te cuida kaká

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Jogos disputados em campos improvisados por que o Brasil é realmente o país do futebol Texto Humberto Peron * Fotos João Marcos Rosa Tecuida, Kaká

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Matéria contando com o futebol está presente em comunidades do interior brasileiro

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Jogos disputados em campos improvisados npor que o Brasil é realmente o país do futebolTextoHumberto Peron * Fotos João Marcos Rosa

o folheiRoJoão Cunha, comcarrego de 40quilos de folhassecas nas costas,na região deCarajás, PA

Tecuida,

Jogos disputados em campos improvisados no interior do país mostramJogos disputados em campos improvisados no interior do país mostrampor que o Brasil é realmente o país do futebolTextoHumberto Peron * Fotos João Marcos Rosa

cuida,TeKaká

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s no interior do país mostraml

Jogos disputados em campos improvisados no interior do país mostramJogos disputados em campos improvisados no interior do país mostrampor que o Brasil é realmente o país do futebol

toRCedoRobserva de lugarprivilegiado umajogada de mestreno campo deEsmeraldas, MG

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Oatacante aplica o drible da vaca para escapar de uma enxadada do adversário e tentauma folha seca ao se aproximar da zona do agrião. Mas é desarmado por um bequede fazenda, que, sem cerimônia, enfia uma bicuda no couro e joga a bola no mato.”se os narradores esportivos vão se cansar de usar expressões como essas durantea Copa da África do sul, em milhares de campinhos espalhados pela zona rural doBrasil, elas acontecem literalmente. É bom lembrar que nesses campos improvisadossurgiram vários jogadores que ajudaram o Brasil a ganhar em cinco oportunidades o

mundial de futebol. na atual seleção de Dunga, o lateral Daniel alves pegava pesado na enxada, em salitre,distrito de Juazeiro, Ba, enquanto o meia elano ajudava o pai a cortar cana, em iracemápolis, sP, sua cidadenatal – aos sete anos, um desastrado no alto do caminhão deixou cair uma caixa de laranja sobre seu pée quase o inutilizou para o futebol. Titular na Copa de 2002, o goleiro Marcos começou a carreira na zonarural de oriente, sP, e seu companheiro, o zagueiro edmílson, aprendeu a jogar bola num descampado àbeira de um laranjal em Taquaritinga, sP, onde ajudava seu pai na colheita. Roberto Carlos, preterido porDunga, nasceu numa fazenda de café, em Garça, no interior paulista, em cujo terreiro deu seus primeirospassos – e chutões. Menino em Três Corações, MG, Pelé fazia embaixadinhas com laranja; e Garrincha ca-çava passarinhos em Pau Grande, RJ. Jogadores renomados aprenderam a driblar bosta de boi em pasto,dominar a pelota em “campos” de barro e enfiá-la na gaveta, em traves de bambu amarradas com cipó,antes de se destacar em grandes estádios nos quatro cantos do mundo.

Um bom exemplo desses simpáticos campinhos rurais é o de Mário de Fátima abreu, o nêgo, produtorde leite em esmeraldas, MG. aos 53 anos, ele não diz não ter mais idade para jogar futebol, mas, enquantoobserva o pastar de seus animais pelo gramado, parece se lembrar dos tempos em que tinha fama de

As vacas ajudam a aparar o gramado, mas deixam “o

nêGo não seabala: quando abola rola morroabaixo, ele põeo pegador nagarupa e vaibuscá-la a cavalo

oRdenha feita,Pamela corre atrásda bola e chuta...com o joelho.De vez em quando,ela acerta o gol

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am “obstáculos” que os atletas precisam driblar

William,21 anos

na difÍCil função de go-leiro, William, mesmo moran-do na zona rural, não gostade ver frangos cruzando peloseu caminho. Talvez por issoseu trabalho diário seja comvacas. Se a atenção é funda-mental para controlar a pro-dução de leite dos 25 animaisque ele supervisiona, quandoestá no gol, além da concen-tração, ele mostra coragempara sair do gol e agilidadepara fazer elásticas defesas,como na foto acima. Semprechamando os companheirospara as partidas, William, sobas traves improvisadas queajudou a montar, tem comogrande ídolo Júlio César, go-leiro titular da Seleção.

