociedade em que se originou e a que serviu,regulando-a com instituies que vieram a form-lo. No que respeita sua gnese,focalizam-se as diversas formas de governo que se sucederam em Roma a chamadahistria externa, que se divide nos grandes perodos que marcam a sua histria poltica.Quanto evoluo, temos a histria interna, que a histria propriamente dita dessedireito, estudando as instituies jurdicasque o compuseram, principalmente o direito e oprocesso privado, em todas as fases do seu desenvolvimento, e que constituem maispropriamenteo objeto de nosso estudo. Registra-se, porm, que essa diviso meramenteconvencional. A periodicizao um artifcio, pois o desenvolvimento foi contnuo.

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    embora no campo do direito privado seja possvel distinguirem-se linhas de fratura o quepermitiria identificar fases determinadas.

    His tr ia ex te rna

    A histria externa, que , portanto, a histria poltica de Roma, divide-se emquatro perodos, correspondentes s formas de governo que se sucederam ao longo daexistncia de Roma: 1) a Monarquia ou Realeza; 2) a Repblica; 3) o Principado; e 4) oDominado.

    A crtica que se faz a esse critrio parte do reconhecimentode que nem sempreas mudanas polticas determinaram modificaes no direito romano. E quando influram,no houve simultaneidade. E critrio que no deve, porm, ser desprezado, pelaimportncia do poder poltico como fonte de direito.Principais caractersticas dessas fases

    Monarquia ou poca real (753 a.C. a 510 a.C.)Comeou com a fundao de Roma e terminou com a instaurao da repblica. O

    poder poltico era exercido por trs rgos: rei, senado e povo (comcios). O rei era o SumoSacerdote, chefe do exrcito, juiz supremo; seu cargo era vitalcio mas no hereditrio,podendo, todavia, indicar seu sucessor. O senado (senatus, de senex [ancio]) era umaassemblia aristocrtica, formada pelos membros da comunidade com maior experinciapoltica, com funo de orientao e conselho. O povo (populus romanus) era a sociedaderomana, constituda de patrcios e plebeus, exercendo seus direitos em assembliasdenominadas comcios (comitia). Inicialmente s os patrcios tinham todos os direitos.Depois de sculos de lutas (vide Lei das XII Tbuas), os plebeus triunfaram e passaram ater a mesma posio poltica. Alm dos patrcios e dos plebeus, existia ainda uma classesubalterna, a dos clientes, pessoas livres, estrangeiros ou proletrios, que viviam sob aproteo de um cidado romano, e os escravos (servi) que no faziam parte da sociedaderomana.

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    Repblica (de 510 a.C. a 27 a.C, inicio do Principadode Augusto )Os rgos fundamentais do Estado (considere-se que a idia de Estado em Roma

    era diversa da concepo atual), eram a magistratura, o senado e o povo, este reunido emassemblias ou comc ios .

    Os magistrados eram os detentores do poder de soberania (imperium).Compreendiam os censores, os cnsules, os pretores, os edis curuis e os questores.

    Os censores tinham a atribuio de fazer o recenseamento dos cidados romanosa cada cinco anos, cuidar da moralidade pblica e administrar as terras pblicasD.l.2,2,17.)

    Os cnsules eram os supremos magistrados da civitas romana, eleitos anualmenteem assemblias populares. Tinham o imperium, o que lhes dava poderes de naturezamilitar, jurisdicional, administrativa e financeira (D. 1,10).

    O pretor (prae-itor, o que vai frente) era o magistrado encarregado deadministrar justia. Inicialmente havia s um pretor; a partir do ano 242 a.C, aadministrao da justia distribua-se por dois: o pretor urbano (praetor urhanus), queorganizava os processos civis em que s intervinham cidados romanos, e o pretorperegrino (praetorperegrinas), que organizava os processos em que uma das partes era umperegrino, isto , no era cidado romano (D.1,2,2,27). O pretor era o magistrado que maiorinteresse tem para o direito privado, pois competia-lhe a jurisdio ordinria em matriacivil e penal, e a faculdade de publicar editos, comunicaes pblicas que os magistradosfaziam antes de assumir seus cargos, dando a conhecer as diretrizes e planos de suaadministrao.

    Os edis curuis tinham o encargo de vigilncia e polcia da cidade, dos mercados,dos espetculos pblicos (D. 1,2,2,26).

    Os questores eram magistrados de grau inferior, auxiliares dos cnsules e dospretores. Ocupavam-se da administrao do errio pblico e da jurisdio criminalD. 1.13).

    Os magistrados tinham, como poderes, a polestas, o imperium e a iurisdictio. Apotestas era o poder de representar o populus romanus; o imperium era o poder desoberania, contendo as faculdades de comandar os exrcitos, de convocar o senado e asassemblias populares, e de administrar a justia. O imperiumera prprio dos cnsules, dos

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    pretores e, acidentalmente, do ditador, magistrado excepcional, criado quando oordenamento civil era suspenso por fora de calamidade pblica, crise poltica interna ouexterna. A iurisdictio era o poder especfico de administrar a justia; competiapreferencialmente aos pretores e, secundariamente, aosquestores e edis cunus.

    O senado era o rgo poltico da Repblica indicado em primeiro lugar deacordo com a frmula Senatus Populusque Romanus (SPQR), e reunia a aristocraciaeconmica e cultural. No havia o imperium, mas a auctoritas (o prestgio); as suasdecises (senatusconsulta) eram verdadeiras ordens, mas sua princial funo era legitimar evalidar as leis aprovadas nos comcios. O povo reunia-se em assemblias e comcios paraeleger certos magistrados e votar as leis por eles propostas. Havia trs espcies decomcios: comida curiata, quase sem importncia poltica; comida centuriata, que elegiamos magistrados mais importantes e votavam as leis por esses propostas; e comitia tributa,assembliaspor tribo, que intervinhamna eleio de magistradosmenores e votavam certasleis. Havia ainda os concilia plebis (assemblias da plebe) queelegiam os tribunos da plebee votavamosplebiscita (plebiscitos), leis inicialmente reservadas plebe.

    Principado (de 27a.C. a 284 d.C.,morte do Imperador Diocleciano)O grande crescimento de Roma, que se transforma em um verdadeiro Imprio, os

    conflitos entre as classes sociais e a revolta dos escravos, entre outros fatores, provocamumasensvel alterao poltica em Roma, instituindo-se, com Otaviano Csar Augusto, oPrincipado (ou Imprio), espcie de monarquia absoluta, mas que mantinham as estruturasrepublicanas existentes. Augusto, vencedor de Clepatra, institui a paz (pax augusta),promovendo o direito e a cultura em Roma de modo a caracterizar o seu tempo como umverdadeiro sculo de ouro. As instituies de podereram oprinceps, o senadoe o povo.

    O princeps (prncipe, imperador) detm o poder de imperium e, gradativamente,a auctoritas do senado e o poderdo povo (maiestas). O senado perde grande parte do seupoder, assimcomo o povo, cujos comciosgradualmentedesaparecem.

    Dominado 284 a 565 d.C.)E um perodo marcado pelo absolutismo. As lutas internas causadas pelo

    processo de sucesso dos imperadores, a tendncia separatista de vrias provncias de

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    Roma, o declnio da autoridade pblica os conflitos entre o Imprio e o Cristianismo, ascrises econmicas, as invases dos brbaros e a grande extenso territorial do Imprio, tudoisso proporciona a mudana no sistema poltico, promovida por Diocleciano. Este soldadoascende ao poder em 284 a.C, aclamado imperador por seus colegas de armas, e proclama-se dominus, nico senhor, da a denominao de dominado para esse perodo de Imprioabsoluto.

