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Constituies e mercados seguros
Fbio Wanderley Reis
Em palestra proferida quando da recepo do Prmio Nobel de
Economia, em 1993, Douglas North pondera que, se representarmos a
exerincia humana at o momento atual num dia de 24 horas que se inicie com
a diferenciao do homem relativamente a outros primatas, entre 4 e 5 milhes
de anos atrs, perceberemos que o comeo da civilizao, com o
desenvolvimento da agricultura sedentria ao redor de 8000 AC, ocorrer nos
ltimos trs ou quatro minutos do dia; e se representarmos da mesma forma,
em novo perodo de 24 horas, toda a histria da civilizao, a era docrescimento econmico moderno dos ltimos 250 anos no corresponder
seno aos 35 minutos finais nos quais, alm disso, o desenvolvimento esteve
em grande medida restrito Europa ocidental e a antigas colnias britnicas.
O objetivo da observao advertir para o que h de difcil e raro na
produo das condies que propiciam o desenvolvimento econmico. Na
perspectiva de North, as razes disso incluem de maneira destacada o fato de
que no se tem crescimento econmico sem desenvolvimento poltico-
institucional, ou seja, sem a implantao de instituies que viabilizem e
respaldem os contratos privados, enraizadas elas mesmas num substrato
psicossocial de normas efetivas. Em outras palavras, o desafio estaria no papel
cumprido pelas constituies polticas, em sentido amplo, para a produo de
mercados seguros. Tal perspectiva pode ser relacionada, alis, a toda uma rica
e variada literatura, que iria desde as concepes clssicas de Max Weber
sobre o capitalismo e o desenvolvimento religioso at os estudos recentes de
um Robert Putnam referidos a diferentes regies da Itlia, em que o
desempenho econmico posto em conexo com disposies cvicas deconstruo secular ou mesmo milenar.
De qualquer forma, um aspecto especial salientado pelas anlises de
North quanto ao impacto econmico das constituies polticas consiste nos
efeitos das constituies apropriadamente enraizadas em permitir a conteno
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das disposies economicamente predatrias do poder poltico. As
observaes a respeito, apoiadas em estudo mais detido, por exemplo, da
Revoluo Gloriosa na Inglaterra, podem traduzir-se em termos da
neutralizao da autonomia do estado de que aqui falvamos em artigo
anterior: a parlamentarizao da vida inglesa resulta em submeter as decisesdo monarca apreciao dos focos de riqueza e poder privado, e North e
colaboradores podem mostrar com nitidez os imediatos impactos favorveis
da Revoluo Gloriosa em termos fiscais e de mercado de capitais.
Usualmente consideramos as constituies por referncia a problemas
especificamente polticos. Sem descartar o que pode haver de enviesado na
tentativa de relacion-las antes de mais nada segurana dos mercados,
algumas questes intrigantes surgem na tica da atualidade e da globalizao.Como obter mercados seguros em escala mundial? A heterogeneidade do
ambiente internacional, se resulta em circunstncias diversas para os
diferentes pases do ponto de vista dos valores polticos liberais e de sua
radicalizao democrtica, resulta tambm em diversidade quanto operao
de fatores de crucial relevncia para a estabilidade e o desenvolvimento
econmicos. Uma das provveis consequncias que a marginalidade dos
pases do terceiro mundo significa tambm, e talvez principalmente, uma
excluso de natureza psicossocial. Ela certamente contm como componente a
suspeita relativa confiabilidade de nossas lideranas e instituies quanto
capacidade imediata de garantir a segurana dos mercados, termos em que se
costuma colocar a famosa carncia de credibilidade. Mas talvez uma
dificuldade mais sria resida na patente falta de um substrato psicossocial
comum que ligasse pases centrais e perifricos em algum tipo de comunidade
real e com base no qual se pudesse esperar a construo bem-sucedida de
instituies envolventes de uma eventual constituio planetria de algum
grau de eficcia em estabilizar e dar segurana ao mercado global.
Como se isso no fosse bastante problemtico, resta a questo de que o
mercado global seguro que se pode visualizar nas condies atuais
dificilmente iria alm de um espao de competio capitalista selvagem e
socialmente deletria. Seria demais esperar que o estado rudimentar que
propiciaria tal segurana viesse a ser tambm capaz de autonomia e de ao
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social compensatria, e as anlises da possibilidade de algum tipo de
keynesianismo internacional mostram-se muito cticas mesmo em
circunstncias singularmente favorveis, como as da Unio Europia.
H gente menos pessimista. Geoffrey Garret, por exemplo, acreditapoder apostar ainda nos prprios estados nacionais soberanos. Com apoio em
pesquisas rigorosas, ele aponta no tradicional corporativismo social-
democrtico de diversos pases europeus uma sada em que, contra certa
sabedoria convencional, estados nacionais socialmente autnomos, neutros e
ativos administram a insero econmica exitosa das economias
correspondentes na dinmica global da atualidade.
Parco consolo para ns. Pois como esperar chegar social-democracia ea seu corporativismo benigno?
O Tempo, 7/3/1999
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