Vai Que É sua!O goleiro Williammostra suasqualidadessob as traves

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aleXandRe, 21 anosFanático por futebol,principalmente pelo Cruzeiro,tem sua cama forrada compeças com o símbolo do clube.Nos jogos, tenta ser artilheiro,como Kléber, seu ídolo

PaMela, 21 anosCuidadosa na ordenha, a garota,que joga futebol desde criança,se destaca pela velocidade epela habilidade rara de baterbem na bola com os dois pés

PedRo, 14 anosAcorda diariamente às 4h damadrugada para ir à escola. Navolta, ajuda os pais na rotina dosítio, antes de dar um pulo nocampinho para jogar futebol

O gramado é irregular, a bolaidem, mas o dono deste pé nãose incomoda. Mesmo descalço,ele encaçapa todas

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bonitão,73 anos:lembranças dosbons tempos debeque de fazenda

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zagueiro vigoroso, jogando no time de sua comunidade, Medeiros, onde mora até hoje. “esse campinhoeu fiz junto com meus filhos. Mas um pouco mais para frente tinha um campo grande”, diz, com saudade,lamentando, porém, a qualidade do futebol praticado atualmente. “Hoje a meninada está muito desani-mada. no meu tempo, a gente chegava a andar mais de dez quilômetros para jogar futebol. eu trabalhavana enxada até o jogo começar e ainda tinha fôlego para correr. além disso, os garotos estão indo cada vezmais cedo para buscar um emprego nas cidades grandes”, endossa Heros da Felicidade Resende, que fezfama nos campos da região com o apelido de Bonitão e ainda hoje acompanha o time de sua comunidade,Três Barras, nos campeonatos do município de Fortuna de Minas. Mas os lamentos de Bonitão diminuemquando encontra William, filho de nêgo, a namorada dele, Pamela, e o amigo alexandre. o trio, na faixa dos21 anos, resiste à tentação de abandonar a roça – William até tentou, mas voltou rápido. Todos trabalhamcom pecuária leiteira. acordam cedo, cuidam da ordenha mecânica, da coleta do leite e do controle dequanto cada animal produz. essa rotina se repete logo após o almoço, mas, no final do segundo turno detrabalho, todos já sabem: é hora de buscar Pedro, irmão de William, de 14 anos de idade, para jogar futebol.aí a bola de capotão rola até o por do sol. o garoto promete.

aos domingos é que o campo no sítio de nêgo tem seus dias de Maracanã, com o confronto entre asequipes de Medeiros e Cachoeira. a partida começa às 9h. o time de Cachoeira vai chegando aos poucos,a maioria dos jogadores caminhando. alguns vêm de bicicleta e moto. a cavalo, só o dono do campo. o jogocomeça, sem árbitro, e com as equipes divididas entre os “com-camisa” e os “sem-camisa”. Como todoclássico, a partida tem disputas acirradas, mas os jogadores descalços não fogem das divididas com ospoucos com chuteiras. Dá para ouvir os estalos. aliás, os torcedores são iguais em qualquer lugar. sentadosà sombra da frondosa árvore ao lado do campo, a galera – que inclui os reservas das equipes - não poupaqualquer jogada errada e não para um instante de cornetar os craques. no dia em que a reportagem deG R observou o confronto, o time de Cachoeira acabou levando vantagem. Final de jogo é horado almoço de domingo e ir para os bichos. Mas, calma: a expressão aqui não se refere a algum prêmio pelavitória. significa que muitos dos jogadores vão ter de trabalhar com animais no período da tarde.

Vários jogadores que ajudaram oBrasil a ganhar cinco vezes a Copado Mundo nasceram na roça

patrocíniofutebolaGRáRio

Ao lado do campo,plantação e

bebedouro parao gado

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