    Diocleciano promove grande reforma poltico-administrativa. dividindo oImprio entre dois imperadores, o Imprio Romano do Ocidente e o Imprio Romano doOriente, para facilitar o controle da grande extenso territorial. Intitulando-se deus, entraem choque com o Cristianismo, contrrio ao mito da divindade do imperador, e determinaviolenta perseguio aos cristos. O Cristianismo , porm, reconhecido mais tarde peloImperador Constantino como religio oficial.

    Sob o ponto de vista poltico-constitucional, todos os poderes e rgos polticossubmetem-se vontade soberana do imperador. No que diz respeito ao direito, este afasta-se da tradio clssica, iniciando um processo de vulgarizao ou corrupo do direitoromano clssico (clssico significa modelo, perfeio), por influncia dos direito locais dospovos dominados pelos romanos, e dos direitos dos povos brbaros, que comeavam ainvadir o imprio. A corrupo manifesta-se na simplificao dos conceitos e nopredomnio dos aspectos prticos.

    Em 476 d.C d-se a queda de Roma, conquistada por Odoacro, chefe brbaro,permanecendo o Imprio Romano do Oriente at 1453, com a queda de Constantinopla.dominada pelos turcos. De 527 a 565 d.C, o imperador Justiniano, na parte oriental,promove a grande compilao de direito romano, o Corpus iuris civilis, nome com que, apartir do sculo XII, se passou a designar a obra legislativa de Justiniano.Histr ia in terna

    A histria interna, que a histria do direito privado, dirigido disciplina dasrelaes jurdicas das pessoas, e por isso mesmo direito essencialmente patrimonial, liga-sediretamentes bases econmicasda sociedade e refleteas variaes que se processaram nasestruturas scio-econmicas. Sob o ponto de vista dos modos de produo econmica

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    dominantes, ou das formaes econmico-sociais vigentes que influem na formao dodireito privado romano, destacam-se trs perodos fundamentais.

    O Perodo Arcaico corresponde sociedade patriarcal dasorigens, que se estendeato fim do sculo IV a.C. Nesse perodo, a posse da terra cabe a uma nica classe, oqueleva a grandes lutas pela diviso da terra; h pouca atividade comercial; a produo destinada ao uso familiar; a economia baseia-se no valor de uso; as forasde trabalho so ogrupo familiar, os clientes e categorias subalternas de servos. O direito privado tem suasfontes nos mores (costumes) e na lex (lei) predominando o formalismo nos atos e noprocesso jurdico, com influncia da religio.

    A gens e a famlia (grupo economicamente unitrio sob o poder do pater)ocupam posies centrais na sociedade, sendo que, devido estrutura agrria a famliainspira e domina o direito privado da poca. Nos ltnos dois sculos, a vida poltica marcada por grandes lutas entre patrcios e plebeus.

    O Perodo da Escravido, que vai do incio do sculo III a.C metade do sculoIII d.C, o perodo em que surge, se desenvolve e comea a decair o chamado modo deproduo escravista, em que a principal fora de trabalho eram os escravos, utilizadoscomo mo-de-obra servil, principalmente na agricultura e no artesanato industrial.Desenvolve-se o sistema de trocas e o capital comercial: transforma-se a agricultura, apropriedade e os modos de explorao da terra. A cidade passa a Ter grande importncia,com sua estrutura de comrcio, indstria e moeda. a fase da expanso imperial istatransformando-se Roma em um grande estado mundial. No direito privado, a fase dacriao pretoriana e da obra fina dos juristas. Do ponto de vista poltico-constitucionalpassa-se da Repblica aristocrtica ao Imprio absoluto.

    O Perodo da Decadncia que vai da metade do sculo III d. C queda doImprio, caracteriza-se pela grande crise econmica do sc. III; pela decadncia daatividade comercial, com o surgimentode novas relaes entre o campo e a cidade; e peladecadncia da economia escravista com o surgimento das foras de trabalho livre que, naforma de colonado, so vinculadas s grandes propriedades de terra. No campo poltico-constitucional, firma-se o absolulismo. O direito privado desenvolve-se com o surgimentode novos institutos, consolidando-se na obra de Justiniano.

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    Se nos ativermos perspectiva estritamente jurdica, da formao do direitoromano, podemos ainda consider-lo dividido nos perodos que se seguem, poca arcaica,poca clssica, poca ps-clsica e poca justininea.

    poca arcaica (753 a 130 a.C.)E a poca de Roma como cidade estado, e o perodo de formao do direito

    romano, que comea em tese, com a fundao de Roma em 753 a.C. e vai at o ano de 130a.C; data presumida da Lex aebutia de formulis, que introduz o agere per formulas.processo judicial prprio da poca clssica. O ius civile dominou at o ano 242 a.C,quando se criou o pretor peregrino, que deu incio formao dos ius gentium, o direito queregulava as relaes entre os estrangeiros ou entre estes e os romanos. Ius civile era odireito dos eives, os cidados romanos. Na sua formulao mais antiga, chamava-se iusquiritium, direito dos quirites, os mais antigos cidados romanos. A insuficincia dessedireito para disciplinar as relaes entre os eives e os estrangeiros (hostes, peregrini)determinou a criao, em 242 a.C, dopraetor peregrinas, com que se inicia a formao doius gentium. At o incio da poca clssica, em 130 a.C, coexistiam os dois direitos.Caractersticas dessa poca eram o predomnio da religio e da magia, com a mistura deelementos religiosos e morais. Poucas instituies jurdicas, domnio do tradicionalismo edo formalismo no direito, tpicos da sociedade e da economia rural. Suas principais fonteseram os costumes (mores maiorum), conduta reiteradamente observada, , e, em 450 a.C, aLei das XII Tbuas.

    poca clssica (130 a. C. - 230 d. C.,( assassinato de Clpiano, grandejurista,e incio de grandes crises no imprio)a poca do imprio universal e a fase de ouro do direito romano, que alcana oseu maior grau de perfeio e exatido. Roma torna-se uma potncia universal, com

    hegemonia no mediterrneo, desenvolvendo uma economia comercial com novosinstrumentos jurdicos. Adota-se o processo formular (agere per formulam), instauradopela lexAebutia (149-126 a.C). A interpretao jurdica laica. Surgem grandes juristas,passando a jurisprudncia a ser considerada fonte de direito. Nesse perodo, estende-se acidadania romana a quase todos os habitantes do imprio (212 d.C), com o Edito de

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    Caracala. As revoltas dos escravos e as guerras sociais impem alteraes jurdicas emfavor dos servos. A concesso da cidadania provoca uma inflao jurisprudencial, o que sereflete na realizao do Direito, que se toma flexvel, com capacidade de adequar-se snovas estruturas econmicas. Ocorre tambm uma certa vulgarizao e decadncia dodireito.

    poca ps-clsica (230 a 530 d. C, incio da elaborao do Corpus iuris civilis)E a poca do estado romano tardio, com o enfraquecimento do imprio, do

    centralismo poltico, do poder absoluto de Diocleciano (dominado), e do advento docristianismo, com uma nova viso do mundo. Foi do apogeu do direito clssico aorenascimento do direito com o imperador Justiniano. Foi, tambm, uma fase de francadecadncia, com certa confuso na terminologia, nosconceitos, nos textos, favorecida pelosurgimento de direitos locais dos povos dominados, e dos direitos brbaros, direito dospovos que comeavam a invadir o imprio. a poca do direito romano vulgar (ouvulgarizado). Verifica-se o deslocamento do centro do imprio para o oriente, com umalenta mas progressiva helenizao do direito.

    poca justininea (528 - 565 d.C).Foi o perodo do imprio de Justiniano, que unificou o imprio, reunindo a parte

    oriental com a ocidental, e promovendo a compilao do direito existente no Corpus iuriscivilis. Isso permitiu que o direito romano chegasse Idade Mdia e at ns, por meio dodireito europeu, transmitido pela colonizao ibrica.

    Sobrevivncia e recepo. A tradio romanista. O direito romano no direito civilbras i le i ro .

    Apreciado o direito romano nos 27 sculos de sua existncia, distinguem-se,nessa evoluo, duas principais fases: a primeira, da fundao de Roma at morte deJustiniano, diz respeito cidade e ao imprio; a segunda, do sculo VI d.C. at aos nossosdias, o perodo da chamada tradio romanista, com sobrevivncia do direito romano no

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    Oriente e o seu restabelecimento no Ocidente (a chamada recepo), 14 sculos, portanto,(sc. VI - XX).

    O direito romano chega at ns por meio da lngua e da cultura latina e, tambm,pela permanncia do Corpus iuris civilis como smbolo e expresso do direito comumvigente no continente europeu at o advento dos cdigos civis da modernidade, no mais.porm, direito puro e clssico do seu perodo ureo (130 a.C - 230 d.C). mas um direitovulgar, resultante da aculturao com as leis dos povos brbaros que invadiram edominaram significativas partes do Imprio romano, das quais as mais conhecidas eimportantes foram o CodexEuricianus (476 d.C), a LexRomana Wisigotorum (506 d.C),o Edictum Theodorici (500 d.C.) e a Lex Romana Hurgundionum (comeo do sculo VIAC).

    A tradio romanista significa o direito romano lato sensu, do sculo VI aosculo XX, mais precisamente o perodo entre o fenmeno da recepo al os nossos dias.principalmente, o restabelecimento no Ocidente, a partir do sc. XI. quando foiredescoberto e recultivado pela Universidade de Bolonha. E nessa segunda fase que sedesenvolvem e se sucedem as escolas dos glosadores, dos ps-glosadores ou comentadores,do humanismo, no direito natural, da escola histrica alem, terminando com o processodecodificao do direito civil moderno.

    Esse perodo marca a cincia jurdica europia, caracterizando-a como umprocesso de formao histrica que, nascendo da experincia romana, tem trs diretrizesmetodolgicas significativas: a primeira, de natureza pragmtica, marcada pelainterpretao (interpretado) do Corpus iuris civilis; a segunda, reflexiva, dedicada sistematizao (disposido) do direito romano vigente na Europa medieval e moderna; e aterceira, a da historicidade, enfatizando que a matriz e o fundamento do direito esto nahistria, isto , tudo quantose refereao direito s pode ser conhecido e reconhecido na suahistoricidade.

    A influncia do direito romano deve-se. principalmente, ao renascimento que seoperou no seu estudo e ensino, no final do sc. XI. nas universidades e escolas medievais,principalmente Bolonha, com o que se inicia o processo de recepo do direito romano,movimento de penetrao das idias, dos princpios, das instituies, do esprito do iusromanum na vida jurdica da Europa. Esse processo realizou-se por meio de vrias escolas

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    ou correntes de pensamento que se sucederam no estudo e no ensino do Direito, tendocomo aspecto e efeito principal a cientificizao e a racionalizao da vidajurdica.

    Objeto da recepo no foi o direito romano clssico, nem o justinineo, mas oius commune, o direito geral europeu, desenvolvido pelos glosadores e ps-glosadores, combase no Corpus iuris civilis, no direito cannico (o direito da igreja catlica), e nosestatutos, costumes e usos comerciais do seu tempo, principalmente da Itlia do Norte.Tem-se, em primeiro lugar, a Escola dos glosadores, fundada por Imrio, professor degramtica e de dialtica, na Universidade de Bolonha no sc. XI. O nome dessa escoladeriva do fato de Imrio e de seus discpulos aplicarem o mtodo exegtico ao estudo doCorpus iuris civilis, combrevescomentrios ouglosas marginais ou interlineares na buscade solues prticas. Sua importncia estno fato de ter revelado e divulgado pela Europa,por meiodos seus discpulos, o Corpus iuris civilis.

    Segue-se a Escola dos ps-glosadores ou comentadores do sc. XVI,desenvolvida em Perugia. Empregando a dialtica escolstica, comentava-se, e da o nomeda escola, noo Corpus iuris civilis mas as glosas dos juristas anteriores. Enquanto estesocupavam-sedas palavras, do aspecto formal dos textos, aqueles pesquisavam o sentido dasnormas, utilizando o mtodo dialtico ou escolstico, razo por que se consideram osverdadeiros fundadores da cincia do direito. Esse direito romano, estudado e comentadonas universidades italianas e enriquecendo com elementos do direito cannico e do direitoestatutrio das c idades medievais da Itlia, veio a constituir o chamado ius commune(direito comum), que se sobreporia a todos os direitos particulares dos Estados europeus deento. Principais figuras dessa escola foram Cino de Pistoia, Baldo e, principalmente,Bartolo de Saxoferrato (1314-1357), um dos maiores juristas de todos os tempos, que deuorigem ao adgio nemo bnus turista nisi bartolista (ningum bom jurista se no forbartolista).As escolas dos glosadores e dos ps-glosadores, de pensamento essencialmenteprtico, caracterizavam o sistema do mos italictts, diverso do mos gallicus, dos juristasfranceses da escola histrico-critica de Bourges (sc. XVI - XVIII), marcada pelo interessenos textos jurdicos anteriores a Justiniano, prprios do ius civile e do direito clssico, e daqual a principal figura foi Cujacius.

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    A escola do direito natural (sc. XVII - XIX) foi a poca em que surgiu ojusracionalismo, concepo segundo a qual o direito produto da razo humana, igual paratodos os povos, comum para todos os tempos, decorrente dos princpios inerentes natureza do homem e da sociedade. Sua figura exponencial foi o holands Grotius (Hugode Groot - 1585-1645), que desenvolveu essa nova escola principalmente em matria dedireito internacional. A sua grande marca foi a racionalizao do Direito, com aplicao aesse da idia de sistema o que levou ao processo de codificao da poca moderna. Outrosrepresentantes de vulto foram Leibniz, Tomasio, Pufendorf, Domat e Thibaut. Finalmente,a Escola Histrica do Direito, de Gustavo Hugo, Wolff, Niebuhr e Savigny, para quem odireito no seria produto da razo humana, mas do esprito do povo.

    Quanto ao direito romano, essas escolas desenvolveram-se em duas d ireesdistintas: uma histrico-critica, que se ocupava da investigao do direito romano nas suasfontes e no seu mtodo; e uma dogmtica-pandeetistica, que tratava de construir sobre oDigesto uma estrutura dogmtica vlida universalmente, constituindo, com isso. a base dodire i to civil con tinenta l mode rno .

    No Oriente, at queda de Constantinopla (1453), o direito romano continuouvigente, sendo que, a partir do sc. VIII, comearam a surgir vrias colees de leis emgrego, adaptadas s novas circunstncias, de carter local e temporal, passando a construir ochamado direito romano bizantino, na verdade, um longnquo descendente do direitoromano clssico. Com a queda de Constantinopla, conquistada pelos turcos, o direitoromano continuou vigente e influindo na formao dos direitos orientais, como da Grcia,onde as Novellae de Justiniano e o Hexabiblos (sc. XIV) vigoraram at a publicao doCdigo Civil em 1940. influindo tambm nos direitos da Bulgria, Romnia, Rssia eSrvia .

    No Ocidente, o direito romano vigorou nos diversos estados europeus at apublicao dos respectivos Cdigos Civis, principalmente o francs (1804) e o alemo(1900). O Cdigo Civil francs influenciou, por sua vez, o italiano, de 1865, o portugus,de 1867. o romeno, de 1869. o egpcio, de 1875, o espanhol, de 1889, e ainda vrioscdigos latino-americanos. O Cdigo Civil alemo influiu na elaborao dos cdigos civissuo (1911). brasileiro (1916), chins (1929) e grego (1940). Desse modo, princpios e

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    instituies jurdicas romanas, em maior ou menor grau, ainda esto presentes no direitocontemporneo.

    Vigente na sua plenitude, o direito romano encontra-se ainda nos ordenamentosjurdicos dafrica do Sul e doCcilo.No que particularmente nos diz respeito, faremos duas breves referncias

    recepo do direito romano em Portugal e no Brasil. A recepo do direito romano emPortugal precedida e condicionada pela recepo do direito romano no direito cannico,sem se contar o perodo anterior fundao de Portugal, em 1142, fase de romanizao dapennsula Ibrica, emque se destacam, como prova dessa romanizaojurdica, o Edicto deVespasiano (73 ou 74 d.C.) e a Constituio de Caracala (212 d.C), fase do que seconvencionou chamar de direito vulgar. O renascimento dos estudos do direito romano emBolonha iria influir nos juristas portugueses que para l se dirigiram para estudar. Temosainda a influncia de leis escritas em castelhano, como o Fuero Real (1252 - 1255), deAfonso X, o Sbio, e as Partidas, em fins do sc. Xlll, presentes nas Ordenaesportuguesas, as Afonsinas, as Manuelinas e as Filipinas, que recolheram a tradio anterior,onde se fazia presente o direito romano.

    Transplantado o direito portugus, com suas Ordenaes Filipinas, e vigorandoentre ns at o advento do Cdigo Civil, em 1916, pode afirmar-se que, at esse ano,vigorou em nosso pas, embora subsidiariamente, o direi to romano. Por sua influnciaporm, na elaborao do Cdigo, no qual. dos seus 1807 artigos. 80% (oitenta por cento)so de origem ou tm influncia romana, e na formao doutrinria de nossos civilistas,pode dizer-se que o direito romano est ainda presente, por seu esprito, tcnica e mtodo,no direito brasileiro contemporneo, do que resulta, tambm, a convenincia e utilidade deseu estudo.

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    Concei tos f u nd a m e nt ai s d o direi to romano

    Sumrio: Ius. Lex. Fas. Mores. Aequitas. Iustitia. Iurisprudentia. Ius publicum e iusprivaum. Ius civile, ius gentium e ius honorarium. Ius commune e ius singulare. Idiasmorais e polticas.

    Apresentam-se a seguir alguns conceitos fundamentais do direito romano,levando-se em considerao o seguinte:

    1) ao conceituarmos ou ao classificarmos as espcies romanas, partimosnecessariamente dos conceitos da cincia jurdica moderna, o que podeimplicar a deformao da realidade romana;

    2) os conceitos e as classificaes que se encontram nas fontes romanas nocorrespondem a uma realidade histrica nica mas a uma evoluomultisecular por que passa o direito romano nas diversas fases de sua histria.(Miquel 1992/33)

    Deve-se ter presente, portanto, que os conceitos apreciados a seguir exprimemidias, princpios e valores prprios, tpicos da cultura romana, que dirigiam ouinformavam as estruturas sociais e o ordenamento jurdico, assim orientavam o papel dosoperadores jurdicos (magistrados, advogados, juizes etc).

    Na experincia jurdica romana no havia uma definio precisa de direito comohoje se tem. Direito,de directum , de origem medieval, segundo a opinio dominante.

    No direito romanoarcaico, e com origem etimolgica primitiva e incerta, usava-se a palavra ius tanto no sentido objetivo (norma agendi) como no sentido subjetivo(facultasagendi).O termo contraposto a era iniuria, tudo o que contrariava o direito.

    M

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    Nosentido objetivo, significava normajurdicaou, mais amplamente, o conjuntode princpios e normas jurdicas vigentes na sociedade romana, como expresso da suaexperincia jurdica Tm esse significado as famosas passagens de Celso, Ius est ars boniet aequi (D. 1,1,1, pr.) [o direito uma tcnica do bom e do justo], e de Ulpiano, Iurispraeepta sunt haec: honeste vivere, alterum nom laedere, suum cuique tribuere (D. 1,1,10,pr.) [os preceitos do direito so estes: viver honestamente, no prejudicar ningum, atribuira cada um o que seu]. Esta segunda passagem refere-se j aos valores, s idias bsicasque fundamentam e legitimam as normas e s decises jurdicas do direito romano.

    De ius distinguia-se a lex, que era uma proposta do magistrado aprovada pelopovo reunido em assemblia popular (comida). Era inicialmente a fonte do conjunto denormas conhecido como ius publicum. O ius formava-se fora do Estado, decorrente dosantigos mores maiorum ,e regulavaas relaes entre os eives, formando aquilo que depoisveio a chamar-se ius privaum.

    No sentido subjetivo, significava o poder ou a faculdade que se tem de exigir dealgum um determinado comportamento ou uma determinada coisa. com esse sentido quese utiliza nas famosas passagens do Digesto: Nemo plus iuris ad alittm transferre potest,quam ipse haberet (D. 50, 17, 54) [ningum pode transferir a outrem mais direito do quetiver]. E tambm Nullus videtur dolofacere, qui suo iure utilur (D. 50, 17, 55); [quemexerce seu direito no procede com dolo]; ius distrahendi [o direito do credor pignoratciode vender a coisa dada em garantia]; ius deliherandi (o direito do herdeiro de aceitar ou noa herana); e ius utendi fruendi [o direito de usar e perceber os frutos da coisa]. Umaterceira concepo a do direito como justia, ita ius esto [isso seja direito].

    A palavra ius traduz-se por direito, embora este termo no derive daquele, mas dederectum. Ius significava inicialmente aquilo que a deusa Iustitia (smbolo romano dodireito) dissesse (quodIustitiadicit). Admite-se que direito vem de derectum, significandoa posio do fiel da balana segurada pela deusa Iustitia precisamente ao meio (de +rectum). Surge uma convergncia semntica entre as duas palavras: h ius porque a deusaIustitia o diz, quando o fiel da balana est aprumado, reto (derectum).

    A partir do sc. IV d.C. desenvolveu-se o uso da palavra derectum e, tambm,directum, da qual deriva a palavra direito dos povos de lngua romnica, derept (romeno),

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    D i*70 wa&W O\fcnvj Sfte fcderecho (espanhol). /o (italiano), /ro/7 (francs). Rectum deve ter dado origem a /tec/.f(alemo) e right (ingls).

    f : D feito iA6ftM>oEnquanto que ius traduz a ordem no mundo dos homens, o termo fas So os costumes, os usos, os comportamentos reiteradamente observados. Os

    romanos tinham como suporte fundamental e modelo de vida comum a tradio, decomprovadamoralidade, no sentido de observncia dos costumes dos antepassados (moresmaiorum), secular prtica de convivncia social. Esse complexo de usos sociais seguidospelos ancestrais e transmitidosde gerao a gerao pela tradio oral, foi a primeira fontede direito em Roma, a basea ius civile. Esses costumes eram interpretados e adaptados aoscasos concretos, primeiro pela atividade dos pontfices e depois (a partir do sculo IIIa.C.) dos juristas laicos.

    Aequitas \ ^CA K). JoS^

    Eqidade, conceito abstrato que designa o modelo ideal de justia. Traduz umaexigncia de adequao do direito ao sentimento de justia em conformidade s condiesdo ambiente social. E, assim, um princpio inspirador do direito, segundo o qual, mudandoas circunstncias econmicase sociais, deve mudar, tambm, o ius, o direito estabelecido.Inspira os magistrados e os juristas, influindo na evoluo das regras e instituiesjurdicas. No processo e na prtica judicial, inspirava a funo do pretor. O jurista Marcelo

    ^/|

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    &

    afirmava: Ainda que as solenidades judiciais no devam modificar-se facilmente, h queremediar quando a evidente equidade assim o aconselhe (D. 4, 1, 7). noo prxima sde benignitas, pietas, clementia, humanitas, carilas.Iustitia Jvjst^

    Segundo Ulpiano, o grande jurista da poca clssica justia a vontadeconstante e perttua de dar a cada um o seu direito, o que seu: Iustitia est constans etperpetua voluntas que suum cuique tribuendi (D. 1, 1, 10, pr.); uma virtude que consistena conformidade habitual de uma vonrade humana como ius. Diretamente ligados a essaidia de iustitia, os preceitos de direito, segundo Ulpiano (D. 1, 1, 10) so: viverhonestamente no sentido jurdico, isto , no abusar dos direitos, no prejudicar ningumcoexistindo com o direito dos outros; atribuir a cada um o que seu (honesl vivere, alterumnon laedere, suum cuique tribuere).lurisprudentia (jUNUK Jvj fcfr (/\

    a cincia do direito. Segundo Ulpiano, lurisprudentia este divinarum atquehumanarun rerum notitia, iusti atque iniusti scientia (D. 1, 1, 10, pr. 2o) [ajurisprudncia o conhecimento das coisas divinas e humanas, a cincia do justo e do injusto]. Ajurisprudncia ou prudncia do direito (prudentia iuris) a virtude de realizar atos bons ereprovar os maus. E a cincia do justo e do injusto, que toma como base o conhecimentodas coisas divinas e humanas. Realiza-se como umatcnica terica e prtica.Ius publicam e ius privaum

    E uma distino atribuda ao jurista Ulpiano, segundo a qual publicum ius estquodad statum rei romanae spectat, privaum quod ad singulorum utilitarem (DA, 1, 1, 2)[direito pblico o que respeita ao interesse, s coisas do Estado; direito privado, o querespeita ao interesse dos particulares].

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    Corresponde moderna dicotomia direito pblico/direito privado, com vriossignificados nas fontes romanas, sem permitir sua reduo a um nico sistema.

    Iuspublicum era o direito pertinente aopopulus romanus, o conjunto de cidadosromanos, como coletividade e organizao estatal. Tinha sua fonte nas autoridadespblicas, em anttese aos preceitos da autonomia privada. Era o ramo de direito que tinhapor objeto a organizao estatal e seu funcionamento.

    Iusprivaum era o direito do particular e de sua famlia (privatus, de privus =singular, privatus = o privado). O ms publicum era o direito criado para disciplinar acomunidadejurdica no exerccio de um poder soberano a que se submetia o particular. Taldistino baseava-se no critrio do interesse dominante, como se v na passagem supracitada.

    O ius publicum era um direito cogente, inderrogvel por disposio contrria aosparticulares, dado o interesse pblico em funo do qual foi estabelecido. A partir deCcero, entendia-se como dire i to concernente s a t iv idades estatais.

    O ius privaum era o conjunto de normas e vnculos estabelecidos pelosparticulares no exerccio de sua autonomia. Por ser exerccio de um poder soberano, dado ointeresse do pblico a partir do qual foi estabelecido, o ius publicum no podia ser alteradopelos particulares, publicum ius privaorum pactis mutare nom poes (D. 2, 14, 38) [oacordo ou conveno de particular no pode mudar o ius publicum].vjS f* ~* CtfJW& t^T^>Ius civile, ius gentium, ius honorarium

    Quanto ao mbito de aplicao, o ius privaum se divide em /5 civile e iusgentium.

    Iuscivile o direitodos cidados romanos (eives), mais propriamente o conjuntode regras que disciplinavam as relaes interlmiliares. Esses cidados chamavam-seprimitivamente de quirites, pelo que, de incio, usava-se a expresso ius quiriliurn, depoissuperada pelo sinnimo ius civile. No corresponde este ao direito civil contemporneo,pois rene preceitos de variadas espcies (comercial, constitucional, processual, penal,etc), de interesse do cidado romano, proveniente das leis, dos plebiscitos, dossenatusconsultos, dos decretos dos prncipes (constituies imperiais), da autoridade dos

    ilo

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    fr

    prudentes (iurisprudenlia), (D. 1, 1,7, pr.): Ius atilem civile est. quod ex legibus, plebissciiis, senaus consulis, decreis principum, aucoriale prudentium venit. O ius civilerealizava, assim, o princpio da personalidade, segundo o qual o indivduo se regia pelodireito da nao a que pertencesse, e vigorou, mais ou menos, de 753 aC a 201 a.C.

    Ius gentium, ou direito das gentes o direito formado paralelamente ao ius civilepelopraetor peregrinus para disciplinar as relaes entre os eives (cidados romanos) e osno eives (os estrangeiros: hostes, peregrini) e estes entre si. A esse direito pertenciam osatos jurdicos fundamentais do comrcio (a comprae venda, a transmisso da propriedadesem forma especial, o emprstimo, o contrato de sociedade etc). Por influncia da filosofiaestica os juristas que cultivavam esse direito faziam derivar suas instituies da razonatural (naturalis raio), donde a sua universalidade. Sua fase corresponde ao perodo de242 a .C a 235 d.C.

    O ius honorarium todo o ius romanum no civile, criado por certos magistrados(pretor urbano, pretor peregrino, edis curuis, governadores de provncias) para interpretar,integrare corrigir o ius civile, pelo que se chamava, tambm, iuspraetorium , em honra dospretores. E um direito prprio dos magistrados, criados por eles com base no seu poder(imperium), e vem expresso no edito que anualmente publicavam. Iuspraetorium es, quodpraetores introduxerunt adiuvandi vel supplcndi vel corrigendi iuris civilis gratiaproplerutilitatem publicam (D. 1, 1,7, 1), [o direito pretrio o que os pretores introduziram paraajudar (interpretar) ou para suprir (integrar) ou para corrigir o ius civile por motivo deutilidade pblica]. O ius honorarium e o ius civile so os dois grandes conjuntos queformam o ius romanum, mas o primeiro prevalecia sobre o segundo, em face de casosconcretos. Na poca ps-clssica, acelerou-se o processo de unificao dessas duasmodalidades, que se concluiu no perodo justinineo em face do princpio da unidade dodireito e da reduo do poder discricionrio do magistrado, que devia ater-se lei. Arelao entre essesdois direitos eles semelhante que atualmente existe, no direito ingls,entre a equity e cornmon law.

    As contribuies do ius honorarium ao direito civil so os interditos possessriosproibitrios e as relaes obrigatrias fundadas na boa-f, como as decorrentes de contratosconsensuais (compra e venda, locao, sociedade, mandato, gesto de negcios, fidciadepsito, tutela).

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    Ius commune e ius singidare

    Ius commune eram as normas ou princpios que se configuravam como regrasgerais, dirigidas a todos e indistintamente. Ius singidare eram as normas especiais que,contrariando a aplicabilidade das normas especiais, eram criadas com vista a utilidadeespecfica. Segundo Paulo, Ius singidare est, quod contra tenorem raionis, propleraliquam uliliaem, aucloriate constituenlium introductum est (D. 1, 3, 16) [o direitosingular aquele que se introduz contra o teor da razo do direito, pela autoridade dos queo constituem, devido a alguma utilidade].

    As disposies de ius singidare denominavam-se, freqentemente, de beneficia(beneficium excussionis, beneficium inventarii). Quando o ius singidare se constitua emuma norma jurdica especial, estabelecida em favor de um determinado indivduo, oudeterminada classe de sujeitos, chamava-se privilegium. Diverso do ius singidare e doprivilegium era o beneficium, norma criada no interesse de todos e aplicvel quandorequerida (exemplo, o beneficio de inventrio, beneficio de ordem, benefcio de diviso).Idias morais c polticas

    Fides

    Afides um conceito moral que est na base da vida social e no centro da ordempoltica e jurdica de Roma. Exprime a fidelidade, a sujeio palavra dada, o sentir-seligado prpria declarao (Schulz, p.243). Representa a confiana na palavra empenhada,a lealdade, a f. De valor moral divinizado, assim como a Iustitia, afides um princpiofundamental dos romanos que est presente, como bona fides (boa f), em diversos setoresdo direito. No campo das obrigaes, pressupe o cumprimento fiel do pactuado(D.16,3,31), tomando rgido o vnculo que nasce de um contrato obrigatrio. Certasespcies de contrato esto baseados na boa-f dos contratantes (contractus bona fidei).Junto fidelidade contratual encontra-se a. fidelidade ao juramento. No mbito processualpermite ao juiz indagar a conduta das partes (indicia bona fidei). Relativamente posse,pressupeque o sujeito atua semsaber que prejudica melhordireito. (Bona fideipossidere).

    as

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    No campo das fontes do direito, o princpio da boa f implica 1) que o magistrado ficavinculado ao edito que proclamou, e 2) que as normas jurdicas no tm efeito retroativo,procedam de editos, de leis ou deconstituies imperiais (Schulz, p.250).Libertas liberdade)

    Os romanos tinham a libertas como uma caracterstica nacional, sendo, tambm,objeto de culto religioso. Era a condio mais estimada pelo povo romano Marcouintensamente o ius romanum, com a consagrao da vontade individual, e o requisito doStatus libertatis para a aquisio da personalidade jurdica, por exemplo.A libertas implicava em direitos pessoais de que o liber gozava, no sendo,entretanto, um direito inato ao homem, mas adquirido na qualidade de eives (cidadoromano). Como idia pol tica a libertas um conceito vago, denotando um mnimoreduzido de direitos polticos; no uma liberdade democrtica, mas acentuadamentepessoal e aristocrtica. Como idiajurdica, a faculdade que permite fazer o que se queira,salvo o que for proibido em lei. No direito privado, a libertas imprime um caractern i t idamen te ind iv idua l i s ta

    Auctoritas autoridade)

    A auctoritas um valor intrnseco, que se exerce apenas e somentepelopeso dapessoa ou corporao que torna ou sanciona uma deciso . Traduz o prestgio social deuma pessoa ou de uma instituio (Shulz, p. 187), e conduz obedincia, ordem, disciplina. E um conceito da esfera poltica e moral ao mesmo tempo, j encontrado na Leidas XII Tbuas. O exemplo mais alto de auctoritas a do senador, devido presuno deque fosse escolhido dentre os melhores cidados de Roma, por sua virtude pblica, respeito,mrito e dignidade: no povo deve residir o poder (potestas). no senado a auctoritas(Ccero). No campo do direito privado manifesta-se claramente na famlia cuja disciplinajurdica determinada pela auctoritas do paterfamlias .

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    Pietas devoo filial)

    A pietas define-se como um vnculo afetivo, um sentimento de devoo oulealdade para com aqueles aos quais o homem est ligado por natureza (pais, filhos,parentes). Liga entre si os membros da comunidade familiar, unidos sob a gide da ptriapotesas, e est projetada no passado pelo culto dos antepassados. Est firmada nossentimentos religiosos dos romanos, cuja famlia se sentia protegida pelos deuses Manes,Lares e Penates. Com o sentido de compaixo, clemncia, um conceito extrajuridico que,a partir do cristianismo, informa solues jurdicas com um sentido diverso da moralanterior .

    Res publica coisa pblica)

    Res publica significava coisas ou direitos pertencentes ao populus romanus.insuscetveis de propriedade privada. Para Ccero, era uma coisa do povo, pertencente aouso comum, que s existia quando houvesse uma sociedade unida por um vnculo jurdico epelo interesse comum. No campo poltico, significava uma organizao de poderes, osmagistrados, o senado, os comcios, pelo que se considera o equivalente mais prximo deEstado, embora no equivalentes. Por oposio a res privata. identificava-se com res populiassuntos do povo).

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    Fontes do dire i to r omano

    Sumrio: Conceito e espcies. O costume (mores maiorum) e sua interpretao(interpretado prudenlium). A Lei das XII Tbuas. O plebiscito. O edito do magistrado. Osenatus-consultum. As respostas dos jurisconsultos. A jurisprudncia As constituiesimperiais. O Corpus iuriscivilis.Conceito e espcies

    A expresso fontes do direito tem dois significados: o poder de produzir asnormas jurdicas e a forma de expresso dessas normas. As fontes do direito romano eramos poderes, os rgos ou os atos criados desse direito (fontes de produo) e os modospelos quais se d o conhecer desse direito (fontes de cognio ou de conhecimento).

    Como fontes de produo jurdica temos, ao longo das diversas fases polticas dahistria do imprio Romano, o populus, os comcios, o senado, os magistrados, o imperadore os iurisprudenles. So fontes de cognio ou conhecimento os costumes, as leis, osplebiscitos, os editos dos magistrados, os senaus-consullos, as respostas dos jurisconsultose as constituies imperiais. Ius atilem civile est. quod ex legibus, plebis scitis, senausconsultis, decretis principum, auctorilae prttdentium venit (Digesto, 1, 1, 7, pr.) [o iuscivile o provm das leis, dos plebiscitos, dos senatus-consulios, dos decretos dosprncipes (constituies imperiais), da autoridade dos prudentes (iurisprudenlia)].

    Temos ainda fontes de cognio ou de conhecimento extra jurdicas, como asfontes literrias, que renem obras da mais variadas natureza, de escritores, poetas,filsofos, retricos, gramticos, eruditos, padres da Igreja etc; as fontes epigrjicas,inscries feitas pelos romanos em materiais durveis, como pedra, mrmores, madeirabronze etc; com eventual reproduo de textos legais; e as fontes paleogrficas, inscritospelos romanos em pergaminho, papel, tbuas enceradas, s vezes reproduzindo o contedode atos jurdicos privados. As fontes de conhecimento so o objeto de nosso interesse.

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    O costume (mores maiorum) e sua interpretao (interpretado prudentium)

    Define-se o costume como sendo a observncia constane e uniforme de urnaregra de conduta pelos membros de uma comunidade social, com convico de suaobrigatoriedade: nasce dopopulus. dos cidados.

    A respeito dessa matria, existiam duas palavras nas fontes jurdicas romanas:mos e consuetudo. Mos, mores maiorum a designao mais antiga do costume,significandoa tradio de comprovada moralidade. O costume romano era, portanto, algode moralista e honesto (a expresso mau costume, assim, seria contraditria). Consuetudo cuma idia seqente e segura na terminologia jurdica para exprimir tambm idia decostume. Temos, ento, que os verdadeiros costumes romanos eram os mores maiorum.traduzindo uma norma de observncia constante e obrigatria.

    A importncia do costume como fonte de direito diminui ao longo da histria deRoma. At a Lei das XII Tbuas, na primeira fase da poca arcaica, os mores rnaiorum.eram a nica fonte de direito, dito pelos prudentes, sacerdotes-pontfices a quem competiarevelar o ius (ius-dieere): Ius civile reposium irnpenetralibtis Pontificium fuit |todo o iuscivile esteve no segredo dos Pontfices] (Tito Livo, Histria - 9, 46, 5). Interpretandiscientia ei acliones apud eollegium pontificium eram [a cincia de interpretar o seuconhecimento eram exclusivo do colgio pontifcio] (Pomponius - D. 1,2,2.6).

    Com a Lei das XII Tbuas (450 a.C), o costume permanece ainda como fonte dedireito, principalmente em matria de direito pblico, embora sua importncia fossegradativamente se reduzindo. Quanto ao direito privado, sua principal fonte essa lei. Napoca clssica (130 a.C. - 230 d.C), o costume perde quase toda a sua importncia emfavor de outras fontes; na ps-clssica a partir do Baixo Imprio (284 - 476 d.C). aprincipal fonte de direito a lei, utilizando-se eventualmente o costume como instrumentode correo das normas legais.

    Para que tivesse eficcia de fonte do direito, o costume deveria apresentar osseguintes elementos:

    a) observncia geral (consenstts omniurn):b) prtica durante longo tempo (inveteram consuetudo);c) convico de sua obrigatoriedade (opinio necessitatis).

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    A L ei d as XII Tbuas

    A lei (lex) a fonte de direito emanada dos comcios, do senado ou doimperador. No seu sentido etimolgico, norma escrita quepode ser lida (lex derivadadelegere = ler) e consiste em uma declarao solene com valor normativo, baseada em umacordo entre quem e emite e o deu destinatrio.

    A lex pode ser privada (particular) e pblica. Lex privada a declarao solenecom valor normativo que tem base um ato jurdico particular. Cria direito privado (iusprivatum). Posteriormente, surge a lex publica, que no decorre de uma declaraounipcssoal, mas de um compromisso solene de determinada sociedade, tomada em comum:Lex est...communis rei publicae sponsio (Papinianus, D. 1.3,1) e lex est quod pupulus iubetatque constitui (Gaius 1.3) [lei aquilo que o povo ordena e constitui]; a declaraosolene do povo (populus), que aprova em assemblia (comida) proposta apresentada porum magistrado (rogado).

    A lei pblica, porque aprovada pelo povo, tomava o nome de lex rogata paradistinguir-se da outra espcie, a lex data, proferida pelos magistrados no exerccio do seuprprio poder. Constava de trs partes: 1)praescriptio, que continha o nome do magistradoque a propunha a assemblia que aprovara e a data em que fora emitida; 2) rogado, que erao texto da lei submetida votao e aprovada; e 3) sanctio, a parte final, em que seestabelece a invalidade da lei que fosse contrria ao direito anterior, dos mores maiorum edas leis sagradas.

    As leges rogatae classificavam-se, quanto sano, em leges perfectae, quandodeclaravam nulos aos atos contrrios s suas disposies, minus quam perfectae, seimpunham apenas multa ao transgressor; e leges imperfectae, que nem anulavam nemimpunham sanes. Uma outra espcie, a lex data, que seria proferida por uma magistrado,em virtudo de poderes especiais, hoje contestada e tida como de duvidosa existncia.

    A Lei das XII Tbuas a primeira grande codificao romana, o ponto de partidapara as codificaes posteriores. Destrudas em Roma pela invaso dos brbaros gaulesesem 390 d.C, o seu conhecimento chega-nos atravs da tradio. Teria sido produto da lutapoltica entre as duas classes sociais, os plebeus e os patrcios.

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    Desde o incio de Roma, eram os Sacerdotes pontfices patrcios que revelavam odireito (ius-dicere) interpretado os more maiorum. Isso implicava em tratamento desigualpara os plebeus que desconheciam o direito e, por isso, reivindicavam que este fossetomado pblico. Depois de sucessivas reivindicaes do povo, em 454 a.C, uma comissode trs homens foi Grcia para estudar as leis de Slon e, em 451 a.C, o povo nomeia dezcidados extraordinrios (decernviri legis scribundis consulari potestate) que, durante umano, redigiram um cdigo que foi mostrado ao pblico em dez tbuas de bronze, aprovadopelos comcios populares.

    Considerado insuficiente, constitui-se uma nova comisso de patrcios e plebeus,a qual elaborou mais duas tbuas, que, embora no chegasse a ser aprovadas em comicio, asXII Tbuas foram apresentadas no Frum em 499 a.C. pelos cnsules Valrio e Horcio,valendo comolonte de todos o direito pblico e privado e como o corpo de todo o direitoromano (Fons ominis publici privatique est iuris, velut corpus omnis rornanis iuris) (TitoLvio, Histria, 3, 34, 6).

    A obra dos codificadores, os decernviri, no foi inovadora. Limitaram-se acodificar os mores existentes, de modo a garantie ao povo a certeza do Direito, impedindo oarbtrio dos patrcios na aplicao do direito costumeiro. A Lei das XII Tbuas no era.portanto, um cdigo, no sentido moderno do termo, nem um conjunto de leis, mas areduo a escrito de costumes vigentes, sob a forma de frmulas. Quanto ao seu contedo, aLei das XII Tbuas divide-se assim: da I 111 tbua, a matria de Processo civil; as IV eV, de famlia e sucesses; a VI, dos atos jurdicos mais importantes; e da Vil XII. dodireito penal.

    O plebiscito

    Plebiscitos (plebiscita) eram propostas dos tribunos da plebe, aprovados emassemhias dos povo (concilia plebis) e, inicialmente, sem carter obrigatrio com as leges.Com a lex Valeria Ilotada de plebiscitis de 449 a.C; passaram a ter fora obrigatria emrelao plebe. e. a partir da lex Ilortensia. de 287 a.C. passam a vincular patrcios e

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    plebeus. Sua importncia maior para o direito pblico romano, pois o privado estava todona Le i das XI I Tbuas.

    O edito do magistrado

    O edito (edictum, de ex-dicere) era o programa de atuao dos magistrados(pretor urbano, pretor peregrino, edis curtis, governadores das provncias) para o tempo desua magistratura (um ano) e era afixado no frum. Dizia-se edictrum perpetuum quandocontinha o programa anual no magistrado, e edictum repentinurn quando consistia em umaordem ou decreto emitido para um caso determinado.Toma tambm o nome de Edictum Perpetuum a ordenao definitiva dos editosfeita pelo jurista Salvius Iulianus que, por ordem do Imperador Adriano, consolidou todosos editos anteriores em um s, publicado por volta de 130 d.C. Perpetuum significa aquidefinitivo, no anual.

    Os editos dos magistrados eram fontes do ius honorarium enquanto o ius civilederiva do populus, dos comcios, do senado, do princeps e dos iurisprudentes.Constituram-se em uma das mais originais fontes do direito romano, interpretando,integrando e corrigindo o ius civile, transformando-o, e de conjunto rgido e reduzido denormas (Lei das XII Tbuas) em um sistema flexvel e adequado s condies sociais eeconmicas da sociedade romana ao longo dos sculos.O senatus-consultutn

    Senatus-consultos (senatusconsultum) eram dec ises do senado: o senattts-consultum o que o senado ordena e constitui (Gaius 1,1,4).

    Inicialmente, era uma resposta ou parecer do senado s consultas que lhe eramfeitas por magistrados para resolverem determinadas questes. Ao trmino da pocarepublicana com o decrscimo da atividade legislativa dos comcios, o senado passa aexercer uma atividade legislativa prpria, ditando os senatus-consultos. Os mais conhecidosso :

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    Senatusconsultum Velleianum (58 d. C), assim chamado por ter sido proposto aosenado pelo cnsul Velleus, destinava-se a proteger as mulheres do risco decorrente aconcesso de garantias por dvidas contradas por um homem (D. 16,1,2, pr.e 1). Asobrigaes decorrentes dessas garantias eram vlidas, porm ineficazes.

    Senatusconsultum Macedonianum (75 d. C). Proibia o emprstimo de dinheiro atodo menor filius famlias, eximindo-se da obrigao de restitu-lo, criando apenas, umaobrigao natural (obligatio naturalis, [(D. 14,6,1, pr.)]. Tomou esse nome de um talMacednio, jovem de comportamento escandaloso que se endividou com muitosemprstimos, chegando a matar o pai para poder receber a sua herana. A mesma doutrinaencontra-se consagrada no artigo 588 do Cdigo Civil brasileiro.As respostas dos jurisconsultos. A jurisprudncia.

    O iurisconsultus erao homem que, perante um caso prtico, dizia o direito (iusdicit). Tambm chamado de iurisprudenle, cultivava a iurisprudentia, o saber agir quantoao direito (prudenda = saber agir), a cincia prtica do direito. Nos primeiros tempos, aiurisprudentia era privilgio dos Sacerdotes pontfices, escolhidos entre os membros daclasse dominante - os patrcios -. o que levava a um tratamentojurdico desigual quanto aosplebeus, de cuja reao surgiu a Lei das XII Tbuas.

    Eram funes dos iurisprudentes aconselhar os interessados quanto aosrequisitos e forma idades dos atos (caver); dirigir o processo, indicando os procedimentosa seguir (agere); e dar pareceres s questes jurdicas que se lhes apresentavam(respondere). Esta era a funo mais relevante, na qual o direito de concretizava. Oiurisprudente, iurisconsultus ou simplesmente jurista era, alm de prtico, um criador doDireito, mas n o er a um terico nem um doutr inador .No incio, a iurisprudentia concretizava-se na interpretao das normas jurdicas,sendo a nica fonte do Direito: ius civile in prudentium interprelatione consistit (D.1,2,2,12) [o ius civile consiste unicamente na interpretao dos prudentes], mas novinculava os juizes. Somente com o Imperador Augusto (27 a.C. - 14 d.C), que lhesconcedeu o direito de responder com a auturidade do prncipe (ius respondendi exauetoritate principis) que a iurisprudentia passou a valer como se emanasse do prprio

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    imperador. E a partir do imperador Adriano (117-138 d.C), a iurisprudentia, ou asrespostas dos jurisconsultos, passou a valer como fonte imediata de direito.As constituies imperiais

    Eram decises do imperador - o princeps, a grande figura da constituio polticade Roma de 27 a.C. a 284 d.C. - , de carter jurdico. Suas decises podiam ser edicia,(anunciavam os critrios que os magistrados deviam seguir), decreta (sentenas), mandato(instrues aos funcionrios administrativosje rescripta, as mais importantes, consistindoem respostas s consultas feitas pelos magistrados, ou aos pedidos feitos pelos particulares.O nome de rescripta decorre do fato da resposta ser feita no mesmo papel da consulta.Conslitulio principis est quod imperator decreto vel diclo vel epistula constituit. Necurnquam dubilatum esl, quim id legis viem optineat, cum ipse imperator per legemimperium accipiat (Gaius, 1,5) [A constituio do prncipe o que o imperador constituipor decreto, por edito ou por epstola. Nunca se duvidou de que no tenha fora de lei, jque o prprio imperador recebe o poder em virtude de uma lei].

    0 Corpus iuris civilisO Corpus iuris civilis [corpo de direito civil] a grande compilao do direito

    romano, mandada fazer pelo Imperador Justiniano no sculo VI d.C, com finalidade de:1) reunir em uma s obra toda a produo jurdica dos romanos (iura, isto ,

    fraqmcntos de obras de juristas clssicos, c leges, constituies imperiais); e2) utiliz-la com fins didticos, como texto nico, nas escolas de ensino

    jurdico. O nome Corpus iuris civilis foi criado pelo jurista medieval DionsioGodofredo, em 1538, para distinguir a compilao justininca do Corpusiuris canonici [corpo de direito cannico] , e antigamente usava-se apenascorpus iuris e constitui-se de quatro partes: Institutiones, Digesto ouPandectas, Codex e Novellae.

    As lnstituitiones (Instituies), de novembro de 533, so uma introduodidtica um verdadeiro manual de direito do Corpus iuris e divide-se em quatro livros: o1 , das pessoas; o 2o, das coisas, da propriedade, dos direitos reais e dos testamentos; o 3o.

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    da sucesso legt ima e a das obrigaes contratuais; e o 4o, das obrigaes delituais e doprocesso civil e criminal. Os livros dividem-se em ttulos, e estes, em pargrafos (oprimeiro pargrafo chama-se principium). Modo de citao: primeiro, referncia sInstituies; depois, o livro, o ttulo e o pargrafo. Exemplo: 1,3,4,1 significa Instituies.livro 3o, ttulo 4o,pargrafo Io.

    Os Digesta ou Pandectae (Digesto, o nome do sc. XII, ou Pandectas).terminadas em 533 d.C, so uma exposio ordenada e sistemtica, de carterenciclopdico, formada por fragmentos de obras de grandes jurisconsultos (iura). Divide-seem cinqenta livros, subdivididos em ttulos (exceto o de 30 a 32), que tm o mesmo ttulode legads etfideicommissis, divididos em fragmentos, e estes, em pargrafos. O modo decitar, por exemplo, D. 13,7,9,2, significa Digesto, livro 13, ttulo 7 , fragmento 9o.pargrafo 2o. O Digesto a maior e mais importante parte do Corpus iuris civilis.

    O Codex (Cdigo), de 529 d.C, uma compilao de constituies imperiais(leges) e divide-se em doze livro